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ADMINISTRAÇÃO ORÇAMENTAL E O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE


Por Prof. M.Sc. Diógenes Lima Neto
Braga – Portugal
Março 2011

INTRODUÇÃO

Nos dias atuais é muito comum ouvir-se falar da necessidade de publicidade (ou
transparência) nas atividades da Administração Pública como forma de torná-la mais
responsável, qualquer que seja a dimensão considerada: orçamental, financeira, fiscal ou
patrimonial, entre outras. No entanto, poucas pessoas conhecem suas origens e, mais ainda,
compreendem a profundidade conceituai que envolve esta questão.

Cientes desta demanda popular, políticos pelo mundo afora têm declarado e
enfatizado, publicamente, a importância da dita "transparência" e prometem ampliá-la como
forma de demonstração de lisura governamental, como foi o caso recente da recém
empossada Presidente do Brasil, Dilma Roussef (O Público, 2010).

De fato, declarações acerca da publicidade das atividades orçamentais pela


Administração Pública fornecem um belo substrato para divulgação pelas mídias e para o
encantamento do cidadão comum, porém, para aquele um pouco mais atento à notícia, três
perguntas deveriam ser feitas sobre o tema: Qual a novidade nisso? Alguém (ou algo) obriga a
isso? Até onde isso pode (e deve) chegar? Perseguiremos as respostas a estas questões a partir
de agora.

ORIGENS: QUAL A NOVIDADE NISSO?

Em que pese parecer algo novo, a preocupação com a transparência pública, ou seja,
saber "o que" e "como" o governo faz o que tem de fazer, é algo bem antigo. O famoso
Northcote-Trevelyan Report, de 1854, por exemplo, o qual deu contornos legais robustos aos
Serviços Civis Permanentes britânicos, tratou-se, em realidade, de um verdadeiro "tratado" de
transparência pública no que diz respeito à contratação de servidores públicos. Neste sentido,
aquele documento trata desde a natureza dos problemas enfrentados nos serviços públicos à
altura, até as formas de melhor selecionar jovens para atender ao serviço (incluindo exames e
período probatório), passando pela necessidade de um Escritório Central de Examinadores,
pelas diretrizes para transferência de funcionários, e por questões de promoções e aumento
de salários, entre outros (Northcote-Trevelyan Report, 1854).

Conforme se sabe, os norte-americanos seguiram o exemplo inglês, com o Pendleton


Act, de iniciativa do senador democrata George H. Pendleton, em 1883. A nota lamentável
para este Ato do poder público daquele país é que tal somente ocorreu porque seu Presidente,
James A. Garfield, foi assassinado por um cidadão descontente por não conseguir obter um
emprego pelo sistema de patronage, vigente à altura (NARA, 2011).

Posteriormente, até como uma evolução deste contexto, Goodnow, agora no ano de
1900, demonstrava profunda preocupação com as possíveis "relações impróprias" entre o
governo e as corporações. Em suas próprias palavras:

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"We have thus on the one hand the government with favors to grant and with
burdens to impose. We have on the other hand the corporations anxious for favors and
desirous to escape burdens." (Goodnow, 1900:252)

Na sequência desta afirmação, perguntava o próprio Goodnow:

"What now can be done to make such relations impossible, or at least less easy of
establishment ?" (idem:253).

E a resposta?

"The only answer is publicity" (idem:254; grifo meu).

De forma absolutamente lúcida, a idéia de Goodnow acerca da necessidade de


publicidade envolvia não apenas a parte pública da citada relação, mas, também, a parte
privada, ou seja, as corporações, num impressionante prenúncio do que viria a ser entendido,
mais de um século depois, como um dos conceitos-chave dentro da noção de "governança
corporativa" (Viliares, apud Steinberg, 2003).

Como se observa, a noção de publicidade, ou seja, da necessidade de se divulgar os


atos e fatos administrativos levados a termo pelo Serviço Público, é antiga, porém seus
reflexos nos alcançam nos dias atuais.

Pode-se argumentar, com razoável, senão total, precisão, de que, em realidade, a


questão da publicidade surgiu como fruto da antiga, mas não totalmente vencida, questão da
dicotomia entre Política-Administração. De fato, se tomarmos em conta que os limites da dita
dicotomia se materializam no Orçamento do Estado (ou Orçamento Geral da União, no caso
brasileiro), entenderemos porque a questão da publicidade também pode, e deve, ser aplicada
às questões relativas ao Orçamento, quais sejam, sua concepção (elaboração), execução
(implementação) e avaliação.

DEMANDAS: ALGUÉM (OU ALGO) OBRIGA A ISTO?

