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Manual de Praticas em Atencao Basica PDF
Manual de Praticas em Atencao Basica PDF
Organização: Gastão Wagner de Sousa Campos & André Vinicius Pires Guerrero
Autores:
Adriana Cosser
Adriano Massuda
Ana Maria Franklin de Oliveira
André Vinicius Pires Guerrero
Carlos Alberto Gama Pinto
Carlos Alberto Pegolo da Gama
Deivisson Vianna
Evelyne Nunes Ervedosa Bastos
Ivan Batista Coelho
Gastão Wagner de Sousa Campos
Gilberto Luiz Scarazatti
Gustavo Nunes de Oliveira
Gustavo Tenório Cunha
Juliana Araújo de Medeiros
Márcia Aparecida do Amaral
Mariana Dorsa Figueiredo
Maria Elisabeth Sousa Amaral
Paula Giovana Furlan
Paulo Vicente Bonilha Almeida
Rosana Onocko Campos
Rosane de Lucca Maerschner
SUMÁRIO
Este livro foi elaborado a partir das reflexões, discussões e experiências da equipe
de trabalho do Curso de Especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde -
ênfase na atenção básica, realizado em 2007, pelo Departamento de Medicina Preventiva
e Social da Faculdade de Ciências Médicas (DMPS/ FCM), da Universidade Estadual de
Campinas, em parceria com a Organização Panamericana de Saúde e Ministério da
Saúde1. Foram cinco turmas simultâneas de alunos, constituídas por profissionais de
instituições vinculadas ao Sistema Único de Saúde e inseridos em atividades de atenção
e/ou gestão em saúde, relacionadas à atenção básica. Os alunos procederam de
Municípios do Estado de São Paulo (Campinas, Guarulhos, Hortolândia, Sumaré,
1
O Programa de aulas do curso se encontra em anexo ao final do livro (Anexo I).
Amparo, Arthur Nogueira, Capivari, Cordeirópolis), das Direções Regionais da
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (Campinas, Piracicaba e São João da Boa
Vista), da Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro e municípios da Região
Metropolitana (Duque de Caxias, Itaboraí, Nova Iguaçu) e de Fortaleza (Ceará),
totalizando 200 alunos.
O objetivo do curso era formar gestores, trabalhadores e apoiadores em saúde para
exercerem uma nova prática de coordenação, planejamento, supervisão e avaliação,
denominada de co-gestão. Objetivava ainda aproximar a gestão de uma prática sanitária e
clínica reflexiva, compartilhada com os usuários e com base em uma concepção ampliada
do processo saúde/doença. Visou, especificamente, capacitar os profissionais para a co-
gestão de sistemas e serviços de saúde, no sentido de identificar, diagnosticar e propor
soluções criativas para os problemas de saúde, ampliando a capacidade de resposta dos
serviços, considerando as realidades locais e regionais.
Buscou-se reformular os processos da formação profissional na área da saúde em
que ainda existe uma hegemonia do modelo curativo-individual e uma clínica voltada
para uma suposta restauração de normalidade da saúde dos órgãos, bem como a
predominância de uma postura passiva dos alunos no processo de ensino-aprendizagem.
Posteriormente à formação, os profissionais “despencam nos serviços para serem
protagonistas do cuidado e terminam capturados pelo eixo recortado-reduzido
corporativo-centrado” (Carvalho e Ceccin, 2006, p.170), pelo diminuído poder de análise
crítica e protagonismo no cotidiano de trabalho.
Metodologia
Resultados
2
Questionário Diagnóstico- Anexo II
eram as áreas consideradas de risco, o local e condições das escolas, dos outros
equipamentos sociais, etc.
Um exemplo do papel do diagnóstico como um dispositivo de mudança da prática
dos alunos, foi que esses conheceram estatísticas do IBGE e de cadastro das unidades de
saúde, para que soubessem com maior precisão a quantidade de pessoas moradoras das
áreas atendidas, o número de cadastrados, o nível sócio-econômico, faixa etária, as
doenças prevalentes. Pelo depoimento dos alunos e pelo observado pelos apoiadores, a
maior parte trabalhava com a demanda espontânea, problemas emergentes do cotidiano
do serviço e com características gerais da população, e não de acordo com os dados
coletados pelos sistemas de informação, cadastro ou pela imersão no território.
Em muitos serviços, os alunos estimularam a constituição de espaço coletivo,
como a reunião de equipe, pressuposto para análise do trabalho e estudo da população
atendida e formulação de ações, portanto primordial para a discussão em equipe do
diagnóstico da situação e das atividades de intervenção propostas pelo curso. Em vários
há algum tempo não ocorriam reuniões dos profissionais por diversos motivos, desde a
‘falta de temas’ relevantes, a desvalorização explícita desse instrumento de gestão, até,
talvez a justificativa mais freqüente, o impedimento pelo excesso de demanda,
dificultando a existência do espaço de encontro dos profissionais e análise do trabalho.
Os alunos se autorizaram (e sentiram-se autorizados) a protagonizar e a exercer
papel ativo dentro da equipe, organizando reuniões e propostas, responsabilizando-se e
estimulando a equipe a pensar em questões importantes para análise do cuidado oferecido
e gestão do serviço. As atividades de dispersão do curso exigiram que eles levassem para
o cotidiano do serviço os temas trabalhados nas aulas teóricas, para que conseguissem
efetuar um Projeto de Intervenção com a equipe, analisando a prática de trabalho,
formulando e implementando ações que visassem a melhoria da atenção à saúde prestada.
Isso fez com que ampliassem a discussão com os profissionais que não eram alunos sobre
as práticas concretas de atenção. Vários alunos se destacaram na organização e gestão
dessas ações dentro da equipe e do serviço e se tornaram gestores de unidades, ou ainda,
pessoas-referências para a organização das ações.
Algumas turmas contaram com profissionais do nível central do sistema de saúde
e mesmo da gestão da atenção básica, como por exemplo, apoiadores matriciais dos
distritos de saúde, superintendentes de programas dos Estados, representantes das
Regionais de Saúde. Esses alunos compuseram os projetos com outros técnicos inseridos
nas unidades de atenção básica, o que proporcionou estender a discussão de um nível
local de gestão e atenção para níveis centrais de decisão e gestão. Esse fator favoreceu, na
medida em que as ações eram propostas pela equipe, que as mesmas pudessem ter sua
execução iniciada quase de imediato. E ainda, aproximou os profissionais que lidavam
essencialmente com a gestão dos que estavam na prática clínica, provocando uma
discussão ampla sobre os papéis e responsabilidades destas duas instâncias. Os
Apoiadores do Município de Campinas, por exemplo, se referiram ao Curso como sendo
um estímulo ao seu papel profissional, pois, enquanto realizavam o projeto para o curso,
puderam também apoiar a análise e execução das ações nas unidades sob sua referência,
com suporte dos professores.
3
Instrumento de avaliação dos módulos: Anexo III.
seu funcionamento e dinâmica, forma de avaliação dos alunos e de realizar o Projeto de
Intervenção. Ressaltaram a vontade de aprimorarem seus conhecimentos sobre os
serviços públicos de atenção à saúde e o SUS e melhorarem a parceria com os diversos
níveis da gestão e entre os membros da equipe profissional.
Nas avaliações ao longo do ano, os alunos apontaram, com maior freqüência, as
expectativas de obter embasamento teórico para as vivências da prática de trabalho,
ferramentas para planejamento e gestão na atenção básica e principalmente, trocar
experiências com os companheiros de turma. Essas expectativas, em sua maioria,
estavam sendo supridas na opinião deles. Os intervalos para o café se constituíram em
momentos de conhecer melhor o companheiro de turma e os desafios dele no trabalho.
Alguns alunos enfatizaram que o fato de termos num mesmo espaço, pessoas de
diferentes níveis de gestão e atenção, algumas vezes dificultava a realização de
comentários sobre o serviço de forma espontânea, pois poderia gerar atravessamentos e
interferir na relação profissional. Nesse momento, discutimos como o curso poderia se
constituir num “espaço protegido” onde os alunos pudessem realizar uma análise crítica
da situação e discutir conjuntamente as ações de melhoria, com a mediação do professor
horizontal se necessário.
Preferiram as aulas dialogadas com dinâmicas e discussões, às aulas expositivas e
palestras. Da mesma forma, preferiam as discussões em momentos presenciais às
atividades à distância, via Internet, por considerar que as discussões on-line não estavam
tão bem sistematizadas, sendo difícil acompanhar ou saber em qual link entrar para
opinar, afixar a tarefa, o relatório, seus comentários, bem como acompanhar o que os
demais alunos tinham colocado no site. Existiram dificuldades de operar com o
computador, por habilidades ou acesso, mesmo entre os professores, para sistematização
de todas as tarefas e fóruns de discussão.
Foi também ao longo do ano que os alunos falaram da dificuldade que estavam
tendo em realizar o Projeto de Intervenção na realidade dos serviços, pois a linha de
pensamento e os conceitos defendidos pelo curso não coincidiam com a realidade do
serviço e políticas vigentes, o que trazia limitações para implantação dos projetos e
efetivação de diferentes modos de operar em saúde. Discutiu-se que o curso trazia
conceitos, aportes teóricos e práticos, dispositivos e arranjos para pensar e reformular o
modo de fazer saúde, mas que aquela concepção apresentada ainda não era o modo
hegemônico de constituição das práticas, o que acarretaria enfrentar resistências ou
mesmo a construção de um novo agir.
Nas questões sobre desempenho dos expositores predominaram os números de 3 a
5 da escala, com maior concentração no número 4, o que indicava que as aulas estavam
com boa abordagem, contribuindo para a prática em serviço e capacidade crítica em
geral. Quanto às dispersões presenciais, em que os professores/apoiadores discutiram a
prática e o conteúdo teórico abordado, com ênfase nos Projetos de Intervenções e
discussões de casos clínicos e de gestão, predominou o número 4 da escala, sugerindo
que os momentos estavam bons e produtivos e o grupo integrado. Comentaram que eram
momentos em que podiam falar da sua prática, dos casos acompanhados e compartilhar
com os demais as possíveis soluções ou contornos para situações desafiadoras.
Relataram que foram compreendendo ao longo do curso a metodologia proposta e
como levar as discussões para a equipe de trabalho por meio da oferta de um projeto de
intervenção prática.
Na avaliação final do curso, os alunos, em sua maioria, consideraram suas
expectativas contempladas. Citaram que aprenderam técnicas de gestão e planejamento,
incluindo questões referentes à gerência, à relação em equipe e ao Método Paidéia, e que
fizeram uma análise crítica da realidade em que trabalhavam. Na visão deles, os Projetos
de Intervenção e atividades de co-gestão colaboraram na prática do serviço em que
trabalhavam, tanto no âmbito da equipe quanto em relação ao atendimento ao usuário. O
curso foi uma oportunidade para “atualizar o conhecimento”, “qualificar-se pessoal e
profissionalmente”, rever o modelo de gestão que estava em funcionamento, ampliar a
visão sobre o trabalho em saúde, sobre a clínica e as políticas de saúde/ SUS.
Reafirmaram a utilidade dos momentos de troca de experiência durante as aulas e
dispersões e nas conversas informais entre os alunos, pois discutiu-se sobre as situações
vivenciadas em serviço e soluções para problemas do cotidiano.
A maioria apontou o momento com o professor/apoiador horizontal como uma
instância privilegiada de orientação e uma boa oportunidade para aprofundamento dos
temas entre os alunos. Muitos elogiaram a atuação de seus professores/apoiadores no
acompanhamento longitudinal dos projetos e reforçaram que o vínculo formado com os
mesmos ao longo do curso fez com que se sentissem apoiados para discutirem situações
delicadas na equipe. Comentaram também que as aulas dadas pelos professores da equipe
do curso e apoiadores tinham prosseguimento e foram menos repetitivas que quando
havia um professor convidado, com uma inserção pontual e que não havia acompanhado
o conteúdo que foi dado em aulas anteriores. Sugeriram que os momentos de discussão
em grupos menores deveriam ser priorizados e com tempo ampliado, para que houvesse
aprofundamento da relação entre o conteúdo do curso com a prática na qual estavam
inseridos.
Uma linha muito significativa da avaliação refere-se a influência do curso sobre a
própria personalidade. Houve uma série de relatos testemunhando o impacto do Curso
sobre o relacionamento que mantinham com usuários, colegas de trabalho e chefia. A
experiência de organizar rodas de avaliação, de elaborar um projeto de forma
compartilhada, além da variedade de temas sobre subjetividade, inter-relação, conflito
etc., haveria contribuído para que vários alunos observassem modificação em seu modo
de vida.
Quanto ao uso do Teleduc, o sistema de educação à distância da Unicamp,
novamente a maioria dos alunos apontou que as discussões foram pertinentes e que as
tarefas tinham coerência com o desenvolvimento do curso. Apesar de avaliarem que
houve razoável incentivo para a sua participação, alguns comentaram que os professores
deveriam intensificar este estímulo. Sugeriram a sistematização e organização das
atividades, do material, dos fóruns de discussão. Alguns falaram da dificuldade de
aprendizado por esse sistema e de manuseio do computador (5%). Esses dados fazem
refletir que ainda há o desafio de melhoria na operação e praticidade no sistema de
educação à distância por parte da nossa equipe de ensino.
De forma geral, consideraram que o curso os ajudou a pensarem o cotidiano de
trabalho, as formas tradicionais de gestão e atenção e como ser (e se autorizar a ser)
sujeito ativo no processo de trabalho. Sugeriram que mais profissionais da gestão de
serviços façam o curso, pois algumas mudanças dependem de reorganizações da estrutura
e da reformulação do modo tradicional de fazer saúde, o que esses profissionais podem
ser facilitadores nesse sentido. O curso ocasionou mudança na vida de algumas pessoas,
segundo os próprios relatos, e alguns disseram que o Curso os auxiliou a repensarem
modelos e concepções já enraizados neles mesmos, trazendo contribuições positivas para
o trabalho em equipe, na clínica e na gestão.
Carvalho, Yara Maria de; Ceccin, Ricardo Burg. Formação e educação em saúde:
aprendizados com a Saúde Coletiva. In: Campos, Gastão Wagner de Sousa et al (orgs).
Tratado de Saúde Coletiva. SP: Hucitec/ RJ: Fiocruz, 2006. p.149-182.
1 2 3 4 5
a) Abordagem do tema: Superficial Profunda
b) Bibliografia fornecida: Insuficiente Suficiente
c) Exposição dos objetivos: Obscura Clara
d) Estes objetivos foram atingidos? Não Sim
e) Contribuição à sua prática no serviço: Inexistente Significativa
f) Contribuição para a sua formação em geral: Inexistente Significativa
g) Contribuição para o desenvolvimento de sua
Inexistente Significativa
capacidade crítica:
h) Avaliação geral das exposições: Ruim Excelente
Introdução
A prática da clínica ampliada requer certa capacidade individual e coletiva que vai
além da dimensão cognitiva. Michael Balint, em meados do século passado, ao justificar
a construção de seu método de trabalho destacava a insuficiência da abordagem
estritamente cognitiva em palestras e aulas sobre relação médico-paciente para os
profissionais de saúde, método privilegiado nos processos de formação profissional. Não
se tratava apenas de reconhecer intelectualmente a dimensão subjetiva das relações
clínicas, mas antes de aprender a lidar com o fluxo de afetos inerentes a estas relações.
Necessitava-se da criação de um espaço e de um método que desse suporte aos
profissionais para que pudessem exercitar, a partir dos seus “casos” vividos, uma
elaboração sobre os afetos presentes nas relações clínicas, principalmente as duradouras.
Já naquele tempo era uma característica do NHS (National Healthy Sistem Britânico) a
adscrição de clientela, com uma certa liberdade para os usuários de escolherem os
médicos de referência, de modo que os vínculos tendiam a ser longos e as rupturas em
função de dificuldades relacionais, bastante explícitas e, muitas vezes, incômodas. Os
grupos Balint eram formados por médicos do NHS britânico e discutiam casos clínicos
trazidos por cada um deles.
Voltando a BALINT: ele não fazia parte da gestão direta do NHS, no entanto,
assumiu, a partir da clínica Travistok, uma responsabilidade que hoje consideramos dos
gestores: o apoio ao trabalho clínico dos profissionais. Assim, a proposta de grupo
BALINT hoje, para ser aproveitada dentro do SUS, precisa ser adaptada para o contexto
dos desafios gerenciais atuais do SUS. Coloca-se portanto, da mesma forma que à Balint
o problema de criar métodos gerenciais e de formação de profissionais que facilitem de
forma real uma prática clínica ampliada.
4. alguma capacidade para lidar com a relativa incerteza (e eventual tristeza5) que
estes desafios trazem;
4
A palavra “tentação” cabe aqui. Ela costuma ser usada pelas religiões monoteístas e serve para lembrar proximidades
entre estas e as diversas disciplinas do conhecimento , principalmente no tipo de relação que muito frequentemente
ambas as instituições (religiosa e “científica”) estabelecem com seus “fiéis / usuários”: (a) um ‘convite’ a uma relação
de adesão acrítica a princípios / paradigmas, (b) uma relação mutuamente exclusiva (ou um ou outro) e (c) um discurso
frequentemente proximo do onipotência.
5
A fé na onipotência resolutiva deste ou naquele remédio, procedimento, disciplina ou profissão é constantemente
questionada pela complexidade da vida e consequente necessidade de trabalho cooperativo e interdisciplinar. Os
profissionais excessivamente identificados com estes “objetos de trabalho” podem sentir a ncessidade de fazer um certo
‘luto’, para adequadamente lidarem com a incerteza inerente das situações de saúde.
suficientes. Neste contexto, gestores e trabalhadores, ao iniciarem o investimento na co-
gestão e na clínica ampliada precisam reconhecer, em certa medida, que o “o rei está nu”,
ou seja, que existe uma “faixa de incerteza” e portanto de riscos na prática clínica e
gerencial. O que significa dizer que uma parte da alardeada segurança de protocolos e
estudos, embora bem vinda e necessária, vai ser reconhecida como relativa e ilusória.
De todo modo, estas dificuldades dos gerentes e dos profissionais devem-se a uma
confluência de forças que precisa ser reconhecida para que se possa lidar com ela. Talvez
um certo ideal gerencial funcionalista esperasse que mudanças na gestão implicassem
imediatamente em mudanças na prática clínica, assim como um ideal mais democrático-
libertário gostaria de esperar que as mudanças nos profissionais “produzissem” a
mudança na gestão. No entanto, estas duas perspectivas refletem dois extremos raros. E
esta raridade está em sintonia com a teoria da co-produção (CAMPOS, GWS 2000) e da
complexidade que tanto utilizamos. Portanto, as transformações em direção à co-gestão e
à clínica ampliada devem começar por todos os lugares onde for possível, e devem,
preferencialmente, buscar um trabalho processual de aprendizado coletivo, mais do que
mudanças abruptas. Os grupos BALINT-PAIDÉIA podem contribuir neste processo,
produzindo certamente vários “analisadores” da gestão e da atenção na rede assistencial.
O grupo deverá ser formado por médicos e enfermeiros porque esta é a composição
mínima de profissionais universitários da ESF6. Não deverá ultrapassar o número de vinte
pessoas, totalizando no máximo 10 equipes. Sendo que nada impede que os grupos sejam
menores, uma vez que Balint, na verdade, propunha grupos de 8 a 10 médicos. De
qualquer forma, de preferência o médico e o enfermeiro devem ser da mesma equipe.
Caso isto não aconteça deve-se se pensar na possibilidade de diminuir o número de
participantes, para que não demore muito para que a discussão de caso retorne a cada
participante. Quanto maior o grupo mais difícil é a participação e a construção de uma
grupalidade solidária. Ainda quanto à composição do grupo, pode ser bastante positivo
que ele possa incluir outros profissionais da equipe como dentistas e psicólogos,
dependendo da necessidade e da composição local. Muitas vezes a presença de um
profissional com perfil diferente do biomédico, como um psicólogo ou um terapeuta
ocupacional pode enriquecer o grupo. No entanto, é importante, sempre que possível, que
haja mais de um profissional de cada equipe para facilitar a percepção da complexidade
do caso e da relação de cada profissional com o paciente, além de possibilitar
desdobramentos práticos na equipe com maior facilidade. É importante que seja pactuado
no grupo, na rede e nas equipes a possibilidade de participação pontual, sempre que
necessário, de outros profissionais. O objetivo é contribuir sobre temas particulares, seja
um especialista da rede que também acompanha um caso (e esta é uma boa oportunidade
para se exercitar o apoio matricial dos especialistas na rede), seja algum outro membro da
6
Caso o grupo seja feito em outro tipo de serviço, a composição deverá respeitar o tipo de equipe sem exceder o número
de dois por equipe.
equipe ou da unidade de saúde (como um auxiliar de enfermagem, um agente
comunitário de saúde ou um coordenador de unidade).
b. Como iniciar?
d O contrato
-O sigilo das informações trocadas no grupo. Buscar pactuar tanto o sigilo em relação aos
casos clínicos, quanto em relação às relações gerenciais e internas da equipe. Este é um
ponto fundamental e deve haver um compromisso explícito dos profissionais, apoiadores
e gestores presentes de não utilizar informações obtidas de forma não pactuada.
- O sigilo precisa incluir as relações de poder na instituição. Isto significa que é preciso
deixar claro que o espaço de trabalho do grupo deve ser um espaço PROTEGIDO, onde
deve ser construída uma liberdade para críticas e questionamentos. Faz parte dos
objetivos do grupo possibilitar o aprendizado de fazer críticas e receber críticas de forma
construtiva. Dadas as relações de poder instituídas, o gestor deve dar o primeiro passo e
deixar clara a “imunidade” do espaço de trabalho do grupo. Nem sempre os gestores –
pelo lugar que ocupam – conseguem dimensionar o quanto as relações hierárquicas estão
calando críticas e invisibilizando conflitos – e isto pode ocorrer mesmo quando há um
esforço consciente para construir espaços coletivos de co-gestão.
7
Endereço no google grupos do grupo-balint-paideia: http://groups.google.com.br/group/grupo-balint-
paideia?lnk=gcimh
i. Reavaliação
Balint traz uma importante inovação quando procura criar um método para ampliar
a capacidade terapêutica dos médicos. Ele assume que o jogo transferencial é inerente às
relações humanas e busca então possibilitar ao profissional de saúde reconhecer e lidar
com os seus afetos na relação com o paciente, além de perceber os afetos do paciente.
Nas palavras do autor, os grupos buscavam possibilitar ao profissional.
Para isto ou como parte disto, o método Balint buscava apurar a sensibilidade
profissional, para que este pudesse perceber o “processo que se desenvolve, consciente ou
inconscientemente, na mente do paciente, quando médico e paciente estão juntos” (idem,
p 262). Tanto a auto percepção como a percepção do outro pressupõem que os “fatos”
que interessam não são somente aqueles ditos “objetivos” e que geralmente podem ser
mais.
“a agressividade total, quer dizer o ódio destrutivo é tão inútil como um suave e
doce espírito de colaboração construtiva” (IDEM 267).
1-É importante que o coordenador do grupo procure não fazer comentários antes
que todo o grupo “tenha tido tempo mais do que suficiente para expressar-se”.
BALINT observa que para realizar comentários os ouvintes precisam se incluir, a
partir da sua fantasia, na mesma situação relatada e observar as suas reações
potenciais ante o problema. Como existem resistências, este processo pode ser
demorado, e tanto o grupo como o coordenador devem aprender a esperar.
É importante observar que, em grupos maiores tal como o que estamos propondo,
este tipo de distanciamento pode ocorrer na forma de fragmentação, que acaba definindo
parcialmente alguns sub-grupos, mesmo que muitas vezes provisórios, com afinidades e
composições em diferentes momentos.
4-Um outro tipo de problema se refere a uma variação do anterior, porém como
decorrência de uma forte insegurança do profissional, resultando em uma postura
reativa consistente com duas manifestações: ou na forma de um retraimento e
abstenção sistemática, ou na forma de uma atitude falsificadora dos relatos, que se
hipervaloriza nas próprias condutas até que cheguem os momentos de crise,
ocasião em que o profissional responsabiliza a metodologia proposta no grupo. A
estratégia proposta por BALINT é “ganhar tempo”, com a expectativa de que o
processo do grupo contribua para diminuir a insegurança do profissional.
As sugestões de Balint para lidar com o processo grupal são bastante pertinentes, e
devemos considerá-las importantes, mas insuficientes, uma vez que o grupo BALINT
PAIDÉIA se propõe a introduzir mais algumas variáveis na dinâmica de trabalho. Todo o
processo de investimento trasnferencial no coordenador (b) e no grupo (c) vai estar
misturado com relações gerenciais e institucionais (d) e relações internas da própria
equipe (e). Desta forma vão estar na roda vários tipos de forças, de relações de poder e de
afeto que precisam ser percebidas e trabalhadas na medida da necessidade do grupo. Por
exemplo, ao se discutir um caso de um paciente idoso, pode-se destacar questões que
digam respeito à forma com que se expressa uma correlação de forças na sociedade na
relação com pessoas idosas. Também podem se apresentar na roda os limites dos saberes
(e as dificuldades do grupo em reconhecer estes limites e lidar com eles), as opções
políticas constitutivas destes saberes, assim como das políticas institucionais ou
dificuldades pessoais de cada membro do grupo com este ou aquele tema. Em nossa
experiência, alguns casos relatados com idosos que adotavam condutas desviantes
(acumular lixo na casa ou conduta sexual provocativa) trouxeram o tema da loucura, da
diferença, assim como sintetizavam tensões importantes na sociedade em relação à
acumulação, em relação ao comportamento pretensamente “saudável” e às condutas
sexualmente corretas, colocando em cheque os objetivos profissionais e valores
“pessoais8” dos diante destes desafios.
8
Os “valores” de uma pessoa nunca são exclusivamente individuais, mas sim co-produzidos na vida social.
oferta teórica possa aumentar a capacidade de análise e intervenção do grupo, inclusive
para que os profissionais possam conhecer os conceitos de transferência e contra-
transferência, entre outros, que estão presentes na metodologia de trabalho no grupo.
Evidentemente isto trás o risco de separação entre teoria e prática. Traz o risco também
de mitificação e de construção de uma dinâmica em que o grupo passa a esperar todas as
respostas do coordenador, dos textos ou de professores convidados. Em nossa opinião
este é um risco importante, mas inerente ao trabalho, principalmente o trabalho coletivo
nas organizações. O desafio, ao se deparar com situações paralisantes de qualquer ordem,
é poder lidar com elas. Vale de uma forma geral a recomendação de BALINT para
atitude do coordenador: ele deve saber que se conseguir adotar uma atitude correta
ensinará mais com seu exemplo do que com seu discurso. Afinal a relação clínica dos
coordenadores com o grupo é, em muitos momentos, análoga à relação dos profissionais
com seus pacientes. E a clínica ampliada supõe capacidades que o coordenador/apoiador
pode demonstrar: colocar em pauta possíveis fantasias grupais com este ou aquele saber
disciplinar, pode ajudar o grupo a lidar com as diversas mitificações da clínica.
