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GOIÂNIA
2002
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
LILIAN VYVIANNE DE CASTRO FREITAS
GOIÂNIA
2002
Banca Examinadora: Nota para a monografia jurídica:
_______________________________ ____________________________
Professor-orientador
_______________________________ ____________________________
Professor-membro
iv
Dedico este trabalho a todos os meus
familiares que acreditaram em meu esforço e
contribuíram para meu sucesso como
estudante
v
Ao professor Ari Ferreira de Queiroz
vi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ______________________________________________ 1
I - TEORIA GERAL DO CRIME _________________________________ 4
1 O crime em si ____________________________________________ 4
2 Ilícito penal e ilícito civil ____________________________________ 4
3 Do crime culposo__________________________________________ 6
4 Do crime doloso __________________________________________ 8
5 Crime qualificado pelo resultado ______________________________ 9
6 O dolo _________________________________________________ 11
6.1 Noções _____________________________________________ 11
6.2 Dolo direto __________________________________________ 12
6.3 Dolo indireto_________________________________________ 12
7 A culpa ________________________________________________ 12
7.1 Elementos do fato típico culposo __________________________ 13
7.2 Espécies de culpa _____________________________________ 13
7.2.1 Culpa consciente e inconsciente:______________________ 13
7.2.2 Culpa própria e imprópria ___________________________ 14
7.2.3 Culpa mediata ou indireta ___________________________ 14
7.3 Elementos da culpa ____________________________________ 15
II – DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE___________________ 16
1 Teorias para distinção ____________________________________ 16
1.1 Teorias intelectivas ___________________________________ 16
1.2 Teorias volitivas _____________________________________ 19
2 Dolo eventual __________________________________________ 20
vii
3 Culpa consciente ________________________________________ 22
4 Distinção entre dolo eventual e culpa consciente_________________ 23
CONCLUSÃO ______________________________________________ 29
ANEXOS __________________________________________________ 34
1 SENTENÇA CASO CARREFOUR____________________________ 35
2 SENTENÇAS CASO PATAXÓ ______________________________ 47
BIBLIOGRAFIA ____________________________________________ 67
viii
INTRODUÇÃO
1
Ao definir dolo eventual e culpa consciente, constata-se uma estreita
diferença, difícil de ser provada na prática.
A doutrina sempre procurou adotar fórmulas e elaborar teorias que
pudessem esclarecer a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Embora
haja referências a critérios assentados no risco e na estrutura da atividade
volitiva, podemos classificar essas várias teorias em dois grandes grupos,
conforme a divisão dos elementos que compõem o dolo e a estrutura do tipo:
teorias intelectivas e teorias volitivas, às quais abordamos ao longo desta obra.
No dolo eventual o agente prevê o resultado e aceita-o, embora não seja
ele seu objetivo. Já a Culpa consciente ocorre quando o agente, prevendo o
resultado e não o desejando, age de modo a ensejá-lo.
Não se confunde, portanto, culpa consciente com dolo eventual, porque
neste o sujeito ativo aceita o resultado, pouco se importando com a sua
realização.
O fato polêmico, porém, se encontra na aplicação. Como decidir em
aplicar um ou outro no caso concreto? Na verdade, é realmente bastante difícil
provar que o sujeito ativo aceitava ou não o resultado previsível de seu ato.
As conseqüências da má caracterização geram injustiças, portanto, ao
imputar como dolo eventual o que era culpa consciente refletindo bastante na
dosagem da pena. Casos como esse, mesmo que raros, geram grande
repercussão quando ocorrem.
Em 1997 houve o caso do Índio Pataxó, de grande repercussão na
imprensa, o qual encontra-se em anexo neste trabalho.
O objetivo desta obra, além de esclarecer a distinção entre dolo eventual
e culpa consciente, é o de analisar a aplicação de um ou outro em casos
concretos.
Para isso, tratamos brevemente sobre a Teoria Geral do Crime, fazendo
a distinção entre um e outro e, posteriormente, tratando sobre toda essa
polêmica.
3
I - TEORIA GERAL DO CRIME
4
1 O crime em si
O ilícito penal tem relevância ao Direito Penal. Já o ilícito civil, por sua
vez, tem relevância para o art. 159 do Código Civil que trata dos Atos Ilícitos.
1
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, 1997, Capual, Diritto penale, parte generale,
Milano, 1945, p.79.
“Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a repara o
dano”.
3 Do crime culposo
2
Comentários ao Código Penal. V.1, T.2, p.35. Rio de Janeiro, Forense, 1977.
6
A partir daí, devemos analisar a culpabilidade. Se o sujeito agiu na
intenção de impedir o resultado segundo seu poder individual, se constatou a
diligência pessoal possível segundo suas próprias aptidões. Se assim não fez,
constatar-se-á, a reprobabilidade, levando à culpabilidade.
A tipicidade da conduta conduz a sua ilicitude.
Tem a doutrina conceituado crime culposo como a conduta voluntária
(ação ou omissão) que produz um resultado antijurídico, não querido, mas
previsível (culpa inconsciente), e excepcionalmente previsto (culpa consciente),
que podia, com a devida atenção, ser evitado.
Para a teoria finalista, os crimes dolosos e culposos consistem duas
categorias independentes, com estruturas próprias.
Na doutrina tradicional, a culpa (em sentido estrito), como forma de
culpabilidade, está fundada na previsibilidade do resultado, tendo neste ser
elemento fundamental. Para a teoria finalista, o fulcro do crime culposo não é o
resultado e sim o desvalir da ação, que é a violação do cuidado objetivo
configurado na imprudência, imperícia ou negligência.
Observa Fragoso:
7
4 Do crime doloso
3
FRAGOSO, Hungria. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio: Forense, 1978. v.1, t.2, p. 514.
8
Ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o
resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele antevê o resultado e
age. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não detém e ele pratica a
conduta, consentimento no resultado.
O autor tem consciência da realização do tipo legal se praticar a conduta
e se conforma com isso. Ele não quer o resultado, mas age.
Age também com dolo eventual o agente que, na dúvida a respeito de
um dos elementos do tipo, se arrisca em concretizá-lo. Atua com dolo eventual,
por exemplo, aquele que pratica ato libidinoso com jovem na dúvida de que
tenha a mulher mais de 18 anos, cometendo crime de corrupção de menores (art.
218); comete crime contra os costumes com presunção de violência (art. 224)
aquele que, na ignorância, tem dúvida ou incerteza quanto à idade da vítima que
é menor de 14 anos, e com ela mantém conjunção carnal ou pratica outro ato
libidinoso.
