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FRIEDRICH SCHILLER: O SIGNIFICADO ÉTICO


10- DA EDUCACÃO
, ESTÉTICA
idu-
mo,
João Emiliano Fortaleza de Aquino"
ols.
oru, A Renl Rabelo de Castro Ir;
que teve na arte a /0171lade
resistência à danificação da vida.
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IN:
Ano

ed., Na reflexão filosófica de Friedrich Schiller Schiller pensa o ideal do homem moral (no
(1759-1805), são indissociáveis os problemas estéti- sentido da filosofia prática kaniiana), ou o "homem
cos, morais e políticos. No presente artigo, buscare- ideal" que a vontade em cada um tem como meta,
mos demonstrar como o seu conceito de educação como o próprio ideal do Estado, compreendido como
estética tematiza a unidade dessas três formas de a forma objetiva da unidade moral dos homens". A
objetivação humana, ao mesmo tempo em que res- realização moral do homem e a instituição do Estado são
guarda as suas especificidades. Para tanto, principi- um único processo, para o qual existem duas vias
aremos pela exposição das relações entre o ético e o alternativas de eferivação: ou a opressão do-homem
político, prosseguindo com as suas reflexões sobre existente pelo homem ideal e dos indivíduos pelo Es-
o problema ético na modernidade para, finalmente, tado ou, ao contrário, «formação humana. Schiller,
identificar como o estético é pensado por Schiller optando pela segunda, fala precisamente de um
como a via de mediação para o ético. "tomar-se Estado dos indivíduos", enquanto apro-
ximação progressiva dos homens empíricos do ideal
moral, o que os tornaria conciliados, em sua exis-
tência sensível, não somente com as próprias exi-
gências da razão, mas também ~e por isso mesmo -
J O CONTEÚDO ÉTICO DO POLíTICO
com o Estado.
Essa distinção - que se assenta sobre a com-
preensão que Schiller tem do próprio ético - entre a
"Não será extemporânea a procura de uma le- via daformação e a da opressão é fundamental para o
gislação para o mundo estético quando o moral tem conteúdo ético com que ele concebe o político. É
interesse tão mais próximo, quando o espírito da in- uma distinção que estará ausente de toda concepção
vestigação filosófica é solicitado urgentemente pe- moral que se abstrair do caráter sensível do homem e
las questões do tempo a ocupar-se da maior de todas do mundo no qual ele age". Toda concepção moral
as obras-de-arte, a construção de uma verdadeira li- que assim proceder expressará uma compreensão
berdade política?" 1 Com este questionamento, parcial do homem e se manterá presa ao ponto de
Schiller pretende a aproximação da arte e da estéti- vista unilateral da consciência moral (à qual- enquan-
ca dos problemas políticos e sociais da modemidade, to é apenas uma das faculdades humanas - só inte-
com o objetivo de demonstrar que elas comparecem ressa a vigência incondicional de sua lei). Schiller
necessariamente como a mediação da resolução efetiva reivindica, em contraponto, uma "avaliação antropo-
e tais problemas, e não simplesmente justificá-Ias lógica plena", na qual, pelo respeito teórico à unida-
frente aos carecimentos do seu presente histórico. de do conteúdo e da forma, é mantido como
"[Pjara resolver na prática o problema político é ne- constitutivo do homem o seu "sentimento vivo", a
sário caminhar através do estético, pois é pela bele- sua existência mundana determinada pelo tempo. O
que se vai à liberdade"! , eis a sua tese, que encontra que significa, segundo ele, que toda formação que
:imdamento em sua concepção política e moral. não tome o homem em sua plenitude será "precá-
Professor do Departamento de Filosofia da UECE, Mes- ria" , pois fundar-se-a no sacrifício do seu caráter "na-
tre em Filosofia pela UFPB. tural'"', do mesmo modo que a constituição do Estado

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será "imperfeita" se somente alcançar a unidade pela sário que se contraponha idealmente - a esse Estado
"negação da multiplicidadc" . histórico - um estado natural originário. Este estado
A partir dessa compreensão schilleriana do natural originário não seria um fato empírico, mas
ético, portanto, é que toda a questão do político tem uma idéia da razão, conceito unicamente a partir do
na formação humana - formação plena a um só tempo qual poderia ser posta 'com legitimidade a tarefa da
moral e sensível- a sua principal determinação. A ati- instauração de um novo Estado que realize a liber-
vidade política seria, assim, própria do "artista dade, precisamente porque, desde logo, a liberdade
pedagogo e político" , que - diferentemente do "artis- da pessoa moral seria seu fundamento'". Assim,
ta mecânico" e do "artista da beleza" - tem o próprio diz Schiller, "de maneira artificial, ele [o homem]
homem como o seu material, não podendo, como os recupera em sua maturidade sua infância, forma
segundos necessariamente o fazem, imprimir-lhe a em idéia um estado natural que não lhe é dado na
forma por meio da "violência". Esta distinção, ao experiência, mas é posto como necessário pela sua
mesmo tempo em que pensa a atividade política em determinação racional, empresta-se nessa situação
analogia com a artística, expondo como fundamental ideal uma finalidade que não conhecera em seu
do político o movimento de dar forma à matéria, de- verdadeiro estado natural, e uma escolha da qual
termina o seu caráter específico pela dimensão pedagó- outrora não seria capaz, e procede então como se
gica que, necessariamente, ela possui: aqui, a forma começasse pelo princípio e, por claro saber e deci-
vai à matéria para, em seu próprio interior, formá-Ia. são, trocasse o estatuto da independência pelo
Deste modo, a práxis política, pensada a partir do contrato"!". Neste procedimento, o Estado natu-
modelo da arte (daí porque ele afirme que a constru- ral existente perde toda legitimidade: "pois a obra
ção da liberdade política é uma "obra-de-arte"), anun- das forças cegas não possui autoridade ante a qual
cia na sua especificidade o fim para o qual se conduz: a liberdade precise curvar-se, e tudo deve curvar-
a constituição de um Estado no qual as particularida- se à finalidade última erigida pela razão em sua
des tendem ao todo na medida em que, nele, vêem- personalidade. Deste modo nasce e justifica-se a
se refletidas. "É somente porque o todo serve às partes tentativa de um povo, emancipado já, de transfor-
que as partes devem submeter-se ao todo", diz mar em Estado moral o seu Estado natural" 12 •
Schiller. E isto deve-se somente ao fato de que, se- Importa observar, no entanto, que, apesar de e
gundo o seu argumento, "o artista político deve apro- uma clara filiação a Rousseau e Kant, Schiller apre-
ximar-se da sua [matéria], respeitando-lhe a senta uma tendência a superá-Ios quanto à natureza
do Estado numa direção muito próxima daquela que ti
peculiaridade e personalidade não apenas subjetiva-
mente, para um efeito enganador dos sentidos, mas será seguida por Hegel. Apesar de trabalhar com ca-
objetivamente, para o seu ser mais íntimo" 7 • Pensa- tegorias como estado natural e contrato, Schiller as
do assim, o político, enquanto se dirige à fundação de tomará apenas enquanto servem para pôr o proble-
uma moral objetiva no Estado, reproduz, no plano ma da instituição ainda não realizada do Estado mo-
exterior, a relação que a razão deve estabelecer nos in- ral. Este, no entanto, é concebido como entidade
divíduos com a sensibilidade. O todo, efetivado pelo social que em sua gênese e substância determina-se
Estado, corresponde à universalidade da consciência "por si e para si" 13. Assim determinado, o Estado
moral (e nela se apoia), da mesma forma que a moral - do mesmo modo que no pensamento de
multiplicidade dos interesses individuais corresponde Hegel- requer a unidade do subjetivo das particula-
aos sentimentos e instintos" . ridades com a objetividade do todo. "Ele [o Estado]
Ao tematizar o problema da instituição do Es- só poderá tomar-se real na medida em que as suas
tado, Schiller se move entre as concepções políticas partes se afinem progressivamente com a idéia do
de Rousseau e de Kant. Como Rousseau, concebe o todo" 14 • A explicitação da identidade da realização
Estado realmente existente - produto não da liber- moral do homem e da instituição do Estado se con-
dade do homem, mas da necessidade - como um clui aqui, na medida em que a afinidade dos indiví-
Estado imposto: "O jugo da necessidade para aí o duos com o Estado é a contrapartida conseqüente
arremessou, antes que em sua liberdade pudesse da sua própria educação moral, do seu "tomar-se
escolher esta situação; a carência aí instaurou a sim- Estado", no qual seu particularismo e seus instin-
ples legislação natural, antes que ele pudesse instaurá- tos, educados, também se conciliam com a razão.
Ia como racional"? . Dada a oposição entre este Estado O Estado natural existente, fundado numa
existente e a liberdade da "pessoa moral", é neces- "legislação natural" (que se radica na sensibilidade

