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Introdução
Falar de Filosofia da Educação no Brasil não é tarefa simples, até porque ainda
sobre sua natureza. Por isso, não há um entendimento consensual a seu respeito e o
sentido que dela se tem, entre nós, flutua numa certa ambiguidade e imprecisão nos
É fato marcante de que o pensar filosoficamente a educação no país, seja sob sua
alcança uma dimensão filosófica, ele o faz numa espécie de simbiose com os modelos
estrangeiros que são para cá transplantados1. Por outro lado, não se pode negar
igualmente que todo esforço reflexivo sobre a educação, que vem se desenvolvendo entre
nós, não deixa de se preocupar com a realidade histórica de seus processos sociais e
1 Esta questão foi objeto de pesquisa que realizei sobre o discurso filosófico no Brasil, cujas conclusões
constam do livro A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, educação e poder, que se encontra no
prelo, na Editora Vozes.
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são postos por esta realidade. E ao fazê-lo, busca apoiar-se em acervos categoriais de
homem, quaisquer que sejam sua referência filosófica, seus pressupostos teóricos, sua
inserção ideológica, seu campo de atuação prática. Para todos os praticantes da Filosofia
educação como processo humanizador, no seu sentido abrangente. Trata-se, para todos,
aperfeiçoada. Não há como negar este caráter teleológico: mesmo quando as palavras o
Sem dúvida, parece estar superada, na reflexão filosófica mais recente sobre a
educação, a visão essencialista da mesma, tanto sob sua versão metafísica quanto sob
2 Leonardo Van Acker, professor de Filosofia da Educação, na PUCSP, por muitos anos, foi um dos mais
representativos representantes do essencialismo neotomista. Estabeleceu um incisivo diálogo com as idéias
de Dewey, o que o levou a explicitar bem a sua fundamentação metafísica.
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educacional, que vem se construindo neste século entre nós, se exerce numa perspectiva
realidade humana. Mesmo as concepções ainda influenciadas por suas raizes religiosas
leva à nova sociedade, marcada pela cidadania e pela democracia, podem ser muito
diferentes, levando-se em conta os fatores que são enfatizados como fontes energéticas
condução da história. Por isso, creio ser possível identificar quatro grandes
delas os valores que poderiam nortear a prática humana já vem de longa data, no que se
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refere à cultura ocidental. Com efeito, foi já no raiar da modernidade que ocorreu a revolução
desmontar o ambicioso edifício da metafísica. Ainda que isto tenha acarretado, ao longo dos
últimos quinhentos anos, uma excessiva dogmatização da ciência, a filosofia aproveitou para
tem seus alicerces lançados numa epistemologia racionalista radical, tanto quando se pretende
empirista como quando se afirma inatista. Tal posicionamento implica a rejeição de qualquer
intervenção transcendental que esteja para além da própria estrutura da razão natural humana.
A repercussão dessas transformações na cultura brasileira, ainda que tardia, não poderia
deixar de acontecer, atingindo todos os seus setores e aspectos. Assim, no que concerne às
positivismo, também a educação passa a ser pensada à luz das novas categorias explicativas
que sua eficácia como formadora das novas gerações, encontra-se na sua adequação a
educacional e para a sustentação técnica das práticas pedagógicas. E daí decorre também a
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Assim sendo, não é sem razão que as primeiras expressões culturais da Filosofia da
no século passado.
A melhor expressão e tradução desta nova perspectiva está contida na proposta dos
educação jesuítica o modelo da Escola Nova. Pretendendo falar a partir do universo científico,
estes teóricos esclarecem que a educação de que a sociedade brasileira precisa é aquela forjada
sob as luzes e com as ferramentas do conhecimento científico. Por sinal, considerada também
a única apropriada para a construção de uma sociedade laica e justa, gerenciada por uma
cidadania e da democracia.
educação como processo intrinsecamente ligado à vida, não devendo ser vista e praticada
como preparação para a vida, ela já é vida. E como o objetivo da vida é sempre mais vida, o
3 Anísio Teixeira é autor do Pequena introdução à filosofia da educação (8 ed. 1978) e de Educação não é
privilégio (4 ed. 1977).