4
FRAGOSO, Hungria. Comentários. Op. cit. v. 52, p.81.
5
Lesões Corporais. In: Justitia, v. 52, pág. 8.
6
Direito Penal: Crimes contra a pessoa 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973 p.151.
10
6 O dolo
6.1 Noções
Mister se faz esse estudo para que não seja considerado como culpa o
que, na realidade, é dolo e vice-versa.
Isto porque existe uma grande diferença na punição desses crimes, como
dispõe o parágrafo ou único do artigo.
“Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como
crime, senão quando a prática dolorosamente”.
11
Trataremos agora do dolo direto e dolo indireto. São as espécies do
dolo.
7 A culpa
12
que não se realizaria, bem como quando quis o resultado, limitando, entretanto,
em inescusável erro de fato.
13
A previsão, por ser elemento do dolo, encontra-se excepcionalmente
neste tipo de culpa, a culpa consciente. O agente prevê o resultado mas
levianamente acredita que este não ocorra. A grande polêmica está em
diferenciar está espécie de culpa de dolo eventual, o que aliás é um dos grandes
objetivos deste trabalho.
Na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora
previsível. É a culpa comum, que se manifesta pela imprudência, negligência ou
imperícia.
14
7.3 Elementos da culpa
“Diz-se crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia.”
15
II – DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
16
1 Teorias para distinção
19
2 Dolo eventual
7
RT 441/326
8
RT 380/302
9
RT 454/362
20
O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é
executado. Assim, nada impede que o agente, embora prevendo resultado morte,
o aceite e pratique o ato usando de meio que surpreenda a vítima, o dificultando
ou impossibilitando a defesa, tal o quadro que se entremostra nos autos.
Damásio nos dá outro exemplo que deixa bastante evidenciado a
distinção entre dolo direto e dolo eventual.
“Ex.: o agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando com outra
pessoa. Percebe que, atirando na vítima, pode também atingir a outra pessoa. Não
obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar o terceiro é-lhe indiferente
que este é o último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro. Para ele,
tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não queira o evento.
Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por dois crimes de
homicídio: o primeiro, a título de dolo direto; o segundo, a título de dolo
eventual10 ”
Trata a jurisprudência:
Ementa
Dolo eventual, sua apreciação através da prova; falta de cautelas necessárias para
produção do evento danoso; denegação do habeas-corpus. (RHC – 35112, Relator
Min. Afrânio Costa, EMENT VOL – 00315 – 01, PG – 00104, RTJ VOL – 00002
– 01, PG – 00625, Julg. 5/8/1957 – Tribunal Pleno, STF).
Ementa
21
II – É de ser admitido o dissídio pretoriano se, em caso semelhante, no pactum
saliens, há divergência de entendimento no plano da valoração jurídica.
III – Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em delitos praticados no
trânsito. na hipótese de "racha", em se tratando de pronúncia, a desclassificação da
modalidade dolosa de homicídio para a culposa deve ser calcada em prova por
demais sólida. no iudicium accusationis, inclusive, a eventual dúvida não favorece
os acusados, incidindo, aí, a regra exposta na velha parêmia in dubio pro societate.
IV – O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor mas, isto sim,
das circunstâncias. nele, não se exige que resultado seja aceito como tal, o que seria
adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do
possível, provável.
V – O tráfego é atividade própria de risco permitido. o "racha", no entanto, é – em
princípio – anomalia que escapa dos limites próprios da atividade regulamentada.
VI – A revaloração do material cognitivo admitido e delineado no acórdão
reprovado não se identifica com o vedado reexame da prova na instância incomum.
faz parte da revaloração, inclusive, a reapreciação de generalização que se
considera, de per si, inadequada para o iudicium acusationis.
recurso provido, restabele cendo-se a pronúncia de primeiro grau. (RESP
247263/MG, DJ, DATA 20/08/2001, PG 00515, REPDT DATA 24/09/2001, PG:
329, Relator Min. Félix Fisher (1109), 05104/2001, TS, Quinta Turma, STF).
3 Culpa consciente
10
Op. cit. p. 285.
22
o companheiro. Confia, porém, em sua pontaria, acreditando que não virá a
matá-lo. Atira e mata o companheiro. Não responde por homicídio doloso, mas
sim por homicídio culposo (CP, art. 121, §3º)11. Note-se que o agente previu o
resultado, mas levianamente, acreditou que não ocorresse12.
Trata a jurisprudência:
Ementa
11
Art. 121, § 3º: “Matar Alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. (...)§ 3º. Se o homicídio é
culposo: Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) anos”.
12
Op. cit., p. 295.
23
Mas, na prática, o que ocorre é uma verdadeira polêmica para se aplicar
em casos concretos, uma, ou outra denominação.
Isto porque, são penas bastante diversas para condições pouco diversas.
O liame de diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente é muito estreito.
A pena para homicídio culposo, ao caracterizar tal fato como culpa
consciente, é de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos (CP, art. 121, § 3º).
Já para a condição de homicídio doloso a ser caracterizado como dolo
eventual, a pena será de no mínimo 6 (seis) a 20 (vinte) anos (CP, art. 121,
caput), tendo ainda seus atenuantes e agravantes.
Esta questão atormenta juristas de todo o mundo jurídico, pelo menos do
ocidente. Com efeito, na Itália, por exemplo, Giuseppe Bettiol, depois de
considerar importante a distinção que comumente se estabelece entre o dolo
direto e o eventual, procura extremar, com base em Frank, este último da culpa
com “previsão” (ou consciente), dizendo que
13
JUSTITIA, Doutrina, São Paulo, 55 (162), abril-junho. 1993 - apud, in Direito Penal, tradução brasileira de
Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco, Editora Revista dos Tribunais, abril de 1977, Volume II,
páginas 109/111
24
A prova, sem dúvida, não é fácil. O que interessa é que ela não deve ser
exclusivamente dessumida do caráter do réu, mas de todo o complexo de
circunstâncias que determinam a capacidade de delinqüir do réu.
Concluiu-se, portanto, que se faz necessário confrontar casos concretos
com lições doutrinárias colacionadas, preenchendo a lacunosa proposição
normativa do dolo eventual, expressa na perigosa cláusula “assumir o risco de
produzir o resultado”.
Essa necessidade se baseia nas injustiças, que muitas vezes ocorre,
considerando alguns casos de culpa consciente como de dolo eventual.