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tado imediata e não na razão), apesar de se opor ao "ho- nas, a ser perseguido para si por cada geração. Ou-
tado em moral", condiz, no entanto, com o "homem trossim, pensar o processo de reformas políticas, a
mas .~ ico". Ora, este "homem físico", preso ainda à sua fundação de um Estado ideal, enquanto condicio-
ir do existência sensível e que não desenvolveu sua nado pela educação humana, é, para Schiller, da
.a da moralidade, segundo argumenta Schiller, é - enquan- mesma forma que para Kant (no já mencionado arti-
iber- to sensível - o homem real, ao passo que o homem go sobre Que é o esclarecimento?), uma via alternativa à
ade moral é apenas problemático. O problema da forma- da revolução: Schiller pretende, segundo diz, "tor-
ssim, ção moral dos indivíduos ganha, assim, uma nova nar inofensiva a formação do Estado segundo prin-
em] necessidade, levando Schiller a insistir na concilia- cípios morais"!" . Mas, diferentemente do que admite
rma ção entre as faculdades humanas - conciliação que, Kant naquele artigo, a formação do homem aqui se
o na para ele, é condição da realização sensível do dever constitui de fronteiras mais amplas. O homem deve
sua moral. Em suma: "Seria preciso separar ... do caráter formar-se em totalidade; só assim, desenvolvendo
ação físico o arbítrio, e do moral a liberdade - o primeiro plenamente sua humanidade, poderá ele fundar um
seu deveria concordar com leis, o segundo depender de novo Estado. -
[ual impressões - para citar um terceiro caráter, aparenta-
o se do como os outros dois, que estabelecesse a ponte
leci- do domínio das simples forças para o das leis, e que, 2 A DEGRADAÇÃO ÉTICA DA MODERNIDADE
pelo longe de impedir a evolução do caráter moral, desse
atu- à moralidade invisível o penhor dos sentidos'l'". O
rbra "terceiro caráter" do homem seria, então, a via me-
Ora, o tema do homem pleno, do homem que
[ual diadora pela qual os sentimentos fossem educados e
a moral pudesse neles encontrar o meio para a sua tenha desenvolvida a totalidade de suas dimensões e
var-
realização no mundo. A conduta moral só se efetiva- potencialidades, surge em Schiller não apenas como
sua
ria no mundo dos fenômenos ao contar, para isso, tentativa de resolução filosófica dos problemas que
,e a
com o auxílio da própria naturalidade humana. ele encontra na filosofia prática de Kant, mas - pen-
for-
Não encontramos no pensamento de Kant samos que principalmente - da apreensão que tem da
esta perspectiva da educação moral como a via pró- realidade de seu tempo. Dois elementos histórico-soci-
. de
pria para as transformações políticas". Para Kant, ais estão na base da sua reflexão: os problemas polí-
ire-
tais transformações - de que deve resultar um Es- ticos colocados pela Revolução Francesa e a profunda
eza
tado de Direito mantenedor da liberdade exterior - fragmentação do homem na ordem social burguesa que
lue
são elas mesmas condição de possibilidade históri- emergia.
ca-
ca do desenvolvimento moral dos homens, fim a . Schiller, como toda a sua geração, foi profun-'
, as
ser realizado na espécie no percurso de um indefini- damente influenciado pelo desenvolvimento da
,le-
do desenvolvimento histórico (e nunca no indiví- Revolução Francesa, partilhando de suas expectati-
10-
duo, cuja vida é temporalmente limitada)!". A vas e de suas frustrações. Particularmente o desen-
.de
garantia de que tais reformas ocorram não se deve volvimento plebeu da revolução (para utilizarmos uma
-se
buscar, pois, num prévio melhoramento moral da expressão de Marx), pela via da radicalização
do
espécie, mas num plano oculto da Natureza que, a jacobina, em que a violência revolucionária assumiu
de
partir de determinadas inclinações naturais do ho- formas extremas, causou-lhe profundas - e negati-
la-
mem, cond uzam-no a estruturar sua vida social pela vas - impressões" . As referências de Schiller à Re-
10]
mediação do Direito. volução Francesa, por um lado, legitimam-na, na
ias
Schiller, ao contrário, não só vai radicar a pos- medida em que vêem nela o despertar de uma "lon-
:io
sibilidade do melhoramento político da humanida- ga indolência" e a exigência, pelos homens, de "seus
ão
de a um prévio melhoramento moral, retomando, direitos inalienáveis"; por outro lado, o período dó
n-
assim, a perspectiva rousseauniana expressa na fi- Terror Revolucionário o levou a se convencer de que
rÍ-
gura do legislador em Do Contrato Sociai'", como vai a superação do velho regime (o "Estado Natural")
te
rejeitar a idéia presente na filosofia kantiana da his- só poderia se dar verdadeiramente como produto de
,e uma profunda reforma moral dos homens. Numa cla-
tória de que cada geração apenas prepara os frutos a
[l-
erem colhidos pela posterior: o melhoramento mo- ra referência àquele período revolucionário, Schiller
ral é, para Schiller, momento e resultado já de um afirma: "O edifício do Estado Natural oscila, os seus
Ia
esenvolvimento pleno das potencialidades huma- fundamentos podres cedem, parece dada a possibi-
le