Possibilitar a livre expressão de todos é uma atitude que pode ser repetida com o paciente
(em outras palavras: ser ouvido pode ensinar a ouvir). Conseguir falar no momento
apropriado também é uma capacidade importante para o profissional de saúde na relação
com o usuário. Da mesma forma, criar condições de escolha e descobertas do próprio
caminho para os profissionais do grupo é uma atitude importante na clínica e na gestão.
Mas o próprio BALINT adverte: “é evidente que ninguém pode satisfazer completamente
tão rigorosas normas. Felizmente não é necessário alcançar semelhante perfeição” (IDEM
265).
“Um dos mais importantes fatores neste tipo de treinamento é o ritmo. O que
significa dizer que não se deve ter pressa. É melhor deixar que o médico
cometa erros e talvez ainda se deva estimulá-lo a que incorra neles, em lugar
de impedi-lo. Isto soa um pouco absurdo mas não o é; todos os membros do
nosso grupo possuíam considerável experiência clínica, de modo que se
justificava essa tática de obrigá-los a “nadar ou afogar-se”. (...) se o ritmo é
mais ou menos adequado, o médico se sente livre para ser ele mesmo e
possuir “a coragem da própria estupidez”. (...) A discussão dos diversos
métodos individuais, a demonstração de suas vantagens e limitações o
estimula a realizar experiências” (IDEM p 264, 265)
BALINT chama a atenção que, salvo momentos excepcionais, este não é um grupo
de adestramento de técnicas que poderiam ser realizadas apenas por obediência ou
imitação. Por isto ele valoriza extremamente o empenho dos coordenadores do grupo em
tentar construir um clima de liberdade de expressão. Isto é o oposto ao clima “moral” e
maniqueísta que tantas vezes se institui nas organizações do SUS. Quando este clima
moral se instaura o risco é criar um grupo que, na melhor das hipóteses, tentará funcionar
de forma padronizada e submissa, alternando algumas vezes com o pólo oposto: a
reatividade. Para isto BALINT chama a atenção para a paciência e para o respeito ao
tempo do grupo e de cada profissional. É preciso permitir que os profissionais
experimentem fazer da maneira que acreditam ser melhor, para que se possa manter no
grupo um clima que lhe permita também relatar e enfrentar as conseqüências dos
caminhos e decisões assumidos. O tempo do trabalho clínico na atenção básica e
ambulatorial é diferente do hospitalar (CUNHA 2004), os resultados clínicos muitas
vezes demoram anos para se fazerem ver; a maior parte dos pacientes tem problemas
crônicos. O tempo político dos gestores também é diferente do tempo dos trabalhadores e
pacientes. E, para complicar ainda mais, a rotatividade dos profissionais ainda é enorme
no SUS. Apesar de tudo isto, ou exatamente por causa de tudo isto, é preciso haver
espaços de trabalho com as equipes em que o tempo possa ser outro. Os grupos BALINT-
PAIDÉIA que estamos propondo requerem este esforço de permitir também a
sobrevivência de outros tempos, sintonizados com processos de aprendizado de
profissionais e usuários. Como sempre não se trata, para o coordenador/apoiador do
grupo, de abrir mão da sua capacidade de avaliação de cada situação singular. Inclusive
avaliação de riscos. É importante dizer que, se BALINT podia trabalhar com
profissionais experientes e que ele admitia terem uma grande competência no
conhecimento das doenças, diagnósticos e terapêuticas padronizadas, isto nem sempre é
verdade em relação as nossas equipes do SUS.
Com estes cuidados, alguma disposição para aprender junto com o grupo de
trabalhadores e exercendo a chamada “função apoio” (CAMPOS 2003 pg. 85), os grupos
BALINT podem ser montados em qualquer município que se disponha a enfrentar os
desafios de qualificação da gestão e da clínica.
“Foi levado pela agente comunitária o caso de APS, o mesmo foi diagnosticado
como portador de Lúpus, hipertensão e Insuficiência Renal. Em visita domiciliar
subseqüente verificou-se que a mãe tinha dificuldades para comprar as medicações e a
alimentação. Em seguida, também se percebeu que APS se queixava de dor de dente.
Agendou-se uma consulta odontológica para a paciente e com a enfermagem para
a mãe. Na primeira, logo após atendimento, foi dada alta devido à ausência de ‘alterações
odontológicas’, na segunda a mãe mostrou-se bastante ansiosa e chorosa, devido
prognóstico da filha. Ela referia dificuldades financeiras, sobrevive com menos de um
salário mínimo, a conta do telefone já fazia 02 meses que estava cortada e já tinha ido até
pedir ajuda nas rádios e políticos da cidade.
A equipe leva o caso para o médico que solicitou passe livre para que a mãe possa
ir para as consultas médicas e encaminhou-a para a Assistência social com o intuito de
dar entrada no benefício do INSS. A paciente, por sua vez, é acompanhada pela reumato,
endócrino, oftalmo e nefro do hospital da região. Após discussão do caso com a
psicóloga, propõe-se a atender a mãe e irmão, tentar encaminhar este último, que está
desempregado, para um curso profissionalizante.”
Casos como estes são comuns na atenção primária de zonas periféricas das
grandes cidades. É importante ressaltar que em muitas situações, a unidade básica de
saúde configura como único aparelho do estado em regiões de vinte a trinta mil pessoas e
às vezes até mais. Em uma das regiões que os integrantes do grupo Balint-paidéia
trabalhavam, por exemplo, não havia escolas, delegacias de policia, creches, bancos,
praças, espaços esportivos e até mesmo o comércio era pouco diversificado, isto mesmo,
o “postinho de saúde” era tudo (do estado) que uma população de quinze mil pessoas
tinha.
Voltado ao caso de APS: Assim que foi relatado, o grupo tendia soluções das mais
diversas configurações para resolver aquela angustia provocada: “por que não fazemos
uma rifa para ajudá-la? Já passou por uma avaliação psiquiátrica?”. Na medida em que
tínhamos tempo, em geral maior do que estes profissionais têm no seu dia-a-dia, a
primeira catarse solucionista passava e depois o silêncio imperava.
Neste ponto, a existência de monitores foi importante para instigar as primeiras
perguntas: Por que vocês estão propondo isto? Qual é o problema da paciente que
tentamos resolver? Por que escolhemos alguns casos para nos dedicarmos mais entre
tantos outros com problemas semelhantes? Que sentimentos estes casos geram em nós?
Quais os critérios, geralmente inconscientes, que utilizamos para escolhê-los?
Questionamentos como estes levaram o grupo a disparar várias questões,
principalmente da ordem de quem nós somos e o que devemos fazer. A partir de tentar
descobrir o porquê que essas situações preocupavam tanto os participantes do grupo e em
como elas geravam afetos tão intensos foi o que possibilitou uma motivação de buscar
respostas para tal.
Este incômodo pode ser analisado com base nas identificações que as equipes têm
com os seus objetos de investimento, ou seja, as populações que atendem. A pobreza e as
necessidades sociais que afligem o território transmitem para equipe uma demanda
assistencial que por sua vez, por não ter tempo para adquirir um discernimento real
dessas questões, respondem a elas a única maneira que aprenderam: com o filtro teórico
da saúde. Por esta razão o projeto terapêutico planejado para APS apesar de identificar
questões dessa natureza como problemática central responde a elas com ferramentas
como medicalização, consultas, exames aposentadorias por invalidez...
Neste ponto, puderam perceber que a demanda, independente que seja decorrente
de problemas relacionados à saúde ou não, era o maior problema detectado por estes
trabalhadores. A partir do sigilo, puderam falar livremente sobre como lidam com esta
demanda e concluíram que muitas vezes sufocam esta demanda por medo de não saber
resolve-las. Assim puderam questionar: “É nossa função debelar este tipo de demanda?
Como podemos sofre menos diante disso? Muitas vezes diante de tantos problemas, nos
perdemos e esquecemos de cuidar da saúde desta população, como evitar isso?”
Indagações como estas, levaram os integrantes do grupo balint-paideia a se
interessarem por discutir temas como avaliação de risco, planejamento do cuidado em
saúde e a importância de se apropriarem da gestão e torná-la mais coletiva. Os temas
propostos foram debatidos com uma proximidade maior dos seus respectivos dia-a-dia e
com uma correspondência nas necessidades afetivas do grupo. Outras temáticas seguiram
a mesma metodologia, despertando o interesse em refletirem sobre suas práticas de vida e
de trabalho em saúde e para isso foi necessário levarem a reivindicação de espaços de
gestão e reflexão também para as suas equipes.
Bibliografia
BALINT, E. e NORELL, J.S. Seis Minutos para o Paciente, Ed. Manole São Paulo 1976
___________. Método Para Análise e Co-Gestão de Coletivos, Um 1a. Ed. São Paulo:
Hucitec. 2000.
FORÇAS “INTERNAS”
BIOLÓGICO (DOENÇAS, CARACTERÍSTICAS)
INTERESSES E DESEJOS
SÍNTESE SINGULAR:
COMO ESTE SUJEITO
(INDIVIDUAL OU COLETIVO)
SE COMPÕE
FORÇAS “EXTERNAS”
9 O CONTEXTO, A REDE SOCIAL EM QUE O
Coordenação como atividade característica daSUJEITO
ABS (STARFIELD), em que esta se responsabilisa pela
ESTÁ INSERIDO
gestão do caso, mesmo quando o tratamento exige a participação de
(INTENSIDADES), INSTITUIÇÕESoutros serviços.
(
FAMÍLIA CULTURA GRUPOS PADRÕES
ANEXO 2 Proposta de Roteiro para Apresentação dos Casos Gerenciais
Introdução:
10
Teve como base empírica uma pesquisa de pós-doutoramento da Dra. Ana Maria Franklin de Oliveira,
sob a orientação do Prof. Dr. Gastão Wagner de Sousa Campos e supervisão do Prof. Dr. Jair Franklin
Oliveira Júnior, além do apoio de Mariana Dorsa Figueiredo, psicóloga e doutoranda do
DMPS/FCM/Unicamp.
11
A rede básica conta atualmente com 210 servidores (40hs): médicos (19) enfermeiros (19), técnicos de
enfermagem (38), agentes comunitários de saúde (68), dentistas (14), auxiliares de consultório dentário
(14), agentes administrativos (16) e auxiliares de serviços gerais (15). As unidades atendem demanda
agendada e demanda espontânea. Há apoio matricial de psicólogos (6); nutricionistas (2), médica (1) e
dentista (1). Cerca de 90% dos médicos trabalham há mais de um ano (dez 2005) e cerca de 10 dos 19
médicos tem formação em Saúde da Família.
em 2002 para dezenove em 2006, e a cobertura populacional evoluiu de 78,14% em 2002
para 90% em 2006 (Amparo, 2007).
O Município implementou importantes mudanças na rede básica nos últimos
anos, das quais podem ser destacadas a criação de Colegiados de Gestão; a construção de
ESFs em cada Unidade Básica de Saúde (UBS); a adequação do número de profissionais
nas UBSs; a construção, reforma e ampliação de seis UBSs; a aquisição de equipamentos
para garantir resolutividade da atenção; a Educação Permanente para qualificar a clínica;
a criação de indicadores para avaliação do trabalho das equipes; a reorganização do
processo de trabalho das ESFs; o desenvolvimento de ações preventivas/ educativas; a
incorporação das ações de Saúde Bucal, Saúde Mental e Saúde do Trabalhador, além de
investimentos nas retaguardas laboratoriais e especializadas .
No entanto, apesar destas e outras importantes conquistas evidenciadas nos
últimos anos, que incluem a adscrição da clientela às equipes; a reorganização do
processo de trabalho com a implantação do trabalho em equipe; as visitas domiciliares; as
ações de promoção da saúde e a inclusão do trabalho dos agentes comunitários,
permanece o desafio de ampliar o foco da clínica dos profissionais para além da doença e
do corpo. Ou seja, permanece o desafio de preparar os profissionais da Saúde da Família
para o desenvolvimento de abordagens psico-sociais e particularmente o manejo de
tecnologias relacionais, que envolvem o trabalho com equipes, famílias, grupos e
comunidade.
Balint (1984), psicanalista húngaro, que trabalhou com médicos de família nos
primórdios do Sistema Nacional de Saúde (SNS) inglês, reconheceu os limites de uma
abordagem estritamente cognitiva, baseada em aulas e seminários, na formação destes
profissionais. Era necessário aprender a lidar com a dimensão subjetiva presente nas
relações clínicas e com os sentimentos inerentes a estas relações. Tratou de criar um
espaço que garantisse suporte aos profissionais para que exercitassem, a partir da
discussão coletiva de “casos difíceis”, um contato e “elaboração” dos sentimentos
subjacentes às estas relações, cujo vínculo costumava ser duradouro em função da
adscrição de clientela, existente no SNS. Segundo ele, a falta de preparação para lidar
com o sofrimento humano, presente o tempo todo na atividade do profissional da saúde
pode enlouquecê-lo.
Observa-se que os adoecimentos e suicídios entre estes profissionais e o uso de
drogas entre estudantes de medicina e médicos é cada vez mais freqüente. O sofrimento
manifesta-se na mente sob a forma de depressões, suicídios, psicoses; no corpo sob a
forma das doenças psicossomáticas clássicas: hipertensão arterial, gastrites, tonturas,
reto-colites ulcerativas, taquicardias, infartos do miocárdio, dentre outras (Mello Filho,
1979; 1999) e em novas e massivas formas de adoecimento, que apresentam um forte
componente psico-social, tais como ansiedade e pânico; déficit de atenção e
hiperatividade; bulimia e anorexia; depressão e compulsões de várias ordens, tais como
excesso de trabalho, de sexo, de esporte, de consumo, de ingestão de alimentos/
obesidade, de álcool ou drogas; de atitudes violentas, tais como estupros, assaltos,
acidentes de trânsito, homicídios, etc.
Embora hoje haja um maior controle das doenças infecto-contagiosas e avanços
no campo da diagnose e terapêutica das doenças crônicas, pouco se tem avançado na
abordagem das sociopatologias ou no estudo das causas do adoecimento, no que se refere
à somatização ou adoção de estilos de vida pouco saudáveis. No entanto, as
sociopatologias, bem como doenças que possuem um forte componente psico-sócio-
cultural associado, são cada vez mais prevalentes. Estão a exigir uma formação mais
aprofundada dos profissionais, de modo a muni-los de novas ferramentas como o manejo
apropriado de grupos, abordagem de inter-relações familiares e de equipes, considerando
os fatores de ordem afetiva presentes nestas inter-relações, que pressupõem conflitos,
diferentes visões de mundo, de interesses e de poder político. Ressalta-se, desta forma, a
importância da criação de novas metodologias de formação profissional para enfrentar os
desafios de uma abordagem psico-sócio-cultural, que mitigue os efeitos perversos da
crescente individuação e subjetivação no mundo contemporâneo, onde a cultura do
excesso exige escolhas permanentes, ampliando as angústias e medos, cada dia mais
presentes num mundo onde os laços afetivos estão cada vez mais frouxos e as exigências
performáticas cada vez mais vorazes.
Os desafios de uma abordagem desta ordem estão a exigir profunda reflexão
sociológica sobre as aceleradas mudanças em curso na contemporaneidade, aliadas às
formas cada vez mais particulares de enfrentamento cultural desta “desorganização
social”, e do modo singular de internalização e construção de significados individuais. A
complexidade deste quadro pressupõe a criação de espaços permanentes de reflexão para
desconstrução e reconstrução de paradigmas e modelos, incluindo o da clínica individual
e especializada, que deve ampliar-se através de uma abordagem inter-relacional, em
espaços cada vez mais coletivizados (famílias, grupos, redes, equipes). Observar o
processo de liquefação da vida e das instituições no mundo pós-moderno (família,
religião, ciência, Estado) e dos laços afetivos (Balmam, 2004) exige um processo de
permanente cuidado, apoio matricial interdisciplinar e garantia de espaços que
possibilitem o próprio cuidado e o cuidado das emoções e sentimentos presentes nas
inter-relações profissionais.
Nas Equipes de Saúde da Família, este quadro diagnóstico se traduz num
crescente adoecimento, cujos sinais mais evidentes são: desmotivação para o trabalho;
prejuízo na criatividade; afastamentos por licenças médicas; improdutividade;
aposentadoria precoce; pedido de demissão, transferências e mudanças de local de
trabalho; necessidade de readaptação de função; desinteresse pelos pacientes; e relação
profissional de saúde–paciente fria e distante. Mas, à despeito da complexidade deste
quadro é possível enfrentar a situação sem ceder ao sentimento de angústia, que paraliza.
É fundamental que os gestores do sistema de saúde, em todos os níveis, se sensibilizem
para a necessidade de garantir espaços de formação específicos, com ênfase numa
abordagem psico-social, de grupalidade e redes de cuidado com o próprio profissional.
Enfrentando assim, ao mesmo tempo, o imenso prejuízo causado pelo absenteísmo,
adoecimento e falta de motivação para o trabalho, que representa a situação atual.
Defendemos que é possível trabalhar com a subjetividade dos profissionais,
utilizando para isto o manejo de casos clínicos e de grupos, através do Método das
Espirais D´Ascese, promovendo o cuidado e o amadurecimento da personalidade dos
profissionais, mesmo que de forma limitada. Isto traz como corolário a possibilidade de
ampliação da clínica e de co-gestão de coletivos e uma maior responsabilização, que se
traduz em aumento de resolutividade para o SUS, além de maior bem estar e realização
profissional.
12
Como “Psicologia de Massas e Análise do Ego”, “Moisés e o Monoteísmo”, “O Futuro de uma Ilusão”,
dentre outros.
“mater”, matrícula em uma escola, e lembra útero, círculo, roda e gestação de idéias e
conceitos no interior de um grupo. O conceito de matriz é fundamental para se entender o
potencial criativo e elaborativo de um grupo, a partir do momento em que seus membros
passam a associar livremente, conversar, se integrar e pensar em soluções. Lembra a
máxima de que “muitas cabeças podem pensar melhor do que uma”. Daí a importância
dos colegiados para a discussão de temas variados.
Cortesão (1989), um discípulo de Foulkes (1971), estudou os níveis de
aprofundamento das comunicações intra-grupo, através da livre discussão circulante de
Foulkes (1971) e da ressonância afetiva, os quais denominou níveis de experiência e
interpretação. Cortesão (1989) estudou também o papel do coordenador, sua importância
fundamental no desenvolvimento de um grupo e denominou de padrão grupanalítico o
modelo impresso no grupo pelo coordenador de um grupo. Cortesão (1989) nos mostrou
a importância do coordenador, figura parental, na regressão ou crescimento de um grupo.
A técnica consiste em permitir que um grupo de pessoas converse livremente.
Depois de um certo tempo (vinte a cinqüenta minutos para um grupo de até dez pessoas),
verificaremos que poderá ser observada a comunicação de inconsciente para inconsciente
através do fenômeno da ressonância afetiva, ou seja, se instalará um nível profundo de
comunicação subjetiva que poderá facilitar a emergência de sentimentos presentes neste
grupo. Assim identificaremos os sentimentos inconscientes grupais, os níveis de
aprofundamento das comunicações, descritos por Cortesão (1989) e denominados níveis
de experiência e interpretação. Isto nos leva a crer que mesmo sem a presença de um
coordenador, alguns grupos são capazes de atingir altos níveis de experiência e
interpretação. Se o coordenador garantir este espaço de fala inicial, sem interrupções, de
modo a permitir a livre discussão circulante e as ressonâncias afetivas e, após algumas
reuniões, a passagem da fase de limpeza do lixo psíquico à de troca de experiências e
interpretações, o grupo pode elaborar e superar situações conflitivas.
Na Atenção Básica, a psicologia grupal é uma ferramenta importante, pois os
profissionais deparam-se o tempo todo com situações clínicas nas quais o inter-jogo
relacional é fator importante no adoecimento físico e mental e também no processo de
tratamento e cura.
Pichon-Riviére (1986) desenvolveu importantes ferramentas para auxiliar na
realização das tarefas propostas no âmbito de um grupo, por ele denominado de “grupo
operativo”. É bom lembrar que recursos materiais e as instalações físicas adequadas são
importantes, mas insuficientes para garantir o bom acolhimento e o tratamento adequado
a um paciente. É a competência de um ser humano que auxilia o outro, que está em
sofrimento ou doente.
Estudos sobre a psicologia do indivíduo e dos grupos se completam e enriquecem
o conhecimento do funcionamento mental dos indivíduos e dos grupos (Zimerman,
2000). A psicologia dos grupos pode propiciar o espaço adequado para a superação de
conflitos e crises, comuns nos ambientes grupais, principalmente no ambiente de trabalho
(Cortesão,1989; Foulkes, 1971).
O relacionamento humano muitas vezes é enlouquecedor, principalmente nos
grupos. Por isso, recomenda-se que o coordenador não deva fazer parte do grupo de
trabalho, precisa ser alguém que venha de fora, que tenha um olhar de fora para dentro
(Bion, 1975). Que seja um apoiador, um facilitador do trabalho, que garanta a livre
discussão e, ao mesmo tempo, possa ir sistematizando o trabalho e fazendo as ligações
com as ofertas teóricas. Numa ambiência onde não haja um nível alto de conflito, o
coordenador da equipe pode participar como um membro do grupo operativo, desde que
tenha perfil adequado o suficiente para saber escutar e lidar com críticas, agressões e
conflitos inerentes aos espaços grupais.
O Método Paidéia reconhece “que há transferência e contratransferência entre a
equipe e o coordenador/ apoiador”. O conceito de transferência é originário da
psicanálise e “designa um processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre
determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida” (Laplanche &
Pontalis, 1992: p.514). A aplicação desse conceito em co-gestão justifica-se na medida
em que se reconhece que, entre a equipe e entre ela e o apoiador, há influência de
processos inconscientes e há conflito de interesses e circulação de afeto (Campos, 2000).
No que se refere ainda à transferência, Guattari (1976) observa a construção de
“padrões progressivos, mutantes, de relação, ainda que guardando alguma referência ao
passado, mas não somente ao triângulo edipiano”. Podemos aqui entender o conflito
edípico no grupo como a dificuldade de algum membro do grupo de suportar a situação
de ser o terceiro excluído. Fato comum nas relações interpessoais nos grupos entre o
coordenador, figura parental, o grupo e algum membro do grupo que foi excluído em
algum momento. Assim, em um grupo haveria diversos sentidos possíveis para os
processos de transferência e não somente entre o analista e os pacientes, constituindo um
fluxo de afetos. Como bem descreve Zimerman (2000), nos grupos a transferência é
múltipla e cruzada. Desejos, bloqueios, interdições cruzam os espaços coletivos sem que
os envolvidos tenham plena consciência desses movimentos e destes sentimentos. Há,
portanto, afeto, luta pelo poder, medos, desconfiança, sentimentos esquizo-paranóides,
enfim, conflitos nas relações que se estabelecem entre os membros de uma equipe, e
destes com o apoiador e vice-versa. Reconhecer que há circulação de afeto é reconhecer
que as pessoas em co-gestão se afetam, gerando amor, apoio, integração, amizade,
criatividade, suporte afetivo, mas também incômodo, desafio, inveja, disputa, e ódio entre
elas (Campos, 2000).
Embora grupos e equipes sejam espaços de circulação de afeto, é importante
ressaltar que é comum existirem sentimentos transferências específicos em relação à
figura do coordenador, que desempenha no grupo o papel de figura parental, a quem é
atribuído maior poder/ saber. Isto pode funcionar, no início, como fator aglutinador e
mobilizador. No entanto, esta transferência inicial, que pode ser acompanhada de um
certo “deslumbramento” (colocar a luz no outro/ retirando-a de si, só o outro tem luz),
deve ceder lugar a um maior amadurecimento do grupo, quando o coordenador não
estimula, através de um “conluio inconsciente” esta dependência. Ao contrário, o
processo de transferência torna-se criador e crítico, à medida que a ambiência de
confiança e sigilo propicia o exame crítico dos afetos e conflitos, servindo como ponto de
apoio para a elaboração e implementação de projetos coletivos, ao mesmo tempo em que
promovem mudanças na perspectiva e nas atitudes dos sujeitos envolvidos.
No entanto, “a resistência em analisar-se” é uma constante nos coletivos, equipes
e grupos. Manifesta-se, principalmente, na recusa em integrar-se aos Espaços Coletivos,
ou, quando existem, em desconstruí-los. Outro sintoma da resistência é a não inclusão,
entre os temas de debates, de assuntos relativos a dinâmica relacional do grupo. Fala-se
sobre tudo e todos, menos sobre a co-produção dos fatos; principalmente, sobre o modo
do grupo lidar com o mundo, com a instituição e consigo mesmo (Campos 2000).
É papel do coordenador/ apoiador trabalhar os mecanismos de defesa quando
surgem, muitas vezes associados a uma infindável demanda por maior aprofundamento
teórico. “Na realidade, trata-se de adaptar para a co-gestão de coletivos alguns aspectos
da ‘técnica dos grupos operativos’ de Pichon-Riviére (...) de aproximar o saber
(momentos de análise) do fazer (compromissos com tarefas), evitando contemplar o
mundo e a si mesmos com certo distanciamento protetor. Para o Método da Roda,
portanto, desde o começo se analisa (...) toda e qualquer equipe conta com uma série de
informações originárias de sua experiência, ainda que toscas e com sistematização
precária. Utiliza-se pouco a informação produzida pela própria experiência do grupo. Em
geral, a dificuldade de um coletivo analisar não decorre da ausência de informação ou da
dificuldade de acessar dados; resulta, sim, de entraves políticos, organizacionais e
subjetivos” (Campos 2000).
Assim, é importante revelar o potencial de ação do grupo desde o primeiro
momento e apontar sentimentos muitas vezes “inconscientes” que obstaculizam a
realização das tarefas. Por isso, o manejo/ coordenação de grupos, equipes, unidades
básicas ou outros níveis de gestão, depende da formação, experiência emocional interna e
do próprio amadurecimento emocional do coordenador/ apoiador. Desta forma, para se
colocar em prática os princípios básicos do manejo de grupos é necessário algum tempo
de treinamento.
Um dos princípios básicos consiste em dispor de um espaço físico regular,
periódico, em círculo, num local adequado para falar e ouvir, num ambiente calmo,
silencioso, a portas fechadas. Este “setting” deve ser contratado com todos os
participantes desde o início e, se possível, não ser alterado, pois mudanças freqüentes
podem ser interpretadas pelos participantes como “descuido” por parte do coordenador. O
coordenador deve cuidar de sua saúde mental, ter capacidade para dar continência às
angústias e incertezas crescentes das pessoas e de lidar com os conflitos inerentes às
inter-relações grupais. O manejo das técnicas de grupo deve propiciar ambiente para a
“limpeza do lixo psíquico” regularmente acumulado, sem que o coordenador se sinta
afetado por isso, de modo a reabrir os canais criativos do grupo, ajudando-o a melhorar
suas relações internas e externas (Osório, 2000). Isto provoca a instalação de espirais de
“d´escenço” sem que os “mal entendidos” se alastrem, criando um clima destrutivo e
obstrutivo do trabalho, que funciona como um ralo das potências e energias criativas da
equipe (Zimerman, 2000).
