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Prevenção: saúde mental e psicanálise

Léia Priszkulnik

Professora Doutora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP.


Docente, pesquisadora e orientadora da Graduação e da Pós-Graduação. Psicanalista

Endereço para correspondência

RESUMO

Este trabalho aborda o tema prevenção no campo psicanalítico. A articulação entre os campos
da saúde e da saúde mental e o campo da psicanálise implica certa tensão e exige algumas
reflexões importantes. A definição de saúde formulada pela Organização Mundial de Saúde é
uma proposta que não é a da psicanálise. Procura, então, marcar a diferença entre a medicina
- incluída a chamada psiquiatria biológica – e a psicanálise. Sublinha que existe uma noção
clássica de prevenção, mas, que na psiquiatria, vários autores reconhecem a dificuldade de se
detectar antecipadamente a patologia mental e a prevenção em saúde mental opta por
medidas pedagógicas de efeitos profiláticos e que a psicanálise se opõe ao objetivo da saúde
mental de reintegrar o individuo à comunidade social. Para pensar, então, a prevenção no
campo psicanalítico e se a psicanálise dispõe de subsídios teóricos para um trabalho
preventivo, levanta três aspectos para um possível questionamento e uma possível resposta.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, um dos maiores desafios para a área de Saúde
Mental é a construção de uma rede voltada para a população de crianças e adolescentes,
considerando suas peculiaridades e necessidades e que siga os princípios estabelecidos pelo
SUS. Diante deste desafio, é possível o trabalho do psicanalista nas instituições, mas aí
aparece a importância da formação do psicanalista para poder trabalhar em equipes
multiprofissionais, sem perder de vista a especificidade da psicanálise e a sua ética que está
desarticulada dos ideais e do bem-estar.

Palavras chave: prevenção, psicanálise, saúde mental.

Desde o início da humanidade, o ser humano preocupa-se muito em vencer as doenças e em


enfrentar a morte. Desde o início, procura adotar práticas e medidas preventivas. O conceito
de prevenção é múltiplo e pode abranger aspectos sociais, culturais, históricos, médicos e
epidemiológicos.

Para abordar o tema prevenção no campo psicanalítico, é necessário primeiro pensar em


saúde, saúde mental e psicanálise.
A articulação entre os campos da saúde e da saúde mental e o campo da psicanálise implica
certa tensão e exige algumas reflexões importantes. Se pensarmos na definição de saúde
formulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como a situação de perfeito bem-estar
físico, mental e social, já teremos uma proposta que não é a da psicanálise. É possível
caracterizar a perfeição? É possível o ser humano existir sem nenhum sentimento de mal-
estar? Tentar definir a perfeição é usar de critérios externos e elevar a perfeição a uma
categoria que existe por si mesma, sem levar em conta o sujeito que, com seus valores e suas
crenças, dá sentido, a partir da linguagem, às suas experiências íntimas. Acreditar que é
possível existir e viver sem nenhum sentimento de mal-estar é esquecer que Freud procurou
justamente mostrar que a felicidade de um sujeito dentro da civilização é algo impossível de
ser atingido.

O problema não se restringe a questionar o campo da saúde e da saúde mental, mas de


indicar como o psicanalista deve se situar ao trabalhar nas instituições de saúde e de saúde
mental.

O trabalho do psicanalista nas instituições de saúde e nas instituições de saúde mental vai na
direção de abrir espaço para o sujeito da palavra, ou seja, introduzir o particular do sujeito no
universal dessas instituições, dominadas pelo saber médico.

A medicina - incluída a chamada psiquiatria biológica - tem delimitado o domínio de sua


experiência e a estrutura de sua racionalidade. A clínica médica, com seu discurso de estrutura
científica, tem os mesmos pressupostos exigidos pelo conhecimento científico, ou seja, busca a
objetividade (estruturas universais e necessárias), a quantificação (medidas, padrões), a
homogeneidade (leis gerais), a generalização, a regularidade, a constância, freqüência, a
normalidade dos fatos investigados. O discurso médico é um discurso científico sobre a
doença, compreendida como uma entidade nosológica que acomete o paciente. A metodologia
quantitativa que valida o conhecimento médico não permite considerar o campo da
subjetividade e a experiência subjetiva, enquanto experiência singular, não permite a
quantificação. Na clínica médica, as noções de sujeito, de sintoma, de corpo, de diagnóstico,
de tratamento, são noções construídas a partir da racionalidade médica.

