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RESUMO
O texto contextualiza as especificidades do processo de emancipação política do Brasil, partindo de
três pressupostos básicos: que ela consistiu de um processo razoavelmente longo sobredeterminado
pela imposição da hegemonia dos grupos de interesse do Sudeste sobre as demais regiões; que a
construção da sintonia entre Território e Estado Nacional somente adquiriu contornos a partir de
uma “expansão para dentro” e que sua consolidação foi fruto de uma conquista -militar, política e
cultural- tendo por alicerce a escravidão.
Palavras chave: Brasil; Hegemonia do Sudeste; Escravidão.
ABSTRACT
The paper contextualizes the peculiarities of Brazilian political emancipation process, assuming
three basic presuppositions: that it was a reasonably long process, over determined by imposition of
hegemonic interest groups of Southeast over the other regions; that the syntony between Territory
and State only acquired its configuration from a “inner expansion” and that its consolidation
occurred since a conquest –military, political and cultural– whose basis was slavery.
Key words: Brazil; Southeast Hegemony; Slavery.
RESUMEN
El texto contextualiza las especificidades del proceso de emancipación política de Brasil, partiendo
de tres presupuestos básicos: el que consiste en un proceso razonablemente largo sobrederminado
por la imposición de hegemonía de los grupos de interés del sudeste sobre las demás regiones; el de
la construcción de la sintonía entre el Territorio y el Estado nacional solamente adquiriendo
contornos a partir de una “expansión interna” y aquél cuya consolidación fue fruto de una conquista
–militar, política y cultural- teniendo como base la esclavitud.
Palabras clave: Brasil; Hegemonia del Sudeste; Esclavitud.
APRESENTAÇÃO
Em tempos de celebração dos dois séculos da independência dos países latino-americanos, velhas
questões ressurgem como pauta quase obrigatória das discussões encetadas. A construção do
Estado, a questão nacional, identidade, povo e revolução, reintroduzem-se no circulo dos debates,
até mesmo para que possamos, histórica e historiograficamente, refletir sobre seus desdobramentos
no presente e –por que não?– inferir projeções futuras, aí incluindo-se o próprio devir da pratica
historiadoras. No caso específico da emancipação política do Brasil –cujo bicentenário “formal”
somente se completa em 2022– é de todo importante retomar alguns questionamentos acerca de sua
especificidade, mormente no concerto das experiências latino-americanas como um todo.
Outras tantas problemáticas, não tão explicitas, subjazem à analise deste tema, dentre elas
a questão da democracia e da participação política popular, bem como a da efetividade das formas
representativas estatais em nosso continente. Questões de todo presentes no processo histórico
vivido antanho, questões ainda mal resolvidas na contemporaneidade. Por certo não se está aqui
advogando a busca de origens históricas daquilo que muitos chamam de “o caráter nacional
brasileiro” (Leite 2003), a não ser que compartilhasse da defesa de procedimentos teleológicos, o
que não é o caso. Mas, de fato, muitas das tramas de interesses que informaram o processo de
independência do Brasil tiveram resultados passiveis de encontrar ecos em nossa atualidade
político-social, bem como – e principalmente - no imaginário dos “cidadãos” brasileiros e do mundo,
particularmente sob a influencia das inúmeras vertentes interpretativas que marcaram a
historiografia brasileira até hoje.
A este respeito vale a pena verificar os “picos” de concentração das publicações sobre a
independência na historiografia brasileira, marcadas por distinto teor político, teórico e
metodológico, ao sabor de seus “emissores” e respectivos “públicos” a serem atingidos. Para tanto,
nos valemos do quadro elaborado por Malerba (2006, p. 21) contendo toda a produção
historiográfica publicada no país até 2002.
1
IHGB - Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838.