Para compreendermos a importância da coordenação no processo de formação e
emponderamento de um grupo é interessante lembrar os diferentes tipos de lideranças
descritos por Pichon-Riviére: autoritária, democrática, caudilhesca e “laissez faire”, e
acrescidas do tipo narcisista (Zimerman, 2000). A “liderança autocrática” possui
características ditatoriais, obsessivas, narcísicas, e o grupo pode tornar-se dependente,
inseguro, sem pleno uso da liberdade e criatividade. Na liderança do tipo “laissez-faire”
há excesso de liberdade, negligência e risco de não ser continente. Na “liderança
demagógica” predomina a ideologia retórica, provocando decepção, desânimo e aumento
do sentimento de desconfiança e descrença. A “liderança narcisista” é favorecida por um
“conluio narcisista inconsciente”, comum, por exemplo, na relação de ensino –
aprendizagem, entre coordenação e grupo, à medida que espera-se que o “alimento”,
consubstanciado no “saber externo”, surja como a solução dos problemas. Pode ainda ser
traduzido por uma relação de “deslumbramento” (perda da luz própria) diante da figura
do formador, o que impede o desenvolvimento da potência individual e grupal. Enfim,
somente a liderança democrática, que inclui hierarquia, papéis, funções e limites, pode
levar um grupo ao amadurecimento psíquico, que se traduz em relações saudáveis,
passíveis de dar continência aos conflitos inerentes aos processos grupais,
compartilhamento de responsabilidades, espírito de equipe e construção de projetos de
gestão compartilhada no âmbito da clínica e da gestão.
Cabe à coordenação produzir Espaços Coletivos para que os grupos expressem,
analisem e reconstruam metas, objetivos e representações. Para isto combinar dois
métodos de trabalho: um que valoriza a análise da demanda do próprio grupo; por meio
da "associação livre de idéias", escutar e interpretar, conforme o sugerido pela psicanálise
e pela análise institucional (Lourau, 1995). Ao mesmo tempo, produzir situações que
obriguem o Coletivo a se pronunciar sobre metas, objetivos e representações oriundos de
outras instâncias (método de análise da oferta). Ou seja, trabalhar tanto com temas
diretamente relacionados ao objeto de investimento eleito e construído pelo grupo, como
com temas decorrentes do contexto social. Na análise reflexiva daí decorrente, o texto
construído não oculta a existência de falhas, problemas, lacunas ou de contradições,
fornecendo, portanto, bases para o questionamento da legitimidade do instituído
(Campos, 2000).
13
Ressaltando que a análise dos resultados da Pesquisa–ação ainda não está concluída
14
Houve a desistência de 2 residentes devido aos estágios em paralelo, que impediram sua freqüência
regular ao curso.
15
Relatório de Pesquisa de Pós-Doutorado. Ana Franklin, 2008 DMPS-FCM-Unicamp (no prelo)
insuficiência renal crônica, resistente ao tratamento na UBS, que se mostrava agressiva,
acompanhada de negativas em receber as visitas domiciliares, o que obstaculizava a
coordenação/equipe de realizar o cuidado e a continuidade do tratamento.
A análise do conteúdo inconsciente grupal nestes três casos evidenciou dúvidas
acerca da potência do curso para mudar o sentimento de impotência do próprio grupo. O
‘insight” propiciado pelo contato com o sentimento de angústia paralizante e impotência,
aliado as contribuições do grupo, seja na análise e interpretação dos problemas
levantados, seja na criatividade que pautou a construção dos Projetos Terapêuticos
Singulares (PTSs) trouxe emponderamento aos profissionais, de modo a buscarem
implementar novas práticas, a partir dos “novos olhares” que ampliaram a clínica e
redefiniram novas formas de gestão do cuidado e do serviço.
Assim, no primeiro caso, muito se avançou no trabalho contra o estigma e
exclusão da família pela comunidade, particularmente na creche e escola, onde o caso foi
discutido. A tuberculose foi controlada, embora o paciente tenha se recusado a realizar
um tratamento de sua condição de adicto. No segundo caso, a coordenação/equipe
conseguiu sair de um sentimento de culpa imobilizante para a revisão do acolhimento de
casos semelhantes, tanto no nível da USF, como em sua relação com os responsáveis, a
nível de SMS, pela priorização das urgências nos encaminhamentos para serviços
especializados. No terceiro caso, a coordenação pode entrar em contato com o sentimento
contratransferencial de raiva e com a postura obstinada de negação da solicitação de
aplicação domiciliar de insulina, tratando de forma similar e normativa todos os casos de
pessoas insulino-dependentes, sem perceber a necessidade de flexibilização que o caso
em questão exigia para a manutenção do vínculo. Cabe ressaltar que a paciente apresenta
dificuldades sócio-econômicas, uma rede social mínima e visão comprometida, o que a
impede de deslocar-se até a USF, conformando um caso de risco grave. O PTS previu a
transferência temporária do caso para outros profissionais da equipe, ainda não
contaminados por este sentimento, permitindo assim o restabelecimento do vínculo com a
equipe e a garantia de continuidade do tratamento.
Os dois casos que se seguiram foram do mesmo nível de dificuldade, porém
relativos à gestão: imposição autoritária e sem sucesso da rotatividade de coordenação
das reuniões de equipe e tentativas frustradas de integração da Santa Casa à lógica do
SUS. Nestes dois casos foram trabalhados sentimentos de onipotência x impotência.
Entrar em contato com os sentimentos de impotência pode potencializar novas ações,
como nos casos que se seguem. No primeiro caso, evidenciaram-se os limites e a
frustração de expectativas da coordenação, ao tentar impor a liderança a quem não se
encontrava preparado, ou não desejava exercê-la. A coordenação de qualquer atividade
gera além de bônus, muitos ônus, que muitos podem não desejar carregar. Nem todas as
pessoas estão maduras o suficiente para lidarem com estes ônus e responsabilidades ou
para administrarem os conflitos inerentes ao convívio grupal. A partir desta compreensão,
uma coordenação rotativa torna-se um ato pretensamente democrático, que se traduz num
ato autoritário. A mudança observada foi a criação de espaço para o florescimento de
iniciativas coordenadas por diferentes profissionais no âmbito da USF. Também foram
trabalhadas as projeções inconscientes na figura do coordenador, de relações arcaicas
vivenciadas com as figuras parentais, que representaram autoridades, que às vezes se
manifesta através de relações conflituosas. A compreensão deste fenômeno ajuda os
coordenadores a compreenderem que, muitas das situações conflituosas no âmbito das
equipes são provocadas por estas projeções inconscientes e nada têm a ver com a figura
real do coordenador.
Em relação ao caso da relação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) com a
Santa Casa, destacam-se aspectos relativos à própria dificuldade de se compreender a
lógica de funcionamento e dissolução do poder interno desta instituição conveniada com
o SUS, totalmente desarticulada e constituída de múltiplos grupos de interesses, além da
existência de uma lógica completamente diferente da lógica de funcionamento do próprio
SUS. Da perspectiva do psiquismo grupal é possível associar-se este relacionamento
interinstitucional à imagem de um casamento entre parceiros com personalidades
totalmente distintas, onde o diálogo é extremamente difícil. A falta de compreensão
destes limites leva a relações extremamente conflituosas, associadas a um sentimento de
raiva e impotência, que torna o fluxo de afetos negativo. A contextualização do caso no
âmbito da política nacional, relativa ao papel das Santas Casas no SUS, ajudou também a
perceber que o problema de relacionamento interinstitucional requer soluções que
transcendem o âmbito do poder local. No entanto, em nível de governabilidade local há
possibilidades de soluções criativas, embora parciais, que foram sugeridas no Projeto de
Intervenção, tais como trabalhar nas áreas de menor resistência e/ou setores estratégicos,
como o Pronto Socorro, de modo a buscar uma parceria que melhore o relacionamento da
rede de atenção básica com o hospital. Interessante observar que os sentimentos de raiva
e impotência, revelados inicialmente, foram dando lugar a um projeto bastante inovador e
criativo visando uma possível co-gestão da SMS (PSF)/ PS da Santa Casa, obstaculizado,
até o momento, por dificuldades de ordem macro-política no relacionamento
interinstitucional.
No percurso das discussões dos casos que se sucederam apareceu uma forte
expressão de frustração e descontentamento por parte de uma participante, que pode ter
atuado como “porta voz inconsciente” do grupo. Tais sentimentos de frustração foram
expressos com agressividade. A coordenação teve dificuldade de lidar com sentimentos
contra-transferenciais também agressivos, tomando uma atitude normativa, ao evitar a
abertura do espaço para uma avaliação do curso mais geral naquele momento, de modo a
ouvir os demais integrantes do grupo. Uma avaliação estava prevista para uma das
sessões seguintes. No entanto, esta integrante do grupo pode ter funcionado
inconscientemente como “porta-voz” da frustração do grupo em relação a não tratar-se de
um curso tradicional de gestão, mas de uma proposta que se propõe a trabalhar também a
nível de subjetividade, com os sentimentos que dificultam ou impedem a realização das
tarefas. O grupo, no entanto, voltou a elaborar esta sessão em um momento posterior, na
qual o curso foi muito bem avaliado. No entanto havia necessidade de acolher os
sentimentos de frustração como sentimentos reais, embora pudessem ou não ter relação
com resistência interna a fazer o trabalho intra-psíquico proposto. Esta hipótese se baseia
no fato de ter havido explicitação no contrato inicial do curso de seus objetivos e
metodologia, que correspondiam ao que estava sendo ofertado. Outro tipo de resistência
que surgiu foram tentativas de manipulação inconsciente que buscaram cindir a equipe de
coordenação, endeusando uns e satanizando outros, evidenciando um certo elogio e
apologia da teorização em detrimento da análise do processo grupal, o que também foi
compreendido como resistência ao trabalho intra-psíquico grupal.
A revelação, contato e interpretação destes sentimentos defensivos foi ajudando a
reduzi-los, à medida que os integrantes percebiam que tais sentimentos tidos como
“negativos e obstrutivos” podiam ser revelados e acolhidos pelo grupo, de modo a não
obstaculizar o amadurecimento e empoderamento grupal. À medida que fomos
trabalhando as defesas e os limites do próprio grupo e da Estratégia de Saúde da Família
na resolução de determinados problemas, o grupo, cada vez mais saiu da condição de
vitimização e culpabilização externa para a de diagnóstico, interpretação e construção de
soluções criativas. Os dois PTS que se seguiram evidenciaram emponderamento do grupo
para co-produção de sujeitos coletivos potentes para lidar com sociopatologias
complexas, que exigem alto nível de capacitação em tecnologias relacionais.
Um dos casos, trazido por um coordenador, médico de uma equipe que atua em
área rural, envolvia violência intrafamiliar e uma história de vida marcada por carências e
abusos de toda ordem. Trata-se de uma mulher de 25 anos, que comparecia
frequentemente à Unidade com queixas genitais sem causa orgânica aparente. Desde sua
infância sofreu violência física, psicológica e sexual, vivendo em situação de exclusão
social, com grande dificuldade de manter vínculos afetivos. Teve diversos
relacionamentos com homens que reproduziram o ciclo de violência, possuindo uma filha
de 10 anos, que também vem sofrendo agressões por parte do padrasto e da própria mãe.
O Projeto Terapêutico discutido pelo grupo envolveu a solicitação de auxílio da
assistência social; o desenvolvimento de parcerias locais para garantir maior inclusão
social; apoio para a obtenção de trabalho; capacitação da ESF para atuar como ego-
auxiliar e reflexão sobre as reproduçoes da violência no âmbito da própria equipe e as
alternativas para lidar com casos como este, comuns na comunidade rural assistida pela
equipe. A partir das primeiras intervenções previstas no PTS, a usuária foi mostrando-se
aberta ao apoio da equipe. Conseguiu um emprego temporário e passou a produzir
artesanato como forma de complementar sua renda. O psicólogo da USF passou a realizar
visitas domiciliares, nas quais trabalhava com mãe e filha o auto-cuidado e as
dificuldades cotidianas de ambas. Como a usuária costuma faltar aos atendimentos
agendados, a equipe colocou-se aberta para acolhê-la nos momentos em que ela própria
os procurasse, o que possibilitou maior aproximação e o estreitamento do vínculo. A
equipe vem apoiando a usuária no sentido de estimular uma re-estruturação familiar
menos violenta. Este PTS possibilitou ainda, um efeito não esperado na dinâmica da
própria equipe. A partir das discussões sobre a violência e conflitos gerados pela
desigualdade sócio-cultural local, a equipe pôde analisar sua forma de atuação frente à
diversos problemas sociais presentes no território e houve uma diminuição dos conflitos
internos à equipe. Isso promoveu novas práticas de saúde voltadas para esta população
que tem na violência um fator intrínseco da construção do coletivo local. A equipe passou
a fazer avaliação de risco e vulnerabilidade, dando atenção para a violência como
geradora de agravos físicos e mentais, e a ampliar suas intervenções para a abordagem
das dimensões subjetiva e social no processo saúde-doença.
O segundo caso que também evidenciou uma profunda mudança de perspectiva
do grupo no sentido de sair da condição de impotência, e vitimização para uma de
potência crescente. Tratou da abordagem familiar de um paciente psicótico, sem
relacionamentos familiares ou rede social e sem adesão a tratamento do Caps. O usuário,
alcoolista, de 55 anos, recebe sua aposentadoria no banco e administra seu dinheiro,
evidenciando capacidade de prover-se e autonomia para locomoção, embora
apresentando sérios problemas com a higiene pessoal e da casa. Não costumava tomar
banho, limpar a casa ou lavar roupas. Não permitia que as pessoas da família entrassem
em sua casa, “defendendo-a” através da defecação pela casa, como se a demarcar seu
território. A geladeira permanecia desligada, com alimentos podres que colocavam em
risco sua saúde. Houve episódios de intervenção forçada, como realização de faxinas pela
equipe, solicitação de intervenção da Vigilância Sanitária e encaminhamento ao Caps,
sem adesão ao tratamento. O PTS evidenciou a necessidade de atuar em conjunto com o
Caps, de modo a sustentar o tratamento no tempo, de repensar referência e contra-
referência e discutir os papéis de cada serviço. A equipe investiu no aprofundamento do
vínculo, através do trabalho paciente e sensível da ACS. A equipe conseguiu também
aprofundar o conhecimento sobre a família do usuário e sua rede social, ao mesmo tempo
em que foi estreitando os laços com ele. A medicação, que não era revista há alguns anos,
foi mudada e o usuário passou a alucinar menos. Foi descoberta uma irmã, que ainda
possuía vínculo, que se responsabilizou pela higiene da casa, com a permissão do
paciente, que também concordou com a manutenção da geladeira ligada. A equipe passou
a compreender as atitudes do paciente em função de sua história familiar e de seu
sofrimento mental. A discussão sobre as redes sociais sensibilizou a equipe para montar
um grupo de convivência com pessoas que possuem transtornos mentais e que se tratam
na USF, como esse usuário, que hoje também participa do grupo. A idéia do “grupo de
convivência” é voltada para a produção de saúde, com destaque para um grupo de
artesanato que se reune periodicamente e é auto-gerido. Esta idéia se estendeu para vários
outros serviços, muitas vezes substituindo os grupos por enfermidades (hipertensos,
diabéticos). A USF e o Caps se aproximaram e este iniciou uma capacitação para os
profissionais que coordenam o grupo, através de um matriciamento contínuo para
esclarecer dúvidas e supervisionar o trabalho com os grupos.
No decorrer das discussões de casos, foram sendo trabalhadas, em nível
inconsciente grupal, as defesas traduzidas na forma de solicitações de aprofundamento
teórico. É claro que num nível grupanalítico profundo podemos nos aproximar de um
entendimento do porque estes profissionais traziam estes temas para discussão. Muito
provavelmente numa grupanálise poderíamos adentrar em conteúdos emocionais grupais
interessantes e profundos e que mostrariam os sentimentos inconscientes destes
profissionais frente aos casos trazidos para discussão. Este não era, entretanto, o objetivo
maior deste trabalho. O objetivo maior era proporcionar o espaço adequado e continente
para verbalização e superação destes conflitos num plano operativo, conforme a técnica
dos grupos operativos desenvolvida por Pichon-Riviére (1986). É sempre bom lembrar
que não se trata de tratamento psicoterápico, apesar de, às vezes, a distância entre um e
outro ficar próxima. Deve, entretanto, o coordenador tomar o cuidado de não misturar as
coisas.
Voltando aos pedidos de aprofundamento teórico, eles são necessários, mas não
podem ser impeditivos do caminhar do grupo, à medida que o conhecimento que o grupo
já detém em função de sua prática cotidiana na USF é suficiente para a realização de
inúmeras tarefas, que acabam não sendo realizadas devido aos conflitos intra-psíquicos
em nível de trabalho de equipe. Tais defesas atuam como forma de postergar ou evitar a
passagem da pré-tarefa à tarefa, impedindo a realização da potência do grupo. Funcionam
reafirmando uma expectativa imatura de que as soluções dos problemas exigem soluções
externas, que serão dadas por mais conhecimento teórico ou por especialistas detentores
de todo o saber. Após o trabalho com este tipo de defesa, foram discutidos projetos de
intervenção bastante criativos, como a elaboração de uma proposta de prontuário
familiar; a revisão do papel dos ACSs; uma pesquisa e revisão da estratégia de prevenção
de câncer de colo uterino; a elaboração de projeto inter-setorial com uma ONG que
acolhe alcoolistas, e a formação de grupos de alcoolistas e familiares nas USF; além de
uma proposta de co-gestão da atenção especializada; outra de revisão do matriciamento; e
uma nova estratégia de ampliação e fortalecimento dos conselhos locais de saúde. Foi
trabalhada a importância da criação de um ambiente protegido para que os “sentimentos
ditos negativos”, como medo, fragilidade, inveja, competição, raiva, agressividade, dentre
outros, pudessem aparecer, sem retaliações ou uso destrutivo na ambiência profissional.
O contato e exposição destes sentimentos no ambiente grupal permite a limpeza do “lixo
psíquico” descrita por Osório (2000), que por si só já é terapêutica, e permite o contato
com a fragilidade alheia, trazendo a consciência de que todos possuem pontos fracos, o
que se traduz em força e potência ainda pouco conhecida e passível de realização.
Outro caso apresentado por uma coordenadora de USF foi a dificuldade de
implementar algumas diretrizes do PSF, acompanhado de um pedido de maior apoio
matricial. Inicialmente esta solicitação foi criticada pela gestora municipal, presente no
grupo, que se sentiu atingida por supostas acusações de “insuficiência de recursos e
apoio”. A defesa foi apontar a larga experiência desta coordenadora na Atenção Básica.
O grupo discutiu então a importância de se escutar e respeitar a necessidade exposta e
evidenciou a coragem desta coordenação de expor suas dificuldades e inseguranças no
grupo, contruindo coletivamente um projeto de apoio mais intensivo, que apresentou
resultados importantes ao longo de sua implementação.
Outro caso de gestão discutido no grupo foi o da relação das USF com uma
entidade filantrópica evangélica, que tem por finalidade a recuperação de jovens e adultos
dependentes de drogas, fumo e álcool. A principal dificuldade trazida foi da instituição
não atender às normas da ANVISA16, que regulamentam o funcionamento destes
serviços: a precária estrutura física e recursos humanos inadequados para o atendimento
proposto, além de questionamentos sobre o papel da USF junto a estes usuários
temporários. O Projeto de Intervenção propôs uma roda para problematizar a situação da
entidade com os atores envolvidos; evitar uma postura autoritária (de autoridade sanitária
ou de educador em saúde) e desenvolver postura de agente facilitador; construir um
projeto interinstitucional para melhorar a infra-estrutura; abordar o serviço de forma não
tradicional; organizar o atendimento aos usuários, mesmo sem entrar na questão da
16
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
dependência química; estruturar a equipe do PSF para responder a essa demanda de
forma à se co-responsabilizar, criar parcerias e ampliar o olhar. No processo de co-
construção de projeto intersetorial foi proposto melhorar a estrutura física, com
arrecadação de fundos para a reforma, cuja primeira etapa já foi concluída em 2007. Foi
negociada a forma de atendimento médico e odontológico na USF, além do oferecimento
de trabalho com grupos de dependência química e da construção de um cronograma de
ações educativas. Em relação à equipe e coordenação, existe uma avaliação de que houve
uma mudança, ainda que discreta, de um olhar fiscalizador para um olhar facilitador, que
permitiu a concretização de parcerias e ampliou uma visão da fachada para uma visão
mais ampliada da situação.
Também cabe ressaltar mais dois trabalhos desenvolvidos com grupos nas USF,
trazidos pelos residentes: Um grupo com pacientes diabéticos, em que os coordenadores
conduziram bem a parte biomédica. No entanto, ficaram temerários de “abrir“ para o
trabalho com a subjetividade, mesmo diante do desejo dos participantes em dar
continuidade ao trabalho de grupo após um ano de encontros com discussão de temas
selecionados pela equipe. Ao serem consultados sobre os temas de interesse, os
participantes listaram os mesmos temas abordados anteriormente. Isto nos sugeriu, por
um lado, o desejo de manutenção dos encontros, indicando ganhos e aquisições e, por
outro, o reconhecimento dos limites do trabalho da equipe no desenvolvimento de uma
abordagem mais aprofundada dos aspectos emocionais subjacente ao processo de
adoecimento e tratamento.
Outro Projeto de Intervenção realizado por um dos residentes abordou a condução
de um grupo de cuidadores de pacientes acamados. Do ponto de vista metodológico o
grupo foi bem conduzido, garantindo o espaço de convivência e troca de experiências
entre os cuidadores, mas por outro lado, sofreu um “boicote inconsciente” da ESF, que se
traduziu na não divulgação e, conseqüente, na baixa adesão, revelando-se limitado no
trato com a subjetividade da própria ESF, que em algumas ocasiões evidenciou pouca
compreensão dos objetivos do grupo, sugerindo que se trabalhassem mais questões mais
ligadas aos cuidados corporais com os acamados. No entanto, não pareceu ser esta a
demanda do grupo, que a despeito das dificuldades práticas e subjetivas de se afastar do
acamado para cuidar-se, quando isto era possível, evidenciava interesse e disposição no
trabalho com as questões emocionais subjacentes a relação cuidador/ pessoa em cuidado.
No entanto, alguns integrantes do grupo revelaram maior resistência que outros a este
tipo de trabalho com a subjetividade, expondo-se pouco. O fato de que mantiveram sua
presença até o fim é um indicador que em algum nível o trabalho intra-psíquico estava
sendo realizado, junto com as ofertas teóricas. No entanto, embora todos tivessem
teoricamente o mesmo espaço para exporem suas dificuldades e trabalharem suas
questões internas, uns evidenciaram maior disponibilidade interna que outros para tal
realização. E isto é mesmo esperado. Num grupo sempre há os que desistem e os que
persistem, os que evoluem mais rápido e os que vão evoluindo devagar. O grupo é um
espaço privilegiado para o aprendizado do respeito às diferenças e ao conhecimento que
se baseia na experiência vivida (e absorvida) e não apenas na aquisição de informações.
Conhecimento que se transmuta em sabedoria.
Resultados
Conclusão:
BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. São Paulo: Ed. Atheneu. 1984.
BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor. 2004.
BION, W.R. Experiências com grupos. Rio de Janeiro: Imago Editora. 1975.
CAMPOS, G.W.de S. A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada. In:
Campos (org). Saúde Paidéia. São Paulo: Ed. Hucitec. 2003.
IBGE – 2006.
MELLO FILHO, J. de. Vinte e cinco anos de experiência com pacientes somáticos. In:
Zimerman (org). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Ed. Artmed. 1999.
________________. de. Concepção psicossomática: uma visão atual. Rio de Janeiro: Ed.
Tempo Brasileiro. 1979.
OSÓRIO, L.C. Grupos, teorias e práticas. Porto Alegre: Ed. Artmed. 2000.
ZIMERMAN, D.E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Ed. Artmed.
2000.
Formas de pensar e organizar o sistema de saúde: os modelos assistenciais
em saúde
Ivan Batista Coelho
O que é um modelo?
Você já deve ter ouvido inúmeras vezes expressões como “modelo médico-
cêntrico”, “hospitalo-cêntrico”, “sanitarismo campanhista” entre outras. É bem possível
que tenha presenciado, em algum debate, o expositor se referir a determinadas
corporações da saúde como tendo uma visão “biológica e reducionista” do ser humano ou
que determinada forma de organizar e prover os serviços de saúde tem um caráter “liberal
privatista”. Não é improvável, por outro lado, que, vez por outra, tenha escutado alguém
dizer que estas expressões são típicas de alguns “esquerdistas ociosos” que não atendem
diretamente as pessoas e que “militam” nas esferas “burocráticas” ou políticas do sistema
de saúde. Pode até ser que alguém já tenha se dirigido a você perguntando: afinal de
contas, você é um médico, enfermeira, odontólogo ou psicólogo de verdade ou é um
destes sanitaristas que andam por aí tergiversando sobre tudo em geral e que não
entendem de nada em particular?
Vamos tentar colocar as questões em outro plano. O fato é que os sistemas de
saúde, as organizações de saúde e suas formas de interagir, bem como o trabalho das
diversas corporações de trabalhadores e sua valoração social se mostram diferentes
quando os observamos ao longo da história, nas diversas localidades onde concretamente
se encontram inseridos e, acima de tudo, dependendo do tipo de enfoque que utilizamos
para abordá-los. Durante praticamente todo o Século XX o Hospital e seu quadro médico
ocupou uma posição de centralidade na organização dos sistemas de saúde de
praticamente todos os países do ocidente. Falar de sistema de saúde se restringia, quase
sempre, a discutir como organizar médicos e hospitais. Mas isto não foi sempre assim. O
Hospital nem sempre foi lugar de doentes e, até mesmo a associação entre médicos e
hospitais é fato relativamente recente na história dos hospitais.
O hospital, como o conhecemos hoje, é considerado por muitos historiadores e
sociólogos, como Steudler (1974), Rosen (1980) e Antunes (1991) uma criação da
cristandade da alta idade média. Etimologicamente, a palavra vem do latim hospitale
(lugar onde se recebem pessoas que necessitam de cuidados, alojamento, hospedaria),
ou hospes, hóspedes ou convidados. Inicialmente, ficava próximo às igrejas e recebia
todo tipo de pessoa que necessitasse alguma ajuda. Não apenas doentes, mas pobres,
incapacitados, peregrinos, vagabundos, órfãos, idosos, etc. Os relatos históricos datam
o surgimento destas organizações a partir do final do Século IV e início do V d.C. Ao
longo de toda a idade média, estes estabelecimentos foram se multiplicando,
diferenciando e assumindo finalidades distintas, entre as quais merece destaque os
nosocomia, que eram hospitais ou enfermarias que prestavam assistência aos doentes
ou enfermos. Porém, esta assistência não tinha como objetivo, mesmo se tratando de
doentes, a cura de seus males, mas, principalmente, a salvação de suas almas. Pode-se
dizer que o hospital da idade média foi menos um estabelecimento sanitário do que um
lócus religiosus, e sua missão, uma pia causa, a de assistir aos pobres estivessem eles
enfermos ou não. Funcionavam com pouca ou nenhuma presença de médicos, e, ainda
não se constituíam em uma preocupação importante do Estado.
