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SANTOS, T. Adorno e A Ind. Cultural (Art.) PDF
SANTOS, T. Adorno e A Ind. Cultural (Art.) PDF
25-36
Introdução
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre algumas questões essenciais no que
se refere à temática da indústria cultural, salientando-as a partir do pensamento de
Theodor Adorno. Não é exagero dizer que a indústria cultural é um conceito que ocupa
um lugar essencial na obra deste filósofo. Adorno faz profundas análises sobre a cultura
na sociedade moderna, cujas características são, em grande medida, criadas pela
maquinaria econômica em vigor, a saber, o capitalismo. As críticas adornianas versam o
caráter ilusório de um modo de produção econômico que visa em última instância o
lucro.
A arte, neste contexto, torna-se um instrumento profícuo para a consolidação da
dominação burguesa. A música, por exemplo, ocupa um lugar especial nas análises de
Adorno. Para o filósofo de Frankfurt, a arte musical tem seu caráter estético banalizado;
seus propósitos logram extirpar a sensibilidade dos ouvintes, tornando-os fiéis
seguidores do prazer pelo prazer, desconsiderando, assim, o sentido total da obra. A
indústria cultural, portanto, não mede esforços para lançar os indivíduos em estado de
indigência estética, isto é, no mais completo empobrecimento da reflexão crítica e da
sensibilidade artística. A padronização é o valor decisivo desta proposta cultural. Se a
massificação é a pedra angular da industrialização cultural, o esforço deve ser, então,
exercido em prol do extermínio da autonomia dos sujeitos.
De fato, a reflexão crítica se encontra profundamente ameaçada. Porém, não está
fadada ao seu total extermínio. Adorno não corrobora com a ideia de uma história
dissociada dos sujeitos. O que isto quer dizer? Ele endossa que as condições reais da
sociedade são passíveis de crítica; mais ainda: são suscetíveis de mudança. A exigência
*
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal Fluminense – UFF e
bolsista CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Niterói, RJ, Brasil.
Contato: dias_tami@yahoo.com.br
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para tal tarefa está na autorreflexão crítica, capaz de trazer à luz as incongruências,
contradições e barbáries presentes em nossa era. Adorno concorda com Kant quando
este sentencia que o homem se encontra num estado de minoridade intelectual por sua
própria culpa.1 Se não há subterfúgio, cabe aos sujeitos assumirem o papel de
protagonistas de seu tempo e não de plateia dele.
1
Cf. KANT, I. Que é “Esclarecimento”?
2
Cf. ORTIZ, R. A escola de Frankfurt e a questão da cultura.
3
ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento, p. 100.
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4
Cf. FREITAG, B. Política educacional e indústria cultural.
5
ADORNO, T. O fetichismo na música e a regressão da audição, p.288.
6
Cf. ADORNO, T. O fetichismo na música e a regressão da audição.
7
Cf. FREITAS, V. Adorno e a arte contemporânea,
27
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8
Cf. ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento.
9
Cf. ZUIN, A. Indústria Cultural e Educação.
10
Cf. MAAR, L. A guisa de introdução: Adorno e a experiência formativa.
11
ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do
esclarecimento, p.128.
12
Cf. ZUIN, Op. Cit.
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[...] eis aí a doença incurável de toda diversão. O prazer acaba por se congelar no
aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço
e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos gastos das associações habituais.
O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto
prescreve toda reação: não por sua estrutura temática – que desmorona na medida em
que exige o pensamento –, mas através de sinais.14
13
ADORNO, T. A indústria cultural, p.295.
14
ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento, p. 113.
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15
Cf. ADORNO, Tempo livre.
16
ADORNO, T. Tempo livre, p. 108.
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17
ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento, p. 120.
18
Adorno, no texto O fetichismo na música e a regressão da audição, afirma que: “[...] Marx descreve o
caráter fetichista da mercadoria como a veneração do que é autofabricado, o qual, por sua vez, na
qualidade de valor de troca se aliena tanto do produtor como do consumidor, ou seja, do ‘homem’. O
mistério da forma da mercadoria consiste simplesmente no seguinte: ela devolve aos homens, como um
espelho, os caracteres sociais do seu próprio trabalho como caracteres dos próprios produtos do trabalho,
como propriedades naturais e sociais dessas coisas; em consequência, a forma mercadoria reflete também
a relação social dos produtores com o trabalho global como uma relação social de objetos existentes fora
deles” (pp.77-78).
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19
Cf. ADORNO, T. O fetichismo na música e a regressão da audição.
20
ADORNO, T. O fetichismo na música e a regressão da audição, p. 80.
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de resistir a ela foram totalmente extintas. Adorno, por exemplo, chega a mencionar a
referida indústria como um “fenômeno onipresente”.21 O termo onipotência é
completamente questionável. Dificilmente alguém, atualmente, conseguiria defender tal
asserção. Contudo, inferir que em razão disto Adorno seja um determinista seria
elaborar conclusões aligeiradas que apenas negligenciam o pensamento e o caráter
crítico da obra do filósofo de Frankfurt.
