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EDUCAÇÃO PSICOMOTORA

PROF. ELVIO MARCOS BOATO

Neste estudo, Psicomotricidade será entendida como uma ciência que tem por objeto de estudo o
homem, por meio do seu corpo em movimento nas relações com seu mundo externo e interno (Sociedade
Brasileira de Psicomotricidade).
“A Psicomotricidade busca trabalhar a noção de “SER NO MUNDO”, abordagem global que não
se limita a analisar sintomas, mas atuar sobre a personalidade do indivíduo, sobre sua UNIDADE”
(DUARTE, 1992 p.79), tendo por base de sustentação teórica ciências como a Psicologia, Psicanálise,
Pedagogia, Antropologia, Filosofia, Sociologia, entre outras áreas do conhecimento que dizem respeito ao
ser humano.
A Psicomotricidade atua em três campos de trabalho:

1) REEDUCAÇÃO PSICOMOTORA - insere-se numa estratégia de ajuda onde, por meio de jogos
e exercícios psicomotores, procura corrigir as alterações existentes no desenvolvimento psicomotor, tais
como: dispraxia, distúrbio da postura, equilíbrio, coordenação, debilidade motora etc.
2) TERAPIA PSICOMOTORA - “refere-se, particularmente, a todos os casos problemas, nos quais
a dimensão afetiva ou relacional parece dominante na instalação inicial do transtorno” (LE BOULCH).
Utilizada de forma global, engloba também a educação e a reeducação.

3) EDUCAÇÃO PSICOMOTORA
Nos três campos de atuação, a Psicomotricidade busca a unificação do corpo para uma melhor
integração do indivíduo consigo, com os outros e com o mundo.
Porém, a Terapia e a Reeducação Psicomotora ficam reservadas aos profissionais com formação
específica para exercer tais funções, não sendo, portanto, objeto de análise neste trabalho. Por abordarmos
a Psicomotricidade no contexto educacional, nos ateremos às contribuições da Educação Psicomotora,
considerada por LE BOULCH (Citado por NEGRINE, 1987 p.13) como:

“Uma formação de base indispensável a toda criança quer seja normal ou com problemas, que
responde a uma dupla finalidade: assegurar o desenvolvimento funcional tendo em conta
possibilidades da criança e ajudar sua afetividade a expandir-se e a equilibrar-se por meio do
intercâmbio com o ambiente humano.”

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Essa formação segue no sentido de uma autonomia do indivíduo, por meio do conhecimento e
aceitação de si e de sua inserção na sociedade.
Inicialmente a Psicomotricidade desconsidera a dicotomia “o homem e o seu corpo”, considerando
que “o homem é o seu corpo”. Esse homem, para se desenvolver, depende de suas relações com os outros e
com o meio e para compreendê-lo é necessário compreender essas relações, pois é nelas que o ser se
descobre e desenvolve sua personalidade.
Dentro desse enfoque, este trabalho não colocará separações entre as atividades psíquicas, físicas e
relacionais, por considerarmos que toda e qualquer experiência vivida leva ao crescimento do indivíduo
como um todo, contribuindo na sua ação e relação com o meio em que vive. Concordamos aqui com
SANTIM (1987, p.25) quando ele afirma que “deve-se, talvez, pensar com mais acerto, pensando o homem
global, como um todo unitário, assim toda educação é educação do homem, não apenas de uma parte do
homem.”
Devemos nos lembrar dos ensinamentos de AUCOUTURIER (1986 p.76) que diz que uma zona do
cérebro não pode funcionar de modo autônomo, separada do resto do organismo. A ação educativa não
atinge sua eficácia máxima, se não colocar em jogo todo o conjunto do aparelho neurológico, incluindo-se
aí os centros motores, de integração emocional e de regulação tônica.
Dividir a criança em partes significa matar suas plenas possibilidades de desenvolvimento mas, a
escola tradicional vem tratando o indivíduo de forma dicotômica. A criança trabalha o intelecto em sala de
aula e a Educação Física trabalha o físico em horários separados, visando a realização de movimentos
rígidos e preestabelecidos, que não dão oportunidade de livre expressão.
Acreditamos ser improvável o desenvolvimento global do indivíduo sem se desenvolver o seu
comportamento motor. Assim sendo, a educação deve considerar o movimento e o desenvolvimento
psicomotor como partes integrantes do desenvolvimento intelectual e a Educação Física deve permitir a
espontaneidade e a liberdade do movimento e não o seu condicionamento e especialização.
LE BOULCH (1992, p.30) afirma que a falta de espontaneidade e de naturalidade na execução de
exercícios leva a um excesso de intervenção do córtex motor diminuindo a resposta e desorganizando sua
ritmicidade. Esse excesso e a intelectualização do movimento levam a um excesso de detalhes na execução,
tornando o indivíduo inábil no aspecto motor. Por outro lado, a espontaneidade na resposta motora permite
que o córtex se libere de detalhes e cumpra sua função específica de controle do movimento.
Para LE BOULCH a Educação Psicomotora deve ser um caminho que promova a regulação do
indivíduo e seu meio, permitindo o “jogo da adaptação” por meio de dois processos: a assimilação que é a
integração do exterior às estruturas próprias do sujeito e a acomodação que é a transformação das estruturas

