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Facultad de Teología
Sección Teología Pastoral – Instituto Superior de Pastoral
O silêncio e a liturgia
Pastoral Litúrgica
Lino Emilio DÍEZ VALLADARES
Madrid
2016
Universidad Pontificia de Salamanca - Campus de Madrid - Facultad de Teologia - Sección de Teologia de Pastoral
INTRODUÇÃO
“Para fomentar a participação ativa, promovam-se as aclamações dos fiéis, as
respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as ações, gestos e atitudes
corporais. Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um silêncio sagrado.”
Sacrosanctum Concilium 30
O objetivo deste trabalho é falar da natureza do silêncio, da sua relação com a palavra,
da sua relação com Deus e de que como tudo isto se articula e se pratica nas celebrações
litúrgicas, algo que exige sensibilidade, conhecimento, preparação e pedagogia, que é muito
mais do que apenas o cumprimento no disposto nos vários documentos litúrgicos.
1
(Sartore 1987), pág. 1922
2
Aqui vamos considerar a 3ª edição típica da Instrução Geral do Missal Romano, na sua tradução portuguesa,
através da sigla IGMR
3
(Aldizábal 2003), pág.88
4
Ibidem
2
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5
Sigo de perto (Fisichella 2010) com mais algumas notas pessoais.
6
(Aldizábal 2003), pág. 90
7
Ibidem
8
Idem, pág. 90-91
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reproduzir o que já foi dito e se formula com outras palavras. É uma palavra que se refere a
outra palavra…O discurso coerente e revelador engendra-se no silêncio, vai-se forjando na
interioridade do indivíduo e, no final, expressa-se publicamente, mas a sua génese é
completamente silente. (…) O silêncio é o prolegómenos da palavra com sentido…”.9
Por ser palavra definitiva do Pai, Jesus teve que poder expressar antes de tudo o seu
silêncio. É um silêncio que se baseia na obediência trinitária, pelo que o elemento silêncio
parece ser o mais autêntico para indicar a sua relação com o Pai: “de madrugada, ainda
escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração.” (Mc 1, 35). 13
No relato da conhecida como parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), o silêncio
daquele para com o seu filho que parte, evoca o silêncio de Deus que respeita a liberdade do
homem, ficando à espera da resposta deste ao seu apelo.
Por isso, na Bíblia contamos também com o silêncio, do homem que foge de Deus
ou não entende o seu mistério, como no relato de Adão e Eva (Gn 3, 8-9), nos amigos de Job
que permanecem sete dias a seu lado sem nada dizerem Jb 2, 11-13), ou o silêncio expectante
de Maria antes o mistério e a vida do seu filho (Lc 2, 19)
9
(Roselló 2002)
10
Cfr. (Roselló 2002)
11
Cfr (Fisichella 2010) pág. 1371
12
Idem, pág. 1372
13
Idem,pág. 1372-1373
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2. O SILÊNCIO NA LITURGIA
2.1 O silêncio litúrgico
Romano Guardini, ao falar da importância do silêncio na liturgia, descreveu-o assim:
“se alguém me perguntasse onde começa a vida litúrgica eu responderia: com a
aprendizagem do silêncio. Sem ele tudo carece de seriedade e tudo é vão…; este silêncio é
condição primeira de toda a ação sagrada”14
O silêncio na liturgia não é um fim em si mesmo. Ele abre-nos a outras realidades,
abra-nos à escuta do outro, à reflexão sobre si mesmo, ao encontro com Deus na oração. No
silêncio passa-se qualquer coisa de sagrado, mas ele em si mesmo não é sagrado, caso
14
(Guardini 1957)
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contrário é apenas a retração ante o mistério do sagrado do qual não ousamos aproximar-nos
ou pronunciar qualquer palavra. O silêncio litúrgico não é outra coisa.
Na liturgia, o silêncio é constituído por breves momentos de silêncio que pontuam a
celebração. Há aqueles que estravam previstos pelo missal, mas podemos imaginar outros.