Mas, as necessidades humanas não são puramente biológicas. A doença, mesmo que ela possa
ser considerada universal, se manifesta de forma singular em cada paciente.

A psicanálise, com suas proposições, produz um modelo de clínica bem peculiar, onde as
noções de sujeito, de sintoma, de corpo, de diagnóstico e de tratamento são abordados dentro
de referenciais psicanalíticos. A noção de sujeito, noção fundamental, esclarece as relações
entre o campo médico e o campo psicanalítico. O sujeito da ciência é um sujeito sem
qualidades, condição imprescindível para a quantificação, por exemplo. O sujeito da psicanálise
é o sujeito do inconsciente. Elia (2000, p.26) esclarece bem, "não é um sujeito empírico,
dotado de atributos psicológicos, sociais, políticos, ideológicos ou afetivos", ou seja, é sem
atributos. "O sujeito do inconsciente não é, em si mesmo, pobre ou rico, branco ou negro,
tampouco – e aí se situa talvez o ponto mais escandaloso da descoberta freudiana - homem ou
mulher". O autor enfatiza que "é em relação com a alteridade, em que para ele consistem a
linguagem, a família, a sociedade, enfim todos os elementos do que Lacan denominou o Outro,
que o sujeito vai sexuar-se, definir-se homem ou mulher, e definir também seus demais
atributos".

A inserção do psicanalista nessas instituições deve sustentar sua diferença em relação aos
outros profissionais, principalmente os profissionais que adotam o modelo da clínica médica,
clínica positiva, para seu trabalho clínico (além de médicos, psicólogos, fonoaudiólogos,
fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas, etc.).
Como, então, se situar em relação ao conceito de prevenção? Prevenir é dispor com
antecipação, preparar, chegar antes de, adiantar-se ou antecipar-se, dispor de maneira que
evite (dano, mal), dizer ou fazer antes que outrem diga ou faça, realizar antecipadamente, ir
ao encontro de (Ferreira, 1980). Já a prevenção em saúde exige uma ação antecipada baseada
no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da
doença e as ações preventivas são definidas como intervenções orientadas para evitar o
surgimento de doenças, reduzindo sua incidência e prevalência.

Para Barreto (2005, p.2-3), "há uma noção clássica de prevenção que se ancora [...] na
também clássica equação da historia natural da doença (ou do processo saúde-doença), que
pode ser resumida na interação linear entre a agressão do agente patogênico e a
vulnerabilidade do hospedeiro". O autor indica que nesta equação, existe "o papel do vetor que
representa o conjunto de variáveis (biológicas, ambientais, etc.) que se interpõe entre o
agente patógeno e organismo sadio, estabelecendo um intervalo entre o momento da causa e
o da sua conseqüência, e propiciando o tempo da intervenção preventiva" e salienta que "há,
portanto, uma seqüência que é linear e temporal entre a patogenia e a patologia que supõe
elos, cujo encadeamento a prevenção desfaz".

Esse modelo mostra inegáveis méritos quando se trata de doenças infecto-contagiosas, mas,
afirma Barreto (2005, p.3), quando se trata de "doenças auto-imunes, por exemplo, o
paradigma clássico de causalidade linear esbarra em sérias limitações". E em relação às
doenças mentais? O autor (2005, p.5) aponta que "as seqüelas mentais de doenças de
etiologia orgânica tóxicas, infecto-contagiosas, carenciais, etc., [podem ser] prevenidas por
medidas profiláticas no âmbito da medicina geral", e que "a devastação psíquica que pode
resultar de situações extremas de privação física ou emocional [pode ser] prevenida por
medidas de proteção social".

Mas, a psiquiatria dispõe de recursos para prevenir os quadros mais rotineiros de doenças
mentais? Vários autores reconhecem a dificuldade de se detectar antecipadamente a patologia
mental. Assim, segundo Barreto (2005, p.5), "diante da inegável necessidade de se reconhecer
que não há como se detectar antecipadamente a patologia mental de que poderá sofrer o
individuo e, mais ainda, de definir que medida específica serviria para 'vaciná-lo'", o que
aparece é que "a prevenção em saúde mental opta por apoiar-se, mais ou menos
explicitamente, na crença de medidas pedagógicas de efeitos profiláticos".

