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Aquino - Friedrich Schiller, o Significado Ético Da Educação Estética
Aquino - Friedrich Schiller, o Significado Ético Da Educação Estética
ed., Na reflexão filosófica de Friedrich Schiller Schiller pensa o ideal do homem moral (no
(1759-1805), são indissociáveis os problemas estéti- sentido da filosofia prática kaniiana), ou o "homem
cos, morais e políticos. No presente artigo, buscare- ideal" que a vontade em cada um tem como meta,
mos demonstrar como o seu conceito de educação como o próprio ideal do Estado, compreendido como
estética tematiza a unidade dessas três formas de a forma objetiva da unidade moral dos homens". A
objetivação humana, ao mesmo tempo em que res- realização moral do homem e a instituição do Estado são
guarda as suas especificidades. Para tanto, principi- um único processo, para o qual existem duas vias
aremos pela exposição das relações entre o ético e o alternativas de eferivação: ou a opressão do-homem
político, prosseguindo com as suas reflexões sobre existente pelo homem ideal e dos indivíduos pelo Es-
o problema ético na modernidade para, finalmente, tado ou, ao contrário, «formação humana. Schiller,
identificar como o estético é pensado por Schiller optando pela segunda, fala precisamente de um
como a via de mediação para o ético. "tomar-se Estado dos indivíduos", enquanto apro-
ximação progressiva dos homens empíricos do ideal
moral, o que os tornaria conciliados, em sua exis-
tência sensível, não somente com as próprias exi-
gências da razão, mas também ~e por isso mesmo -
J O CONTEÚDO ÉTICO DO POLíTICO
com o Estado.
Essa distinção - que se assenta sobre a com-
preensão que Schiller tem do próprio ético - entre a
"Não será extemporânea a procura de uma le- via daformação e a da opressão é fundamental para o
gislação para o mundo estético quando o moral tem conteúdo ético com que ele concebe o político. É
interesse tão mais próximo, quando o espírito da in- uma distinção que estará ausente de toda concepção
vestigação filosófica é solicitado urgentemente pe- moral que se abstrair do caráter sensível do homem e
las questões do tempo a ocupar-se da maior de todas do mundo no qual ele age". Toda concepção moral
as obras-de-arte, a construção de uma verdadeira li- que assim proceder expressará uma compreensão
berdade política?" 1 Com este questionamento, parcial do homem e se manterá presa ao ponto de
Schiller pretende a aproximação da arte e da estéti- vista unilateral da consciência moral (à qual- enquan-
ca dos problemas políticos e sociais da modemidade, to é apenas uma das faculdades humanas - só inte-
com o objetivo de demonstrar que elas comparecem ressa a vigência incondicional de sua lei). Schiller
necessariamente como a mediação da resolução efetiva reivindica, em contraponto, uma "avaliação antropo-
e tais problemas, e não simplesmente justificá-Ias lógica plena", na qual, pelo respeito teórico à unida-
frente aos carecimentos do seu presente histórico. de do conteúdo e da forma, é mantido como
"[Pjara resolver na prática o problema político é ne- constitutivo do homem o seu "sentimento vivo", a
sário caminhar através do estético, pois é pela bele- sua existência mundana determinada pelo tempo. O
que se vai à liberdade"! , eis a sua tese, que encontra que significa, segundo ele, que toda formação que
:imdamento em sua concepção política e moral. não tome o homem em sua plenitude será "precá-
Professor do Departamento de Filosofia da UECE, Mes- ria" , pois fundar-se-a no sacrifício do seu caráter "na-
tre em Filosofia pela UFPB. tural'"', do mesmo modo que a constituição do Estado
MO Prática, pago 12. Schiller, sem afastar-se deste ponto posição da qual Schiller parece estar próximo nesta pas-
de vista, põe-se aqui o problema da própria educação para sagem. Isto não significa, no entanto, que Schiller assu-
a liberdade, enquanto educação moral. O que significa, ma por esta via uma posição revolucionária, como logo a
em sua perspectiva, que a dicotornia entre razão e sensi- seguir deixa claro na seguinte metáfora: "Quando o arte-
bilidade deve ser superada como condição de possibilida- são conserta o mecanismo do relógio, deixa que a corda se
de da efetivação do ideal moral. Sendo senstoe! o modo de acabe; o mecanismo do relógio vivo que é o Estado, en-
atividade e realização do homem, como também - e em tretanto, precisa ser corrigido enquanto pulsa, as rodas são
conseqüência - o é o seu mundo, será necessário que a trocadas enquanto giram". Idem, pago 42.
própria sensibilidade atue no sentido da vontade moral. 13 "O Estado deve ser uma organização que se forma por si
Daí a tarefa que o homem deve se pôr: "Para não ser ape- e para si...''. Idem, pago 46.
nas mundo, portanto, é preciso que ele dê forma à maté- 14 Ibidem.
