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A filosofia da educação no Brasil: círculos hermenêuticos.

Antônio Joaquim Severino


Feusp

Introdução

Falar de Filosofia da Educação no Brasil não é tarefa simples, até porque ainda

são poucos os estudos históricos específicos e os estudos teóricos mais sistematizados

sobre sua natureza. Por isso, não há um entendimento consensual a seu respeito e o

sentido que dela se tem, entre nós, flutua numa certa ambiguidade e imprecisão nos

debates que sobre ela têm surgido, nos últimos anos.

Assim, para que se possa seguir a trajetória da Filosofia da Educação no Brasil, o

que é o objetivo deste texto, tomarei como demarcador do sentido da Filosofia da

Educação, o exercício de um pensar sistemático sobre a educação, ou seja, de um pensar

a educação, procurando entendê-la na sua integralidade fenomenal.

É fato marcante de que o pensar filosoficamente a educação no país, seja sob sua

forma assumida e explícita, ou seja sob o modo da pressuposição, está sempre

relacionado com algum paradigma filosófico universal, a algum modelo teórico

fundamental. Na verdade, o que se constata é que o pensamento nacional, sempre que

alcança uma dimensão filosófica, ele o faz numa espécie de simbiose com os modelos

estrangeiros que são para cá transplantados1. Por outro lado, não se pode negar

igualmente que todo esforço reflexivo sobre a educação, que vem se desenvolvendo entre

nós, não deixa de se preocupar com a realidade histórica de seus processos sociais e

1 Esta questão foi objeto de pesquisa que realizei sobre o discurso filosófico no Brasil, cujas conclusões
constam do livro A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, educação e poder, que se encontra no
prelo, na Editora Vozes.
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culturais. Desenrola-se sempre como tentativa de enfrentar e de superar os desafios que

são postos por esta realidade. E ao fazê-lo, busca apoiar-se em acervos categoriais de

fundo eminentemente filosóficos.

Os grandes círculos hermenêuticos da Filosofia da Educação no Brasil

A questão a ser colocada então é de se saber como se pensou e se vem pensando,

filosoficamente, no Brasil, a educação. Sem dúvida, pensam-na todos os praticantes da

reflexão filosófico-educacional como uma poderosa mediação da construção de um novo

homem, quaisquer que sejam sua referência filosófica, seus pressupostos teóricos, sua

inserção ideológica, seu campo de atuação prática. Para todos os praticantes da Filosofia

da Educação, a educação é vista como um processo de humanização. Com efeito,

nenhum educador, nenhum teórico da educação, nenhum administrador da área, enfim,

nenhuma pessoa envolvida com educação, deixará de defender uma concepção da

educação como processo humanizador, no seu sentido abrangente. Trata-se, para todos,

de um processo destinado a transformar o homem, tanto no plano individual como no

social, a levar todos os envolvidos a uma situação diferenciada, aprimorada,

aperfeiçoada. Não há como negar este caráter teleológico: mesmo quando as palavras o

fazem, as propostas e as práticas mostram exatamente o contrário.

Sem dúvida, parece estar superada, na reflexão filosófica mais recente sobre a

educação, a visão essencialista da mesma, tanto sob sua versão metafísica quanto sob

suas versões teológicas, que estiveram marcando, de modo subjacente, a prática

educacional nos períodos colonial e imperial do Brasil2. O pensamento filosófico-

2 Leonardo Van Acker, professor de Filosofia da Educação, na PUCSP, por muitos anos, foi um dos mais
representativos representantes do essencialismo neotomista. Estabeleceu um incisivo diálogo com as idéias
de Dewey, o que o levou a explicitar bem a sua fundamentação metafísica.
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educacional, que vem se construindo neste século entre nós, se exerce numa perspectiva

geral, de fundo antropológico, numa visão totalmente dessacralizada e imanente à

realidade humana. Mesmo as concepções ainda influenciadas por suas raizes religiosas

ou metafísicas, buscam se expressar atualmente numa perspectiva mais antropológica,

retirando de suas coordenadas teóricas as referências ao providencialismo divino ou ao

apriorismo metafísico abstrato e idealista. Ninguém mais pretende estar falando de

transcendências que norteariam a história real da humanidade, todas as abordagens

filosóficas da educação assumem a condição histórica e social da existência humana.