Entre os Séculos XVIII e primeira metade do Século XIX, segundo Foucault
(1980) os hospitais, além de progressivamente saírem da gestão da igreja passando a ser
gerido pelo Estado, vão se tornar progressivamente local de doentes e dos médicos, para
lá atraídos, pela possibilidade de estudar e melhorar sua prática clínica. O fato é que o
hospital tornou-se uma via paralela de ensino cada vez mais importante e legitimada, e
também um local de trabalho insubstituível para a elite médica. À medida que a clínica
foi se desenvolvendo, a atribuição de diplomas médicos passa a depender não apenas da
presença efetiva dos estudantes nas aulas de anatomia das salas das academias, mas
também da prática clínica nas enfermarias à cabeceira do doente internado. Seja em
função do ensino, seja em função do trabalho, o médico passou a ligar-se em maior escala
ao hospital. Esta articulação recém iniciada entre médicos e hospital vai mudar
profundamente a vida dos dois. No hospital, a saúde do corpo vai substituir
progressivamente a salvação da alma como objetivo, enquanto para os médicos, a clínica,
mudando seu enfoque da doença como essência abstrata, passa a ver o indivíduo no
hospital como corpo doente a demandar uma intervenção que dê conta de sua
singularidade, que Foucault tão bem descreve no Nascimento da Clínica.
Se esta associação entre médicos e hospitais, com seu novo paradigma científico
e o uso de métodos assépticos e anti-sépticos permitiu reduzir drasticamente as mortes
por infecções, suas inconveniências não tardaram a se manifestar. Na fase miasmática, os
médicos já haviam feito uma associação entre pobreza, insalubridade e doença. Na teoria
de Pasteur são as bactérias ou agentes infecciosos as causas destas doenças. É no
microscópio, e não na forma de organização da sociedade, que se procura suas causas. A
história natural da doença é dominada pelos fenômenos biológicos e sua história social é
praticamente abolida. O tratamento e a prevenção das doenças pára de ter relação com a
redução da pobreza, passando a demandar outros mecanismos. O combate à pobreza dá
lugar à procura de estratégias que abortem a transmissão, o contágio, a infecção, etc..
Muitos anos vão ser necessários até que se volte novamente a associar as doenças à
pobreza ou a formas de organização da sociedade. Nas anamneses de médicos,
enfermeiras e outros profissionais de saúde este fenômeno mostra sua face até hoje. Basta
observar o diminuto tamanho da história social dos usuários, quando presentes!
Do final do Século XIX à primeira metade do Século XX o hospital vai
progressivamente se tornando uma organização complexa. Já havia incorporado o
laboratório de bacteriologia, o bloco cirúrgico, as técnicas de assepsia e anti-sepsia e, na
passagem do Século XIX para o Século XX incorporou os Raios X e a patologia clínica.
Estes e vários outros setores foram, paralelamente aos avanços da ciência, se
sofisticando. Assim, o hospital, que anteriormente se constituiu como lugar onde os
pobres aguardavam a morte ao abrigo da caridade pública, passou a ser considerado lugar
onde se procura a cura para as doenças. Em seu interior, o trabalho para a salvação da
alma deu lugar a uma prática clínica para o restabelecimento da saúde do corpo. Uma das
mais importantes conseqüências é que pela primeira vez em toda a história do hospital,
seus serviços deixaram de ser procurados apenas pelos pobres. Para ele acorriam também
os ricos a procurar tratamentos para os seus males. Passou a ser o centro mais importante
de pesquisa, ensino, aprendizagem e dispensação de cuidados médicos. Esse período da
evolução dos hospitais coincide também, segundo Steudler (1974) e Freidson (1984),
com o reconhecimento de direito e de fato da medicina como profissão. Isto equivale a
dizer que a medicina tornou-se uma prática dotada de autonomia técnica, de poder
jurisdicional e de auto-regulamentação. E esta associação entre hospital, medicina e uma
determinada visão científica - no caso em questão a biologia - vão se constituir no
pensamento hegemônico da segunda metade do século XIX e da primeira metade do
Século XX. Quando Países, associações e organizações vão enfrentar problemas
sanitários ou construir sistemas de saúde, a alternativa que se apresenta é esta associação
entre médicos, hospitais e medicina científica. Com certeza, não era a única, mas a que
prevaleceu com maior freqüência. Provavelmente, a esta altura as expressões como
“hospitalo-cêntrico”, “médico-cêntrico” e ”visão biológica e reducionista” já fazem mais
sentido.
Embora os hospitais, os médicos e uma certa visão de ciência que dava maior
ênfase aos fenômenos biológicos para orientar as práticas nos sistemas de saúde - que
tinham por objeto o enfrentamento das doenças - fosse comum a praticamente todos os
países do ocidente, incluindo os países socialistas, as formas de organizar estes serviços e
ofertá-los à população variou amplamente desde o início do Século XX. Enquanto nos
países socialistas e também na maioria dos países europeus organizaram-se os Sistemas
Nacionais Públicos de Saúde, nos Estados Unidos da América e alguns outros países
desenvolveu-se o que vem sendo chamado por alguns autores de Modelo Liberal
Privatista. Embora esta tipologia seja muito genérica e abarque grandes diferenças entre
os países ou sistemas que são contados sob seus respectivos rótulos, um conjunto de
características predominantes em cada uma pode nos orientar na análise comparativa dos
sistemas de saúde. Em linhas gerais poderíamos dizer que o que caracteriza os sistemas
nacionais públicos de saúde é seu caráter de acesso universal, fortemente regulado e
financiado pelo aparato estatal, com serviços ofertados ao conjunto da população
diretamente pelo estado ou através da compra de serviços de profissionais ou
organizações privadas. No Modelo Liberal Privatista a população compra os serviços de
saúde diretamente dos prestadores, através de diferentes tipos de associações que vão
desde o mutualismo até empresas que mediam a relação entre os usuários e os serviços,
que em geral, se colocam como prestadores privados de assistência à saúde.
Segundo Graça (2000), no pós-guerra, a extensão da proteção social e,
conseqüentemente da assistência à saúde a toda a população, que ocorreu, em diferentes
graus de intensidade, na maioria dos países se deu tendo como objetivo principal
disponibilizar médicos e hospitais para a população. Isto fez com que houvesse um
grande aumento da procura a serviços hospitalares. Em decorrência deste fato, ocorreu
até a década de 60, um grande aumento do número de hospitais, de leitos hospitalares, de
profissionais ligados aos hospitais e do número de serviços prestados, em praticamente
todos os países da Europa e também da América do Norte. Assim, em quase todos os
países do ocidente, em períodos que se diferenciaram em alguns anos, a saúde passou a se
constituir como um direito garantido constitucionalmente, a ser provido diretamente pelo
Estado ou por seguros públicos ou privados de saúde, em diferentes arranjos de
financiamento e de prestação de serviços, porém, com grande aumento do acesso a
médicos e à hospitalização.
Nos anos 70 e 80 do século XX, a associação, entre um alargamento da clientela e
a ampliação do acesso aos serviços, operada pela implementação do direito à saúde como
política da maioria dos países ocidentais por um lado, e o aumento dos custos decorrente
de uma medicina hospitalar cada vez mais especializada e equipamento-dependente por
outro, resultou em um expressivo aumento do gasto com assistência médica ao longo dos
anos, o que, de alguma forma, ainda repercute até o presente. O quadro a seguir (extraído
de Mckee, 2002, p.50) evidencia o crescimento dos gastos em relação aos percentuais dos
produtos internos brutos de diversos países (PIBs) e dá uma idéia do impacto econômico
desta forma de assistência à saúde que, como havíamos mencionado anteriormente, tinha
os hospitais e a medicina especializada como centro dos sistemas de saúde. No entanto,
essa ampliação nos gastos não se fez acompanhar da melhoria dos indicadores de saúde.
Um extenso número de pesquisas e estudos começou a mostrar a ausência de correlação
entre níveis e indicadores de saúde em cada país, e o gasto em saúde, seja em termos de
gasto percapita ou de percentuais do PIB, o que também continua prevalecendo até
nossos dias.
43
27
19
11
1 - A medicina comunitária
È bem possível que estes dois relatórios, o conjunto de forças políticas que se
articulavam em torno dos mesmos, e o que foi feito dos mesmos em cada local, sejam
responsáveis pelas brutais diferenças de formas de organização de sistemas de saúde que
se deram entre os Estados Unidos e os países europeus. Enquanto no primeiro o aparato
estatal cuidava essencialmente das ações de saúde coletiva (vigilância sanitária,
ambiental, epidemiológica, controle de doenças de impacto coletivo, etc.), deixando a
assistência médica a cargo do setor privado e do mutualismo, o Reino Unido e demais
países europeus evoluíram no sentido de constituir sistemas públicos universais de saúde.
Aqui, entre várias outras características distintivas entre estes dois tipos de organização e
serviços – caráter público em contraposição ao privado; saúde como direito de cidadania
em contraposição à saúde como mercadoria comprada no mercado; racionalização e
ordenamento do sistema em contraposição à sua organização pela lei da oferta e da
procura; etc. -, chama a atenção o caráter conferido à atenção primária. Enquanto no
sistema inglês a atenção primária era considerada como um primeiro nível do sistema que
deveria resolver 80 ou 90 % dos problemas clínicos, preventivos, etc. na visão americana
tratava-se de espaço, que do ponto de vista do poder público, cuidava principalmente de
ações com hipotético impacto na coletividade e que correspondiam a programas para
hansênicos, tuberculosos, gestantes, crianças, imunizações, etc. É bem provável que este
formato de organização da atenção primária americrana, onde as unidades se
preocupavam centralmente com os “programas”, negligenciando a abordagem integral
dos demais problemas dos cidadãos tenha influenciado profundamente a organização da
atenção primária no Brasil e seja um dos fatores históricos que contribuíram para a sua
baixa resolutividade clínica, conferindo-lhe o caráter básico, com o qual é
freqüentemente designada, em contraposição à nível de sistema, que lhe foi conferido por
ingleses e europeus de uma forma geral.
As Cidades Saudáveis
Em defesa da vida
A título de conclusão
ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Hospital: instituição e história social. São Paulo:
Letras e Letras, 1991.
ARAÚJO, Aquiles Ribeiro de. Assistência Médica hospitalar no século XIX. Rio de
Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1982
COHN, Amélia e Elias, Paulo Eduardo Mangeon. Eqüidade e reforma na saúde nos anos
90. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(suplemento)173-180, 2002.
FLECK, Ludwik. The Genesis and Development of a Scientific Fact (editado por T.J.
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FRIEDSON, E. The hospital in the modern society. London: The Free Press of Glencoe,
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LEUCOVITZ, E., Pereira, T.R.C. 1993. SIH/ SUS (Sistema AIH): uma análise do
sistema público de remuneração de internações hospitalares no Brasil 1983-1991. Série
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do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1993.
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de história da previdência no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.
PEGO, Raquel Abrantes e Almeida, Célia Maria. Teoria y prática de las reformas em los
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Ministers of Health of the Americas (Santiago, Chile, 2-9 October 1972).
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planos de saúde de empresas, no Brasil. In: Brasil. Ministério da Saúde. Agência
Nacional de Saúde Suplementar.Regulação & Saúde: estrutura, evolução e perspectivas
da assistência médica suplementar / Ministério da Saúde. Rio de Janeiro: ANS, 2002.
Podemos dizer que das seis características três se referem diretamente ao vínculo
entre pacientes e médicos. Todas se referem, de algum modo, a um tipo especial de
clínica na atenção primária: com abordagem ampliada (familiar e comunitária), com
confiança e disponibilidade (“força das relações”, “primeiro atendimento”) e capacidade
técnica para se responsabilizar pelos problemas mais prevalentes, independente do tipo
(coordenação).
Quanto a avaliação do impacto e dos custos dos diferentes sistemas de cada país,
a autora utilizou os seguintes parâmetros para comparar resultados e custos: 1.
Classificação das taxas para 14 indicadores de saúde obtidos por métodos comparáveis e
de uma única fonte de dados. Os indicadores incluíam mortalidade neonatal; mortalidade
pós-neonatal; mortalidade infantil (neonatal e pós-neonatal combinadas); expectativa de
vida na idade de 1 ano (para eliminar a contribuição da mortalidade infantil) e nas idades
de 20, 65 e 80 anos, para homens e mulheres, separadamente; taxas de morte ajustadas
por idade; anos de vida potencial perdidos antes de 65 anos como resultado de problemas
previníveis. Também incluíram uma medida de morbidade: porcentagem de baixo-peso
no nascimento. 2.Classificação para gastos totais de sistemas de saúde per capita,
expresso pela paridade do poder de compra. 3.Classificações para a satisfação de cada
população com seu sistema de saúde, obtida por uma pesquisa por telefone em que as
pessoas classificaram o sistema de saúde de seu país de acordo com a extensão em que
necessitava de melhoras. A classificação foi baseada na diferença entre a porcentagem da
amostra de população relatando que seriam necessárias mudanças importantes e a
porcentagem que dizia que seu sistema necessitava apenas de mudanças menores para
torná-lo melhor. 4.Classificações para gastos por pessoa para medicamentos prescritos
pela paridade do poder de compra, sendo conferido grau 1 ao país com os menores custos
de medicamento prescrito.
Fica evidente que a ausência de atenção primária significa pior resultado de saúde
e maior custo. A autora acrescenta que:
Ao longo dos últimos anos houve várias formas de organizar a atenção básica no
Brasil, embora, haja predominado relativo descuido com o desenvolvimento dessa
estratégia. Todavia, desde 1994, com a criação do Programa de Saúde da Família (PSF)
pelo MS, depois denominado Estratégia de Saúde da Família (ESF), passou-se a
incentivar financeiramente um modelo específico de organização da rede de atenção
básica, que traz em seu escopo um conjunto de diretrizes, como o trabalho em equipe de
base territorial, a promoção e a prevenção à saúde, o perfil do profissional generalista, a
incorporação do agente comunitário de saúde, a normatização do processo de trabalho,
dentre outros.
Com isso, a ESF, ainda que se tenha inspirado em modelos de países como Cuba,
diferencia-se de outras experiências internacionais em função de incorporar o trabalho em
equipe multidisciplinar, destacando a função do agente comunitário de saúde.
Andrade & Barreto (2003/2004) têm também essa percepção, quando afirmam
que a ESF é vista como um modelo de APS focado na unidade familiar, construído
operacionalmente na esfera comunitária. Então, por definição, pode-se considerar a
experiência brasileira de ESF como modelo coletivo de atenção primária, com a
peculiaridade de ser construído no âmbito de um sistema de saúde público e universal.
Andrade, Barreto & Bezerra (2006) definem a ESF como um modelo de atenção
primária, operacionalizado através de estratégias/ações preventivas, promocionais, de
recuperação, de reabilitação e de cuidados paliativos das equipes de saúde da família,
comprometidas com a integralidade da assistência à saúde, focando-se na unidade
familiar e consistente com o contexto socioeconômico, cultural e epidemiológico da
comunidade em que está inserido.
De qualquer modo, observa-se que a ESF passou a ser a política oficial do SUS
para a atenção básica, e, em alguma medida, estruturante da rede básica em seu todo,
ocorrendo variações apenas em torno das diretrizes.
17
É um conceito habitacional de família entre outros possíveis. Se todos do mesmo domicílio/família são
adscritos com a mesma equipe, um grupo qualquer de pessoas que se considere uma família (por laços
afetivos ou sangüíneos) e que more em domicílios distantes (dois irmãos, por exemplo) não podem ser
adscritos à mesma equipe de referência
vínculo longitudinal e sobre os efeitos benéficos da coordenação de casos. O melhor
arranjo será aquele que melhor corresponder a singularidade de cada contexto. Tomando-
se uma concepção ampliada de contexto, não reduzido ao perfil epidemiológico, mas
considerando também disponibilidade de recursos, capacidade instalada, padrão cultural e
de urbanização, etc. Por outro lado, aquelas características cuja eficácia hajam sido
testadas em estudos comparativos deveriam prevalecer sobre outras alternativas.
18
CDC Centro de controle de doenças dos EUA. Órgão estatal em perfeita harmonia com o sistema privado
de atenção à saúde.
qualidade do trabalho médico, sem qualquer referência ao fato de que, em todos os países
do mundo, nenhuma estratégia para a APS funcionou sem alguma solução para o trabalho
médico. A crítica à bio-medicina, para alguns, transforma-se em combate aos médicos em
geral. Talvez se esteja alimentando um círculo vicioso: más condições de trabalho,
indefinições políticas / insegurança e demanda excessiva reforçam uma clínica reduzida
ao núcleo profissional, dificultam o vínculo e facilitam a rotatividade profissional. Talvez
ainda seja válida a crítica a uma tendência na área de saúde coletiva de tomar o trabalho
médico como intrinsecamente comprometido com a reprodução e manutenção do
capitalismo, não reconhecendo méritos na clínica individual. Neste movimento paradoxal
tem sobrado pouco espaço real de diálogo sobre o trabalho médico tanto com os próprios,
quanto a seu respeito na sociedade. O que diminui as chances de se construir uma política
pública capaz de incluir estes profissionais nos serviços de saúde. Com isto existe o risco,
na verdade, de uma aproximação da missão da atenção básica das ações de saúde que
prescindem do médico. Sob um discurso aparentemente progressista estreita-se o
caminho para não se implantar o SUS e, de fato, perpetuar a predominância do sistema
privado. Para completar o quadro podemos diagnosticar, lado a lado deste discurso
hipercrítico do trabalho médico, uma certa expectativa de adesão da categoria médica ao
SUS por meio de uma conversão a um certo “ espírito missioneiro”. Ou seja, a presença
de um certo apelo moralizante que, na verdade, se opõe totalmente a possibilidade de
cidadania, de direitos sociais, de autonomia e da instituição real de um sistema de saúde
público universal.
Voltando aos desafios clínicos e gerenciais, podemos observar que a maior parte
das características da ABS apontadas por STARFIELD, Campos, Cunha, e pela própria
ESF oficial, convidam a desdobramentos não normativos. Senão, como pensar vínculo e
seguimento (continuidade) sem pensar em um certo tipo de prática clínico-gerencial
correspondente, que possibilite uma sustentação do vínculo? (Em outras palavras seria o
mesmo que perguntar qual tipo de clínica predomina entre profissionais e usuários que
estão sempre, como no pronto atendimento, se vendo pela primeira vez?) Como imaginar
a integralidade / coordenação sem uma prática clínica ampliada? Coordenar significa
também enfrentar certezas míopes de especialistas quando necessário, valorizando a
experiência acumulada e o vínculo, assumindo as incertezas de uma clínica com baixo
valor preditivo positivo. Como imaginar a acessibilidade sem uma disponibilidade /
capacidade clínica de se organizar e acolher a demanda não agendada / programada?
Como imaginar os diversos tipos de composição de equipe sem pensar no apoio para o
trabalho em equipe, em busca constante da construção de uma grupalidade solidária, de
modo a evitar fragmentações e disputas? O aprofundamento da compreensão da Atenção
Básica em relação a algumas das suas características importantes parece requerer também
uma compreensão das práticas clínicas e gerenciais, nas suas especificidades e nos seus
entrelaçamentos. Da mesma forma, a qualificação da prática clínica dos profissionais da
atenção básica depende também de uma clareza quanto a definição destas características.
Pensar a atenção básica, suas possibilidades e desafios no Brasil, independente do peso
que cada uma de suas características gerais em cada situação singular, significa pensar a
CLÍNICA e a GESTÃO. Ou seja, fazer o seguimento longitudinal com vínculo,
responsabilização implica tanto recursos clínicos dos profissionais, quanto apoio / suporte
/ cobrança. Da mesma forma, a coordenação ou a clientela adscrita. Esta hipótese
confronta-se, em grande medida, com a situação atual da política para a atenção básica no
Brasil, em que as características da ABS são pouco debatidas em nome de uma lógica
dicotômica: ESF ou não ESF. Em realidade, seria necessário instituir-se um clima menos
polarizado, em que fosse possível trabalhar alguns dilemas. Como reordenar o modelo de
atenção de uma Unidade Básica tradicional para aproximá-las das diretrizes acima
comentadas? Que composição mínima deveria ter as equipes da atenção Básica, como
ampliar a multiprofissionalidade com a lógica do apoio matricial? Qual a clientela
possível de ser atendida por uma equipe da ABS? Qual a relação entre as pessoas, suas
famílias e a comunidade? Como incorporar o acolhimento sem transformar a ABS em
pronto atendimento?
CAMPOS, G.W.S.
TESTA, M. Pensar em salud. Buenos Aires: OPS/OMS, 1989 VIANA, A.L.D. &
DAL POZ, M.R. A reforma sanitária do sistema de saúde no Brasil e Programa de Saúde
da Família. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18 (suplemento): 139-51, 2002.
19
Para uma descrição sistematizada dessas abordagens, ver Vasconcelos (2008).
Apesar da amplitude gerada por essas diversas abordagens e os efeitos de suas
mútuas influências, ainda hoje permanece o paradigma biológico como modelo
explicativo hegemônico do processo saúde-doença, que se consolidou na chamada
medicina ocidental contemporânea. Trata-se de uma racionalidade que condiciona o
modo de atuação nos diversos espaços de assistência à saúde e que conforma um
determinado modelo de atenção, não apenas para as práticas dos profissionais médicos,
mas para toda a categoria dos profissionais de saúde.
Na história da medicina, os avanços do conhecimento médico e das tecnologias
diagnósticas possibilitaram a afirmação de um olhar focado em partes cada vez menores
do corpo, o que reduziu a saúde a um funcionamento mecânico: o corpo como máquina
em que regem os processos orgânicos (Vaitsman, 1982). Essa racionalidade médica se
traduz, ainda hoje, em práticas de saúde que elegem o indivíduo como objeto do
conhecimento e da prática médica, e privilegiam a medicina curativa com centralidade na
remissão de sintomas. Ainda, há no bojo desse modelo uma tendência à especialização,
de forma que o conhecimento e as ações de saúde são focados em partes e funções
específicas do corpo humano, aprofundando a divisão do trabalho e a fragmentação dos
saberes (Vasconcelos, 2008). Decorre também desse modelo um processo de tecnificação
da medicina na atualidade, que estabelece a necessidade de técnicas e aparelhos
diagnósticos em sobreposição ao olhar clínico, sob o mito da eficácia e da comprovação
científica. Com isso, a concentração dos recursos técnicos tem se instalado nos hospitais
e centros de diagnóstico e tratamento especializado, os quais se tornaram lócus
privilegiado para as ações de saúde, tendo o aparato tecnológico como mediador da
relação entre médico e paciente.
O que nos interessa destacar é que, na consolidação dessa racionalidade médica,
aparece como premissas a busca pela objetivação do sujeito e pela neutralidade na
relação médico-paciente, cujo desdobramento é o processo de expropriação da dimensão
sócio-cultural, da subjetividade e das possibilidades de manifestação do que é mais
especificamente humano no encontro entre usuários e profissionais de saúde.
Nesse sentido, para entender e operar com o emaranhado de relações que estão
presentes no processo saúde-doença, é necessário que a tradição médica e da Saúde
Coletiva se abram para o diálogo com outros campos de saber, como a psicologia,
antropologia, a sociologia, cujos instrumentais podem auxiliar na abordagem das
questões relativas ao contexto histórico-cultural, às condições sociais e as dimensões
subjetivas dos sujeitos e coletivos. Há que se utilizar da contribuição desses saberes na
compreensão dos valores culturais e representações, opiniões e crenças sobre saúde e
enfermidades; na compreensão da dinâmica familiar, do meio social e da maneira como
os sujeitos se inserem no mundo; no entendimento sobre as formas de lidar com a saúde e
no apoio à construção de outras formas, diferentes das já estabelecidas; na reconstrução
de biografias, de modo que os sujeitos possam buscar novas bases para pensar, sentir e
agir. Assim, se tornaria possível questionar a ilusão de verdade dos números, dados,
modelos e procedimentos, e situar os problemas na vida das pessoas (Minayo, 2006).
20
1. Para um aprofundamento da discussão sobre esses conceitos, dispositivos e arranjos, ver os
capítulos 8 deste livro “Apoio Matricial como Tecnologia de Gestão e Articulação em Rede.
Gustavo Nunes e suas referências.
Diferentes profissionais devem compor uma Equipe de Referência, para que entre
eles possa haver compartilhamento de saberes em seus núcleos e campos de atuação21,
reforçando o poder interdisciplinar (Campos, 1999; 2003). Isso exigirá que a equipe se
encontre para construir os projetos terapêuticos e se enxergue como co-responsável pela
sua elaboração e desenvolvimento das ações propostas, sempre em conjunto com o
usuário.
Para superar a lógica do encaminhamento seguido de desresponsabilização, é
necessário, além disso, reorganizar a forma de contato entre as áreas especializadas e os
profissionais das Equipes de Referência. No arranjo Apoio Matricial, os profissionais das
áreas especializadas fazem parte de um eixo matricial, oferecendo suporte técnico
especializado às equipes. A partir de discussões clínicas conjuntas, apoio para a
construção de projetos terapêuticos ou mesmo intervenções conjuntas concretas com as
equipes (consultas, visitas domiciliares, entre outras), os profissionais matriciais podem
contribuir para o aumento da capacidade resolutiva das equipes, qualificando-as para uma
atenção ampliada em saúde que contemple a complexidade da vida dos sujeitos.
O trabalho na lógica matricial permite distinguir as situações individuais e sociais
que podem ser acompanhadas pela Equipe de Referência, daquelas demandas que
necessitam de uma atenção especializada, a ser oferecida na própria unidade básica pelos
profissionais matriciais ou, de acordo com o risco, a vulnerabilidade e a gravidade, pelos
serviços especializados ou por outras instâncias sociais como conselho tutelar, assistência
social, etc. Pretende-se, com isso, romper com a prática usual dos encaminhamentos
indiscriminados e produzir co-responsabilização entre Equipe de Referência e
profissionais matriciais, de modo que o encaminhamento preserve o vínculo e possa ser
feito com outra lógica: a do diálogo entre os serviços e os profissionais.
21
Os conceitos de campo e núcleo de competências e responsabilidades foram desenvolvidos por Campos
(2000b) para distinguir os saberes e práticas peculiares a cada profissão (núcleo), dos saberes, práticas e
responsabilidades comuns a todos os profissionais de saúde (campo). Haveria uma sobreposição de limites
da Equipe de Referência. Neste sentido, não há encaminhamento, mas
desenho de Projetos Terapêuticos que não são executados apenas pela
Equipe de Referência, mas por um conjunto mais amplo de trabalhadores.
