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NA TRILHA DAS CRIANÇAS:

OS ERrS NUM TERREIRO ANGOLA

Ordep José Trindade-Serra

~r.

Dissertaçio de Mestrado
Programa de Pós-Graduaçio em
Antropologia Social do
Instituto de Ciências Humanas da
Universidade de Brasília
~

Orientador: Roque de Barros Laraia


1
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IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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1978

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Para Regina, minha mulher.

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tNDICE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

AGRADECIMENTOS . . . . .. ...... . . ... . ... . . .... .. . ... . ....... i


~OTA INTRODUTORIA •.•.•....•...•.•... ".................. iv
0...................
PARTE PRHfEIRJ'\- O TANURIJUNÇARA •.•.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
1
Cap Itulo I - A Casa dos Inquice s .••.••••••.•••.•. 3
Capítulo 11 - Águas de Angola .••.•..••••.•...•••• 20
Capítulo 111 - Naçio, Fundamento, Lei •..••..•••.• 34
PARTE SEGUNDA - O PROBLEMA DOS EReS •..•••. •••••....•.•• 54
Capítulo I - As Cabeças Devotas •••••••.•••...•••• 56
Capítulo 11 - Os Er~s e os Mabaços •..••..•..••.•• 78
Capitulo 111 - Ronda ••••.•...•.•..•.••....•••••.• 106
Capítulo IV - Labirinto .•......•.••••.•.•••..•••• 125
Capítulo V - Enfants Terribles ••••••••••••••••.•• 152
Capítulo VI - O Espelho Fechado •...•.••....•••..• 163
PARTE TERCEIRA - O DRAMA DOS ERES: PRIMEI~\S APROXIMAÇOES 177
Capítulo I - Preâmbulo .. . . . ... .. . . . . . ..... .. . .. .
. 179
Capítulo 11 - Miscaras •..••.••.••••••••.••.•.•.•• 207
Capítulo 111 - Estrofes e Antístrofes: O Andamento
do zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
D ram a .4 ; ••••••••••••••••••• 218 " '... •

Capítulo IV - A Palavra e Sua Imagem ••••••..••••• 232


Capítulo V - Falas: A Inoc~ncia Recuperada ..••••• 247


Capítulo VI - Pureza c Confusio: As Fontes do Lim-
bo •.•••••••••••.•••••••••••••.••••• zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
258

PARTE QUARTA - O DRAMA DOS ERtS: COM~DIA E TRAG~DIA ••.• 277


Capítulo I - A Comédia Divina .••••••.•.•..••••••• 279
Capítulo 11 - As Luzes da Loucura •••••••••.•••••• 304
Capítulo 111 - O Barco Ébrio •.••.•••.•••••••••••• 320
Capítulo IV - A Tragédia Negra .•••.••••..•••••••• 336
,
i

PI\RTE QUINTA - SAtJDE E SALVAÇJ\O NA TRILHA


3,17
DAS CRIANÇAS ••zyxwvutsrqponml
II
349
I
Capitulo I - Transe e Folia .•..•........•.•....••
366 \
Cnpí tulo II - Caçadores de Almas •.•••....•••.•••• i"
381
Capitule 111 - As Vias da Catar se !!
393
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AGRADECIMENTOS
ii

Desejo, antes de mais nada, manifestar meu profundo


reconhecimento aos membros do Tanurijunçara. que com tanto C!
rinho me receberam sempre. Sua nobreza d~ o melhor testemunho
da sabedoria que entesouram.
Sou grato, ainda. ao CNPq, que financiou meus estu-
dos durante a trajetória deste Mestrado; e a todos os meus
Professores e colegas do Progrnma de Pós-Graduação em Antropo
logia Social do Instituto de Ci~ncias Humanas da Universidade
de Brasília. De um modo particular, agradeço aos Professores
J~lio Cezar MeIatti e Roque de Barros Laraia, que me orienta-
ram, o primeiro na fase do Projeto, e o segundo na de redação
desta tese.
Foram, tamb~m. de muito valor para mim os di510gos
com o Prof. KIaas Woortman acerca do tema aqui discutido, seus
coment5rios e sugestões; e, da mesma forma, as indicações e o
estímulo do Prof. Roberto Cardoso de Oliveira. Ao Prof.Martin
Alberto de Ib55ez-Novion devo não apenas o descortínio de no-
vas perspectivas teóricas, mas ainda o privi16gio de um convi
via profundamente enriquecedor e a oportunidade de participar
em pesquisas e estudos capitais para minha formação de antro-
pólopo.
o colega N'Landu Land& Ntotila, da Universidade Fe-
deral da Bahia, contribuiu para esta Dissertação com precio~zyxw
50S informes sobre seus estudo~ acerca dos Candombl~s Congo e
~~?ola. Pedro Agostinho da Silva, Arlete Soares, Célia Serra
de Azevedo, Bárbara Antonieta e Ana Elvira Trindade Serra mu!
to me ajudaram, facilitando-me o acesso a obras importantes
aqui utilizadas. A Professora Sílvia Novaes prestou-me idênt!
co auxílio, com grande gentileza, na Universidade de São Pau-
lo. T~nia da Silva Garcia é responsável pelo desenho da capa,
um feitiço para propiciar os leitores.
iiizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o apoio carinhoso de minha mulher, Regina


nes Martinelli Serra, foi decisivo para a realização Jeste
trabalho.

E de justiça lembrar aqui tamb6m as pessoas que me


induziram ao encontro fascinante com a Antropologia: Olympio
Jos~ Trindade Serra, Maria Rocha Miranda Penna, Rafael Bastos,
Pedro Agostinho da Silva e Eudoro de Sousa - este sem o imagi
nar, mas nem por isso de modo menos decisivo.

i s t a Correia tomou a si a ingente tarefa de


João Bap tzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
datilografar o nosso texto, com o esmero e a boa vontade de
sempre.

Mencionarei, por fim, a encantadora gente que. nunca


tratando dessas coisas. com sua presença me iluminou: Ismene,
Rebeca. Rafssa, Alessandra, Leonardo, Marcos, Andrea, D6u, p~
dro, Tânia, Vicente, Natacha, Lfdia, Patrícia. Babinha, o xa-
rá Ordep, Jacques. Marciele, Cupá - como não cabem todas na
página, por via destes agradeço ã turma inteira dos meus erês.
NOTAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
INTRODUTQRIA

,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I
v

No ano de 1971, travamos o nosso primeiro contatc


com a comunidade do Tanurijunçara, onde haveríamos de desen -
volver as pesquisas que resultaram nesta Dissertação. Logc
nos ligamos ã gente do Terreiro por uma profunda simpatia; E
estes laços ainda mais se reforçaram quando, no mesmo ano, aj
nos foi concedido o rrau de ogan (suspenso), um título honorj
fico de que muito nos orgulhamos; assim, embora continu;sse-
mos um profano, de certo modo' passamos a fazer parte dazyxwvutsrqp
CõSê

de Inquices. Nos anos de 1972 e 1973, residimos em Salvador,


no bairro da Federação, a pequena distância do Terreiro dE
Mãe Beb~. Assistimos a praticamente todas as obrigaç6es a~
realizadas na dita 5poca, tomando parte ativa em muitos des-
tes ritos; freqUent;vamos, a bem dizer, diariamente o Tanuri-
junçara, e inGmeras vezes aí passamos jorn~das inteiras. Pele
menos nas grandes festas, cheg5vamos a dormir e fazer refei-
çoes no dito local.

Logo no início desta conviv~ncia. formamos o projet


to, que acabamos postergando, de, em conjunto com uma eked!~
nossa amiga, Vera Santos da Hora, filha carnal da própria Ia".
lorix~, escrever uma hist6ria do nossozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
ax~ (ou seja, do con
junto de comunidades de culto afro-baianas do mesmo "tronco'
que a nossa). O interesse pelo ~ema específico de que ora tr,
tamos nes surgiu também por essa altura, assim que 'desc.obri
mos' o fascinante rito dos er~s. O que a princípio eram nota
breves papers esboçados, começou a transbordar
estudos,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA des
ses limites e a conectar-se com outras preocupações teórica
que nos assaltavam: e~ particular, tomou vulto nosso interes
se pele estudo da therape{a entusi;stica, e da problem5tic
~ da "ação para a saúde" nU111context0 em que é indissoci5vel d
í
i prax i s religiosa. (Só mais tarde este interesse se precisari
I 30 tomarmos conhecimento dos trabalhes de Pouillon e de Heusc
e de estudos outros sobre o tena, realizados na perspectiv
rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vi

da ftntropclogia Médica). Devemos dizer ainda que antecederam


de muito a ocasi~o na qual contactamos a gente do Tanurijunç~
ra as nossas primeiras incursões no mundo dos Candomblés. Em
nossa adolesc~ncia, em Salvador, muitas vezes nos atraiu aos
TerreiroszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a beleza do culto dos orixãs.

Por outro lado, o espaço de tempo em que convivemos


de modo mais estreito e continuado com a comunidade onde cen-
tramas nossas pesquisas precedeu o nosso ingresso no Programa
de Pós-Graduação em Antropologia Social do Instituto de Ciên-
cias Humanas da Universidade eleBrasília. :s fato que, mesmo
depois de nossa transfer~ncia para o Distrito Federal, visita
mos muitas vezes o Tanurijunçara; e que aí tornamos, j~ como
aluno do mencionado Programa, para reencetar, por um breve pe
ríodo, as nossas investigações. Mas as linhas mestras do pre-
sente estudo, de qualquer modo, baseiam-se e~ experi~ncias e
notas de um observador um tanto ing~nuo. Aliviou-nos a id~ia
de que, inclusive em etnografia, muitas coisas s6 s~o visí-
veis ã memória - e esta é capaz de iluminar-se. expand i r+se
com a abertura de novas perspectivas, e 'realimentar' a per-
cepção. Se a defasa~ern entre o primeiro e os posteriores mo -
in loco nos exp6s. com certeza, a alguns
mentos da pesquisazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
riscos, também é verdade que uma paisagem revisitada transpa-
rece melhor, às vezes, sua novidade do que ã primeira vista:
recorde-se a descrição de Proust da "Sonata de Vinteuil". Pe-
lo menos, esta ponderação nos· reanima. E talvez a nossa ida
'precoce' ao campo, sem as preocupações de um prazo, e sem a
idéia fixa de um trabalho acadêmico nos haja tornado mais dis
ponível para acolher as revelações espontâneas de um mundo
contemplado com fascínio. Aí - no fascínio - está o perigo, e
bem o reconhecemos: nosso tema se imp6s a nós, e cabe o Te
ceio de que o hajamos involuntariamente privilegiado, como p~
ra retribuir-lhe o franquear-se.
vii

Muitas vezes mudamos de idéia no curso da elabora-


çao, algo acidentada, deste trabalho; alguns trechos que jul-
r~vamos !j~ prontos' tiveram de ser reescritos, com a surpre-
sa de quem aí não mais reconhecia um sentido antes claro. O
pr6prio plano da Dissertação teve de modificar-se.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
A princi -
paI mudança consistiu em transformá-Ia na primeira etapa de
um estudo aqui apenas esboçado. A consulta i literatura etno-
vrnfica afro-brasileira logo nos convenceu de que muito p0UCO
se conhecia do "Drama dos Erês". Antes de mais nada, pareceu-
-nos necessário abordar-lhe o simbolismo, examinar-lhe os as-
petos essenciais, o 'plano geral'. A partir daí, procuramos a
pontar as direções em que, a nosse juizo, de maneira mais
frutuosa se poder~ proceder à análise dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
therape{a implicada.