2
Publicado no primeiro centenário da independência, a obra de Oliveira Lima O Movimento de Independência, São Paulo:
Melhoramentos, 1922, foi um marco na medida em que a ele se deve o primeiro tratamento mais erudito sobre o tema, dando
uma nova versão para a idéia da continuidade entre a colônia e a nação. Costa 2005: 68.
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analisada: ora seus aspectos mais simplistas, tornados senso comum nas mentes de leigos; ora os
mais complexos e controversos -erigidos como autenticas querelas historiográficas intramuros da
academia.
Começando pelos primeiros, nunca é demais pontuar alguns “mitos” construídos sobre a
independência do Brasil que são, até hoje, apropriados pelos discursos oficiais, não raro inundando
manuais didáticos utilizados por estudantes do Ensino Fundamental e Médio (Albuquerque, 1986) Um
deles reside na associação imediata que se estabelece entre o episódio do “grito do Ipiranga”
proferido por Pedro I em 7 de setembro de 1822 e a emancipação nacional, como se tal fora
possível. Outro, talvez mais pernicioso em seus efeitos, relaciona-se ao ocultamento da violência
presente na historia do Brasil em geral, e naquela sobre a independência em particular, marcado
pela secundarização atribuída às guerras da independência ocorridas entre 1822-1824 em inúmeras
províncias. Tal postura deriva da total ausência de uma visão de conjunto da historia daquele
contexto, que deixa de lado as circunstancias específicas e/ou regionais da emancipação política
brasileira, cuja solução -manu militarii- longe esteve de pacífica ou amigável, haja vista a complexa
conjuntura nacional e internacional que cercou o próprio reconhecimento do processo.
Duas outras “mitologias” merecem figurar nessas considerações preliminares. Uma, tem sua
origem nas tentativas de revisão historiográfica inseridas no contexto da comemoração do
Centenário de 1922, que redundaram na consagração de uma leitura idealizada de um Império,
liberal e ordeiro, fruto de um pressuposto bastante equivocado: o da permanência no poder dos
mesmos grupos dominantes por ele herdados, implicando, uma vez mais, em minimizar a dimensão
violenta do processo de consolidação da Independência, face à multiplicidade de interesses junto a
ela imbricados. Justamente por isso causam estranheza indagações como a de McFarlane (2006:407)
ao perguntar-se “por que o Brasil passou relativamente com tanta suavidade de colônia a Estado
independente?”, inferindo da mera continuidade da Soberania real -já que desde seu retorno a
Portugal, D. João VI aqui deixara seu filho como monarca legítimo- um pacifismo que jamais existiu.
A segunda afirma a existência generalizada de soluções “republicanas” no decorrer da
emancipação, as quais pouco tinham em comum, por exemplo, com o paradigma que referenciaria o
regime republicano instaurado em 1889 o qual, por sua vez, derivara da decadência do Império do
Brasil e não dos momentos decisivos de sua construção, deixando entrever a confusão estabelecida
entre descentralização política e república. Isso posto, um pequeno elenco de grandes questões
pode servir como ponto de partida para um approach historiográfico que, espero, possa contribuir
para iluminar as peculiaridades do processo de independência do Brasil, dentre as quais destaco:
1) a emancipação foi um processo razoavelmente longo, iniciado em 1808 porém
complementado, de fato, em 1831, com a abdicação do Imperador D.Pedro I e seu retorno a
Portugal -neste sentido, 1822 não passaria de uma data “canônica”, cristalizada e perpetuada por
uma certa historiografia;
2) os artífices do processo de independência, longe da simplória oposição que costuma
antagonizar “brasileiros” e “portugueses”, constituíram um grupo dotado de uma trama complexa
de interesses econômicos e políticos comuns, para além da questão das “nacionalidades”, artífices
esses que foram, simultaneamente, “construtores” e “herdeiros” (Mattos 2005: 8), evidenciando as
contradições que marcaram a afirmação nacional;
3) a construção da sintonia entre Território e Estado Nacional somente adquiriu contornos
claros enquanto projeto em ação – ou “expansão para dentro” também nos termos de Mattos (1987:
86-7) - após o período regencial (1831-40), em plena década de 1850, sendo prematuro e
equivocado a eles referir-se no imediato pós-emancipação;
4) a construção do Império do Brasil foi uma conquista, sendo esta, talvez, a maior
singularidade do caso brasileiro, posto ter-se verificado em meio a uma sociedade profundamente
matizada e portadora de projetos políticos distintos. Como o afirma Oliveira (2005: 51) “a
hegemonia alcançada pelo projeto conservador de Estado, em meados do século XIX, foi construída
por meio de guerras e conflitos [...] que envolveram desde a luta armada e manifestações de
rebeldia de escravos, libertos e homens livres pobres, até a luta por espaços de representação
parlamentar”;
5) o papel da escravidão como fundamentos da cidadania e da nação brasileira.