ria. Para não ser apenas forma é preciso que dê realidade 15 Idem, pago 42. Sobre essa questão, Schiller manifesta as-
à disposição que traz em si". Schiller, ibidem. sim a consciência que tem da relação de seu pensamento
6 Idem, pago 45. com o de Kant: "Numa filosofia transcendental, em que
7 Ibidem. é decisivo libertar a forma do conteúdo e separar o neces-
8 O mundo sensível seria, assim, não o simples "mundo sário do acidental, facilmente nos habituamos a pensar o
dos fenômenos" exterior à vontade moral, mas - precisa- material apenas como impecilho e representamo-nos a
mente - o mundo histórico-social dos indivíduos, marca- sensibilidade em contradição necessária com a razão jus-
do, na modernidade, pelas particularidades que somente tamente por barrar este caminho da reflexão. Uma tal ma-
no Estado moral encontrarão sua unidade e universalida- neira de ver está fora do espfrito do sistema kantiano,
de objetiva. embora possa encontrar-se em sua letra". Schiller, Idem,
9 Idem, pago 40. Rousseau, ao contrapor o Estado de Natu- pag.80.
reza ao Estado político existente, concebe este último pre- 16 Em Que é o esclarecimento?, artigo de 1784, Kant defende a
cisamente como um Estado nascido não da consciência livre liberdade do "uso público da razão", possibilidade do es-
dos indivíduos, mas a partir de determinados interesses clarecimento dos indivíduos e condição do desenvolvi-
particulares que lograram "seduzir homens grosseiros, fá- mento de um livre consentimento, como via para as reformas
ceis de convencer". Cf. Rousseau, ].-]. "Discurso Sobre a políticas. Parece-nos, no entanto, que esta é uma posição
Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Ho- ocasional que não diz de como em sua filosofia política e
mens" in O Contrato Social e Outros Escritos. Trad. de Roland da história o problema está resolvido. Cf. Kant,
Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, pago 188 ss. "Respuestas a Ia pregunta: Qué es Ilustración?" in: La
10 O termo "Estado Natural" assume dois significados em Ilustraaân en Alemanha (organizado por P. Raabe et al.).
Schiller: ora no sentido do Estado existente, enquanto fun- Trad. Ernesto Garzón Valdés. Bonn: Hohwacht- Veriag,
dado na força e na necessidade e não na lei e na liberda- 1979. Em O Conflito dos faculdades - Em três seções, obra de
de, ora, como neste momento, no sentido de estado originário 1798, referindo-se especificamente ao problema da edu-
que explicita ideal mente a natureza racional e, portanto, cação moral, Kant descarta qualquer possibilidade de que
livre da pessoa humana. Aqui, mais uma vez, manifesta- o melhoramento moral ou político da humanidade depen-
se a influência tanto de Kant quanto de Rousseau. Aque- da da educação dada às novas gerações: "Ora, como são
le primeiro sentido - negativo - é apenas indiretamente todavia os homens que devem realizar esta educação, ho-
(quando opõe o natural ao racional, enquanto oposição da mens que devem eles mesmos ser educados neste objeti-
natureza à liberdade) influenciado por Kant, para quem, vo, só resta - dada a enfermidade da natureza humana e a
no entanto, o "Estado de Natureza" tem correntemente contingência dos acontecimentos que favorecem um tal
o significado de "ausência de leis", contraposto ao Esta- resultado - depositar a esperança do progresso unicamen-
do fundado numa Constituição Civil. Cf. Kant, L À Paz te na sabedoria do alto (que nomeamos Providência, quan-
Perpétua. Trad. de Marco Zingano. São Paulo, Porto Ale- do ela não é visível para nós), como condição positiva".
gre: L&PM Editores, 1989, pago 33, rodapé. O segundo Cf. Kant, I. Le Conflit des facullls - En trais seaions. Trad. J.
sentido em que o termo em questão aparece em Schiller Gibelin. Paris: Vrin, 1973, pago 111. Ver, ainda, as indica-
vem de Rousseau, que, aliás, do mesmo modo que aque- ções feitas na nota 17 deste artigo.
le, ao conceber a Estado de Natureza como estado originá- 17 O desenvolvimento pleno das potencialidades humanas
rio, fundamento da natureza livre do homem, não o também é postulado por Kant: "Todos os disposições natu-
concebe como fato histórico. Rousseau assim o afirma rais de uma criatura estão destinados a um dia se desenvolver
explicitamente quando, ao contrapor o Estado de Natu- completamente e conforme um fim". Mas este desenvolvimen-
reza ao Estado político existente, diz que se deve come- to é possível "apenas na espécie e não no indivíduo", isto
çar renunciando a "todos os fatos" e ''verdades históricas", é, em sociedade. "[C]omo somente nela [em sociedade]
optando "exclusivamente" por conjeturar com "raciocí- o mais alto propósito da natureza, ou seja, o desenvolvi-
nios hipotéticos e condicionais". Cf. Rousseau, op. cit., mento de todas as suas disposições, pode ser alcançado
pago 144-145. pela humanidade, ... assim uma sociedade na qual a liber-
11 Schiller, ibidem. A categoria do "contrato", que decorre dade sob kis exteriores encontra-se ligada no mais alto grau
do "estado natural" originário, só pode do mesmo modo a um poder irresistivel, ou seja, uma constil1liçlio civil per-
ser compreendida como idéia da razão e não como fato feitamente justo, deve ser a mais elevada tarefa da natu-
histórico. reza para a espécie humana, porque a natureza somente
12 Idem, pago 40-41. Rousseau recusa toda legitimidade ao pode alcançar seus outros propósitos relativamente à nos-
Estado existente quando não fundado na vontade geral, sa espécie por meio da solução e cumprimento daquela