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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

CURSO DE ARTES VISUAIS

ALEXANDRE BARRETO

O SIMBOLISMO NA ARTE CRISTÃ DO PERÍODO BIZANTINO

CRICIÚMA, JUNHO DE 2009


ALEXANDRE BARRETO

O SIMBOLISMO NA ARTE CRISTÃ DO PERÍODO BIZANTINO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado


para obtenção do grau de Bacharel no curso de
Artes Visuais da Universidade do Extremo Sul
Catarinense, UNESC.

Orientador: Prof. Esp. Eduardo Vicente Tasca

CRICIÚMA, JUNHO DE 2009


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ALEXANDRE BARRETO

O SIMBOLISMO NA ARTE CRISTÃ DO PERÍODO BIZANTINO

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela


Banca Examinadora para obtenção do Grau de
Bacharel, no Curso de Artes Visuais da
Universidade do Extremo Sul Catarinense,
UNESC, com Linha de Pesquisa em
Fundamentos da Arte.

Criciúma, 01 de Julho de 2009.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Eduardo Vicente Tasca – Especialista - (UNESC) - Orientador

Profª. Aurélia Regina de Souza Honorato -Mestre - (UNESC)

Profª. Jussara Guimarães - Especialista - (UNESC)


3

Dedico este trabalho à minha Avó


Rosalinda, e meu tio Nelson, onde eles
estiverem.
4

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais Acionir e Ângela, por


tudo o que fizeram, e fazem por mim. Agradeço a minha esposa Simone pela
paciência, dedicação e companheirismo. Agradeço a minha irmã Aline pelo auxílio
nas dúvidas metodológicas. Agradeço ao meu orientador Tasca por me mostrar a
direção certa a tomar durante esta pesquisa. Agradeço a todos os professores que
me ajudaram a construir esta vida acadêmica. Agradeço aos amigos do Centro
Acadêmico de Artes Visuais, por estarem ao meu lado desde o início desta
caminhada. Agradeço ao amigo Willian, pelos toques de como fazer uma boa
apresentação. Agradeço às mulheres da Associação de Mosaico de Criciúma, por
me auxiliarem na realização da obra que acompanha este trabalho.
5

“A religião é o suspiro da criatura oprimida,


o ânimo de um mundo sem coração e a alma
de situações sem alma. A religião é o ópio
do povo”.
Karl Marx
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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo buscar perceber a relação do simbolismo e


da arte cristã no período bizantino. Para tanto, buscou-se na bibliografia o material
usado como base para esta pesquisa. Os objetivos específicos desta pesquisa estão
em conhecer os diferentes simbolismos cristãos e seus respectivos significados,
verificar a diferença entre arte sacra e arte religiosa, conhecer o simbolismo das
cores nas artes sacras deste período, conhecer o desenho do período abordado e
apresentar uma obra de arte baseada no tema deste trabalho de conclusão de
curso, que foi uma cruz em mosaico inspirado na arte cristã do período bizantino. A
linha de pesquisa em Artes Visuais na qual este projeto se encaixa é fundamentos
da arte, sendo direcionado para arte e simbologia, onde a preocupação maior é em
pesquisar os fatos históricos, relacionando arte e religião no período bizantino, e
qual a sua relação. A forma de abordagem foi qualitativa, afim de entender os seres
humanos e sua natureza, com a possibilidade de criar conhecimento a partir da
realidade. Ao final deste trabalho, concluiu-se que os símbolos no período bizantino
se apresentavam nas cores, cada uma com o seu significado, e nas formas do rosto,
corpo, braços, representadas nas imagens simbolizando algo relevante ao sagrado,
assim, a arte foi fundamental com seus símbolos, ícones, cores e formas para a
difusão do cristianismo pelo mundo, até os dias de hoje.

Palavras-chave: Arte. Imagem. Bizantino. Símbolo. Ícone.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Cristo Pantocrator de Monreale ...............................................................18


Figura 2 – Madonna de Torcello................................................................................19
Figura 3 – O Bom Pastor de Saint Apolinaire............................................................19
Figura 4 – O Juízo Final ............................................................................................20
Figura 5 – Transfiguração .........................................................................................21
Figura 6 – Êxtase de Santa Teresa...........................................................................21
Figura 7 – Emaús ......................................................................................................22
Figura 8 – Justiça ......................................................................................................23
Figura 9 – A Virgem e o Menino à frente de um guarda-fogo ...................................24
Figura 10 – Imperador Constantino...........................................................................36
Figura 11– Interior Basílica Santa Sofia ....................................................................37
Figura 12 – Interior Basílica Santa Sofia ...................................................................38
Figura 13 – Cristo Pantocrator da Basílica de Santa Sofia .......................................38
Figura 14 – Imperador Conmenos, Virgem Maria, Jesus Cristo, Imperatriz Irene.....39
Figura 15 – Interior Hosios Lucas..............................................................................39
Figura 16 – Hosios Lucas Spalarea ..........................................................................40
Figura 17 – Virgem Blochernitissa.............................................................................45
Figura 18 – Virgem Panaghia....................................................................................45
Figura 19 – Virgem Kiriotissa ....................................................................................46
Figura 20 – Virgem Glicofilusa ..................................................................................46
Figura 21 – Virgem Galactotrofusa............................................................................47
Figura 22 – Cristo Pantocrator da Basílica de Santa Sofia .......................................47
Figura 23 – Teoria dos três círculos ..........................................................................49
Figura 24 – Cristo Pantocrator da Sérvia ..................................................................50
Figura 25 – Arcanjo Miguel........................................................................................50
Figura 26 - Teoria dos olhos......................................................................................50
Figura 27 - Teoria do nariz ........................................................................................51
Figura 28 – São Jorge Megalomártir .........................................................................52
Figura 29 – Teoria do queixo.....................................................................................52
Figura 30 – Cristo, a Divina Sabedoria......................................................................53
Figura 31 – A Anunciação .........................................................................................54
8

Figura 32 – A Ressurreição de Lázaro......................................................................55


Figura 33 – Exaltação da Cruz ..................................................................................56
Figura 34 – Virgem Galactotrofusa............................................................................56
Figura 35 – Virgem Glicofilusa ..................................................................................57
Figura 36 – Teodora e sua Côrte ..............................................................................58
Figura 37 – Hipócrates ..............................................................................................58
Figura 38 – Ressurreição de Cristo...........................................................................59
Figura 39 – Imperador Justiniano e sua Corte ..........................................................59
Figura 40 – Virgem Panaghia....................................................................................60
Figura 41 – Interior do Domo Catedral de Monreale .................................................61
Figura 42 – Imperador Constantino, Cristo, Imperatriz Zoe ......................................62
Figura 43 – Cristo Pantocrator da Basílica de Santa Sofia .......................................62
Figura 44 – Imperador Justiniano, Virgem Maria, Imperador Constantino ................63
Figura 45 – Mosaico Deisis da Basílica de Santa Sofia ............................................63
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................11
2 METODOLOGIA ....................................................................................................13
3 OBRA DE ARTE ....................................................................................................14
4 LEITURA DE IMAGEM ..........................................................................................16
5 ARTE SACRA E ARTE RELIGIOSA .....................................................................18
6 SÍMBOLOS ............................................................................................................23
6.1 Os Símbolos Cristãos .......................................................................................29
7 ÍCONES.................................................................................................................31
8 O PERÍODO BIZANTINO.......................................................................................33
8.1 A Arte Bizantina.................................................................................................36
8.2 Iconoclastia........................................................................................................41
9 O DESENHO BIZANTINO .....................................................................................44
9.1 As Formas..........................................................................................................48
9.1.1 A Cabeça .........................................................................................................48
9.1.2 O Rosto ...........................................................................................................48
9.1.3 Os Olhos .........................................................................................................50
9.1.4 O Nariz.............................................................................................................51
9.1.5 A Boca .............................................................................................................51
9.1.6 O Queixo .........................................................................................................52
9.1.7 Braços e Mãos ................................................................................................53
9.1.8 O Corpo Humano............................................................................................54
9.2 O Simbolismo das Cores ..................................................................................55
9.2.1 O Marrom ........................................................................................................56
9.2.2 O Verde............................................................................................................56
9.2.3 O Azul ..............................................................................................................57
9.2.4 O Púrpura........................................................................................................57
9.2.5 – O Vermelho ..................................................................................................58
9.2.6 O Branco .........................................................................................................59
9.2.7 O Preto ............................................................................................................60
9.2.8 O Dourado.......................................................................................................60
10 MOSAICO BIZANTINO........................................................................................61
11 OBRA EM MOSAICO – CRUZ ............................................................................64
10

11.1 Primeira Etapa: Criação ..................................................................................64


11.2 Segunda Etapa: Desenho ...............................................................................65
11.3 Terceira Etapa: O Início do Mosaico..............................................................66
11.4 Quarta Etapa: Finalização da Obra ................................................................67
REFERÊNCIAS.........................................................................................................71
Referência Complementar ......................................................................................72
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1 INTRODUÇÃO