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lidade física de entronizar a lei, de honrar finalmen- 'espécie- h -~ encontra assim fragmentada,
te o homem enquanto finalidade própria e fazer da dissolvida partículas sem vida". Dila-
liberdade o fundamento do vínculo político. Espe- cerado em des individuais e sociais, o
rança vã! A possibilidade moral está ausente, o mo- homem moderno eu aquela totalidade na qual,
mento generoso não encontra uma estirpe que lhe antes, podia pe . entir e agir inteiro. "Sofrendo
seja sensível"!' . Schiller tende, assim, a considerar esta dupla pre ão. o interior e do exterior, poderia
os desdobramentos mais radicalizados da revolução a humanidade tom caminho diverso do que to-
francesa, não a partir das forças e interesses sociais mou?", questiona chiller, respondendo logo adian-
em disputa, mas a partir de uma perspectiva moral, te: "As desvantagen de ta posição espiritual não se
compreendendo a violência revolucionária extrema limitaram ... ao saber e à criação; estenderam-se tam-
como expressão de uma deseducação moral dos indi- bém ao sentimento e à ação 2~.
víduos. Daí que, à falta da "possibilidade moral", a Não se deve encontrar, no entanto, nesta des-
derrocada revolucionária da velha ordem encontrar- crição crítica da sociedade moderna, elaborada em
se-ia impossibilitada de instituir uma verdadeira contraposição à antigüidade grega, uma posição de
"vida orgânica" - o Estado moral. Assim, frente àque- retomo ao passado ou de rejeição ao desenvolvimento
la experiência histórica - apreendida a partir do pon- histórico. "É claro", diz ele, "que não era de esperar
to de vista moral que caracterizava o seu pensamento que a organização simples das primeiras repúblicas
- Schiller conclui pela necessidade da prévia sobrevivesse dos primeiros costumes e das relações
moralidade para todo ato político legítimo. primevas'v"; e, ainda, argumentando sobre por que
A sua reflexão moral, no entanto, não se sepa- o modo de vida grego não poderia ter duração, afir-
ra dos problemas histórico-sociais concretos. Apesar ma: "Não podia durar porque o entendimento, pelo
de sua rejeição à violência revolucionária a partir de acúmulo que até então realizara, era inevitavelmen-
um ponto de vista moral de origem kantianaê", te forçado a separar-se da sensação e da intuição para
Schiller vai pensar o próprio "problema moral" em aspirar à nitidez do conhecimento .... Os gregos ...
I I conexão com os fenômenos específicos da sociabili- caso quisessem prosseguir no sentido de uma for-
I ! dade burguesa então emergente. Para ele, o desen- mação mais alta deveriam, como nós, abandonar a
I I
volvimento moral do homem se vincula intimamente totalidade de seu ser e perseguir a verdade por rotas
II I
ao desenvolvimento pleno das faculdades humanas, separadas" 26 • Schiller pensa, pois, que o momento
projeto que se defronta com a extrema fragmenta- historicamente presente de oposições e antagonismos,
ção dessas mesmas faculdades no mundo moderno. ainda que negativo, é, sob o ponto de vista do de-
Contrapondo-o ao mundo grego23 , Schiller caracte- senvolvimento do conhecimento e da cultura, um
riza o mundo moderno corno de "dilaceração interi- momento necessário, mas transitório - e que, como
or e exterior" do homem. Manifesta aqui uma aversão tal, deve ser superado. "Não houve meio de desdo-
humanista à divisão burguesa do trabalho, na qual o brar as múltiplas disposições do homem que não fos-
homem tem atrofiadas suas múltiplas p oten- se a contraposição. Este antagonismo é o grande
cialidades: para ele, com efeito, as "forças da alma" instrumento da cultura, mas apenas o instrumento,
se encontram agora separadas e opostas, encaminhan- pois, enquanto dura, está-se apenas a caminho'F".
do-se sempre, em sua parcialidade, para um desen- Ele admite, portanto, que deste processo de
volvimento unilateral, enquanto as outras aprofundamento da divisão do trabalho, de especia-
permanecem como "excrescências aleijadas". Nesta lização das atividades e mesmo do distanciamento
análise, o iniciante desenvolvimento técnico da socie- da razão em relação à sensibilidade tenha resultado
dade burguesa e a particularização das ciências mo- o desenvolvimento - se tomada a humanidade em
dernas são indicados por ele como fenômenos nos seu conjunto - das potencialidades dos homens; se
quais a fragmentação do homem se reproduz, em que tomados os indivíduos singulares, no entanto, tive-
a sua atividade se unilateraliza e perde a criatividade. mos aqui uma queda. "Embora o mundo todo ga-
Por outro lado, a natureza própria da sociedade civil- nhe... ao formarem-se em separado as forças
burguesa, marcada pelo particularismo, indica-lhe a humanas, é inegável que os indivíduos atingidos por
dilaceração exterior dos homens, expressão de uma esta formação unilateral sofrem como maldição este
sociabilidade na qual estes se encontram limitados destino'r". Schiller, porém, não desconhece o enor-
não só interior e individualmente, mas também - e me avanço espiritual do seu tempo, particularmente
em conseqüência - nas suas relações genéricas: a no que se refere à explicitação filosófica dos prin-

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EOOcação
tada, cípios morais práticos, mas também quanto ao de- blema da integridade do homem vai ser pensado.
Dila- senvolvimento científico - o que distingue seu modo Para tanto, Schiller vai se perguntar por um elemen-
aIS, o de pensar de qualquer posição passadista. Pelo con- to mediador entre as naturezas sensível e racional
qual, trário, até mesmo reconhece - positivamente - a "ilus- do homem, encontrando-o precisamente na arte.
endo tração" como a característica de sua época. "Nosso
«leria tempo é ilustrado" 29, diz ele.
te to- Ora, a pretendida conciliação entre a razão e a 3 A MEDIAÇÃO ESTÉTICA
dian- sensibilidade, que se apresenta para Schiller como
tão se condição da efetividade da vontade moral, está -
.tam- nessa situação social acima descrita - impossibilita-
Em que sentido, precisamente, a arte viabiliza
da, só podendo ser alcançada num processo pelo qual
e expressa, para Schiller, a unidade da razão e da
a des- a fragmentação seja superada, as potencialidades se
sensibilidade no homem?
la em desenvolvam em conjunto e, então, as faculdades
ão de Tal como ele a compreende, a arte se consti-
possam se reconciliar. A educação moral, assim, se-
tui a partir dos dois impulsos humanos fundamen-
nento ria resultado de um processo histórico educativo
tais: o impulso sensível, pelo qual o homem tende a
sperar muito mais amplo, de formação de um novo homem,
manifestar sua "naturalidade" na realidade exterior
blicas omnilateralmente desenvolvido. Este modo de for-
da matéria e da multiplicidade, e o impulso formal, o
lações mular o problema já é anunciador do que vai ser a
elemento da razão, pelo qual o homem tende a sub-
ir que sua resolução: afinal, se não pode vir do Estado exis-
meter toda a realidade exterior à unidade finalística
), afir- tente a formação omnilateral do homem, pois ele está
do pensamento, à lei moral.
I, pelo na raiz do que deve ser superado, e o Estado ideal
O caráter sensível do homem funda, a um só
lmen- só pode nascer precisamente de uma humanidade
tempo, sua efetioidade e suafinitude. "[C]omo todo o
o para nova, refeita, a'questão toda do político para Schiller
absoluto necessita a mediação dos limites, toma-se
~gos... só pode ser resolvido neste processo anterior de "for-
evidente que toda a aparição da humanidade está
ra for- mação plena do homem". Qualquer outra via pare-
presa ao impulso sensível. Embora seja somente ele
onar a cia-lhe condenada ao insucesso: "será necessário
Irrotas que desperta e desdobra as disposições da humani-
chamar externporânea toda tentativa de uma tal
dade, é também ele que toma impossível sua per-
mento modificação do Estado e quimérica toda a esperança
7tSmOS,
feição":": Daí, precisamente, porque, para Schiller,
nela fundada, até que seja superada a dilaceração no
do de- o simples domínio da vontade moral sobre a sensi-
interior do homem e sua natureza se desenvolva para
ra, um bilidade seja incapaz de assegurar a moralidade dos
ser, ela mesma, artista e capaz de assegurar realida-
, como atos humanos: "cedo ... a natureza subjugada
de à criação política da razão'"? .
desdo- reafirmalria] seus direitos e exig[iria] realidade dos
Schiller, no entanto, termina por buscar uma
.ão fos- objetos, conteúdo para nossos conhecimentos e fi-
saída que não articula no plano histórico-social a
;rande nalidade em nossos atos" 32 •
unidade das faculdades da razão e da sensibilidade,
nento, Mas, se no impulso sensível o homem encon-
o qual havia sido mobilizado para a articulação inici-
tho"27. tra seu limite e sua finitude, é o impulso formal que
al do problema; retoma, assim, à formalidade moral
ss o de expressa sua infinitude. A contradição se põe pelo
de onde havia partido. Após haver pensado o pro-
specia- fato de que esta determinação da infinitude, enquan-
blema moral num contexto social mais amplo (a opo-
imento to expressão da racionalidade e absolutidade de sua
sição razão-sensibilidade pensada enquanto parte da
iultado personalidade livre (o que o toma, portanto, moral),
"dilaceração interior e exterior do homem", na qual
rde em deve se afirmar invariável frente à existência sensível
a divisão do trabalho e o particularismo da socieda-
ens; se - mundana e temporal - do homem. "Por não poder a
de civil-burguesa são pensados como fundamentos),
o, tive- pessoa, enquanto unidade absoluta e indivisível, es-
ele abandona esta forma do problema e passa a arti-
ido ga- tar em contradição consigo mesma, por sermos nós
cular a conciliação dessas faculdades de modo isola-
forças nós-mesmos em toda a eternidade, aquele impulso
do de suas determinações sociais. Neste recuo, o
dos por [formal] que visa afirmar a personalidade não pode
problema retoma às suas fronteiras morais e é
ão este exigir nada diverso daquilo que exige por toda a eter-
recolocado nos termos de uma conciliação estrita
o enor- nidade; decide, portanto, para sempre como decide
entre a razão e a sensibilidade. É a partir da concili-
rmente para agora, e manda agora o mesmo que manda para
ação entre estas duas faculdades humanas que o pro-
is pnn- sempre?", Ora, sendo este o modo de ser do impulso