A psicanálise se opõe ao objetivo da saúde mental de reintegrar o individuo a comunidade


social. Segundo Miller (1999, apud ASSAD et al., 2004-2005, p.113), "na psicanálise não se
trata de saúde mental, pelo menos no sentido literal do termo tal qual preconizado pela OMS",
pois "está atenta para outra demanda" e "a psicanálise não pode prometer a saúde mental".
Ela oferece algo muito peculiar. Miller "propõe que a noção crucial para o conceito de saúde
mental seria o da decisão sobre a responsabilidade do sujeito, a saber, se este pode ou não
ser responsabilizado por seus atos", ou seja, "é a possibilidade de responder por si mesmo".

Assad et al. (2004-2005, p. 113) salientam que "a psicanálise, que coloca em questão a
palavra do sujeito, está situada no impasse entre o que esperam dela e o que ela pode de fato
oferecer". Assim, "a contribuição pode estar nesse movimento de dar lugar ao sujeito, à sua
subjetividade, à singularidade do seu sintoma", e essa contribuição sendo dada "dialogando
com as outras áreas do conhecimento, sem apoiar-se em verdades absolutas e normativas,
mas dialetizando, mantendo assim sua singularidade dentro de um contexto" multiprofissional.

Como pensar, então, a prevenção no campo psicanalítico? Podemos levantar três aspectos
para um possível questionamento, levando em consideração as peculiaridades da clínica
psicanalítica.
O psicanalista não pode antecipar-se ao paciente e oferecer respostas. Pedirá que o paciente
fale, mais que fale o mais livremente possível (associação livre), e procurará transformar a
queixa-sintoma em sintoma-enigma, ou seja, não só não dá a resposta ao paciente, como
transforma a resposta pedida em questão para o sujeito.

O psicanalista não pode dizer ou fazer antes que o paciente diga ou faça. Ele sabe que não
sabe de antemão o que dizer ou fazer, precisa, ao contrário, suportar sem saber a construção
que cada paciente vai produzir. "Além de ser uma mudança na atuação, para que o paciente
passe então a se responsabilizar por seu sintoma, é também uma mudança na forma de
pensar e encarar este paciente como alguém capaz de se responsabilizar pelo seu trabalho"
(ASSAD et al., 2005, p.114).

O psicanalista sabe que a clássica equação da historia natural da doença (ou do processo
saúde-doença) não dá conta do padecimento do paciente, pois as necessidades humanas não
são puramente biológicas, e o padecimento pode resultar das vicissitudes das complexas
relações e interações que acompanham cada sujeito pela vida afora. Ele sabe que,
diferentemente do sintoma médico ou psiquiátrico, o sintoma analítico não é objetivo, pois
depende do sujeito que fala e é no movimento de falar que o sujeito vai construindo o sintoma
na análise. O sintoma analítico é a expressão de um desejo que não visa, necessariamente e
de antemão, ser curado, mas visa ser ouvido.

A psicanálise, então, dispõe de subsídios teóricos para um trabalho preventivo? Podemos


levantar três aspectos para uma possível resposta, levando em consideração as peculiaridades
da clínica psicanalítica.

O psicanalista sabe que, em parte, dar sentido a um acontecimento "traumático" alivia a


angústia, pois toda representação ou interpretação é de certo modo curativa. Falar produz
efeitos terapêuticos (não só os remédios). Dolto, através de sua vasta experiência clínica,
percebeu que uma palavra dirigida a um recém-nascido, que ainda não fala, pode ter efeitos
terapêuticos. Ele sabe que a condição é que exista sintoma, que haja sofrimento com o
sintoma e que a satisfação pulsional inconsciente que o sintoma proporciona se apresente
como desprazer. Ele sabe que o lugar próprio da psicanálise é o lugar de acolher o impossível
de suportar.

O psicanalista reconhece que, quando se afirma que a doença mental é uma doença como as
outras isso pode ser visto como uma conquista, pois cria "a condição de saber que todas as
doenças são uma experiência do ser falante", o que torna possível que cada um seja
responsável pelo seu estado de saúde (VIGANÓ, 2004, p.32).