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próprias em função do meio. O aspecto que toma a acomodação logo após a resposta dada à solicitação do
meio é chamada de ajustamento.
Cada vez que é criado um esquema de coordenação em função de um ajustamento frente a uma
nova experiência motora ele é fixado na estrutura nervosa. Esse esquema é modificado cada vez que novas
experiências são vivenciadas e a conduta motora torna-se indefinida e é liberada à imaginação.
Essa plasticidade é um dos aspectos mais importantes da motricidade humana e é contrária à
especialização de movimentos, à sua rigidez e esteriotipação e a educação deve trabalhar no sentido de
aprimorar a função de ajustamento de quem depende essa plasticidade.
A Educação Psicomotora busca o ajuste dessa plasticidade e, para tanto, considera alguns aspectos
importantes:
- Toda intervenção educativa deve dirigir-se à pessoa global, sem fragmentá-la ou dividi-la em
partes.
- A criança deve viver ela própria suas experiências. É por meio do vivenciar que ela adquire novas
idéias e sentimentos e não pelo ouvir experiências de outros.
- Devem ser levados em conta a experiência já vivida pela criança e seus conhecimentos anteriores.
- Na prática psicomotora deve-se privilegiar o processo e os meios utilizados pela criança para
resolver um problema e os ajustamentos realizados nesse processo e não apenas o resultado final.
- Todo trabalho deve ser realizado num clima agradável que privilegie a afetividade e a qualidade
das relações que incidem diretamente no desenvolvimento funcional.
- O desenvolvimento humano deve ser conhecido e respeitado.
- Os trabalhos a serem realizados devem ser escolhidos conforme as necessidades do indivíduo,
considerando sua maturação e possibilidade de compreensão e não devem ser impostos.
- O ato educativo deve levar em conta as necessidades do indivíduo e trabalhar buscando atender a
essas necessidades.
Não se trata aqui de desprezar outros aspectos que não sejam o desejo da criança. A ação
pedagógica excessivamente diretiva bloqueia o desenvolvimento e torna o indivíduo dependente e não
autêntico e, portanto, a função do professor é a de proporcionar condições para experiências que levem em
conta o interesse da criança, mantendo-a sempre interessada e imaginativa. A educação, embasada nas
necessidades da criança, deve desencadear modificações de atitudes, idéias e sentimentos.

“A Educação deve ser criadora de novas necessidades indispensáveis para a adaptação ao meio,
especialmente ao meio social, um dos problemas essenciais do desenvolvimento da
personalidade” (LE BOULCH, 1983 p.18).

Texto extraído do livro:


Boato, Elvio Marcos: Introdução à educação psicomotora: a vez e a voz do corpo na escola. Brasília: Hidelbrando
Editor e Autores Associados, 2006.

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ELEMENTOS PSICOMOTORES

PROF. ELVIO MARCOS BOATO

 COORDENAÇÃO DINÂMICA GERAL (COORDENAÇÃO MOTORA)