Educação em Debate· For1aIeza· Ano 17/18· n! 29-3G-31e32 de 1995- p. 21-31


formal, ele parece estabelecer um antagonismo insu- homem espiritual é reconduzido à matéria e recupe-
perável com o impulso sensível, ao qual deve negar ra o mundo sensível' 3, .
como condição mesma de sua própria afirmação. Se Ora, a beleza, compreendida como conciliação
simplesmente negá-Io, porém, como poderá se reali- do sensível e do racional só pode devi r - na esfera
zar num mundo que é sensível, histórico e - como das faculdades humanas - enquanto o sensível e o
Schiller mesmo concebe a sociedade moderna - dila- racional sejam opostos e, em sua irnediatidade, in-
cerada em múltiplos antagonismos? A contraposição conciliáveis. Logo, a conciliação exige a superação.
que assim se manifesta deve ser apenas aparente, de- Trata-se, portanto não de uma junção, mas de um
vendo, portanto, haver a possibilidade de conciliação terceiro impulso paralelo aos outros dois opostos - e
entre os impulsos sensível e formal, o que só pode se esta é a determinação própria do impulso lúdico -,
dar num terceiro impulso, no qual as determinações no qual a oposição se dissolva precisamente enquanto
dos dois primeiros se medeiem. os pólos não se fazem ali presentes em sua
A impossibilidade deste impulso mediador imediatidade e unilateralidade. A relação com o belo
representaria para Schiller a continuidade da parti- permite, a um só tempo, nos afastarmos da determi-
ção humana, pois toda submissão incondicional, não nação sensível imediata num movimento em que a
mediada, do impulso sensível ao racional - única al- vontade não se determinou ainda. É uma elevação
ternativa aceitável que então restaria - é por ele com- supra-sensível, a partir do sensível e na qual o sensí-
preendida como permanência do homem partido, vel se conserva, ainda que não mais como elemento
uniforme (no sentido de monodeterminado), mas não determinante, pois na arte ele já recebeu a forma do
harmônico; seria, neste caso, o próprio humano do espírito. A experiência com a beleza produz um es-
homem que estaria ainda negado, e a sua moralidade tado de determinalidade que não significa a ausência
seria expressão, não de sua liberdade efetiva, mas de determinação, mas a superação da determinação
de sua incompletude'". Cabe à cultura, então, sensível, o que preserva ao homem a possibilidade
viabilizar a harmonia entre aqueles dois impulsos, de se auto determinar racionalmente precisamente
II essas duas naturezas próprias do homem, produzin- porque já não está mais imediatamente determina-
I do, assim, a sua existência ética plena" . do pela sensibilidade. Tal estado de experiência es-
I
Este terceiro impulso mediador dos outros dois piritual (sensível e racional ao mesmo tempo) - que
é o impulso iúdico. Por ele, pode o homem exercer a Schiller nomeará de estado estético - é propiciado pela
moralidade no seu sentir e agir imediatos, pode re- "forma viva" , a arte, na qual a forma nega e mantém a
conhecer na própria natureza a manifestação do es- matéria. No "estado estético", portanto, o homem:
pírito e pode pensar e querer sem afastar-se de sua t) está livre de qualquer determinação sensível ime-
existência "natural". O impulso lúdico é a possibili- diata, enquanto foi esta - em sua imediatidade - ne-
dade, imanente ao homem, de conciliação do sensí- gada; it) atravessa um estado de pura determinalidade
vel e do racional, realizando em si um "livre jogo" (possibilidade de determinação, pois, enquanto ne-
das potencialidades humanas. É o "terceiro caráter" , gada, foi a determinação sensível mantido).
inicialmente solicitado e que se manifesta no que No "estado estético", o homem está indepen-
Schiller denomina deforma viva. Se o impulso sen- dente e ativo frente ao sensível, uma vez que o ne-
sível tem como conteúdo a vida (no sentido mais gou, o ultrapassou. E, tendo-o retido, já poderá
amplo de natureza, cuja expressão própria é a sensi- manifestar-se sensivelmente. Neste processo, o impulso
bilidade) e o impulso formal, a determinação racio- formal estará também, em sua imediatidade, nega-
nal (aforma), o impulso lúdico, por seu lado, unifica do, enquanto saiu de sua pureza e abstração, encon-
em seu conteúdo estas duas determinações que, no trando-se, na experiência estética, com a
isolamento, são opostas. A "forma viva", unidade do sensibilidade; mas estará também mantido, pois o
universal da razão e o particular da sensibilidade, é sensível com o qual se encontra relacionado já não
o belo": É precisamente enquanto pode, na unida- será mais imediato, mas formado. O estado estético,
de de sua própria natureza a um só tempo sensível e portanto, mobiliza a atividade do pensamento e a reali-
racional, produzir e experencializar o belo que o dade do sensível: é, nas palavras de Schiller, um "es-
homem pode também - e em conseqüência - produ- tado de determinalidade real e efetiva"?".
zir e experiencializar sua própria humanidade ple- O estado estético - enquanto" relação educatioa
na. Diz Schiller: "Pela beleza o homem sensível é dos indivíduos com a obra de arte - não é, no entanto,
conduzido à forma e ao pensamento; pela beleza o em si, a plenitude do homem, pois é apenas possibi-