A representação do resultado como possível e a anuência aqui ele ocorra
são dado íntimos da psicologia do sujeito, que não podem ser apreendidos
diretamente, mas só deduzidos das circunstâncias do fato. Há que se confirmar,
a existência daqueles elementos necessários ao julgamento da situação psíquica
do agente em relação ao fato como dolo eventual. Se elas não conduzem
seguramente a esta conclusão, e a dúvida se mantém, deve-se admitir a solução
menos severa, que é a da culpa consciente14.
É com a Aníbal Bruno, fundado em Frank, que é estudioso da matéria,
que vamos encontrar preciosos elementos para nortear a compreensão do
problema e encontrar a solução que se apresenta mais consentânea com a
realidade.
Com efeito, inicia ele a análise elucidando a confirmação entre o dolo
eventual e a culpa com o seguinte exemplo figurado, extraído de Welzel:
“Se o agente, prevendo, embora, o resultado, espera sinceramente que este não
ocorra, não se pode falar de dolo, mas só de culpa. É a culpa com previsão ou
consciente. Um empregado de fazenda provoca involuntariamente o incêndio de
um celeiro cheio de feno, onde, ao fim do dia, tinha ido fumar o seu cachimbo,
prevendo, embora, que daí resultasse o fogo. Se ele esperou sinceramente que tal
resultado não ocorresse e por isso aventurou-se ao ato imprudente, o seu caso é de
14
Op. cit. p.. 15 e 16.
25
culpa com previsão. Se porém, por causa de uma rusga com o patrão, por
exemplo, pouco se lhe dava que esse resultado previsto ocorresse ou não, o que se
configura é o dolo eventual.15 ”
Em seguida, elucida-nos:
“Duas teorias distintas procuram traçar os limites inferiores do dolo eventual, isto
é, a sua delimitação da culpa consciente - a teoria da probabilidade de e teoria do
consentimento”.
15
Op. cit. p. 16.
26
“seja como for, aconteça isto ou não, em todo caso agirei”.
Ementa
Ementa
16
In Direito Penal, Forense, Rio, 1978, Parte Geral, tomo 2.º, págs. 74/75
27
Competência - habeas-corpus - ato de tribunal de justiça. Na dicção da ilustrada
maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas,
compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus
impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior.
28
CONCLUSÃO
29
O Conceito material do crime tem relevância jurídica, uma vez que leva
em conta seu conteúdo teleológico, abrangendo os bens protegidos pela lei
penal. Deste ângulo o crime nada mais é que a violação de um bem penalmente
protegido.
Formalmente, o crime é um fato típico e antijurídico, tendo a
culpabilidade como pressuposto da pena.
O fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo que
provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como infração).
A antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico e o
ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal incriminadora será
ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarado lícita.
A culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar
ligado o homem a um fato típico e antijurídico.
O crime não deve ser confundido com o ilícito civil. Na verdade, não há
diferença substancial ou ontológica entre o ilícito penal e o civil. Em sua
essência, não há diferença entre eles. A diferença é de natureza legal e
extrínseca: o ilícito penal é um injusto sancionado com a pena, o civil é o injusto
que produz sanções civis. Somente se atendendo à natureza da sanção é que
podemos determinar se nos encontramos em face de um ou de outro.
Cabe ao legislador, tendo em vista a valoração jurídica dos interesses da
comunidade, estabelecer se a sanção civil se apresenta eficaz para a proteção da
ordem legal, aparecendo a necessidade de determinação da penal. Em suma,
seguindo a lição de Hungria, podemos dizer que ilícito penal é a violação do
ordenamento jurídico, contra a qual, pela sua intensidade ou gravidade, a única
sanção adequada é a pena, e ilícito civil é a violação da ordem jurídica, para cuja
debelação bastam as sanções atenuadas da indenização , da execução forçada, da
restituição in specie , da breve prisão coercitiva, da anulação do ato, etc.
Diz-se o crime doloso quando o sujeito quer ou assume o risco de
produzir o resultado. Culposo quando o sujeito dá causa ao resultado por
imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II).
O dolo, de acordo com a teoria finalista da ação, a qual adotamos, é
elemento subjetivo do tipo. Integra a conduta, pelo que a ação e a omissão não
constituem simples formas naturalísticas de comportamento, mas ações ou
omissões dolosas.
A teoria finalista da ação sustenta que o dolo é natural, correspondendo
à simples vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo, não portando a
consciência da ilicitude. Não comportando ainda a consciência da
antijuridicidade, que pertence à culpabilidade. De acordo com Welzel, o dolo
abrange o objetivo que o sujeito deseja alcançar, os meios que emprega para isso
e as conseqüências secundárias que estão necessariamente vinculadas com o
emprego dos meios.
O dolo deve abranger os elementos da figura típica. Assim, para que se
possa dizer que o sujeito agiu dolosamente, é necessário que seu elemento
subjetivo tenha-se estendido às elementares e às circunstâncias do delito.
A culpa com determina a teoria finalista da ação, também constitui
elemento do tipo. Isto porque esta teoria não se preocupa apenas com o
conteúdo, da vontade, o dolo, que consiste na vontade de concretizar as
características objetivas do tipo penal, mas também com a culpa. As ações que,
produzindo um resultado causal, são devidas à inobservância do mínimo de
direção finalista no sentido de impedir a produção de tal conseqüência,
ingressam no rol dos delitos culposos.
31
São elementos do fato típico culposo a conduta humana voluntária, de
fazer ou não fazer, a inobservância do cuidado objetivo manifestada através da
imprudência, negligência ou imperícia, a previsibilidade objetiva, a ausência de
previsão, o resultado involuntário, o nexo de causalidade e a tipicidade.
Dentre essas classificações de dolo e culpa, há peculiaridades, as quais
justificam todo este presente trabalho.
Dento da culpa vamos encontrar a Culpa Consciente, que se apresenta
por ser uma exceção. Nela o resultado é previsto pelo sujeito, mas este espera
levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. Há aqui a previsão em
caráter excepcional, pois que este é elemento característico do dolo.
Dentro do dolo temos o Dolo Eventual. Neste o sujeito assume o risco
de produzir o resultado, admite e aceita o risco de produzí-lo. A vontade não se
dirige àquele resultado específico, mas à conduta. Percebe que é possível causar
o obstáculo e, não obstante, realiza o comportamento.
Fazer essa diferenciação é de suma importância, principalmente no que
tange à aplicação da pena.
Tanto no Brasil como em todo o mundo se travam interessantes debates
dialéticos acerca da busca da distinção sobrenatural inteligível entre o dolo
eventual e culpa consciente.