De qualquer forma, a responsabilidade principal pela condução do caso
continua com a Equipe de Referência” (Campos, 1999: p.396).
Os casos são encaminhados, mas a partir de um olhar coletivo aos objetivos desse
encaminhamento, a partir do projeto construído em equipe e com o usuário. Os
profissionais podem se utilizar de espaços coletivos de maneira geral para elaborar o
projeto terapêutico e desencadear as ações. Então, se é necessário saber na escola como
anda o aluno, é preciso marcar uma reunião, ou mesmo uma conversa ao telefone com a
professora pode ser suficiente. Com o conselho tutelar, uma reunião para discussão dos
possíveis encaminhamentos, sem desconsiderar os diversos fatores envolvidos numa
agressão familiar, e não só a questão moralista do certo e do errado. Uma conversa e
negociação com o próprio usuário sobre como poderá ser conduzido seu caso.
Na prática de saúde, olhar para outros aspectos não tradicionais/ não hegemônicos
implica trabalhar com outros equipamentos e instituições. O serviço de saúde (ou de
doença) não dará conta da totalidade humana e seria interessante se apoiar em outras
equipes e articular saberes tanto para conhecer outros âmbitos da vida do indivíduo, como
para tentar compor uma ação com outros núcleos de saberes. Por isso, olhar para o
comportamento de uma criança, exige que tenhamos um mínimo de contato com a
professora. Se a equipe quer ampliar o conhecimento sobre a cárie dental, a estratégia
pode ser fazer uma parceria nas escolas e aproveitar os professores como multiplicadores
do conhecimento com as crianças.
No entanto, observamos que o trabalho em rede ainda é mais valorizado quando
se trata de outros equipamentos de saúde, do em relação aos demais, de outras áreas,
existentes no território. Quando se pensa em rede na saúde, ainda entra em foco o
hospital, o ambulatório, os centros de saúde, os centros de atenção psicossocial. Então,
uma equipe dialoga mais facilmente com uma outra equipe de saúde do que com a Ong
entre cada especialidade e cada prática de saúde, sendo o campo este espaço de interseção entre as
diferentes áreas.
educativa do bairro, com a delegacia de polícia, com a escola, com a fábrica. Ainda há
desistências e resistências a montar um projeto assim.
Outra questão é que a intersetorialidade vem à tona e já é discutida atualmente no
momento da elaboração de políticas sociais, pela importância dos diversos setores da
sociedade nessa composição. Porém, ainda numa lógica do olhar sobre o “macro”, sobre
o que é público e sobre a garantia de direitos. Não estamos desconsiderando a relevância
desse movimento e da pauta nesse âmbito, que é muito importante para a consolidação de
consensos e paradigmas. Mas queremos chamar a atenção sobre como ainda é difícil
integrar uma prática intersetorial no “micro” das relações, no contato com o usuário, na
elaboração de um projeto terapêutico, no raciocínio clínico, na elaboração de ações de
saúde na unidade local, entre outros encontros. Executar trabalho em rede exige sair da
lógica do atendimento individual e curativo através de medicamentos. É acreditar que as
respostas podem também ser construídas pelas pessoas envolvidas na situação. É apostar
que falar com alguém sobre suas idéias tem validade para compor e entender o contexto
que se encontram as pessoas. A rede pressupõe o olhar para a dependência e autonomia,
saber popular,, senso comum, saberes científicos, núcleo e campo profissionais. É
construção coletiva. O atendimento clínico a um morador de rua pode exigir a realização
de parcerias com entidades assistenciais locais para garantir, por exemplo, o abrigo
quando chove; para que não piore a tuberculose ou o surto psicótico no final de semana.
O atendimento a uma criança que tem recorrentes pneumonias pode ser abordado de uma
outra forma se a equipe local tiver uma relação com a equipe do pronto-socorro, que a
atende todo final de semana, consolidando dois atendimentos distintos e paralelos, e não
convergentes e sob um único projeto. Se uma equipe tem vínculo com esses usuários, por
que deixar que o território e as pessoas que nele habitam “se arranjem sozinhos”, se ela
pode ser um facilitador nesse processo? O olhar e a ação intersetorial implicam um novo
paradigma de gestão e atenção em saúde (Londrina, 2008).
Mas por que mesmo falar disso tudo? Tentamos apontar alguns caminhos para que
as dimensões do subjetivo e do social não se descolem do cuidado à saúde. A doença não
pode ser vista enquanto existente por ela mesma. Ela “habita” um corpo. Corpo que está
num contexto, num território e que através da doença ou adoecimento também comunica
algo, uma composição social, uma relação societária e de co-produção. Ao invés de
somente medicalizar ou curar, é preciso olhar para o que a doença e a saúde representam,
o que dizem do espaço vivido, da dinâmica social e individual.
Procuramos tocar em alguns pontos para debater sobre o social e o subjetivo no
processo saúde-doença. Um debate que ganha palco num momento de desigualdades
sociais crescentes, de uso autoritário do poder e de cadeias de controle tão sutis que
comandam a existência e ditam as normas, o que é bom, o que é mau, o que deve existir
ou não... Mais do que entender esses outros elementos – o social e o subjetivo – como
envoltórios, como pensavam Basaglia (1974) e Arouca (1975), é preciso analisar que eles
co-existem na produção da saúde e da doença. O desafio está em incorporá-los na prática
clínica, na prática em saúde.
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Resumo
O presente artigo tem por objetivo discutir o modo de produção das práticas de
saúde coletiva realizadas na APS, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), diante
das necessidades e dos problemas de saúde contemporâneos. Apresentam-se
pressupostos, conceitos, arranjos e dispositivos que tem por objetivo auxiliar a construção
de modos de produção de práticas de saúde coletiva que ampliem a capacidade de análise
e intervenção dos sujeitos sobre a realidade em que estão inseridos. Para tanto, utiliza-se
o referencial desenvolvido pelo campo da Saúde Coletiva, incorporando de maneira
crítica a tradição da Saúde Publica, em particular o método da Roda (Paidéia)
desenvolvido por Campos (2000).
Onocko Campos e cols. (2008) têm contribuído com esse debate discutindo a
combinação de categorias da Saúde Coletiva e da Psicanálise: “Construiremos
combinaciones (deseables o indeseables) de conceptos, en potencial operación en
nuestras políticas públicas. Con ellas deseamos enfatizar la potencialidad de
enriquecimiento de nuestras prácticas políticas y sanitarias que conseguiríamos si
fuéramos capaces de aproximar esos conceptos provenientes de dos tradiciones
diferentes. Psicoanálisis y salud colectiva se tornan más potentes juntas y una puede
contribuir para modificar a la otra.
Campos, por outro lado, sugere reconstruir as práticas de saúde a partir da análise
da co-produção singular do processo saúde e doença. Segundo o autor, “supondo haver
uma co-produção dialética mulfitatorial na gênese dos acontecimentos e do modo de ser
e de funcionar dos sujeitos e das suas organizações (...) o cruzamento da influência de
múltiplos fatores, que ao interagirem, modificam não somente o resultado desses
processos, mas também os próprios fatores/sujeitos envolvidos nessa mistura que é a
vida”. Nessa perspectiva, o autor propõe o método Paidéia como recurso para
reformulação ampliada do trabalho em saúde a partir da ampliação do envolvimento dos
sujeitos, tanto na clínica, quanto na saúde coletiva (Campos, 2006).
2. Identificação de temas
Relato de Prática
Na primeira etapa do trabalho, foi composta uma roda com os envolvidos com as
ações de vigilância de alimentos na região do Centro, em que participaram a coordenação
e técnicos da COVISA; técnicos de vigilância de alimentos, apoiadores institucionais e a
coordenação da Vigilância do Distrito de Saúde; além da coordenação e de profissionais
do Centro de Saúde responsáveis pela região do Centro da Cidade. Como instrumentos de
análise das práticas, foi realizado trabalho em grupo, em que foram investigadas as
seguintes categorias: organização dos processos de trabalho instituídos; território
enquanto espaço de co-produção do processo saúde e doença; e fatores de risco e
regiões de vulnerabilidade no território.
A partir das análises realizadas, o grupo identificou problemas e propostas de
organização das práticas de vigilância de alimentos, as quais foram aplicadas num projeto
de intervenção, sobre “Carnes e Açougues”. Escolhido em razão do risco sanitário para a
região do Centro, e da potencia para revisão das práticas da vigilância.
Durante o projeto de intervenção foram realizados encontros periódicos com o
mesmo grupo anterior, durante um período de seis meses, em que se trabalhou
coletivamente para realizar análises do contexto de produção dos problemas relacionados
com a comercialização de Carnes na região do Centro, construir planos de ações, e
realizar ações em equipe, as quais posteriormente eram avaliadas, quanto ao processo de
trabalho e resultados obtidos. Abaixo estão alguns exemplos de ações realizadas durante
o projeto:
Em ação conjunta com os ACS do Centro de Saúde foi identificado que a região
do Mercado Municipal e do Camelódromo constituíam-se nas áreas com maior
concentração de fatores risco, em razão da grande concentração de estabelecimentos, do
grande fluxo de pessoas, assim como pelas precárias condições de funcionamento dos
estabelecimentos.
A partir disso, foi realizada uma ação conjunta entre técnicos de vigilância de
alimentos e os ACS de visita a todos os estabelecimentos localizados na área. Para tanto,
os técnicos de vigilância de alimentos elaboraram um roteiro de observação a partir das
normas sanitárias, com os seguintes itens: Regularização dos estabelecimentos,
Qualidade dos produtos (fornecedores, prazo de validade, procedência, embalagem,
rotulagem e estado de conservação), Higiene (limpeza ambiental, pessoal e de
equipamentos), Segurança do trabalhador (ambiente insalubre), Estrutura física (piso,
parede, área externa e iluminação) e Desvio de atividade.
Na visita foram identificados vários problemas que posteriormente foram
apresentados aos representantes dos usuários, outros setores da prefeitura e representantes
dos donos de estabelecimento visando organizar ações que promovessem melhoria da
qualidade sanitária de comercialização dos alimentos no centro.
Além disso, foi a equipe de técnicos de vigilância em alimentos construiu um
sistema de análise de risco para problemas identificados nas vistorias e para as denúncias
feitas pela população, buscando definir quais problemas demandariam ações imediatas e
quais poderiam ser programadas.
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Introdução
Análise de viabilidade
Objetivo Fatores que Fatores que dificultam
facilitam o alcance do o alcance dos objetivos
objetivo Internos e externos ao
Internos e externos grupo
ao grupo
3. O Projeto de Ação ou Plano Operativo: O plano não é todo o planejamento,
mas “é um dos produtos de um amplo processo de análises e acordos” (Tancredi, Barrios
e Ferreira, 1998). Ao fim de uma etapa de construção de consenso sobre o objeto de
intervenção e os objetivos a serem buscados, estabelecidas as metas, chega o momento do
grupo que planeja formular as ações a serem desenvolvidas para se atingir os resultados,
às quais se creditam potência para alterar a realidade, como apontava Matus “afinal de
contas, planificamos a mudança das tendências situacionais quando estamos insatisfeitos
com elas. Se não fosse assim, nos deixaríamos levar pela corrente do rio dos fatos...”
(1989)
No plano operativo são necessários vários tipos de recursos, como os saberes
específicos, a capacidade de organização e negociação com outros sujeitos, recursos
financeiros, cota de poder, elencados por Matus.
Utilizamos duas planilhas simples: uma com o intuito de sistematizar as ações a
serem desenvolvidas e servir de elemento de comunicação da agenda do grupo e outra
para registro do monitoramento do desenvolvimento do plano operativo.
Para que o planejamento constitua base para o contrato de gestão é necessário que
tenha sido realizado de modo participativo e a partir de situações problemas identificadas
pelo grupo. É óbvio que independente da metodologia utilizada no planejamento uma
instituição pode estabelecer mecanismos de compromissos com seus trabalhadores, mas
aqui estamos falando de uma nova perspectiva de gestão, onde a tecnologia que configura
o conhecimento em saúde seja tão importante quanto às habilidades e atitudes dos
profissionais.
Contrato, segundo o Aurélio, é um acordo entre duas ou mais pessoas que
transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação. No campo da saúde,
o conceito de Contrato de Gestão é o de instrumento utilizado para pactuar ou contratar
objetivos institucionais entre o ente executor das ações de saúde e o mantenedor
institucional, atuando como um dispositivo de monitoramento e avaliação do
desempenho institucional da entidade contratada e de aprimoramento das relações de
cooperação com o contratante . Apesar desta definição estar afeita à macro-processos
institucionais, ou seja, contratos de gestão entre entes federados e grandes instituições,
pode ser aplicado sem grandes adaptações aos processos acima citados.
Ainda que o conteúdo a ser abordado num Contrato de Gestão possa abranger
uma grande variedade de temas, vamos concentrar nossos argumentos e proposições nos
campos do objeto e sua tradução em objetivos e metas, a eficiência e eficácia gerenciais,
os controles e mecanismos de aferição e avaliação de resultados e o controle social.
Tendo como referência a rede básica de saúde, estamos nos referindo à co-
responsabilidade da equipe de uma unidade de produção (equipe de saúde da família ou
outro arranjo) e da gerência na implementação de ações visando determinados objetivos e
metas. Do conjunto dos micro-contratos emerge o contrato entre gestor municipal e
coordenações de unidades básicas.
22
Material utilizado pelos técnicos do DMPS/FCM/Unicamp, contribuição de Adail de Almeida Rollo.
São vários os benefícios de se trabalhar com a contratação de objetivos e metas na
rede de atenção básica. Um deles é o estímulo à descentralização da gestão,
compartilhando com coordenadores das unidades e equipes de trabalho a
responsabilidade pelos resultados obtidos durante um dado período de tempo. Mas a
vantagem da descentralização não se resume a compartilhar as competências, mas
possibilita a expressão e criatividade dos sujeitos no espaço da e sobre sua prática
profissional. Daí que os mecanismos deste tipo, que demandam co-gestão, não podem ser
desenvolvidos sem a participação dos sujeitos implicados, sob pena de desgaste do
dispositivo e resistências à sua incorporação à gestão.
Outra possibilidade do contrato de gestão é a capacidade de orientar a agenda do
gestor/coordenador local, configurando espaços de gestão estratégica e atendimento as
intercorrências e problemas cotidianos. O insumo para a confecção desta agenda é, sem
dúvida, o plano operativo.
Instrumentos desta natureza facilitam a comunicação institucional, pois explicitam
as prioridades e os compromissos para os quais a equipe da unidade de saúde deve
direcionar esforços em busca do seu atendimento. E uma última finalidade, de enorme
importância, é a utilização do Contrato na gestão de pessoal.
Acreditamos que a reconfiguração das relações de trabalho no SUS, passa por
muitas questões, mas a instituição de mecanismos de avaliação responsável de
desempenho de coletivos, mediante o estabelecimento conjunto de objetivos e metas e
parte do orçamento variável constitui parte estruturadora.
23
O município de Curitiba- PR vem desenvolvendo desde 2005 a prática do Têrmo de Compromisso com
as características do contrato de gestão, outras experiências vem surgindo no país.
cotidiano dos serviços, atuando mais como tarefas e compromissos burocráticos a serem
cumpridos pelas instâncias gestoras, por meio de assistentes desvinculados dos serviços,
sendo que muitas vezes o conteúdo destes pactos nem chega a ser conhecido pelas
equipes do nível primário da atenção. Por outro lado, devido ao grande número de
atividades desenvolvidas por uma unidade da saúde, as quais podem ser avaliadas por
muitos indicadores, é necessário proceder-se a uma seleção deles. Esta seleção deve
apoiar a unidade e demais instâncias de gestão no sentido de dirigirem sua atuação para
alvos prioritários, sem prejuízo de outros processos fundamentais e que devem ser
implementados e aprimorados. Ou seja, é papel de cada unidade/ distrito de saúde
produzir e acompanhar outros processos e indicadores de saúde e de gestão, para além do
elenco selecionado para compor o contrato de gestão ou metas.
O que estamos enfatizando, é que os referenciais para qualquer dimensão do
planejamento e contrato de gestão devem estar explicitados pelos gestores e articulados
aos pactos interfederativos do melhor modo possível.
24
Acerca das dimensões para avaliação, ver material da Organização Mundial da Saúde na página
www.euro.who.int/document/E89742.pdf
especificidades, segundo a área de atenção seja da saúde da mulher, criança, adulto e
programas específicos. Outra razão para anexos detalhados é possibilitar ao gestor do
sistema de saúde organizar o acesso de demandas para ações específicas.
Dias, RB; Castro, FM. Grupos Operativos. Grupo de Estudos em Saúde da Família.
AMMFC: Belo Horizonte, 2006.
Bordin & Paula (2007) afirmam que existem dados escassos com relação à
prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes. Citam o estudo de
Fleitlich e Goodman (2001) que realizaram pesquisa em Campos do Jordão, com crianças
e adolescentes na faixa etária entre 7 e 14 anos. O estudo trabalhou com população de
uma favela, com uma comunidade urbana estabelecida e uma comunidade rural. No total,
15% dos sujeitos apresentaram problemas de saúde mental, no entanto, a população
oriunda da favela apresentou 22%, da comunidade urbana 12% e da comunidade rural
12%.
Estes dados confirmam outras pesquisas internacionais que associam o baixo nível
sócio econômico com um aumento dos problemas mentais. Outro fator importante a se
considerar é que as adversidades duradouras e repetidas são muito prejudiciais ao
desenvolvimento infantil. A acumulação de muitos fatores negativos ocorrendo
simultaneamente contribui mais para o aparecimento de problemas mentais que a
presença de fatores de estresse isolados, independente de sua magnitude. (BORDIN &
PAULA 2007).
Neste sentido, desde 2001 pode-se notar uma maior preocupação do Ministério da
Saúde para enfrentar esta questão. Através de Oficinas, Seminários e participações em
Congressos, há um início de debate a respeito de como se fazer esta aproximação. Em
novembro de 2003, houve a edição de uma Circular Conjunta da Coordenação de Saúde
Mental e Coordenação de Gestão da Atenção Básica, nº 01/03, denominada “Saúde
Mental na Atenção Básica: o vínculo e o diálogo necessários – Inclusão das ações de
Saúde Mental na Atenção Básica”. Este documento começou a delinear algumas
diretrizes para esta aproximação, propondo o Apoio Matricial da Saúde Mental às
Equipes da Atenção Básica, a Formação como estratégia prioritária e a Inclusão da Saúde
Mental no Sistema de Informações da Atenção Básica. O modelo propõe uma rede de
cuidados articulada ao território com parcerias intersetoriais, possibilitando intervenções
transversais de outras políticas públicas.
Há uma aposta no acolhimento, estabelecimento de vínculos e incentivo à
responsabilização compartilhada dos casos como forma de combater a lógica do
encaminhamento. Os princípios fundamentais são: Noção de território, intersetorialidade,
reabilitação psicossocial, multiprofissionalidade / interdisciplinaridade,
desinstitucionalização, promoção da cidadania e construção da autonomia.
Recentemente, em janeiro de 2008, o Ministério da Saúde lançou a portaria 154
que criou o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), com a finalidade de ampliar a
abrangência e a resolubilidade da Atenção à Saúde. Os NASF seriam formados por
profissionais que não estão contemplados dentro da Equipe mínima da ESF, sendo
destinados a fazer o matriciamento das equipes.
Os Núcleos de apoio à Saúde da Família não funcionarão como porta de entrada
do sistema, mas, sim, apoiando os profissionais das Equipes de Saúde da Família no
atendimento das demandas do território. A proposta tenta rever a prática do
encaminhamento com base na referência/ contra-referência, objetivando um
acompanhamento longitudinal. Cada Núcleo ficaria responsável por um número de
unidades de ESF realizando apoio matricial e construindo articulações com os serviços de
referência existentes tais como Caps, Centros de Reabilitação, Centros de Lazer e Esporte
e com profissionais de serviços especializados.
Segundo Campos (2007) o apoio matricial é uma metodologia de trabalho que
pretende oferecer tanto retaguarda assistencial como suporte técnico pedagógico às
equipes de referência. Baseados na concepção deste autor, técnicos do ministério
propuseram a seguinte definição:
O apoio matricial constitui um arranjo organizacional que visa outorgar suporte
técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de
ações básicas de saúde para a população. Nesse arranjo, a equipe por ele
responsável, compartilha alguns casos com a equipe de saúde local (no caso, as
equipes da atenção básica responsáveis pelas famílias de um dado território).
Esse compartilhamento se produz em forma de co-responsabilização pelos casos,
que pode se efetivar através de discussões conjuntas de caso, intervenções
conjuntas junto às famílias e comunidades ou em atendimentos conjuntos.
(Ministério da Saúde, 2003, p.4)
Apesar destas iniciativas do Ministério da Saúde, esta aproximação tem esbarrado
em dificuldades relacionadas às particularidades do campo da Saúde Mental. A ESF
propõe mudanças paradigmáticas na maneira de se conceber a relação do profissional
com a população e com a questão saúde-doença. Estas mudanças são muito difíceis de
serem realizadas porque implicam em uma cadeia de transformações que afetam desde
concepções pessoais dos diversos agentes a respeito do problema até questões políticas
mais amplas.
No nível individual, o tema saúde–doença envolve a mobilização muito grande de
questões emocionais no profissional. Muitas vezes, o diagnóstico apresado, a conduta
extremamente técnica e desumana, a medicalização de todas as queixas e as barreiras ao
contato, podem obedecer a mecanismos de defesa contra identificações e angústias
relacionadas ao tipo de trabalho.
Pode, também, ocorrer o contrário, uma abertura muito grande do profissional ao
sofrimento vivenciado pelo usuário de forma que seja invadido pelo problema, não
conseguindo manter uma distância que lhe permita certo discernimento a respeito da
situação, perdendo assim a potência de sua intervenção (aqui subjaz o problema de não
termos mais uma clínica, somente um ‘cuidado’ igual ao que qualquer parente angustiado
poderia dar).
Até mesmo os profissionais que tem formação específica na área da Saúde Mental
como Psicólogos e Psiquiatras possuem dificuldades, que estão ligadas a própria
formação acadêmica que tiveram, para atuar na Atenção Básica. A formação do
psicólogo ainda está centrada numa clínica tradicional e elitizada com enquadre rígido,
privilegiando aspectos individuais e curativos dando pouca evidência às questões sociais
e de promoção da saúde (CFP, 1994). A formação dos psiquiatras, com raras exceções,
tem privilegiado o biológico com ênfase nas medicações. Os cursos técnicos e de
graduação na maioria das vezes propõem conteúdos da Saúde Mental muito
descontextualizados da Atenção Básica. Valentini et al (2004, p.527) afirmam:
Vivemos numa sociedade regulada pela lógica capitalista, pautada num modelo
neoliberal e globalizado, onde o que importa é a capacidade produtiva do sujeito e tudo
que não se adequa a este ideal é desqualificado. A chamada “sociedade do espetáculo”
pressupõe um sujeito competitivo e individualista, que valoriza sua ascensão profissional
e seu sucesso pessoal em detrimento de princípios solidários.
As relações interpessoais aparecem como cada vez mais supérfluas, baseadas em
interesses e projetos pessoais, afastando-se de projetos coletivos. Há um imaginário
social que associa a possibilidade de consumo à construção identitária do sujeito,
valorizando o “ter” em detrimento do “ser” (Birman, 2001).
O processo de globalização introduz novas dinâmicas sociais onde mudanças
ocorrem de modo cada vez mais rápido, exigindo do sujeito capacidade de adaptação e
transformação. As relações de trabalho são precarizadas, provocando tensão constante no
sujeito a respeito de sua capacidade e permanência no trabalho.
Em função da má distribuição de renda, da ausência de políticas públicas
consistentes e da falência do Estado em gerir a educação e a segurança pública, ocorre
uma explosão da violência, vitimando principalmente os bairros da periferia onde
habitam as pessoas de baixa renda. A relação entre o Estado e a população vai ficando
marcada pela “omissão”, em que o Estado não consegue garantir os direitos básicos da
cidadania.
Todos estes fatores contribuem para o aumento da sensação de “desamparo” na
contemporaneidade. O sujeito que não consegue, por algum motivo, incluir-se no
trabalho e nas diversas instituições sociais inicia um processo de desqualificação social
(Paugam, 2001), acompanhado de muito sofrimento, que num primeiro momento vai
desestabilizá-lo e em seguida pode adoecê-lo.
É interessante pensarmos que, historicamente, no Brasil existiu uma rede de
proteção social que estava vinculada ao trabalho com carteira assinada. O trabalhador da
economia informal e o desempregado não podiam contar com programas de proteção
social. O SUS reverteu essa situação. A saúde passou a ser dever do Estado e direito de
todos. Recentemente vemos surgir programas de renda-mínima para a população carente,
mas os valores transferidos ainda são muito baixos.
Este quadro traçado de maneira rápida nos permite pensar que há uma ligação
muito estreita entre dinâmica social e processos de adoecimento (Sawaia, 2001; Araújo &
Carreteiro, 2001; Birman, 2001). A questão dos determinantes sociais do processo saúde-
doença está na pauta das discussões contemporâneas no campo da Saúde Pública
(ABRASCO, 2006).
O SUS, na medida em que possibilita acesso universal à população, independente
de sua situação, acaba se tornando uma das únicas opções para o sujeito pedir ajuda. Em
muitos casos, este pedido está relacionado com a precariedade e vulnerabilidade social.
No entanto, sempre pode ocorrer no paciente um deslizamento do sofrimento social para
o individual.
O sofrimento não encontra um lugar institucional que possa reconhecê-lo no
interior da esfera de proteção social. Esta só confere um lugar à subjetividade
dentro de duas perspectivas: corpo são, corpo doente, o que acarreta dizer que o
sofrimento social, para obter reconhecimento institucional, o faz através da
doença. (Carreteiro, 2001, p.93):
Assim, pode haver uma passagem de mal-estar provocado pelo desamparo social
para a doença. Se quisermos responder aos problemas de gênese social no plano
psicológico, estaremos aprisionando os indivíduos na culpabilidade e impotência. No
entanto, não podemos deixar de lado os efeitos psíquicos das situações sociais e
econômicas (Gaulejac, 2001).
Problematizar este aspecto é extremamente importante, pois vai colocar, dentro
das pautas de discussão da saúde, a questão da subjetividade articulada às condições de
vida e ao adoecimento e vai requerer dos profissionais uma análise mais profunda, que
não se resuma à questão técnica de procedimentos em saúde. Freqüentemente
encontramos trabalhadores bem-intencionados, mas sem capacitação para lidar com uma
problemática tão complexa. (Onocko Campos, 2003; 2005).
Czeresnia (2003) reflete a respeito das dificuldades encontradas no campo da
saúde com relação às maneiras de se encarar o adoecimento. De um lado temos um saber
técnico, construído a partir de conceitos explicativos do real baseados numa racionalidade
positivista e de, outro, o sofrimento do sujeito, carregado de afetividade e angústia. A
comunicação entre estas duas experiências é bastante problemática, pois há uma
tendência a querer encaixar o sujeito no modelo explicativo criado sem levar em
consideração sua subjetividade. O que acontece é uma dificuldade grande na relação
entre os técnicos da saúde e a comunidade, o que leva à não adesão do sujeito ao
tratamento.
