Você está na página 1de 16

Capa Livro INT 2/1/04 2:20 PM Page 1

Histórias de Sucesso
EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS
ORGANIZADO POR MARA REGINA VEIT

Histórias
de Sucesso
EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS

BELO HORIZONTE - 2003


Copyright © 2003, SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É permitida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por
qualquer meio, desde que divulgadas as fontes.

Este trabalho é resultado de uma parceria entre o SEBRAE/NA, SEBRAE/MG, SEBRAE/RJ, PUC-Rio, IBMEC-RJ

Coordenação Geral
Mara Regina Veit
Coordenação e Concepção do Projeto Desenvolvendo Casos de Sucesso

Supervisão
Cezar Kirszenblatt
Daniela Almeida Teixeira
Renata Barbosa de Araújo

Apoio
Carlos Magno Almeida Santos
Dennis de Castro Barros
Izabela Andrade Lima
Ludmila Pereira de Araújo
Murilo de Aquino Terra
Rosana Carla de Figueiredo
Sandro Servino
Sílvia Penna Chaves Lobato
Túlio César Cruz Portugal

Produção Editorial do Livro


Núcleo de Comunicação do Sebrae/MG

Produção Gráfica do Livro


Perfil Publicidade

Desenvolvimento do Site
Daniela Almeida Teixeira
bhs.com.br

Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas


SEBRAE
Armando Monteiro Neto, Presidente do Conselho Deliberativo Nacional
Silvano Gianni, Diretor-Presidente
Paulo Tarciso Okamotto, Diretor Administrativo-Financeiro
Luiz Carlos Barboza, Diretor Técnico

SEBRAE-MG
Luiz Carlos Dias Oliveira, Presidente do Conselho Deliberativo
Stalin Amorim Duarte, Diretor Superintendente
Luiz Márcio Haddad Pereira Santos, Diretor de Desenvolvimento e Administração
Sebastião Costa da Silva, Diretor de Comercialização e Articulação Regional

SEBRAE-RJ
Paulo Alcântara Gomes, Presidente do Conselho Deliberativo
Paulo Maurício Castelo Branco, Diretor Superintendente
Evandro Peçanha Alves, Diretor Técnico
Celina Vargas do Amaral Peixoto, Diretora Técnica
O projeto
O Projeto Desenvolvendo Casos de Sucesso foi criado para que histórias emocionantes de
empreendedores, que fizeram a diferença em sua comunidade, em suas empresas, em suas
instituições, possam ser conhecidas, disseminadas e potencializadas na construção de novos
horizontes empresariais.

O método
O livro Histórias de Sucesso foi concebido com o intuito de utilizar o método de estudo de
caso para estruturar as experiências do Sebrae, e também contribuir para a gestão do
conhecimento nas organizações, estimulando a produtividade e capacidade de inovação, de
modo a gerar empresas mais inteligentes e competitivas.

A Internet
A concepção do Projeto Estudo de Casos para o Portal Sebrae www.sebrae.com.br pretende
divulgar e ampliar o conhecimento das ações do Sebrae e facilitar para as instituições e
profissionais que atuam na rede de ensino, bem como instrutores, consultores e instituições
parceiras que integram a Rede Sebrae, um conteúdo didaticamente estruturado sobre
pequenas empresas, para ser utilizado nos cursos de graduação, pós-graduação, programas de
treinamento e consultoria realizado com alunos, empreendedores e empresários em todo o
País.

O Site dos Casos de Sucesso do Sebrae, foi concebido tendo como referência os modelos
utilizados por Babson College e Harvard Business School , com o diferencial de apresentar
vídeos, fotografias, artigos de jornal e fórum de discussão aos clientes cadastrados no site,
complementando o conteúdo didático de cada estudo de caso. O site também contempla um
manual de orientação para professores e alunos que indica como utilizar e aplicar um estudo
de caso em sala de aula para fins didáticos, além de possuir o espaço favoritos pessoais onde
os clientes poderão salvar, dentro do site do Sebrae, os casos de sucesso de seu maior
interesse

A Gestão do Conhecimento
A partir das 80 experiências empreendedoras de todo o país, contempladas na primeira etapa
do projeto – 2002/2003, serão inseridos em 2004 outros casos de estudo, estruturados na
mesma metodologia, compondo um significativo banco de dados sobre pequenas empresas.

