Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
75
1
Trabalho convidado.
2
Engenheiro-Agrônomo, M.S., Doutorando em Solos e Nutrição de Plantas da Universidade Federal de Viçosa – UFV,
Pesquisador da Secretaria de Agropecuária do Acre – SEAP, 36570-000 Viçosa-MG, Bolsista Internacional da Fundação Ford,
<earaujo.ac@gmail.com>; 3 Engenheiro Florestal, D.S., Professor do Dep. de Engenharia Florestal da UFV, <gribeiro@ufv.br>.
Resumo: Os objetivos desta revisão de literatura foram resgatar e discutir os trabalhos científicos acerca
dos impactos do fogo sobre a entomofauna do solo. Inicialmente, serão discutidos os aspectos conceituais
da fauna do solo e sua importância para o funcionamento dos ecossistemas. Em seguida, serão apresentadas
as principais limitações ao estudo do assunto, como a amostragem em campo, a matematização do
fenômeno e a diversidade e complexidade desses invertebrados, o que resulta na difícil identificação
taxonômica. Além disto, analisam-se as novas tendências de estudo, ressaltando-se a utilização de
ferramentas mais modernas e eficazes, como a geoestatística e os programas avançados de computador.
A análise baseia-se na abordagem de alguns estudos sobre a microbiota (fungos e bactérias) e a fauna do
solo em ecossistemas florestais. Nesses estudos evidenciam-se, principalmente, os efeitos diretos do
fogo e sua atuação sobre a diversidade e os níveis populacionais existentes, antes e após a queima, seja
a queima de forma controlada ou não. De modo geral, a biota do solo, afetada pela queima, restringe-se
aos primeiros centímetros do solo, devendo ser ressaltado que a intensidade dos danos está relacionada
às variáveis ambientais (temperatura, umidade, relevo, solo e vegetação), bem como à intensidade e
freqüência do fogo, que são difíceis de ser controladas.
Abstract: This literature review aims to discuss the scientific works available on fire impacts on the
entomofauna in the soil. First, the conceptual aspects of the soil fauna and its importance for the
functioning of the ecosystem will be studied, followed by the identification of the main limitations
involved, such as field sampling, phenomenon mathematics, and the diversity and complexity of these
invertebrates, resulting in a difficult taxonomic identification. In addition, the new tendencies of study
are analyzed, emphasizing the use of more modern and effective tools, such as geostatistics and advanced
computing programs. The analysis is based on studies concerning the microbiota (fungi and bacteria)
and soil fauna in forest ecosystems. These studies emphasize, the direct effects of fire, and its role in
the existing diversity and population levels before and after prescribed or non-prescribed burning. It is
concluded that the soil biota affected by burning is mainly restricted to the first centimeters of the soil,
whereas the intensity of the damages is related to the environmental variables (temperature, air humidity,
relief, soil and vegetation), as well as to both fire intensity and frequency, which are difficult to be
controlled.
Key words: Soil invertebrates, prescribed burning, arthropods, soil quality bioindicator and soil biota.
Quadro 1 - Classificação da fauna do solo de acordo com o tamanho, segundo alguns autores (Classification of
soil fauna size, according to some authors)
Quadro 2 - Funções dos principais grupos de organismos do solo (Functions of the major groups of soil organisms)
Grupo Funções
Microrganismos (diâmetro < 200 µm)
a) Bactérias de vida livre – são elementares nos processos de imobilização e de mineralização e
nas associações intestinais mutualísticas, servem como alimento para outros animais; são promo-
Bactérias toras do crescimento de plantas; auxiliam nas associações micorrízicas; podem exercer o papel de
parasita e patógeno do solo; participam nos processos de síntese de matéria orgânica; agregação
do solo; e são decompositoras de agroquímicos. b) Bactérias rizobiais - fixam N atmosférico.
a) Não-micorrízicos – são elementares nos processos de imobilização e mineralização e nas
associações mutualísticas e comensais; alimentos para artrópodes, protozoários e outros fungos;
parasitas de artrópodes e nematóides; participam na síntese de substâncias húmicas e na agrega-
Fungos
ção de solo; e são decompositores de agroquímicos e xenobiontes. b) Micorrízicos - transportam
elementos essenciais e água do solo para raízes de plantas; seqüestram elementos essenciais em
formas não-disponíveis às plantas; são fontes de alimentos para mesofauna e macrofauna.
