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UNIVERSIDAD PONTIFICIA DE SALAMANCA

Facultad de Teología
Sección Teología Pastoral – Instituto Superior de Pastoral

O silêncio e a liturgia

Licínio Manuel FIGUEIREDO CARDOSO


Máster ATP

Pastoral Litúrgica
Lino Emilio DÍEZ VALLADARES

Madrid
2016
Universidad Pontificia de Salamanca - Campus de Madrid - Facultad de Teologia - Sección de Teologia de Pastoral

INTRODUÇÃO
“Para fomentar a participação ativa, promovam-se as aclamações dos fiéis, as
respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as ações, gestos e atitudes
corporais. Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um silêncio sagrado.”
Sacrosanctum Concilium 30

A prática e a atitude de silêncio na liturgia é cada vez mais um desafio quando se


constata que as celebrações estão cada vez mais cheias de palavra e de canto, gerando muito
ruido nem sempre capaz de deixar Deus falar. “A norma estabelecida por SC 30 acerca do
silêncio teve uma ampla ressonância em diversos documentos da reforma litúrgica atual
depois do Vaticano II”1, sobretudo na Instrução Geral do Missal Romano.2

No entanto, “ o silêncio – o calar e escutar – é um dos gestos simbólicos menos


entendidos e praticados da nossa liturgia”3, algo até, em certa medida, em contradição com
ideia de participação ativa na celebração decorrente da reforma litúrgica. A questão de fundo
talvez seja outra: “seremos capazes de fazer silêncio? Isto tem particular sentido na
celebração, onde o escutar e logo meditar no silêncio pode ser um gesto simbólico da nossa
fé interior e da nossa verdadeira participação no que celebramos”.4

O objetivo deste trabalho é falar da natureza do silêncio, da sua relação com a palavra,
da sua relação com Deus e de que como tudo isto se articula e se pratica nas celebrações
litúrgicas, algo que exige sensibilidade, conhecimento, preparação e pedagogia, que é muito
mais do que apenas o cumprimento no disposto nos vários documentos litúrgicos.

1. O SILÊNCIO COMO EXPERIÊNCIA E COMO NECESSIDADE


O silêncio não é necessariamente uma ausência de barulho, de tal modo que o silêncio
absoluto não existe, nem mesmo na natureza. Fazendo a experiência de entrar num espaço
completamente insonorizado, será possível escutar o bater do coração e o ruído da própria
respiração. Por isso se diz que o silêncio é mais uma questão de perceção que de audição.
Podemos medir os decibéis de um ambiente, mas não se pode medir, propriamente falando,
o silêncio.
O silêncio está unido à ideia de calma, de paz, pelo que se distingue normalmente
entre silêncio interior e exterior. Podemos estar num espaço silencioso onde os nossos
pensamentos são um turbilhão que não dá descanso e, inversamente, podemos estar num
ambiente ruidoso e ter a capacidade de criar silêncio interior como disposição pessoal.

1
(Sartore 1987), pág. 1922
2
Aqui vamos considerar a 3ª edição típica da Instrução Geral do Missal Romano, na sua tradução portuguesa,
através da sigla IGMR
3
(Aldizábal 2003), pág.88
4
Ibidem
2
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O silêncio é, também, um ato de comunicação e de relação. Faço silêncio para escutar


o outro. Trata-se algo indispensável para a relação comunicativa: sem silêncio não há escuta,
sem escuta não há conversação.
Há tantos tipos de silêncio como de emoções possíveis: o silêncio pacífico, o de
tristeza, alegria, angústia… Qual a natureza do silêncio?