Existe no mundo atual, uma grande curiosidade sobre religiosidade. Seus


símbolos, crenças, sempre despertaram questões, das quais muitas ainda não têm
resposta.
Desde o início dos tempos, o homem se comunica através de símbolos, e
ainda hoje se perpetua este meio de comunicação, um claro exemplo disso, são os
quinze quadros denominados “A Via Sacra”, indicando a passagem de Cristo para o
calvário, que se encontram nas paredes das Igrejas Católicas. Para uma pessoa que
não sabe ainda interpretar a escrita, esses quadros exemplificam para elas o
sofrimento de Cristo até a sua crucificação. E estas pessoas apenas decifraram os
símbolos ali existentes, para conseguir perceber essa mensagem.
O cristianismo utiliza muitos símbolos como, por exemplo, a pomba, o
cordeiro, o fogo, as auréolas, o batismo, o peixe, a cruz, a figura de Jesus Cristo,
estes tratados sempre através de pinturas, esculturas, afrescos, e outros, muitos
deles criados no período bizantino.
Desta forma, este trabalho de conclusão de curso têm como objetivo
perceber a relação entre o simbolismo e a arte cristã no período bizantino. Os
objetivos específicos desta pesquisa estão em conhecer os diferentes simbolismos
cristãos e seus respectivos significados, verificar a diferença entre arte sacra e arte
religiosa, conhecer o simbolismo das cores nas artes sacras deste período, conhecer
o desenho do período abordado e apresentar uma obra de arte baseada no tema
deste trabalho de conclusão de curso, que será uma cruz em mosaico inspirado na
arte cristã do período bizantino. Norteia-se pelas seguintes questões: no período
bizantino, havia liberdade na criação das obras? qual a diferença entre arte sacra e
arte religiosa? qual o simbolismo das cores nos desenhos sacros? o que é ícone? o
que é símbolo?
O trabalho foi estruturado da seguinte forma: no primeiro capítulo, foi
abordado o tema sobre arte, sua função, o que é arte, obra de arte e como
reconhece-la. No segundo capítulo foi visto sobre leitura de imagens, seus
fundamentos, regras, como realizar uma boa leitura de imagem e seus significados.
No terceiro capítulo foi apontado o que vem a ser arte sacra e arte
religiosa, e identificadas as suas diferenças. No quarto capitulo, foi aprofundado um
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pouco mais no tema central deste trabalho, e escrito sobre símbolos, o que são,
onde podem ser encontrados e realizada uma leitura de imagem, decodificando
símbolos existentes na obra, e sobre os símbolos cristãos.
No quinto capítulo foi abordado o tema ícone. No sexto capítulo foi
discutido a história do período bizantino, com a criação do cristianismo e suas
conseqüências, sobre a arte bizantina e o período Iconoclasta. No sétimo capítulo foi
abordado o desenho bizantino, suas formas e cores. No oitavo capítulo foi resumido
o assunto sobre o mosaico bizantino, e por fim, no último capítulo foi mostrado as
etapas de criação e confecção da obra de arte realizada junto a este trabalho de
conclusão de curso.
O problema desta pesquisa foi buscar perceber como se apresentavam os
símbolos na arte cristã do período bizantino.
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2 METODOLOGIA

Para realização deste trabalho, não foram utilizados questionários, nem


coleta de dados. A linha de pesquisa em Artes Visuais a qual este projeto se encaixa
é fundamentos da arte, sendo direcionado para arte e simbologia, onde a
preocupação maior foi em pesquisar os fatos históricos, relacionando arte e religião
no período bizantino, e qual a sua relação. A forma de abordagem foi qualitativa, a
fim de entender os seres humanos e sua natureza, com a possibilidade de criar
conhecimento a partir da realidade. “A investigação qualitativa busca uma
compreensão particular daquilo que estuda e não se preocupa com a generalização,
princípios e leis” (Martins e Bicudo apud Minayo, 1994).
O procedimento técnico utilizado neste projeto foi a pesquisa bibliográfica,
indicando as fontes onde obtivemos informações do assunto pesquisado,
procurando por meio destas informações o aprofundamento maior dos mesmos,
aprender o que já tem pesquisado e conhecê-lo melhor.

[...] para desenvolver uma pesquisa bibliográfica você deve proceder ao


levantamento de material (livros, revistas científicas, jornais e outros)
publicado a respeito do assunto, para poder identificar, nos escritos de
vários autores, aspectos que possam contribuir para esclarecer o problema
da pesquisa, analisando-a em suas causas, conseqüências e relações,
variáveis, alternativas de solução e tudo mais que julgar conveniente e
necessário.(VIANNA, 2001 p.115)

O desenvolvimento da obra, é um mosaico baseado numa cruz bizantina,


onde as peças em piso foram cortadas em um formato quadrado, porém não
seguindo o mesmo tamanho e disposição como no mosaico bizantino.
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3 OBRA DE ARTE

A palavra arte provém do latim ARS, ARTIS, que significa serviço,


trabalho. A arte sempre foi uma incógnita para muitos, sendo difícil sua definição.
Para se entender a arte, deve-se pesquisar sobre a cultura e período
histórico ao qual está inserida, pois a arte é um fenômeno cultural. Segundo
Honorato (2003, p.8) “As obras de arte, nem sempre tiveram a mesma função. Da
antiguidade até hoje já serviram para contar história, rememorar acontecimentos
importantes, despertar sentimentos religiosos ou cívicos”.
A arte não possui regras absolutas e seguidas à risca, mas sim regras de
cada época em si.

A arte é essencialmente uma linguagem, e, na medida em que se atribui a


missão de comunicar, o artista precisa se servir de alusões ao que os outros
podem conhecer ou reconhecer. Fá-lo-á por reproduções, por sinais ou por
símbolos.(HUYGHE (1986, p. 24).

A obra de arte deve ter em consideração o contexto em que foi elaborada


e o tema abordado, e ser analisada, descrita, lida e interpretada levando em conta
esse parâmetros. Há muitas respostas para o que é a arte, porém são todas
insuficientes para realmente defini-la, pois a arte é indefinível.

Dizer o que seja a arte é coisa difícil. Um sem número de tratados de


estética debruçou-se sobre o problema, procurando situá-lo, procurando
definir seu conceito. Mas se buscamos uma resposta clara e definitiva,
decepcionamo-nos: elas são divergentes, contraditórias, além de
freqüentemente se pretenderem exclusivas, propondo-se como solução
única.(COLI, 2004, p. 7).

A obra de arte vai além do racional. Nunca uma obra é bonita e a outra
feia, nunca uma obra foi mais bem executada e a outra não. Para Pastro (1993,
p.106), a obra de arte possui dois segmentos: a obra objetiva e a obra subjetiva.
A obra de arte objetiva é simbólica, decorativa, celebrativa e teocêntrica,
ou seja, ela é um símbolo de algo maior, logo ela não é o centro, e sim a divindade a
qual ela representa. Ela é muito maior que o conceito do artista.
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A obra de arte subjetiva é concebida pela imaginação do artista, não


celebra nada, é unicamente o desejo do artista de contar algo.
A arte pode ser reconhecida através de vários segmentos, mas vamos
nos direcionar para um meio: a imagem.
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4 LEITURA DE IMAGEM

A palavra Imagem provém do latim IMAGO, que significa, conforme


Pastro (1993, p.33) “(...) sombra de um morto, espectro, fantasma, visão, retrato,
cópia, imitação, parábola, lembrança, sinal”.
Além que as palavras, a imagem também pode ser uma verdade, pois
possui uma forma.
A imagem pode também ser considerada como um signo, cujos códigos
estão expressados ali para serem identificados.

As imagens que formam o nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e


alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com
o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja
o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos
feitos.(MANGEL, 2008, p. 21).

Uma imagem pode ser interpretada e lida de várias maneiras diferentes,


dependendo apenas do espectador. O espectador possui várias formas para realizar
uma leitura de imagens, considerando linha, relevo, plano, cor, texturas, escala,
volume, forma, dimensão, símbolos existentes na imagem, e o tema relacionado à
obra de arte. Através dos códigos e particularidades existentes numa imagem,
podemos situar a época de sua criação e conseguir decifrar sua mensagem
escondida através dos símbolos. A imagem não se acaba com o passar do tempo,
ao contrário, ela se renova. Cada vez mais que nos deparamos com uma mesma
imagem podemos notar coisas diferentes, que não se havia notado anteriormente.

Os botes de Van Gogh, por exemplo, foram para mim, naquela primeira
tarde, prontamente reais e definitivos. Com o correr do tempo, podemos ver
mais ou menos coisas em imagens, sondar mais fundo e descobrir mais
detalhes, associar e combinar outras imagens, emprestar-lhe palavras para
contar o que vemos mas, em si mesma, uma imagem existe no espaço que
ocupa, independente do tempo que reservamos para contempla-la: só
vários anos mais tarde fui notar que um dos botes tinha o nome Amitié
pintado no casco.(MANGEL, 2008, p. 25).