Microfauna (diâmetro < 200 µm)
fontes de alimento para bactérias e fungos; favorecem o crescimento microbiano; são presas para
Protozoários
nematóides e mesofauna; são hospedeiros de bactérias patógenas e parasitas de vegetais.
alimento para bactérias e fungos; são herbívoros de raízes/parasita de plantas; parasitas/predadores de
Nematóides
microfauna, mesofauna e insetos; e são presas para mesofauna e macrofauna
Mesofauna (diâmetro de 100 µm a 2 mm)
alimento de bactérias e fungos; consumo de liteira de plantas e carcaça de animais; herbívoro de
raízes; dispersores de microrganismos; dispersores e vetores de helmintos; hóspedes de proto-
Ácaros
zoários parasitas; parasitas de insetos e outros artrópodes; presa para macrofauna; e engenheiros
de microecossistemas.
pasto da microflora e microfauna; consumo de liteira e carcaça de animais; micropedadores de
Colêmbolos nematóides; dispersores de microrganismos; dispersores de helmintos e cestódios; hospedeiros
para parasitas; presas para macrofauna; e engenheiros de microecossistemas.
fragmentação de liteira de planta; favorecem o crescimento microbiano; bioturbador; dispersão de
Enchytraeids microrganismos bioturbadores; dispersão de microrganismos e algas; hospedeiros de protozoários e
outros parasitas.
Macrofauna (diâmetro > 2 mm)
Insetos - herbívoros de
modificação da performance da planta; alimentam-se de microrganismos contidos na rizosfera.
raízes
bioturbadores; melhoria no crescimento microbiano; espécie-chave para inquilino em microrga-
Cupins
nismos, fauna e plantas associadas com montículos.
bioturbadores; melhoria no crescimento microbiano; espécie-chave para inquilino em microrganismos,
Formigas
fauna e plantas associadas a formigueiros.
Minhocas engenheiras do ecossistema; favorecimento do crescimento microbiano.
Fonte: Brussard et al. (1997).
combustão (YORK, 1998). O fogo controlado espécies de fungos variam com a idade da
tem sido utilizado para testar seus efeitos queima.
sobre a biota contida no solo e na liteira
Ahlgren e Alhgren (1965) relataram
(COY, 1996; YORK, 1998, WIKARS e
que, em um experimento com pinus, o
SCHIMMEL, 2001; COLLET, 2003; DRESS número e a atividade da maioria dos
e BOERNER, 2003). microrganismos (bactérias, fungos e
O fogo acidental ou incêndio florestal actinomicetos) decresceram imediata-
pode resultar em perda substancial de mente após o fogo, mas aumentaram
vidas humanas, reduzir o valor comercial abruptamente para níveis elevados após
dos produtos florestais e afetar comuni- a primeira chuva pós-queima. Esse
dades de plantas e animais (SMITH, 2000). aumento de microrganismos é atribuído
à lixiviação de cinzas minerais.
Bonfim et al. (2003) relataram que as
Neary et al. (1999) enfatizaram que os
principais causas de incêndios florestais
efeitos sobre os microrganismos são maio-
no Brasil são: queima para limpeza
res em horizontes orgânicos e camadas
(63,7%); queima criminosa ou provocada
superficiais de solo de 1 a 2 cm de profun-
por incendiários (14,7%); fogos de recrea-
didade, onde as populações de microrga-
ção ou acidentais (11,6%); diversos (4,4%);
nismos são mais abundantes.
fumantes (2,9%); estrada de ferro (0,5%);
e queima de origem natural ou provocada Um fato interessante abordado por
por raios, que corresponde a 0,2%. Dress e Boerner (2003) refere-se ao solo
como um excelente tampão contra a
Em ecossistemas florestais, o fogo transferência de calor, o que de certa for-
afeta a biota do solo e modifica seu habitat ma favorece os microrganismos que vivem
(liteira e solo). No entanto, seus efeitos em maiores profundidades.
podem variar em função das condições
climáticas, das características do material - O fogo e a entomofauna do solo
combustível e das características do
próprio fogo (WIKARS e SCHIMMEL, 2001; O fogo afeta, primeiramente, os inver-
COLLET, 2003). tebrados do solo por modificar seu habitat
(SMITH, 2000). Em áreas florestais sub-
- Fogo e os microrganismos do solo (bactérias e metidas à queima a redução da fauna do
fungos) solo varia, dependendo do ecossistema, do
tipo de fogo e da espécie de organismo
Ahlgren (1974) relatou que as bactérias envolvido (AHLGREN, 1974).