1.1 A natureza do silêncio5


O que é o silêncio? Todos têm experiência dele. Conhecemos o silêncio que separa,
o silêncio que nega, o silêncio que cria angústia, o que expressa amor. Temos a experiência
de momentos de silêncio que são frisos e outros que gostaríamos eu nunca terminassem pois
são fonte de paz e de serenidade.
Como dizia Heidegger: “Não há pior conversação do que aquela que se baseia em
discorrer ou em escrever sobre o silêncio”. Por outro lado, sente-se com força o desejo de
falar do silêncio para permitir que uma reflexão sobre o silêncio favoreça a recuperação de
uma consciência sobre a sua essencialidade para o homem contemporâneo.
A palavra e o silêncio não podem considerar-se como termos opostos, como se a
presença de um determinasse a exclusão e a fuga do outro; são antes dois aspetos que formam
a linguagem humana como dado constitutivo do ser humano. “O silêncio interior do que sabe
escutar é seio onde germina e brota para o exterior a palavra, se não quer ser vazia”6
A palavra e o silêncio constituem um binómio para a constituição da linguagem
humana e do próprio homem. A palavra chega a encontrar no silêncio o seu Sitz im Lebem
genuíno. O ato mediante o qual a palavra atua, por si mesmo, fim ao silêncio; mas a palavra
pronunciada, quase por encanto, retorna e permanece no silêncio, porque este é o que lhe
confere sentido.
A relação silêncio-palavra remete necessariamente àquele que parece ser o criador
de um e de outra. Parece ser o criador, já que no fundo é precisamente nesta relação com a
linguagem onde cada um descobre tanto o limite de si mesmo como da própria
transcendência. “Ao que sabe calar e fazer silêncio, tudo lhe fala, tudo lhe resulta eloquente.
O mistério faz-se acessível como encontro e como comunhão”7.
No silêncio o homem aguarda a palavra e acolhe-a. O silêncio constitui para o homem
a condição para expressar a sua própria liberdade e para se experimentar como homem livre.
A desvalorização da palavra deve-se à sua condição de facilidade, à sua inflação crescente.
Aqui não é palavra que brota do silêncio mas palavra manipulada, apenas ‘palavras’. “Só
dizem palavras cheias e pode dialogar o que sabe calar e escutar…”8.
“A palavra que brota da palavra, do tecido linguístico, raramente tem a profundidade
ou o grau de reflexão da que nasce do silêncio. É uma palavra epidérmica que se limita a

5
Sigo de perto (Fisichella 2010) com mais algumas notas pessoais.
6
(Aldizábal 2003), pág. 90
7
Ibidem
8
Idem, pág. 90-91
3
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reproduzir o que já foi dito e se formula com outras palavras. É uma palavra que se refere a
outra palavra…O discurso coerente e revelador engendra-se no silêncio, vai-se forjando na
interioridade do indivíduo e, no final, expressa-se publicamente, mas a sua génese é
completamente silente. (…) O silêncio é o prolegómenos da palavra com sentido…”.9

1.2 O silêncio como experiência do sagrado


A primeira grande lição do silêncio é a contemplação. Esta pode enforcar-se em
muitos campos e em muitas direções. Permite a contemplação nítida e transparente do outro,
pois o silêncio ilumina o rosto do outro, também do totalmente Outro.10
É no silêncio que se encontra Deus, que se toma consciência da sua presença. No
relato da criação, a palavra, o logos, surge do silêncio. Deus fala aos profetas e ao seu povo,
mas Ele exprime-se também nos silêncios, como na história de Job. Tal silêncio pode ser
também uma mensagem de desaprovação. O silêncio constitui a paisagem da Bíblia, disse o
teólogo judio A. Neher. Podemos até afirmara que a Bíblia é o livro do silêncio de Deus.11
Na Bíblia, o silêncio é referido como o escondimento de Deus (Is 45, 15) mas designa
igualmente o lugar privilegiado da revelação de Deus12:
11
O Senhor disse-lhe então: «Sai e mantém-te neste monte, na presença do
Senhor; eis que o Senhor vai passar.» Nesse momento, passou diante do Senhor
um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos
diante do Senhor; mas o Senhor não se encontrava no vento. Depois do vento,
tremeu a terra. 12Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo; mas nem no fogo
se encontrava o Senhor. Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa
suave. 13Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada
da caverna. Disse-lhe, então, uma voz: «Que fazes aqui, Elias?» 1Re 19, 11-13