Para se realizar uma boa leitura de imagem, o espectador deve obter um


claro conhecimento do contexto do autor. A construção dos significados do
espectador durante a leitura de uma imagem realiza-se por meio da experiência, do
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significado e da relação que o espectador possui consigo mesmo. Segundo Pillar


(2001), o primeiro a fundamentar a leitura de imagens para desenvolver a crítica de
arte, a partir de técnicas foi Feldman. Para Feldman, conforme Pillar (2001), existem
quatro estágios para se realizar uma leitura de imagem.
No primeiro estágio, a descrição, o espectador deve estar dotado de uma
neutralidade, pois ele realizará uma leitura formal, levando em conta seus
sentimentos pessoais, suas preferências, pois quando faz uma leitura de imagem,
ele se projeta nessa imagem.
No segundo estágio, a análise, o espectador deve concentrar-se nas
formas, como se relacionam e se influenciam entre si. Nesse estágio é que se deve
prestar a atenção a cores, texturas, volume, forma e o espaço entre elas.
No terceiro estágio, a interpretação, o espectador deve procurar dar um
sentido e um significado à imagem observada, levando em conta sua cultura, sua
história. Nesse momento que todo o conhecimento do espectador acerca da arte,
imagem, estilos, linguagens, artistas, torna-se fundamental. A interpretação torna-se
diferente de um observador para outro observador, de uma época para outra época,
e de uma cultura para outra cultura. Desse modo nunca, uma interpretação será a
mesma em outro lugar, ou outra época.
No quarto e último estágio, o julgamento, o observador, seguindo uma
filosofia da arte, que consiste na filosofia do saber, na filosofia formalista, e na
filosofia instrumentalista e que se baseiam em diversos argumentos, deve chegar à
conclusão da excelência, e da qualidade da imagem.
Segundo Pastro (1993, p. 21) “A imagem indica uma realidade ampla que
vaza culturas, comunidades e séculos”. E como outros meios artísticos, a imagem
serve também para contar histórias. Histórias sobre civilizações passadas, seus
costumes, crenças, culturas, enfim, seu povo e vida.
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5 ARTE SACRA E ARTE RELIGIOSA

Hoje em dia ainda existe arte sacra? Não. O que pode existir por aí,
chama-se arte religiosa. Arte sacra e arte religiosa não são apenas noções de tipos
de artes, pois embora pareçam a mesma coisa, elas possuem radicais diferenças.
Para sintetizar um pequeno e simples exemplo dessa diferença, antes de nos
aprofundarmos no assunto, explica Pastro (1993, p. 108) “A arte sacra, discreta e em
estreita ligação com a liturgia, faz um todo com o espaço sagrado. A arte religiosa,
ao contrário, pode decorar uma sala, um quarto... e até uma capelinha”.
A arte sacra é o que podemos denominar como imagens de culto.
Podemos citar o Cristo de Montreal, a Madona de Torcello, ou o Bom Pastor de São
Apolinário, e tudo o que houver semelhante a essas obras em pinturas, mosaicos,
esculturas.

Figura 1– Fonte: www.wikipedia.com


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Figura 2 – Fonte: www.wikipedia.com

Figura 3– Fonte: www.wikipedia.com


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Para se entender melhor essa arte de culto, deve-se entender que essa
arte, não se inicia da experiência de vida humana, mas sim de um objetivo total de
Deus. O objetivo dessas imagens de culto é a presença de Deus, senti-lo presente.
A imagem de culto se impõe, de maneira que não interessam perguntas como quem
fez, ou porque fez, pois ela se basta, e possui autoridade sobre si mesma. Não se
denomina artista na nossa concepção atual de artista, a pessoa que cria uma
imagem de culto. Neste tipo de arte, é aplicado o sentido da majestade, do
inacessível, do temível. Então, podemos definir a arte sacra como uma arte
cosmológica ou ontológica, e não uma arte sentimental ou psicológica. A arte sacra
vai além dos sentimentos do próprio artista, e é tomada como uma arte da realidade,
que vai além dos limites do entendimento humano. Conforme Pastro (1993, p.118)
“A arte Sacra é um veículo do Espírito que serve ao humano, e não o humano que
serve ao espírito”.
Segundo Pastro (1993, p.120) “A decadência da Arte Sacra atual deve-se
ao esquecimento quase que total da verdadeira natureza dessa arte”
Em contrapartida à arte sacra ou imagem de culto, temos, então, a arte
religiosa ou arte de devoção. Podemos citar como exemplos de arte religiosa: O
Juízo Final, de Michelangelo; Transfiguração, de Rafael; O Êxtase de Santa Teresa
e Emaús, de Caravaggio.

Figura 4 – Fonte: www.wikipedia.com


21

Figura 5– Fonte: www.wikipedia.com

Figura 6 – Fonte: www.wikipedia.com


22

Figura 7 – Fonte: www.emaus.org.br

Esclarecendo então, a imagem de devoção não direciona expressão à


realidade sagrada, mas sim à realidade que foi experimentada. A imagem de
devoção demonstra uma vida pessoal cristã, com sua fé, lutas e questões internas.
A arte religiosa também se refere a Deus e os santos, porém, essa referência
acontece por meio dos sentimentos da pessoa que cria tais obras. Neste tipo de arte
é permitida a utilização do profano, tomando em conta a liberdade e anseio do
artista em passar sua mensagem.

A imagem de devoção descansa nas relações de semelhança e transição. A


interioridade do homem se prolonga na imagem. Muitas vezes o artista
(cheio de si) se retrata na imagem e nem está preocupado com a Fé e seus
mistérios. Ou, ainda, retrata o mecenas no rosto de um santo.(PASTRO,
1993, p. 113).

Podemos então afirmar que a arte religiosa é a feita sob o olhar do artista,
sem uma cobrança ou imposição de um alto clero, onde os personagens são mais
humanos do que divinos, utilizando seu conceito estético e, colocando na obra, a
sua visão do quem ou o que vem a ser o sagrado.
Mas a arte como um todo, independente de ser sacra ou religiosa, vem
dotada de mistérios que estão lá para serem decifrados escondidos nas obras de
arte, mistérios estes que denominamos símbolos.
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6 SÍMBOLOS

Algumas imagens, obras, ou algo relacionado à arte, possuem relação


com o místico, o misterioso, o desconhecido, o decifrável. O meio que expressa
esses acontecimentos é o símbolo. O símbolo é importante na vida humana, pois ele
emana a imaginação, aguça o sentimento imaginativo, libera o que está preso no
inconsciente e leva a ações que geralmente não são as mais plausíveis, mas
também não estão erradas.

Os símbolos, pois, além de representarem uma idéia abstrata (como diz


Schaff), transcendem a dimensão puramente cognitiva. O “significado” de
um símbolo transborda as fronteiras do racional, pois atinge as camadas
mais profundas da psique humana.(EPSTEIN, 2000, p. 66).

É tão difícil descrever o significado do símbolo explícito numa imagem,


quanto encontrar um termo definitivo e preciso para a palavra símbolo. Podemos
dizer que nunca se esclarece um símbolo completamente, pois sempre há um “algo
mais” escondido por esses símbolos. O símbolo pode representar tanto o real, como
o imaginário. Segundo Epstein (2000, p. 69) “Assim, a escultura da mulher com os
olhos vendados e a balança com os pratos equilibrados na mão representa tanto
uma mulher real nessas circunstâncias, quanto à idéia de justiça, sob determinados
aspectos”.

Figura 8 – Fonte: www.wikipedia.com


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Para interpretar um símbolo, deve-se levar em conta sua expansão. O


símbolo é uma junção de significados escondidos e não expressos, mas que podem
ser difundidos em expressões abertas. Os símbolos também são bastante utilizados
por quem se utiliza da comunicação persuasiva, como por exemplo os publicitários,
políticos ou religiosos.
Como exemplo, será realizada a leitura de uma imagem, segundo
Manguel 2008, da obra concebida em meados do século XV, A Virgem e o Menino à
frente de um guarda-fogo, do artista Robert Campin.

Figura 9 – Fonte: www.wikipedia.com


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Esta obra é um chamado, cheio de mistérios, os quais o espectador se


sente instigado a decifrar. Pois bem, vamos então adentrar neste mundo dos
símbolos. A mulher em questão pode ser a Virgem Maria, que amamenta o menino
Jesus, mas também é uma mulher desse mundo, que amamenta seu filho dentro de
sua casa. Nosso papel nesse caso é desvendarmos quem é a mulher, já que o pintor
espalhou por toda a obra pistas que levam a resposta de quem viria a ser esta
mulher. Sem dúvida alguma, a figura principal da imagem é a mãe, saindo de seu
papel terreno, e representando um papel de destaque sagrado como Mãe de Deus.
O filho está em segundo plano, olhando para o espectador, como se estivesse se
espreguiçando, e a mão esquerda como se estivesse segurando uma flor, já a mãe,
olha para cima da cabeça do menino, e oferece seu seio mais para o espectador do
que para o filho, nos passando sua autoconfiança.
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Acima da cabeça da mulher, temos o guarda-fogo, que na obra pode


também representar uma auréola. Segundo Manguel (2008, p71) “O círculo, a mais
perfeita das formas geométricas, foi usado para simbolizar a perfeição do próprio
Deus”. Atrás do guarda-fogo pode ser vista uma pequena chama. Segundo a lenda
medieval, quando a chama se encontra sobre o topo de uma cabeça, representa
uma presença a mais, que pode ser denominada como a presença do Espírito
Santo.