são favorecidas em solos mais alcalinos, Os efeitos do fogo sobre a fauna do solo
enquanto os fungos desenvolvem-se em têm reflexos mais intensos nos níveis
solos mais ácidos. Esta é, provavelmente, populacionais, principalmente logo após a
uma das razões para os relatos de que as queima. Wikars e Schimmel (2001), em
bactérias são mais favorecidas em áreas estudo sobre a influência da severidade
recentemente queimadas do que os do fogo e do grau de desmatamento sobre
fungos. O autor ressaltou que, decorrido a fauna do solo, constataram que logo após
algum tempo após a queima, o pH do solo a queima ocorre redução no número de
tende a variar de uma condição alcalina táxons. A maioria dos 17 táxons avalia-
para uma condição mais ácida, uma dos foi reduzida pelo fogo, exceto dois
vez que as cinzas minerais são gradual- grupos de coleópteros (um na fase larval –
mente lixiviadas e, conseqüentemente, as Elateridae; e o outro na fase adulta –
HOFER, H. et al. Structure and function of soil OLIVEIRA, E. P.; FRANKLIN, E. Efeito do fogo
fauna communities in Amazonian anthropogenic sobre a mesofauna do solo: recomendações em
and natural ecosystems. European Journal of áreas queimadas. Pesquisa Agropecuária
Soil Biology, v. 37, n. 4, p. 229-235, 2001. Brasileira, v. 28, n. 3, p. 3587-369, 1993.
HOFER, H. et al. Soil fauna and litter PANKHURST, C. E. Biological indicators of soil
decomposition in primary and secondary health and sustainable productivity. In:
forests and a mixed culture system in GREENLAND, D. J.; SZABOLCS, I. (Eds.) Soil
Amazonian. Bonn: BMBF, 2000. 299 p. (Final Resilience and Sustainable land use.
report of SHIFT project ENV 52) Wallingford: CAB International, 1994.
p. 331-351.
LAVELLE, P. et al. A hierarchical model for
decomposition in terrestrial ecosystems: RADHO-TOLY, S.; MAJER, J. D.; YATES, C.
application to soils of the humid tropics. Impact of fire on leaf nutrients, arthropod fauna
Biotropica, v. 25, n. 2, p. 130-150, 1993. and herbivore of native and exotic eucalypts in
King Park, Perth, Western Australia. Austral
LAVELLE, P. et al. Soil fauna and sustainable Ecology, v. 26, n. 5, p. 500-506, 2001.
land use in the tropics. In: GREENLAND, D. J.;
SZABOLCS, I. (Eds.) Soil resilience and ROSS, H. H. A textbook of entomology.
sustainable land use. Wallingford, UK: CAB Japan: John Wiley & Sons, 1965. 532 p.
International, 1994. p. 291-308.
SMITH, J. K. Wild land fire in ecosystems:
LAVELLE, P. et al. Soil function in a changing effects of fire on fauna. Gen. Tech. Rep. RMRS-
world: the role of invertebrates ecosystems GTR-42-vol. 1. Ogden, UT: U.S. Department of
engineers. European Journal Soil Biology, Agriculture, Forest Service, Rocky Mountain
v. 33, n. 4, p. 159-193, 1997. Research Station. 2000. 83 p. Disponível em:
<http://www.fs.fed.us/rm>. Acesso em: 15
LEITÃO-LIMA, P. S.; TEIXEIRA, L. B. dez. 2003.
Distribuição vertical e abundância de
mesofauna do solo em capoeiras. Belém: STORK, N. E.; EGGLETON, P. Invertebrates as
Embrapa, 2002. 4 p. (Embrapa Belém. Boletim determinants and indicators of soil quality.
Técnico, 63) American Journal of Alternative Agriculture,
v. 7, n. 1-2, p. 38-47, 1992.
MADONG, B.; NKOLBISSON, I. Impacts on
some hidden aspects of biodiversity: the case TAPIA-CORAL, S. et al. Macrofauna do solo em
of soil organisms. Disponível em: < http:// sistemas agroflorestais na Amazônia Peruana.
economics.iucn.org >. Acesso em: 15 dez. In: CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE
2003. (Presented at a Workshop on Biodiversity SISTEMAS AGROFLORESTAIS, 4., 2002,
and Impact Assessment in Central Africa- Ilhéus. Anais.... Bahia: CEPLAC, 2002. CD
Yaonde, Cameron, 30-31 de March 1999). ROM