É a colocação em ação simultânea de grupos musculares diferentes, com vistas à execução de movimentos amplos e
voluntários mais ou menos complexos.
A Coordenação Dinâmica Geral implica no envolvimento das diversas partes corporais (tronco, braços, pernas) agindo
coordenadamente num tempo e num espaço durante a execução de uma tarefa. Podemos visualizá-la facilmente nas crianças,
quando elas estão brincando livremente, correndo, pulando ou subindo em árvores.
DEFONTAINE, citado por NEGRINE (1987 p.42), diz que a coordenação motora é a “união de movimentos harmônicos,
que supõem a integridade e a maturação do sistema nervoso”. Esta afirmação enfatiza um aspecto importante no estudo da
coordenação motora, pois mostra como a maturação do sistema nervoso influencia diretamente o desenvolvimento das funções
psicomotoras. Compreender a relação da coordenação motora com o desenvolvimento do Esquema Corporal se torna
fundamental para o bom andamento do processo ensino-aprendizagem, pois o grau de complexidade das tarefas planejadas
deve estar condizente com o nível de maturação das crianças. Por exemplo: uma criança de três anos não apresenta
maturidade para aprender a técnica de um nado como o “nado costas”, nem executar movimentos refinados e de grande
precisão com as mãos.
LE BOULCH (1983, p.65) afirma que os exercícios de Coordenação Global “consistem em colocar a criança em
situação de busca diante de uma tarefa global para encontrar um modo-resposta por meio de ajustamentos progressivos,
permitindo assim a descoberta de uma nova praxia” (sistema de movimentos coordenados em função de um objetivo a ser
atingido).
A referência à progressividade no ajustamento a uma nova situação permite-nos afirmar que não existe pessoa
“descoordenada” para essa ou aquela atividade. A falta de experiências motoras anteriores e de esquemas formados para uma
atividade leva o indivíduo a não conseguir realizar com precisão uma determinada tarefa. Muitas pessoas são taxadas de
“descoordenadas” quando na realidade são as atividades propostas que não condizem com sua maturidade motora e com os
esquemas formados.
O professor deve estar atento ao desenvolvimento do indivíduo, propondo a ele experiências possíveis e que
progressivamente vão aumentando a complexidade, sempre levando em conta as aquisições anteriores como ponto de partida
para novas experiências.
O trabalho de coordenação global deve começar com jogos livres e atividades de livre expressão que permitem,
segundo LE BOULCH (1983, p.65), que a experiência vivida do corpo em confronto com o objeto, propicie o esboço da “primeira
maqueta” do esquema corporal, garantindo a destreza global do corpo em relação com o seu meio de comportamento.
Na etapa do corpo vivido é o meio quem fornece à criança material para exploração de movimentos. Até os quatro anos
de idade, aproximadamente, nas experiências motoras, só o objetivo da criança é consciente. A programação dos movimentos
para realizar uma tarefa acontece no decorrer das repetições dos mesmos.
Aos poucos a criança vai sendo capaz de utilizar um sistema interiorizado e parcialmente consciente e o seu processo
de busca para resolver os problemas a ela apresentados é mais importante que o produto final da experiência. Em outras
palavras, quando pedimos a uma criança para que ela arremesse uma bola de maneira diferente e desconhecida para ela, é
mais importante o processo de descoberta desse arremesso e os ajustamentos que ela faz para consegui-lo do que o próprio
arremesso.
Por volta dos seis anos quando já há uma interiorização da imagem do corpo, a imaginação da criança já lhe permite
criar sozinha suas experiências com liberdade de expressão e essa liberdade juntamente com a quantidade de movimentos e
experiências favorece a aquisição de novos esquemas.
A partir dos oito anos, aproximadamente, a criança já considera detalhes e a fase de movimentos experimentais dá
lugar a uma vivência mais pensada, mais elaborada.
Aqui é importante frisar que durante todo processo de aquisição da coordenação global o professor deve dar liberdade
à criança diante de situações problemas, permitindo que ela encontre soluções por meio da sua própria vivência, sem
estabelecer modelos que visam apressar a aprendizagem.
Os objetivos devem estar definidos e as crianças devem ser motivadas com problemas que aumentam a dificuldade
gradativamente para que elas não percam o interesse. O erro deve ser considerado como uma tentativa de acerto e como sendo
de grande importância no processo de aquisição de esquemas. Não se deve permitir que a criança se prenda a uma
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determinada atividade evitando o confronto com problemas. O professor deve propor várias situações buscando ajustamentos
diversos do corpo com ele mesmo e com o meio, pois nesse processo se estabelecem, de maneira consciente e inconsciente,
associações das novas proposições com a experiência pessoal do indivíduo.
O professor que coloca um obstáculo para que uma criança o transponha e antes de dá-la oportunidade de tentar,
demonstra a maneira correta de fazê-lo, leva a criança a copiar o modelo e travar em si novas e originais formas de resolver
esse problema.

“É por meio de sua própria prática e de sua própria exploração que o sujeito compreende a situação nova e aprende a tratar as
informações que resultam, e não por referência à experiência do professor que, em função disso, deve permanecer à parte”.
(LE BOULCH, 1983, p. 66)

 COORDENAÇÃO VISO-MOTORA

Coordenação Viso-motora é a “capacidade de coordenar a visão com os movimentos do corpo todo ou de partes. Influi
na realização dos movimentos necessários ao andar, correr, arremessar, chegando até aos mais refinados como cortar, bordar,
desenhar e escrever” (HURTADO, 1991, p. 33).
Segundo COSTALT, Citado por NEGRINE (1987, p.29), a coordenação viso-motora é um tipo de coordenação que se
dá em um movimento corporal, que responde a um estímulo visual e se ajusta positivamente a ele.
A importância da visão é inquestionável visto que, por meio dela, o indivíduo recebe as informações do ambiente com
mais precisão e elabora melhor sua expressão sendo, segundo HURTADO (1991, p. 33), “determinante primário da localização
espacial e das respostas dirigidas, precisas”.
Quando se trabalha essa função nas aulas, é fundamental que a criança tenha a oportunidade de vivenciar
possibilidades de movimentos que permitam o desenvolvimento da coordenação óculo-manual (ex. arremessar objetos em
alvos, receber objetos arremessados em sua direção) e olhos-pé (ex. chutar uma bola em direção ao gol, caminhar numa pista
de obstáculos) e outras possibilidades de movimentos além da utilização apenas das mãos e dos pés. Por exemplo: questionar
as crianças sobre como elas poderiam conduzir ou rebater objetos para um determinado alvo sem a utilização dos pés e das
mãos.