Esta obra tem sido construída com participação e dedicação de vários profissionais, técnicos
do Sebrae, consultores e professores da academia de diversas instituições, com o objetivo de
oportunizar aos leitores estudar histórias reais e transferir este conteúdo para a gestão do
conhecimento de seus atuais e futuros empreendimentos.

Mara Regina Veit


Gerente de Atendimento e Tecnologia do Sebrae/MG, Coordenadora do Sebrae da Prioridade
Potencializar e Difundir as Experiências de Sucesso 2002/2003, Concepção do Projeto Desenvolvendo
Estudo de Casos e Organizadora do Livro Histórias de Sucesso – Experiências Empreendedoras.
Pedagoga, Pós-graduada:Treinamento Empresarial/PUCRS, Administração/ UFRGS, MBA/ Marketing-
FGV/Ohio, Mestranda Administração/FUMEC-MG, autora do livro Consultoria Interna - Use a rede de
inteligência que existe em sua empresa. Ed. Casa Qualidade - 1998.
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E
PARCERIA, INGREDIENTES QUE NÃO FALTAM
NO TABULEIRO DA BAIANA
BAHIA

INTRODUÇÃO

“P ara um verdadeiro empreendedor, não existe obstáculo intrans-


ponível; para um líder nato, não há limites.”
A história de Clarice Souza dos Anjos, uma baiana em todos os sentidos
da palavra, não poderia ser diferente. Ela encontrou, nas dificuldades
da profissão de baiana de acarajé, o incentivo necessário para mudar
uma situação que colocava em risco a manutenção da legítima tradição
da Bahia, suas baianas e o maior símbolo da sua culinária – o acarajé.
Idealizadora e fundadora da primeira Associação de Baianas de
Acarajé do Brasil (ABA), em 1999, ela buscou, na cultura do associativismo
e na consolidação de parcerias, os temperos ideais para a realização de
uma revolução feita por várias mãos, na preservação cultural, econômica
e gastronômica de um Estado.

Lúcia Duarte Mascarenhas Costa, Técnica da Assessoria de Marketing do Sebrae Bahia, elaboro u
o estudo de caso sob a orientação de Daniela Abrantes Ferreira Serpa, baseado no curso
Desenvolvendo Casos de Sucesso, realizado pelo Sebrae, Ibmec-RJ e PUC-Rio, integrando as
atividades da Prioridade Potencializar e Difundir as Experiências de Sucesso no Sistema Sebrae.

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003


BAIANA TRABALHANDO NA PRAIA DE PIATÃ

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003

LANÇAMENTO DO PROGRAMA ACARAJÉ 10 NO


CENTRO DE CONVENÇÕES DA BAHIA
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 3

NO TABULEIRO DA BAIANA TEM...

A tradição da culinária baiana data do descobrimento do Brasil


e da chegada dos portugueses e escravos negros oriundos da África,
que encontraram, neste país, além dos índios, a pesca em abundância.
Foi dessa mistura de temperos que surgiu uma das mais exóticas e
coloridas cozinhas do mundo, que tinha como característica marcante
a fartura do leite de coco e do azeite de dendê.
O acarajé, sua mais famosa iguaria, era um bolinho de feijão frito no
azeite de dendê e tinha como acompanhamento o vatapá, caruru, camarão,
a salada de tomate com cebola e muita pimenta, que juntamente com o
abará, versão cozida do bolinho, a cocada e o bolinho de estudante, feito
da farinha de tapioca, formavam o tabuleiro da baiana, cuja imagem
estava intrinsecamente ligada às tradições religiosas dos negros que
aqui chegaram.
Rezava o candomblé que as filhas de Iansã dos terreiros da Bahia
deveriam sair às ruas, descalças, com suas indumentárias, como uma
forma de devoção ao orixá, e vender o bolinho original apenas com
pimenta. Essa é a razão da predominância de mulheres negras na
atividade, que sofreu profundas modificações ao longo dos anos. O
Diretor da Federação Nacional do Culto Afro, Otoniel Ataíde Bispo,
lembrava que vender acarajé era uma atividade religiosa para as
iniciadas (Filhas de Santo) e só podia ocorrer após as 17 horas, porque
a comida dos orixás não podia ir ao sol.
Por todo esse traço histórico, a atividade de baiana de acarajé sempre
esteve às margens da sociedade, apesar de sua fortíssima característica
cultural. Ela era uma atividade típica de mulheres negras, pobres e
descendentes de escravos.
Porém, com o crescimento do mercado para o produto, ampliaram-se
as expectativas de lucro para o segmento e a atração de pessoas e
empresas para a atividade, o que acarretou prejuízos na continuidade
do processo cultural, muitas vezes suplantado pela força econômica.
Foi exatamente nesse cenário de mercado de competição acirrada,
sem regras ou regulamentações, o qual chegou a render uma média de