O art. 18, I do código penal brasileiro, acolhe a teoria do dolo eventual,
pois admite pelo simples fato de assumir o risco de produzir o resultado. Neste
Particular a fórmula do código é incompatível com um direito penal de garantia,
necessitando do posicionamento doutrinário.
Doutrinariamente, o dolo deverá se baixar em dois fundamentos que são
a consciência do agente de que sua atuação poderá lesar seriamente ou por em
risco um bem jurídico e a indiferença diante dessa possibilidade.
Outro aspecto relevante é a questão se o dolo eventual pode ser
compatível com estados afetivos ou emocionais do agente. Este estado
emocional poderia gerar dúvidas acerca da posição de indiferença por parte do
32
sujeito em relação à lesão ou não do bem jurídico, o que deverá levar à exclusão
do dolo eventual, em face do princípio “in dubio pro reo”.
33
ANEXOS
34
1 SENTENÇA CASO CARREFOUR
Autos nº 085/96
Autor: Ministério Público
Réus: Levi Fonseca Moreira, Adriana Santos do Amaral, Webert Lacerda da Silva, Elion de Souza Lima, Jason
Alessandro Benevides Duarte, Alexandre Teixeira Neto e Fernando Freitas Carneiro
Denúncia: arts. 121, § 2º, V, 171, caput, c/c 14, II e 288, par. único ao primeiro e arts. 171, caput, c/c 14, II e
288, par. único aos demais, todos c/c arts. 29 e 69, ambos do CP.
SENTENÇA
RELATADOS. DECIDO.
Como ficou exposto no relatório, 7 são os acusados, apenas o primeiro deles incurso em crime cuja
competência é deste juízo, estando os demais no mesmo processo por alegada conexão, o que provoca a reunião
e o simultaneus processus. De outro lado, as defesas alegam nulidades processuais, que, uma vez reconhecidas,
impedem a apreciação do mérito, por isso delas devo conhecer em primeiro lugar:
a) não nomeação de curador isento e imparcial aos menores de 21 anos, Alexandre, Fernando e Adriana;
b) inexistência de conexão ou continência que autorize a reunião de processos, ponto rebatido por todos os réus,
exceto Levi, autor do disparo da arma que matou a vítima;
c) inépcia da denúncia quanto a Jason por não ter descrito de forma individualizada qual o seu comportamento
no caso;
d) incompetência deste juízo para processar e julgar todos acusados menos Levi, vez que seus crimes não são
contra a vida e justamente por não ter ocorrido a conexão ou continência com o homicídio, que autorizaria o
simultaneus processus.
Além de tais preliminares a defesa de Webert e Elion, batendo na mesma tecla da inexistência de
conexão ou continência, suscita a aplicação da lei 9099/95, que instituiu rito próprio para os crimes cuja pena
mínima não seja superior a 1 ano.
Não procede a alegação de nulidade do processo por defeito na nomeação de curador especial, porque
se tal defeito houve foi apenas quanto ao inquérito, vez que em juízo cada um foi interrogado na presença do
respectivo advogado, que funcionou também como curador. A nulidade, então, quando muito poderia atingir o
inquérito e o flagrante, não se comunicando com a atividade jurisdicional. Neste sentido é farta a jurisprudência
de todos os tribunais e dela não diverge a Corte deste Estado, como se vê de julgado relatado pelo E. Des. Byron
Seabra Guimarães:
EMENTA: "APELAÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL: NULIDADES - DENÚNCIA:
INÉPCIA - CONEXÃO - PREVENÇÃO - "PERPETUATIO JURISDICTIONIS" - JUÍZO
NATURAL. - Possíveis nulidades do inquérito policial não invalidam o processo de
conhecimento. Não é inepta a denúncia que, mesmo sucintamente, descreve dando
oportunidade de ampla defesa aos acusados. - Se o furto ocorreu na comarca de Itumbiara
e a receptação na de Uruana, há conexão de causas, e porque idênticas as penas, fixa a
competência pela prevenção: no caso, o juízo da comarca de Itumbiara que recebeu a
denúncia, o primeiro a tomar conhecimento do fato, conforme o comando do artigo 83 do
Código de Processo Penal. A competência do juízo é um dos pressupostos de validez do
processo. Em virtude da perpetuatio iurisdictiones e do princípio do juízo natural (artigo
5º, inciso LIII, da Constituição Federal), conheço da apelação e decreto, de ofício, a
nulidade do processo, na forma explicitada no voto, remetendo-se os autos ao juízo
competente". Acórdão de 24/03/94, relator, Des. Byron Seabra Guimarães.
Demais disso, esta questão já foi ventilada nos habeas corpus impetrados em favor da ré Adriana
Santos Amaral (fls.322) e Webert Lacerda da Silva (fls. 404), tendo sido rejeita em ambas as oportunidades.
Assim, considero superada e rejeito esta preliminar.
Fosse comarca do interior do Estado, em que não há vara privativa para processo e julgamento de
crimes conforme o tipo de procedimento, o questão em enfoque não constituiria problema dos mais relevantes,
posto que qualquer que fosse o delito seria julgado pelo mesmo juiz, pelo menos quanto à primeira fase do
procedimento. No entanto, nesta capital há vara privativa para processo e julgamento de crimes dolosos contra a
vida, como o imputado a Levi Fonseca Moreira, e para os crimes punidos com a pena de reclusão, como o são os
dos arts. 171 e 288, atribuído a todos os acusados.
Trata-se, no caso de competência absoluta, que não pode ser modificada por convenção das partes.
À guisa de esclarecimento, para melhor adequação da caso concreto à solução que me proponho
apresentar, supondo que a denúncia fosse apenas em relação a Levi, que a toda evidência utilizou o cheque
furtado e a falsa identidade, como admite nas alegações finais, inteira aplicação teria o disposto no art. 78, I,
CPP, que estabelece o foro de atração ao Tribunal de Júri para ambos os crimes. Levi responderia, pois, perante
este juízo tanto pelo crime de homicídio como pela tentativa de estelionato. Se fosse desclassificado o homicídio
para culposo, como pediu nas alegações finais, a juízo da vara dos crimes punidos com reclusão deveria ser
remetido o processo, mas ainda assim reunido.
Como, porém, a denúncia incluiu mais 6 pessoas, todas por tentativa de estelionato e formação de
quadrilha, crimes que originariamente não são de competência deste juízo, realmente a questão se torna
relevante, vez que configurada a conexão, ou continência, fica prorrogada, também com suporte no mesmo art.