Agora a construção da história é responsabilidade exclusiva dos homens: não se trata

mais de construir a Cidade de Deus, mas a pólis, a cidade dos homens.

No entanto, os modos pelos quais é entendido este processo de humanização, que

leva à nova sociedade, marcada pela cidadania e pela democracia, podem ser muito

diferentes, levando-se em conta os fatores que são enfatizados como fontes energéticas

dinamizadoras do processo de transformação do homem, de construção da sociedade, da

condução da história. Por isso, creio ser possível identificar quatro grandes

perspectivações filosófico-educacionais que permitem situar, com alguma

sistematicidade, todos os posicionamentos teórico-filosóficos de pensadores e de escolas,

tendências, correntes e vertentes de pensamento que se possam caracterizar.

1. A tecnicidade funcional da educação: ciência e técnica, bases da pedagogia.

O questionamento das pretensões metafísicas quanto à capacidade da razão

humana em apreender as essências dos entes que constituem a realidade e de deduzir

delas os valores que poderiam nortear a prática humana já vem de longa data, no que se
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refere à cultura ocidental. Com efeito, foi já no raiar da modernidade que ocorreu a revolução

epistemológica mediante a qual os filósofos, então articulados com os cientistas, começam a

desmontar o ambicioso edifício da metafísica. Ainda que isto tenha acarretado, ao longo dos

últimos quinhentos anos, uma excessiva dogmatização da ciência, a filosofia aproveitou para

rearticular-se na era moderna, praticando o exercício crítico que a constituição da ciência

representou ao descartar a metafísica.

O novo edifício do conhecimento que vai sendo construido ao longo da modernidade

tem seus alicerces lançados numa epistemologia racionalista radical, tanto quando se pretende

empirista como quando se afirma inatista. Tal posicionamento implica a rejeição de qualquer

intervenção transcendental que esteja para além da própria estrutura da razão natural humana.

Responsável pela emergência e desenvolvimento da ciência como modalidade

fenomenista do conhecimento, o racionalismo naturalista moderno transfigura a cosmovisão

da cultura ocidental, instaurando um processo avassalador de desencantamento e de

dessacralização do mundo natural e também do mundo cultural.

A repercussão dessas transformações na cultura brasileira, ainda que tardia, não poderia

deixar de acontecer, atingindo todos os seus setores e aspectos. Assim, no que concerne às

diversas modalidades de abordagem e explicação da educação, no início deste século, em

virtude da expansão da mentalidade científica e de suas fundamentações epistemológicas pelo

positivismo, também a educação passa a ser pensada à luz das novas categorias explicativas

fornecidas pelas diversas ciências, da biologia à sociologia. E, igualmente, passa-se a entender

que sua eficácia como formadora das novas gerações, encontra-se na sua adequação a

diretrizes técnicas de funcionalidade natural.

Daí a relevância que a teoria científica adquire para o conhecimento do processo

educacional e para a sustentação técnica das práticas pedagógicas. E daí decorre também a
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tendência a se atribuir à Filosofia da Educação, como suas tarefas fundamentais, a justificação

epistemológica do empreendimento educativo e a defesa da utilizaçào dos recursos técnico-

científicos para a boa condução dos processos pedagógicos.

Assim sendo, não é sem razão que as primeiras expressões culturais da Filosofia da

Educação, após o longo predomínio das pressuposições essencialistas da educação no Brasil

Colônia e Império, vão surgir representando essa cosmovisão de fundo cientificista,

explicitando e dando continuidade às intervenções iluministas já iniciadas, mais timidamente,

no século passado.

A melhor expressão e tradução desta nova perspectiva está contida na proposta dos

assim chamados Pioneiros da Educação, ao avançarem como alternativa à tradicional

educação jesuítica o modelo da Escola Nova. Pretendendo falar a partir do universo científico,

estes teóricos esclarecem que a educação de que a sociedade brasileira precisa é aquela forjada

sob as luzes e com as ferramentas do conhecimento científico. Por sinal, considerada também

a única apropriada para a construção de uma sociedade laica e justa, gerenciada por uma

aparelho estatal que se institui a partir de um projeto político iluministicamente concebido e

juridicamente implementado. Só assim, livre dos erros, da ignorância e da ingerência do

autoritarismo e do conservadorismo clerical, poderá a sociedade brasileira adentrar os estágios

de sua necessária modernização. Daí a importância crucial da educação para a construção da

cidadania e da democracia.