Além ~e um estudo 'preliminar', esperamos que a pr!


sente Dissertação possa cGcfigurar-se como um ensaio, no éti-
mo sentido da palavra - que tem o sabor aventuroso da tentati
í va.
í
Estamos bem consciente do fato de que o sistema do

I! Candomblé
grado o volume
possui

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
extraordinária
da bibliografia
complexidade;
a respeito,este
e de que, mal -
mundo permane-
ce ainda, na sua ~~ior parte, desconhecido e por estudar. A
t prop6sito dos er~s. muita coisa mais deve ser considerada. Es
i
t ta~os certo, em verdade, de haver abordado apenas um aspeto e
!
I
! uma parcela mínima de um domínio muito vasto e complexo. Ad-
I
virtamos ainda, de saída, que os. pontos obicuros e equívocos
\ no quadro aqui traçado devem imputar~se a n6s, e jamais ~ !in
!
i coer~ncia!, ou à Ifalta de 16pica', ou ~ 'imprecisão de p8ns~
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mento' tantas vezes atribuídas, com absoluta injustiça, ao PQ
vo do Candomblé.

* * *
viiizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o plano do trabalho talvez surpreenda. Em cada uma


das cinco partes desta dissertação recomeçamos a contagem de
capítulos. Com isto queremos indicar que todas elas poderiam
continuar-se e prolongar-se, de modo a precisar os contornos
de uma imapem cambiante, obtida em enfoques sucessivos (espe-
ramos que nao descontínuos) na trajetória de nossas reflexões.
Assim tentamos tornar evidente a natureza em extremo complexa •
de nosso tema. Resta-nos desejar que este procedimento não ha
ja prejudicado de maneira insanável a unidade do estudo.zyxwvutsrq
A comunidade onde ccntramos nossas observações nao
foi objeto de nenhuma pesquisa anterior. O próprio rito aí s~
gu i do , e a chamada "Nação Angola" do Candomblé, até hoje per-
manecem muito pouco estudados. 1:nosso desejo que o presente
ensaio, se assim o podemos chamar, represente urnacontribui -
çao neste sentido, somando-se os aqui empreendidos aos esfor-
ços de etnógrafos como Gisele Binon Cossard e N'Landu-Landa r
f

Ntotila, entre outros.

Seria. por certo, mais conveniente grafar de acordo


com a notação fonética os termos da "língua de santo"; mas di
flculdades práticas nos impediram disso, em particular a ine-
xistência dos tipos apropriados. As palavras deste vocabulâ -
rio aparecem grifadas na tese riasprimeiras referências, ou
quando julgamos oportuno destacá-Ias. Grifá-Ias sempre por cer
to cansaria o leitor; assim, optamos por acostumá-Ia aos pou-
cos à novidade desse léxico especializado. Ainda quanto ã gra-
fia, considerando o fato de que muitos dos termos em questão
t
já se incorporaram ao acervo do falar baiano, procuramos es -
crevê-los da maneira como o faz a gente do povo; ou, em ou-

tros casos, do modo como aparecem citados na maior parte dos
estudos etnográficos a respeito do Candomblé. •
PARTE PRIHEIRJ\

o TANURIJUNÇARA

I
..zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

Nestes capítulos iniciais, antes de abordar o tema


~\..cLt":C:>to- "'.
específico de nossa Dissertação, esboçamos uma ~notl.C1a
etnogrâfica acerca do Terreiro onde centramos nossa pesquisa,
tratando, de um modo breve,de sua história e do rito que se-
gue, com um propósito apenas informativo. Expomos também, em
termos sumários, alguns conceitos básicos empregados pelo tIPo
vo da Seita", como os de "nação", "fundamento" e "lei".
CAPITULO I

I A CASA DOS INQUICES

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4zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

A Casa de Culto que centraliza as atividades reli -


giosas da comunidade foco de nossa pesquisa situa-se no bair-
ro do Enpenho Velho da Federação, à Rua Apolinário Santana ~Q
146), em Salvador, Bahia. Tem o nome litúrgico de Tanurijunç~
ra e define-se como um Terreiro do rito Angola. Junto com al-
guns outros Candomb16s baianos - e cariocas, inclusive - da
dita "nação", deriva este do Tumbajunçara (hoje com sede na
Amê r ca) .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
VilazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
í

origem comum de semelhantes centros, que estabel~


l\

ce entre eles significativas ligações. se exprime com dizer


que "pertencem a um r.lesmoaxe". O axé se caracteriza como fon
te arcana de poder e misterioso "cordão umbilical" unindo pes
soas e grupos religiosos.l O vínculo de um Terreiro com sua
matriz, desta forma assinalado, sempre se sublinha de várias
maneiras.
Conforme se ve, para identificar um Terreiro nãob~
ta dizer que rito segue; é necessário ainda referir a proce -
dência de seu "fundamento" (axé).
A localização do Tanurijunçara é um dado que merece
destaque por muitos motivos. Na área da Federacão
~
têm sede di-
versos Candomblés, como o do Gantois, por exemplo, talvez o
de maior fama na Bahia; bem mais próximo do aqui considerado,
na mesma rua, se acha o adormecido ilê orixã onde pontificou
a célebre Mãe Flaviana; e a pouca dist~ncia dos dois,na lade!
ra a que dá o nome, ergue-se o velho santuário gêge do Sogum.
Quem desce daí para a Vasco da Gama, logo alcança o sítio do-
minado pela Casa Branca, o templo afro-baiano mais anti~o, ma
triz dos grandes Terreiros "ketu" de Salvador.2
Ainda no Engenho Velho, ficava outrora o Il~ Ax~ na
gô de Carlinhos de Iansã; e nas cercanias, o templo "gege min
dubim" de Agripino. Próximo acha-se florescente a Roça da Hu-
5 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

riçoca, dirigida pelo renomado Pai de Santo Luís,sacerdote do


rito ketu, iniciador de uma irmã do Tata Uevi do Tanurijunça-
ra.3
Muites dos freqUentadores deste o sao também de ou-
tres abacãs; nas obrigações maiores, pelo menos, membros das
à Casa então
comunidades religiosas vizinhas costumam acorrerzyxwvutsrqponmlkjihgfed
em festa; alabis de um Terreiro freqUentemente tocam em ou-
tros, nessas oportunidades.
1! também importante assinalar que na Rua Apolinário
Santana, só há poucos anos provida de serviços de infra-estru
tura e pavimentação, residem sobretudo pessoas da classe mé-
dia baixa e proletários; muitos destes últimos se distribuem
ainda na faixa paralela por trás da linha de casas à direi-
ta de quem desce para o Bogum, numa favela a cavalo sobre um
barranco. O vale que se estende por trás do correio oposto, e
separa a mencionada via da chamada "Jardim Federação", até
faz pouco tempo encerrava um luxuriante trecho de floresta tr,2
pical; erguem-se hoje aí horrorosos conjuntos habitacionais,
amontoados entre os restos do mato, bem diminuído.
Perpendicular à Apolinário Santana, corre a Avenida
Cardeal da Silva, através do que foi. há menos de uma década.
o famoso e lúgubre caminho do "Mata-Maroto"; aí agora se ali-
nham, principalmente. resid~ncias de classe média e alta (so-
bretudo ã esquerda de quem segue rumo à orla marítima; à di -
reita, no limite de um vale ainda cober t o , na maior parte, de
mato, são menos numerosas as construções; há edifícios de apar
tamentos e restam algumas choças miseráveis). Pela dita aveni
da e pela Vasco da Gama se chega sem dificuldade ao centro de
Salvador, e aos bairros da zona de praias de sua Cidade Alta,
a começar pelo Rio Vermelho.
6

ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
acesso ~ hoje, pois, bem ficil ao Terreiro de Mie
Bebé; por outro lado, a urbanização, valorizando os terrenos,
fez acantonarern-se em 'cabeças de porco', nos flancos de va-
les, ou em casebres dispersos nas ruas modernizadas, que fo-
ram outrora seu reduto, os merios aquinhoados moradoresda~rea
onde se encontra a dita Casa.
Pode-se ver pelo mapa da Figura I que esta fica a
uma distância não muito grande da praia de Santana, de um la-
do, e, do outro, do Dique de Tororá; pertence, ainda, ~ mesma
zona (a da "Federação", em termos amplos), onde se localiza o
sítio dominado pela igreja e largo de Sio Lazaro todos es-
tes lugares sagrados para o "Povo da Seita".
As condiç6es locais eram bem diversas quando Isaac
Bispo da Hora, esposo da Mametu do Tanurijunçara, arrendou, em
1947. "um pedaço da Fazenda Mad re de Deus". A área. então, qu~
se podia considerar-se rural: nenhum trecho estava pavimenta-
do. faltavam água encanada e luz elétrica, a rua mal chegara
a traçar-se, e a comunicação com o centro da cidade fazia-se
unicamente por meio da velha linha de bondes (hoje extinta) do
Rio Vermelho, devendo uma distincia razoavel ser vencida a p~
por uma trilha orlada de vegetação ablli~dante,desde a parada
mais próxima à sua moradia, um tanto isolada. Em breve, toda-
via, cresceu a população do bairro do Engenho Velho, e a da
que veio a ser a "Rua Popó" , ou 'Apolinario Santana,embora não
tenha sido pequeno o tempo decorrido até que esta parte de Sal
vacor se começasse a urbanizar.

Quando Elizabeth Santos da Hora se tornou Hãe de Sa!!.


to, a parte edificada de seu Terreiro se reduzia a coisa de
um terço da atual, ao passo que a manhonga se estendia por um
I
I
7 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

domínio vastíssimo. "Fiz{;mos tudo na base do conta-gotas",di!


se-nos seu esposo ••• Pouco a pouco foram assim construidos e
ampliados o runcõ, o barracão. os diversos santuários; mas o
plano do Ilê Axe ainda não se completou. A casa de residência
da Mametu foi reformada há cerca de um ano; é sem sombra de
dúvidas a melhor da rua.
Do pedaço de terra arrendado, "Seo Lolô" cedeu, há
tempo, uma parte para a construção de uma ipreja católica. e
outra para a de um armazém/que hoje ladeiam o Tanurijunçara .
Como um líder local muito prestigiado. participou ele ainda
de uma campanha de que resultou, décadas atrás, a criação da
primeira Escola Primária da rua.