Isto quer dizer que é preciso celebrar a liturgia com calma, sem precipitações, de rompante,
sem ritmo ou de modo atabalhoado. Deve evitar-se aquela tentação de preencher todos os
momentos como palavra ou com música. O silêncio é indispensável para entrar no espírito
da celebração.
O silêncio na liturgia é uma questão de qualidade e de preparação. A liturgia que está
bem estruturada tem ritmo e mais facilmente tem qualidade. É neste contexto que o silêncio
surge como que a respiração necessária para que todos os elementos celebrativos se
interrelacionem e seja vida. O silêncio confere ritmo à celebração como acontece na música.
Mozart foi o compositor que melhor soube trabalhar este aspeto nas suas composições.
O silêncio na liturgia não é uma questão apenas de gosto ou de inspiração. É também
uma questão de técnica, uma problema de forma. Não de trata de colocar silêncio ao longo
da celebração para a tornar mais lenta, mas sim silêncio que, não tendo que ser em grande
quantidade, conferem sentido e significado ao todo da celebração.
O silêncio pode ser uma das formas mais expressivas da nossa participação na
liturgia. “Quando em Sexta-feira Santa começa o rito com a entrada silenciosa e a prostração
do presidente, sem cântico de entrada nem saudação, esse silêncio converte-se em sinal
eloquente, não de tristeza mas de respeito e homenagem ao mistério celebrado nesse dia, que
não pode superar-se com palavras ou músicas.”15
15
(Aldizábal 2003), pág 91
16
São estes os números da IGMR que abordam o tema do silêncio na celebração:45, 54, 56, 66, 71, 78, 84, 88,
127, 128, 130, 136, 164, 165, 259, 271.
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ações em que se integram e devem ser tratados com o maior cuidado. Articulam-se com o
que está antes e o que vem depois. Estão para facilitar uma melhor participação interior. 17
O silêncio que ‘está antes’ é acima de tudo o silêncio do recolhimento que prepara,
que faz querer e desejar, antes do início da missa, antes de uma leitura ou aquele tempo que
medeia entre o convite de presidente à oração e a oração propriamente dita, ou então como
deveria ser durante a oração universal.18 Talvez seja o silêncio que está mais na mão do
presidente da celebração e das equipas de liturgia poder trabalhar. É um silêncio que se pode
‘trabalhar’ pelo que se faz e não se faz. Basta olhar para aquilo que fazemos antes de iniciar
uma celebração: é tanta a correria de saber se tudo está a postos que a assembleia fica ela
própria contagiada por essa agitação que indispõe ao silêncio.
O silêncio que ‘vem depois’ é sobretudo a meditação daquilo que acabou de ser feito.
É o silêncio que vem após a proclamação das leituras, a homilia ou após a comunhão. Talvez
seja o tipo de silêncio que mais se vai experimentando, nomeadamente após a comunhão.
Pena que este silêncio seja muitas vezes (a maioria) substituído por um cântico; acontece
também que este tipo de silêncio provoca ânsia na assembleia (não educada para o silêncio
e para este momento da celebração), pelo que muitos, ou olham para o relógio ou então pura
e simplesmente saem, pois, como já comungaram, acabou a missa…
O silêncio que ‘está durante’ é o mais difícil de ser vivido, pois trata-se de orar, de
louvar mas também (aqui está o seu aspeto mais relevante) de participar na ação litúrgica.