Em termos de Filosofia da Educação, Anísio Teixeira3 é o nome mais representativo

deste grupo e desta perspectiva. Incorporando diretamente as idéias de John Dewey, vê a

educação como processo intrinsecamente ligado à vida, não devendo ser vista e praticada

como preparação para a vida, ela já é vida. E como o objetivo da vida é sempre mais vida, o

3 Anísio Teixeira é autor do Pequena introdução à filosofia da educação (8 ed. 1978) e de Educação não é
privilégio (4 ed. 1977).
6

objetivo da educação só pode ser a intensificação da vida. Daí a necessidade dos mais

rigorosos conhecimentos científicos dos fenômenos relacionados à vida orgânica e social, para

que a intervenção pedagógica não ocorra indo contra os interesses vitais do educando, que só

pode desenvolver-se, humanizar-se, se suas tendências naturais forem respeitadas e

estimuladas. Sob este olhar pragmatista e progressista, Anísio Teixeira preocupa-se com o

desenvolvimento e investe na proposta de reconstrução nacional pela educação, a reconstrução

individual visando a reconstrução social, tendo como meta a sociedade aberta, democrática,

via educação pública. Mas, para bem funcionar, as instituições educacionais precisam de

gozar de autonomia.

Esta visão cientificista, já presente na Filosofia da Educação de Anísio Teixeira, fica

implícito, nas teorizações científicas vinculadas à Psicologia, que então se constituem como

referência básica do conhecimento dos sujeitos envolvidos pela educação. Com efeito, a

Psicologia, no quadro das ciências humanas, foi a área que mais contribuiu para configurar a

visão científica dos fenômenos educacionais, sendo, sobretudo através dela que a educação

ganhava foros de cientificidade. Daí o fato de ser ela a ciência da educação mais prestigiada

nos ambientes institucionais de preparação de profissionais da educação.

Mas integram ainda o círculo cientificista outros pensadores que atribuem à Filosofia da

Educação a tarefa de apenas cuidar da validação da metodologia de investigação e de

expressão do conhecimento científico, portanto, de uma tarefa eminentemente lógico-

linguístico, uma vez que do ponto de vista epistemológico, dão por admitido que o único

conhceimento objetivo é o exercido pela ciência. Destacam-se nessa perspectiva, autores

como Tarso Mazzotti; José Mário Azanha; Carlos Eduardo Guimarães; Péricles Trevisan;

Eduardo Campos Chaves e Pedro Goergen.


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2. A eticidade formativa: a educação como construção do sujeito.

Outra marcante tendência da prática da Filosofia da Educação no Brasil é caracterizada

por uma prática do conhecimento sob enfoque hermenêutico que busca o sentido total da

educação, compreendendo-a como processo de formação do humano no homem, mediante a

transformação pessoal do próprio sujeito. Dessa perspectiva, entende-se o filosofar como

processo de conhecer que procura “articular a mediação entre interioridade e a exterioridade,

entre o íntimo e o público. Entende, pois, o exercício do filosofar como uma hermenêutica,

vista como via privilegiada da interpretação. Não dita, não manipula, mas procura interpretar,

descobrir, compreender. Compreender, antes de tudo, que é o mesmo homem que procura a

sua própria realização em todos os setores da cultura, desde a técnica até a meditação

transcendental”. (Rabuske, 1981: 33).

Nesta tradição de valorização da autonomia subjetiva, a educação é sempre encarada

como um investimento feito pelos sujeitos, dos recursos da exterioridade, com vistas ao

desenvolvimento de sua interioridade subjetiva. A educação identifica-se então com o próprio

método do conhecimento, com o exercício da vivência da consciência, uma vez que educar-se

é apreender-se cada vez mais como sujeito, buscando agir com vistas a realizar-se cada vez

mais como tal. O ético predomina sobre o político, atuando o educacional como mediação.

Neste sentido, enfatiza mais os fundamentos antropológicos e éticos dos processos do que

suas mediações práticas ou suas implicações políticas.