Por ser palavra definitiva do Pai, Jesus teve que poder expressar antes de tudo o seu
silêncio. É um silêncio que se baseia na obediência trinitária, pelo que o elemento silêncio
parece ser o mais autêntico para indicar a sua relação com o Pai: “de madrugada, ainda
escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração.” (Mc 1, 35). 13
No relato da conhecida como parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), o silêncio
daquele para com o seu filho que parte, evoca o silêncio de Deus que respeita a liberdade do
homem, ficando à espera da resposta deste ao seu apelo.
Por isso, na Bíblia contamos também com o silêncio, do homem que foge de Deus
ou não entende o seu mistério, como no relato de Adão e Eva (Gn 3, 8-9), nos amigos de Job
que permanecem sete dias a seu lado sem nada dizerem Jb 2, 11-13), ou o silêncio expectante
de Maria antes o mistério e a vida do seu filho (Lc 2, 19)

9
(Roselló 2002)
10
Cfr. (Roselló 2002)
11
Cfr (Fisichella 2010) pág. 1371
12
Idem, pág. 1372
13
Idem,pág. 1372-1373
4
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1.3 Morfologia do silêncio


O verdadeiro silêncio tem um significado muito mais profundo que a ausência de
som. Aliás, como vimos anteriormente, o silêncio pode ser mais presença que ausência, uma
presença clarificadora. Um pouco de água agitada permite observar a inúmeras partículas
em suspensão, mas quando se deixa de agitar, as mesmas partículas repousam no fundo. É
uma presença mais transparente, invisível, mas presente.
É a partir deste silêncio como transparência que podemos falar do silêncio de escuta,
um silêncio ativo.
Tecnicamente podemos considerar o silêncio segundo três espaços de tempo: o
silêncio que ‘está antes’, o silêncio que ‘está durante’ e o silêncio que ‘está depois’.
O silêncio que ‘está antes’ é o silêncio que prepara uma ocasião solene como liturgia,
uma oração, uma qualquer expressão da palavra, a leitura de um salmo ou do evangelho, o
silêncio de quem espera uma notícia. Este tipo de silêncio compreende-se muito bem: é como
uma espécie de respiração antes de abordar um texto ou uma situação
O silêncio que ‘está depois’ também facilmente se compreende: é uma espécie de
refluxo dos pensamentos que foram agitados pela palavra. O silêncio, aqui, responde à
necessidade de tempo para meditar esses pensamentos. É o silêncio de recolhimento quando
se conhece uma tragédia, uma catástrofe, o falecimento de alguém querido. É a atitude que
vem depois de algo que, pela sua estranheza, grandeza e capacidade de esmagamento do ser,
convida ao silêncio como aceitação, reflexão.
O que é menos evidente é o silêncio que ‘está durante’, que é o silêncio da escuta
total, da escuta de adesão. Durante este tempo, não se faz mais barulho do que o do próprio
ato de pensar. É silêncio que vive os factos, os experiencia e os sabe escutar como ato de
acolhimento e de aceitação.
Na hora de refletirmos sobre o silêncio na liturgia, esta distinção (que não separação
ou exclusão entre os vários ‘tipos de silêncio’) permitirá uma melhor compreensão do
horizonte em que nos movemos.

2. O SILÊNCIO NA LITURGIA
2.1 O silêncio litúrgico
Romano Guardini, ao falar da importância do silêncio na liturgia, descreveu-o assim:
“se alguém me perguntasse onde começa a vida litúrgica eu responderia: com a
aprendizagem do silêncio. Sem ele tudo carece de seriedade e tudo é vão…; este silêncio é
condição primeira de toda a ação sagrada”14
O silêncio na liturgia não é um fim em si mesmo. Ele abre-nos a outras realidades,
abra-nos à escuta do outro, à reflexão sobre si mesmo, ao encontro com Deus na oração. No
silêncio passa-se qualquer coisa de sagrado, mas ele em si mesmo não é sagrado, caso