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:upe- lidade disso!". Nele, o homem se depara com a sua NOTAS
própria liberdade de determinação, já que mobiliza
iação em uma única experiência seus impulsos formal e sen-
sfera sível, não se pondo diante de nenhuma das suas fa- Schiller, F. Cartas Soõr« a Educação Estáica da Humanida-
Ie o culdades isoladas, mas de todas elas em seu conjunto. de. Trad. Anatol Rosenfeld. São Paulo: EPU, 1991, pago
:, m- Ele se depara, assim, com a possibilidade de ter sua 37. Esta obra foi redigida, inicialmente, em 1793, sob a
forma de cartas para o príncipe dinamarquês Frederico
ação. totalidade resgatada e suas faculdades conciliadas. O
Cristiano de Augustenburg. A versão que conhecemos hoje
:um estado estético seria, assim, um estado de liberdade é produto de uma nova elaboração feita a partir de 1794 e
)S - e estética, que teria como resultado precisamente a edu- que veio a público em 1795, na revista literária As Horas
co -, cação - a espiritualização - dos sentidos. Daí que, por (dirigida por Schiller e publicada em Iena, entre janeiro
anto possibilitar a educação dos sentimentos, a mediação de 1795 e junho de 1798).
2 Idem, pago 39.
sua estética venha a ser, para SchilIer, absolutamente ne- 3 Apesar de, segundo ele mesmo reivindica, tomar Kant
belo cessária à realização da vontade moral. "Não existe como ponto de partida para as suas reflexões filosóficas,
rrm- maneira de fazer racional o homem sensível" , diz ele, Schiller mantém diferenças com o filósofo de Kônigsberg,
ue a "sem tomâ-lo, antes, estético'"" . Na filosofia prática de Kant, o térrno objetivo aparece como
sinônimo de universalidade e incondicionalidade da lei
ação A formação moral, no entanto, possibilitada
moral, distinto do subjetivo das determinações particula-
.nsí- pela experiência estética, está ainda por ser res da ação, denominadas de máximas. Cf. Kant, Critica da
ento estabelecida, pois, em última instância, somente Razão Prática. Trad. Arrur Morão. Lisboa: edições 70,1989,
a do pode radicar na própria razão em sua autonomia. p. 29. Kant divide as leis da liberdade, enquanto leis mo-
1 es- Questioná-Ia não é a proposta de Schiller, mas sim rais fundadas na autonomia da razão, em dois tipos: leis
éticas, quando o seu móbil é interior, e leis jurídicas, cujo
ncia viabilizá-Ia. Enquanto objeto da atividade e da
móbil é exterior; as primeiras conformam a esfera da
ação receptividade humanas livre da fragmentação inte- Moralidade e as segundas a da Legalidade. O tipo de li-
lade rior e exterior que caracteriza o mundo moderno, a berdade específico do Direito, e que constitui o seu prin-
~nte arte expressaria a inteireza do homem, o livre jogo cípio mesmo, é a coexistência dos arbítrios individuais,
ma- das suas potencialidades"! : nesta medida, unicamen- segundo uma lei universal da liberdade. Deste modo, li-
berdade exterior é a liberdade jurídica, aquela exercida
l es- te, é que serviria aos fins morais, enquanto pela esfera específica do Direito. Cf. Kant, Doutrina do
que espiritualiza a sensibilidade humana, tomando-a, as- Direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993, pago
pela sim, dócil aos imperativos da razão. A arte, no entan- 22-23 e 46. Schiller, distintamente, tenderá a identificar a
wa to, não se reduziria a "efeitos ou intenções imediatos existência exterior da liberdade (no sentido kantiano) como
aquela que é mais propriamente objetiva; assim, falando
em: de ordem moral ou religiosa, ou de qualquer espé-
do ideal do homem moral, afirma: "Este homem puro,
me- cie"4z, mantendo, frente à política e à moral, a sua que se dá a conhecer com maior ou menor nitidez em
ne- especificidade. Não é por seu conteúdo que a arte cada sujeito, é representado pelo Estado, a forma mais
!ade educa os sentimentos - embora seja com ele que os objetiva e por assim dizer canônica, na qual a multi-
) ne- sentimentos se comuniquem -, mas com a forma. O plicidade dos sujeitos tenta unificar-se". Schiller, op. cit.,
pag.44.
conteúdo, enquanto sensível, se comunica apenas com
4 O caráter sensível do homem assinala, para Schiller, a dis-
fJen- as forças particulares do homem, enquanto a forma, posição humana para a "divindade", entendida aqui en-
ne- sendo racional, pode lhes dar - através do próprio quanto "explicitação absoluta da potencialidade (realidade
lerá caráter sensível da arte e de nossa receptividade em de todo o possível) e unidade absoluta da aparição (ne-
ulso relação a ela - a universalidade que lhes falta. A possi- cessidade de todo o real)". É por ser sensível que o ho-
mem pode realizar no mundo - que é, do mesmo modo,
~ga- bilidade educativa da arte independe, portanto, do
sensível - o que nele, enquanto racional, é apenas
:on- caráter - moral ou não - de seu conteúdo. potencialidade. Enquanto sensível, portanto, é que o ho-
1 a . Asespecificidades da arte, da moral e da polí- mem é "mundo". Mas, inversamente, seria apenas mundo
IS o tica estariam, assim, preservadas, ao mesmo tempo - "mero conteúdo informe do tempo" - se não fosse, tam-
bém, "espontaneidade do espírito". Schiller, idem, pago
não em que indissociadas. A arte, ao educar os sentidos
75.
ICO, manos, capacitá-l os-ia a serem vínculos do ato 5 A filosofia prática de Kant funda-se numa concepção de
'ali- raoral - que, em sua forma objetiva, é, necessaria- liberdade que se expressa, negativamente, como indepen-
'es- zaente, política. "Dar liberdade através da liberda- dência da vontade diante de toda a sensibilidade ou de-
cria, para Schiller, "a lei fundamental desse reino terminação exterior; sua forma positiva é autolegislação.
Cf. Kant, Fundamentação da Metaftsica dos Costumes. Trad .
tioa rético f'43 . A beleza, ao nos libertar da imediatidade
Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, pago 90 ss. Nesta con-
ltO, ível. nos prepara para que - através da liberdade cepção, a liberdade é a "ratio essendt' da lei moral, sendo
~ibi- - cheguemos à liberdade política. esta a "mtio cognoscendl' da liberdade. Cf. Critica da Ra-