• O Tanurijunçara teve,por fim. seu território muito


reduzido, sobretudo na faixa que corresponde ao mato (manhon-
ga) - junto com a edificada ou edificável uma das grandes re-
partições de todo egbe (cf. Elbein dos Santos, 1976: 33-38). I~
to acarretou mudanças, inclusive, na liturgia, que teve de
simpliflcar-se. A diminuição do espaço total impediu, também,
que um número maior de membros da comunidade fixasse residên-
cia - segundo ainda sucede em outros Candomblés - na área do
Terreiro: além da habitação da Mãe de Santo, hoje ai s5 se en
contra a de uma sua filha casada; mudou-se há cerca de três
anos um ogan que se estabelecera nos fundos do setor ocupável
à beira do mato, e o seu casebre foi
por construções, já quasezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
àemolido.
A impossibilidade de manter uma "roça" no estilo tr~
dicional coloca obstáculos à criação de alguns animais de sa-
crifício, e dificulta - tanto quanto a mutilação do trecho de
floresta adjacente - o culcivo e a coleta de plantas de valor
litúrgico (hoje para consegui-Ias é preciso ir, às vezes, até
aos restos de mata que margeiam a Avenida Vasco da Gama, por
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r zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

•zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
8
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
'~

exemplo); tais circunstâncias tornaram mais complicados os se!.


viços religiosos e os trabalhos mágicos.
O novo arranjo urbanístico da área acarretou, por
outro lado, transformações no pequeno comércio local, tornan-
do mais difíceis de adquirir alguns itens de emprego litúrgi-
co como a lenha, por exemplo; o mesmo fator restringiu,em cer
tos aspetos, a liberdade de movimentos dos membros do Terrei-
ro em alguns desempenhos sacros; assim, v.g., os "coruja-ebó"
tõm. is vezes, de fazer longos percursos, quando. por sim-
ples conveniência pública ou por injunções rituais, não é pe!.
mitido pôr os IIdespachos" em lugar transitado. Por outra par-
te. a melhoria das condições viárias facultou um intercâmbio
mais intenso mesmo com Terreiros distantes; e o fato de conta
rem agora com água encanada, luz elétrica. telefone e outras
coisas aumentou a disponibilidade do "Povo de Santo".
Tudo isso se correlaciona com mudanças mais amplas,
ocasionadas pela incipiente industrialização de Salvador. fa-
to que tem alterado a fisionomia e o ritmo de vida da cidade.
As novas exigências do mercado de trabalho t~m. inclusiv~ pro
vocado transformações na própria liturgia do Candomblé. Basta
lembrar que se tornou inviável ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
initium com três meses de re
clusão.

O esquema do Terreiro que fizemos na Figura 1 1 dá


idéia de sua estruturação em termos espacIaIs. Terreiro (Roça,
Candomble, Ilê Axe,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ilê Orixã~ às vezes também Canzuã)4 é o
nome dado ao conjunto formado pela manhonga e pela parte cons
truída ou edificável do centro onde se reune uma comunidade
religiosa do tipo da que estudamos; nao raro aplica-se de ma-
neira mais estrita ao espaço desocupado entre os vários edifí
9 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

cios da sede, também oposto ao mato (enquanto se reserva a de


signação de Ilê Orixã para os santuários). O termo Roça já
quase nao se usa, pois tornou-se impróprio com a urbanização
da área.
Próximo da manhonga havia outrora, no Tanurijunçar~
segundo dissemos, o casebre de um ogan (17); as residências
que hoje ai existem voltam-se ambas para a rua. são elas: a
- 5
casa d a Mae de Santo (1) e a de uma sua filha carnal (2).uma
ebami desposada com um ogan suspenso. Esta última moradia foi
construída há cerca de dois anos. Um dos aposentos da mesma,
um pouco destacado, funciona como um salão de beleza, dirigi-
do pela jovem senhora.
A residência elaMãe de Santo é ampla, com muitos cc
modos, e bastante confortável, sobretudo depois da última re-
forma. Ai moram a Mametu e seu esposo, com quatro filhos sol-
teiros (um rapaz e três moças); e se hospedam, de forma co~t~
meira, pessoas a eles aparentadas, eventuais "aderentes", al-
guns a~iãs e mesmo, em certas circunstincias. clientes do Ter
reiro, chegados de outras cidades.
Nas festas, os "grandes" qu~ vem de Casas "do mesmo
axé" para ajudar e participar se distribuem pela moradia pr2.-
priarnentedita da Mametu e por um anexo com dois quartos (8 e
9) construídos com vistas a este fim, ligados a uma cozinha
CIO) a qual se destina ao preparo de iguarias rituais - embo-
ra a da habitação de Mãe Beb~ também seja usada como referi-
do propósito. O dito anexo soma-se a alguns santuários, como
o Quarto dos Santos,.(7) - onde se acham os. peji de diversos
orix~s, inclusive os assentos de Ogum e Omolu, que devem ser
transferidos em breve para os respectivos ilê (3 e 4) - e o
Quarto de Oxalá (6), onde só se pode entrar vestido de branco.
10 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

No Quarto de Consultas (10) guardam-se os sagrados cauris e


demaiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ba~ra usados no jogo divinatório.

Face ao alpendre nos fundos da residência da Mametu,


fica o runcõ, o claustro (11), de acesso vedado terminantemen
à
te aos profanos. Aí se alojam. inclusive, as iaôs em visitazyxwvutsrqpo
Casa, e no curso de certas obrigações. quan~o dormem no Ter
reiro. Em linha reta, passa-se do r un cf ã Fonte de Oxum OS),
"representada" por um pequeno tanque; e prosseguindo, chega-
-se ao mato.
Um port~o no pequeno muro lateral que prolonga, ne!
sa altura, a parede do runco, permite ir da Fonte de Oxum ao
sacrário de Tempo (16). dominado por uma árvore e aberto,pois
este deus "n~o pode ficar numa casa". Apenas um murinho retan
guIar com uma portinhola define o recinto consagrado; no meio
deste, ergue-se a menos de um metro do solo o círculo de ci -
mento que protege a árvore, círculo em cujas bordas se deposi
tam as ferramentas do orixá.
o barracão (12), palco das cerimônias públicas,fica
isolado numa posição mais ou menos central no terreno do Can-
domblé. Nos fundos do abaçã. como também é chamado, acham-se
um banheiro e um compartimento reservado aos ogans.
À esquerda deste ed í.f Lci.o (do ponto de vista de quem
o defronta), encontra-se o assent6 (18) de um Exu, Arranca-
-Toco; trata-se também de um pe j i "aberto", rodeado apenas ror
uma cerca de "nativo", ou peregun. Considera-se Arranca-Toco
um Exu muito especial. Nâo nos foi dito seu "nome verdadeiro",
na "línrua da nação"; todavia, sempre nos falaram em particu-
laridades marcantes de seu caráter: não pode ele instalar-se
junto com os outros, na Casa de Exu propriamente dita. pois
prefere o isolamento, e "era capaz de criar caso com os campa
nheiros"; nem mesmo gosta de cachaça, mas apenas de cerveja,
11

e se distingue ainda por sua extrema irascibilidade.


Mais para os fundos e a esquerda, a Casa de Exu(20)zyxw
é zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um cubículo onde as imagens e os "ferros" dos "escravos dos
L..zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
santos" se deposi tam num pej i. à direi ta, fi
Um pouco atrás ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
ca a Aldeia dos Caboclos (19), cercada por um murinho retangu
-..zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lar de um ~etro de altura, com uma portinhola; no interior,
depositam-se as quartinhas (vasos sagrados), e nas festas des
sas divindades aí se constrói uma palhoça de folhas de palmei
ra,

Bem recuada, já quase na manhonga, fica a secretís-


sima Casa àe Egun (dos mortos) (21): só depois de um ano de
"feitura" um iniciado pode aí penetrar.

Como diz Elbein dos Santos (1976:33), "O 'terreiro'


contém dois espaços com características e funções diferentes:
a) um espaço que qualificaremos de 'urbano', compreendellib as
construções de uso público e privado; b) um espaço virgem,
que compreende as árvores e uma fonte, considerado como o 'ma
to' ...
"

Com efeito, estima-se no Tanurijunçara que a Fonte


de Oxum é parte já da manhonga, embora na realidade fique a
maio caminho. O espaço 'doméstico', segundo preferimos chamá-
-10, compreende aí as habitações, os santuários, mais o clau~
tro e o abaçá, onde dançam os santos nas festas públicas, e,
por fim o "terreiro" num sentido estrito, ou seja, a faixa de
solo desocupada entre os edifícios; nesta se celebram também
alguns ritos, como o da fogueira de Xang6 (Luango Cafirungo).
A import~ncia da oposição entre os dois domínios referidos
('doméstico' e 'selvagem') ser~ melhor acusada -no decorrer do
presente estudo.
12

Pode notar-se pelo esquema da Figura 11 que um muro


haixo com um portão, destacado das residências, separa o can-
domblé da rua.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
À esquerda de quem entra fica um tamarineiro;
nao se trata, no caso, de uma árvore sagrada. Além do partia
principal, há um outro, que permite a passagem de automóveis;
estes têm uma área ampla onde estacionar. entre o domicílio
da r1ametu e o de sua filha.
Quando se volta ao Ilê Axé depois da entrega de um
despacho~ espera-se no portão que alguém traga um copo com á-
gua. o conteúdo do qual deve ser lançado ã rua, num gesto p~
rificatório. Depois da missa mandada celebrar no termo de um
sirrum, em sufrágio da alma de em membro falecido da comunid~
de, no retprno ao Terreiro todos devem fazer certas aspers6es,
e procede-se a um jogo divinatório com a noz de kola, o sagra
do obi, entre outras coisas depositada ao pé do murinho de que
falamos. Tais procederes indicam que este é percebido como um
verdadeiro precinto.
Mesmo as residências existentes no Ilê Axé servem
de palco a desempenhos litúrgicos: por aí desfilam às vezes
os santos, saudando os humanos, e circulam os erês em seus jo
gos e trabalhos.
O abaçá (agora em reformas) conta inclusive com uma
arquibancada para o público das grandes festas. No centro des
te edifício, no piso recoberto de cimento, acha-se enterrado
"um axé" , deposto no rito de fundação~ em torno do ponto que
assinala, dançam as ia5s na ronda entusi5stica. Há planos de
se erigir aí o poste central - cuj a presença simbólica ora ap~
nas se adivinha nos gestos e movimentos dos dançarinos sagra-
dos.
O barracão já foi utilizado para fins profanos:duas
Academias de Capoeira aí funcionaram, com licença de Seo Lo15,
13

que assim o explica:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


"N ã 'J se 't)odeviver sozinho; eu também te
nho de colaborar com os outros, e basta que eles respeitem o
lugar onde estão."
Das palavras de uma iaô, numa conversa na qual lem-
é costume inhumar na á -
brava sua "feizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
t ur a'", depreendemos quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP

sacra iniciáticos: "meu umbigo está lá,di.


rea do runcó algunszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
zia ela, eu mesma vi onde enterraram minhas coisas."
Os assentos ou assentamentos da maioria dos orixás
patronos das pessoas iniciadas no Tanurijunçara (e dos de ou-
tras apenas ligadas à Casa por este vínculo) ficam no chamado
Quarto dos Santos; excetuam-se os de Oxalá "que é muito fino,
só aceita coisas brancas e nao tolera azeite" e os (~O Ln.ionf í.

nável deus Tempo. Ogum e Omo lu , por sua vez, têm aí apenas pr.9.
visoriamente instalados seus "preparos": ambos preferem o iso
lamento. Denomina-se peji os altares onde se depõem os símbo-
los sagrados dos voduns símbolos nos qua s se cor.s i der-ampr~
9 í

sentes os deuses. "Este é o santo de Fulano, aquela o de Si -


crano' , fala-se para indicar os referidos objetos. Um tal sa.!!
to pode ser herdado: quando morre um "feito" ou "feita", rea-
liza-se o jogo divinatório para saber se deve despachar-se,
confiar a alguém ou manter no Ilê Axé o "Anjo da Guarda" as-
sim materializado.
No Candomblé que estudamos. embora os filhos de um
mesmo orixá se confraternizem em muitas oportunidades, nao
constituem grupos definidos, concentrados em torno aos santuá
rios dos respectivos patronos, como sucede em grandes Terrei-
ros nagos da Bahia, segundo Elbein dos Santos (opus cit., p.
38) •

Atitudes diversas se observam com relação às Casas


dos Voduns, às de Exu e à de Egun, como sucede no que tange
14

às entidades nelas reverenciadas: muitos dizeres do "Povo da


Seita" classificam de um modo gen~rico nas tr~s referidas ca-
tegorias os destinatários de seu culto.
..•
Importa notar que a Casa dos mortos se achazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
ao pe
da manhonga; aliás, o mato i percebido ainda como um domínio
dos espíritos, de um modo geral; o canto de sarde do abaçá.
que os santos entoam quando se despedem. o evoca de ~odo sole
ne:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Toté, toté de manhonga
Manhongonguê ...