É por isso que a fenomenologia, metodologia geral do conhecimento e esforço de

hermenêutica da existência humana, tem intensa repercussão na discussão filosófica da

temática educacional, que se desdobra em duas frentes: de um lado, enquanto epistemologia

sensível à presença marcante da ciência na cultura contemporânea, vem discutindo o

processo e o alcance das ciências humanas, buscando, consequentemente, interpelá-las no que


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concerne ao esforço de desenvolvimento de um projeto antropológico: de outro lado, ao se

tornar metodologia filosófica de correntes neohumanistas existencialistas, subsidia a reflexão

ético-antropológica das mesmas.

Em decorrência das preocupações tanto de uma frente como de outra, a questão

educacional vem sendo enfrentada diretamente por pensadores brasileiros que nela se

inspiram: Antônio Muniz Rezende, Newton Aquiles Von Zuben, Creuza Capalbo Joel

Martins, Dulce Mara Critelli, Maria Aparecida Bicudo Hilton Japiassu, Sônia Aparecida

Ignacio Silva; Odone José Quadros, Jayme Paviani, Edvino Rabuske, e Paulo Reglus Freire

para quem a educação é prática da liberdade e a pedagogia, processo de conscientização;

Moacir Gadotti

Sob inspiração personalista, Alino Lorenzon e Baldoino Andreolla, Urbano Ziller, Tiago

Adão Lara. Já Roque Spencer Maciel de Barros merece destaque no interior das tendências

culturalistas da filosofia, por voltar explicitamente sua reflexão também para a temática

educacional, ainda que se dedique mais intensamente à filosofia política e à antropologia

filosófica. À luz de referências dessa orientação, a educação é tida, de um modo geral, como

a formação do homem em função do modelo ideal de pessoa, do seu dever-ser.

3. A educação como lugar de produção e cultivo da sensibilidade desejante:


priorizando a esteticidade no pedagógico.

A literatura recente da área de Filosofia da Educação no Brasil registra uma extensa

representação de posições que se caracterizam por uma incisiva crítica desconstrutiva aos

modelos e paradigmas de conhecimento, tanto do campo científico como do campo filosófico,

questionando a própria validade e pertinência epistemológica do saber fundado na razão. Os

autores destes textos analisam a educação, refletindo sobre ela, reportando-se a posições

defendidas por pensadores como Michel Foucault, Derrida, Barthes, Lyotard, Baudrillard,
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Deleuze e Guattari, enfim, nos pensadores que são considerados pós-modernos, ou pós-

estruturalistas, no sentido que vêm questionando o projeto iluminista da modernidade.

As vertentes filosófico-educacionais de inspiração arqueogenealógica privilegiam o

estar no mundo, despriorizando as questões de natureza epistemológica e até mesmo aquelas

referentes à constituição de uma nova antropologia. Na realidade, sua preocupação gira em

torno dos caminhos e possibilidades do agir do sujeito, que busca ampliar seu território de

autonomia, frente aos múltiplos determinismos que o cercam. Todo um pano de fundo

constituido de uma explícita tomada de posição contra todas as formas de sistematização serve

de horizonte para esta reflexão, que venho identificando sob a designação de

arqueogenealogia. Assim, quando aborda os temas educacionais, o faz exclusivamente para

denunciar o caráter sistêmico, desumanizador e repressivo dos saberes e dos aparelhos sociais

envolvidos.

A filosofia arqueogenealógica se propõe a contestar a cumplicidade saber/poder,

articulando o pensamento criativo e constestador com uma prática libertadora, inventando

tarefas não previamente definidas. As relações entre os homens só podem se legitimar

enquanto servirem para a expansão dos afetos e para a diluição dos poderes.

Cotidiano, amor, desejo, relação pessoal, intimidade, singularidade: a revalorização do

singular concreto contra a dominação do universal abstrato, normativo, legislador: tais as

referências da reflexão arqueogenealógica, que assim se afasta do discurso universalizante das

ciências humanas, acusadas de racionalismo, de positivismo e de historicismo. Quer-se mais

cartografia do que política e, sob a inspiração de uma subjetividade não mais iluminista,

privilegia o imaginário, o inconsciente, o emocional e o corporal. Só lhe interessa a

subjetividade do corpo e não a do cogito.