 MOTRICIDADE FINA

É o trabalho ordenado de grupos musculares para executar tarefas que exijam precisão e refinamento na sua
realização.
Os trabalhos realizados com as mãos vão auxiliar diretamente no desenvolvimento do grafismo, mas eles não devem se
iniciar com exercícios de grande precisão. Exercícios que envolvam habilidades como pegar, arremessar, quadrupediar e trepar
vão auxiliar no desenvolvimento da tonicidade da musculatura e vem preceder os pequenos movimentos.
Com relação à dominância lateral, é necessário enfatizar que ela se estabelece naturalmente, sem necessidade de
pressão sobre a criança e, mesmo quando ela está estabelecida, é importante permitir que a criança trabalhe os dois lados do
corpo.
O grafismo tem grande importância no desenvolvimento dessa função porque, além de auxiliar na
aprendizagem da escrita, também auxilia na relação do indivíduo com o ambiente, pois ele pode representar sua
visão da realidade e por meio disso transformá-la.

“A representação torna possíveis novas relações entre os objetos e o homem. Ausentes, ela os torna presentes ao espírito;
presentes ou ausentes, ela possibilita outras relações além da experiência rude individual”. (LE BOULCH, 1992, p.32)

Porém, o interesse da criança em fazer traços e representar graficamente seu pensamento é anterior ao uso
de materiais convencionais próprios para o grafismo como lápis, caneta, lápis de cor etc. Ela se utiliza das próprias
mãos, dos pés ou de qualquer objeto que encontra para riscar paredes, o chão, a areia.

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Com o desenvolvimento da preensão esses traços vão se refinando sendo que, para LE BOULCH (1992, p.
90), “no começo, a dificuldade de expressão gráfica predomina mais na área motora do que na área perceptiva,
parecendo que a intenção é traída pela execução”.
Daí a importância de não apressar a criança e de não julgá-la quando ela ainda não consegue se expressar com
precisão. É comum uma criança,quando apresenta um desenho sem formas precisas, dar longas explicações sobre o que quis
expressar no seu desenho.
Também não se deve exigir que a criança tenha precisão no preenchimento de linhas pontilhadas no caderno
ou no colorir objetos desenhados. É normal que ela não consiga executar movimentos tão exatos. Antes dessas
tarefas, que exigem um alto grau de precisão e concentração, alguns exercícios simples podem ser feitos por crianças
de 2-3-4 anos e vão ajudá-las no desenvolvimento da motricidade fina das mãos: lavar as próprias mãos, vestir a
roupa, calçar e amarrar os sapatos, abotoar camisas, gestos relativos à alimentação etc.
Mas, um erro que freqüentemente ocorre quando se trabalha a motricidade fina é o de se utilizar apenas as mãos nesse
trabalho quando tantos outros grupos musculares que têm a função de executar movimentos refinados, como os dos pés e do
rosto, devem ser trabalhados.
Reservamos aos pés sempre um papel muito bruto de marcha e sustentação do corpo. Os trabalhos realizados com
eles sempre visam esses aspectos, nos esquecendo que os pés também são áreas sensíveis que podem contribuir no
desenvolvimento da concentração e da percepção mais apurada na criança.
Com os pés, a criança pode executar vários exercícios como rasgar papéis, empurrar pequenas bolas, desenhar na
areia, desenhar em papéis prendendo um lápis entre os dedos e tantos outros movimentos refinados.
Com relação ao rosto, podemos trabalhar as expressões faciais que vão auxiliar e facilitar a comunicação do indivíduo
com os outros. Muitos trabalhos podem ser feitos como, por exemplo: fazer e imitar caretas, criar formas com a boca, exercitar o
piscar de olhos por meio de brincadeiras etc.