14
(Guardini 1957)
5
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contrário é apenas a retração ante o mistério do sagrado do qual não ousamos aproximar-nos
ou pronunciar qualquer palavra. O silêncio litúrgico não é outra coisa.
Na liturgia, o silêncio é constituído por breves momentos de silêncio que pontuam a
celebração. Há aqueles que estravam previstos pelo missal, mas podemos imaginar outros.
Isto quer dizer que é preciso celebrar a liturgia com calma, sem precipitações, de rompante,
sem ritmo ou de modo atabalhoado. Deve evitar-se aquela tentação de preencher todos os
momentos como palavra ou com música. O silêncio é indispensável para entrar no espírito
da celebração.
O silêncio na liturgia é uma questão de qualidade e de preparação. A liturgia que está
bem estruturada tem ritmo e mais facilmente tem qualidade. É neste contexto que o silêncio
surge como que a respiração necessária para que todos os elementos celebrativos se
interrelacionem e seja vida. O silêncio confere ritmo à celebração como acontece na música.
Mozart foi o compositor que melhor soube trabalhar este aspeto nas suas composições.
O silêncio na liturgia não é uma questão apenas de gosto ou de inspiração. É também
uma questão de técnica, uma problema de forma. Não de trata de colocar silêncio ao longo
da celebração para a tornar mais lenta, mas sim silêncio que, não tendo que ser em grande
quantidade, conferem sentido e significado ao todo da celebração.
O silêncio pode ser uma das formas mais expressivas da nossa participação na
liturgia. “Quando em Sexta-feira Santa começa o rito com a entrada silenciosa e a prostração
do presidente, sem cântico de entrada nem saudação, esse silêncio converte-se em sinal
eloquente, não de tristeza mas de respeito e homenagem ao mistério celebrado nesse dia, que
não pode superar-se com palavras ou músicas.”15

2.2 Os momentos de silêncio segundo a IGMR


A Instrução Geral do Missal Romano apresenta dezasseis16 entradas para a palavra
‘silêncio’. A mais significativa é esta que agora se transcreve:
Também se deve guardar, nos momentos próprios, o silêncio sagrado, como parte
da celebração. A natureza deste silêncio depende do momento em que ele é
observado no decurso da celebração. Assim, no ato penitencial e a seguir ao
convite à oração, o silêncio destina-se ao recolhimento interior; a seguir às
leituras ou à homilia, é para uma breve meditação sobre o que se ouviu; depois
da Comunhão, favorece a oração interior de louvor e ação de graças. Já antes da
própria celebração é louvável observar o silêncio na igreja, na sacristia, no
vestiário e nos lugares que lhes ficam mais próximos, para que todos se
disponham com devoção e devidamente para celebrar os ritos sagrados. IGMR 45

O missal romano determina três tipos de silêncio: de recolhimento, de meditação e


silêncio de louvor e de oração. Tal não acontece de modo puro para cada um deles, mas
coexistem. Por isso é preferível, também na liturgia, considerar o silêncio que ‘está antes’,
o silêncio que ‘está durante’ e o silêncio que ‘está depois’. Estes silêncios fazem parte das