78, I, CPP.
“é o nexo, a dependência recíproca que as coisas e os fatos guardam entre si. A conexão existe
quando duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo, um nexo, um liame que
aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro
probatório”. Mais adiante o mesmo mestre ensina que “nas hipóteses de conexão ou
continência, como deve haver um simultaneus processos, é preciso que uma infração exerça vis
atractiva sobre as demais, prorrogando-se, assim, a competência do juízo de atração”.
Assim, se resultar provada a conexão, pela necessidade de se apurar em bloco as infrações, impõe-se
a reunião dos processos. Ao contrário, a separação é pelo menos medida de justiça, até porque mesmo em caso
de condenação, pelas penas previstas em lei e pelo perfil dos agentes, não se autorizaria o regime fechado.
Ora, não há dúvida de que se pode falar em conexão quanto aos crimes de estelionato e formação de
quadrilha, posto que este só se configura quando os agentes se reúnem para o fim de cometer crimes, no caso,
segundo a denúncia, para o fim de praticar estelionato nesta capital. Portanto, a prova da intenção de praticar tais
crimes de estelionato é essencial para provar a ocorrência, ou não, da quadrilha.
Também há conexão entre o crime de formação de quadrilha e os demais, incluindo o homicídio,
posto que, praticado por um dos integrantes do grupo, cuja intenção a denúncia afirma ser de conhecimento dos
demais.
Assim, nulidade no processo sob ao argumento de que inexiste a conexão que autoriza e determina a
reunião de processos, posto que a prova de uma infração incide na de outra, nos termos do art. 76, III, CPP.
Por isso, não acolho a preliminar de desmembramento do processo.
Há, porém, a questão levantada por Webert Lacerda da Silva e Elion de Souza Lima, relativamente à
aplicação da lei 9099/95, que prevê a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89.
Aliás, esta me parece ser questão que deve anteceder as outras, porquanto, tratando de crime isolado,
implica em regra mais benéfica, portanto, de aplicação obrigatória. Do ponto de vista processual, no entanto,
duas dúvidas surgem:
a) aplica-se a regra prevista no art. 89 da lei 9099/95 mesmo quando se trate de concurso de agentes, cujo
procedimento seja de competência do tribunal do juri?
b) sendo positiva a resposta à pergunta, aplica-se regra do mesmo artigo quando ao réu seja atribuída duas ou
mais infrações em concurso material, cujas penas somadas ultrapassem o mínimo legal de 1 ano, como se dá
com a tentativa de estelionato e quadrilha ou bando?
Segundo o art. 5º, XL, CF, a lei que de qualquer forma beneficiar o réu é a que se lhe aplica. Assim,
regras previstas em leis processuais, que estabelecem a reunião de processos ou outra causa, não têm aplicação
quando colidirem com leis que beneficiem o agente. No caso, o disposto no art. 89, da lei 9.099/95, é mais
benéfico. Por conseguinte, a questão colocada na letra “a” deve ser respondida afirmativamente prevalecendo
sobre a regra prevista no art. 78, I, CPP, que determina a reunião de processos.
Por isso, talvez haja aqui outra dúvida de ordem processual, antes de se responder a tais indagações.
Refiro-me à competência deste juízo, justamente para apreciar o caso, pois, se a final restar demonstrada a
necessidade de se desmembrar o processo, poderá parecer que terei feito pré-julgamento ou invadido esfera de
competência de outro juízo.
No entanto, refletindo sobre o assunto, concluo que devo analisar o caso e só remeter os réus ao juízo
da vara dos crimes punidos com reclusão se responder afirmativamente às duas questões, vez que, caso contrário
deve prevalecer a regra já analisada - de simultaneus processus.
Pois bem. Segundo a denúncia os réus infringiram em concurso material (art. 69, CP) o art. 171,
caput, c/c art. 14, II, e art. 288, par. único, ambos do CP. A pena para a o crime de quadrilha ou bando prevista
no par. único do art. 288 é aumentada pelo dobro, chegando, pois, a 2 anos no mínimo, enquanto a mínima do
estelionato tentado é de 4 meses. Nos termos do art. 69, CP, as penas devem ser somadas, totalizando, então, o
mínimo de 2 anos e 4 meses de reclusão.
O art. 89, da lei 9099/95 autoriza a suspensão condicional do processo quando a pena mínima
cominada em lei não for superior a um (1) ano. Esta é a questão. Se fosse só o estelionato, caberia a aplicação da
regra. Se fosse só a quadrilha (art. 288, caput), também caberia, posto que a pena mínima de um e outro não
extrapolaria o limite legal. No entanto, aos réus foi atribuído o par. único do art. 288, cuja pena por si já é maior
que o limite mínimo, posto que é dobrada.
Além disso, há a questão posta, de se saber se podem ou não serem somadas as penas para, efeito de
aplicação do art. 89, da lei 9099/95.
Não há ainda, que seja de meu conhecimento, posição jurisprudencial a respeito. Também as fontes
doutrinárias não tocam no problema. Penso, então, que devo recorrer à analogia e valho-me dos princípios que
informam, no procedimento comum, o concurso de crimes e crime continuado, em casos de sursis. A
jurisprudência neste ponto é uníssona no sentido de que se deve considerar a pena total:
“Se um dos pressupostos do sursis é não exceder e pena de detenção a dois anos ou, ao
mesmo limite, a de reclusão, seria absurdo concedê-lo quando as duas pena, cumuladas,
ultrapassam esse limite” (julgado do STF in RT 483/386).
“Não se aplica à disciplina do sursis o desmembramento das infrações continuadas, para
efeito de considerar-se a pena-base imposta por um só dos delitos da série, devendo-se levar
em conta, ao contrário, o quantum final da pena resultante da condenação” (julgado do
TACrimSP, in JUACRIM 15/135).
Em sede doutrinária, Luiz Fux e Weber Martins Batista (Juizados Especiais Cíveis e Criminais e
Suspensão Condicional do Processo, pág. 292), apontam a mesma solução. Dizem que só se aplica a regra
prevista no art. 61 da citada lei quando o máximo das penas somadas não ultrapassar o limite legal.
É o que penso também. Se as penas impostas aos réus, em tese, abstratamente consideradas pode
exacerbar o limite de um (1) ano, no mínimo, seria ilógico admitir-se a suspensão condic ional do processo para
apenas um dos crimes, no caso o estelionato tentado.