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objetivo da educação só pode ser a intensificação da vida. Daí a necessidade dos mais
rigorosos conhecimentos científicos dos fenômenos relacionados à vida orgânica e social, para
que a intervenção pedagógica não ocorra indo contra os interesses vitais do educando, que só
estimuladas. Sob este olhar pragmatista e progressista, Anísio Teixeira preocupa-se com o
individual visando a reconstrução social, tendo como meta a sociedade aberta, democrática,
via educação pública. Mas, para bem funcionar, as instituições educacionais precisam de
gozar de autonomia.
implícito, nas teorizações científicas vinculadas à Psicologia, que então se constituem como
referência básica do conhecimento dos sujeitos envolvidos pela educação. Com efeito, a
Psicologia, no quadro das ciências humanas, foi a área que mais contribuiu para configurar a
visão científica dos fenômenos educacionais, sendo, sobretudo através dela que a educação
ganhava foros de cientificidade. Daí o fato de ser ela a ciência da educação mais prestigiada
Mas integram ainda o círculo cientificista outros pensadores que atribuem à Filosofia da
linguístico, uma vez que do ponto de vista epistemológico, dão por admitido que o único
como Tarso Mazzotti; José Mário Azanha; Carlos Eduardo Guimarães; Péricles Trevisan;
por uma prática do conhecimento sob enfoque hermenêutico que busca o sentido total da
entre o íntimo e o público. Entende, pois, o exercício do filosofar como uma hermenêutica,
vista como via privilegiada da interpretação. Não dita, não manipula, mas procura interpretar,
descobrir, compreender. Compreender, antes de tudo, que é o mesmo homem que procura a
sua própria realização em todos os setores da cultura, desde a técnica até a meditação
como um investimento feito pelos sujeitos, dos recursos da exterioridade, com vistas ao
método do conhecimento, com o exercício da vivência da consciência, uma vez que educar-se
é apreender-se cada vez mais como sujeito, buscando agir com vistas a realizar-se cada vez
mais como tal. O ético predomina sobre o político, atuando o educacional como mediação.
Neste sentido, enfatiza mais os fundamentos antropológicos e éticos dos processos do que
educacional vem sendo enfrentada diretamente por pensadores brasileiros que nela se
inspiram: Antônio Muniz Rezende, Newton Aquiles Von Zuben, Creuza Capalbo Joel
Martins, Dulce Mara Critelli, Maria Aparecida Bicudo Hilton Japiassu, Sônia Aparecida
Ignacio Silva; Odone José Quadros, Jayme Paviani, Edvino Rabuske, e Paulo Reglus Freire
Moacir Gadotti
Sob inspiração personalista, Alino Lorenzon e Baldoino Andreolla, Urbano Ziller, Tiago
Adão Lara. Já Roque Spencer Maciel de Barros merece destaque no interior das tendências
culturalistas da filosofia, por voltar explicitamente sua reflexão também para a temática
filosófica. À luz de referências dessa orientação, a educação é tida, de um modo geral, como
representação de posições que se caracterizam por uma incisiva crítica desconstrutiva aos
autores destes textos analisam a educação, refletindo sobre ela, reportando-se a posições
defendidas por pensadores como Michel Foucault, Derrida, Barthes, Lyotard, Baudrillard,
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Deleuze e Guattari, enfim, nos pensadores que são considerados pós-modernos, ou pós-
torno dos caminhos e possibilidades do agir do sujeito, que busca ampliar seu território de
autonomia, frente aos múltiplos determinismos que o cercam. Todo um pano de fundo
constituido de uma explícita tomada de posição contra todas as formas de sistematização serve
denunciar o caráter sistêmico, desumanizador e repressivo dos saberes e dos aparelhos sociais
envolvidos.