C o o rdenação Técnica do Projeto: Ângela Machado Ta v a res e Paloma Noblat.

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003


LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 4

R$ 2,5 mil a R$ 3 mil reais por ponto, que a baiana de acarajé Clarice
dos Anjos encontrou as maiores dificuldades da sua vida.
“A baiana não é respeitada pela sociedade, ela não tem o espaço
que merece”, dizia ela.
Sem nenhum reconhecimento por parte tanto do poder público
quanto da comunidade, pelo fato de desenvolver uma atividade, que,
além de manter viva a cultura, gerava emprego e renda para uma grande
parcela da população pobre do Estado, as baianas eram discriminadas,
desvalorizadas e marginalizadas.
Essas mulheres, apesar de empreendedoras, não tinham acesso à
educação nem escolar nem administrativa, saúde e boas condições de
moradia. Tocavam seus negócios para sobreviverem, porém sem horizonte
para o crescimento e melhoria de vida.
Até aqui, a baiana de acarajé não tinha consciência da necessidade
de ter-se uma previdência social que a auxiliasse quando estivesse
impossibilitada de trabalhar, ou até aposentada. Não tinha seguro saúde,
odontológico, ou qualquer tipo de auxílio.

UMA HISTÓRIA REGADA A MUITO DENDÊ

E ssa situação incomodava profundamente a baiana de acarajé


Clarice, que resolveu fazer alguma coisa para mudar esse cenário em
que vivia.
Conversando com muitas colegas, ela reafirmou a insatisfação em
que todas elas viviam por estarem nessa situação. Nessas conversas, Clarice
encontrou apoio para sua luta e compreendeu que sozinhas elas não
iriam muito longe, mas que, unidas pelo associativismo, essa força se
intensificaria e seria capaz de transformar seus mundos.
Não foi um trabalho fácil. A mobilização encontrou barreiras na
falta de cultura e conhecimento, mas isso não foi suficiente para fazer
parar o sonho de Clarice. Ela e suas novas parceiras acreditaram e
desafiaram a realidade, montando a primeira associação de baianas de
acarajé do Brasil.
Na verdade, em 1992, já havia sido feita uma ata de associação de
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 5

baianas. Entretanto, essa associação não se concretizou na prática, nem


mesmo judicialmente, na medida em que não foi registrada. Em 1997,
a primeira associação de baianas de acarajé foi registrada juridicamente
e começou a funcionar nos moldes de uma associação.
O desafio não parou por aí. Uma vez montada, era preciso fazer
da associação um organismo impulsionador de mudanças e melhorias
para o segmento. Para isso, era necessário, antes de qualquer coisa,
obter recursos – pelo menos era nisso que elas acreditavam até então.
Foi imbuída desse pensamento que, em 1999, a ABA chegou até o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae, e
expôs suas dificuldades e ansiedades, encontrando ali seu primeiro
parceiro de jornada.
O primeiro passo dado nessa parceria não teve nenhuma relação
com o fator financeiro, mas sim com o estratégico. Em 1999, com a
presença de 68 baianas e do Sebrae, foi elaborado um planejamento
estratégico participativo, que possibilitou enxergar claramente quais
eram as forças e fraquezas, ameaças e oportunidades que elas tinham,
tornando possível planejar ações e definir o caminho a ser seguido.
Assim, começou toda a transformação de um segmento.
A Associação de Baianas de Acarajé – ABA contava com 80
associadas, em um universo de aproximadamente 4 mil baianas,
segundo contas da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social.
Uma agenda de diversos cursos passou a fazer parte da vida
dessas baianas, que buscaram, na capacitação, a ferramenta para se
fortalecerem. A presidente da ABA serviu de referencial para as
demais, uma vez que investiu muito do seu tempo aprimorando sua
capacidade de liderança e conhecimento do negócio, por meio de
cursos como o Sebrae Ideal – desenvolvimento de lideranças – e
Aprendendo a Empreender – técnicas de empreendedorismo.
Juntamente com outras baianas, ampliou os conhecimentos na
á rea da gestão do negócio, associativismo, empreendedorismo,
qualidade no atendimento, entre outros.
“Baiana não sabe fazer conta, não calcula custo, preço, e isso
prejudica na administração do negócio”, enfatizou a Presidente da
ABA ao se referir à importância dos treinamentos para gerarem
resultados positivos.
O projeto gerou frutos. No ano de 2000, foi a vez de as filhas das
baianas serem beneficiadas. O governo federal lançou o concurso
HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 6