 ESTRUTURAÇÃO ESPAÇO-TEMPO

Não há como dissociar o tempo do espaço. O tempo está intrinsecamente associado ao espaço, pois as ações
acontecem num determinado tempo e num determinado espaço.
A percepção do tempo é mais complexa do que a do espaço e aparece mais tardiamente na criança, na medida em que
ela vai vivenciando experiências concretas com seu meio circundante. A partir dessas experiências ela vai adquirindo certas
noções, tais como: a sucessão dos acontecimentos (antes/durante/depois); a duração dos intervalos (tempo longo/tempo curto);
noção de cadência rápida e cadência lenta; noções de ritmo regular e irregular.
LE BOULCH (1983, p.207) alerta que antes de chegar ao nível de se trabalhar a Estruturação Espacial (por volta dos
7/8 anos), é preciso que questões relativas à orientação espacial (fase que precede a estruturação espacial) estejam
inteiramente dominadas e que não apresentem mais problemas no nível vivido.
Segundo COSTE (1992 p.52), a estruturação da organização espacial e da organização temporal, permite ao indivíduo
não só concatenar e sequenciar os gestos, localizar seu corpo e partes no espaço, coordenar e organizar suas atividades, mas é
também de suma importância para a adaptação do indivíduo ao meio. Quando se trabalha essa função psicomotora, deve-se
procurar evidenciar as noções descritas acima, por meio da própria vivência concreta das crianças durante as atividades.
Seguindo as fases da organização espacial, primeiramente a criança se move num espaço sem formas e dimensões e
se orienta em função de suas necessidades (até 3 anos aproximadamente).
Após essa fase ela passa por uma progressiva organização de relações espaciais interiorizadas. O corpo, parado ou
em movimento, é um fator essencial de orientação e localização e é importante trabalhar com vivências que facilitem a
compreensão de conceitos como alto-baixo, perto-longe, em cima/embaixo, frente-atrás, dentro-fora, sobre-sob.
Por volta dos 7/8 anos a criança já recorre a pessoas e objetos como pontos de referência para centrar seu espaço de
ação (mesmo momento em que consegue descentralizar os conceitos direita-esquerda) e aí começa a fase de estruturação
espaço-temporal.
R. MUCCHIELLI, citado por LE BOULCH (1983 p.208), afirma “serem dois os níveis de relação espacial: o nível da
experiência vivida, que se traduz em uma adequada orientação espaço-temporal e o nível da “estruturação espaço-temporal”,
que implica submeter os dados fornecidos pela experiência vivida à análise intelectual. A estruturação do espaço-tempo
representa o resultado de um esforço suplementar que implica a análise intelectual de dados imediatos da orientação.”

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Ao chegar nessa fase, a criança deverá ser capaz de associar os conceitos direita e esquerda aos lados do seu corpo;
estar apta a reproduzir mentalmente seu corpo de acordo com os três eixos: alto-baixo, frente-atrás, direita-esquerda; ter seu
corpo como referência para estruturar o espaço exterior e também escolher outros pontos de referência fora do corpo. Para isso,
a criança deverá ter uma experiência vivida bem dominada no tempo e no espaço, ter uma dominância lateral bem estruturada,
e alcançado um bom nível de estruturação do esquema corporal. Para tanto, deve-se elaborar atividades que envolvam muita
experiência corporal com e sem material e procurar relacionar os conceitos com as situações vividas.
Não se pode esquecer que a aprendizagem da escrita depende desses conhecimentos e que é um bom conhecimento
do corpo que leva a criança a escrever bem. Como exemplo podemos citar as letras “d” “b” “q” “p”. Para a criança que se
encontra na fase da “experiência vivida” são todas iguais: um pauzinho com uma bolinha na ponta. O mesmo acontece com “E”
“M” “W” “”. Todas são “Minhoquinhas”. O que muda nesses dois casos é a posição da bolinha no pauzinho e a direção das
duas barriguinhas da minhoquinha. Se a criança reconhece, eu seu próprio corpo, os conceitos de direita e esquerda, em cima e
embaixo, à frente e atrás, conseguirá, conseqüentemente, compreender com mais facilidade a diferença que existe entre estas
letras.
Da mesma forma, esses conhecimentos, juntamente com o trabalho corporal realizado no sentido de desenvolvê-los,
contribuirá para que a criança consiga ter mais facilidades com relação à folha do caderno, compreendendo que deve começar a
escrever à esquerda, indo em direção à direita e, ao final da linha, voltar para a esquerda só que na linha abaixo. Da mesma
forma terá facilidade de se manter na linha do caderno.
Mas, para que isso aconteça, sem querer apressar o processo de refinamento dos movimentos, devem ser
apresentadas às crianças as mais variadas atividades onde ela tenha condições de colocar o corpo em ação, experimentando as
mais diversas experiências. Nesse sentido, o espaço deve ser organizado de forma que a criança tenha oportunidade de subir,
descer, rodear, pular, desviar, arrastar, arrastar-se, empurrar, percorrendo pistas com os mais variados obstáculos, jogando
amarelinha etc.