Oebale· Fortaleza - MO 17/18· n2 29-30-31 e 32 de 1995 - p. 21·31


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MO Prática, pago 12. Schiller, sem afastar-se deste ponto posição da qual Schiller parece estar próximo nesta pas-
de vista, põe-se aqui o problema da própria educação para sagem. Isto não significa, no entanto, que Schiller assu-
a liberdade, enquanto educação moral. O que significa, ma por esta via uma posição revolucionária, como logo a
em sua perspectiva, que a dicotornia entre razão e sensi- seguir deixa claro na seguinte metáfora: "Quando o arte-
bilidade deve ser superada como condição de possibilida- são conserta o mecanismo do relógio, deixa que a corda se
de da efetivação do ideal moral. Sendo senstoe! o modo de acabe; o mecanismo do relógio vivo que é o Estado, en-
atividade e realização do homem, como também - e em tretanto, precisa ser corrigido enquanto pulsa, as rodas são
conseqüência - o é o seu mundo, será necessário que a trocadas enquanto giram". Idem, pago 42.
própria sensibilidade atue no sentido da vontade moral. 13 "O Estado deve ser uma organização que se forma por si
Daí a tarefa que o homem deve se pôr: "Para não ser ape- e para si...''. Idem, pago 46.
nas mundo, portanto, é preciso que ele dê forma à maté- 14 Ibidem.
ria. Para não ser apenas forma é preciso que dê realidade 15 Idem, pago 42. Sobre essa questão, Schiller manifesta as-
à disposição que traz em si". Schiller, ibidem. sim a consciência que tem da relação de seu pensamento
6 Idem, pago 45. com o de Kant: "Numa filosofia transcendental, em que
7 Ibidem. é decisivo libertar a forma do conteúdo e separar o neces-
8 O mundo sensível seria, assim, não o simples "mundo sário do acidental, facilmente nos habituamos a pensar o
dos fenômenos" exterior à vontade moral, mas - precisa- material apenas como impecilho e representamo-nos a
mente - o mundo histórico-social dos indivíduos, marca- sensibilidade em contradição necessária com a razão jus-
do, na modernidade, pelas particularidades que somente tamente por barrar este caminho da reflexão. Uma tal ma-
no Estado moral encontrarão sua unidade e universalida- neira de ver está fora do espfrito do sistema kantiano,
de objetiva. embora possa encontrar-se em sua letra". Schiller, Idem,
9 Idem, pago 40. Rousseau, ao contrapor o Estado de Natu- pag.80.
reza ao Estado político existente, concebe este último pre- 16 Em Que é o esclarecimento?, artigo de 1784, Kant defende a
cisamente como um Estado nascido não da consciência livre liberdade do "uso público da razão", possibilidade do es-
dos indivíduos, mas a partir de determinados interesses clarecimento dos indivíduos e condição do desenvolvi-
particulares que lograram "seduzir homens grosseiros, fá- mento de um livre consentimento, como via para as reformas
ceis de convencer". Cf. Rousseau, ].-]. "Discurso Sobre a políticas. Parece-nos, no entanto, que esta é uma posição
Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Ho- ocasional que não diz de como em sua filosofia política e
mens" in O Contrato Social e Outros Escritos. Trad. de Roland da história o problema está resolvido. Cf. Kant,
Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, pago 188 ss. "Respuestas a Ia pregunta: Qué es Ilustración?" in: La
10 O termo "Estado Natural" assume dois significados em Ilustraaân en Alemanha (organizado por P. Raabe et al.).
Schiller: ora no sentido do Estado existente, enquanto fun- Trad. Ernesto Garzón Valdés. Bonn: Hohwacht- Veriag,
dado na força e na necessidade e não na lei e na liberda- 1979. Em O Conflito dos faculdades - Em três seções, obra de
de, ora, como neste momento, no sentido de estado originário 1798, referindo-se especificamente ao problema da edu-
que explicita ideal mente a natureza racional e, portanto, cação moral, Kant descarta qualquer possibilidade de que
livre da pessoa humana. Aqui, mais uma vez, manifesta- o melhoramento moral ou político da humanidade depen-
se a influência tanto de Kant quanto de Rousseau. Aque- da da educação dada às novas gerações: "Ora, como são
le primeiro sentido - negativo - é apenas indiretamente todavia os homens que devem realizar esta educação, ho-
(quando opõe o natural ao racional, enquanto oposição da mens que devem eles mesmos ser educados neste objeti-
natureza à liberdade) influenciado por Kant, para quem, vo, só resta - dada a enfermidade da natureza humana e a
no entanto, o "Estado de Natureza" tem correntemente contingência dos acontecimentos que favorecem um tal
o significado de "ausência de leis", contraposto ao Esta- resultado - depositar a esperança do progresso unicamen-
do fundado numa Constituição Civil. Cf. Kant, L À Paz te na sabedoria do alto (que nomeamos Providência, quan-
Perpétua. Trad. de Marco Zingano. São Paulo, Porto Ale- do ela não é visível para nós), como condição positiva".
gre: L&PM Editores, 1989, pago 33, rodapé. O segundo Cf. Kant, I. Le Conflit des facullls - En trais seaions. Trad. J.
sentido em que o termo em questão aparece em Schiller Gibelin. Paris: Vrin, 1973, pago 111. Ver, ainda, as indica-
vem de Rousseau, que, aliás, do mesmo modo que aque- ções feitas na nota 17 deste artigo.
le, ao conceber a Estado de Natureza como estado originá- 17 O desenvolvimento pleno das potencialidades humanas
rio, fundamento da natureza livre do homem, não o também é postulado por Kant: "Todos os disposições natu-
concebe como fato histórico. Rousseau assim o afirma rais de uma criatura estão destinados a um dia se desenvolver
explicitamente quando, ao contrapor o Estado de Natu- completamente e conforme um fim". Mas este desenvolvimen-
reza ao Estado político existente, diz que se deve come- to é possível "apenas na espécie e não no indivíduo", isto
çar renunciando a "todos os fatos" e ''verdades históricas", é, em sociedade. "[C]omo somente nela [em sociedade]
optando "exclusivamente" por conjeturar com "raciocí- o mais alto propósito da natureza, ou seja, o desenvolvi-
nios hipotéticos e condicionais". Cf. Rousseau, op. cit., mento de todas as suas disposições, pode ser alcançado
pago 144-145. pela humanidade, ... assim uma sociedade na qual a liber-
11 Schiller, ibidem. A categoria do "contrato", que decorre dade sob kis exteriores encontra-se ligada no mais alto grau
do "estado natural" originário, só pode do mesmo modo a um poder irresistivel, ou seja, uma constil1liçlio civil per-
ser compreendida como idéia da razão e não como fato feitamente justo, deve ser a mais elevada tarefa da natu-
histórico. reza para a espécie humana, porque a natureza somente
12 Idem, pago 40-41. Rousseau recusa toda legitimidade ao pode alcançar seus outros propósitos relativamente à nos-
Estado existente quando não fundado na vontade geral, sa espécie por meio da solução e cumprimento daquela