Capacitação Solidária, voltado para o treinamento de jovens, dentro do


programa Comunidade Solidária. O Sebrae elaborou um projeto denominado
Novas Baianas, para capacitação das filhas das baianas de acarajé, como
forma de socializar e facilitar a entrada dessas jovens no mercado de
trabalho. O projeto foi aprovado e teve sua execução sob a responsabilidade
do Sebrae e da ABA. Ao todo, foram 48 jovens capacitadas, que receberam
treinamento sobre cultura geral, português, matemática, inglês, espanhol,
além da culinária baiana e manipulação de alimentos durante cinco meses.
Para Gilmara Souza, filha de uma das baianas de acarajé, participar dessa
turma foi a grande oportunidade da sua vida.
“Graças ao curso, arranjei um estágio em um grande restaurante
de comidas típicas e, após um mês, fui contratada como auxiliar
de cozinha.”

RESGATE ÀS TRADIÇÕES

A ABA começou então seu trabalho pelo resgate às tradições.


Com o apoio do Governo do Estado e do Instituto do Patrimônio Arq u i-
tetônico Cultural – IPAC, criou a Casa da Baiana, um espaço localizado
no Belvedere da Sé, que contava toda a história da Baiana de Acarajé da
Bahia. Da parceria com o Instituto Mauá, nasceu uma oficina para a
produção das indumentárias da baiana, na qual foram treinadas 20 baianas
para perpetuarem a arte da confecção da roupa rechiliê, bordado com
uma variedade de 100 riscos diferentes. O rechiliê fazia parte da roupa
da baiana, composta do Ojá, que era o turbante usado na cabeça, da saia
rodada, da bata, que era uma blusa bordada em rechiliê, do calção,
uma calça comprida bordada nas pernas, do camisu, blusa bordada que
se usava por dentro, e do pano das costas.
E elas não pararam por aí! Foi desenhado um projeto, a ser imple-
mentado, visando à montagem de uma oficina para a produção dos
equipamentos utilizados pela baiana, já que a ABA também conseguiu em
1998 que a Prefeitura publicasse uma portaria com os direitos e devere s

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003


LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 7

da baiana de acarajé. Esse documento passou a estabelecer a obriga-


toriedade do uso da indumentária de baiana, que sofreu padronização,
assim como o tabuleiro que devia seguir a medida de 1,20 x 0,60 m, e o
ombrellone, o famoso sombreiro da baiana, deveria ter, no máximo, 2 x 2 m.
A regulamentação do uso do solo também não escaparia da decisão,
a Secretaria de Serviços Públicos – SESP estabeleceu a distância mínima de
50 metros entre as baianas, como forma de assegurar uma convivência
pacífica e garantir os lucros.
As baianas associadas viram com bons olhos essa regulamentação.
“Cada uma fazia o que queria, não existia quem ordenasse, uma
vendia de short, outra fumava no tabuleiro, eram soltas, diziam-se
autônomas e faziam o que queriam. Havia uma grande necessidade
de organizar e padronizar para preservar o que ainda existia. O
Estado tinha de intervir, afinal, eu não sou polícia”, relatou Clarice.
E, no dia 5 de novembro de 2002, após uma luta em conjunto com
o IPHAN para conseguir preservar a receita original do bolinho, que
vinha ganhando versões outras (tais como: o acarajé ligth, de soja, de
farinha etc.), o maior símbolo da culinária baiana foi tombado como
Patrimônio Histórico Nacional, e passou a ser o primeiro alimento a
atingir essa categoria.