O Tanurijunçara está sob o patrocínio de Oxum e Ogum,


os orixis de Mametu Condereni e de lata Uevi. Mas diz-se ain-
da que "a Casa tem muita influência de Omolu, por causa de Ci
riaco e Greg6rio Lambaransimbi" - dois grandes Pais de Santo
que tiveram um papel muito importante na vida religiosa da
M~e do Terreiro do Engenho Velho da Federação.

A freqUência ao Tanurijunçara parece ter aumentado


nos filtimos anos; em particular, nota-se que cresceu bastante
o afluxo das pessoas das classes "superiores" - sem restriç~o
aparente da demanda da "gente humilde" ao Terreiro, que entre
indivíduos desta origem social ainda recruta a maioria dos
seus membros; em geral. vínculos menos formais (cargos honorí
ã comunidade adeptos de diversa extraç~o.
ficas) religamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A assistência nas festas pfiblicas e a clientela dos
"trabalhos" revela-se do mesmo modo heterogênea, e,embora com
predomínio das "classes populares", cada vez mais acrescida
de pessoas oriundas de outros segmentos da sociedade baiana.
15

Este fato nao constitui uma singularidade do Tanuri


junçara; a atitude dos "brancos" para com o Candomblé mudou
um bocado nos últimos tempos. Encerrada a fase de condenação
e perseguição, iniciou-se uma outra - que ameaça, talvez de
forma ainda mais insidiosa, a vitalidade do culto dos orixás:
o apelo de um "exotismo" afinal bem próximo (até os recantos
onde se escondia o mistério negro se tornaram acessíveis), a-
centuado pela propaganda folclórico-romântica de literatos,
músicos e intelectuais ã curiosidade
em geral, impeliu muitoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
e ã busca de uma nova forma de prestígio - tanto quanto sus -
pendeu o receio de uma censura outrora implacável para os se-
quiosos de novas esperanças, vários deles desencantados com a
progressiva desritualização do catolicismo e/ou oprimidos pe-
lo sentimento de um vazio aterrador, num 'novo mundo' inteira
mente profano. Lesses não poucos acorrem aos Terreiros movi-
dos por um sentimento religioso autêntico, que os faz redefi-
nir-se como membros do "Povo de Santo".
16

NOTAS AO CAP!TULO I (PARTE I)

1. OszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Baora portadores de ax~. inhumados em pontos centraiszyxwvutsrq
dos Terreiros em ritos de fundação. são, por vezes. expre~
samente comparados a um umbigo. Ao falar do pr6prio culto,
pessoas "antigas" do Candomblé costumam dizer: "o nosso u~
bi~o está na África". Referem-se, assim, ã orir,em ultima
do seu "fundamento" (ver adiante, capo 111). Sugere-se a1:2,
da, da dita forma, a idéia de um liame de natureza mística
entre os templos brasileirQs do culto dos orixás e a sagr~
da Ilu Aiyé. a terra dos ancestrais - um liame comp~rável
a um cordão umbilical~ Talvez a mesma imarem se aplique no
caso do poste central dos ab aç âs.,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
N0 famoso Terreiro de Ox~

maré, em lugar deste poste há um monumento com a forma de


uma coluna romba, que se eleva a pouco mais de um metro de
altura, muito semelhante ao "omphalós" de certos templos
gre go s . Por sob a di ta coluna. acha-se enterrado "um axê'
da casa. Os antigos iorubas consideravam a sarrada Il~ Ifé
o "umbipo do mundo" •.• Por outro lado, o depoimento de uma
"feita" do Tanurijunçara mostrou-nos que certos sacra da
iniciação, também enterrados no Ilê Axé, são comparados, de
maneira usual. a um umbigo. A bem dizer. materializam o
vinculo entra a pessoa ini~iada e o Terreiro. Asseguram a
comunicação da força mística encerrad~ na Casa le seus me~
bros, assim como o poste central a modo que relí~a o céu ã
Terra, o Orun ao Aiye.

2. Trata-se do mesmo grande Terreiro que ficava antigamente


na Bar r oqu i.nh a , A p ropô s i t o , ver Elbein dos Santos, 1976:
14.
17

i cosa
..:. ê p-rande am.í co de Ta t a Uevi,
3. O Pai de Santo Luiz d a Murzyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
~. (-

cujo Terreiro freqUenta nas "obrip-ações" maiores, quando


toma parte dos "trabalhos". A comunicação hoje é muito in-
tensa entre irrejas se~uidoras de ritos distintos no mundo
do Candomblé.

4. Embora menos usual. empre~a-se também a expressao "Casa de


Inquices", sobretudo entre as pessoas mais velhas. Tem o
mesmo sen t do o designativo "Inquice Cub a t a'", que
í consta
de certas preces da li turgia Anr-o la ,
·..

..zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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c :-,.: l n ~· Llm e tu 9 - Cômodo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


16 - Tempo
. .: 1:1 Eb a mi 10 - Cozinha ] 7 - Rcs.Og:m (demolida),
11 - r..tllll:Õ 18 - Arranca Toco
,I.. .' construçi:io) 12 - 0;lrr~c:;o 19 - C;JlJOc 10
.ta 13 - H:!nhC'Íro 20 - Exu
14 - ()g.:ll1~;
21 - Egun
15 o •• Fonte de Oxurn 22 - ~bnhong3
CAPITULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
11

ÃGUAS DE ANGOLA
21

A história do Tanurijunçara liga-se de maneira in -


à biografia de seus líderes~ por outro lado, a fa
dissociávelzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
milia que formaram constitui c próprio núcleo do grupo de cul
to deste Terreiro. Assim, para falar do Ilê Axé onde centra-
mos nossa pesquisa, é forçoso que exponhamos al~lns dados a
respeito do casal responsável por seu erigir-se.
Isaac Bispo da Hora, mais conhecido como Seo Lolô,
nasceu em Simão Dias, Estado de Sergipe, em 1910. De seus de-
zenove irmãos, continuam vivos apenas sete, entre os quais uma
senhora que, como ele, foi viver em Salvador e acabou "entra!,!.
do para a seita": "fe z a cabeça". consagrada a Iansã, e é
atualmente urna respeitada ebomin do candomblé "ketu" da Muri-
çoca. Reside também na Apolinário Santana, nas imediações do
Tanurijunçara.
O futuro Tata Uevi chegou à capital baiana com qua-
torze anoS de idade, para ganhar a vida. Não demorou a conse-
guir emprego na firma João Martins e Companhia, onde traba-
lhou ror longos anos, vendendo "carne verde"; aposentou-se aí
pelo antigo IAPC, e até hoje recebe uma quantia ínfima por
conta disso. No exercício da profissão, Seo Lolô teve oportu-
nidade de popularizar-se e travar contato com muitas pessoas
notáveis. Assim conheceu José Alcântara de Souza, "o finado
José" de quem fala sempre com indisfarçável emoção. Descreve-
-o como um homem muito bondoso e-amável, inteiramente dedica-
do ao mistério dos orixás, em que se iniciara pelo rito Ango-
la, tendo adquirido todos os "preparos" para tornar-se Pai de
Santo.
Quando Seo Lola o conheceu, José morava no Alto das
Pombas, num lugar chamado Buraco da Jia; foi ele quem desco -
briu a vocaçao religiosa do jovem sergipano, e acabou por em-
polgá-Io com o seu proje+o de constituir um Terreiro. Para es
22

te fim. Lolô nao mediu esforços; adquiriu. finalmente, um pe-


daço de terra em Paripe, subfirbio de Salvador, e no dito lo-
cal formou uma Roça onde o amigo deveria pontificar.
aPai de Santo aí logo fixou resid~ncia; trouxe con
sigo, ademais, um grupo de iniciandos de que faziam parte as
três irmãs, Bernadete, Elizabeth e Julieta Santos; todas viri
am a tornar-se "Zeladoras de Inquices" em templos ligados a
um mesmo axé; as duas primeiras abriram suas Casas na capital
da Bahia, e a última na cidade do Rio de Janeiro. Isaac Bispo
da Hora havia de casar-se, mais tarde, com Elizabeth, a futu-
ra Mãe Bebé do Tanurijunçara. Contou-nos ela que muitos mem-
bros de sua familia foram chamados pelos orix;s para a vida
religiosa; e dentre esses, os que nao atenderam ao apelo divi
no pereceram todos. Todavia seus dois irmãos que não traziam
à parte do Candomblé.
"carrego de santo" vivem até hojezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
No estágio de abiã na roça do Paripe. cujo pontífi-
ce a distinguia com um afeto especial, Bebé realizou umaapr~
dizagem valiosa e profunda das "coisas de santo"; por isso,
"j; sabia de um tudo, e tinha pr;tica,
como afirma seu esposo,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
antes mesmo de entrar para o runcó".
Adiante nesta Dissertação (Parte V, capo 11 e 111),
trataremos com mais pormenor do conceito de "carrego de san-zy
td' ,e do que chamamos 'crise d~ conversão'. Por ora, assinale
mos apenas alguns dados b;sicos. Do ponto de vista do "Povo
da Seita", não é o ditame de suas pr6prias tend~ncias, mas o
apelo inexor;vel das divindades que leva uma pessoa,quase se~
pre por uma estrada de aflições. às portas sagradas do Cando~
blé. Muitos resistem, às vezes com terror e tremor; os que te!
mam em se esquivar, "acabam mal", conforme em diversas instân
cias nos foi assegurado.
23