O psicanalista reconhece que "a prática da clínica psicanalítica tem de fato como objetivo tratar
o 'mental' da saúde, modificar a mentalidade com a qual o sujeito vive a própria saúde"
(VIGANÓ, 2004, p.32).

Isso vale para o atendimento de adultos e de crianças, já que o trabalho é com o sujeito do
inconsciente que não é, em si mesmo, pobre ou rico, branco ou negro, homem ou mulher,
tampouco adulto ou criança. O reconhecimento do poder da palavra, concede espaço ao sujeito
e à sua verdade. Pensar na "criança-sujeito" é pensar naquela que dá sentido até aos
fenômenos do processo maturativo de seu organismo humano, pois o psicanalista "sabe que os
efeitos da palavra incidem profundamente na biologia do corpo vivente" (VIGANÓ, 2004,
p.32).

Muitos psicanalistas estão desenvolvendo trabalhos vinculados aos hospitais, gerais e


psiquiátricos, ambulatórios e demais serviços da rede pública de saúde, tendo em comum a
atuação em diferentes setores do campo da saúde mental em consonância com as novas
políticas públicas nesse campo.

Pedro Gabriel Delgado, coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, em artigo


publicado no jornal O Globo em 27 de julho de 2006, com o título "Saúde mental e pública
para todos", afirma que "vivemos um importante debate no campo da Psiquiatria e Saúde
Mental no Brasil". Pensa que o centro da discussão deve girar em torno da seguinte questão:
"qual é a melhor maneira de organizar os serviços de saúde, para garantir tratamento à
imensa legião de pessoas que sofrem com sintomas – mais ou menos graves – que afetam sua
saúde mental?". Reconhece que a tarefa não é pequena nem simples. Delgado salienta um
aspecto muito importante ao afirmar que "o atendimento não é necessário apenas para quem
apresenta problemas considerados graves pela Psiquiatria e Saúde Pública". Ele se refere ao
"mal-estar nosso de todos os dias", o mal-estar que às vezes se torna insuportável. Cita que
"a angústia – condição indissociável da experiência humana – pode apresentar-se de maneira
tão aguda que se torna um risco para as pessoas", que "o desamparo, o desencanto com as
limitações da vida, tudo isso pode atingir paroxismos [estágio de uma doença, ou de um
estado mórbido, em que os sintomas se manifestam mais intensamente] tais que precisam ser
acolhidos, ouvidos, tratados", que "também as graves questões da crise urbana, como a
violência, têm um impacto devastador sobre a saúde mental, gerando demandas dirigidas à
saúde pública".

Delgado deixa claro que já existe uma nova rede de assistência (caps, ambulatórios,saúde
mental na rede de atenção básica, etc.), mas que "essa nova rede ainda é insuficiente, mas já
está transformando o quadro dramático da desassistência em saúde mental" e que "o SUS,
como política pública [...] tem que seguir enfrentando a construção da rede de saúde mental".

Termina o artigo enfatizando que "a Psiquiatria, e todas as especialidades do vasto campo da
saúde mental, não deve fugir desse debate necessário, mas olhar de frente a realidade dos
graves desafios da saúde pública".

Em outro artigo de 26 de março de 2008, afirma que "um dos maiores desafios para a área de
Saúde Mental é a construção de uma rede voltada para a população de crianças e
adolescentes, considerando suas peculiaridades e necessidades e que siga os princípios
estabelecidos pelo SUS". Prossegue afirmando que "o desafio é a construção e consolidação
desta 'rede pública ampliada' para a atenção integral em saúde, formada por diferentes
instituições, sob direção pública, capaz de garantir o acesso com qualidade".

Em relação à Saúde Mental e à Agência Nacional de Saúde (ANS), o rol de procedimentos e


eventos em saúde (versão 2008) inclui 12 sessões de psicoterapia ao ano (mercado de planos
de saúde e seguros saúde). A cobertura ambulatorial a atendimentos de psicoterapia estará
garantida, mas nada impede que sejam atendimentos feitos por um psicanalista. São poucas
sessões, mas já é um avanço, pois os usuários de planos de saúde e seguros saúde terão
direito a essa cobertura, e o psicanalista sabe que seu trabalho não está direta e
necessariamente ligado a questões burocráticas, pois a escuta que pode oferecer depende do
sujeito e de sua queixa, e como Freud afirmou, mais de uma vez, o objetivo da psicanálise é
diminuir o sofrimento humano e que "há todo motivo para desejar viver com o menor desgosto
possível" (FREUD, 1990, p.120).