CARA A CARA COM A DIFICULDADE

O s trabalhos da associação vinham acontecendo dentro do pla-


nejado quando, em 10 de fevereiro de 2002, uma notícia veiculada no
Fantástico, programa da rede Globo de televisão, gerou um impacto no
segmento. O programa publicou uma pesquisa realizada pela Faculdade
de Farmácia da Universidade Federal da Bahia sobre a falta de condições
higiênico-sanitárias para o consumo de 100% dos acarajés analisados. Resul-
tado, as vendas caíram. Segundo dados levantados pela ABA, a re d u ç ã o
se deu por volta de 30 a 40% e agravou a situação dessas profissionais.
Visando solucionar o problema das baianas de acarajé, a ABA, a
ANVISA, o CNI-SENAI, o Instituto de Hospitalidade, o Sebrae, o SENAC
HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 8

e o SESC se uniram para identificar e elaborar um sistema integrado, e


lançaram, em abril/2002, o Programa Acarajé 10, contando com presença
de 800 baianas.
O programa, que utilizou a metodologia do Programa de Alimento
Seguro – PAS, composto de: seminários de conscientização, cursos para
capacitação das baianas quanto aos procedimentos adequados para
preparo de alimentos seguros (higiene pessoal, higiene das instalações
e utensílios entre outros aspectos), avaliação para a certificação das
baianas de acarajé como manipuladoras de alimentos seguros.
Em paralelo, foram realizadas análises das etapas de produção dos
p rodutos do tabuleiro, acompanhadas das análises laboratoriais
microbiológicas, melhoria e maximização do processo, considerando a
segurança alimentar como fator fundamental para a certificação.
A certificação passou a ser fornecida em novembro de 2002, mas só
depois que a equipe do curso visitasse o local de produção dos alimentos
e comprovasse as boas condições de higiene no preparo e manipulação.
No final de 2002, já haviam sido certificadas 50 baianas, e outras
550 estavam em processo de certificação. De acordo com Va n e t e
Fonseca, coordenadora dos treinamentos, as 300 baianas cadastradas
pela Federação Baiana de Culto Afro iriam freqüentar o curso.
Um selo de qualidade foi lançado em novembro de 2002, com o
objetivo de garantir ao consumidor que o produto consumido era
seguro. Segundo Vanete Fonseca, o selo era um importante diferencial
para ampliar ainda mais as vendas no concorrido mercado do acarajé.
Os consumidores também apoiaram a iniciativa. Segundo a Artista
Plástica, Carol Dias,
“O consumidor tem o direito de saber que está comendo um produto
de qualidade, indicado por técnicos especializados.”
E complementou dizendo que só comeria acarajé em tabuleiros
com certificação.
A Presidente da ABA mostrava-se confiante com o andamento do
programa e afirmou:
“O programa vai garantir a qualidade do que se come nos
tabuleiros e ajudar a manter as tradições das baianas.”
Após a certificação, as baianas passaram a ter acesso ao projeto Mão
na Massa, um complemento do Acarajé 10. O Mão na Massa surgiu da
iniciativa conjunta da SESP, ENTURSA, ADESA e Secretaria de Saúde.
Tratava-se de uma adaptação do programa do Governo do Estado,
HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 9

Mãos à Obra, implementado através da Secretaria do Trabalho e Ação


Social – SETRAS, que tinha como principal objetivo disponibilizar linhas
de crédito para re f o rma da cozinha e compra de equipamentos. Principal,
porque, originalmente, o Mão na Massa contemplava a capacitação prévia
como fator determinante para a tomada do empréstimo, entretanto, a
preexistência do Acarajé 10, fez com que um comitê fosse formado
para unir os dois projetos que acabaram por complementar-se.
Três bancos oficiais, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco
do Nordeste, assumiram o compromisso de oferecer os créditos por inter-
médio do Proger-Fat, Fundo de Amparo ao Trabalhador, e do Microcré-
dito, com juros especiais para o segmento. A idéia era proporcionar
melhores condições de trabalho para as baianas, para que essas
pudessem, cada vez mais, oferecer um produto de melhor qualidade.
“Não basta oferecer curso de capacitação para fazer um produto
de melhor qualidade, é necessário que as baianas tenham condições
de reformar suas cozinhas, onde são preparados os alimentos”,
afirmou o representante da Federação do Culto Afro.