Participar não é necessariamente fazer ‘algo’, ler, transportar, dizer, cantar. Escutar e orar é
o modo mais habitual de participar. Responder, cantar, levantar-se, movimentar-se… são
meios de participar, mas não os únicos. Em celebrações com crianças ou com jovens, e
anteriormente nos casamentos, o desejo de fazer participar leva a que se impliquem as
crianças a fazer tudo, quando o mais importante é estar atento ao próprio dessa celebração,
no caso da primeira comunhão. Ou então colocar os noivos como leitores, ou os jovens na
missas com confirmação a fazerem tanta coisa que os distraem do Espírito Santo e, por vezes,
distraem o próprio Paráclito…
O silêncio que ‘está durante’ ainda sofre daquela herança de ouvir missa, mesmo que
esta fosse em latim e durante a qual era conveniente fazer exercícios de piedade como o
rosário. Hoje já há poucas pessoas desse tempo, para o rosário foi substituído por outras
coisas (por vezes o próprio telemóvel). O mais grave é que não se educou para o silêncio de
participação que implica o saber escutar.
As pessoas não vão às celebrações para fazer silêncio absoluto e total, mas o silêncio
dá valor ao rito, dá-lhe experiência de salvação. Um prato ou pão sem sal é desagradável, tal
como com sal a mais é intragável. Do mesmo modo na liturgia: é preciso dosear o silêncio
para que seja o respiradouro do rito, o respiradouro da palavra. O silêncio valoriza não só
que vai ser dito, o que já foi dito como também aquilo que se está a dizer. Uma liturgia sem
silêncio é como um pão sem sal.
17
Cfr (CNPL 2010), pág. 146
18
Talvez fosse conveniente recuperar o mesmo estilo/ritmo para a oração universal dos fiéis que se utiliza na
celebração de Sexta-feira Santa: enunciado da petição, silêncio, oração conclusiva.
7
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19
(Roselló 2002)
20
(Aldizábal 2003), pág. 95
21
A IGMR prevê que a purificação seja feita no final da celebração: “Os vasos a purificar podem também
deixar-se na credência, sobre o corporal, devidamente cobertos, sendo purificados imediatamente depois da
Missa, após a despedida do povo.” IGMR 183
22
(CNPL 2010), pág. 147
8
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CONCLUSÃO
A valorização do silêncio na liturgia é não um desafio, é uma responsabilidade, em
primeiro lugar dos ministros. Implica não apenas os momentos de silêncio em si mesmos,
mas também uma qualidade de presença, uma maneira silenciosa de atuar. “Num leitor
silencioso percebe-se que ele é primeiro auditor do texto que está proclamando. Dá vida às
palavras que pronuncia, não se comporta como um autómato. Um presidente que formula a
oração eucarística deve trabalhar para que a assembleia se una ao seu silêncio quando dá
graças, faz memória, oferece e suplica.”23
Para tal, é fundamental a redescoberta do silêncio litúrgico, trabalhar a sensibilidade
para o silêncio, por exemplo, a partir da Bíblia. É necessário sublinhar que o silêncio, não só
está unido à palavra mas também que é sua terra privilegiada onde ela pode frutificar. 24
Uma comunidade que celebra e sabe fazer silêncio é uma comunidade madura. O
modo como preenche os espaços e os tempos da celebração revelam a sua maturidade
espiritual. A celebração torna-se, também para os ‘não habituais’ algo de belo que vai dar
vontade de repetir.
O silêncio, afinal, é mais rico do que poderia pensar.
BIBLIOGRAFÍA
Aldizábal, José. Gestos y símbolos. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2003.
CNPL. El arte de celebrar. Guía Pastoral. Madrid: Editorial CCS, 2010.
Fisichella, Rino. «Silencio.» En Diccionario de Teologia Fundamental, de René Latourelle,
& Rino Fisichella, 1368-1375. Madrid: San Pablo, 2010.
Guardini, Romano. La messe. Paris: Cerf, 1957.
Roselló, Francesc Torralba. «Pedagogía del silencio.» Misión Joven 310, 2002.
Sartore, Domenico. «Silencio.» En Nuevo Diccionario de Liturgia, de Domenico Sartore, &
Achille M. Triacca, 1921-1930. Madrid: Ediciones Paulinas, 1987.
23
(CNPL 2010), pág 148
24
Cfr. (Sartore 1987), pág. 1929-1930
9
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