Quanto mais se aproximava da "feitura". com maior


receie a considerava uma das três irmãs confiadas a José, Do-
na Detinha (Bernadete Santos). Seu orixá, no entanto, a pers~
guia implacável; contou-nos o velho Lolô que um dia o Ogum da
futura cunhada lh~ apareceu em sonhos, dizendo-se disposto a
levar a jovem caso ela não se iniciasse. O Pai de Santo José
teve id~nticos presságios, ~ em face da obstinada resist~ncia
da abiã - que logo enfermou - encheu-se de uma angústia pro-
à idéia de perder uma pessoa escolhi-
funda: não se resignavazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da para seu primeiro "barco", e já muito estimada, principia!!.
do com tamanho insucesso a carreira de Tata de Inquice; era,
além do mais, em extremo cioso de suas responsabilidades. Ex-
primiu, então, o voto de que o orixâ o levasse em lugar da
candidata rebelde.
"Aquilo foi uma verdadeira troca de cabeças", diz
Seo Lolô. Chama-se no Candomblé troca de cabeças a um rito eu!!!.
prido de tempos em tempos pelos "feitos", quando sentem o ri-
gor dos anos aproximá-Ias da morte: oferecem então um animal
como vítima 'substitutiva', que empenha a vontade dos orixás.
Enquanto a abiã se restabelecia, Josi de Oxum, se-
gundo nos foi narrado, viu-se logo prostrado por uma doença
estranha; de nada adiantaram os socorros médicos imediatamen-
te providenciados por seu amigo· o mal não teve sequer diag -
n6stico, e o amável e abnegado Pai de Santo em pouco faleceu.
Para celebrar as exéquias "na Lei .do Santo", e diri.
gir o sirrum. Seo Lolô convidou o grande Tata Ciríaco(ouzyxwvutsrqp
Ci-
como o povo o chama), com quem, a partir daí, o ligou
riao o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3

uma profunda amizade. Através do jogo divinat6rio, consultou-


-se o morto para saber que destino era de dar-se a seu santo,
ao assentamento de sua Oxum; esta herança acabou ficando para
a jovem Elizabeth, e até hoje se conserva no Tanurijunçara.
24 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

Pouco depois, Isaac Bispo da Hora foi iniciado por


i aco , e recebeu a dijina (nome litúrgico) de Uev Gongô ~1~
Cí.rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM í

vambo. O grande Pai de Santo considerava o "dono da cabeça"


do novo filho um Ogum muito especial e poderoso; reconhecia,
também, o notável descortínio e o talento de Uevi para "as
coisas da seita", além de dedicar-lhe um profundo afeto. Com
base nesses motivos, de várias formas o privilegiou provo -
cando, até, o ciúme de "feitos" mais antigos a quem lançara
nas "águas de Angola" - e transmitiu-lhe, em pouco tempo, com
generosidade, o saber e os "preparos" de um Tata. Tomou-o,
ainda, em diversas ocasiões, para conselheiro.
Aprofundou-se também a ligação de Seo Lolô com as
antigas abiãs de José; advertindo o carinho todo particular
que ele dedicava a Elizabeth, os próprios irmãos de Isaac o
aconselharam a desposá-Ia. Assim, em 1943, o recém-iniciado
contraiu rnatrim6nio com a futura sacerdotiza.
D. Bebé só bem mais tarde (em 1956) veio a "fazer a
cabeça"; enquanto "não chegava sua hora", continuou zelando
do santo do finado José e aprendendo os princípios da seita
com o esposo. Trê s anos após sua "fei t ura'",f'o já cons idera-
í,

da apta a receber o dec~ (tornar-se Mãe de Santo). Conforme


declara. não o desejava; acatou, porém os "sinais" interpret~
dos como manifestações imper~tivas da vontade de seu orixá, e
cedeu as insistências do marido Uevi advertira, havia muito
tempo, a vocação da mulher, e tinha mesmo declinado, por isso,
malgrado as prerrogativas toncedidas por Ciriaco, assumir um
tal encargo: uma regra insofismável do Candomblé postula que
cs membros de um casal não podem ambos exercer as funções de
iniciador.
o matrimônio de Isaac Bispo da Hora e Elizabeth Bis
po da Hora frutificou em sete filhos, dois do sexo masculinc
25

e cinco dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sexo feminino. Os rapazes confirmaram-se ambos co-
mo ogans (um deles, casado, aRara reside no Rio de Janeiro).
Das moças, duas se tornaram ekedes, i~ualmente confirmadas~ e
uma per~anece candidata ao meSmo posto, tendo sido apenas su~
pensa: as duas restantes foram ~aspadas~ uma para Oxal~ e a
outra para Bessêm. Hoje são ambas ebam;s9 ou cotas, tendo cum
prido a "obripação dos sete anos". A filha de Bessém ten o
posto não 'oficializado po~ causa de sua juventude de Mãe
Pequena da Casa que um dia, segundo se preve, dirigirá.
Outra norma da seita impe~e um Pai ou M5e de Santo
de iniciar as pessoas a que~ ferou. O resultado prático desta
"lei" 00 Candomblé é um fortalecimento dos vínculos entre Ter
reiros distintos interlipacos por força da origem comum: na
matriz e em Casas co-irmãs do Tanurijunçara foram "feitos"
(confirmados ou raspados) os "filhos da carne" de Mãe Bebé.
Embora eles cu~pram suas obrip'ações no Ilê Axé da r1ametu Con-
derenê, têm nos outros, em que se iniciaram, um lugar reconh~
cidozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p,v~rios cowpromissos. As relações entre essas comunida-
des não são livres de conflitos, mas os vínculos assim refor-
çados asseguram a prevalência da solidariedade e da harmonia.
Uma ekede suspensa uma ekede confirmada, um ogan
9

confirmado e uma ebami, os quatro filhos solteiros de Isaac


e Elizabeth, residem, pois, com 'eles na mesma casa; no Terrej
ro mora ainda uma filha casada dos dois, ebami e virtual M~e
Pequena, cujo marido é um ogan. candidato i confirmação (ou
suspenso, como os noivos das duas jovens ekedes referidas);
em Salvador, embora lonf-e do Terreiro, reside outra filha do
casal. desposada também com um ogan (confirmado).Apenas o pri
m08ênito de Lolô e Bebé - 09an confirmado, também casado
não tem uma participação profunda na vida religiosa da comuni
dade, pois mora no Rio d~ Janeiro.
~~----------------------------------=-~~.~------------- z

26

Só podem ser muito estreitos os laços entre o Tanu-


rijunçara e o Uind;junçara~ por exemplo, que além de proceder
"do mesmo axé" são diriridos por duas irmãs (Elizabeth e Ber-
nadete, respectivamente). Inclusive com o Terreiro carioca de
D. Julieta há um certo intercâmbio: as Hães de Santo dos dois
Estados, unidas, ademais, por esses vínculos de fraternidacle,
costumam de vez em quando visitar-se. Em outras Casas baianas
da mesma nação, Mãe Bebê tem ainda parentes menos chegados.
Nas grandes festas realizadas no Tumbajunçara e nos
Terreiros a que deu origem, membros de todos esses Ilê Axê
comparecem e cooperam; ajustes de calendario costumam reali -
zar-se para facilitá-Io.
Elizabeth Santos da Hora foi iniciada sob a presi -
dência suprema de Dere Lubi di, atual r~ametu do Tumbajunçara,
ora com cinqUenta e três anos de santo, e portadora do belo
título de r"lãede Nação. Esta, por sua vez. fora "feita" porzyx
Manue~ d'Ogum., "irmão de barco" de Ciriaco. Teve Conderenê
nome litúrgico atribuído à hoje Ialorixá da Casa da Apoliná -
rio Santana - por Mãe Pequena A~bertina Munteketê e por Pai
Pequeno o famoso Gregório Lambanransimbi (ambos "feitos" de
Ciriaco).
Albertina de Ogum,· apesar de sua elevada "idade de
santo". só no ano próximo-passado "recebeu o dezyxwvutsrqponmlkjihgfe
cà':, tornando-
-se a Mametu Muntekel~ de um novo Terreiro ~o respeitado axé.
Gregôr o Lambanransirnbi, "o f í.nadoGregório", con-
í

verteu-se numa figura quase legendária. pelo grande conheci -


mento que logrou ter das "coisas da seita" e pela intensidade
com.a qual o aplicava. "Sabia muito, e gostava de ensinar ••.
Suas ia5s aprendiam de um tudo. Greg6rio at~ ia com as muzen-
zas para a cozinha e mostrava ele mesmo como fazer as comidas
de santo, o preceito de cada .••" Assim o louvam todos; mas aI
-----_._------.zyxwvutsrqponmlkj
r, ';,1zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
OO .' '. .1

BIBLIOTECA
27

guns informantes acrescentaram, em conv:ersas conosco: "No fim,


Grerório ficou sabido demais, e foi por isso que Omolu levou
ele. Já estava fazendo coisas fora do comum, e pegou a se or-
gulhar ... Fazia e se gabava."
c

Em verdade, segundo o "Povo da Seita", a pessoa que


empenha sem medida o seu axé pode enfraquecer-se; e a demons-
traç~o ostensiva da ci~ncia religiosa, ou dos poderes alcanç!
dos por via mística, nesta perspectiva se considera algo por
demais imprudente: tal atitude a modo que atrai o ciúme divi-
no.
Da morte de Lambanransimbi tivemos versões desencon
tradas: dizem uns que ele faleceu vítima de doença,mas outros
afirmam que sucumbiu a torturas policiais, quando urna acusa-
çao falsa o levou ao cárcere. De qualquer modo, o nome deste
Pai de Santo é até hoje muito respeitado.

Impõe-se ainda que acrescentemos al~uns dados a re~


Manuel Cir{aco de Jesus, com certeza o mais destaca-
peito dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do e famoso dos líderes da igreja de que tratamos (desta for-
ma, segundo nos parece, cabe designar a comunidade ampla que
se distribui por ~rupos bem definidos e concentrados em II~
Axé intercomunicantes e da mesma origem). Ciriaco nasceu em
Santo Antônio de Jesus, no interior baiano, em 1886, e fale -
ceu em Salvador, em 1964, vítima de diabete. Foi iniciado por
Maria Nenem, de cuja Roça, no Beiru (bairro de Salvador), se
originaram dezenas de templos do "Candomblé bantu" que flore~
cem na Bahia e no Rio de Janeiro; era o Dofono ('primog~nito')
de um "barco" destinado a ter um im.portante papel na história
da "seita", pois dele faziam parte também Manuel de Oqum e o
célebre Bernardino do Bate-Folha (o epíteto se refere ao lu-
gar onde este Tata erigiu seu Il~ Axé).
28

Maria Nenem alcançou grande popularidade; Guimarães


(1940) refere uma quadra incorporada ao folclore baiano onde
se recordam as perseguiç6es policiais sofridas pela Mametu:
"(j Maria NenenzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
Ped rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
to vem aí
Ele vem cantando
Caô Caldeei"