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A rigor, a emancipação política do Brasil tem como marco o ano de 1810 quando, após a
instalar a Corte portuguesa no Rio de Janeiro, D. João VI proclama a chamada “Abertura dos Portos
às Nações Amigas”, necessidade imperiosa já que Lisboa deixara, face aos conflitos napoleônicos,
de ser o entreposto entre Brasil-Europa. Tal fato não é carente de importância, na medida em que
atingiu o ponto nevrálgico de todo o sistema colonial com relação à terra brasilis: o exclusivo
colonial, de pronto destruído 3. O monarca também descobriu de pronto, a existência no Rio de
Janeiro, de um grupo organizado na defesa de seus interesses e que soube muito bem tirar partido
da necessidade de recursos por parte da Coroa. Eram eles os Negociantes, definidos como
Este seleto grupo de agentes sociais havia se fortalecido bem antes da chagada da Corte,
em função de um processo denominado de “interiorização da Metrópole”, expressão cunhada por
Maria Odila de Souza Dias (Dias 1972), cuja grande e inovadora contribuição, abrindo caminhos para
inúmeras pesquisas dela derivadas (Lenharo 1992; Martinho 1977; Gorestein 1978) consistiu em
analisar a construção de toda a trama de interesses comuns entre “elites” portuguesas e luso-
brasileiras, desde o século XVIII, consolidada pela implementação de um “movimento interno de
colonização” promovido pela chegada da Corte que, igualmente, incentivara a estrutura do
comercio atlântico, notadamente através do trafico negreiro procedente de Angola.
Neste processo, a cidade do Rio de Janeiro adquiriria centralidade impar, voltando-se para
ela tanto os olhares das demais províncias do Reino, quanto o de algumas regiões da America
hispânica. Ao mesmo tempo, tornado o novo centro político e administrativo da Monarquia, criava-
se uma dualidade geradora de uma ambigüidade, que somente seria sanada com a criação, em
1815, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, formalização da antiga idéia de um Império
Luso-brasileiro (Neves, 1995). A medida cristalizaria a trama dos interesses já enraizados no Brasil,
não apenas os de negociantes, como também os de proprietários de terras e escravos, provocando
um outro desdobramento: a crescente diferenciação da área da Corte com relação ao conjunto das
demais regiões brasileiras. O Rio de Janeiro passou a figurar como sinônimo da “cabeça da
Monarquia”, alimentando o projeto de um novo império (Mattos 1987). Todavia, ao mesmo tempo,
tudo conspirava para a negação de um dos princípios definidores do conjunto representado pela
monarquia: o Império Português, irreversivelmente comprometido.