LIÇÃO DE CIDADANIA

E m paralelo a todas essas conquistas, a ABA passou a pro-


porcionar às suas associadas assistência médica, odontológica e jurídica
e disponibilizou uma área de lazer. Além disso, disseminou a consciência
da necessidade de contribuir-se para a previdência.
O resgate da auto-estima veio quase que automaticamente e, como
conseqüência, o respeito e admiração da sociedade.
O interesse por parte da imprensa cresceu e a maior prova disso
seria o tema do carnaval da Bahia para 2003 – Baianas de Acarajé. Seria
a mulher baiana sendo representada pelas baianas de acarajé.
“Hoje a baiana já é reconhecida, não é mais vista como a escrava,
a negra, suja, a “mulé” do acarajé, ela é a mulher do acarajé”,
assinalou Clarice.
Quando começou, a associação contava com 80 baianas, com
todas as conquistas que obteve e a responsabilidade com que conduziu
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 10

os trabalhos; ao final de 2002, ela já contava com 2.500 associadas,


atuando em Salvador, Camaçari, Lauro de Freitas e Ilha de Vera Cruz.
Quando perguntada sobre a crescente concorrência das lojas de
delivery, bares e delicatessen, Clarice respondeu:
“Se as baianas não tiverem consciência de que precisam melhorar e
que vão ter um grande diferencial em relação à concorrência, quando
estiverem bonitas, cheirosas, lindonas, maravilhosas, nenhuma
pessoa vai deixar de comer acarajé em uma baiana para comer
em outro lugar, mas, se não for assim, vai perder muito mercado.”

CONCLUSÃO

A falta de horizonte poderia ser paralisante para a maioria das


pessoas, mas, no caso de empreendedores como Clarice dos Anjos,
esse fato nada mais foi que o grande motivador para tornar possível o
que aparentemente não o era. Essas pessoas tinham uma perseverança
capaz de transpor qualquer barreira, uma visão de lince para com as
oportunidades mais camufladas, e uma coragem gigantesca, motivada
pelo desejo genuíno de fazer sempre melhor.
Diante da falta de perspectiva de melhoria de um segmento de
mercado, do qual fez parte sua avó e sua mãe, que vinha se des-
caracterizando, em virtude de um crescimento excessivo e acelerado,
uma baiana de nome Clarice Souza dos Anjos decidiu sair do estado
de inércia que abatia seu segmento e resolveu começar de algum lugar.
A baiana de acarajé era marginalizada, pouco reconhecida. Passava
por dificuldades diversas que afetavam sua auto-estima, passava pela
degradação de uma cultura e isso culminava no enfraquecimento do
seu poder econômico.
Tendo a seu favor um senso de liderança nato, conseguiu, através
do associativismo, tornar-se mais forte para transpor as barreiras que
pertenciam àquele cenário.
“Um líder jamais conduz uma luta sozinho, ele sabe exatamente
onde encontrar potenciais parceiros que facilitem sua jornada.”
HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 11