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tarefa". Somente, portanto, com o estabelecimento do sa B. Bourgeois em La pensée politique de Hegei (Paris, PUF,
Direito, de leis exteriores da liberdade como elemento 1969). Lendo o principal desses textos juvenis de Hegel,
mediador da vida interna de cada Estado e entre os Esta- "A positividade da religião cristã", podemos concluir que
dos, "a natureza pode desenvolver plenamente, na hu- Hegel via numa religião popular, pública, o elemento es-
manidade, todas as suas disposições". Cf. Kant, Idéia de piritual capaz de unir a razão prática e o sentimento à
uma Histôria Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. medida mesma que une o divino e o cívico, o indivíduo e
Tradução Rodrigo Naves et al., São Paulo: Brasiliense, a comunidade; esta a diferença entre a religião popular
1986, pago 11 ss (trechos citados da I", 2", 5" e 8" proposi- grega e a religião privada cristã. Cf. Hegel, Escritos de
ções, respectivamente). E ainda, de modo muito claro e juoentud. Trad. Zoltán Szankay et ai. México, DF: Fondo
conciso: "[N]ão se deve esperar dela [a moralidade] a cons- de Cultura Económica, 1984, pago 50 ss,
tituição de Estado boa, mas antes, inversamente, da últi- 21 Schiller, op. cit., pago 47. Esse pessimismo político de
ma é de se esperar primeiramente a boa formação moral Schiller, quanto às possibilidades da efetivação da liber-
de um povo .... " Kant, À Paz Perpétua, pago 53. dade e da regeneração do Estado em seu tempo, radica na
18 A categoria da vontade geral que, para Rousseau, é a que sua apreensão crítica da sociedade moderna em seu todo,
determina a legitimidade do poder político e é a fonte da duplamente negadora da integridade humana - seja pelo
Lei, não implica, no entanto, que o corpo político (o povo) "selvagem" império dos sentimentos sobre os princípios,
possa sob quaisquer condições manifestá-Ia. A vontade seja pelo "bárbaro" e destruidor domínio dos princípios
geral, para Rousseau, seria sempre certa, mas nem sem- sobre os sentimentos. "Nas class~s baixas e numerosas
pre o seu sujeito, o corpo político, sabe discerni-Ia. Neste aparecem instintos grosseiros e sem lei, que pela dissolu-
sentido, a vontade geral só o é quando esclareci da. Daí a ção da ordem cívica se libertam e procuram, com furor
questão: como pode ocorrer tal esclarecimento? Esta ques- indomável, sua satisfação animal. (...) Do outro lado, as
tão nos remete, em Do Contrato Social, à figura do legisla- classes civilizadas nos dão o espetáculo mais repugnante
dor. Ele será - a grosso modo - aquela individualidade que, da languidez e depravação do caráter, mais revoltante por
na fundação dos Estados, saiba identificar às consciências ter sua fonte na própria cultura. (...) O espírito do tempo
individuais de que é conformado o corpo político as for- oscila, assim, entre a afetação e a grosseria, entre
mas pelas quais possam elas constituir-se como povo. O desnaturado e meramente natural, entre superstição e
que caracterizaria a obra do legislador seria, portanto, o descrença moral; é apenas o equilíbrio do mal que ainda
esforço de efetivação do próprio contrato social: educar os lhe estabelece os limites". Idem, pago 46 e 48.
indivíduos para a vida civil, na qual a sua independência 22 Para G. Lukács, esta rejeição não teria origem apenas no
natural é substituída por uma existência determinada por modo de pensar filosófico, mas expressaria o próprio atra-
sua condição de parte do todo social. Trata-se, portanto, de so econômico-social da Alemanha de então, na qual aque-
uma tarefa também moral, no sentido do socialmente ins- las forças e interesses sociais, cujo conflito está na base
tituído, tal como em Rousseau aparece este termo. Cf. daquela violência, não estavam amadurecidos. Cf. Lukács,
Rousseau, J.-J. Do Contrato Social (Os Pensadores). Trad. G. Coeme y Su Época (Obras Completas, t. VI). Trad. Ma-
de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, nuel Sacristán. Barcelona-México, DF: Ediciones Grijalbo,
1987, pago 56 ss, S.A., 1968. É preciso observar, no entanto, que não há em
19 Cf. Schiller, op. cit., pago 43. Defendendo o uso público -Schiller uma rejeição tou: cour: à violência. Em um artigo
da razão, Kant argumenta: "Por esta razão, o público pode publicado em 1801, ele afirma: " [NJada há mais indigno
chegar só muito lentamente à Ilustração. Mediante uma do homem do que sofrer violência, pois a violência o nega.
revolução pode-se talvez conseguir uma derrocada do des- Quem a exerce sobre nós, não faz nada menos que con-
potismo pessoal e da opressão ansiosa de lucros e de do- testar-nos a humanidade. Quem a suporta covardemente,
minação, mas nunca uma reforma do modo de pensar; despoja-se de sua humanidade". Schiller, F. "Acerca do
novos prejuízos servirão, como os antigos, de cadeias para Sublime" in Teoria da Tragédia. Tradução de Anatol
a massa irreflexiva". Kant, "Respuesta a Ia pregunta: Qué Rosenfeld. São Paulo: EPU, 1991, pago 49.
es Ilustración?", op. cit., pago 10. 23 "A observação mais precisa do caráter do tempo ... irá es-
20 Indício de que este fenômeno não foi apenas pessoal, mas pantar-nos com respeito ao contraste que há entre a for-
foi uma recepção mais ou menos generalizada dos intelec- ma atual da humanidade e a passada, especialmente a
tuais alemães em relação à ditadura revolucionária dos grega. (...) Naqueles dias do belo acordar das forças espi-
jacobinos, pode ser encontrado, por exemplo, na corres- rituais, os sentidos e o espírito não tinham, com rigor,
pondência de Hegel e Schelling daquele período: em uma domínios separados. (...) Por mais alto que a razão subis-
de suas cartas do segundo semestre de 1794 a Schelling, se, arrastava sempre consigo, amorosa, a matéria, e por
Hegel indica a condenação e execução de J. B. Carrier, finas e nítidas que fossem as suas distinções, nada ela
pelo governo jacobino, como um fato que "deixou a des- mutilava". Schiller, Cartas Sobre a Educação Estética da
coberto toda a vileza dos robespierristas". Poucos meses Humanidade, pago 50-51. Esta contraposição da sociedade
depois, em abril de 1795, comenta em outra carta' a grega à sociedade moderna era comum, naquele período,
Schelling a leitura, em As Horas, das Cartas SOM a Edu- a toda a camada "progressista" da intelectualidade ale-
cação Estética da Humanidade, considerando-a uma "obra mã, como o demonstra o artigo de Hegel, "A positividade
mestra". Neste período, em Berna, Hegel dedicava-se a da religião cristã", acima referido. Para Lukács, o ideal
seus escritos sobre a religião grega e o cristianismo (pu- grego expressou naquele momento "o ideal político da
blicados postumamente numa coletânea que recebeu o classe burguesa no período em que ela luta por sua inde-
título de Escritos teolõgicos), cujo conteúdo po/{tico se mani- pendência e por conquistar o Estado". Lukács, op. cit.,
festa na forma de uma educação religiosa, segundo os anali- pago 165.