Grandes proprietários de terras e escravos e grandes negociantes do Sudeste em geral alem
de artífices da emancipação, disputariam a imposição de projetos distintos, já sob a pressão das
Cortes de Lisboa que, convocadas em 1820 como desesperada manobra para evitar a perda da mais
importante parte do Império Ultramarino, tentariam regenerar o velho Reino, por meio de medidas
centralizadoras extremadas. Suas reações seriam as mais diversas no reino do Brasil. Por certo, a
trama dos interesses cristalizados no Rio de Janeiro as repudiaria veementemente, insubmissas a
qualquer tentativa de reedição do exclusivo colonial, por eles já redefinido. Já as províncias do
“Norte” 4, por seu turno, ameaçadas pela nova “cabeça do Reino”, adeririam ao sistema das Cortes,
em nome do principio da autonomia e de uma almejada redefinição de suas relações com a Corte do
Rio de Janeiro.
3
A esse respeito ver, sobretudo, Novaes (1974)
4
Sobretudo Pernambuco, Pará e Bahia, que provocariam insurreições armadas em defesa das Cortes lisboetas e até mesmo de
parte do Rio de Janeiro e da Inglaterra. Autores de época revelavam o temor de que tais movimentos insurrecionais
promovessem a quebra do nexo que unia as províncias do Reino do Brasil a um centro comum o que significaria, também, a
quebra de sua unidade política e uma potencial fragmentação do território como um todo.
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A necessidade do retorno de D. João a Portugal, em 1822, fez com que deixasse seu filho, o
príncipe D. Pedro no Rio de Janeiro, deixando antever toda a potencialidade de ruptura vindoura.
Nesse sentido, o Dia do Fico 5 simbolizou, segundo alguns autores (Matos 2005: 16) não apenas o
momento da fundação do Império do Brasil, mas também uma alteração na própria significação de
“brasileiros”. Se, até então, o termo designara os portugueses que, vivendo em terras americanas,
ali enriqueceram e muitas vezes retornavam à terra de seus pais, agora, seria objeto de uma
disputa de significações, incluindo desde a adjetivação do partido constituído pelos interesses dos
grupos prósperos do Rio de Janeiro -cujos privilégios as Cortes ameaçavam frontalmente- até aquela
defendida por José Bonifácio para quem “brasileiro” seria “todo homem que segue a nossa causa,
todo o que jurou a nossa independência” (apud Nogueira, 1973:86). Em síntese, os acontecimentos
compreendidos entre 1821 e 1822 tornaram uma parte da Monarquia lusitana em corpo político
independente: o Império do Brasil, numa fratura irremediável.
A convocação pelo príncipe regente de uma Assembléia Geral Constituinte em junho de
1822, integrada por deputados de todas as províncias do Brasil faria aflorar distintos projetos de
soberania, muitas vezes confundindo-se, perigosamente, as concepções de liberdade e igualdade,
como conclamaria o redator de um dos jornais em circulação na cidade: “bem dirigir a opinião
pública a fim de atachar os desacertos populares e as efervescências frenéticas, de alguns
compatriotas mais zelosos que discretos” (apud Morel e Barros 2003: 28). O temor da anarquia
instaurava-se face à ameaça de fracionamento do território, derivada das tensões que presidiam a
relação entre as províncias e o Rio, como o funcionamento da própria Constituinte o demonstraria.
Para reforçar a autoridade príncipe e ratificar o Rio de Janeiro como “cabeça” do corpo
unido, algumas medidas administrativas foram tomadas, sobretudo a que obrigava a não ser
executada nenhuma decisão das Cortes de Lisboa sem o “Cumpra-se” de D. Pedro. Alem dessa,
merecem destaque a criação de um escudo de armas e de uma Guarda de Honra formada por três
esquadrões: os do Rio, São Paulo e Minas, não por acaso base dos interesses “enraizados” e
francamente emancipacionistas, alem da elevação ao status de cidade para todas as vilas capitais
de província e da concessão de títulos honoríficos às povoações que se posicionaram contrariamente
às Cortes Portuguesas. O estopim da tensão interprovincial estava prestes a ser aceso.