Mais ao fundo da imagem, pode-se perceber um banquinho de três pés,


que tem como objetivo na obra recordar ao espectador a presença da Santíssima
Trindade no local.
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Outro detalhe é o livro aberto que está embalado com uma bolsa de seda,
usado antigamente para a proteção de capa, que significa que a Mãe interrompeu
sua agradável leitura para cuidar de seu filho.

Pela janela existente na imagem, em detalhes extraordinários, podemos


ver uma pequena cidade com suas montanhas, céu azul e a igreja imponente ao
centro, com sua torre apontando para o céu.
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Outro simbolismo que também pode ser percebido, e que quando um


artista decide coloca-la em sua obra causa muita polêmica, é a genitália de Cristo.
Ela está ali para ser vista de propósito, que pode ser percebida entre a mão
esquerda da mãe, e o joelho do bebê, formando um triangulo. Na imagem, o pênis
de Cristo aparece de forma que pode se perceber que ainda não foi circuncidado.
Outra figura que indica a futura circuncisão, são os ladrilhos negros abaixo do
vestido da Virgem. Segundo a lei judaica, a circuncisão ocorre no oitavo dia de vida
da criança, logo os ladrilhos são octogonais, e ocultos pelo vestido porque o dia
ainda não chegou.
29

Esta obra, A Virgem e o Menino à frente de um guarda-fogo, podem ser


interpretadas como duas pinturas. A primeira delas mostra uma cena cotidiana,
doméstica, onde uma mãe amamenta sua criança no interior de sua confortável
morada. A segunda mostra a história que todos conhecemos, onde um Deus que
nasce de uma mulher normal. E essa obra tem como futuro ser infinita, pois a cada
nova leitura surgem novos enredos e novos símbolos que não foram percebidos
anteriormente. O símbolo eterniza uma imagem, e segundo Pastro (1993, p.54) “O
símbolo cria unidade através de um sinal, de uma imagem concreta”.
Mas o nosso foco está nos símbolos que não estão explicitamente
expressos, no caso, os símbolos sagrados.

6.1 Os Símbolos Cristãos

Segundo Pastro (1993, p. 49) “Os símbolos sagrados são vitais e,


portanto, perenes e universais; não há necessidade, nem possibilidade de se
inventar novos símbolos”. O símbolo sagrado fala através da imagem, desta forma o
espectador pode conversar com o Sagrado através do símbolo. Porém, se utilizar
das imagens para passar “nosso símbolo”, não há uma conversa, e não há mais
símbolos, e sim o diábolo, a idolatria. Diábolo é denominado como uma imagem que
não provém do Sagrado, que não é símbolo, que não passa vida. Isto, na arte sacra,
torna-se muito perigoso, pois o artista ao expressar na imagem sua percepção do
sagrado, pode estar desfigurando os ensinamentos cristãos.
Desta forma, este trabalho de conclusão de curso, procura perceber o
simbolismo existente nas imagens sacras do período bizantino
Pode-se aqui citar alguns dos mais importantes símbolos sagrados e seus
significados: o Cordeiro, que significa a razão de existir do Cristianismo, pois
representa o sacrifício e os fiéis das igrejas, e também era a presa preferida para as
ofertas a Deus; o Fogo, que é considerado dentro do cristianismo o purificador, o
sagrado; a auréola, em sua forma circular perfeita, significa a luz e santidade. As
auréolas em formas quadradas são relacionadas às pessoas que ainda estão vivas
no momento de confecção da obra; o ouro é o símbolo do amor, e do sagrado na
Terra; a água significa a purificação; o Batismo significa a purificação da alma; o
30

altar significa a subida das oferendas a Deus; a oliveira significa força espiritual, pois
mesmo estando em solo árido, a oliveira dá seus frutos; o óleo significa purificação,
pelo seu poder de limpeza; o trigo, pela maneira como é plantado, semeado e
colhido, significa o nascimento e morte.
A pomba, que todos conhecemos do episódio do Dilúvio, a qual ela
retorna à Arca de Noé com o ramo de oliveira, selando assim o acordo de paz entre
Deus e o homem, significa justamente isso, a paz; o peixe significa a fertilidade e a
morte, por ser um elemento vital vindo da água; o pão significa o alimento; a palavra
amém significa total complacência com uma verdade dita. A palavra amém é de
origem hebraica, e quer dizer estaca. A estaca que prendia as tendas dos
acampamentos hebreus ao chão, que nem a tempestade do deserto poderia
remover; os anjos significam o próprio Deus, já que são seus mensageiros diretos; o
sino significa a real ligação entre céu e Terra, e lembra também a obediência; a cruz
é um dos mais importantes símbolos do cristianismo, e o mais antigo. Significa o
ponto de encontro de dois círculos perfeitos, formando assim um novo ponto, que
pode significar uma nova era, um novo começo e existe desde cinco mil anos antes
de Cristo. Seu cruzamento pode também significar onde se cruza o caminho entre os
vivos e os mortos.
Como vimos, os símbolos estão por todos os lados, informando e
desinformando, formando e deformando, mas sua existência é inegável, tanto em
obras de arte convencionais e sacras. É por isso o grande papel das imagens
sagradas, devido à esse simbolismo que ela representa. É por esse motivo, que as
imagens sacras são chamadas de ícones.
31

7 ÍCONES

A palavra ícone deriva do grego EIKÓN, significando imagem. É a palavra


divina, transformada em imagem. Segundo Pastro (1993, p. 215), o ícone possui
vários significados, mas a maioria deles ligados à imagem sacra.

É arte de culto a decorar as paredes das Igrejas e a iconostase, seu


santuário, com os principais mistérios bíblicos da fé. É essencialmente uma
arte do ciclo litúrgico e quando alguns ícones são levados para o
“altarzinho” doméstico dos fiéis é para ser um “pouco” da liturgia, do
Mistério, contemplando em suas casas. Não é arte de “santos devocionais”
prioritariamente.(PASTRO, 1993, p.215).

A criação do ícone está inteiramente ligada com a fé, a devoção, e


espiritualidade da igreja (essa que possui a criação dos ícones), já que aos artistas
denominados iconógrafos, restava apenas transformar em obras de arte, o que a
igreja ordenava.
Os ícones, após o ano 1000, ficaram restritos única e exclusivamente ao
Oriente, nunca sendo uma escultura, mas sim uma pintura. Conforme Pastro (1993,
p. 217), o Espírito Santo era o verdadeiro Iconógrafo, utilizando o artista e seus
materiais, por isso a inexistência de assinaturas em obras iconográficas. Tudo o que
compõe um ícone esta inteiramente ligado com a doutrina teológica e a
espiritualização da igreja, e as imagens sempre retratam um lugar fantástico, não um
momento ou um lugar, pois não é um quadro. Os ícones, desde sua criação, jamais
foram tratados como meras obras de arte, uma vez que os artistas tratavam de
passar para suas obras, através de cores e traços, o que os Evangelhos estavam
dizendo. Os ícones eram respeitados desde a pessoa mais humilde, aos
Imperadores e Sacerdotes.
Jesus Cristo foi o primeiro ícone a ser representado e é considerado o
mais importante.
Conclui-se então que o ícone é um produto eclesiástico, e que nunca um
ícone será utilizado para a decoração de um lugar que não seja unicamente
religioso.
Segundo Pastro (1993, p. 125) “o Cristianismo, diversamente,
desenvolveu uma arte simbólica e didática como meio de educar a fé decorar e
32

celebrar os lugares de martírio e sepultamento dos mártires como lugares da


presença continuada de Cristo”. A iconografia cristã representa muitas coisas como,
por exemplo, ser testemunha de um outro mundo que existe no meio de nós,
transmitindo a fé universal, celebrando e glorificando o Salvador. Os artistas são
vistos como missionários divulgadores da palavra de Cristo. Através de suas obras
de arte é que se pode conhecer a história de povos, e da própria Igreja. E é através
dessa arte iconográfica cristã, que a história do Império Bizantino se tornou
conhecida.
33