O Orçamento pode ser visto, a um só tempo e sem se incorrer em grandes erros, como
uma peça de planejamento, acompanhamento da execução e controle da atividade estatal. Se,
a este entendimento, acrescentarmos o fato de que os recursos manipulados pelo Estado são
disponibilizados pelos cidadãos, percebe-se, com maior profundidade, a importância da
transparência pública em todos os assuntos relativos ao Orçamento.

Trata-se, na realidade, de uma peça absolutamente estratégica para o bem-estar da


sociedade, e em especial às democráticas, pois que, se por um lado, a Constituição representa
o lado teórico do "Contrato Social" de Rousseau, por outro lado, o Orçamento do Estado
constitui o lado prático daquele mesmo contrato. Neste contexto, fica claro porque a primeira
demanda que surge sobre o acesso às informações orçamentais é de caráter moral.

Para além desta questão e em sua decorrência, este caráter transmuta-se em


obrigações legais a serem cumpridas tanto em nível nacional, quanto internacional. Estados
modernos e democráticos têm tido o cuidado de incluir, em suas estruturas legais, o princípio
da publicidade (ou transparência) no que diz respeito à condução dos assuntos orçamentais,
entre outros certamente.

O Estado português é um bom exemplo. A Lei nº 48/2004, de 24 de Agosto, a qual


contém a terceira alteração à Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto (Lei de Enquadramento

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Orçamental), prevê, em seu Art. 129, publicidade plena nos assuntos orçamentais
portugueses. Observe-se:

"Artigo 12º -Publicidade

1 — O Governo assegura a publicação de todos os documentos que se revelem


necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e
da sua execução, recorrendo, sempre que possível, aos mais avançados meios de comunicação
existentes em cada momento." (Portugal, Lei nº 48/2004, grifos deste autor)

Conforme se nota, o texto da lei portuguesa é incisivo quando afirma que a


transparência deve ser assegurada para todos os documentos relacionados ao Orçamento. É
claro que há um porém, no texto, que diz respeito a quais seriam os significados das palavras
"necessários" e "adequada". Mas, de todo modo, a demanda legal da publicidade do
Orçamento português, e de sua execução, estão ali asseguradas.

No caso brasileiro, tal também se constata. A Constituição Federal da República


Federativa do Brasil, de 1988, em seu Art. 37, determina que:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência" (Brasil, Constituição Federal, grifos
deste autor)

Não fosse isto suficiente, anualmente a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO, a qual
contém, efetivamente, o Orçamento Geral da União para o exercício seguinte, especifica esta
obrigatoriedade. Veja-se o texto da LDO vigente:

"Art. 17. A elaboração e a aprovação dos Projetos da Lei Orçamentária de 2011 e de


créditos adicionais, bem como a execução das respectivas leis, deverão ser realizadas de
acordo com o princípio da publicidade, promovendo-se a transparência da gestão fiscal e
permitindo-se o amplo acesso da sociedade a todas as informações relativas a cada uma
dessas etapas. (Brasil, LDO 2011, grifos deste autor)

Em seguida, o texto da LDO 2011 detalha quais informações deverão, inclusive, ser
disponibilizadas por meio da internet pelos diversos poderes.

Notem-se, nos dois exemplos, que, tendo em vista tais previsões legais, os respectivos
Orçamentos não têm eficácia jurídica sem sua publicação nos canais oficiais, seja no Diário da
República, no caso português, ou no Diário Oficial da União, no caso brasileiro. Trata-se,
também em ambos os casos e com as respectivas idiossincrasias, de uma demanda nacional,
de caráter legal, explícito e irrevogável.

Por outro lado, em alguns contextos, pode ser que a demanda por maiores
informações sobre os comportamentos orçamentais nacionais venha de uma entidade externa
ao país, ou mesmo supranacional. Os países da União Européia, por exemplo, devem obedecer
ao Pacto de Estabilidade e Crescimento - PEC, o qual obriga os Estados-Membros a
respeitarem o princípio do equilíbrio orçamental e que, segundo definido no Tratado de
Maastricht, deve ser inferior a 3% do PIB. No mesmo sentido, define aquele tratado que o nível
de endividamento do país não pode passar 60% do PIB (Comissão Européia, 2003:13). Desta
forma, como se pode perceber, para que tais verificações sejam possíveis, há que se
acrescentar à questão da publicidade/transparência em nível nacional, a necessidade de
transparência em nível supranacional.

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Neste mesmo sentido, é fácil intuir que países vinculados a organismos multilaterais
como OCDE e Fundo Monetário Internacional - FMI, entre outros, também deverão, em
alguma medida, estar alinhados com os preceitos de transparência destas entidades.

FUTURO: ATÉ ONDE ISTO PODE (E DEVE) CHEGAR?