Por certo o teor dessas medidas consistia em fazer coincidir o novo corpo político com o
vasto território, sendo importante destacar a convocação militar parta promover a expulsão das
tropas portuguesas ainda presentes em certos pontos do litoral das províncias rebeladas e favoráveis
à Lisboa. Esse seria um dos aspectos das Guerras de Independência, mas não o único: ele
igualmente revelava o primeiro ensaio de fazer expandir o Império do Brasil de modo a subordinar
as províncias partidárias da proposta federativa a um projeto gestado pelos grupos dominantes no
Rio de Janeiro. Seria essa a correlação de forças que permitiu o rompimento com as Cortes. Nas
palavras de Matos,
A independência política criara a liberdade frente à dominação metropolitana; mas não fora
capaz de gerar uma unidade, do ponto de vista de uma nação moderna constituída por
indivíduos livres e iguais perante a lei (...). Elementos de fundo racial, social e cultural
combinavam-se, de modo original, aos atributos de liberdade e propriedade no
estabelecimento de fronteiras entre a boa sociedade, o povo mais ou menos miúdo e a massa
de escravos (Matos 2005: 21).
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O episodio conhecido na historia do Brasil como “dia do Fico” -9 de janeiro de 1822- consistiu na afirmação do príncipe
regente em permanecer no país após ter sido conclamado a regressar a Portugal pelas Cortes de Lisboa, consagrando a não
ruptura com Portugal.
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A emancipação política do Brasil foi conduzida pela correlação de forças presidida pelos
negociantes do Rio de Janeiro e grandes proprietários de terras e escravos do Sudeste ainda que, em
seu transcurso, ambos os segmentos tenham se confrontado. Já o Nordeste, cujo centro regional
mais destacado era Pernambuco, dominado pelos grandes proprietários ligados ao complexo
açucareiro, se insubordinaria em inúmeros momentos do processo que acabamos de discutir. Desde
1817, a província pegaria em armas em nome de “princípios liberais”, contra a hegemonia da nova
“cabeça” do ainda Reino. Vale lembrar que a produção oriunda de Pernambuco e do Nordeste ainda
detinham posição chave na pauta das exportações brasileiras de açúcar e algodão (Mota 1972). Em
1824, nova mobilização eclodiria na Província, a Confederação do Equador, em defesa da autonomia
provincial e contrária à tendência unitarista inscrita na Carta de 1824, desta vez somando-se aos
protestos da Bahia. Tanto num caso, como no outro, a resposta da Corte foi a guerra, o envio de
esquadra imperial para conter os movimentos. Os grupos dominantes locais, contrários à
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A clausula referia-se, em especial, a Angola, colônia portuguesa fonte primordial dos escravos trazidos para o país.
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Dentre elas destacam-se a lei de outubro de 1828 que dava nova forma às Câmaras Municipais e suas atribuições, bem
como o processo de sua eleição e dos Juízes de Paz; e a organização do Poder Judiciário, onde assumia relevo o Supremo
Tribunal de Justiça, alem da promulgação do Código Criminal em 1830, quebrando o monopólio da justiça pelo soberano.
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uma “expansão para dentro”, destinada a configurar a nação e a cidadania, com todas as
hierarquias e distinções que marcaram a existência de varias “nações” dentro da nação brasileira,
implicando numa obra de conquista. E não conquista de territórios –muito embora o centro
hegemônico se tivesse empenhado em preservar sua indivisibilidade, como vimos acima– mas
conquista no sentido de reconhecer e fazer reconhecer que o Império do Brasil foi gerado no seio de
uma sociedade matizada que incluía distintos projetos políticos.
A hegemonia consolidada pelo projeto conservador de Estado defendido pelo grupo do Sudeste
em meados do século XIX constituiu-se através de guerras e conflitos múltiplos, que abarcaram a luta
armada, manifestações de rebeldia escrava, de homens livres e pobres, sem falar naquela pela
conquista de espaços de representação política. Tudo isso em nome de um projeto de Império/Nação
a ser por todos reconhecido e, mais que reconhecido, compartilhado, na medida dos possíveis.