8 O PERÍODO BIZANTINO

O homem funciona como um conjunto, através de suas atividades,


sentimentos, existindo um em função de outro. Porém cada civilização possui uma
cultura de valorização maior do seu histórico, sendo influenciado por atividades
externas como a economia, a política, a cultura. No Império Bizantino, essa atividade
foi a religião. A religião que fundamentava o poder do império, a política, a produção
cultural, utilizava-se da economia local. A história também influenciou de maneira
importante e intensa o desenvolvimento da fé no lugar. O paganismo dominava o
império romano, e muitos elementos utilizados até hoje na religião cristã, foram
adotados dessas crenças pagãs. A religião cristã teve seus altos e baixos no império
romano, passando de religião perseguida à religião oficial. Para Ribeiro (1995, p.16)
“Antes reprimido, o cristianismo agora é a religião mais favorecida. A igreja
beneficia-se de múltiplas concessões – terras, templos, funções públicas. Mas tem
um preço a pagar: sua liberdade”.
Ao longo de três séculos, a Igreja e o Estado viveram períodos violentos
de lutas. A Igreja é irredutível na defesa da sua liberdade e fé, porém considera o
Estado uma “expressão divina”. Segundo Ribeiro (1995, p.19) “o Estado ocupa-se
dos interesses materiais e a Igreja dos interesses espirituais”.
Os padres da igreja, que eram os escritores do cristianismo no primeiro
século tendo suas obras aprovadas pela igreja e eram a maior autoridade quando o
assunto era fé, participavam da vida política do império, assim os problemas de
ordem social e paz, acabaram sendo absorvidos pelo cristianismo.
Após a religião cristã ser oficializada, o império delegava funções públicas
à religião, o estado cuidava das questões materiais, e a igreja das questões
espirituais. E assim, ao longo da idade média, o poder eclesiástico sempre orientava
a relação existente entre o estado e a igreja.

A religião ocupava um lugar de destaque na vida da população do império


e, em especial, de sua capital. O sobrenatural tinha um destacado papel no
quotidiano: problemas políticos ou sociais acabavam por tomar feições
religiosas; as festas quase sempre eram religiosas; até mesmo o comércio
carregava símbolos religiosos.(FRANCISCO JUNIOR, 1985, p. 65).
34

Constantino era um pagão, seguidor do Culto Solar, ou seja, adorador do


sol. Por volta do século IV, Constantino então imperador transferiu a capital do
Império Romano para Bizâncio, uma cidade grega posteriormente batizada de
Constantinopla, que cresce a cada dia, sendo a sede da administração imperial e
residência do Imperador. Constantinopla, então denominada “nova Roma”, possuía
sete colinas e quatorze regiões, um fórum, um senado e um capitólio, sendo
considerado solo itálico e seria livre de impostos. Foi desta cidade que surgiu uma
civilização que exerceu uma atitude própria e durável como nenhuma na história
jamais fez: a civilização bizantina.

Antes de Constantino, o mundo romano tem uma capital,


Roma; depois de Constantino, tem teoricamente duas, Roma e
Constantinopla, mas na realidade, diante de Roma abandonada a seu
declínio, Constantinopla cresce a cada dia, e o simples fato de ser a
residência do imperador e a sede da administração faz dela a verdadeira
capital.(LEMERLE, 1991, p.16)

A igreja utilizando-se de fantasia incluiu Constantino e sua mãe Helena


como santos da igreja em 312.

[...] a tradição cristá não se enganou quando incluiu


Constantino, bem como sua mãe Helena, entre os santos. Mas essa mesma
tradição cristã fez intervir desde o início mais fantasia do que o necessário
na narração desses fatos surpreendentes.(LEMERLE, 1991, p. 8)

Porém foi Galério em 311 que reconheceu o cristianismo como religião e


concedeu o direito de reunião, desde que orassem a Deus pelo imperador, e que
não fizessem barulho. Aqui, o imperador é tido como um Deus, e tudo o que se
relaciona com o próprio, ou com o império, é denominado sagrado, por exemplo, o
ministro das finanças passava a denominar-se “conde das liberdades sagradas”, o
chefe do guarda-roupa imperial passou a denominar-se “conde de vestimenta
sagrada”.
Em uma época confusa, em que mais de vinte imperadores chegaram ao
poder, e que Constantino havia dado início ao império cristão, seu filho Constâncio II
que o sucedeu no trono, lançou vários decretos aparando a liberdade dos pagãos. O
sucessor de Constâncio II, Juliano, havia sido educado em meio ao paganismo e
decretou a reabertura dos templos, e aceitou a volta dos sacrifícios aos deuses.
35

Utilizando-se dos cultos cristãos, reorganizou novamente os cultos pagãos. Juliano


não perseguiu os cristãos, porém os exonerava dos cargos mais importantes que
ocupavam no Estado.
Em 363 Juliano morre em uma expedição que comandava, sendo assim
revogadas suas medidas contra o cristianismo, porém sem perturbar os pagãos, que
continuavam a celebrar seu culto, pelo menos até o mandato de Teodósio, que
lançou o edito de 392, que dentre outras normas, as principais eram que os
sacrifícios e rituais pagãos estavam proibidos, e templos fossem demolidos ou
tomados como igrejas. Por essas ações, Teodósio tomou um lugar de grande
importância ao lado de Constantino na história do Cristianismo. Com ele inicia-se o
período denominado de césaro-papismo, que significa de acordo com Ribeiro (1995,
p.93) “Teoria segundo a qual o imperador pretendia impor sua dominação sobre
todos os soberanos e até o papa”. Assim então está criada a doutrina do Império
Bizantino.
No decorrer destes acontecimentos, com a divisão entre o oriente e
ocidente, foram realizados vários concílios ecumênicos, onde o oriente pedia uma
intervenção de Roma, mas tirando assim os poderes do Papa para tal decisão.
Como Constantinopla cada vez mais se firmava como uma superpotência no
Oriente, ultrapassando Alexandria, Antioquia e Jerusalém, colocou-se de igual para
igual com Roma, reivindicando assim o controle total sobre a liderança do
cristianismo, dando assim forte conotação política para estes concílios, do qual se
destacam os de Nicéia e da Calcedônia.
O Concílio de Nicéia foi decidido a doutrina do Pai e Filho, sendo que
Cristo é um só, homem e Deus, extinguindo assim a crença do arianismo que
consistia em acreditar que Cristo era um homem que se tornou Deus. Também fixou
a Páscoa no primeiro domingo depois que ocorresse na primavera sua primeira lua
cheia. Grande parte dos bispos presentes neste Concílio eram orientais. Segundo
Lemerle (1991, p. 33) “O concílio de Nicéia havia estabelecido que Cristo era ao
mesmo tempo Deus e homem”.
O Concílio da Calcedônia foi um dos acontecimentos religiosos mais
importantes do período bizantino, pois foi onde teve início a igreja ortodoxa. Eles
adotaram a duplicidade da identidade de Cristo, e deram ao bispo de Roma o cargo
mais alto da igreja. Quando aplicadas as decisões deste novo concílio, aconteceram
revoltas em Alexandria e Antioquia. A igreja do Egito abandonou a língua grega nas
36

cerimônias religiosas, língua oficial do cristianismo unificado até então. Para Lemerle
(1991, p.35) “O concílio de Calcedônia tem grande importÂncia religiosa, pois
fundava verdadeiramente a ortodoxia”.
Com esta revolta acontece a separação do cristianismo do oriente em
Igreja Católica Ortodoxa e do ocidente em Igreja Católica Romana.

Figura 10 – Fonte: www.interconect.com.br

8.1 A Arte Bizantina

Foi exatamente neste período que teve início uma nova história da arte
cristã, a arte bizantina. A arte bizantina tinha um novo estilo, sendo perceptíveis em
sua técnica e cores, sofrendo influências do Oriente, Grécia e Roma. Foram
erguidos templos com seu interior rico em decoração de mosaicos mostrando a
cenas da vida de santos e mártires, obtendo assim a finalidade de doutrinar os fiéis.
A arte bizantina é voltada para a religião, pois o regime na época era
teocrático, que significava que o Imperador era o representante de Deus, e o alto
37

clero além de suas funções dentro da igreja cristã, também organizava a parte das
artes, tornando assim os artistas meros trabalhadores de encomenda. A arte
religiosa deste período tratava cenas como a Paixão de Cristo, os Profetas, a Virgem
e os triunfos imperiais. Mas a arte profana também se destaca neste período, e por
vezes adentra ao mundo da arte cristã. Porém, é no mundo cristão que se encontra
a maior dedicação e inspiração do artista bizantino.
Infelizmente, com o passar do tempo, a destruição quase que total destas
obras, não deixa remeter ao quão realmente belas eram estas obras.
Um estilo novo e amadurecido da arte bizantina que ainda pode ser
contemplada até os dias de hoje é o interior da Basílica de Santa Sofia, o
Monastérios de Hosios Lucas, onde os mosaicos, o baixo relevo e os desenhos
abstratos toma o lugar dos até então usados alto relevo e o naturalismo clássico.