 LATERALIDADE

Por meio da plena vivência das potencialidades dos dois lados do corpo, estabelece-se na criança a dominância de um
dos lados em relação ao outro. Inclui-se a esta dominância também os sentidos. Quando se pede para uma criança olhar
através de uma câmara fotográfica ou de um buraco de fechadura e ela sempre olha repetidas vezes com o mesmo olho (direito,
por exemplo), possivelmente este é o olho dominante.

“Não devemos confundir lateralidade (dominância de um lado em relação ao outro) e conhecimento


direita/esquerda (dominância dos conceitos “direita” e “esquerda”). O conhecimento direita/esquerda decorre da
noção de dominância lateral. É a generalização da percepção do eixo corporal a tudo que cerca a criança; esse
conhecimento será mais facilmente aprendido quanto mais acentuada e homogênea for a lateralidade da criança”.
(DE MEUR e STAES, 1984 p.12)

A dominância lateral se define ao longo do crescimento e está condicionada a fatores genéticos além de receber a
influência de hábitos sociais.
A definição da dominância lateral começa por volta dos 2 anos de idade, mas a diferenciação direita-esquerda, que
decorre da assimetria direita-esquerda, e constitui uma primeira etapa na orientação espacial, é precedida pela distinção à
frente-atrás, e contemporânea da conscientização do eixo do corpo (6 anos) (COSTE, 1992 p.60).
É comum se encontrar nas turmas de 1as. e 2as. séries (7/8 anos) crianças que confundem os termos “direita” e
“esquerda”. Isso acontece, provavelmente, pelo fato de terem tido acesso aos conceitos direita e esquerda antes mesmo de
terem vivenciado corporalmente na plenitude a definição da dominância lateral.
Isso se dá, também, pelo fato de haver uma discordância entre o que BERGÈS, citado por LE BOULCH (1992 p. 92),
chama de lateralidade espontânea que vem da tradução do potencial genético, e lateralidade de utilização. Quando a educação
é autoritária e não permite que a criança tome suas próprias decisões ou iniciativas, essa discordância poderá se acentuar visto
que a estabilização da lateralidade se dá por volta dos 6 aos 8 anos.
Fato importante a ser observado é que, muitas vezes, devido ao preconceito, pessoas canhotas são obrigadas pelos
pais e professores, a aprender a escrever com a mão direita. Durante muito tempo isso foi fato comum, sendo que sempre se
têm exemplos de pessoas que, em função desse preconceito e dessa imposição, escrevem na frente das pessoas com a mão
direita e, quando estão sozinhas, com a mão esquerda.

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Ora, isso nos permite afirmar que o fato de haver um lado do corpo dominante, não significa que o outro lado não seja
capaz de executar tarefas mais refinadas e, portanto, que é importante e necessário se estimular os dois lados do corpo nas
atividades propostas para as crianças. Isso não quer dizer que os professores deverão ensinar as crianças a escrever com as
duas mãos, mas que, estimulando os dois lados do corpo, ambos serão capazes de realizar tarefas mais ou menos complexas,
permitindo um melhor desenvolvimento da criança e, conseqüentemente, um melhor relacionamento desta com o próprio corpo
e com o meio.
Por isso, nas atividades desenvolvidas deve-se dar ênfase, inicialmente, à intensidade do trabalho dos dois lados do
corpo sem se associar os termos “direita” e “esquerda”. Depois de explorar o próprio corpo, deve-se associar os conceitos e
buscar outras referências fora do mesmo.
A partir dos 7 anos a criança já consegue descentralizar os conceitos direita-esquerda e projetá-los em outros, mas só
por volta de 9-10 anos essa descentralização é completa. A criança passa então a dominar os conceitos em relação a ela
mesma e a outros independente de sua situação.

 EQUILÍBRIO

Segundo o Dicionário de Psicomotricidade, o equilíbrio se constitui pela “habilidade da criança de manter o