Essa obra de conquista não pararia por aí, implicando em instrumentos bem mais sutis,
capazes de ratificar a associação entre Império e Nação brasileiros. Ela incluiria a fratura das
identidades gestadas pela colonização, por intermédio da vulgarização de valores, signos e símbolos
imperiais, da elaboração de uma língua e de uma literatura e historia nacionais. Nisso se
empenharam os construtores do Estado Imperial, assumindo seu papel de dirigentes, na acepção
gramsciana do termo, difundindo um projeto “civilizatório” que ultrapassaria a coerção física. Eles
seriam os produtores de um consenso em torno da própria nova noção de Império.
Os dirigentes imperiais perpetraram uma “expansão para dentro” em duplo registro:
horizontalmente, confundindo-se com a própria constituição da classe dominante senhorial,
progressivamente incorporando a seu projeto plantadores, negociantes, donos do crédito de quase
todas as regiões do Império; verticalmente, confundindo-se com a própria consolidação da
materialidade do Estado, atraindo para sua orbita médicos, advogados, tabeliães, jornalistas e o
sempre crescente contingente de funcionários públicos. Tratou-se de uma expansão que, partindo
do Rio de Janeiro reproduziu a hierarquia presente no interior de cada região e entre regiões
(Mattos 1987: 167) A construção do Estado pressupôs iniciativas integradoras das mais diversas,
desde a construção de estradas, pontes –que ademais de signos de progresso estreitariam alianças
entre as frações da classe dominante– até uma obra de “esquadrinhamento” do vasto território e
dos homens que ele continha. Mapas, cartas topográficas, plantas das distintas circunscrições
administrativas seriam encomendadas, de modo a promover o conhecimento mais refinado das
potencialidades territoriais. Tudo isso sem negar a conflitividade social latente. Afinal, tratava-se,
mais que tudo, de uma sociedade de base escravista.
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na “nova cabeça” do Império, delas dependeria para a imposição de seu projeto. Na verdade, a
associação verificada entre Império e Nação ocorreu numa sociedade escravista que herdara da
experiência colonizadora a convivência obrigatória entre três grupos étnicos. A hierarquização entre
o que se convencionou chamar de “boa sociedade” -os livres, brancos e proprietários de escravos,
de “plebe”- integrada pelos livres, mas não proprietários de escravos e tampouco auto-
reapresentados como brancos e os escravos- propriedades de outrem e não brancos em absoluto, foi
construída a partir dos atributos de liberdade e propriedade (de escravos e terras), o que não
deixava de por em questão o conceito moderno de nação (Anderson 1989)
A despeito disso, a nação brasileira seria forjada com outras “nações” no interior do
território unificado, não sendo casual, como o aponta Karasch (2000: 35-40) que no Rio de Janeiro
do período se utilizasse a expressão “nação” para identificar os escravos negros e ameríndios,
discriminando-se, igualmente, “nações de cor” (escravos nascidos no Brasil) e “nações africanas”,
cujos membros, caso libertos, não poderiam tornar-se cidadãos brasileiros de acordo com a
Constituição, o mesmo não acontecendo com os escravos aqui nascido 8. Era claríssima, sob essa
ótica, a concepção de Ordem defendida pelos artífices da emancipação e do Império.
COMENTÁRIOS FINAIS
8
O texto constitucional deixava claro que “são cidadãos brasileiros os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou
libertos”
9
Inúmeros autores, insatisfeitos com os rumos do regime republicano implantado no país em 1889, dedicaram-se a buscar as
causas de tal “desacerto”. A antinomia “país legal” versus “país real” foi a mais recorrente, sendo seu primeiro formulador
Alberto Torres, em A organização nacional de 1914. Também Oliveira Vianna – importante ideólogo da ditadura varguista
desenvolveria tal formulação, mormente em O idealismo na Constituição, publicada em 1939.
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