Por conseguinte, como se trata de crime em concurso material, cujas penas, em tese, somadas,
excedem o mínimo de 1 ano, nego acolhimento à preliminar levantada por Webert Lacerda da Silva e Elion de
Souza Lima, mantendo reunidos os processos e, em conseqüência, a competência deste juízo, porque a lei que
seria mais benéfica não tem aplicação ao caso. Não há, assim, ofensa ao preceito constitucional.
Finalmente, em face do que restou exposto, nego acolhimento a todas as preliminares, da forma como
foram ventiladas e passo ao exame do mérito.
A Levi, além da imputação quanto ao crime de quadrilha, foi atribuída o crime de homicídio
qualificado, por ter sido ao autor do disparo de arma de fogo que matou Marcos Barros Maciel.
Alega o réu que o tiro foi disparado quando se descobriu a farsa do “cheque frio”, se prontificou a
pagar em dinheiro, mas o gerente recusou a oferta e nesse instante, várias pessoas no recinto, uma delas colocou
a mão em seu ombro. Foi neste momento, segundo diz, que sacou de sua arma calibre 38, que trazia na cintura, e
apontou para cima. A vítima segurou e torceu seu braço, sendo que a arma disparou.
O laudo de exame cadavérico aponta que o disparo foi a queima-roupa.
O fato foi presenciado por Regivam, Francisco e Claudinei. Regivan (fls. 187) disse que a vítima
estava no rumo da porta junto com Claudinei e Eurípedes e Levi tinha que passar, necessariamente, por eles, para
sair. Disse também que não presenciou a vítima fazer qualquer gesto agressivo contra Levi.
Francisco disse (fls. 193) que a vítima estava entrando na sala na hora em que foi disparado o tiro, e
que Claudinei estava entre o réu e vítima e encostou a mão no ombro dele. Foi nesta hora, Claudinei entre
ambos, que Levi disparou em sua direção, mas acertou a vítima, que estava entrando na sala. Claudinei só não
foi atingido porque percebeu a arma e pulou de lado.
Claudinei (fls. 199), confirmando depoimento prestado na fase policial disse que quando Marcos (a
vítima) abriu a porta “deu de cara com Levi” e nesta hora tomou o tiro (fls. 17).
As evidências são fortes, de que Levi, realmente, atirou porque quis. Estava armado, entrou no
supermercado para praticar estelionato e quando se viu encurralado quis abrir passagem a qualquer custo. Atirou
em direção onde estava o segurança Claudinei, mas, por infelicidade da vítima, acabou atingindo-a no momento
em que entrava no recinto.
Ainda que se admita que Levi não teve a intenção de matá-lo, pelo menos assumiu o risco, vez que
efetuou disparo de arma de fogo em local pequeno com várias pessoas em seu interior. Como diz Aníbal Bruno,
o réu agiu com dolo eventual, pois,
“No dolo indireto ou indeterminado o querer do agente se degrada, não é tão definido em
relação ao resultado como no determinado ou direto propriamente dito. Não há, então, uma
direção segura de vontade. O agente prevê e admite a ocorrência eventual de um resultado,
ou quer um ou outro entre vários resultados previstos”.
Porém, é essencial que o agente tenha se conduzido consentindo o resultado. Ora, Levi viu Claudinei
em sua frente, bem como Francisco que estava ao lado deste e, querendo sair do ambiente que lhe era
desfavorável, o que é natural, não viu alternativa senão atirar para abrir caminho. Fê-lo, porém, correndo o risco
de atingir um deles, o que acabou ocorrendo. Neste sentido há decisão do TJSP:
“Age com dolo eventual, não simples culpa, agente atira em outrem para assustá-lo,
ocasionando-lhe a morte, resultado não querido mas previsto, assumindo o risco de
produzi-lo” (RT 380/3802).
Assim, tenho, pois, por provado o dolo na conduta de matar alguém. Configurado está o homicídio.
A denúncia o qualifica pelo intenção, qual seja, conseguir impunidade em relação ao crime de estelionato (art.
121, § 2º, V).
De fato, o réu pretendia fugir do local para não responder pelo crime que praticara, ou que tentara
praticar, seja no interior do supermercado ou em outro local. A qualificadora está presente. Porém, nas
alegações finais a Dra. promotora de justiça pediu a aplicação também da qualificadora da surpresa, prevista no
inciso IV.
Esta qualificadora não tem suporte fático. O réu, ainda que agindo de inopino, apenas assumiu o risco
de produzir um resultado fatal, não se dirigindo, especificamente, à vítima. A qualificadora só se verifica quando
a agressão se dá de modo inesperado e repentino, colhendo a vítima descuidada, desprevenida, sem razões
próximas ou remotas para esperá-la s nem mesmo dela suspeitar (RT 561/386).
Ora, ora. Ainda que a vítima tenha sido apanhada de surpresa, o destinatário inicial do tiro - a
testemunha Claudinei - e todos os demais foram negligentes, porquanto, encarregados que são da segurança,
deveriam no mínimo prever o resultado. Tinham, pois, razões de sobra para prever que o réu, acuado, como
qualquer animal na mesma situação, poderia agir de forma abrupta.
Rejeito, pois, a qualificadora contida nas alegações finais, mas acato a da denúncia.
Aprecio agora o crime de formação de quadrilha, mas desde logo excluo-o da denúncia contra todos
os acusados, vez que na conduta narrada não se encontram reunidos os elementos necessários de sua definição
legal. Efetivamente, dispõe o art. 288, CP:
“Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer
crimes”.
Por conseguinte, para que se configure o crime, essencial é que se trate de reunião deliberada de pelo
menos 4 pessoas para a prática de crimes, não se admitindo quando a reunião não seja com este fim, ainda que
seja para a prática de crime continuado, porque, somente por ficção legal trata-se de crime único. Igualmente,
não se configura o crime se a reunião for momentânea, não estável.
É bem verdade que não são uníssonos os julgados, nem os doutrinadores, sobre a não ocorrência do
crime de quadrilha ou bando em caso de crime continuado. Talvez inaugurada por Hungria, que não admitia,
rebatida por Fragoso, que pensava ao contrário, a polêmica continua acesa. Penso, porém, sem embargo da
corrente contrária, como a maioria, que admite o crime de quadrilha ou bando mesmo quando a reunião tenha
tido o fim de cometer crime em continuação delitivas (art. 71, CP).