O desenvolvimento da racionalidade científica, em geral, e da medicina, em
particular, exerceu significativo poder no sentido de construir representações da
realidade desconsiderando um aspecto fundamental: o limite dos conceitos na
relação com o real, em particular para a questão da saúde, o limite dos conceitos
de saúde e de doença referentes à experiência concreta da saúde e do adoecer.
(Czeresnia, 2003, p.40)
Isto não significa o abandono dos modelos construídos a partir da racionalidade
científica, mas encontrar formas de transitar entre razão e intuição, encontrar novos
caminhos para articular e utilizar o conhecimento científico na operacionalização das
práticas de saúde que possam dar conta da singularidade e subjetividade do adoecer
concreto.
Cohn (2001) aponta que esta dificuldade fica muito clara quando se estabelece
políticas e programas de saúde baseados em parâmetros definidos por indicadores
selecionados definindo grupos mais vulneráveis. Cria-se uma realidade objetiva, no
entanto há um desconhecimento do modo de vida da população. Esta se transforma em
abstração sem identidade e sem subjetividade.
As políticas públicas de saúde podem facilmente se converter em aparato de poder
servindo para a reprodução de condições do interesse do capital e controle sobre o modo
de vida da população.
As ações em Saúde Pública são sempre práticas sociais e revelam o jogo de forças e
interesses em questão em determinada situação. Há sempre a possibilidade de estas
práticas reafirmarem uma visão preconceituosa e excludente, que reproduz o processo de
desqualificação social do sujeito. A medicalização das práticas de saúde, a
mercantilização da medicina, a extrema especialização dos profissionais, a distância
social existente entre o médico e o paciente, são características que apontam para uma
despolitização do conceito de saúde, pois, ao invés de trabalhar com a promoção da
autonomia, gera relações de tutela e apagamento do sujeito (Andrade & Araújo, 2003).
Alguns conceitos que poderiam operar como balizas éticas da saúde mental na
atenção básica:
“Na ética que caracteriza a psicanálise, todo sujeito é mais do que portador do
cogito cartesiano. A descoberta do inconsciente por Freud marcou uma das grandes
quebras da modernidade na opinião de alguns autores (Benasayag & Charlton, 1993).
Assumir que as pessoas, os trabalhadores de saúde, também agem movidas por reações
inconscientes, que elas próprias desconhecem, e sobre as quais não detêm o controle
mudará nossa forma de abordar os equipamentos de saúde e as relações que ali se
desenvolvem. O reconhecimento da dimensão inconsciente mudará nossas análises”
(Campos & Onocko Campos, 2007)
Existem alguns autores como Bleger, Kaës, Enriquez, Lévy e outros que, a partir
de Freud, vão pensar a constituição do psiquismo relacionada aos vínculos grupais,
institucionais e sociais. A contraposição entre indivíduo e grupo não faria sentido. Para
estes autores o psiquismo se estruturaria apoiado em elementos externos que seriam
responsáveis por garantir a estabilidade psíquica. Estes elementos seriam o próprio corpo,
a mãe, os grupos, as formações coletivas, mitos, ritos, etc.
A este respeito nos diz Kaës (1991, p.28):
Entendo apoio no sentido que Freud empregou este conceito, não apenas nos
Três ensaios sobre a sexualidade (1905), mas também nos desenvolvimentos
ulteriores do seu pensamento e até nos seus últimos escritos. Ao lado do apoio de
determinadas formações psíquicas sobre as ‘funções corporais necessárias à
vida’ ele desenvolveu o conceito de apoio de outras formações psíquicas sobre as
instituições da cultura e do vínculo social.
As instituições são entendidas aqui como formações discursivas que adquiriram
valor de verdade (Onocko Campos, 2005). Elas podem ser pensadas com um conjunto de
práticas ou de relações sociais que se repetem e se legitimam enquanto se repetem
(Guilhon de Albuquerque, 1978). Elas são um conjunto de regras, enunciados e valores
produzidos histórica e coletivamente que, serão manifestados por organizações, leis,
padrões de viver, sentir e relacionar que regem e organizam o viver num determinado
momento (Baremblitt, 1998).
Os trabalhadores de uma dada instituição produzem serviços, idéias, imagens e
falam a partir dos lugares que ocupam nas relações instituídas que se repetem e se
legitimam nesta repetição. A singularidade do sujeito encontrará ressonâncias nas redes
de relações que são estabelecidas nas instituições, demarcando uma posição a partir da
qual ele se reconhece e é reconhecido.
Para Kaës (1991, p.20):
A instituição nos precede, nos determina e nos inscreve nas suas malhas e nos seus
discursos; mas com este pensamento que destrói a ilusão centrista de nosso
narcisismo secundário, descobrimos também que a instituição nos estrutura e que
contraímos com ela relações que sustentam nossa identidade.
Bleger (1988) defende que cada indivíduo tem sua personalidade comprometida
nas instituições e à medida que isto ocorre, configuram-se distintos significados e valores
nesta relação. Quanto mais integrada a personalidade, menos depende do suporte que ela
lhe presta e, ao contrário, quanto mais imatura a personalidade, maior a dependência. A
instituição, além de ser um instrumento de organização, regulação e controle social,
funciona também como depositário de conteúdos psíquicos organizando, regulando e
equilibrando o psiquismo de seus membros.
Para este autor as instituições funcionam como sistemas de defesas ou controle
das ansiedades psicóticas. Apesar de a instituição possuir uma existência própria e
externa ao sujeito, seu funcionamento se acha regulado, de um lado, pelas leis objetivas
da realidade social em questão e, de outro, pelos conteúdos projetados pelos sujeitos, isto
é, pela dinâmica do psiquismo. Isto significa dizer que há uma contaminação do
funcionamento e dos objetivos da instituição pela dinâmica do sujeito, que a utilizam
como fonte de satisfação e compensações (normais e neuróticas).
Portanto:
Após este percurso que não tem a pretensão de esgotar a complexidade da Saúde
Mental na Atenção Básica, ao contrário, introduzir diversos elementos que vão explicitá-
la; entendemos que seria importante apontar alguns arranjos, dispositivos e práticas que
auxiliariam no avanço das propostas de trabalho.
Como foi apontado no início do texto, existe uma demanda muito grande na
atenção básica relacionada à saúde mental. É muito comum esta demanda estar
reprimida, seja por ausência de profissionais capacitados para atendê-la, seja por falta
de profissionais suficientes ou, muitas vezes, por existirem profissionais que tem uma
concepção de intervenção e organização do trabalho muito inadequadas para o
trabalho na saúde pública.
Percebemos que diante desta questão, grande parte dos serviços adota a fila de
espera e vão chamando os usuários na medida em que os profissionais têm
disponibilidade. O grande problema deste tipo de organização é que não se faz
avaliação de risco e desta maneira não se trabalha com os casos que deveriam ser
prioridade por conta da gravidade. O dispositivo do acolhimento (Campos,
1994) permite que todo usuário que demande um atendimento na área de saúde
mental, seja ouvido de maneira mais profunda, por um profissional da área de saúde
mental ou de outra área com capacitação e que o andamento do caso seja feito a partir
de critérios pré definidos relacionados ao risco, ao sofrimento e urgência do
problema. Assim, é possível dar um primeiro amparo ao portador de sofrimento
mental e a partir das informações colhidas hierarquizar e organizar o fluxo e o tipo de
oferta de tratamento que o serviço realizará. Às vezes essa escuta qualificada pode
demandar mais de um encontro. Como diz Oury:
“Um dos preâmbulos desse trabalho é poder decifrar naquilo que se apresenta o
que é importante acolher, e de qual maneira acolhê-lo. A função de acolhimento é
a base de todo trabalho de agenciamento psicoterapêutico. Não se trata,
certamente, de se contentar com uma resposta “tecnocrática” tal como função de
acolhimento = hóspede de acolhimento! O acolhimento, sendo coletivo na sua
textura, não se torna eficaz senão pela valorização da pura singularidade
daquele que é acolhido. Esse processo pode-se fazer progressivamente, por
patamares, e às vezes não é senão ao fim de muitos meses que ele se torna eficaz
para tal ou tal sujeito psicótico à deriva. Tudo isso exige uma certa sensibilidade
ao próprio estilo dos encontros: esperar passivamente, isto não é neutralidade,
mas, freqüentemente, uma espécie de sadismo camuflado”. (Oury, 1991)
Daqui também se desprende a necessidade de pensarmos no acolhimento como uma
instância que deve ter efeitos. O que nos leva ao tema seguinte: como intervir?
Quando intervir?
Práticas grupais
Ao final...
ARAÚJO, J.N. G & CARRETEIRO, T.C. (orgs.) (2001). Cenários Sociais e abordagem
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BARROS, M.B.A. Transtorno mental comum in César, C.L.G. Saúde e condição de vida
em São Paulo: inquérito multicêntrico de saúde no estado de São Paulo – São
Paulo: USP/FSP, 2005.
ª
BAREMBLITT, G. ( 1998) Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes. 4
ed. Rio de Janeiro: Record – Rosa dos Tempos.
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OURY, J., 1991. Itinerários de formação. In: Revue Pratique nº 1 pp. 42-50. Tradução:
Jairo I. Goldberg. (mimeo s/d e sem paginação).
Observa-se que há, nas práticas de saúde, distintas visões sobre o conceito de
território, bem como acerca de tais práticas e responsabilidades sanitárias que seriam
decorrentes destes variados "olhares". Consideramos importante realizar uma reflexão
sobre as diferenças entre estes "olhares", particularmente aquele típico ao gestor e aos
trabalhadores de saúde. Esses olhares têm correspondência com as distintas concepções
do processo saúde-doença-intervenção e com as forças político-ideológicas em disputa,
gerando distintas formas de coerência ou de resistência aos projetos e programas de
saúde. Esta dinâmica tem influência direta sobre a correlação de forças e os modos de
entender e intervir nos territórios e sobre a formulação de ofertas de bens e serviços de
saúde. Esse texto visa analisar alguns dos diferentes olhares para o território, provocar
reflexões para que o gestor e o trabalhador de saúde pensem nas potências e limitações
desses "olhares" no cotidiano da formulação e da implementação de ações em saúde.
Castel (1995) nos chama atenção para a formação do espaço social segundo graus
de coesão das relações sociais e de trabalho, o que configuraria graus e variações de
existência, situações de vulnerabilidade ou de integração. Esquematizando, o espaço
social seria, segundo esse autor, circunscrito em zonas conforme o grau de coesão que é
assegurado: a) zona de integração: disposição de garantias de um trabalho permanente e
suportes relacionais sólidos; b) zona de vulnerabilidade: associa precariedade do trabalho
e fragilidade relacional; c) zona de desfiliação que conjuga a ausência do trabalho e
isolamento social; e ainda d) zona da assistência: ausência de trabalho por incapacidade e
inserção social. Essas quatro zonas definiriam quatro modalidades da existência social no
território.
25
O Capítulo “O subjetivo e o sócio-cultural na co-produção de saúde e autonomia” (Figueiredo, M.D.;
Furlan, P.G.), neste mesmo livro, também aborda o tema da vulnerabilidade na composição das práticas de
saúde.
sociais, de ação deliberada das pessoas, como também de relações sociais e redes de
poder.
O que isso tem a ver com as práticas de saúde? Quando nos colocamos em relação
com as pessoas que habitam esse território, precisamos nos colocar de fato em contato
com essa realidade, essa cultura, os costumes, a dinâmica. As ações em saúde com os
grupos e coletivos terão mais eficácia se forem realizadas com as pessoas que nele
habitam. Pouco adiantará, ou serão criadas formas de resistência e negação, se as ações
forem no caráter de palestras expositivas e de um saber mais qualificado para um menos
“profissional”, como vemos na suposta superioridade do saber saúde sobre o popular.
Precisamos também trabalhar com o senso comum e com as formas já existentes de vida
daquele lugar e com a realidade das pessoas.
Temos uma vasta literatura sobre os modos de abordagem com grupos e coletivos,
desde contribuições do campo da psicologia, da sociologia, antropologia, até ao da
administração (Pichón-Rivière, 2000; Lewin, 1973; Moreno, 1966; Bion, 1970; Barros,
2007; Freud, 1967; Zimerman et al., 1997), que indicam uma variabilidade de tendências,
paradigmas, enfoques e conceitos. Trabalhar com essa diversidade é positivo no sentido
de criar instrumentos para lidar com as dificuldades e desafios colocados pelo campo e
questionamentos da prática com os grupos. Percebemos algumas convergências entre as
teorias, bem como alguns conceitos formulados sob referenciais e ideologias
absolutamente diferentes. A maioria delas, porém, trata sobre os papéis e funções
exercidos pelas pessoas em situação grupal, a importância do processo da construção do
grupo, sua identidade e ligação intrínseca e quanto aos sentidos e significados dessa
dinâmica de relação societária. Não nos cabe aqui usar ou abarcar a totalidade dessas
teorias, falaremos de alguns conceitos que podem ser úteis na entrada no território, seus
grupos e coletivos.
Lidamos aqui com uma noção ampla de entendimento de coletivos, como já dito
acima: as comunidades, famílias, os coletivos para produção e trabalho sob alguma
finalidade (sejam grupos terapêuticos, de trabalho, culturais, de reivindicação de direitos,
de aprendizado etc.). O grupo é entendido enquanto dispositivo e enquanto uma relação
social que traz à tona a possibilidade de multiplicidade da prática e da existência e tudo
em movimento, diferente do que é eterno e estático. Qual intuito em apagar a
heterogeneidade e a fragmentação existente na vida, nas relações? Cada vez mais
percebemos que é valorizada a vida estável, passível de ser controlada e reprimida. Lidar
com grupos também quer dizer relacionar-se com a dimensão coletiva que atravessa os
indivíduos em determinado momento da vida, da história e da sociedade. Questões que ao
mesmo tempo são individuais e coletivas e que fundam nos grupos seus regimes de
visibilidade e dizibilidade (Barros, 2007).
Podemos ter um grupo para discutir as relações dos adolescentes com os pais, em
que a tarefa é a análise das dificuldades com profissionais da saúde, e como produto
formular um teatro sobre a dinâmica da relação; um adolescente pode ter mais interesse
em discutir sobre a dificuldade de relação com o pai, e outro com a vontade que tem de
aprender para discutir com outros colegas, os interesses não precisam ser iguais; as idades
podem ser variadas e o gênero também; a construção do grupo não necessariamente
precisa ser consensual a todo momento. Um grupo de mulheres gestantes se encontra para
conhecer as percepções de mudanças corporais, das relações e fantasias em relação ao
cuidado futuro do filho, mas podem ser de diferentes comunidades, classes econômicas,
idades; o que as unem é o fato de estarem grávidas e o desejo de discutirem essa situação
na vida. Pessoas que se reúnem para decidirem o que fazer do espaço da associação de
moradores.
É muito comum que um grupo resista a entrar em contato com o que é a sua
tarefa, seja por medo de desenvolver um novo trabalho, de revelar aspectos subjetivos e
do funcionamento da comunidade/ dos integrantes que poderiam envergonhar ou apontar
fragilidades, seja por resistências para olhar e agir de forma diferenciada na vida, por
exemplo. Esse momento em que o grupo age “como se” estivesse trabalhando (pois tem
ação, mas não tem andamento da tarefa/ da proposta), denominado pré-tarefa por Pichón-
Rivière, traz a impossibilidade de dar conta dos objetivos construídos pelo grupo com
pautas novas, justificando a dificuldade em razões externas ao grupo, trazendo
insatisfação constante e postura defensiva, sem aberturas para questionamentos e maiores
análises. Podemos ver essa situação ocorrendo na prática dos projetos com grupos e
comunidades. Quando uma equipe fica sempre planejando e não consegue atuar sobre um
dos tópicos propostos de intervenção. Quando uma comunidade, com liderança
masculina, resiste à participação das mulheres nas ações e explica o fato pela falta de
interesse delas pela inserção. Quando num grupo de usuários com hipertensão e diabetes,
a fala é centralizada pelo coordenador e os participantes não podem dizer do que gostam
de comer; ou os pacientes se convencem do que é melhor para eles ou demorará em haver
um momento para entrar em contato com uma questão crucial do grupo, que os hábitos e
o modo de vida podem ajudar na saúde e controle da doença, mas isso pode exigir passar
por olhar para suas próprias frustrações, desejos, medos, tanto do coordenador, quanto
dos demais integrantes.
É comum, por exemplo, uma equipe de saúde discutir projetos nos territórios
chamando ao serviço pessoas consideradas “líderes” nas comunidades. Discutem com
esses líderes comunitários os problemas prioritários, formulam projetos para aquelas
áreas consideradas de maior “risco” e, muitas vezes, esquecem de procurar saber se
aquela “comunidade de risco” reconhece a questão também como um problema, de
buscar compor uma relação de co-produção com co-responsabilização pelas formulações
e pelas ações do projeto proposto. Então o projeto míngua e, muitas vezes, a equipe se
sente frustrada e até desrespeitada porque aquela “comunidade de risco” não soube
aproveitar a “oportunidade” ofertada.
Para não tropeçar nesses percalços, propõe-se que a equipe procure questionar
rigorosamente a questão eleita no projeto. O que se pretende com isso é desenvolver um
olhar para si, para a própria a equipe. Colocar em pauta a própria compreensão de
problema. Analisar, na medida do possível, as implicações do grupo (equipe) no
contexto. Responder ou tentar responder aos seguintes questionamentos: 1) Essa situação
é problema para quem? 2) Essa situação é problema de quem? 3) Por que vemos essa
situação como problema? 4) Por que discutir esse problema e não outro?
Outro movimento, feito ao mesmo tempo do anterior, seria acreditar e criar meios
de investir na ampliação das capacidades de análise e de co-gestão do coletivo. O que não
está propriamente no reconhecimento de uma não-superioridade de determinados saberes
mais ou menos estruturados. Mas na afirmação das diferenças entre esses saberes
enquanto potências do próprio coletivo. Na dinâmica grupal, deve haver um esforço de
não-fixação de papéis aos indivíduos. A co-produção demanda que, quando haja uma
coordenação, esta seja parte integrante do grupo, com funções, principalmente, de propor
discussões, estimular análises e reflexões. A necessidade de aportes conceituais deve ser
cultivada no próprio coletivo, podendo ser ampliada pela atuação de um apoiador
externo.
Sobre a participação dos sujeitos num processo de co-gestão deve ser considerado
que um coletivo não se pauta apenas por sua capacidade individual de verbalizar e
defender seus pontos de vista e demandas, mas, principalmente, por sua disponibilidade
propositiva de ofertas, idéias, novos possíveis, que potencializem o coletivo em sua
tarefa. Um coletivo que funcione em co-gestão precisará, nesse sentido, criar mecanismos
que estimulem as participações propositivas dos seus membros, sem com isso
desconsiderar as suas demandas ou necessidades. A idéia é que, nestes coletivos, os
atores envolvidos co-produzem, analisam e intervém ao mesmo tempo em que demandam
e produzem ofertas. Um espaço coletivo que investe tempo apenas para a escuta de
demandas tende a perder-se num “muro de lamentações” improdutivo. Por outro lado, um
espaço coletivo que opera pragmaticamente e não se abre as demandas dos atores
envolvidos, tende a isolar-se, a perder o contato com os objetos de investimento da
maioria dos participantes do grupo.
Barros DD, Ghirardi MIG e Lopes RE. Terapia Ocupacional Social. Rev de Terapia
Ocupacional da USP, v. 13, n. 2. p.95-103, 2002.
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Apoio Matricial como Tecnologia de Gestão e Articulação em Rede
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no.2, p.399-407. ISSN 0102-311X.
Para entender essa definição será preciso explicitar melhor o que se quer dizer
com PTS. O entendimento sobre o conceito de vulnerabilidade o qual, para essa
discussão, buscou-se em Ayres et al (2003), implica em colocar no foco as possibilidades
políticas, sociais e individuais expressas pelas pessoas e pelos coletivos, em suas relações
com o mundo, nos seus contextos de vida. Desse modo, o desenvolvimento de um olhar
sobre vulnerabilidades, deve implicar, necessariamente, a consideração dos contextos
singulares dos indivíduos e coletivos envolvidos (Oliveira, 2008). A singularidade é a
razão de ser do projeto terapêutico, é o lócus onde,
em função de um sujeito ou coletivo singular, é determinada a ação de saúde oferecida
para alcançar o objetivo de produzir saúde (Aranha e Silva, 2005). O termo singular
remete à diferença, contexto singular, não passível de reprodutibilidade e, portanto,
menos sujeitado a processos de captura por processos Tayloristas (Campos, 2000a).
A palavra projeto no PTS deve ser entendida não apenas no seu sentido de
plano, organização de atividades e ações orientadas pela necessidade de resolução de um
dado problema. Além disso, será preciso explorar exaustivamente a idéia de
projetualidade, ou seja, a capacidade de pensar e de criar novas realidades, novos
possíveis (ROTELLI et al., 1990, p. 36 Apud Nicácio, 2003). Nesse sentido, a co-
produção e a co-gestão do processo terapêutico que incorpore esse olhar aos contextos
singulares e, ao mesmo tempo em que se planeja e se organizam ações e
responsabilidades, faz-se disso uma produção de projetualidade, definem o PTS.
A transformação do olhar para as pessoas com a
experiência do sofrimento[...] e a projetualidade de
produção de autonomia colocaram o desafio de buscar
produzir uma prática terapêutica centrada no usuário e
orientada para o “enriquecimento de sua existência
global, complexa e concreta” (ROTELLI et al., 1990,
p. 36 Apud Nicácio, 2003).
26
A denominação caso procura criar uma interface conhecida do cotidiano dos profissionais de saúde.
Quando uma equipe ou profissional de saúde se refere a uma situação, envolvendo um indivíduo ou grupo
que vivenciam “problemas” (assim vistos e nominados) que demandam intervenções, essas situações e/ou
indivíduos são denominados casos.
abordado como tecnologia inscrita na lógica do trabalho em equipe interdisciplinar, tendo
como referência prática as equipes de saúde na Atenção Básica.
O tempo de reavaliação do caso deve ser o mínimo possível para que as ações
planejadas produzam o efeito esperado e o máximo possível de tolerância que não
signifique riscos ou danos ao sujeito ou que permita que a equipe perca a familiaridade
com a problemática em questão. A recomendação é que as equipes organizem uma rotina
de discussões de casos, no serviço. Seja criada uma agenda de formulação e de revisão
dos PTS. Todavia, frente a problemas específicos, muito focais, que interferem pouco na
problemática como um todo, frente a entraves que surgem durante o processo, é possível
reunir um subgrupo composto por pessoas diretamente ligadas ao problema em questão,
discutir e tomar resoluções. Tudo isso precisa ser acompanhado pelo profissional de
referência, o qual deve procurar manter uma visão de conjunto. Não se faz necessário
reunir toda a equipe para reavaliação de PTS de forma muito repetitiva, incorrendo em
burocratização da condução dos casos (Oliveira, 2008).
Algumas questões disparadoras que as equipes de saúde podem utilizar para começar a
praticar a formulação do PTS em grupo e a problematizar a sua relação com os usuários
• Quem são as pessoas envolvidas no caso?
o De onde vêm? Onde moram? Como moram? Como se organizam?
o O que elas acham do lugar que moram e da vida que têm?
o Como lidamos com esses modos de ver e de viver?
• Qual a relação entre elas e delas com os profissionais da equipe?
• De que forma o caso surgiu para a equipe?
• Qual é e como vemos a situação envolvida no caso?
o Essa situação é problema para quem?
o Essa situação é problema de quem?
o Por que vejo essa situação como problema?
o Por que discutir esse problema e não outro?
• O que já foi feito pela equipe e por outros serviços nesse caso?
o O que a equipe tem feito com relação ao caso?
o Que estratégia, aposta e ênfase têm sido utilizadas para o enfrentamento do
problema?
o Como este(s) usuário(s) tem respondido a essas ações da equipe?
o Como a maneira de agir, de pensar e de se relacionar da equipe pode ter
interferido nessa(s) resposta(s)?
o O que nos mobiliza neste(s) usuário(s)?
o Como estivemos lidando com essas mobilizações até agora?
o O que os outros serviços de saúde têm feito com relação ao caso? Como
avaliamos essas ações?
• A que riscos (individuais, políticos, sociais) acreditamos que essas pessoas estão
expostas?
• Que processos de vulnerabilidade essas pessoas estão vivenciando?
o O que influencia ou determina negativamente a situação (no sentido da
produção de sofrimentos ou de agravos)?
o Como essas pessoas procuram superar essas questões?
o O que protege ou influencia positivamente a situação (no sentido da
diminuição ou superação de sofrimentos ou de agravos)?
o Como essas pessoas buscam redes para ampliar essas possibilidades?
o Como os modos de organizar o serviço de saúde e as maneiras de agir da
equipe podem estar aumentando ou diminuindo vulnerabilidades na relação
com essas pessoas?
• Que necessidades de saúde devem ser respondidas nesse caso?
• O que os usuários consideram como suas necessidades?
• Quais objetivos devem ser alcançados no PTS?
• Quais objetivos os usuários querem alcançar?
• Que hipóteses temos sobre como a problemática se explica e se soluciona?
• Como o usuário imagina que seu “problema” será solucionado?
• Que ações, responsáveis e prazos serão necessárias no PTS?
• Com quem e como iremos negociar e pactuar essas ações?
• Como o usuário e sua família entendem essas ações?
• Qual o papel do(s) usuário(s) no PTS? O que ele(s) acham de assumir algumas
ações?
• Quem é o melhor profissional para assumir o papel de referência?
• Quando provavelmente será preciso discutir ou reavaliar o PTS?
Bibliografia
Aranha e Silva A.L., Fonseca R.M.G.S.. Processo de trabalho em saúde mental e o campo
psicossocial. RevLatino-amEnfermagem 2005 maio-junho; 13(3):441-9.
Oliveira GN. O projeto terapêutico e a mudança nos modos de produzir saúde. São Paulo:
Hucitec. 2008.
Silva AA, Fonseca RMGS. Processo de trabalho em saúde mental e o campo
psicossocial. RevLatino-amEnfermagem, maio-junho, 2005; 13(3):441-9.
É interessante notar que o profissional que escreve este relato vai percebendo a
situação de desequilíbrio de poder na equipe, e começa a trabalhar no sentido de corrigir
sua postura no grupo. Isso aparece como conseqüência do exercício reflexivo de
aplicação do Questionário para Diagnóstico Compartilhado, elaborado de forma
participativa como é proposta. A sua análise solitária vai sendo explicitada nas reuniões
seguintes, gerando um incômodo propiciador de mudança.