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Se a arqueogenalogia se mostra assim no contexto filosófico brasileiro como

interpelação da política, ela fará o mesmo com relação à educação. A institucionalização do

pedagógico é passada por severo crivo quando abordada. E esta crítica é feita exatamente por

causa de seu caráter opressivo, sufocador de toda criatividade.

A temática educacional aparece frequentemente nessa literatura filosófica. Rubem

Alves4 abriu significativo espaço em sua obra de balanço crítico de toda a cultura humana,

para tratar da mesma sob as perspectivas arqueogenealógicas Outro importante representante

desta orientação da Filosofia da Educação é Tomaz Tadeu da Silva que, embora trabalhando

no campo da teoria sociológica, vem desenvolvendo sua reflexão radicalmente crítica contra o

discurso pedagógico moderno que, no seu entendimento, é tributário de uma filosofia da

consciência. Coloca-se então na perspectiva da desconstrução radical elaborada pelo

pensamento pós-estruturalista da pós-modernidade. Na mesma direção caminha Alfredo

Veiga-Neto, outro sociólogo da educação que vem interagindo com a Filosofia da Educação:

“uma postura que se caracteriza pela mais completa e permanente desconfiança sobre as

verdades que se costuma tomar como dadas, tranqüilas e naturais. Uma postura que se

manifesta pelas constantes tentativas de escapar de qualquer enquadramento que postule como

não-problemáticas as idéias iluministas de um sujeito fundante, de uma razão transcendental e

de um homem ou mulher natural e universal que habitaria dentro de cada um de nós”(1994:

243-244).

4 Docente aposentado da Unicamp, nasceu em 1933, foi teólogo protestante, um dos primeiros teóricos da
Teologia da Libertação. Atualmente trabalha como psicanalista.. É autor de extensa obra, onde se destacam
O enigma da religião, O que é religião, Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras, Conversas
com quem gosta de ensinar, Estórias de quem gosta de ensinar.
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Para Sílvio Gallo5 “a filosofia da educação apresenta-se, assim, como um instrumental

reflexivo necessário para a resolução dos problemas colocados pela prática pedagógica. Mas

ela deve sobretudo preparar “o educador para uma atitude aberta diante do mundo, pronto a

aceitar o novo e a promovê-lo, ajudando a desenvolver nas pessoas com que se relaciona um

processo de subjetivação autônomo e singular; em outras palavras, a Filosofia parece-me apta

a potencializar o educador para o principal desafio que se lhe coloca hoje, que é o de produzir

novas potencialidades, como afirmou Guattari ...” (1996:116).

Pesquisando as relações entre discurso, poder e subjetivação, Marisa Faermann Eizirik6

também se inspira no pensamento foucaultiano para discutir mais detidamente a ‘fala na

educação’(1996). Para Regis de Morais7, a Filosofia da Educação se constitui como sabedoria,

plano no qual a técnica, a ação e a ciência são transformadas “em impulso-amor e em

contemplação (teoria) do mundo. (1989).

Na verdade, o pensamento desconstrutivo em relação à produção teórica da

modernidade começa a se instaurar a partir da reflexão crítica dos pensadores da Escola de

Frankfurt, que inspirados por Marx, Freud e Nietzsche, lançam as matrizes do questionamento

da hegemonia da racionalidade que dominou a era moderna, configurando o seu perfil. Assim,

a Teoria Crítica está na raiz das vertentes filosófico-educacionais que designei como

arqueogenealógicas, representativas do pensamento pós-moderno ou pós-estruturalista.

Mas as categorias e perspectivas de abordagem filosófica da Teoria Crítica desenvolvida

por estes pensadores têm contribuido também para a surgimento de abordagens filosófico-

5 Professor da Unimep e da Unicamp. Escreveu A filosofia e a formação do educador: os desafios da


modernidade. In: Bicudo, M. Aparecida & Silva Jr. Celestino. Formação do educador. vol. 2. (Edunesp,
1996).
6 Professora da UFRGS, ecreveu Educação e produção de verdade (Perspectiva, 14(25):141-151, 1996;
Educação, discursos e poder: uma análise da revista Nova Escola – 1989-1994. CNPq, 1996; A escola (in)
visível: jogos de poder/saber/verdade (Editora da UFRGS, 1995).
7 Professor da Faculdade de Educação, da Unicamp.
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educacionais próprias sobre a condição da educação como prática inserida numa sociedade

marcada por profundas mudanças na sua constituição política, econômica e cultural. Bruno

Pucci, Antônio Alvaro Zuin e Newton-Ramos de Oliveira.