controle do corpo, utilizando ambos os lados simultaneamente, um lado só, ou ambos alternadamente. O equilíbrio se
mantém pela interação de certo número de estruturas neurofisiológicas, sentidos e vias como a visão, a excitação
labiríntica e vestibular dos reflexos do pescoço, as sensações táteis e proprioceptivas” (HURTADO, 1991, p.50)
Além de conhecer os mecanismos anátomo-fisiológicos responsáveis pela função de equilíbrio, deve-se estar atento
também a aspectos psicológicos que afetam a criança durante a execução de determinados exercícios. Reações de medo e
insegurança são geralmente manifestadas pelas crianças durante atividades que envolvem vivências de equilíbrio e, portanto,
deve-se estar atento com respeito às variantes que interferem na execução do movimento corporal humano. (ver elemento
“Tônus da Postura”).
É importante frisar que, para haver equilíbrio, é necessário que haja um desequilíbrio anterior, diante do qual a criança é
confrontada. Porém, esses desequilíbrios, que devem ser constantes no processo educacional, devem aparecer na mesma
proporção da capacidade da criança de resolvê-los sem excessiva desestruturação. Inicialmente, o professor deve conquistar a
confiança da criança e, a partir daí, propor tais desequilíbrios.
Porém, muitos acreditam que o equilíbrio passa apenas pelo trabalho de andar sobre uma corda bamba, ou andar de
bicicleta, ou atividades afins. No entanto, a idéia de equilíbrio atinge também a vida cotidiana. Um indivíduo equilibrado não é só
aquele que anda na corda bamba, mas aquele que consegue equilibrar-se diante de situações adversas ou contrárias, distinguir
e refletir sobre o que é certo ou errado e optar mais tranqüilamente por sua melhor maneira de viver. Situações adversas
também significam uma força externa que desequilibra o indivíduo e, portanto, torná-lo equilibrado é também dar-lhe condições
de escolher seu caminho.
Nesse ponto é importante que o professor permita à criança discutir seus desejos e anseios, escolher entre as opções
apresentadas por ele e apresentar suas próprias opções e também de ser confrontada com problemas e obstáculos e procurar,
com suas próprias armas, soluções.

 RITMO

O ritmo é um fenômeno espontâneo. Os bebês já produzem alternância regular de sons e gestos ainda no
berço. Quando se pede a uma criança do maternal (2-3 anos) para que ela execute uma determinada ação como
bater palmas, saltitar, correr, percebe-se que ela a executa espontaneamente, de maneira própria.
O ritmo também é individual. Cada pessoa traz consigo um ritmo próprio que começa pelos ritmos internos (respiração,
batimentos cardíacos).
Porém, apesar de espontâneos os ritmos precisam ser organizados, pois são parte efetiva do desenvolvimento
psicomotor da criança. Ela organiza seus ritmos aos poucos, por meio de experiências sucessivas, na exploração de suas
possibilidades.
Quando se fala nessa organização, não se quer dizer que se trata de ensinar o ritmo à criança, mas, segundo
LAPIERRE (1985 p.180), de favorecer sua aptidão natural para criar ritmos, para adaptar-se aos ritmos. Só num segundo
momento, partindo de ritmos espontâneos, é que se pode levar a criança a tomar consciência das estruturas rítmicas.
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A espontaneidade e naturalidade dos gestos infantis devem permanecer livres, não devendo ser tolhidas muito cedo.
Um erro clássico no trabalho de ritmos nas escolas é utilizar somente a dança como forma de expressão rítmica, principalmente
com gestos e movimentos pré-estabelecidos para serem decorados e executados pelas crianças. A dança faz parte do trabalho
rítmico, mas não é sua única forma de expressão e quando usada como meio para se trabalhar o ritmo deve dar liberdade de
movimentos às crianças.
Quando se trabalha o ritmo, deve ser dada à criança a oportunidade de criar diversas formas rítmicas, usando
inicialmente seu próprio corpo como instrumento. Mas não se trata aqui de apenas criar sons ritmados com o corpo por meio de
palmas, batimentos de pés no chão ou criação de sons com o choque de partes do corpo entre si. Essas formas também devem
ser usadas, mas deve-se explorar ainda movimentos de locomoção como andar, correr, saltitar, rolar, nas mais variadas formas
e possibilidades.
Depois de explorar várias formas com o próprio corpo, respeitando o ritmo próprio, oportunizar a exploração de
materiais. Um exemplo é a utilização de bolas no trabalho. Por meio de dribles e arremessos, pode-se trabalhar várias formas
rítmicas.
Somente após esse trabalho de organização do ritmo interno e pessoal, deve-se começar a adaptá-lo a ritmos externos.
Existem vários modos de realizar essa adaptação de forma espontânea como, por exemplo, quando distribuímos objetos
(qualquer objeto) às crianças de um grupo e pedimos que elas produzam sons sem um referencial rítmico preestabelecido. Cada
criança vai produzir seu som que terá um ritmo próprio e espontâneo. Podemos incentivá-las a copiar sons produzidos pelos
amigos ou mesmo pelo próprio professor. Aos poucos podemos levá-las a fazer um mesmo som, todas juntas. Esse som (ou
sons) podem ser acompanhados de gestos e movimentos que se encaixem ao ritmo que está sendo proposto.
As próprias crianças vão se adaptando ao ritmo do grupo e criando os movimentos que podem atingir um sem número
de possibilidades de experiências psicomotoras e rítmicas.
Nesse ponto não podemos nos esquecer que existem, conforme afirma LAPIERRE (1985, p.191), dois aspectos
diferentes nos ritmos corporais e musicais: o aspecto analítico, racional e o aspecto afetivo, emocional.
O segundo aspecto provoca sentimentos, emoções, e está relacionado à afetividade e não pode ser negligenciado. É
ele quem conduz à expressão corporal. Existem ritmos alegres, tristes, excitantes, calmantes etc., que provocam reações
afetivas nas crianças, reações que devem ser expressas livremente, pois partem de gestos naturais e espontâneos.
Observando esses dois aspectos pode-se perceber que o trabalho de ritmo pode ter uma abrangência muito maior que
a observada a olhos nus. Pois senão vejamos:
Como já foi visto, o ritmo é natural e espontâneo e expressa também sentimentos e emoções. Ele é individual, mas
também é coletivo (a escola busca esta coletividade). Adaptar-se ao ritmo coletivo traz a satisfação de pertencer a um grupo e
comunicar-se com ele, mas também pode significar estar submisso às suas vontades.
O educador deve estar atento a esta dialética, pois se é importante a adaptação do indivíduo a um ritmo comum, não se
pode permitir que essa necessidade impeça o mesmo de se expressar espontaneamente, de ter sua própria personalidade, de
exprimir seus desejos, suas vontades, e o torne um ser mecânico, submisso, passivo, em função de sua adaptação social.