E assim ela o fez. Buscou a ajuda das instituições que de alguma


maneira poderiam contribuir para a sua causa, articulou as parcerias e,
assim, foi capaz de promover melhorias e alcançar grandes resultados.
Seu primeiro parceiro, o Sebrae, possibilitou à ABA uma visão
mais ampla da realidade do segmento, organizando, juntamente com a
associação, um planejamento estratégico, detectando as ações
necessárias a serem implementadas. Essa ferramenta acabou servindo
como ferramenta norteadora. Em seguida, iniciaram-se os trabalhos de
capacitação gerencial, de liderança e associativa, para criar uma base
sólida que independesse da intervenção externa para existir.
As filhas dessas mulheres também foram capacitadas pelo Programa
Novas Baianas afinal, esse mercado tinha como característica a herança
profissional.
Os demais parceiros foram surgindo, na medida em que a ABA ia
avançando nas suas conquistas. Primeiramente, o resgate à tradição.
Com a ajuda do IPAC, foi criada a Casa da Baiana, e de uma parceria
com o Instituto Mauá, nasceu a oficina da indumentária da baiana de
acarajé. A Prefeitura regulamentou normas para o setor e, com o apoio
do IPHAN, chegou-se ao tombamento do acarajé.
Mais uma vez, a força para continuar surgiu de uma grande dificuldade.
Uma matéria publicada no Fantástico condenando amostras do alimento
foi o fator motivador para a união de oito instituições: a ABA, a ANVISA, o
CNI-SENAI, o Instituto de Hospitalidade, o Sebrae, o SENAC e o SESC, que
imbuídas do desejo de reverter a problemática, elaboraram o Projeto Acarajé
10 que originou a elaboração de um selo de qualidade para as baianas.
O crédito para o setor encontrou na parceria: SESP, ENTURSA,
ADESA, Secretaria de Saúde e de três bancos oficiais, Caixa Econômica
Federal, Banco do Brasil e Banco do Nordeste, por meio do programa
Mão na Massa, o apoio necessário.
Desde o seu surgimento em 1997 até o ano de 2002, a ABA cresceu
e se fortaleceu enquanto associação e gerou benefícios diversos visando
à melhoria da qualidade de vida das associadas.
Desenvolveu um trabalho sério de melhorias para categoria e resgate
cultural, beneficiando a indústria do turismo e sendo por ela beneficiada,
conseguindo o almejado reconhecimento da sociedade, entre outros fatos,
na homenagem feita à categoria com o tema do carnaval baiano de 2003.
Alcançou um número expressivo de crescimento, passou de oitenta
para duas mil e quinhentas associadas, e expandiu sua área de atuação para
HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003
LIDERANÇA, ASSOCIATIVISMO E PARCERIA, INGREDIENTES
QUE NÃO FALTAM NO TABULEIRO DA BAIANA - BA 12

Camaçari, Lauro de Freitas e Ilha de Vera Cruz, no período de cinco anos.


A ABA vinha disseminando todo esse trabalho no interior do Estado,
incentivando a criação de novas associações.
Ficou claro que a luta de Clarice e suas parceiras de associação não
acabava aí. Muito ainda havia para ser feito. Desafios, como a preser-
vação cultural diante do mercado, a continuidade do processo e a busca
por novas oportunidades de crescimento, permaneceriam sempre.

PONTOS PARA DISCUSSÃO


• Como se tornaria possível a continuidade do trabalho de uma
associação presidida por uma líder tão forte?
• Sendo esse um mercado tão concorrido, quais seriam as possibilidades de
expansão da baiana de acarajé para evitar que o mercado ficasse mais
saturado, sem perder de vista a questão da preservação e respeito à
cultura?
• Quais seriam as ações que permitiriam uma melhoria da condição de
trabalho da baiana de acarajé?
• Como se fortaleceriam as redes de parcerias para se incluírem
novas comunidades no processo? Seriam necessários novos
parceiros para atingir esse objetivo?
• Quais seriam as possibilidades que você visualizaria para se criar
uma franquia social partindo de um modelo de negócios dire-
cionado para as pessoas ou comunidades carentes?
• O que se poderia fazer para garantir a sustentabilidade
socioeconômica dos projetos implantados, considerando os
desafios identificados no texto?
• Quais seriam as estratégias de divulgação que você utilizaria para
sensibilizar as pessoas e as comunidades que, se reconhecendo na
mesma situação, agissem em busca de apoio?
Diretoria Executiva do Sebrae Bahia (2002): Hebert Motta, Misael Aguilar e Paulo Manso

Agradecimentos:
Angela Machado – Coordenadora do Projeto Baianas de Acarajé pelo Sebrae/BA, Cristiane Mota –
C o o rdenadora do Programa Acarajé 10 pelo Sebrae/BA, Clarice dos Anjos – Presidente da ABA -
Associação das Baianas de Acarajé da Bahia, funcionários e parceiros do Sebrae.

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003

Você também pode gostar