Também outros estudiosos de Filosofia da Educação tem tomado o pensamento

frankfurtiano como referência de sua interlocução, discutindo as questões educacionais sob

sua perspectiva, como Nadja Hermann Prestes e Marilu Fontoura de Medeiros.

4. A educação como práxis construtora da história:


a dimensão de politicidade da prática pedagógica.

Ao reclamar a solidariedade do sujeito social como sujeito da ação educacional e da

ação política, esta orientação da Filosofia da Educação questiona a priorização tanto do

discurso teórico de caráter ético como daquele de caráter puramente técnico. Trata-se de uma

nova tentativa de compreensão do papel da reflexão filosófica bem como da própria natureza

do homem, da sociedade e da educação, perspectiva esta que se poderia designar como sendo

uma perspectiva praxista da Filosofia da Educação. Por certo, cabe à Filosofia da Educação

delinear uma visão da realidade humana, mas ela não mais o faz, contemporaneamente, nem

mais de uma perspectiva essencialista, nem mais de uma perspectiva naturalista, tendo se dado

conta de que o poder da razão humana não pode atingir a intimidade do real, como o pretendia

a metafísica, mas não se limita também aos dados imediatos da fenomenalidade emprírica,

como o pretende a ciência e muito menos ater-se à volatilidade das vivências puramente

estetizantes. Assim, como em todos os demais aspectos da realidade humana, alguns aspectos

da existência dos sujeitos concernidos pela educação, do próprio processo educacional e do

conhecimento relacionado com ela, exigem uma abordagem específica pela reflexão

filosófica, desta nova perspectiva. Mantendo, de um lado, a exigência de um olhar de


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totalidade, herdado da metafísica, e apoiando-se nas aproximações histórico-antropológicas da

ciência, a atual reflexão filosófica sobre o homem, faz dele uma imagem de um ser de

relações, ser social e histórico, que se constitui através de uma prática real e concreta. Por sua

vez, a Filosofia da Educação vê a educação como um processo inserido no processo mais

abrangente da existência humana dos educandos.

A Filosofia da Educação de perfil praxista que se desenvolveu no Brasil nas últimas

décadas inspira-se basicamente na dialética marxista. Os educadores brasileiros que tem

desenvolvido suas teorias educacionais sob essa inspiração apóiam-se no pensamento de

Marx, bem como sobre os pensamentos de Althusser e Gramsci, e de outros teóricos ligados à

tradição marxista, tais como Goldmann, Lukacs, Adam Schaff, Henri Lefebvre e Agnes

Heller.

Durmeval Trigueiro Mendes é uma referência obrigatória quando se discute a questão

da Filosofia da Educação no Brasil. Vê a filosofia da educação como um investimento na

descolonização cultural. Dermeval Saviani teve papel relevante na configuração de uma

concepção da própria Filosofia da Educação, pelo seu trabalho docente nos cursos de

Pedagogia e de Pós-Graduação, quer pelos seus escritos: em ambos os lugares, dedicou-se a

demarcar o campo epistemológico e temático da Filosofia da Educação, à luz de sua

inspiração dialético-marxista. (1983).

Conclusão

De minha parte, tenho procurado também desenvolver, com alguma sistematicidade,

uma reflexão filosófico-educacional, tanto na direção de explicitar o significado da educação

no contexto do significado da existência histórico-social humana, de uma perspectiva de

totalidade, como no plano de uma meta-reflexão sobre a Filosofia da Educação, tentando

elucidar o significado da área como exercício epistêmico. Entendo ser tarefa da Filosofia da
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Educação contribuir para a intencionalização da prática educacional, a partir de sua própria

construção em ato, ou seja, como presença atuante numa determinada sociedade, num

determinado tempo histórico. Intencionalizar a prática educacional é dar-lhe condições para

que ela se realize como práxis, ou seja, ação realizada pautando num sentido, ação pensada,

refletida, apoiada em significações construidas, explicitadas e assumidas pelos sujeitos

envolvidos. É por isso que se pode definir a Filosofia da Educação como o esforço para o

desvendamento/construção do sentido da educação no contexto do sentido da existência

humana, em sua totalidade.

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