Nesta altura deste ensaio, é importante tentarmos descobrir se o entendimento sobre


a aplicabilidade do conceito de publicidade/transparência pode ser ampliado no tempo e no
espaço. Conforme veremos a seguir, esta ampliação não apenas é possível, como é desejada
por boa parte das nações democráticas. Vejamos:

• Transparência orçamental ao máximo: o Orçamento Participativo (OP)

O conceito de OP é relativamente simples, mas poderoso: trata-se de um instrumento


governamental que permite aos cidadãos participar, ativamente, na decisão sobre os
orçamentos públicos, especialmente no que diz respeito a questões de investimentos.
Geralmente são processadas por meio de assembléias abertas e periódicas em contato direto
com o governo. Como se pode imaginar, esta abordagem, apesar de muito sedutora, tem
aplicabilidade maior em âmbitos locais, ou seja, municípios e regiões menores, onde o cidadão
pode interagir de perto com seu interlocutor governamental.

São exemplos desta abordagem inovadora: Saint-Denis (França), Rosário (Argentina),


Montevidéu (Uruguai), Barcelona (Espanha), Toronto (Canadá), Bruxelas (Bélgica), Guarulhos
(Brasil) e Lisboa (Portugal), apenas para citarmos alguns. No caso específico português, vale
destacar a existência do sítio "Orçamento Participativo Portugal", no endereço http://www.op-
portugal.org/.

• Alcançando os limites da estrutura estatal: PPPs e empresas públicas

Até o momento, este ensaio se ateve ao Orçamento público de uma maneira pura e
simples, ou seja, àquele elaborado, executado ou controlado pelo Estado por meio de seus
órgãos. No entanto, como se sabe, nas últimas décadas, até por conta de movimentos de
modernização pública como o New Public Management -NPM, os governos têm tido uma forte
tendência à descentralização estatal.

Neste sentido, muitos dos bens e serviços oferecidos pelo Estado passaram para a
esfera privada, total ou parcialmente, e as parcerias público-privadas (PPP) e as empresas
públicas são uma prova disso. Ocorre que, como bem alerta um relatório da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Económico - OCDE, em determinados contextos e no que diz
respeito ao Setor Empresarial do Estado - SEE:

"As operações das empresas públicas escapam a um escrutínio detalhado porque a


informação sobre as suas receitas e despesas não está incluída no orçamento." (OCDE,
2008:71)

Para o caso das PPP, por outro lado, a questão da transparência depende muito de
como as mesmas estão concebidas na legislação nacional. De todo modo, como bem lembra o
mesmo relatório da OCDE, específico para o caso português em 2008:

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"No que respeita às PPP, deveria ser incluída na informação sobre a análise de riscos.
Adicionalmente, antes de se tomar a decisão de lançar uma PPP, o "Custo Público
Comparável" deveria ser discutido no Parlamento." (OCDE, 2008:72)

Em outras palavras, nos lembra a OCDE que as questões de transparência/publicidade


não podem ser negligenciadas mesmo para casos como os supracitados, em que há uma forte
componente privada no bem/serviço público prestado.

• Transparência/Publicidade: a demanda vai crescer

Diante do que foi exposto até aqui, ainda que sucintamente, o fato é que os países e
seus povos estão cada vez mais maduros no que diz respeito à democracia, seus deveres e
direitos. Basta olharmos as recentes revoltas em países como Egito, Líbia e Bahrein, apenas
para citarmos alguns, para notarmos a profundidade deste argumento. Corroborando este
entendimento, informa a OCDE, em seu sítio oficial, que para além das questões de eficiência,

"...it is imperative that governments act in a transparent and accountable manner.


Calls for government transparency and accountability have gained increased support
..."(OCDE, 2009, grifos deste autor)

O Gráfico 1, abaixo, ilustra bem este argumento e evidencia que, num período de 10
anos (20002009), a importância que os governos centrais têm dado à questão da transparência
praticamente dobrou, atingindo o incrível patamar de 90%.

Gráfico 1 -Valores freqüentemente declarados como mais importantes no serviço público (2000-2009) -
Fonte: OCDE, 2009.

CONCLUSÃO

Do que foi aqui apresentado, parece indiscutível a necessidade de persecução do


princípio da publicidade (transparência) na Administração Pública, como um todo, e na gestão
orçamental, em especial.

Questões que vão desde aspectos morais, legais e até supranacionais, se unem para
compor uma forte demanda para que este princípio seja uma tónica nos governos
democráticos e, ao que parece, sua relevância tem aumentado significativamente nos últimos
10 anos.

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Neste sentido, a publicidade/transparência tem se tornado um elemento essencial


para uma Administração Pública que pretenda ser minimamente responsável, especialmente
no que tange à gestão do Orçamento
Orçamen da nação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12309.htm.
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