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24 Schiller, idem, pago 54-55. natureza"
25 Idem, pago 52. to, cuja forma
26 Idem, pago 55-56. Neste sentido é que, quanto ao ideal culminaria
utópico fundado no "modelo" grego, Lukács avalia: "A tidos, que re
polis antiga se configurou cada vez mais como modelo e valores éticos
político dos revolucionários burgueses, até que essa evo- imediatamente
lução encontrou sua consumação prática na Revolução ma do hábito. C-o E::_::
Francesa. Uma consumação que revelou na prática dras- § 151, pago 157- 5
ticamente a diferença entre a sociedade antiga e a moder- 36 Nesta concepção resente, enquanto con-
na, e mostrou tangivelmente que a polis antiga e o ideal teúdo sensível, as - s o próprio mundo his-
do cidadão dessa polis não podiam subministrar em abso- tórico e social, dcte e - sob a forma categorial
luto nem o conteúdo nem a forma da moderna revolução da "sensibilidade". do -'- hiller vinha, em sua
burguesa, senão só o disfarce necessário, a ilusão necessá- e xp osrçao , reivindi contraponto à
ria de seu período heróico". Lukács, op. cit., pago 165- unilateralidade da conscib moral Em última instân-
166. O pensamento de Schiller representa, então, quanto cia, educar moralmente o amem é, ao mesmo tempo,
a essa questão, já um reconhecimento da impossibilidade objetivar no mundo histó ico a consciência moral, através
histórica do renascimento da cidade antiga a partir mes- do Estado de liberdade. Hegel. na Estáica, considera que
mo do pessimismo face à modernidade, o que o leva a Schiller - ao compreender a arte como unidade do univer-
projetar para o futuro a instauração do Estado de liberda- sal da razão e a particularidade sensível portanto, na uni-
de: "O caráter do tempo, portanto, deve primeiramente dade da forma com seu conteãdo - teria superado a
reerguer-se de sua funda degradação, furtar-se à cega vio- "subjetividade e a abstração do pensamento kantiano".
lência da natureza, por um lado, e, por outro, regressar à Hegel, Estética: a idéia e o ideal (Os Pensadores). Trad.
sua simplicidade, verdade e plenitude - trabalho para mais Orlando Vitorino, São Paulo: ova Cultural, 1991, pago
de um século". Schiller, idem, pago 59. 57. Como sabemos, Kant considerara o belo como o objeto
27 Idem, pago 56. de uma representação subjetiva (ainda que universal) que
28 Idem, pago 57. diz, não de um conhecimento do objeto mediante o En-
29 Idem, pago 61. Poderíamos, inclusive, reconhecer nessas tendimento, mas da sua recepção pelo sujeito, desprovi-
suas reflexões uma forma embrionária de uma filosofia da da de todo o interesse. Cf. Kant, Critico da F 'aculdade do
história, de caráter dialético e progressivo, onde a totali- Juts». Trad. Valério Rohden .et aI. Rio de Janeiro: Forense
dade imediata da antigüidade é quebrada por um proces- Universitária, 1995, pago 47 ss,
so marcado pelo antagonismo e a contraposiçâo, processo 37 Schiller, idem, pago 100.
que, no entanto, comparece como a mediação necessária 38 Idem, pago 110. A obra de arte seria, assim, um objeto
de uma nova totalidade na qual as particularidades se que se relacionaria ao mesmo tempo com o conjunto das
encontrem desenvolvidas e articuladas. Como sabemos, a faculdades humanas, sem isolar-se numa relação de privi-
distinção que Hegel fará entre a antigüidade clássica e a légio com nenhuma delas. Neste sentido é que produzi-
modernidade será exatamente essa. Cf. Hegel, Prinapios ria experiências nas quais razão e sensibilidade sairiam
da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. Lisboa: de suas posições parciais e unilaterais.
Guimarães Editores, 1990, § 185, nota, pago 181-182. 39 "A cultura estética, portanto, deixa plenamente ind e-
30 Schiller, idem, pago 58. terminados o valor e a dignidade de um homem, na me-
31 Idem, pago 77. dida em que possam depender dele, e nada se alcançou
32 Ibidem, itálicos nossos. Está claro que, neste caso, "fina- além da possibilidade natural de fazer ele de si mesmo
lidade" indica, não os fins morais da razão, mas conteúdo aquilo que quiser, já que lhe é devolvida completamente
material - que a razão, em sua autonomia e parcialidade, é a liberdade de ser o que deve". Idem, pago 112.
incapaz de derivar a partir de si, tendo, portanto, que 40 Idem, pago 119.
encontrá-Ia no mundo sensível. 41 Naturalmente, Schiller não isenta a arte das contradições
33 Idem, pago 78. do mundo moderno, tendo plena consciência da relação
34 "Por louváveis que sejam nossos princípios, não podere- de estranhamento entre a sociedade burguesa e a arte: a
mos ser razoáveis, bondosos e humanos se faltar a facul- "voz [do gosto e da necessidade do século) ... não parece
dade de aprender fiel e verazmente a natureza do outro, resultar em favor da Arte", reconhece ele. "O curso dos
se faltar a força de nos empenharmos ·em situações estra- acontecimentos deu ao gênio do tempo uma direção que
nhas, de tornarmos nosso o sentimento alheio. Esta facul- ameaça afastá-Io mais e mais da Arte ideal. (... ) Hoje ... a
dade, porém, será sufocada na educação que recebemos e carência impera e curva em seu domínio a humanidade
naquela que nos damos na medida mesmo em que procu- caída. O proveito é o grande ídolo do tempo; quer ser ser-
ramos quebrar o vigor das inclinações e fortificar o caráter vido por todas as forças e cultuado por todos os talentos.
dos princípios. (...) Um homem formado assim está, evi- Nesta balança grosseira o mérito espiritual da Arte não
dentemente, a coberto de tornar-se crua natureza ou de pesa, e ela, roubada de todo estímulo, desaparece do rui-
aparecer como tal; ao mesmo tempo, entretanto, estará doso mercado do século". Idem, pago 37·38. A alternativa
escudado por princípios contra toda a sensação da nature- que Schiller encontra na arte à dilaceração das atividades
za, impermeável exterior e interiormente a qualquer hu- e relações humanas na modernidade teria, então, o cará-
manidade". Idem, pago 83. ter de resistência e representaria um dever moral (daí que
35 Pode-se reconhecer a influência de tal concepção no pen- ele fale em "Arte ideat"; como conceito da razão). Sem
samento de Hegel a partir do que este chama a "segunda podermos, nos limites desta nota, traçar um confronto

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EducaçãoemDebate-For1aIeza-Ano
entre Schiller e Hcgel, observem-se, no entanto, as dife- diferenças entre os dois pensadores é a sua posição frente
renças que aqui se manifestam entre eles. Hegel, na Esté- à sociedade moderna: enquanto Schiller aponta para o
tica, considerará a arte como "coisa do passado", enquanto futuro a realização de um mundo racional (opondo ao ser
incapaz de expressar do melhor modo a verdade do mun- social presente o dever-ser da razão), Hegel concebe o pró-
do moderno (que, diferentemente da antigüidade, teria prio mundo moderno - com suas oposições e antagonis-
sua expressão apropriada na Filosofia). Em Schiller, o re- mos - como racional. Para Lukács, é esta concepção
conhecimento da relação de estranheza entre o tempo segundo a qual "o tempo presente é um reino da razão"
presente e a arte cond uz à posrulação da "Arte ideal" como que distingue a posição de Hegel frente ao debate filosó-
via da recuperação - em nível superior - da integridade fico de sua época. Cf. Lukács, G. Ontologia do Ser Social:
humana perdida; em Hegel, ao contrário, há a admissão A Falsa e a Verdadeira Ontologia de Hege/. Trad. C. N.
da irrecuperabilidade da própria arte (enquanto expres- Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciências Huma-
são ótima do Absoluto), já que na modernidade se perde- nas, 1979, pago 9 ss.
ra definitivamente a imediatidade - que na antigüidade fora 42 Schiller, Cartas Som a Educação Estética da Humanidade,
o fundamento da arte - da relação do homem com o mun- pago 113.
do. Cf. Hegel, Estética: a idéia e o ideal, pago 18. A base das 43 Idem, pago 148.

31 I EducaçãoemDebate- Fortaleza- Mo 17/18 - ~ 29-30-31 e 32 de 1995 - p. 21-31

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