Figura 11– Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações


38

Figura 12 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações

Figura 13 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações


39

Figura 14 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações

Figura 15 – Fonte: www.wikipedia.com


40

Figura 16 – Fonte: www.crestinortodox.ro

A arte bizantina tem característica religiosa porque o Cristianismo se


funde com a história da criação de Constantinopla. Esta arte tem várias vertentes
como: a arte religiosa, que deu ao cristianismo sua característica artística própria e
se preocupa apenas em demonstrar os mistérios da fé, por esta razão as obras de
arte bizantina não eram vistas como obras espetaculares, mas sim como
representações das liturgias lidas no altar; arte impessoal, onde a importância maior
estava em fazer a obra totalmente religiosa, neste caso não importa a inovação do
artista, mas sim que o mesmo apenas transmita o sentido divino em sua obra; arte
tradicional, onde o artista se preocupava em reproduzir os ícones com suas
características da época, que veremos adiante quais são; arte oriental, onde eram
retratados Deus e os reis e príncipes; arte transcendental, onde o que importava não
era a beleza estética do corpo humano como na arte grega, mas sim que aquele
corpo abrigava uma fé e um espírito.
A iconografia bizantina, ou seja, a ilustração dos livros sagrados começou
também neste período.
A manifestação de arte que mais se destaca na arte bizantina são os
mosaicos, que foram inicialmente confeccionados para mostrar aos fiéis a vida de
Cristo, dos profetas e Imperadores. As igrejas que foram construídas durante o
período bizantino, tiveram em sua arquitetura a maior contribuição da arte bizantina,
41

com suas cúpulas decoradas, e suas bases geométricas.

[...] templos cujos interiores se cobrem de rica decoração de mosaicos em


que se repetem os motivos ornamentais já encontrados no período anterior.
Tais motivos são substituídos, a partir do fim do século IV, por outros que
buscam inspiração em cenas bíblicas, vidas de santos e mártires. A arte
sacra possui então, a finalidade de instruir e edificar os fiéis.(GIORDANI,
1997, p. 250).

A arte bizantina alcançou o seu auge no período de governo do Imperador


Justiniano, que ocorreu no século VI, mas logo a arte bizantina iniciaria sua
derrocada com o inicio do período denominado Iconoclastia.

8.2 Iconoclastia

Grande parte das obras do período bizantino, hoje em dia não existe.
Quando relatamos algo relacionado às artes bizantinas, é tendo como base escrita,
ou restos destas obras. Isso acontece em razão do maior acontecimento do período
que está sendo tratado: a iconoclastia. Segundo Lemerle (1991, p.74) “Essa palavra
designa propriamente a ação de destruir as imagens”.

Poucas provas artísticas desta crise foram conservadas. Foram destruídos


não só os textos oficiais dos imperadores iconoclastas, mas também todas
as obras de arte que haviam sido produzidas segundo os princípios do
iconoclasmo.(LASSUS, 1975, p. 85).

A iconoclastia teve início no império bizantino, devido às ameaças da


tomada do islamismo.

Os povos do Oriente procuravam uma fé simples, recta, definida por regras


claras (é talvez esta uma das razões por que o Islão foi tão prontamente
aceite na Síria e na Palestina) e as prolixas definições dos concílios e as
cerimônias complicadas da Igreja em Bizâncio pareciam-lhes estranhas,
embora encantassem os gregos do litoral.(RICE, 1970, p. 128).

O período iconoclasta estava certo de que iria acontecer, devido às lutas


entre o ocidente e o oriente. Em 724, o imperador Leão III deu início à sua investida
contras as imagens, e então ordenou sua destruição, provocando assim rebeliões
por todo o império. Em 730 foi convocado um concílio em Constantinopla
42

condenando o uso das imagens, porém, em contrapartida, foi realizado um outro


concílio em Roma, no ano de 731, condenando quem condenava o uso de imagens.

O caso iconoclasta baseava-se em dois principais ditados, nomeadamente o


de que um ícone devia ser considerado um ídolo, e que uma imagem do
Salvador, fosse de que forma fosse, destruía a verdadeira doutrina quanto à
natureza dual de Cristo, pois só podia representar a forma humana e não a
divina. O caso das imagens baseava-se na suposição de que o ícone não
era um ídolo, mas pretendia representar a santidade da figura como se
fosse o seu reflexo e que servia, por um lado, de intermediário entre o
mundo material e o venerador, e, por outro, entre o mundo espiritual e a
essência divina.(RICE, 1970, p. 131).

Mas Constantino V foi um iconoclasta ainda mais ferrenho que seu


antecessor, pois manipulou a eleição de um novo patriarca, convocou todos os
bispos e promulgou um decreto onde comparava o culto às imagens à idolatria,
proibindo assim a imagem até do próprio Cristo, afirmando que a Eucaristia era a
única imagem de Cristo a ser aceita.

(...) reuniu em Constantinopla um concílio que condenou solenemente as


imagens, e que foi seguido de medidas como a destruição ou a caiadura
dos ícones, e a dispersão das relíquias. Ao mesmo tempo, o imperador
empreendeu uma energética luta contra os monges, que eram naturalmente
os mais ardentes defensores das imagens.(LEMERLE, 1991, p. 75).

O filho de Constantino, Leão IV, também era iconoclasta, porém não


perseguia adoradores e nem destruía imagens. Após a morte de Leão, sua esposa
Irene, que mandou vazar os olhos do próprio filho, assumiu o poder, e, devido ao
fato de ela ser uma adoradora de imagens e respeitar os monges, conseguiu então
restabelecer a união das igrejas, restaurar o culto às imagens e liberar a veneração
aos santos.
Mas mesmo com todas estas medidas, a iconoclastia não estava extinta
de maneira definitiva. Com a subida ao poder de Leão, o Armênio passaram
novamente a perseguir os adoradores de imagens, levando assim os ortodoxos
colocarem em questão os poderes dos imperadores em questões religiosas. Em
842, novamente uma mulher, desta vez Teodora, esposa de Leão o Armênio,
restaurou a adoração a imagens, e devoção aos santos, e em 843 foi realizado uma
cerimônia em Santa Sofia para celebrar a chamada “restauração da ortodoxia”, fato
que é comemorado até hoje, todo ano pela Igreja Ortodoxa grega.
A iconoclastia possuiu dois aspectos importantes: o político, e o religioso.
43

O religioso foi quando a figura dos imperadores iconoclastas era


representada como espíritos fortes, homens de profunda fé, utilizando-se então
dessa fé, para purificar a religião cristã e erradicar o que ela tinha de próximo ao
paganismo. Foram proibidas as representações de temas sagrados nas igrejas por
muito tempo. Na imagem não se enxergava apenas um símbolo, mas sim uma
santidade, uma divindade. Foi contra isso a luta dos iconoclastas, que enfrentaram
pessoas ingênuas, supersticiosas, mulheres, monges, o povo. Porém, a seu favor,
tiveram pessoas esclarecidas, o alto clero e povos orientais, que há muito tempo
negavam imagens em seus cultos. Com isso, tiveram também, a seu favor, o
exército.
No aspecto político, os imperadores tentavam impedir que os povos do
oriente fossem seduzidos pelo islã, já que a Ásia Menor era quase todo o império.
Como no oriente havia um grande crescimento de monges e mosteiros, e estes
aumentavam mais seus poderes e privilégios, os imperadores iconoclastas
decidiram que deviam impedir este mesmo crescimento do ocidente.

Não fosse o iconoclasmo, apesar de todos os seus excessos, e a fé do


segundo grande período da história bizantina jamais se teria desenvolvido
como se desenvolveu, nunca a arte bizantina do segundo período teria
adquirido um carácter transcendente, e as relações entre Bizâncio e o
Ocidente bem podiam ter tomado um rumo diferente.(RICE, 1970, p. 133).

Em 843, o culto às imagens foi restabelecido definitivamente, e a arte


sacra retomou de forma excepcional. Bizâncio, ou Constantinopla ficou durante
séculos aclamada por ser o lugar do nascimento da arte cristã.
44

9 O DESENHO BIZANTINO

Para elaboração deste capítulo e seus subitens, houve uma certa


dificuldade em encontrar material bibliográfico específico sobre cores e formas do
período Bizantino, sendo que foi utilizado como fonte o autor Manuel Vega1 para
discorrer sobre este assunto.
Com a difusão do cristianismo pelo império Romano, foi criando-se um
modelo fixo de desenhos para representar Cristo, seus santos e pessoas
importantes do meio Cristão. Os iconógrafos passavam muito tempo estudando,
treinando e fazendo esses desenhos, não permitindo que um iniciante fizesse parte
do processo de criação nem execução de sua obra. Os personagens nunca são
representados de perfil quando estão sozinhos, sempre de frente.
Por exemplo, segundo Vega, o Apóstolo Pedro tem como característica
fixa sua barba, cabelos cinzas e a calvície. Essas imagens tiveram início em Roma,
onde as pessoas conheciam as aparências físicas do apóstolo, e foi passando de
boca em boca. Outros exemplos são as representações de Virgem encontrados em
pinturas e mosaicos.
A Virgem Blochernitissa (figura 17), que possui um manto sobre sua
cabeça, e os braços erguidos para cima, sabendo de sua missão futura; a Virgem
Panaghia (figura 18), representando Maria como uma Santa. Nesta representação,
Maria e o Menino possuem coroas; a Virgem Kiriotissa (figura 19), com o Menino
Jesus sentado em suas pernas representa a sabedoria; a Virgem Glicofilusa (figura
20), representando a Virgem acariciando o Menino Jesus em seus braços; e por fim
temos a Virgem Galactotrofusa (figura 21), que representa a amamentação do
Menino Jesus, conforme as figuras seguintes:

1
FONTE: www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/simbologia_del_icono_bizantino.html
45

Figura 17 – Fonte: www.beatrix.pro.br/arte

Figura 18 – Fonte: www.beatrix.pro.br/arte


46

Figura 19 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações

Figura 20 – Fonte: www.beatrix.pro.br/arte


47

Figura 21 – Fonte: www.spc-altena.de/images

E assim como as virgens existe a figura de Cristo. No início do


cristianismo, havia duas imagens de Cristo que eram amplamente difundidas. Uma
era um jovem, com a cara limpa, a outra é a imagem que hoje em dia é familiar, de
um homem com seus trinta anos, cabelos longos, barba e seu manto. Então,
conforme Vega, surge a figura do Cristo Pantocrator (figura 22), que abençoa com
uma mão, e com a outra segura o livro da vida.