15
(Aldizábal 2003), pág 91
16
São estes os números da IGMR que abordam o tema do silêncio na celebração:45, 54, 56, 66, 71, 78, 84, 88,
127, 128, 130, 136, 164, 165, 259, 271.
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ações em que se integram e devem ser tratados com o maior cuidado. Articulam-se com o
que está antes e o que vem depois. Estão para facilitar uma melhor participação interior. 17
O silêncio que ‘está antes’ é acima de tudo o silêncio do recolhimento que prepara,
que faz querer e desejar, antes do início da missa, antes de uma leitura ou aquele tempo que
medeia entre o convite de presidente à oração e a oração propriamente dita, ou então como
deveria ser durante a oração universal.18 Talvez seja o silêncio que está mais na mão do
presidente da celebração e das equipas de liturgia poder trabalhar. É um silêncio que se pode
‘trabalhar’ pelo que se faz e não se faz. Basta olhar para aquilo que fazemos antes de iniciar
uma celebração: é tanta a correria de saber se tudo está a postos que a assembleia fica ela
própria contagiada por essa agitação que indispõe ao silêncio.
O silêncio que ‘vem depois’ é sobretudo a meditação daquilo que acabou de ser feito.
É o silêncio que vem após a proclamação das leituras, a homilia ou após a comunhão. Talvez
seja o tipo de silêncio que mais se vai experimentando, nomeadamente após a comunhão.
Pena que este silêncio seja muitas vezes (a maioria) substituído por um cântico; acontece
também que este tipo de silêncio provoca ânsia na assembleia (não educada para o silêncio
e para este momento da celebração), pelo que muitos, ou olham para o relógio ou então pura
e simplesmente saem, pois, como já comungaram, acabou a missa…
O silêncio que ‘está durante’ é o mais difícil de ser vivido, pois trata-se de orar, de
louvar mas também (aqui está o seu aspeto mais relevante) de participar na ação litúrgica.
Participar não é necessariamente fazer ‘algo’, ler, transportar, dizer, cantar. Escutar e orar é
o modo mais habitual de participar. Responder, cantar, levantar-se, movimentar-se… são
meios de participar, mas não os únicos. Em celebrações com crianças ou com jovens, e
anteriormente nos casamentos, o desejo de fazer participar leva a que se impliquem as
crianças a fazer tudo, quando o mais importante é estar atento ao próprio dessa celebração,
no caso da primeira comunhão. Ou então colocar os noivos como leitores, ou os jovens na
missas com confirmação a fazerem tanta coisa que os distraem do Espírito Santo e, por vezes,
distraem o próprio Paráclito…
O silêncio que ‘está durante’ ainda sofre daquela herança de ouvir missa, mesmo que
esta fosse em latim e durante a qual era conveniente fazer exercícios de piedade como o
rosário. Hoje já há poucas pessoas desse tempo, para o rosário foi substituído por outras
coisas (por vezes o próprio telemóvel). O mais grave é que não se educou para o silêncio de
participação que implica o saber escutar.
As pessoas não vão às celebrações para fazer silêncio absoluto e total, mas o silêncio
dá valor ao rito, dá-lhe experiência de salvação. Um prato ou pão sem sal é desagradável, tal
como com sal a mais é intragável. Do mesmo modo na liturgia: é preciso dosear o silêncio
para que seja o respiradouro do rito, o respiradouro da palavra. O silêncio valoriza não só
que vai ser dito, o que já foi dito como também aquilo que se está a dizer. Uma liturgia sem
silêncio é como um pão sem sal.

17
Cfr (CNPL 2010), pág. 146
18
Talvez fosse conveniente recuperar o mesmo estilo/ritmo para a oração universal dos fiéis que se utiliza na
celebração de Sexta-feira Santa: enunciado da petição, silêncio, oração conclusiva.
7
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2.3 Como trabalhar e educar para o silêncio na liturgia