As questões são colocadas para que o grupo ou equipe possa conversar a respeito
das respostas. Embora a maioria das questões solicite uma nota de 0 a 10 a respeito de
como a equipe se situa em relação à aplicação de alguns conceitos, o fato da equipe dever
chegar a um acordo sobre esta nota suscita, muitas vezes, conversas longas em torno de
uma única questão, de um único tema. Esse tipo de acontecimento é muito interessante
para a equipe. Às vezes, as opiniões dos membros da equipe são muito diferentes a
respeito de um mesmo assunto. Outras vezes, não são tão diferentes assim, mas não
chegam a ser coincidentes. A opinião de um enriquece a visão prévia do outro. Isso só
pode acontecer quando as pessoas se encontram para conversar a respeito do tema, e se
comprometem a ouvir o que o outro tem a dizer.
“Conversa não é primariamente controvérsia. Parece-me característico da
modernidade apreciar em demasia a identificação entre conversa e controvérsia.
Conversar também não é mutuamente desentender-se ou passar ao largo do outro.
Constrói-se, ao contrário, um aspecto comum do que é falado. A verdadeira realidade da
comunicação humana é o fato do diálogo não ser nem a contraposição de um contra a
opinião do outro e nem o aditamento ou soma de uma opinião à outra. O diálogo
transforma a ambos.” (Gadamer, 2004)
Assim, ainda que a princípio existam discordâncias entre os membros da equipe, e
por vezes, essas discordâncias estejam latentes e aflorem em ocasiões onde isso é
permitido, como no caso destes encontros de equipe, que estamos propondo, essa é a
melhor possibilidade da equipe e do coletivo aprender a trabalhar em conjunto.
“Partir dessa idéia nada mais significa do que admitir em toda compreensão uma
potencial relação de linguagem, de tal modo que, onde surge dissenso, é sempre possível
– e é esse o orgulho da razão humana – viabilizar o entendimento mútuo pela conversa.
Apesar de nem sempre possível, toda vida social baseia-se na pressuposição de que
aquilo que se bloqueia pelo aferrar-se às suas próprias opiniões pode ter um alcance
mais amplo no diálogo mútuo.” (Gadamer, 2004)
É importante que à medida que a conversa vai se fazendo e a equipe vai
identificando os consensos possíveis de abordagem dos problemas, ela já vai atuando na
mudança daquilo que for pactuado. O método Paidéia ou método da Roda “trabalha com
a noção de que há simultaneidade entre a geração, a coleta e a análise de informações.
Na seqüência, em função do interpretado tomam-se decisões e se desencadeiam ações
práticas, mediante a distribuição de Tarefas entre os membros de um Coletivo.”
(Campos, 2000)
Assim, muitas vezes, antes de terminar o Questionário para Diagnóstico
Compartilhado, as equipes já identificaram uma série de problemas e se acertaram sobre
formas de enfrentá-los. Se não estavam fazendo reuniões de equipe com regularidade,
começam a fazê-lo; se não estavam fazendo discussões de casos clínicos na equipe,
elaboração de projetos terapêuticos singulares para os pacientes, levantamento de dados
epidemiológicos relativos a seus pacientes, aproveitam as reuniões de equipe para
introduzir estas ações. “Vale enfatizar: analisar primeiro, e fazer diagnóstico depois,
sim; mas também, desde o começo, agir. Operar sobre a realidade e sobre a dinâmica
grupal desde as primeiras interpretações, explicitando claramente o compromisso do
grupo com determinadas mudanças, ou tarefas, ou operações. Pensar e fazer, de modo
que a experiência prática contribua para o reconhecimento dos limites, das falhas e dos
sentimentos conscientes e inconscientes.” (Campos, 2000)
A seguir, disponibilizamos o modelo do Questionário para Diagnóstico
Compartilhado que utilizamos em nosso curso de Co-gestão da Atenção Básica. Este
instrumento foi utilizado pelas equipes dos alunos do curso nas cidades de Campinas e
sua Região Metropolitana (SP), Guarulhos (SP), Fortaleza (CE) e algumas cidades da
Baixada Fluminense (RJ). Os relatos de sua utilização pelas equipes demonstraram
grande sucesso em promover os encontros dos profissionais das equipes de saúde da
família em torno de uma tarefa, ajudando a formação da equipe enquanto grupo
operativo.
O Questionário para Diagnóstico Compartilhado da Atenção Básica incorpora,
além das questões mais clássicas pertinentes à avaliação de uma unidade de atenção
básica de saúde (e em especial de uma unidade de saúde da família), as questões que mais
fortemente determinam uma ampliação da clínica e uma democratização da gestão local.
Assim, importa sobremaneira colocar em discussão na equipe, além de uma avaliação de
seus resultados, questões que a interroguem quanto à formação de vínculo e
responsabilidade pela população adscrita, forma de acesso da população ao cuidado,
organização da clínica e da agenda, acolhimento e classificação de risco, elaboração de
projetos terapêuticos singulares, conhecimento do território e de suas
potencialidades/fragilidades, interação com a atenção secundária e com a rede hospitalar,
existência de indicadores avaliados, de organização da equipe em torno de projetos, de
formação de compromissos e contratos na equipe, de gestão colegiada e compartilhada,
entre outros temas. O Questionário para Diagnóstico Compartilhado da Atenção Básica
não pretende esgotar a discussão nem ser um instrumento completo de avaliação da
atenção básica ou das equipes de saúde da família. Também não pretende verificar o
estágio de qualidade das equipes de acordo com padrões pré-estabelecidos. (BRASIL,
2005) Antes disso, ele estimula a conversa na equipe sobre questões que podem interferir
de forma importante na prática e resultado de sua atuação, no sentido de facilitar o
surgimento dos temas para análise e co-gestão no coletivo das equipes.
Bibliografia
v) Qual a população estimada (e sua distribuição por sexo e idade), de acordo com as
estimativas do IBGE ou outra fonte oficial utilizada (cite a fonte)?
x) Quantas famílias são e qual a média de pessoas por família em cada um dos setores
censitários da área de abrangência da Equipe de Referência?
Saúde Bucal
Conhecimento do território
Visitas Domiciliares
qq) Quantas visitas domiciliares o Agente Comunitário de Saúde realiza por mês?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
__________
rr) Todas as famílias recebem visita domiciliar de rotina do ACS?
(Não) 0 (Sim) 1
ss) Qual a periodicidade da visita domiciliar de rotina do ACS?
Não realiza de rotina............. 1
A cada ano............................ 2
A cada semestre................... 3
A cada trimestre................... 4
A cada bimestre.................... 5
Mensalmente......................... 6
tt) Existe uma programação das visitas de rotina do ACS às famílias, independente de
demandas das famílias ou do Centro de Saúde?
(Não) 0 (Sim) 1
uu) Como é feita esta programação? (descrever livremente)
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_________________________
vv) A equipe dispõe de ferramentas para facilitar essa programação local das visitas?
(Não) 0 (Sim) 1
ww) Os ACS realizam visitas domiciliares com que objetivos/critérios de prioridade?
Descrever livremente.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_________________________
xx) Quantas visitas os ACS participantes da equipe realizaram nos últimos 12 meses?
Organização da Clínica
aaaa) Quais as especialidades mais demandadas pela equipe nos últimos 12 meses?
Descrever livremente.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_________________________
bbbb) Para cada especialidade, registrar o tempo médio de espera (em dias), de acordo
com a impressão da equipe?
Nas questões 75 a 80, você vai passar uma visão geral do relacionamento de sua unidade
com as especialidades (em seguida, você poderá responder essas mesmas perguntas, de
acordo com as especialidades específicas):
cccc) Quanto à forma de solicitação de interconsulta, como se dá o relacionamento da
equipe com os especialistas?
(Muito burocrática) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muito comunicativa)
dddd) Quanto ao tempo despendido da solicitação à realização da interconsulta?
(Muito demorado) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muito rápido)
eeee) Quanto à interação positiva (educação e qualidade relacional) do especialista no
contato com o paciente?
(Nenhuma interação) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muita interação)
ffff) Quanto à qualidade técnica (resposta satisfatória e confiável à dúvida) da
interconsulta?
(Pouca qualidade) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muita qualidade)
gggg) Quanto ao retorno dos achados da interconsulta à equipe?
(Muito burocrático) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muito comunicativo)
hhhh) Quanto à interação positiva do especialista no contato com a equipe de referência
do paciente?
(Nenhuma interação) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muita interação)
iiii) Responda agora às mesmas perguntas, só que de forma particularizada para sua
interação com cada especialidade:
Avaliação de custos
lllll) Quanto aos custos de manutenção mensal da equipe e da unidade de saúde, que
nível de relevância e cuidado é dado pela equipe a este aspecto?
(Nenhuma relevância) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muita
relevância)
mmmmm) A equipe realiza controle de sua planilha de custos, distribuídos pelos
diversos itens (recursos humanos, medicamentos, insumos, exames laboratoriais e de
imagem, desgaste de equipamentos, tarifas de telefone, luz, outros) mensalmente?
(Nenhum controle) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muito controle)
nnnnn) Existe pactuação entre a unidade e a gestão do Distrito Sanitário ou da Secretaria
Municipal de Saúde de teto financeiro para a Unidade?
(Não) 0 (Sim) 1
ooooo) Existe pactuação de teto financeiro para a Equipe, feita entre a equipe e a gestão
do Centro de Saúde?
(Não) 0 (Sim) 1
ppppp) Em caso positivo, a equipe tem conseguido se manter dentro do teto financeiro
pactuado?
(Nenhum êxito) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 (Muito êxito)
Gestão Colegiada
Condições de infra-estrutura
Todos os cálculos feitos neste exercício vão considerar que as atividades de sua
equipe devem ser realizadas em 11 dos 12 meses do ano, em 46 das 52 semanas do ano,
levando-se em consideração que cada profissional da equipe terá um mês de férias. Além
disso, no cálculo do número de procedimentos diários, será considerado o número de 16
dias úteis, de forma a deixar ampla margem de folga para feriados e reserva de dias para
reuniões de equipe, visitas domiciliares, etc.
Só que tem uma coisa, não dá prá fazer isso sem conversar com as mulheres
ligadas a sua equipe. Vocês têm que combinar direitinho o que vocês estão pretendendo
fazer, por que estão pensando em fazer desta maneira, identificar as pessoas que estão em
condição de maior risco de adoecer. O intervalo de tempo desde o último exame é a
condição principal que será utilizada no geral, mas pode haver outras condições que
façam que o exame seja priorizado em algumas mulheres, como resultado de exame
anterior alterado, necessitando de controle mais freqüente, idade e risco de exposição ao
HPV (mulheres mais idosas antes, as mais novas depois; as de maior exposição ao HPV
antes, as de menor risco depois).
Agora, se a equipe estipular como meta a realização de uma consulta anual, para
seguimento e orientações de Planejamento Familiar ou Climatério, considerando a
população esperada de 1150 mulheres com 15 anos ou mais de idade, sua equipe tem que
se encontrar com cerca de 25 mulheres por semana, para em 46 semanas (o ano tem 52
semanas) conseguir se reunir com todas elas. Faça os cálculos com os dados reais de sua
população: o que você encontrou?
Neste caso, estes encontros podem ser realizados em grupos, de onde se seleciona
aquelas mulheres que tenham necessidade de consulta individual. Como nem todas as
mulheres passariam por consulta individual de Planejamento Familiar ou Climatério
todos os anos, no momento da sua consulta individual para Prevenção do câncer de colo
do útero (a cada três anos), se aproveitaria para oferecer o atendimento individual
completo a esta mulher.
Cerca de 3% das mulheres se engravidam a cada ano. Desta forma, sua equipe vai
seguir aproximadamente 46 gestantes a cada ano. Considerando o Protocolo de Pré-natal
que preconiza seis consultas, sua equipe terá que realizar cerca de 277 consultas de pré-
natal por ano, ou cerca de seis consultas semanais. Existem ações da consulta que podem
ser feitas em grupo, mas todas as gestantes devem receber atendimento individual.
Com base nessas ações previstas até agora, podemos imaginar a seguinte situação:
a programação de sua equipe na tarde estipulada para realizar as ações de Saúde da
Mulher deve ser organizada de forma a conseguir cumprir:
Desta forma, estas atividades devem ser distribuídas entre os membros da equipe.
Nos quadros abaixo, apresentamos alguns exemplos possíveis de distribuição das
atividades. Provavelmente, a melhor opção é realizar um rodízio de diferentes
formatações de programação de atividades, permitindo em algumas semanas privilegiar a
atuação médica de consulta individual, noutras a atividade de consultas pré-natal. Da
mesma forma, por vezes privilegiando a atuação de enfermagem na consulta em grupo de
planejamento familiar ou climatério, noutras vezes a atividade de coleta de exames de
prevenção. A equipe poderá também verificar a formatação que permite melhor
desempenho de suas funções ou perceber alternativas que aperfeiçoem seu desempenho.
Nas equipes ampliadas, que contem com médico ginecologista, ele pode assumir grande
parte destas ações, nos dias em que estiver disponível para esta equipe. Nas equipes
básicas, que não contam com ginecologistas, talvez seja mais fácil separar um dia da
semana (uma tarde) para realizar a maioria das ações programadas de Saúde da Mulher, o
que pode facilitar inclusive a melhor utilização do espaço físico e dos recursos do Centro
de Saúde por várias equipes. De qualquer forma, mesmo nestes casos, o atendimento das
mulheres que precisem de consulta ginecológica para ações não programadas deve ser
ofertado todos os dias, independente da equipe concentrar seus atendimentos
ginecológicos programados em um determinado dia da semana.
Deve-se tentar na medida do possível contemplar que numa única ida ao Centro
de Saúde a paciente possa ser atendida na consulta de planejamento familiar ou
climatério e já realize o exame de prevenção. O mesmo deve ser feito com as gestantes,
que devem ter seu exame de prevenção realizado, na hipótese de haver mais de três anos
do último exame.
Deve-se tentar, na medida do possível, contemplar que numa única ida ao Centro
de Saúde o paciente possa ser atendido no controle de sua hipertensão e seu diabetes,
quando ele tiver as duas patologias e já realize os exames necessários.
O controle dos pacientes com tuberculose e hanseníase não deve gerar um número
muito grande de procedimentos. Mesmo considerando-se uma prevalência anormalmente
elevada das duas doenças na população de sua equipe, dificilmente você terá que
acompanhar mais de 15 pacientes com tuberculose ao ano. No caso da hanseníase, o
acompanhamento de um paciente anual por equipe é esperado, quando muito. Você pode
agendar estes pacientes de forma a ocupar parte de uma tarde no mês.
World Health Organization. The World Health Report 2006: Working Together
for Health.
ATENÇÃO PRIMARIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE DO SÉCULO XXI:
ANÁLISE DE SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS
Paulo Vicente Bonilha Almeida
Segundo Starfield (2004), “a questão de quem oferece atenção primária melhor, e para
quem”, seria relevante em quase todos os lugares, porque influenciaria a política tanto
a respeito da formação dos profissionais médicos da atenção primária, como da
organização e do financiamento dos serviços.
2. SITUAÇÃO NO BRASIL
Entretanto, esta composição das equipes de saúde da família (ESF) tem sido um
dos aspectos do PSF questionados, com o argumento de que esta equipe mínima seria
insuficiente, principalmente nos grandes centros urbanos para dar conta das diversas e
complexas realidades de saúde.
Desta forma, desde cedo, com a criação dos primeiros centros de saúde, na década
de 20, em São Paulo, a pediatria ocupou boa parte do funcionamento destes serviços, em
grande medida voltados para o atendimento materno-infantil. Na década de 40 com a
criação do Departamento Nacional da Criança são criados postos de puericultura (Zanolli,
2001).
Quanto à capacitação dos médicos de família das quase 28.000 equipes pelo
Brasil, a grande maioria destes não possui formação em medicina de família (Brasil,
2007a; Machado, 2000), sendo levantados muitos questionamentos sobre sua capacitação
para o atendimento à criança e o adolescente.
Por outro lado, a própria SBP, em 2004, revela preocupação com a existência
deste idealizado pediatra, ao publicar um documento denominado “Resgate do Pediatra
Geral - Consenso do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da SBP”. Em
seu primeiro capítulo, denominado “SOS Pediatra Geral”, fala do risco da pediatria seguir
o mesmo caminho da clinica médica, que, ao se desmembrar em especialidades, teria
ganho potência para o tratamento de doenças específicas graves, mas perdido o enfoque
global do paciente. Com a missão de “resgatar o papel do pediatra geral na promoção da
saúde da criança e do adolescente no contexto de sua família e da sua comunidade”, se
propõe a “conscientizar o pediatra geral de sua importância na promoção da saúde e
estimulando-o a não atuar apenas como socorrista, mas aproveitar todas as consultas para
exercer ação preventiva e educadora sem prejuízo para sua atuação eficaz na resolução
das doenças habituais da infância”.
O termo ‘Puericultura’ foi criado em 1865, por Caron, médico francês, para
denominar a “ciência de elevar higienicamente e filosoficamente as crianças”. Não teria
sido utilizado até o final do século XIX, quando o obstetra Pinard, também francês,
passou a usá-lo sistematicamente (Mendes, 1996, p.111).
Por outro lado, da mesma forma que as demais especialidades médicas, seu
desenvolvimento se deu sobre as bases de um paradigma biomédico (Guedes et al., 2006;
Kuhn, 1989), entendendo o processo saúde-doença sob uma perspectiva científica
positivista. Através desta o conhecimento surge de uma investigação analítica que explica
os fenômenos complexos a partir da fragmentação de seus componentes e o estudo de
cada um em particular. Assim a doença é estudada como um fenômeno separado da
pessoa que a sofre, buscando com isso uma descrição objetiva e replicável da patologia,
permitindo prever seu comportamento em qualquer portador. Embora este modelo tenha
permitido um progresso científico evidente, com muito impacto para os avanços da
medicina, tende a gerar uma visão reducionista dos fenômenos, excluindo muitas vezes
os fatores psíquicos e sociais envolvidos no desenvolvimento das doenças (Téllez, 2004).
Para muitos pediatras, esforços para promover a saúde das crianças têm sido
voltados para atender as necessidades de cada criança num contexto de atendimento
individual, garantindo acompanhamento médico para as mesmas. Essa abordagem,
associada aos compromissos pessoais dos próprios pediatras com a comunidade tem
obtido grande sucesso. Contudo, de forma crescente, as maiores ameaças à saúde das
crianças americanas – a “nova morbidade” – deriva de problemas que não podem ser
adequadamente resolvidos por este modelo de prática isolado. Estes problemas incluem
taxas de mortalidade infantil inaceitáveis em certas comunidades, níveis extraordinários
de injúrias intencionais e não intencionais, dependência química, problemas
comportamentais e de desenvolvimento, conseqüentes de cuidado inapropriado,
disfunção familiar, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e
nascimentos extra-conjugais e falta de acompanhamento médico (Rushton - American
Academy of Pediatrics Committee on Community Health Services, 2005).
Uma abordagem original neste sentido ocorre no Chile, onde, desde 1993, a
Pontifícia Universidade Católica vem formando Médicos de Família de adultos e
Médicos de Família de crianças (Téllez, 2004). O objetivo desta separação foi de
conseguir maior profundidade na formação clínica destes médicos e desta forma
aumentar a resolutividade na atenção primária urbana. Além disso, outro objetivo desta
opção foi garantir, para este profissional responsável pela atenção primária à criança, uma
série de saberes e habilidades (“ferramentas”), necessárias para seu trabalho e que hoje
são disponibilizadas para a formação em medicina familiar e não em pediatria (Starfield,
2004). A premissa que embasa esta política é a consciência de que a atenção primária, a
medicina de família, são muito complexas, exigindo especialistas que dominem a
aplicação prática do paradigma biopsicossocial.
Nesta linha têm sido cada vez mais freqüentes as propostas no sentido de resgatar
a doutrina da especialidade, principalmente municiando o pediatra de ferramentas para
adequar sua prática àquela.
Uma delas é o conceito de “pediatria contextual”, que propõe uma prática clínica
que enxergue a criança, a família e a comunidade como um conjunto contínuo. O
conceito não é novo, como demonstra a história da pediatria, mas tem trazido
interessantes avanços.
4. Funcionamento intestinal.
5. Habilidades de acordo com a etapa do desenvolvimento.
7. Linguagem.
8. Acuidade visual.
9. Sono.
12. Escolarização.
13. Vacinação.
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Anexo: Temas abordados no Curso de Gestão/ Método: Espiral D´Ascese
z O Método Paidéia
z Importância, conceituação de grupo e modalidades grupais
z Abordagem familiar
z A metodologia Balint
z Promoção da Saúde e Modos de vida
z Transferência e Contratransferência.
z Sistematização do planejamento/ programação local
z Arranjos organizacionais: equipes de referência e áreas de apoio; equipe
interdisciplinar e multiprofissional; campo e núcleo das profissões
z Primeira sessão de grupo
z Acolhimento e avaliação de risco, responsabilização. Demanda e gestão da
agenda
z Grupos Operativos
z Campo grupal: ansiedade, defesas e identificações. Comunicação grupal
z Papéis, lideranças, perfil e função do coordenador de grupo
z Prática da clínica ampliada. Anamnese ampliada. Projeto Terapêutico Singular.
Rede social significativa
z Grupo na instituição: Ambientoterapia
z Contribuição das ciências políticas e sociais à clínica/ saúde coletiva: poder,
conflito, rede social
z Redes Sociais – as velhas e as novas formas de sociabilidade
z Gestão participativa: Organização de espaços para gestão participativa
O Agente Comunitário de Saúde e a prática na atenção básica: alguns
apontamentos∗
Paula Giovana Furlan
∗
Esse capítulo é parte das reflexões produzidas na dissertação de mestrado intitulada “Veredas no
território: análise da prática de Agentes Comunitários de Saúde”, da mesma autora (Furlan, 2008).
27
Serviço Especial de Saúde Pública- SESP, anos 1940: Região amazônica, Estados de Minas Gerais,
Espírito Santo e Goiás; Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento- PIASS: década de
1970, na região Nordeste, e 1980, no Estado São Paulo, no Vale do Ribeira e Sorocaba; Programa de
Agentes Comunitários de Saúde do Ceará- PACS-Ceará, na década de 1980. Para maior descrição desses
programas na história das políticas públicas do Brasil, ver livro de Silva e Dalmaso (2002).
estratégia nacional de mobilização de forças sociais, da população, para a conquista de
saúde, acesso aos serviços e estratégias de cuidado. A criação do PACS nacional
justificava-se pelos bons resultados das experiências anteriores da integração do ACS
à equipe local, não somente quanto ao relacionamento da população com o serviço de
saúde, mas também pela sua capacidade de resolver ou evitar parte dos problemas que
ocasionavam o congestionamento do sistema. Então, através da figura do Agente
Comunitário de Saúde (ACS), uma pessoa capacitada em saúde, de origem da própria
comunidade e integrada à equipe de saúde local, era esperada a formação de um
vínculo comunidade-serviços forte e ampliado. Os objetivos gerais do Programa eram
expressos em termos de aumento da capacidade da população cuidar da sua própria
saúde e resolver seus próprios problemas, sendo o ACS um facilitador de tal processo.
Por sua vez, os objetivos específicos abrangiam a detecção das necessidades de saúde
da comunidade, bem como a capacitação dos ACS para tal trabalho, contribuindo para
a extensão da atenção à saúde e ampliação do acesso à informação na comunidade.
O trabalho no território
O ACS ganhou destaque na atenção básica à saúde, com inserção no PSF, porta de
entrada do SUS. Sendo o foco do trabalho o território, o ACS é considerado um
importante instrumento para detecção das necessidades de saúde da comunidade.
Nas diretrizes do PSF (Brasil, 1994), alguns dos termos largamente utilizados para
definição de território são ‘abrangência populacional’ e ‘adscrição da clientela’,
recomendando-se considerar a diversidade sócio-política, econômica, densidade
populacional, acessibilidade aos serviços, entre outros fatores na delimitação das áreas.
Porém, conforme apontado em recente estudo (Pereira, Barcellos, 2006), na prática local
de implantação das equipes do PSF, somente é mencionado o limite de população, sem
nenhuma informação concernente à flexibilização da adscrição por especificidades locais.
Ou seja, com maior freqüência, as microáreas de responsabilidade das equipes e serviços
são distribuídas pelas equipes e pelos ACS de acordo com a quantidade numérica de
famílias, e não de acordo com as características singulares de cada espaço.
Para refletir sobre o trabalho dos ACS, faz-se necessário apontar um conceito de
território que amplie a capacidade de compreensão sobre os potenciais e as limitações
existentes no espaço, bem como sobre seus sujeitos constituintes, pois não é suficiente
entender os processos saúde-doença de forma ecológica e segundo parâmetros gerais
(Oliveira, 2007; Barros, Ghirardi, Lopes, 2002). É preciso penetrar na singularidade de
indivíduos, grupos e conhecer o social em que as vidas se tecem28.
Vemos que a divisão numérica não contempla a realidade de existência e
dinâmica de tal espaço social. Assim, o ACS inserido em serviço se defronta com uma
realidade que só o raciocínio numérico e distributivo geograficamente não lhe oferece
aporte teórico e instrumental prático para as funções a que é designado. O trabalho dos
ACS no território permitiria, além da identificação, mapeamento do espaço e da
adscrição populacional, problematizar e transformar o cotidiano e as condições de vida
das pessoas, compreender as relações e a dinâmica dos sujeitos na sua complexidade,
podendo ser um importante agente disparador de análise sobre o contexto e as ofertas a
serem elaboradas por comunidade e serviço. Partir de intervenções que poderiam
estimular a criação de Espaços Coletivos (Campos, 2005) propiciadores da análise do
contexto e de poderes, da ação das pessoas e apropriação do espaço pelos sujeitos que
28
Trabalha-se neste texto com os conceitos desenvolvidos por Santos (2002) sobre território, por Castel
(1995) sobre espaço social e vulnerabilidade, por Campos (2000; 2005) sobre espaço coletivo e sujeito e
por Barros, Ghirardi e Lopes (2002) sobre redes sociais de suporte. Para apreender a concepção, sugestão à
leitura doc apítulo Sete (7), neste mesmo livro, “Co-produção de projetos coletivos e diferentes "olhares"
sobre o território. Gustavo Nunes de Oliveira e Paula Giovana Furlan” que aborda essa discussão, ou
das referências dos textos desses autores, indicados ao final deste capítulo.
nele vivem. Olhar e agir no território além da cartografia. Em tese, o ACS que, além
de trabalhador, é membro da comunidade, traria em si a cultura e o saber locais, o que
o potencializaria enquanto um agente para introdução de novos conceitos e práticas
para a comunidade e para a equipe de saúde.
Porém, o que observamos hoje é que as ações dos ACS são prioritariamente
referentes à vigilância epidemiológica, centradas em atividades de controle e
saneamento, e reprodutoras de atividades existentes há anos no local. Há pouca
discussão in loco das potências dos ACS para atividades educativas e grupais,
incluindo a formação para tal e incorporação do saber popular nas ações de saúde.