(Pedrito chamava-se um oficial tristemente famoso


pela sanha e brutalidade com que se dedicou a combater o Can-
dombl~ em Salvador; Ca5 Cabieci ~ uma saudação de Xangô).
Ciriaco trabalhou por muito tempo. conta-nos Tata
Uevi, como cozinheiro de navio; mas ao falecer Manuel d'Ogum
veio celebrar ° axexe (ou sirrum~ ou rnaconrlo.rito funeráriO)
no Terreiro onde o "irmão" pontificara, na Pitanga. Deveria
substituir o finado Tata em seu posto Dere Lub di, cota de Ox~
í

lá, "feita" por ele no Acupe; mas Ciriaco acabou por instalar
-se na Casa da Pitanga, e prevalecendo-se de sua condição de
"mais "elho" tomou a si o governo da comunidade. (O r is Axê
mais tarde foi transferido para o Beiru, e daí finalmente pa-
ra a ViJ:} Am~rica). De fato, só em 1964, quando morreu o Dofo
no de seu iniciador, Der~ Lubidi pôde tornar-se Mãe de Nação.
O Pai de Santo de Uevi iniciou, segundo este, cent~
nas de pessoas, entre elas muitos Tatas e Mametus que ora di-
rigem grandes Terreiros no Recôncavo baiano, em Salvador e na
capital carioca. Sua celebridade bem pode ser medida pelo fa-
to de hoje nos meios populares se fazer referência i igreja
da qual é parte o Tanurijunçara como "o axé (ou nação) de Ci-
riaco". Da mesma maneira se fala no "axé (ou nação) de Berna!
dino" para aludir ao "povo" do templo do Bate-Folha (de nome
lit~rgico Man~o Bundunqupnque) e das Casas dar originadas. C~
nota-se ainda da dita forma um 'cisma' na descendência místi-
29 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

ca de Maria Nenem. Ocasionou-o a profunda rivalidade entre os


dois "irmãos de barco", motivo de uma autêntica e complicada
"guerra de orixás", no sentido por Alves Velho (1975) conferl
do a esta expressão. A que ponto chegou a disputa pode verifi
car-se por um depoimento de Tata Uevi: de acordo com este,
quando faleceu Bernardino, Ciriaco compareceu ~s.ex~quias, no
cumprimento de um dever religioso; mas os "feitos" de seu de-
à boca peque-
funto rival, pesarosos e indignados, comentaramzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
na: "Ora, vejam •.. matou e veio enterrar!" Um caso semelhante
nos disse ter protagonizado o mesmo Tata Uevi, que no axex~
de Bandanguaime (substituto de Bernardino; o Pai de Santo Jo-
ca ~ seu sucessor no Manço Bundunquenque) garante ter ouvido
do próprio equn estas palavras: "Você, o que veio fazer aqui?"
A ruptura entre as duas 'linhas' da descendência
mística de Maria Nenem não chegou a ser completa: depois de
períodos de grande esfriamento, as relações entre os Terrei-
ros de uma e de outra "banda" voltaram sempre a se renovar,
embora ;lUllcadefinindo um intercâmbio de intensidade signifi-
cativa. De qualquer modo, reconhece-se que "é tudo o mesmo p~
Vo".
De acordo com um informante nao iniciado, mas fre-
qUentador das Casas dos grandes Tatas rivais, que conheceu
\
f
muito. se, por um lado, Ciriaco se prevalecia da condição de
r
~
Dofono do "barco" famoso, Bernardino tinha por si o fato de
ser o predileto da Mãe de Santo de ambos. "Por isso, acresce~
tava o mencionado informante, Maria Nenem deu a Bernardino ur
fundamento maior no Congo, que eIa pre feria." No próprio Tariu
rijunçara nos disseram acerca da gente do Bate-Folha que
"eles puxam mais para o Conpo ";
30

N~o nos parece, pois, que a diferença entre as 1i-


turgias A~gola e Congo seja muito grande, em vista destes as-
sertos, de cujo teor se infere a origem comum de Terreiros das
duas denominaç5es; o mesmo indica um designativo de uso habi-
tual nos meios populares: "Nação de Congo-fUl9'ola".
Ciriaco ficou célebre, entre outras coisas, por ter
sido, segundo nos contaram v~rias vezes. o primeiro Pai de
Santo na Bahia a raspar um Exu (iniciar um "filho" desta di -
vindade): o Mavambo da famosa Sofia Gikete, amiga de Bastide.
Tanto este antropólogo como Carneiro e Guimarães, entre ou-
tros, em diversas instincias se referem ao fato, e dão noti -
cia do conhecido Tata, bem como de sua Roça do Tumbajunçara.zyxwvutsr
o "Povo da Seita" nos descreve Ciriaco como umho-
mem de grande saber, muito rigoroso nas "coisas da lei", aut2.
rit~rio, às vezes temperamental, mas cheio de fervor e bonda-
de. Preocupava-se com os inúmeros "filhos" a ponto de interf~
rir em suas vidas privadas; isso. alias. "era costume dos Pais
de San~o de antigamente", segundo Tata Uev1 que assim o re-
9

corda: "se uma iaô falava em casar com um mau partido -na op,!.
nião dele - Ciriaco ficava brabo, apaixonado. Bancava a palm~
tória do mundo, mas era tudo fogo de palha. por que tinha o
cOTaçao bem mole."
Altamente respeitado por sua comadre Menininha do
Gantois, e pela veneravel Rulnió, Mãe do Bogum, há pouco fal~
cida, este Pai de Santo era reputado um profundo conhecedor
nao apenas de seu próprio rito mas ainda do ketu e do gege.D!
le tamb~m se conta que Omolu o levou: o grande deus teria me!
mo aparecido "em carne e osso" para advertir o Tata de que
"não fosse tão ousado": contra a vontade expressa do "dono da
xã transferir-se em defini tivo para
cabeça", queria o baba 1 orizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o Rio de Janeiro, nos seus últimos anos de vida. Essa estória
31

é contada pelos seus "filhos" como a dizer que ele sucumbiu


em luta ploriosa com o próprio Anjo da Guarda.

Concluiremos estanotIci~ com um r~pido perfil dos


líderes maiores do Tanurijunçara. Isaac Bispo da Hora, o Tata
é um homem branco, de compleição robusta,
Uevi,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA forte e dis -
posto apesar da idade, dotado de inteligência pouco comum e
de um gosto profundo por longas meditaç6es e di~logos ares -
peito da "realidade da vida". Exprime-se de forma colorida,
em geral metafórica; e sua linpuagem cr1pt1ca
.. .
se torna quasezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
quando a conversa se encaminha para as "coisas de santo". Jo-
vial. assegura que os orix~s não gostam de tristeza nem de
fanatismo; embora rigoroso na "lei", afirma ainda que "nin-
guém é dono da verdade, e no mundo tem luvar para todos' (quer
dizer, cabem muitas interpretações do sentido da existência,
e as mais diversas doutrinas se justifica~ a partir daI).

Nada o desgosta tanto como o fato de alguns aplica-


rem ao Candomblé o rótulo de "folclore". "Este culto é uma
lei~ insiste, uma seita africana. Aqui se trata dos orix~s,de
coisa muito séria."
Apesar de nascido em Sergipe, Seo Lolô se considera
"da Bahia", que chama c ar i.nhosamen t e de "Hãe do Brasil". Tem

tamanho apego pela cidade de Salvador que uma viagem mesmo a


lugares tão próximos como Feira de Santana lhe parece um exí-
lio.
Deu-nos prova, em muitas ocasiões, de excepcional
agudeza; assim, para explicar-nos que sua concepção do desti-
no não se reduzia a um fatalismo simplista, argumentou certa
vez: "Por exemplo, não caio nessa de que a morte tem dia mar-
cado, de que cada um tem a hora de morrer. Se Você fica na
32

frente quando um carro ve~ cOTrendo, é a hora; se Você resol-


ve pular de lado no que ele chega perto. nao é a hora mais ••.
Muitas vezes. se um doente ~ão toma remédio, vai, se toma, fi

ca ... "
De outra feita, uma visitante, ao lhe serem mostra-
dos os assentos dos orixás, perguntou. com certa ironia: 'Quer
dizer que o santo está mesmo aí?" E o Tata Uevi, presumindc
com acerto que a interlocutora eracat61ica, deu-lhe esta res
posta fulminante: "Bom, pelo menos eu creio ... Assim come
creio que Jesus está na hôs t ia" consagrada."
Em verdade, igual que todos no Candomblé, ele pro-
fessa o catolicismo. Contou-nos ter prometido a S. Francisco,
de quem é devoto. nuncapermi til' que em sua Casa se fizesse "UI:
trabalho para o mal".
Tem grande curiosidade por assuntos e:
científicos,zyxwvu
bora haja cursado apenas o prim5rio. Fala com entusiasmo d~
chegada do homem ã lua, e dos satélites artificiais. Muitas,"
zes nn~ interpelou sobre a vida dos indios, ao saber de noss~
estadia no Parque Nacional do Xingu.
No Ilê Axé, Seo Lolô se dedica basicamente às
çoes de "olhador", ou adivinho. Atua também i
como um .conse Lhezy
1'0,e participa de inúmeros "trabalhos". Em atenção
de de santo", a sua sabedoria e aos privilégios que lhe for"
concedidos por Ciriaco, todos aí o chamam de "Pai"; mas
sempre adverte com humor: HA Mãe de Santo é Bebé. eu não pus
50 de comprador de temperos da Casa." Muito apegado a espos::..
confessa "não ser o mesmo" quando ela viaja.
Mãe Bebê. a l1ametu Conderenê, é uma mulher negra
muito bela apesar da idade, tranqUila, majestosa e sempre a
velo Impressiona v e a todos por sua calma e doçura. Chei
e catizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
33 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

de zelo, mas de modo nenhum autoritária, impõe-se facilmente ç

comanda o Terreiro com total se~urança. Nunca sai à rua para-


mentada, e critica quem procede com o que considera uma osten
tação: "Coisa de santo não é para se exibir; quem tem funda -
mento não I1recisa disso." Da mesma forma. reprova as Ialor; -
xãs "orgulhosas" e que "vivem rritanc10 com aS filhas", pois
"isso nao adianta nada; a gente chama a atenção quando é pre-
ciso, mas cada um sabe de si."

Sua popularidade ultrapassou os limites da Bahia;


veio há pouco a Brasília, chamada por um cliente, em cuja ca-
sa se hospedou; e passou também pela capital mineira, onde e~
teve vários dias em casa de um amigo. Em ambas as cidades vi~
-se muito solicitada, e até lhe pediram para abrir Terreiros.
Mostrou-nos, certa vez, urna carta de São Paulo - onde nunca
esteve - cuja emissária lhe pedia auxílio espiritual, dizendo
conhec~-la de nome pelos jornais.
Mãe Bebê queixa-se de que já nao pode trabalhar co-
mo antes, por causa da sa~de (tem pressão alta), mas continua
dedicando todo o seu tempo ao culto dos inquices.
CAPITULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
III

NAÇAO, FUNDAMENTO, LEI


35 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

Chamam-se os adeptos do Candomblé de "Povo de San-


to", e, com menos freqUência, de "Povo da Sei ta".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
1\ palavra
"seita" designa ora o culto dos arixás (v o dun s , t nqu i ces , ba-
curas)l de um modo reral, ora o rito particular seguido por
um grupo de adaradores dessas divindades. Um conjunto de fiéis
assim definido - pela observância do mesmo rito - constitui o
que no dito meio se chama urna naçâo.