enquanto servirem para a expansão dos afetos e para a diluição dos poderes.
cartografia do que política e, sob a inspiração de uma subjetividade não mais iluminista,
pedagógico é passada por severo crivo quando abordada. E esta crítica é feita exatamente por
Alves4 abriu significativo espaço em sua obra de balanço crítico de toda a cultura humana,
desta orientação da Filosofia da Educação é Tomaz Tadeu da Silva que, embora trabalhando
no campo da teoria sociológica, vem desenvolvendo sua reflexão radicalmente crítica contra o
Veiga-Neto, outro sociólogo da educação que vem interagindo com a Filosofia da Educação:
“uma postura que se caracteriza pela mais completa e permanente desconfiança sobre as
verdades que se costuma tomar como dadas, tranqüilas e naturais. Uma postura que se
manifesta pelas constantes tentativas de escapar de qualquer enquadramento que postule como
243-244).
4 Docente aposentado da Unicamp, nasceu em 1933, foi teólogo protestante, um dos primeiros teóricos da
Teologia da Libertação. Atualmente trabalha como psicanalista.. É autor de extensa obra, onde se destacam
O enigma da religião, O que é religião, Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras, Conversas
com quem gosta de ensinar, Estórias de quem gosta de ensinar.
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reflexivo necessário para a resolução dos problemas colocados pela prática pedagógica. Mas
ela deve sobretudo preparar “o educador para uma atitude aberta diante do mundo, pronto a
aceitar o novo e a promovê-lo, ajudando a desenvolver nas pessoas com que se relaciona um
a potencializar o educador para o principal desafio que se lhe coloca hoje, que é o de produzir
Frankfurt, que inspirados por Marx, Freud e Nietzsche, lançam as matrizes do questionamento
da hegemonia da racionalidade que dominou a era moderna, configurando o seu perfil. Assim,
a Teoria Crítica está na raiz das vertentes filosófico-educacionais que designei como
por estes pensadores têm contribuido também para a surgimento de abordagens filosófico-
educacionais próprias sobre a condição da educação como prática inserida numa sociedade
marcada por profundas mudanças na sua constituição política, econômica e cultural. Bruno
discurso teórico de caráter ético como daquele de caráter puramente técnico. Trata-se de uma
nova tentativa de compreensão do papel da reflexão filosófica bem como da própria natureza
do homem, da sociedade e da educação, perspectiva esta que se poderia designar como sendo
uma perspectiva praxista da Filosofia da Educação. Por certo, cabe à Filosofia da Educação
delinear uma visão da realidade humana, mas ela não mais o faz, contemporaneamente, nem
mais de uma perspectiva essencialista, nem mais de uma perspectiva naturalista, tendo se dado
conta de que o poder da razão humana não pode atingir a intimidade do real, como o pretendia
a metafísica, mas não se limita também aos dados imediatos da fenomenalidade emprírica,
como o pretende a ciência e muito menos ater-se à volatilidade das vivências puramente
estetizantes. Assim, como em todos os demais aspectos da realidade humana, alguns aspectos
conhecimento relacionado com ela, exigem uma abordagem específica pela reflexão
ciência, a atual reflexão filosófica sobre o homem, faz dele uma imagem de um ser de
relações, ser social e histórico, que se constitui através de uma prática real e concreta. Por sua
Marx, bem como sobre os pensamentos de Althusser e Gramsci, e de outros teóricos ligados à
tradição marxista, tais como Goldmann, Lukacs, Adam Schaff, Henri Lefebvre e Agnes
Heller.
concepção da própria Filosofia da Educação, pelo seu trabalho docente nos cursos de
Conclusão
elucidar o significado da área como exercício epistêmico. Entendo ser tarefa da Filosofia da
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construção em ato, ou seja, como presença atuante numa determinada sociedade, num
que ela se realize como práxis, ou seja, ação realizada pautando num sentido, ação pensada,
envolvidos. É por isso que se pode definir a Filosofia da Educação como o esforço para o
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