Em sede doutrinária dizia Hungria que na hipótese de crime continuado inexiste organização estável
entre os co-autores, por isso não configura o crime de quadrilha ou bando. De outro lado, porém encontram-se
Magalhães Noronha, Fragoso e outros, bem assim a jurisprudência do E. TJGO:
EMENTA: "Recurso de Apelação. Furto. Crime continuado. Formação de quadrilha ou
bando. Artigos 155 e 288, combinados com o artigo 71, do Código Penal. A prática
sucessiva de furtos de acessórios de veículos, alguns consumados no mesmo dia e, outros
dias depois, com a participação dos mesmos agentes, executados de maneiras semelhantes,
configura o crime continuado e, se nessa prática delitiva, há a associação de mais de três
pessoas para o fim de cometer crimes, estará caracterizada a infração do artigo 288, do
Código Penal - quadrilha ou bando. Recurso improvido." Acórdão de 23/02/95, relator Des.
Juarez Távora de Azeredo Coutinho.
Não basta, porém, para a configuração do crime de quadrilha a prática de vários crimes por grupo de
pessoas. É essencial que tenham agido com o propósito deliberado de agir de forma permanente neste
agrupamento, pois, como dizia Hungria, citado Magalhães Noronha (pág. 101),
“Não bastam meros atos preparatórios da convenção comum; não é a simples troca de idéias por alto
acerca do fim, mas o propósito firme e deliberado, a resolução seriamente formada, com programa a ser posto
em execução em tempo relativamente próximo, de modo que se possam divisar no fato a lesão jurídica e o perigo
social, contra os quais se dirige a tutela penal.
"Característico do bando ou quadrilha é a estabilidade ou permanência da reunião, com o
fim de cometer crimes, ainda que esse conceito de permanência seja relativo e dependente,
em regra, dos planos criminosos que a associação tem em vista. É o que a distingue da co-
participação delituosa: conjugação de esforços transitória ou momentânea para o
cometimento de certo crime. Dessa distinção já dava conta Carrara: “É necessário, a meu
ver, distinguir o caso do verdadeiro brigantaggio, constituído por organizações
permanentes de bandos e, o caso de mera extorsão mediante seqüestro, cometida por
pessoas acidental e precariamente congregadas para esse fim especial”. Há que se
distinguir, pois, entre societas dilinguentium e societas in crimine, bastando dizer que,
nesta, se o delito não é, pelo menos, tentado, não haverá punição, ex vi do art. 27”.
Com inteira razão o mestre. Se a reunião for para o fim deliberado de, permanentemente, se reunirem
pelo menos 4 pessoas para praticar crimes, configura a quadrilha ou bando, mesmo que crime algum seja
praticado, posto que a objetividade jurídica, no caso, é a paz pública, não o patrimônio ou a pessoa, como o são o
estelionato e o homicídio, respectivamente; se, ao contrário, a reunião momentânea ou acidental, ausente, pois,
intenção de a estabilidade, quadrilha não há, ainda que o grupo seja de centenas de pessoas e consumem,
efetivamente, vários crimes, caracterizando apenas concurso de pessoas e conexão (arts. 29, CP e 76, CPP). No
concurso, é essencial que o crime seja pelo menos tentado; o crime de quadrilha independe do resultado material
dos crimes, a cuja reunião se deram os integrantes.
Na mesma linha de pensamento incorre Damásio:
“1º Na quadrilha ou bando os seus membros associam-se de forma estável e permanente, ao
passo que na co-delinqüência os sujeitos se associam de forma momentânea; 2º na co-
delinqüência os participantes associam-se para a prática de determinado crime, antes
individuado, ao passo que na quadrilha ou bando os seus componentes se associam para a
prática de indeterminado número de crimes”.
Pois bem. Delineados os contornos do crime de quadrilha, resta analisar o caso em julgamento.
Segundo a denúncia, em primeiro lugar, Webert levou Levi até a cidade de Ceilândia onde este
comprou o talão de cheques e a cédula de identidade em branco, que depois preencheu com o mesmo nome que
constada da cambial e apôs a sua fotografia. Não disse, e não provou a Dra. promotora, que Webert sabia o que
Levi fora fazer no local. Por isso, até aqui não há crime de Webert. Poderia, em tese, ter havido de Levi, pela
falsificação, mas, como se verá, foi absorvida pelo estelionato (súmula 17, STJ), por ser crime-meio.
Acrescenta a denúncia que depois de preencher a identidade falsa, Levi convidou Adriana, Webert,
Elion, Jason, Alexandre e Fernando para virem passar o final de semana em Goiânia, na casa de sua mãe, onde
fariam compras com aqueles cheques e identidade. Disse a denúncia que todos sabiam da origem do cheque e da
identidade e aceitaram o convite. Cumprindo o desiderato, acrescenta a peça inaugural que aqui nesta capital
compraram várias mercadorias em estabelecimentos diferentes e pagaram contas de boate, tudo com cheques
daquele talonário, até que chegou o fatídico dia no Carrefour, onde tudo deu errado.
Não disse, no entanto, a denúncia, quem efetuou as compras (disse que “saíram para efetuar
compras...”; “... foram à boate e pagaram as despesas com o cheque...”).
Ora, tudo isto, até aqui, mesmo que fosse demonstrado de modo claro que todos tivessem emitido os
cheques, ou pelo menos participado na forma do art. 29, CP, não se demonstrou que o fizeram de modo
permanente e estável. A narrativa apenas deixa ver que não passou de um grupo de jovens que, o mais novo com
18 anos e o mais velho com 22, quem sabe até por “espírito de aventura”, quiseram vir a esta cidade “festar”,
mostrar que tinham dinheiro, até mesmo impressionar a mãe de Levi e depois voltar para casa, cada um cuidando
e sua vida, seja no laboratório de prótese Levi), no Lojão do Povo (Ariana), na Auto Peças (Elion), na
Construtora Borges (Alexandre) ou no Batalhão da Aeronáutica (Fernando).
Não bastasse isso, a imputação aos réus os enquadra no par. único do art. 288, que prevê aumento de
pena quando o bando ou quadrilha é armado. Ora, a digna representante do Ministério Público parece que andou
assistindo muito a noticiários sobre violência e quadrilhas. Querer comparar o caso ora tratado com o de grupos
de assaltantes de bancos ou seqüestradores que agem no Rio e em São Paulo (poderia ser até aqui mesmo), com
o dos réus, é uma violência maior que a por eles praticada. Ora, não há qualquer menção de que o grupo
estivesse armado, mas apenas que Levi fizera uso de arma de fogo, portanto, ele estava armado, mas não a
“quadrilha”.
Porém, como não vejo a configuração do caput, não tenho porque discutir o parágrafo único, que não
representa conduta autônoma.