De acordo com os crentes, cada naçao dessas corres-


ponde a uma etnia africana cujas tradições conserva. Uma alta
sacerdotiza da Casa Branca o esclareceu para nós, ao dizer-
-noS que diferentes povos da Africa trouxeram consigo suas
1 e; s e seu s a xe 9 quando vieram para o Bras i1. "Por isso, ex-
plicava. existe aqui o Candomblé ketu, o gêge, o Angola ..• "

Todavia, não se presume com semelhantes afirmativas


que os membros dos Terreiros da nação Anpola, ou da Ketu, por
exemplo, tenham, ou devam ter, uma origem étnica bantu, ou i~
Tuba etc. Como sucede em nossa sociedade de um modo geral, po~
ea gente possui, nos Ilê Axé baianos, um conhecimento aprofu~
dado da própria genealogia; e não ê com base em raciocínios
desta ordem, em todo caso, que uma pessoa vem a definir-se, no
Candomblé, com emprego de semelhantes rótulos.
A famosa Mãe Aninha do Axê Opô Afonjn, antigo e tra
dicional templo ketu de Salvador, era, e sabia-se, descenden-
te de rruncis, conforme lembra Costa Lima (1977:20); isto não
8 impedia de declarar-se nag6. Tata Uevi 9 um homem branco, 0E

..~ulha-se de ser um angola;


"
e sua irmã germana autodefine-se
como ketu. Angola também foi João da Gomêia, cuja avó, segun-
do ele dizia, viera de Lagos (cf. Binon Cossard, 1970:271). C!
temos, neste ponto, o que diz Bastide (1971:279) a propósito
do Batuque gaúcho:
"------ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

36 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

"Como os negros de Porto Alegre estão di-


na Bahia,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vididos em diversas 'nações', e essas. ainda aqui~ não consti
tuem, propriamente falando, categorias étnicas mas comunida -
des de tradições. O mesmo fenômeno se de eenv o lveu tanto no Sul
como no Norte, a passagem do grupo racial ao grupo cultural.
Os negros de uma 'nação' podem ser originários, por seus an-
cestrais, das mais heterogêneas tribos, podem ser mulatos e
até brancos; o que os une é a sua ligação a um culto especiaL
sua relação a um certo número de traços religiosos." (Os gri-
fos são nossos). Isso deixa claro também Costa Lima (1976) nUk
ensaio acerca do conceito ora discutido (v. ainda a respeite
Trindade-Serra~ 1978). Mas convém estendermos ainda um poucc
a analise deste ponto.
De acordo com a gente dos Terreiros, a lei e o fun-
damento caracterizam a nação. Alei implica uma di s c pl na, e~
í í

cerra preceitos e formaliza obrigações. A disciplina não ape-


nas assinala regras de conduta e modos de interagir no inte-
rior do grupo de culto, mas ainda define sua estruturação hi~
r ârqu c.a ; os prece i tos c i.f r am-cs e em normas prescritivas e pro,?
í

cri tivas de natureza religiosa e de amplo alcance impostas aos


iniciados; e as obrigações constituem o corpus de uma litur-
gia particular. Assim, a lei da nação Angola, p.ex •• determi-
na:
a) a forma como um Terreiro desta denominação dev~
organizar-se;
b) que coisas um membro de semelhantes comunidades,
enquanto tal e segundo o statu8 que aí detiver,
estará obrigado a realizar e evitar na vida cot~
diana;
c) a que canones litúrgicos obedecera o culto na C
sa de Inquices.
37

Mas a lei se apoia num fundamento. Esta palavra tr~zyxwvutsrqponm


- ..
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
duz, de certa maneira, axe; e a tal ponto e essencial o seu r~
.

ferente para definir uma nação que deste termo o vocábulo


"axé" se emprega, às vezes, como sinônimo.
o fundamento se materializa, entre outras coisas,
emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sacra inhumados num Terreiro; aplica-se, todavia, o mesmo
nome aos poderes encerrados nos ditos sacra. e ao conhecimen-
to necessário para torná-Ios operativos. Tais conhecimentos e
poderes são indissociáveis: no contexto aludido, de acordo
com os crentes, quem sabe pode, quem pode sabe.
De qualquer modo, a 'energia' do ax~ cabe definir-
como uma força 'gencsíaca': é ela que permite,p.e~,
-se aindazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a criação de novos "filhos de santo", a "feitura de cabeças",
segundo se diz.2 Deriva, em filtima análise, das divindades;
mas procede ainda dos ancestrais africanos - os que, no prin-
cípio, implantaram o fundamento. Iniciar-se equivale afiliar
-se a esses ancestrais - e no caso não importa a genealogia
'real' do sujeito.
Assim, quem entra no Candomblé e aí se ressocializa
ou (re)acultura através da iniciação, por isso, e pelo fato
de considerar-se portador de um determinado axé, assume uma
certa identidade étnica, pelo menos simbolicamente. Passa a
perceber-se como um an901a, um gege, etc.
Para um negro marginalizado por sua condição, isto
significa, muitas vezes, deixar de ser ninguém. ttApessoa cli~
criminada (•..) é definida e, com uma qualificação negativa,
posta peloS outros - o preto pelo branco, v.g. - à margem do
orbe social: define-se 'heteronomicamente' ••• No caso, o 'ho-
eem de cor' por assim dizer existe 'de menos', para e pelo
branco - e é como se apreende. enquanto não decide o contrá -
rio." (Trindade-Serra, 19'/6). Em certos casos, para brancos,

.,
I

)
'
38

inclusive. trata-se da mesma coisa (de deixar de ser ninguém);


por vários outros motivos pode uma pessoa assim consideradazyx
querer redefinir-se como angola, ketu etc.
"O Candomblé [a doutrina) não é racista, pois, se
fosse, a primeira coisa era dizer que branco nenhum tem san -
to", falou-nos uma jovem e inteligente eb3mi do Tanurijunçar~
Mas acrescentou: "As pessoas nos Terreiros muitas vezes são."
A conversa travou-se a respeito da "feitura", promovida por
Hãe Bebê. de um médico que não era "homem de cor". Previu-se
os comentários que isto suscitaria: "Muitos vão falar agora
que esta Casa é um Candomblé de branco." (O rótulo "candomblé
de branco" é altamente depreciativo).
Iniciar uma pessoa branca como Isaac Bispo da Hora
(de sua origem social, quer dizer) não causa espécie; mas a
coisa é diferente quando se trata de um médico, p.ex.,zyxwvutsrqponm
levadc
ao runc6 (não há problema em se atribuir a indivfduos brancos
de classes "superiores" certos tftulos e graus que não impli-
cam em confirmã-los ou raspã-los. mas em comprometê-Ias com 2
defesa da Casa).
Para bem o entendermos, há de se ter em conta que c
preconceito e a discriminação contra os negros verificam-se
ainda muito fortes na Bahia. Não noS referimos apenas a fatos
como o impedimento de entrada de "pessoas de cor" em clubes,
grêmios etc., e até em certos blocos carnavalescos, mas a um~
atitude constante, ,dissimulada e arraigada com firmeza. d~
subestimação desses indivíduos. Por certo, os pretos que S:
diplomam e alcançam certos postos, ou adquirem uma boa situa
ção econômica, o sentem menos; não podem, todavia, deixar c
senti-Ia.
O racismo na Bahia é de um tipo muito curioso e hi
pócrita. A baiana símbolo é uma mulher vestida com roupas d
39 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

Costa; todos se orgulham aí de urna culinária nigeriana, da ca


poeira de l\ngola, do samba, etc. Não há quem não goste doszyxwvutsrqponmlkjihgfedc
•.
negros nos livros de Jorge Arn2(.o,mas isso não impede a "gen-
te boa" de desprezá-Ias enquanto vizinhos, empregados, cole -
gas. O desprezo torna, ns vezes, a forma "sutil" da condescen-
dência.
Ora, os candornbl~s sempre foram um reduto dos ho-
mens de cor, o meio em que melhor se afirmam nesta sociedade,
opondo-se e reagindo de forma decidida ~o menoscabo, ao trat~
mento despectivo dos brancos poderosos. De tal reação 6 que
nos falava a jovem ebami - muito gabaritada para apreciá-Ia,
pois filha de um casamento misto.

Uma venerável senhora, das mais antigas de sua na-


çao, a quem a própria Ma~etu do Tanurijunçara prestava reve -
rência, tornou-se nossa amif,a; sempre nos tratou com um cari-
nho muito sincero, e at~ especial, talvez por lhe haverem di-
to que tínhamos o mesmo orixií como "dono da cabeça". Um dia a
encontramos no Terreiro indignada a invectivar urna pessoa (a~
sente) que a decepcionara; no termo de seu desabafo, comentou
com um profundo desprezo: liMas enfim/ele não passa mesmo de
um branco."
Dita esta frase, tonavia, com um belo sorriso, pôs
a mão sobre o nosso ombro e falou: "Não estou certa, panguc?'1

O termo com que se dirigiu a nós usa-se hoje apenas


entre pessoas rnuit.oantigas da "seita"; constitui um tratamen
to que dispensam uns aos outrbs indivíduos da mesma 'geração'
iniciática - em geral, ou sobretudo, os "irmãos de barco" -li
gados por vínculos místicos dos mais estreitos. Está claro o
que levou urna senhora de tão elevada posição na hierarquia do
Candombl~ a tratar assim ~m não iniciado, a quem, a rigü~ era
até absurdo para si conferir tal apelativo: ela nos apartou
Iz
i
~
I
40zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

~e ste modo dos "b ranco s", e im~3s aos circunstantes aceitar-nos
I z

:::-:-,:'
a sua pessoa; retirou a possibilidade de que a injúria
~:s atingisse, e honrou-nos de forma extraordingria. comoven- I fzy
t e . nas ao mesmo tempo assinalou que era bem infeliz nossa~·
~72rência, e càrecia de ser desmentida com ênfase hiperbó1i -' J t
C 3. •••zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

f
f
t
Pouca coisa se conhece. ainda, sobre a naçao Angola ~
~..
(0 U Conge-Angola) do Candomblé.
~ fato consabido que o pioneiro Nina Rocrigues(193~
1973) teve dificuldade em constatar a forte presença dos ban-
tus e de suas organizações religiosas em Salvador, muito embo
I
~
~i

t;
Te. o s~bio informante do Dr. Nina, o Prof. Martiniano do Bon-
fim, estivesse bem ciente da pujança do culto "de nação" Con- ~
ge na dita metrópole - culto liderado, àquela época, por Gre-
gôrio Maquende, segundo notícia que deu o grande babalawo e
estudioso a Carneiro (1937, p. 31).
Esforçando-se por suprir a lacuna numa "revisão et-
nográfica", Carneiro (1936, 1937 e 1940) foi, porém, um dos
~aiores responsáveis pela confusão logo estabelecida entre os
ritos bantus "de nação" e'8.e Caboclo" na Bahia - erro em que
incidiu também Ramos (1940, '1943, 1946). de forma 5 istemátíca,
Querino (1938) mal pôde dar-se conta do problema.
Em sua obra de 1937, Edsori Carneiro, embora do mes-
~o modo qualifique (p. 35) c Terreiro de Paim no Alto do Aba-
caxi (e fale páginas adiante no do famoso babalorixã "ango-
lês" João da Pedra Preta), declara à página 28 que "talvez só
haja na Bahia um Candomblé afro-bantu não caboclo - o Candom-
blé do Pae de Santo Manuel Bernardino da Paixão. no Bate-Fo-
lha." Ora, Bernardino iniciou-se na Casa afamada de Maria Ne-
41