Na nossa cultura, a pedagogia centrou o seu interesse na articulação da palavra,
fazendo do silêncio “o grande ausente da pedagogia”19. Isto significa que o silêncio precisa
de ser trabalho, educado. É preciso motivar para o silêncio.
Uma primeira atitude deveria começar pela própria celebração em si mesma, que não
deve estar completamente preenchida de sons e de palavras. Seria um primeiro e muito
importante passo. As cataratas de monições, com as suas exortações moralizantes, em vez
de ajudar à sintonia verdadeira com o que celebramos às vezes tornam essa celebração
impossível. “A liturgia não é uma aula de catequese, mas uma celebração. E a celebração é
antes de tudo comunhão”20
Uma segunda atitude tem a ver com o papel desempenhado pelos vários ‘atores’ da
celebração, sobretudo o presidente o qual, através da sua postura, da sua forma de estar e de
falar, respeitando ele próprio os silêncio que convida a fazer, é uma forma pedagógica de
educar para o silêncio na celebração. É o clima de paz e serenidade que há que alcançar, pelo
ritmo que se imprime à celebração, pontualizado pelo silêncio. Se o presidente, durante as
leituras que fazem outros ministros, se entretém com os seus papéis ou fazendo
recomendações aos acólitos, não favorece a atitude da assembleia. Se depois da comunhão
apenas se dedica a limpar os vasos sagrados21, após o qual começa com a oração pós
comunhão, não permite aquele silêncio de meditação e de ação de graças a que aquele tempo
convida.
“Propor o silêncio a uma assembleia tem a sua arte. Se o silêncio não se preparou, se
é demasiado curto ou comprido, pedido pelo que preside, mas que ele não vive nem respeita,
expõe-se a ser desvalorizado e aborrecido e pode transformar-se apenas numa ausência de
ruídos”.22 É fundamental trabalhar o convite ao silêncio de modo e em tom de recolhimento;
a entrada no silêncio tem de ser progressiva sem a pretensão de tudo se conseguir de
imediato, pois leva tempo na celebração e custa muitas celebrações para ser assimilado pela
assembleia; o silêncio expressa, de certo modo, como se vivem os outros momentos da
celebração, com ou sem ritmo, organizados ou não, interpeladores ou vazios de conteúdo.
A partir da experiência pessoal, acredito que o trabalho iniciado com as crianças em
termos de catequese, mas sobretudo nas celebrações a elas dedicadas, de modo continuo e
não apenas esporadicamente, são um meio eficaz de trabalhar de modo continuado para
beleza da celebração litúrgica pontuada pelo silêncio. As crianças valorizam o silêncio
dentro da sua noção e experiência do silêncio, um tempo e um espaço diferente dos adultos.
Por isso, o silêncio na liturgia é acima de tudo uma questão de qualidade e de beleza.

19
(Roselló 2002)
20
(Aldizábal 2003), pág. 95
21
A IGMR prevê que a purificação seja feita no final da celebração: “Os vasos a purificar podem também
deixar-se na credência, sobre o corporal, devidamente cobertos, sendo purificados imediatamente depois da
Missa, após a despedida do povo.” IGMR 183
22
(CNPL 2010), pág. 147
8
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CONCLUSÃO
A valorização do silêncio na liturgia é não um desafio, é uma responsabilidade, em
primeiro lugar dos ministros. Implica não apenas os momentos de silêncio em si mesmos,
mas também uma qualidade de presença, uma maneira silenciosa de atuar. “Num leitor
silencioso percebe-se que ele é primeiro auditor do texto que está proclamando. Dá vida às
palavras que pronuncia, não se comporta como um autómato. Um presidente que formula a
oração eucarística deve trabalhar para que a assembleia se una ao seu silêncio quando dá
graças, faz memória, oferece e suplica.”23
Para tal, é fundamental a redescoberta do silêncio litúrgico, trabalhar a sensibilidade
para o silêncio, por exemplo, a partir da Bíblia. É necessário sublinhar que o silêncio, não só
está unido à palavra mas também que é sua terra privilegiada onde ela pode frutificar. 24
Uma comunidade que celebra e sabe fazer silêncio é uma comunidade madura. O
modo como preenche os espaços e os tempos da celebração revelam a sua maturidade
espiritual. A celebração torna-se, também para os ‘não habituais’ algo de belo que vai dar
vontade de repetir.
O silêncio, afinal, é mais rico do que poderia pensar.

BIBLIOGRAFÍA
Aldizábal, José. Gestos y símbolos. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2003.
CNPL. El arte de celebrar. Guía Pastoral. Madrid: Editorial CCS, 2010.
Fisichella, Rino. «Silencio.» En Diccionario de Teologia Fundamental, de René Latourelle,
& Rino Fisichella, 1368-1375. Madrid: San Pablo, 2010.
Guardini, Romano. La messe. Paris: Cerf, 1957.
Roselló, Francesc Torralba. «Pedagogía del silencio.» Misión Joven 310, 2002.
Sartore, Domenico. «Silencio.» En Nuevo Diccionario de Liturgia, de Domenico Sartore, &
Achille M. Triacca, 1921-1930. Madrid: Ediciones Paulinas, 1987.

23
(CNPL 2010), pág 148
24
Cfr. (Sartore 1987), pág. 1929-1930
9
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