Figura 22 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações


48

9.1 As Formas

No período bizantino, a figura humana representada, possui uma falta de


realismo, pois antes de tudo, as imagens tinham que passar uma mensagem
espiritual, sendo que o ícone apenas tinha o dever de evangelizar. A beleza interior
era mais importante que a beleza exterior. O desenho do ícone bizantino obedece a
regras elaboradas em anos, sempre seguindo sua estrutura geométrica, cores,
traços e a harmonia entre seus elementos.
Com o passar dos séculos, a proporção do desenho do corpo humano foi
sendo alterada, e segundo Vega, começam a ser utilizados desde 1:7 cabeças no
século 12, até 1:10 cabeças no século 14. No rosto, a base de medida é o nariz,
onde se traça um círculo, que passa pela parte debaixo do nariz e o alto da testa, o
que vale também se a figura estiver de perfil. Vamos nos aprofundar nas formas
mais importantes, conforme Vega, como a cabeça, o rosto, os olhos, o nariz, a boca,
o queixo, braços, mãos e o corpo humano.

9.1.1 A Cabeça

Na iconografia bizantina a cabeça não possui uma proporção com o


restante do corpo, pois é na cabeça que está a inteligência, e é a cabeça que recebe
as luzes de Deus. A cabeça feminina é sempre representada com um manto a
cobrindo para não mostrar os cabelos. Nas representações do Menino Jesus, sua
cabeça é muito maior, desproporcional ao corpo, simbolizando sua inteligência
superior à dos outros humanos.

9.1.2 O Rosto

Na iconografia bizantina, o rosto é sempre representado frontalmente,


para que o ícone tenha um contato direto com quem o encara. Alguns ícones
bizantinos podem ser encontrados em perfil, isso se dá ao fato de que esse ícone
49

representado não alcançou a santidade. A base da medida do desenho de um rosto


no ícone bizantino é o nariz. Dele partem três círculos perfeitos, onde o primeiro
círculo passa na ponta do nariz e delimita a testa. O segundo círculo usa como raio
duas medidas do nariz, e delimita o tamanho do rosto, passando o queixo e o
cabelo. E o terceiro círculo, utilizando como raio três medidas do nariz, delimita o fim
do desenho.

Figura 23 – Fonte: www.iconografiabrasil.com/desenho


50

Figura 24 – Fonte: www.ecclesia.com.br

Figura 25 – Fonte: www.ecclesia.com.br

9.1.3 Os Olhos

Os ícones bizantinos apresentam olhos grandes e com sobrancelhas bem


arqueadas. Estão totalmente fora de proporção se forem comparados com a cabeça.
O tamanho dos olhos significa que através destes olhos, eles estão enxergando a
verdade.

Figura 26 - Fonte: www.iconografiabrasil.com/desenho


51

9.1.4 O Nariz

Nos ícones bizantinos, o nariz está sempre representado como uma forma
estreita e comprida, e com uma gota no meio, e sua largura é do mesmo tamanho da
largura da boca, e funciona quase como um meio de ligação entre os olhos e a boca.
O nariz é representado desta forma, para significar que o cheiro do mundo não seja
captado, apenas o cheiro do sagrado.

Figura 27 - Fonte: www.iconografiabrasil.com/desenho

9.1.5 A Boca

Esta é uma parte do corpo humano, que nas representações bizantinas,


era quase que anulada, sempre fina com dois triângulos simulando os lábios. A boca
é sempre representada fechada e nunca sorrindo. Também não credita
sensualidade à figura.
52

Figura 28 – Fonte: www.ecclesia.com.br

9.1.6 O Queixo

O queixo, nas representações bizantinas, tanto na figura feminina quanto


na figura masculina, apresenta-se energético, forte, com a diferença que os
masculinos ostentam barba.

Figura 29 – Fonte: Acervo Particular de Imagens


53

9.1.7 Braços e Mãos

Nas representações de figuras cristãs, os braços geralmente não


aparecem, por estarem cobertos pelo manto, ou pelas roupas. As mãos estão
sempre simbolizando alguma coisa. Quando elas aparecem com a palma estendida
ao espectador, está simbolizando uma súplica. Nas figuras de Cristo, podemos
perceber que sua mão está sempre em forma de “benção” como é feita até hoje, e
os padres utilizam este símbolo nas mãos para abençoar o início e o fim de uma
cerimônia. Porém, o que muitos não sabem, é que este gesto está simbolizando a
palavra “Jesus Cristo”. Como na figura a seguir, por exemplo, o Cristo, A Divina
Sabedoria. É uma imagem normal, mas vamos nos ater ao detalhe de sua mão
direita.

Figura 30 – Fonte: www.ecclesia.com.br


54

I C X = Jesus Cristo

A linha azul representa a letra I, a linha vermelha representa a letra C, e


as linhas verdes se cruzando representam a letra X, que juntos formam ICXC, que
seria um anagrama do nome de Jesus Cristo.

9.1.8 O Corpo Humano

Nos ícones, as representações do corpo humano são altas e desprovidas


do volume natural devido às vestes, escondendo assim a aparência sexual da figura.
Nenhum desses ícones possui uma sombra, simbolizando que para Deus não
existem sombras e nem lugares escondidos.

Figura 31 – Fonte: www.ecclesia.com.br


55

Figura 32 – Fonte: www.ecclesia.com.br

Tão importante como as formas desses ícones, são as cores utilizadas e


o que elas representam.

9.2 O Simbolismo das Cores

Não só na iconografia, mas em tudo em que são empregadas, as cores


possuem um caráter místico, uma linguagem própria, e são produtos da composição
da luz.
As cores são ações e paixões da luz. Nesse sentido, Podemos esperar
delas alguma indicação sobre luz, Na verdade, luz e cores se relacionam
perfeitamente, embora devamos pensa-las como pertencendo à natureza
em seu todo: é ela inteira que assim quer se revelar ao sentido da
visão.(GOETHE, 1993, p. 35)

Nas representações bizantinas, os iconógrafos utilizavam as cores para


separar nossa experiência terrena do céu. Cada uma dessas cores possui um exato
significado. Vamos destacar neste trabalho as principais, conforme Vega.
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9.2.1 O Marrom

O marrom significa a terra, para lembrar aos homens que vieram do pó, e
voltarão para o pó. O marrom significa também humildade, por isso a cor da roupa
dos monges que renunciaram às alegrias da vida, dedicando-se a ajudar o próximo.

Figura 33 – Fonte: www.beatrix.pro.br/arte

9.2.2 O Verde

O verde significa consciência, juventude, infância. Jesus em sua infância


era representado, muitas vezes, acompanhado da cor verde, assim como a
anunciação de seu nascimento. O verde também significa natureza.

Figura 34 – Fonte: www.spc-altena.de/images


57

9.2.3 O Azul

O azul significa o céu, o infinito, a divindade, uma vez que Deus Criador é
representado na cor azul.

Figura 35 – Fonte: www.beatrix.pro.br/arte

9.2.4 O Púrpura

O corante púrpura era utilizado para tingir as sedas mais finas, e era
extraído do Mar Vermelho. Após o governo de Justiniano, o uso da cor púrpura ficou
restrito apenas ao imperador e seus familiares. A cor púrpura significa, então,
riqueza, pois era uma cor de elevado valor na época.
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9.2.5 – O Vermelho

O vermelho, que era bastante utilizado nos mantos de Cristo, Santos e


mártires, significava o sangue do sacrifício. O vermelho significa o amor, paixão,
sendo uma das cores mais usadas na iconografia bizantina.