E aí, do ponto de vista processual, quid iuris, se o fato não é crime e se se trata de procedimento cuja
decisão, nesta fase, seria a pronúncia (art. 408), impronúncia (art. 409), desclassificação (art. 410) ou absolvição
sumária (art. 411), todos do CPP? Poderia ser indeferida a denúncia nesta fase, com espeque no art. 43, I?
Para a pronúncia é essencial que se demonstre provada a materialidade do delito; para a impronúncia,
que não esteja provada a existência do crime, ou haja dúvida fundada sobre a autoria; a desclassificação opera-se
quando o crime tipificado é outro, diverso do contido na denúncia ou queixa; por fim, a absolvição sumária,
quando houver qualquer causa excludente da ilicitude do fato, ou que isente de pena o agente, (arts. 20, 21, 22,
23, 26, caput e 28, § 1º CP).
Não é, pois, o caso de pronúncia, nem de desclassificação. Seria, então, caso de indeferimento da
petição inaugural, absolvição sumária, ou de impronúncia?
Embora seja possível, do ponto de vista processual, indeferir a denúncia antes da sentença, quando
configurada qualquer hipótese do art. 43, CPP, nenhuma delas se aplica a este caso. Poderia ser alegada a
incidência do art. 43, I, ao argumento de que o fato narrado não constituiu crime de quadrilha ou bando. Porém,
não se poderia falar em inépcia da peça inaugural, vez que descreve o fato, apenas não prova a reunião de todos
os elementos de sua definição legal, mas permitiu aos acusados se defenderem amplamente, tanto que sobre o
ponto escrevi várias páginas.
Tempos atrás entendeu o STF, no julgamento do HC 56.729, que a ausência do dolo - no caso, dolo
de reunir para fim duradouro de praticar crimes, seria caso de absolvição sumária. A posição não é correta,
posto que a absolvição nesta fase, só pode se fundar nos termos do art. 411, CPP (excludente de ilicitude ou
causa de isenção de pena). Também não é o caso presente.
Por conseguinte, não sendo inepta a denúncia, e não sendo o caso de pronúncia, desclassificação ou
absolvição sumária, incide o art. 409, CPP, primeira parte, vez que, por faltar um dos elementos da definição
legal - a reunião estável - não me convenço da existência de crime de quadrilha ou bando, pelo que, rejeito a
denúncia, quanto ao art. 288, par. único, CP, e impronuncio todos os réus.
Linhas atrás apontei o art. 5º, XL, CF, que diz que a lei que de qualquer forma beneficiar o réu é a
que se lhe aplica. Assim, regras previstas em leis processuais, que estabelecem a reunião de processos ou outra
causa, não têm aplicação quando colidirem com leis que beneficiem o agente. No caso, o disposto no art. 89, da
lei 9.099/95, é mais benéfico. Conclui também que não prevalece a conexão de crimes se a prova de uma
infração não influenciar na outra, de modo que não se justifica o simultaneus processus, que representa ofensa ao
princípio constitucional da lei mais benéfica.
Por conseguinte, como aos réus Adriana, Jason, Webert, Elion, Fernando e Alexandre somente
são imputadas ofensa ao art. 171, caput, c/c art. 14, II, CP, cuja prova não influencia na prova dos fatos quanto
Levi, não há razão para manter os processos reunidos. Mesmo que houvesse, como a regra prevista no art. 89 da
lei 9099/95 é mais benéfica, de qualquer forma é a que se lhes aplica, pelo que este juízo é incompetente
absolutamente.
Quanto a Levi, porém, como reconheço a sua autoria e materialidade do crime de estelionato tentado,
em concurso com o art. 121, § 2º, V, CP, não há como conceder-lhe os benefícios daquela lei, devendo responder
por ambos perante o seu juiz natural, que é o tribunal do juri desta comarca.
a) julgo improcedente o pedido contido na denúncia contra os réus relativamente ao crime do art. 288, par.
único, CP, pelo que, com suporte no art. 409, primeira parte, CPP, os impronuncio. Acrescento que decidi
sobre este porquanto era essencial para demonstrar a inexistência de elo que justificasse a reunião dos
processos, em especial quanto ao crime de estelionato;
b) julgo procedente em parte o pedido contido denúncia contra Levi Fonseca Moreira, rejeito a segunda
qualificadora incluída na denúncia e o pronuncio como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, V, CP e art.
171, caput, c/c art. 14, II do mesmo Código, pelo que deve ser submetido a julgamento perante o E. Tribunal
do Juri;
c) desaparecendo o liame que justifica a reunião de processos, e como as regras previstas na lei 9099/95 são
mais benéficas, reconheço a incompetência deste juízo para julgar os réus Adriana Santos do Amaral,
Webert Lacerda da Silva, Elion de Souza Lima, Jason Alessandro Benevides Duarte, Alexandre
Teixeira Neto e Fernando Freitas Carneiro em favor de quem, com fulcro no art. 81, par. único, CPP,
acolho a preliminar de que não se justifica o simultaneus processus com o Levi, e determino que respondam
perante o seu juiz natural, que é o dos crimes punidos com pena de reclusão. Por tal razão, deixo de apreciar
a questão de mérito.
Em cumprimento ao preceituado na letra “c” determino que sejam trasladadas por fotocópia todas as
peças que formam estes autos, remetendo por ofício ao distribuidor para que de lá seja encaminhado ao juízo da
vara dos crimes punidos com a pena de reclusão.
Sem embargo disto, entendo que não mais se justifica a prisão dos réus, vez que o rito da lei a que
responderão - art. 89 da lei 9099/95 - não prevê a supressão da liberdade mediante clausura. Assim, cumprindo o
disposto no art. 5º, LXV, CF, que, em respeito ao princípio-garantia fundamental da liberdade determina o
relaxamento do prisão ilegal pela autoridade judiciária, determino a imediata soltura dos réus. Expeça os
ALVARÁS DE SOLTURA incontinenti para Adriana Santos do Amaral, Webert Lacerda da Silva, Elion
de Souza Lima, Jason Alessandro Benevides Duarte, Alexandre Teixeira Neto e Fernando Freitas
Carneiro.
Quanto a Levi Fonseca Moreira, embora seja primário e de bons antecedentes, pelo que se viu de seu
comportamento em audiência, demonstrando frieza, e bem porque não reside no distrito da culpa, a fim de
garantir a aplicação da lei penal mantenho a prisão, como está.
CUMPRA-SE.
P.R.I
67
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