Parece que com a figura do ACS, a atenção básica se tranqüiliza, pois que a promoção
de saúde estaria nominalmente garantida. Por exemplo: as atividades com a
comunidade, de visitas, grupos e com temas não relacionados às doenças, são na maior
parte das vezes, de responsabilidade dos ACS nas unidades, mas ainda oferecidas
quando as tarefas de Breteaux (controle da dengue) não são urgentes em ser realizadas.
Como então realizar atividades educativas e fortalecer organização comunitária para o
cuidado da própria saúde? E o que entra como prioridade na agenda dos serviços? O
que pode ser detectado e trabalhado no cotidiano?
Algumas pesquisas indicam que nem sempre são ofertadas ações de saúde que
abranjam todo esse espectro (Elias et al., 2006; Lopes et al., 2007; Silveira, 2003; Santos,
2004; Campos, 1997). Nem sempre as ações ofertadas pelo PSF correspondem às
necessidades de saúde. Há dificuldade para que equipes do PSF desenvolvam ações de
promoção, num território definido, com uma população e comunidades adscritas, com
características singulares/ peculiares. A Saúde Pública e Coletiva encontra-se num
dilema, pois lhe falta arcabouço conceitual ou categorial para apoiar os trabalhadores
nesse percurso de identificação das necessidades, já que ora enfatiza a utilização de
indicadores epidemiológicos objetivos (mortalidade, risco e morbidade), ora a
participação comunitária como instrumento para levantamento de necessidades (Campos,
2000). Esse impasse atinge os ACS, objeto desta reflexão. Os ACS tenderão a identificar
principalmente aqueles problemas de saúde apontados como prioritários pelos Programas
oficiais e não a partir de necessidades populacionais locais. Por exemplo: detectar casos
de hipertensão, porque há o atendimento ao usuário hipertenso dentro da unidade de
saúde. Apesar do discurso dos ACS basear-se em um conceito ampliado de saúde, ainda o
olhar e as intervenções estão pautados pela “marca” da doença, dos programas criados
para enfrentá-los de forma coletivizada e as necessidades de saúde ainda são traduzidas
pelo acesso aos procedimentos ofertados.
Quando se efetiva a existência de um profissional responsável por
“identificação das necessidades de saúde no território”, na ponta do sistema, no caso o
ACS, corre-se o risco de deflagrar maneiras de viver distanciadas do âmbito dos
direitos humanos. Se não há a definição de uma metodologia que combine “ofertas
técnicas” com “demandas/ necessidades” dos usuários dos serviços, pode-se reforçar
um modo de atendimento baseado em conceitos biomédicos tradicionais e na
medicalização do sofrimento. Os ACS em sua prática acabam se defrontado e
escancarando mazelas sociais, que dependeriam da construção de políticas e de
estratégias de intervenção mais amplas do que o limite das práticas de saúde. Ou
mesmo, defrontam-se com problemas de saúde pública que estão intrinsecamente
relacionados com questões sociais, como a violência, para citar um exemplo, que
exigem intervenções intersetoriais ou mesmo com outros referenciais dentro do campo
da saúde, que não somente o biologicista ou pautado no surgimento de doenças e
patologias.
O ACS seria aquele que traz para a equipe “toques de estranhamento” de como é
realizado o trabalho em saúde ou mesmo de “sutilezas” do que ocorre com as famílias
que acompanha, que, muitas vezes, passam despercebidas na reflexão sobre um caso
clínico ou no atendimento rotineiro. Se os ACS assumirem postura passiva e
permanecerem na expectativa de ordens, essa “sensibilidade” vai se moldando com o que
já é tradicionalmente acolhido e possui resposta dentro do modelo hegemônico de
cuidado vigente, com tendência a desaparecer a inovação trazida pela percepção do
agente.
O ACS tem sido idealizado como aquele que, por ser de dentro da comunidade,
facilitaria o vínculo e a realização de atividades e intervenções, o que demais
profissionais que não vivem aquela cultura, aquela realidade periférica, teriam
dificuldade de fazer. Mas ainda, sendo morador da área em que trabalha e por estar
imerso em contexto complexo, observa-se que esses podem ser fatores que poderiam
“cegá-lo” para possíveis ofertas além do que já é efetuado pelos serviços e políticas de
saúde, tendendo a identificar apenas aqueles problemas para os quais há resposta certa e
possível na tradição da área da saúde. Onocko Campos (2005) aponta que os profissionais
não estão advertidos/ sensibilizados para identificar e preparados para lidar com
problemáticas decorrentes do contemporâneo, como a degradação da sociabilidade
comum em grandes cidades urbanas, isto para não mencionar a miséria extrema. Logo, o
problema para o qual não há solução local ou estratégias de intervenção imediata poderá
continuar intocado no território. Temos também aqui a “mistura” de demandas sociais
com as demandas específicas do campo da saúde, que não são muito bem delimitadas.
Instituição e comunidade
Formação X Atribuições
29
Não há dados sobre a percentagem de ACS com somente ensino médio completo.
não estar sensibilizado para a questão, não conhecer que tais necessidades e demandas
poderiam ser trabalhadas na atenção básica (e mesmo por não acharem que é de
responsabilidade do serviço de saúde), ou não sentirem que existam ações efetivas dos
profissionais do PSF voltadas para essas problemáticas de saúde.
Outra questão pontuada, nessa mesma pesquisa, foi que o trabalho considerado
resolutivo pelos ACS fica restrito ao quanto conseguem encaminhar para outros serviços
ou para a própria equipe resolver. Isto é importante para pensar o risco de reduzir o ACS
a simples identificador e encaminhador e limitar sua potencialidade de trabalho. No
estudo de Silva e Dalmaso (2002), diversos discursos dos entrevistados apontaram que a
função dos ACS oscilava entre mensageiros e agentes reformadores. Em alguns
momentos, teríamos as vivências pessoais que por si bastariam como experiência
acumulada, em outros, a expectativa de “domínios técnicos de certos procedimentos de
saúde que seriam compostos com uma sabedoria prática tecida na e própria à vida
comunitária” (prefácio de Lilia Schraiber, In: Silva e Dalmaso, 2002, p.12).
Diante da formação, do treinamento e da capacitação existentes atualmente, torna-
se relevante problematizar a hipótese de ocorrer limitações tanto no campo da discussão
teórica e conceitual do trabalho do ACS, como no detalhamento de suas atribuições, não
se aprofundando a discussão sobre ‘como’ realizá-los, a prática de trabalho. Parece haver
lacunas na oferta de instrumentos e de como trabalhar com eles no cotidiano. A técnica
de cadastro ou preenchimento de planilhas, por exemplo, acaba tendo um treinamento
direcionado e facilitado por se ter um protocolo “mecânico” e preciso a seguir. Porém, há
deficiência em orientar ao ACS sobre como operar as informações desse cadastro no
cotidiano, e a partir daí, como formular ações e executá-las. Ao ACS é delegada a ação
de educação em saúde, por exemplo, mas como a realiza? Qual o conceito de educação
em saúde e o que se pretende fazer com tal ação? Muitos ACS relatam que não sabem
fazer grupos ou não possuem saber técnico para ‘proliferarem’ palestras informativas.
Tudo isto parece ser uma tarefa difícil ao ACS, talvez, além da complexidade inerente a
estes procedimentos, pela insuficiência das capacitações oferecidas nesse sentido e
espaços de análise do que é produzido.
Para executar tais ações, é importante a oportunidade de analisar qual é a
concepção de sujeito, o objeto e objetivos pretendidos (Campos, 2003), para não
simplesmente o ACS ser um reprodutor, um sujeito que copia práticas degradadas, mas
crítico e que adicione reflexividade (Castoriadis, 1992; Campos, 2005), além da
valorização de ações que são de seu núcleo de atuação.
A capacitação insuficiente de alguns agentes para estar na função leva a
aprenderem in loco, com outros ACS, reproduzindo uma prática muitas vezes restrita,
desgastada e não muito bem delineada. O que teria um lado positivo - o fortalecimento da
rede dos ACS, do núcleo identitário a partir do aprendizado um com o outro - pode levar
a fechá-los num grupo impotente de levar discussões para fora de si mesmo, ou de buscar
apoio fora, com demais profissionais da equipe, ou ainda, de não questionar uma prática
já institucionalizada, não colocá-la em análise para avaliação de seu grau de
resolutividade e nem intervir sobre, no que concerne à atenção e cuidado em saúde. Eles
tendem a permanecer, na maior parte das vezes, na expectativa de ordens gerenciais ou da
equipe, quando não há espaço para discussão e análise sobre o que se deparam no dia-a-
dia de trabalho, nas ações, principalmente nas visitas às famílias.
Concordo com Marques e Padilha (2004) quando dizem que “deve haver uma
recontextualização da formação profissional, que deixa de ser a disponibilidade de um
‘estoque de saberes’ para se transformar em ‘capacidade de ação diante
acontecimentos’” (p.349). A profissionalização deve ser entendida como aumento da
autonomia intelectual, que envolveria o domínio do conhecimento técnico-científico, a
capacidade de autoplanejar-se, de gerenciar seu tempo, de exercitar a criatividade, de
trabalhar em equipe, de interagir com os usuários dos serviços, de ter consciência da
qualidade e das implicações éticas do seu trabalho, incorporando o saber em três
dimensões: saber-conhecer, saber-ser, saber-fazer (habilidades, conhecimentos, atitudes)
(Marques e Padilha, 2004). Schraiber (1993) fala também que a autonomia deve se dar no
âmbito da organização concreta do trabalho e das decisões. Nesse processo, então, a
formação teria papel primordial atrelada à discussão de como o trabalho acontece, por
exemplo, como é organizado, quais são as dificuldades cotidianas, como se dá o
relacionamento em equipe, discussão das tarefas e papéis etc.
É importante diferenciar aqui o conteúdo de capacitações formais, que devem
possuir um padrão mínimo de conhecimento, considerando o saber que um ACS deve
possuir para realizar tais atribuições, do conteúdo de capacitações e formação em
trabalho, do que o ACS de tal território deve se apropriar e ter espaço para discutir e
problematizar a partir de sua inserção no campo de trabalho. Os temas das capacitações
dos ACS, sem negar sua importância e que são temas relevantes para o cuidado na área
da saúde, até o presente momento, ainda se assemelham ao modelo “industrial” de
ensino-aprendizagem, formatado e não incluindo temas relacionados à subjetividade, ao
campo das relações e discussão de modos de vida. Ainda centram-se no aspecto clínico
das doenças, enquanto o que os ACS encontram no território são famílias e pessoas
vivendo precárias condições sociais, de violência, de saúde mental, de drogadicção e,
perante isso, torna-se um desafio articular e lidar com essas questões no âmbito da saúde
e como agentes. A prática predominante acaba sendo a relacionada à dengue, por
exemplo, por envolver mais procedimentos, metas “palpáveis” e conhecimentos
provenientes da capacitação que mais “encaixam” no que deve ser realizado.
Ou seja, os temas básicos deveriam ser adequados ao que é encontrado pelos ACS
no cotidiano de trabalho. Que sejam revistos, frente à realidade que se coloca atualmente
para o ACS, os casos acompanhados, as dificuldades encontradas, e que isso também
possa se efetuar durante as práticas de trabalho, em formação continuada do ACS, em
equipe e em serviço.
Barros, Denise Dias; Ghirardi, Maria Isabel Garcez; Lopes, Roseli Esquerdo. Terapia
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O DESENVOLVIMENTO DO PAPEL DE APOIADOR INSTITUCIONAL
EM FORTALEZA – CEARÁ
INTRODUÇÃO:
pelo programa do referido curso. As autoras desse relato eram, ao mesmo tempo, alunas
Centros de Saúde da Família (CSF), todas integradas ao SUS, até o Apoio Institucional
aos profissionais das equipes, nas Rodas de Gestão de cada Unidade, para que definissem
processo de trabalho das equipes dos CSF da Secretaria Executiva Regional VI – SER
VI.
contratos e ações para o coletivo que levem à implantação de mudanças com vistas a
Este trabalho aconteceu nas Rodas de Gestão das Unidades. Trazendo a visão de
uma roda que gira sobre um eixo, cabe a pergunta: pode uma roda girar num continuum
sem um eixo? Não perderá ela velocidade e direção? Conseguirá manter-se aprumada
sem cair pela ausência do eixo? O que é mais importante: a roda ou o eixo? Ou são duas
figuras interdependentes que se precisam mutuamente para cumprir sua vocação de girar?
O eixo sem a roda não vai a lugar nenhum e a roda sem o eixo não tem rumo. Portanto, as
figuras do eixo (apoio) e da roda (roda de gestão) traduzem o que foi este trabalho. O
exercício ora atento, ora obscuro, ora leve, ora difícil, de construir de forma conjunta um
novo jeito de fazer gestão, onde todos tiveram um papel ímpar, foi o que deu vida e
tônus, vigor, força, mas, como não eram mágicos, precisaram ser cuidados, alimentados e
fortalecidos. Não foram processos acabados nem, tampouco, nasceram apenas pelo
Contextualizando...
A cidade de Fortaleza é hoje a quarta maior cidade do país, apresentando uma
específicas para cada grupo populacional e prestando serviços articulados em uma rede
de proteção social. Cada SER funciona com cinco Distritos (Saúde, Educação, Meio
2007a).
Caracteriza-se por ser uma área de muita complexidade, não somente pelo tamanho de
seu território, que corresponde a 40.2% da área do Município de Fortaleza (CE) com uma
subnormais e favelas.
(CSF), que contam com 70 equipes de saúde da família cobrindo 42% da população, dois
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS Geral e CAPS Álcool e Drogas), sendo um para
entre a atenção básica e a saúde mental, dois hospitais municipais, dois hospitais
adscrita. Os demais eram compostos, além das equipes de saúde da família, por
da realidade local, para se definir, coletivamente, o Projeto de Intervenção - PI. Para isto,
foi necessário discutir com as equipes que o PI era uma tarefa do Curso, porém algo a ser
30
Segundo Gastão Wagner, o Apoiador Institucional desempenha funções de ajuda às equipes, na gestão e
organização de seus processos de trabalho. O método Paidéia opera com o conceito ampliado de gestão:
função gerencial, política, pedagógica e ‘terapêutica’. Os apoiadores institucionais, ao contrário da tradição
‘das assessorias’, trabalham nas equipes ou nas Unidades de produção, ajudando-as com a construção de
Espaços Coletivos onde o grupo analisa, define tarefas e elabora projetos de intervenção.
Em cada CSF, o processo se deu de maneira singular, tanto no que diz respeito às
A presença das apoiadoras nas Rodas de Gestão era algo novo também para as
dificuldades que adviriam. Esta suposta adversidade tornou-se um estímulo para enfrentar
o desafio.
diálogo ocorreram ao longo do tempo, afinal as apoiadoras não eram agentes externos,
isentos, inodoros, pois ocupavam cargos de gerência: Chefia de Distrito de Saúde, Chefia
isentas’ constituía um desafio. Até que ponto não haveria intercâmbio de influência entre
uma posição e outra? Houve, de certo, um esforço honesto do apoio per si, e pôde-se
atestar isto, em etapas posteriores do processo, quando declarações das equipes apoiadas
expressaram a liberdade de ser e estar na Roda, sem a certeza do controle, confirmando
Construindo o caminho...
O desenrolar das ações aconteceu principalmente, nas Rodas de Gestão dos CSFs,
dando-se ênfase ao seu funcionamento, aos atores ali envolvidos, aos presentes e
presentes ausentes (silentes), à sua dinâmica e aos problemas identificados nas múltiplas
Somente a partir deste aporte às Rodas das Unidades, traduzido como Apoio
Institucional, foi que se evidenciou, para todos os atores, suas condições de sujeitos de
se daria sem a percepção clara de que todos na Roda teriam uma contribuição, uma fala e
uma responsabilidade sobre qualquer processo que, dentro da Unidade, viesse a ser
deflagrado.
receptividade por parte dos coordenadores das Unidades, pois a figura do gestor tem um
de co-gestão fluía melhor quando o coordenador do CSF tinha uma condução que se
alinhava às demandas dos novos tempos: uma relevante formação técnica, seja em
gerência ou em saúde; atenção para discernir o que fazer nos momentos de confronto
grupal; ser agente de mudanças; oferecer suporte, dando limites quando necessário; e
suportar o exercício da função, com tudo o que lhe é próprio. O processo gerencial
ordenação também é prejudicial. O desafio de gestão de uma Unidade não é tarefa fácil
para ninguém, porém uma postura dialógica, dentro de um processo democrático, com
direção e firmeza, fazem-se condição sine qua non para envolver o conjunto dos
divisão em grupos para desenvolver análise de um tema, etc.). Inerente a esse papel
potencialidades fossem percebidas, tanto pelas alunas como pelas equipes dos CSF,
dificuldades de lidar com grupos, entre outros), pessoas com experiências distintas e com
pessoa externa. É nítida a dificuldade nos coletivos isolados em pensar e agir, em refletir
sobre a sua prática. No desenvolvimento das ações houve uma crescente participação e
sua formação acadêmica - tradicional (modelo Taylorista) - como nos locais de trabalho.
poder verticalizada, com uma distância entre os envolvidos (CAMPOS, 2000). O método
envolvidos em um Coletivo.
31
O método Paidéia opera com o conceito ampliado de Gestão: função gerencial, política, pedagógica e
‘terapêutica’. Segundo Gastão, todo texto é um sistema ordenado de signos (sinais e sintomas)...
das pessoas de lidar com o poder, com a circulação de afetos e com o saber, ao mesmo
CAMPOS, 2003). Essa é uma grande experiência, tanto para o apoiador quanto para o
grupo.
diversidade das situações vivenciadas, tanto a partir da realidade local, quanto dos grupos
participantes. A riqueza do processo não se traduz em palavras, pois elas são sempre
saúde.
análise da realidade local – era uma das poucas certezas que se tinha, diante de inúmeras
favoreceu a aproximação, das equipes entre si, de todas as equipes na Roda e das equipes
com as apoiadoras.
diagnóstico logo no início. Fazer, então, o quê, neste momento? Escutar o grupo,
sobre a segurança na Unidade, por estar situada em área de risco agudo devido à
Documentos, observação e registro de práticas, falas. Tudo isso enriquece bastante o Texto a ser analisado
e interpretado.
violência urbana. Havia um clima de desestímulo. Constatou-se que um dos papéis do
tema da segurança, apareceu ainda uma confusão no papel de gerente x apoiadora, mas o
encontro foi encerrado com uma sensação de que fora feito o que era possível.
Em alguns momentos, os grupos necessitavam refletir sobre outro tema que não o
proposto pela coordenação, juntamente com as apoiadoras. O uso do bom senso foi
coordenação-usuário.
Outra grande angústia, trazida pelo coletivo, era a demanda excessiva, o que, no
construção de vínculo, clínica ampliada, pois não conseguiam atender à sua área adscrita.
muitas vezes não percebendo que é o modo de atuar, e as condições para tal, que provoca
este tipo de conduta. Em suas falas aparecem frases do tipo: “Não estamos fazendo
PSF”; estamos sendo “engolidos pela demanda”; “os usuários vivem nas Unidades”;
“só querem remédios!”; “essa comunidade é muito perigosa!”; “a Unidade não tem
Outro aspecto percebido foi que muitos profissionais não sentiam qualquer
com seis equipes, com curso de Residência em Medicina de Família e Comunidade, três
tradicional, com grande centralização da gestão. O grupo, porém, quando discutiu qual
apoio externo para tal. Talvez o projeto de intervenção desta Unidade possa ter sido
entendido pela coordenação da Unidade, como uma ingerência, uma imposição da gestão
reorganizar o serviço com a implementação do Acolhimento por equipe, uma vez em que
organização das agendas; discussão com a população sobre a nova forma de atuação em
saúde, etc.
Após o início da implementação do Acolhimento pôde-se ouvir, nas falas dos
usuários e dos profissionais, que o Acolhimento ofereceu uma melhor vinculação com os
com um incômodo, com uma dificuldade latente, somente manifesta após a reorganização
feitas diversas tentativas, respeitando sempre a demanda do grupo, para trabalhar esta
resultado necessário, no que diz respeito à forma de gerenciar, de maneira que a Unidade
Rodas, decidiu escolher a reestruturação das Rodas de Gestão da Unidade, pois poderiam
trabalhar todos estes temas nas próprias Rodas. A equipe conseguiu avançar bastante,
ofertas poderão desempenhar papel ora de suporte, ora de manejo, e será preciso alguém
coordenação. Refletimos novamente sobre o papel que a gerência tem de aceitar o novo e
às carências (de médicos e de ACS, por exemplo), sem conseguir o desenvolvimento das
potencialidades existentes.
forma individual. Esta postura comprometeria todo o trabalho não fossem logo dirimidas
Somente então é que se começou a pensar: “o que fazer?” Foi sugerido que tirassem uma
número de pedidos de atendimento, para poderem, a partir daí, pensar numa estratégia
que ajudasse a organizar essa demanda que, em suas falas, era ‘esmagadora’.
imaginava. O resultado foi um atendimento médio de 560 usuários por dia. Alguns
profissionais revelaram uma grande angústia, diante de sua impotência frente a problemas
tão complexos. Persistia, aí, a questão dos processos de trabalho. Uma dificuldade em ter
Para além do relatado, havia uma questão de fundo a ser encaminhada. Não existe
Portanto, a figura do gestor é essencial para que as equipes consigam atingir seus
produzindo saúde. Assim, não por responsabilidade da gestão da Unidade em si, mas, por
falas, signos) trazidos pelas equipes que corroboravam para esta decisão.
de cooperação raro de se ver. Sua postura foi edificante para todos. Em seguida, assumiu
outra função em outro espaço de saúde do território, onde tem dado grande contribuição,
de maneira bastante efetiva e atuante, o que reforça a idéia de que todos têm uma
contribuição ímpar a dar. Ficou também o aprendizado de que a Roda gira para formar
novos sujeitos em outros lugares também, que deve ser um lugar de ofertas, de
possibilidades outras, às vezes impensáveis, mas que sempre ressurge a partir de uma
Programa de Saúde da Família “pronto”, como se fosse uma receita. A realidade urbana é
aliviadas. Equipes novas ainda tateando seu espaço dentro da estrutura da Unidade, que
comportava também profissionais com diferentes orientações teórico-práticas. Some-se, a
em si, bem como aos determinantes sociais, culturais, econômicos e políticos que
equipes da ESF foram admitidas e não tiveram entrosamento e nenhum preparo anterior
para trabalhar em grupo. Enfrentaram o novo, tendo que se responsabilizar por uma
grande área de abrangência, sem as condições necessárias. Mesmo assim, foram fazendo
e experimentando, muitas vezes, cada um do seu jeito e com sua visão sobre o que são
voltado para queixa-conduta, atendendo demanda espontânea. Tiveram que, sem muito
planejamento, iniciar outra lógica de atendimento, voltada para a promoção, com vínculo
conhecimento dessa comunidade sobre o que é saúde da família e, muitas vezes, com o
A compreensão do que é ser e/ou estar ‘engolido’ por uma demanda sem rosto,
trabalho. Isto parecia evidente e era relatado exaustivamente por algumas equipes que se
fragmentavam internamente, jogando para fora sua descrença num processo que se
periféricas tidas como “perigosas”, com brigas de gangues, onde as equipes têm que
Estes aspectos
incipiente e difuso, mas latente nas equipes. Porém, as equipes por si só não
fragmentada, baseada nas ‘caixinhas’ dos Programas. Como mudá-la? Como transformar
e dispersão nas Rodas. Eram necessárias a inclusão de algumas atitudes para estimular
aceitos pela equipe da mesma. Foi organizado, então, um encontro num parque público
com dinâmica grupal e um bom lanche, em que participaram Distrito de Saúde, Atenção
conhecimento uns dos outros e a fortalecer a co-gestão, muito embora, para que haja
mudança no processo de trabalho torna-se necessário um equilíbrio nas relações de poder,
fragmentação.
os usuários, espaços que estão evidenciando inquietações que podem ser transformadas
Como diz Campos (2000), o fazer reflexivo é, muitas vezes, um modo eficaz para
Especializado Matricial:
que terão nas redes assistenciais da regional ao longo do tempo. Vale ressaltar que o
experiência reflexiva e prática, totalmente reaplicável. Qualquer gestão deve ter um apoio
continuado, pois muito ainda se tem a aprender e realizar para consolidar o método.
Porém, deve-se “agir conforme a possibilidade, não esperando o grande dia porque ele
jogar contra rochedos, chegar num lugar não planejado, enfrentar tempestades que
poderiam ser evitadas ou até precipitar-se, levando todos que estão a bordo ao naufrágio.
Na saúde, por analogia, remamos em meio a águas turvas. Basta apenas ler o
contexto nacional mais recente para se ter idéia da dimensão dos problemas, mas também
das inúmeras potencialidades que, muitas vezes, estão adormecidas e que jamais ocupam
apoiador e a pessoa que está sendo apoiada acontece como uma via de mão dupla, na qual
influências diversas do contexto em que se está atuando e das pessoas que estão em
interação. Um é modificado pelo outro, que, por sua vez, promove transformações em si
gestão autoritária, as definições estão prontas, determinadas, devendo ser seguidas, com
desafio, pelo desconhecimento do que seria este papel e de como seria o seu
estava por vir ao longo do acompanhamento das Unidades e das discussões teórico-
pois não se sabia ao certo, se o passo dado seria o mais adequado e qual seria o próximo.
das áreas de abrangência, na revisão das agendas, no empoderamento das equipes, entre
outros.
prevaleceu o papel de mediação, não ampliando o leque de ofertas ao grupo, o que não
proporcionou reflexões sobre a prática gerencial. Qual seria o papel do gestor? Não seria
apoiar o grupo em seus processos, vislumbrando caminhos para atingirem objetivos? Não
seria favorecer ao grupo a reflexão sobre sua atuação e protagonismo? Com certeza.
Porém, há funções próprias da gestão que não devem ser confundidas com a de Apoiador
Institucional, pela natureza do papel de cada uma dessas funções. Estes questionamentos
Espera-se que a implementação das ações e arranjos realizados até então sejam
alicerce para uma transformação no modelo de gestão e atenção, com otimização dos
município de Fortaleza.
Bibliografia
Organizadores do livro
Autores:
Adriana Coser Gutiérrez
Mestre em Saúde Coletiva pelo DMPS/UNICAMP, Analista de Gestão em Saúde da
FIOCRUZ cedida para SESDEC/RJ,Professora do Curso de Especialização de Sistemas e
Serviços de Saúde/Departamento de Medicina Preventiva em Saúde-(Unicamp).
Adriano Massuda
Medico formado pela Universidade Federal Paraná, Residência em Medicina Preventiva
e Social e Administração em Saúde pelo DMPS/FCM/Unicamp Atuou como Médico
Clínico Geral no Centro de Saúde da Vila Ipê, da SMS de Campinas, e atualmente é
Médico Sanitarista do Hospital das Clínicas da Unicamp, mestrando em Saúde Coletiva
no DMPS/FCM/Unicamp e professor auxiliar do Departamento de Saúde Comunitária da
UFPR. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Gestão e
Planejamento em Saúde.