“Deixar que um ritmo espontâneo se organize, fazê-lo evoluir, se preciso em grupo, depois simbolizá-lo, generalizá-
lo, analisá-lo por outros meios de expressão: descobrir, a partir daí, outros ritmos, vivê-los por sua vez,
individualmente, coletivamente, exprimi-los de diferentes maneiras, evocar seu vocabulário próprio, recorrer à
mímica etc.” (LAPIERRE, 1985 p.216)

 TÔNUS DA POSTURA

“A atividade fundamental primitiva e permanente do músculo é a contração tônica que constitui o alicerce das
atividades motoras e posturais, fixando a atitude, preparando o movimento, sustentando o gesto, mantendo a
estática e o equilíbrio”. (LE BOULCH, 1992 p.163)

O Tônus muscular é o suporte de todo movimento humano, e é constituído por duas instâncias inseparáveis: a função
tônica e a função de motilidade. A função tônica é responsável pelo equilíbrio do corpo e pelas atitudes que embasam a ação
corporal e a função de motilidade é responsável pelos movimentos, pela relação com o mundo e é ela quem permite à criança
todo o conhecimento.
Estas duas funções estão estreitamente interligadas, sendo que a função de motilidade só atua se a função tônica
permitir e, portanto, são interdependentes.

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Em todo movimento voluntário existe uma contração tônica que garante a postura necessária para sua execução
(função de motilidade). A esta contração se sobrepõe uma contração fásica que deve ser de curta duração e bem precisa
(função tônica).
As crianças da pré-escola, ou mesmo na idade escolar conseguem controlar suas contrações para vivências motoras
conhecidas, mas quando uma atividade desconhecida lhe é apresentada, as contrações fásicas se tornam difusas e a criança
pode se sentir com medo, tímida, confusa, impulsiva. Ela precisa controlar essas irradiações tônicas para conseguir um domínio
corporal diante do novo e desconhecido, ou seja, para crescer e se desenvolver.
O tônus expressa as emoções, estando diretamente ligado a elas, ou seja, por meio do tônus as emoções se
manifestam e daí a importância de uma relação honesta e sincera dentro das atividades psicomotoras, para que haja assim
melhores condições de aprendizagem e crescimento. Um indivíduo bem estimulado e que viva num ambiente proporcionador de
satisfação e prazer, certamente terá melhores condições de se expressar corporalmente que outro indivíduo que trabalhe e viva
num ambiente tenso e autoritário. Este segundo dificilmente terá condições de se expressar e viver intensamente, estando
sempre dependente do desejo dos outros.

“O que mais freqüentemente bloqueia a evolução da criança é a sua dependência, consciente ou inconsciente do
desejo do adulto: dependência passiva (submissão) ou dependência agressiva (oposição). Quando a criança
reencontra a dinâmica de seu próprio desejo sua evolução é muito rápida”. (AUCOUTURIE e LAPIERRE, 1986,
p.28)

Em resumo, um indivíduo, ao executar um determinado movimento, é influenciado pelas suas emoções no momento da
execução, ou seja, seu sentimento de medo, nervosismo, alegria, tensão ou qualquer outro será informado pela função tônica à
função de motilidade e influenciará diretamente o movimento. Movimentos bloqueados, desenvolvimento emperrado.
Movimentos liberados, vivências facilitadas.

Extraído do livro:

Boato, Elvio Marcos: Introdução à educação psicomotora: a vez e a voz do corpo na escola. Brasília: Hidelbrando Editor e
Autores associados, 2006.

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