Figura 36 – Fonte: www.portalsaofrancisco.com.br

Figura 37 – Fonte: www.portalsaofrancisco.com.br


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Figura 38 – Fonte: www.wikipedia.com

9.2.6 O Branco

O branco é associado ao divino no mundo pagão, a cor dos justos, e a cor


da morte de Cristo, uma vez que depois da ressurreição, Cristo é sempre retratado
de branco. O branco também representa ao mundo profano a pureza, a virgindade.
Padres e sacerdotes são também retratados de branco.

Figura 39 – Fonte: www.tais.blogspot.com


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9.2.7 O Preto

O preto significa o nada, a morte, a luta do bem contra o mal, uma vez
que em muitas pinturas Jesus é representado pela cor preta quando luta contra o
demônio. Nas iconografias bizantinas, o preto nunca é usado puro, mas misturado
com outras cores.

9.2.8 O Dourado

Nos ícones, todos os fundos são dourados, ou com detalhes dourados,


aplicando folhas de ouro polidas até alcançar o máximo brilho. O ouro simboliza a
união com Deus, luz. Numa pintura iconográfica, o amarelo, ou ouro, significa luz
divina.

Figura 40 – Fonte: www.beatrix.pro.br/arte


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10 MOSAICO BIZANTINO

Os mosaicos, por séculos, foram as principais decorações de igrejas no


império bizantino, substituindo a escultura do período grego. Os que mais se
destacam são os mosaicos das igrejas de Ravena.
O mosaico bizantino apresenta-se irregular, uma superfície enrugada por
usar tesselas de pasta vítrea. As formas das roupas nos mosaicos são feitas com
linhas retas, sem modelar ou sombrear suas cores. Para dar um efeito de
movimento, os mosaicistas utilizavam um efeito de cor em suas obras.
Introduziram na arte de mosaico tesselas de prata misturadas às de ouro,
que davam efeitos de luz admiráveis e, quando colocados em diferentes ângulos,
faziam com que essas luzes se refletissem em direção ao espectador. Conforme
Honorato (2003, p. 19) “O mosaico bizantino, que utiliza-se de tesselas de pasta
vítrea, não é liso e polido; pelo contrário, coloca-se de modo a oferecer uma
superfície rugosa e mesmo irregular”.
Após a Iconoclastia, muito destes mosaicos foram destruídos.

Figura 41 – Fonte: Acervo Particular de Imagem


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Figura 42 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações

Figura 43 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações


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Figura 44 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações

Figura 45 – Fonte: Livro Istambul – Berço de Civilizações


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11 OBRA EM MOSAICO – CRUZ

Agora vamos dar início a explicação passo a passo da produção desta


obra, fruto de uma pesquisa sobre o simbolismo na arte cristã bizantina, denominada
CRUZ.

CRUZ

11.1 Primeira Etapa: Criação

A imagem utilizada como base para esta obra, encontra-se no teto da


Basílica de Saint Apollinaire in Classe em Ravena, e chamas-e “A Transfiguração da
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Cruz”. A partir dela, fiz vários esboços utilizando o programa Corel Draw 12, até
chegar em um modelo final. (passo 1).

A Transfiguração da Cruz Passo 1

11.2 Segunda Etapa: Desenho

Após o modelo em desenho pronto, adquiri uma base de madeira em


PVA, e nela refiz em escala maior o desenho, conforme passos 2 a 4, para logo
depois enviar à uma serraria, e cortar a madeira em formato de cruz, para servir de
base para a obra (passo 5).

Passo 2 Passo 3 Passo 4


66

Passo 5

11.3 Terceira Etapa: O Início do Mosaico

Com a madeira cortada, veio a etapa seguinte, que foi a de coletar


material em piso cerâmico, e pedir auxílio para alguém que soubesse a técnica de
mosaico. Fui para a Associação de Mosaico de Criciúma, onde me ajudaram muito.
Primeiro eu cortei as peças em formato quadrado com o auxílio de torqueses e do
cortador manual. (passo 6).
Logo após iniciei a colagem das peças em cerâmica, e das pedras de
bijuteria utilizadas como detalhes na cruz. (passos 7 a 10).

Passo 6 Passo 7
67

Passo 8 Passo 9

Passo 10

11.4 Quarta Etapa: Finalização da Obra

Com as peças em piso todas cortadas e coladas, iniciei a finalização da


obra. Fiz os cantos dos braços da cruz, passei rejunte entre as peças, para cobrir os
espaços vazios, e colei as bijuterias em seus lugares com massa corrida. Com o
rejunte, e a massa corrida devidamente secas, iniciei a pintura lateral da madeira, e
finalmente fiz a limpeza das peças. (passos 11 a 13).
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Finalizei esta etapa do meu TCC, com muita satisfação e alegria, pois tive
a oportunidade aprender a técnica do mosaico, arte esta que nunca antes havia
experimentado.

Passo 11 Passo 12

Passo 13
69

12 CONCLUSÃO

Com o término deste trabalho adquiri mais conhecimento sobre o assunto


do que o objetivo inicial. A trajetória da pesquisa proporcionou um aprendizado
acerca da arte e sobre obra de arte. Através de uma leitura de imagem realizada no
trabalho, aprendemos os estágios, e de quantas formas diferentes uma imagem
pode ser lida, decodificada e apreciada.
Consegui alcançar os objetivos propostos, conhecendo os diversos
símbolos cristãos, e os significados neles contidos; verifiquei a diferença entra a arte
sacra, também denominada arte de culto, e arte religiosa, que pode-se interpretar
como uma arte decorativa; conheci o simbolismo das cores e os desenhos do
período bizantino, que eram estabelecidos por ordens canônicas em diversos
Concílios; e apresentei uma obra baseada no mosaico bizantino, chamada CRUZ.
Percebi também que a história nos mostra que desde os primeiros
passos do homem, ele possui a necessidade de comunicação, e que essa
expressão acontece por meio simbólicos. Em tudo o que existe no mundo das artes,
principalmente o das imagens, há um símbolo intrínseco para ser decifrado,
contando assim não apenas a história da obra, mas de sua criação, da época em
que foi criada, e da sociedade deste tempo.
Foi assim com o império bizantino, que através de sua história de fé, criou
a arte bizantina, sua iconografia, mosaicos, e que apesar do período iconoclasta
onde várias obras foram destruídas, com as obras remanescentes podemos ter um
contato com este povo, seus costumes, crenças, e sua religiosidade.
A arte bizantina está fundida com a arte sacra como se fossem apenas
uma. Vários imperadores tomaram o poder de Constantinopla, o cristianismo ganhou
força, o culto a imagens foi aceito, deposto, logo após aceito novamente, a igreja
cristã dividiu-se em duas.
Ao final deste trabalho, concluiu-se que os símbolos no período bizantino
se apresentavam nas cores, cada uma com o seu significado, e nas formas do rosto,
corpo, braços, representadas nas imagens simbolizando algo relevante ao sagrado,
assim, a arte foi fundamental com seus símbolos, ícones, cores e formas para a
difusão do cristianismo pelo mundo, até os dias de hoje.
Com a conclusão deste trabalho, espero despertar o interesse no estudo
sobre o assunto, e a compreensão das pessoas sobre os símbolos da arte cristã no
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período bizantino, e que sejam realizados trabalhos complementares sobre este


tema tão pouco explorado no mundo das Artes em nossa região.
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REFERÊNCIAS

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EPSTEIN, Isaac. O Signo. 7ª Edição. São Paulo: Editora Ática, 2000.

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Bizantino. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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Vozes, 1997.

GOETHE, Johan Wolfgang von. Doutrina das Cores. São Paulo: Nova Alexandria,
1993.

HONORATO, Sérgio. Por que Faço Arte? Porque Tenho Vontade!. Criciúma,
2003. 52p. (Graduação Bacharel em Artes Visuais) – Artes Visuais Bacharel –
UNESC.

HUYGHE, René. O Poder da Imagem. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1986.

LASSUS, Jean. Cristandade Clássica e Bizantina. 7ª Edição. Rio de Janeiro:


Expressão e Cultura, 1975.

LEMERLE, Paul. História de Bizâncio. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens. 4ª Edição. São Paulo:Companhia das Letras,


2008.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org). Pesquisa Social: teoria, método e


criatividade. 22ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

PASTRO, Claudio. Arte Sacra: O Espaço Sagrado Hoje. São Paulo: Loyola, 1993.

PILLAR, Analice Dutra. Criança e televisão: leituras de imagens. Porto Alegre:


Mediação, 2001.
72

RIBEIRO, Daniel Valle. Igreja e Estado na Idade Média. Belo Horizonte: Lê, 1995.

RICE, David Talbot. Os Bizantinos. Lisboa: Editora Verbo, 1970.

VIANNA, Ilca Oliveira de A.. Metodologia do Trabalho Científico: Um enfoque


didático da produção científica. São Paulo: E.P.U, 2001.

Referência Complementar

VEGA, Manuel. Simbologia do Ícone Bizantino. Disponível em:


<http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/simbologia_del_icono_bizantino.ht
ml> Acesso em: 22 abr. 2009, 22:43:00.

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