Então, em relação aos atendimentos em instituições públicas e privadas, é possível o trabalho


do psicanalista? È possível, mas aí aparece a importância da formação do psicanalista para
poder trabalhar em equipes multiprofissionais, sem perder de vista a especificidade da
psicanálise e a ética da psicanálise que está desarticulada dos ideais e do bem-estar.
Lacan não rompeu com o tripé clássico da formação do psicanalista: a análise pessoal, o
estudo teórico, a supervisão. A novidade lacaniana foi introduzir questionamentos, até
bastante radicais, nos diferentes aspectos desse tripé clássico. Mas, sabemos que a análise
pessoal é decisiva para que o profissional-analista consiga trabalhar e fazer trabalhar o
paciente que procura ajuda, sem ter o desejo de curar, o desejo de normalizar, o desejo de
educar ou de reeducar. Uma análise, nesses casos, levada até o final não pode deixar lugar a
ilusões imaginárias.

O sujeito no final da análise, como bem esclarece Steffen (2005, p.1-2) "faz a experiência da
fatuidade radical de qualquer objeto. Seu desejo é agora puro desejo, ou seja, pura falta. Ele
atravessou todas as montagens que o protegiam da terrível visão do real: o nada". E agora?
"Agora ele deseja o desejo, o nada que move a vida. Esse tipo de desejo é o chamado desejo
de analista. Assim aparelhado, o sujeito passa a estabelecer relações com o outro, marcadas
por essa nova posição". Nessa nova posição "o outro não é mais seu objeto. Seu desejo faz o
outro desejar e assim encaminhar-se, também ele, para o momento de descobrir que não
existe objeto para o desejo. O desejo vive de desejar, vive de nada ter". Assim, "todo ato
analítico é um ato dessa natureza e conduz o sujeito para essa verdade. Esse ato só pode ser
praticado por um analista, ou seja, por alguém habitado por essa estrutura desejante que o
identifica ao nada". A autora também ressalta que a formação de um analista não se dá
através de uma formação acadêmica, pois "para a psicanálise, formação é formação do
inconsciente, não há outra [...], ou seja, obedecendo aos processos e leis do inconsciente e
não aos da razão. Formar-se analista não é educar-se racionalmente".

Freud (1990, p.121-122), ao responder à pergunta "o senhor já analisou a si mesmo", afirma
que "o psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos,
ficamos mais capazes de analisar os outros". Prossegue afirmando que "o psicanalista é como
o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve
praticar sua arte à perfeição, para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele". Para Freud "a
psicanálise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que devemos
evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado". Freud mostra preocupação com o interesse pela
psicanálise que não se aprofunda, pois "a popularização leva à aceitação superficial sem
estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem [...] Pensam compreender
algo da psicanálise porque brincam com seu jargão".

A introdução da psicanálise nas instituições ocorreu, algumas vezes, num clima de muito
entusiasmo, como se o discurso e o trabalho psicanalíticos fossem só fascinantes. Esse clima
traz suas vantagens, mas também seus prejuízos. Além disso, nos primórdios da história da
psicanálise, quando ela não tinha a difusão que tem nos dias atuais, cabia ao próprio Freud
apresentá-la a seus pacientes, antes de iniciar o tratamento, porém, atualmente, a difusão da
psicanálise passa também pela mídia, o que, também, traz vantagens e prejuízos. Essa
"atmosfera" pode seduzir o psicanalista, já que não existe "o psicanalista", e isso porque se
trata de um lugar ocupado numa escuta, com uma ética que está desarticulada dos ideais e do
bem-estar. Mas, deste lugar é possível resvalar. A necessidade de reafirmar que a formação do
psicanalista não acaba nunca aparece, assim, com força total.

O psicanalista que levou sua análise até o final terá mais condições de trabalhar nas diversas
instituições, dialogando com profissionais de outras áreas do conhecimento, sem se valer de
verdades absolutas e normativas, e mantendo sua singularidade no contexto das equipes
multiprofissionais. Sem essa formação, as dificuldades e os impasses que encontrar poderão
ser reflexos de sua inadequada atuação e não dificuldades e impasses da própria psicanálise.
Referências Bibliográficas
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