O poder onipotente da indústria cultural é completamente dúbio. Porém, sua
influência nos dias atuais é inquestionável. A diligência dos meios mediáticos e do
marketing para submeter a todos os seus anseios é patente. “A violência da sociedade
industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas”.22 Constatações como esta nos
levam a pensar em questões não apenas polêmicas, mas de grande complexidade, como:
ainda existe arte autêntica nos dias atuais? Há ainda espaço para a emancipação dos
indivíduos? É claro que não há como, aqui, esgotar problemas desta grandeza, porém as
indagações são necessárias para repensar os modelos culturais que nos são propostos
ininterruptamente pelos jornais, pela internet, pelos canais televisivos, etc.
Adorno e Horkheimer asseveram que “os produtos da indústria cultural podem
ter a certeza de que até mesmo os mais distraídos vão consumi-los alertamente”.23 Se
Adorno muitas vezes aparenta não ter esperanças em relação às possibilidades de
resistência, o que pode ser aduzido em seu favor? Por exemplo: a despeito das diversas
críticas que Adorno direciona à racionalidade técnica, ele não é exatamente contra a
tecnologia como pode ser observado na entrevista Televisão e formação: “gostaria de
acrescentar que não sou contra a televisão em si, tal como repetidamente querem fazer
crer”.24 Vê-se, portanto, que não se trata de uma recusa das tecnologias modernas.
Adorno, sim, parte da suspeita para analisar um fenômeno como a televisão, ou seja,
investigar as maneiras pelas quais ela opera, conduz seus interesses e difunde a
ideologia que a patrocina. Mais adiante nesta mesma entrevista Adorno explicita:
Pelo prisma do veículo de comunicação de massa, a tarefa que se coloca seria encontrar
conteúdos e produzir programas apropriados em seu conteúdo para este veículo, e não
impostos a partir de seu exterior. Esta talvez seja a grande contribuição de nosso debate:
tudo o que elaboramos positivamente [...] nestes termos apresentaria uma espécie de
21
ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento, p. 122.
22
Ibidem, p. 105.
23
Ibidem, p.105.
24
ADORNO, T. Educação e emancipação, p. 77.
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cânone ou linha de orientação para o que deveria ser o rumo da televisão, para que ela
represente um avanço e não um retrocesso do conceito de formação cultural [...].25
Como se percebe, Adorno malgrado seu aparente pessimismo, não pode ser
considerado determinista. De fato, a indústria cultural possui o poder de elidir a
criticidade dos indivíduos; não quer dizer, no entanto, que estamos fadados à alienação.
Adorno compreende que as possibilidades reais de resistência só podem ser realizadas
por meio de sujeitos emancipados. Tal condição emancipatória implica não só reflexão
crítica, mas também engajamento político. Se o curso da história promove em larga
escala a disseminação da barbárie, é preciso, sim, estar atento a isto. Evitar a distração
perante a nossa realidade é uma das vias possíveis para a consecução da emancipação.
Adorno em seu texto O que significa elaborar o passado sentencia,
[...] nem nós somos meros espectadores da história do mundo transitando mais ou
menos imunes em seu âmbito, e nem a própria história do mundo, cujo ritmo
frequentemente assemelha-se ao catastrófico, parece possibilitar aos seus sujeitos o
tempo necessário para que tudo melhore por si mesmo. Isto remete diretamente à
pedagogia democrática.26
Se nós não somos espectadores da nossa realidade, significa que ela não está
fixamente estabelecida. Mesmo que as condições atuais sejam desfavoráveis ao
florescimento da crítica, a crítica não está, com efeito, destinada ao desaparecimento.
Para suplantar a perspectiva acrítica, é imprescindível superar uma visão que tende a
apegar-se ao imediatismo que justifica a suposta naturalidade das estruturas sociais. Se a
férrea inclinação ao emudecimento resulta no conformismo, “a autorreflexão e o esforço
crítico são dotados [...] de uma possibilidade real” de resistência.27
Adorno, por não compreender a história como fenômeno apartado dos homens,
identifica, portanto, possibilidades de resistência. As críticas incisivas direcionadas à
sociedade capitalista não apresentam uma visão negativista, como muitos pretendem
crer, elas são imprescindíveis para a emancipação. Investigar a história implica estudar a
nós mesmos, logo, implica abandonar a coisificação da consciência que se fecha em si
mesma. Ora, somente é possível evitar os campos de concentração, tal qual Auschwitz,
refletindo sobre as suas causas e “fortalecendo a resistência frente aos mesmos por meio
25
Ibidem, p.95.
26
Ibidem, p.45.
27
Ibidem, p.69.
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Conclusão
Referências bibliográficas
28
Ibidem, p.127.
35
Theodor Adorno: uma crítica à indústria cultural
FREITAS, Verlaine. Adorno e a arte contemporânea. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008.
KANT, Imannuel. Que é “Esclarecimento?”. In: Textos Seletos. 4 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2008.
MAAR, Wolfgang Leo. À guisa de introdução: Adorno e a experiência formativa. In:
ADORNO, Theodor .W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
ORTIZ, Renato. A escola de Frankfurt e a questão da cultura. In: Revista Brasileira de
Ciências Sociais, vol. 1, nº 1, São Paulo: jun./1986, p. 43-65.
ZUIN, Antonio Álvaro Soares. Indústria Cultural e Educação: o novo canto da
sereia.Campinas: Autores Associados, 1999.
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