nen. junto com Ciríaco e Manuel de Ogum, famosos próceres de


comunidades religiosas seguidoras do rito Angola em Salvador.
Menos in~ênuo foi Pierson (1942, 1971) - que, toda-
via. nao se preocupou muito com a questão.
Já Bastide (1971) conseguiu distinguir, de forma su
perficia1 alguns dos vários 'tipos' de "candomblé bantu"; po-
rém. mesmo na sua grande sinopse d~s "religiões africanas no
Brasil" pouco avançou no particular.
AzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
base comum e as diferenças entre os ritos AnRo1a
e Congo. o fato de seguirem, no essencial, um modeZo Zitúrgi-
00 ewe-ioruba, os pontos em que deste se apartam, o que os
aproxima e o que os distingue dos "Candomblés de Caboclo" e
de outras seitas religiosas (tais como a Umbanda ou a extinta
CabuZa)onde vigem. sobretudo, as tradições místicas bantu~ a
natureza destas (segundo se encontram vivenciadas no Brasil)
ate. figuram. dados cujo reconhecimento e consideração cientí~
fica mal se esboçou. questões fundamentais que ainda permane-
cem obscuras e vêem-se tratadas de forma bastante leviana na
bibliografia etnográfica "afro-brasi1eira".
Tem-se aí privilegiado, aliás. o enfoque dos Candom
bés gêír.e-nagôsconsiderados "puros". enquanto um certo eszyxwv
t o- í

ma de "inautenticidade" acabou por associar-se às liturgias


semelhantes de menor prestígio (entre os intelectuais). Na
maioria das vezes. não se vai além da relação dos nomes dos
orixás "no Aneo1a" e "no Congo"; parece até que as noções de
"autêntico" e "inautênticon , muito significativas da ideolo -
P"ia dos estudiosos. criaram um snob "científico". Contra esta
L'

atitude já Leacock dirigiu severas críticas (v. Leacock,l972~3


O mais importante ensaio sobre o Candomblé "afro
-bantu" (como Carneiro chamava este rito) e, tanto quanto sa.-
42

ber.1os,o único até agora em que se cometeu a empresJ. de estu-


dar de forma aprofundada uma comunidade reliçiosa Ansola con-
tinua a ser a tese da etn6grafa e eb5min Gis~le Binon CossBrd
(1970), que efetuou seu trabalho Ae campo no Terreiro da Go-
m&ia, no Rio Ae Janeiro - abaç~ dirirido pelo Pai de Santo
baiano João da Pedra Preta. Sobre as Cas3.s de An901a e de Con
po de Salvador, apenas se encontram notícias dispersas e,
nua raro, desencontradas.

Desele 1976, todavia, uma pesquisa muito promissora


vem sendo realizarla por nosso colera Ntotila, na capital bai~
na, sobre os Terreiros dessas denominaç6es. Dificilmente se
poderia exagerar o mérito e a import~ncia de um tal trabalho,
no contextozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(~OS estudos "afro-brasileiros".

No presente trabalho, - cabe que em?reendamos


nao uma
análise aprofundacla da orpanização do prupc de culto do Can -
domblé. Remetemos o leitor, para este fim, aos ensaios de
Herskovits (1943, 1948, 1954). Binon Cossard (1970) e Costazyxwvu
Lima (1977), entre outros. Aqui nos limitaremos a cescrever,
de forma sumária e sem maiores pretensões, o quadro básico do
Tanurijunçara, com o único objetivo de facilitar o entendimen
to da matéria exposta nos capítulos seguintes.

DezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
começo, no conjunto d, "pessoal ligado ao Terrei
1 '0 " importa distinp:uir entre oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
iniciados e os não iniciados.
A clientela da Casa, embora muito variada e em parte "flutua~
te", merece ser considerada. pois aí se recrutam os candida -
tos à "feitura"~ por outro lado, dentre os que demandam o so-
corro dos Lnqu i.ces , al.guns acab am por árrt egr ar+s e de distin -
tas maneiras ainda ã comunidade de culto: uma lavagem de con~
tas ou um bori (cf. Bastide, 1973) estabelecem um vínculo 1'e-
43

conhecido ,entre o paciente do rito e o ax~ do templo. O indi-


víduo em questão continuará um cacabetõ9 ou seja, um profano,
mas j ií inconfundí ve 1 com a mas sa dos que "não têm nada com os
*' ••• "
orlxaS •

Um outro passo pode ser dado, de maior si?,nificaçãa


as pe.ssoas que (apenas) "assentam o santo" no Terreiro esti-
roam-se filiadas a ele, embora não classificadas na categoria
de "feitos". Cumprem aí ob r io açôe s r e gu La re s - oferenclas pe-
riódicas ao "A n j (I da Guarda" instalado no pc j i e exprimem a
relação deste modo criada com o "Povo da Seita" propriamente
dito pelo ato ~e tomar a bênção da Mametu, v.r. Devem,em prin
cipio, colaborar e mostrar-se solidários com os membros da Ca
5B em diversas circunstãncias.
Os candidatos à "feitura" se seflaram em dois p-rupos
bem destacados, conforme o tipo de iniciação a que se desti-
nam. Temos, de um lado, os abiãs, que devem ser raspados, e
1 outro os opans
ce e ekedes apontados ou jã suspcnsos, i espe-
ra de confirmar-se. O tratamento disnensado a uns e outros -
e zyxwvutsrq
bem diverso. Os orans e ekedes apenas indicados de
jã rozamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
uma certa consideração, e merecem alguma deferência, que lhes
5 tributada em nome de sua dipnidade futura. Quando suspensos,
t~m direito is homenagens das iaõs novas. Uma pessoa nesta
condição pode adquirir prestíric' e até exercer uma (bem limi-
tada) autoridade no Terreiro. Os abiãs, pelo contrário, sno
tratados por todos com superioridade, e quase sempre se afeta
irnorá-los.
Entre os candidatos a opans e ekedes, talvez seja
licito discriminar os que chamaremos 'efetivos' dos 'nominais '.
, ... ,
Em prIncIpIo, as pessoas apon t a.ias
1
para os olii t os pos t os. e
principalmente as já suspensas não podem esquivar-se à "feit~
ra'": no entanto, como no Terreiro do qual tratamos inexiste a
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

44

oloiê, 4 alcuns In dzyxwvutsrqponmlkjihgfe


v Iduo s que se ligam por pr2.
instituição doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
í

funda simpatia ã comunidade, e todavia não pretendem estabele


cer um compromisso mais decisivo com a mesma. ou com os inqu!
ces. deixam-se ficar na situação de 'iniciandos'.
Para que o ogan ou ekede assuma de pleno o exercI -
cio de seu papel litúrf'ico. não lhe basta, entre os Congo-Ag
gola, ser "suspenso". num rito celebrado durante uma cerimô -
nia pública na qual o indivíduo eleito dança conduzido por um
santo e ~ depois erguido do solo e levado em procissão por ti
tulares iniciados do mesmo posto ao Quarto onde se acham os
peji dos orixás; posto "isso, deve ainda confirmar-se, o que
considera também uma "feitura" e compreende o enclausuramento
no ru.ncó por um tempo mínimo d.equinze dias. Quem passa por
esta experiência é considerado "feito", 1!pessoa de santo fei
to". Consolida assim uma dupla vinculaçio com os inquices, ou
seja, com o próprio "Anjo da Guarda" e o santo que oCa) esco-
lheu como "Pai" ("Nãe Compromete-se, ainda. de forma espe-
tl
).

cial a zelar pela iaô ou cota que encarna o deus de quemzyxwvutsrq


Tece
beu tai" distinção. Ogans e ekedes se definem como imunes ac
transe: nunca "recebem" as divindades e, como se diz "são fei
tos de olhos abertos",S ao contr5rio das ia6s.
Pa ra encarnar os Lnqu i ces , o sujeito tem de ser "ras
pado e pintado".6 A clausur~ iniciática tem neste caso a duTê.
çao mínima de um m~s. Ao fim do dito período, a pessoa torna-
-se muzenza, "ia~ ou vodunsi. Depois de um tri~nio. ou dois.is
i »:
vezes, cum rir i dos os ritos especiais da obr paçâo dos três e zyxwv
í

dos sete anos, passa-se a cota, ou ebami.


lIidade de santo". contada a partir da. "feltura",
A.
é um dos fatores principais na determinação dos graus hierár-
quicos. Os opans e ekedes. mesmo rec~m iniciados, têm um gra~
de ascendente sobre as muzenzas. mas tratam as cotas com defE
45

r~nCia, qu~se sempre e~ p~ de ipualdade; e se forem seuszyxwvutsrqponml


ju-
niores podem achar-se obripados areverenciâ-las,p~lo menoszyxwvutsrqponmlkji
em certas
. -.
Clrcunstanclas.
Entre os iniciados repartem-se certas atribuiç6es
que particularizam seus rap~is lit~rpicos e modificam seus
status. Um orran, embora "todos eles sejam preparados para tu-
do", como se diz no Tanurijunçara. pode tornar-se basicamente
alab~ (tocador ~e instrumentos saprados), axogun (sacrifica -
dor), ogan dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sala (responsável pela ordem no barracão, nas
cerirn~nias p~blicas), ou ogan de 10bito (zelador dos peji, o
mesrlO que "oEl'ande chave" sepun do -nosso s informantes; este po~
to parece corresponder ao de peji-gã. existente nos candom
blés nag~s). Já as ekedes têm sempre uma atividade menos cir-
cunscrita. Elas antes de mais nada cuidam dos santos,como VB!
daceiros acóli tos; podem também tocar os tabaques e diripir vjí
rios ritos; assumem nar~is de prande impcrtincia na iniciaçã~
Gozam de considerável prestrrio. Seu posto equivale ao dos
opans, em termos de dipnidade. As muzenzas chamam a estes de
"pai", ~ às ekedes de "mãe".

Escolhem-se entre as cotas a Mãe Pequena da Casa e


a Dogã, a "cozinheira dos deuses". Este ~ltimo carpo não foi
preenchic:o no Tanurijunçara; ocuoam -rio várias "fei tas", eke-
des e cotas, de forma eventual.
Tanto cotas como opans e ekedes -
"podem ter mao de
búzio", tornar-se "o Lh ado r-c s?"; trata-se, todavia, de um priv!.
lépio que poucos obtêm. O jOfo dos cauris só ~ ensinado a um
,"feito" depois de cumprida a ob r í gaçáo dos· sete ou, ern casos
excepcionais, a dos três anos.
Apenas U~3 pessoa raspad~ ~ode chepar a Tata ou Ma-
metu de Ln cu i c e •
46

Os "mais velhos" de todas as categorias referidaszyxwv


acima capacitam-se ainda para receber certos títulos ou graus
'episódicos', assumidos quando algu~m que vai iniciar-se como
ia6 os escolhe para seu Pai (ou Mie) Pequeno (a) • e um candida
toCa) a ogan ou ekede os elege "padrinho" ou "madrinha".7 -

No Tanurijunçara já saíram muitos "barcos"; há sem-


pre aí um certo movimento de iaôs. empenhadas em "cuidar dos
santos"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e t c , Zelam pelos assentamentos as pessoas raspadas que
têm como "dono da cabeça" um orixá feminino, pessoas estas
chamadas de iabãs; cuidam elas. melhor dizendo, só dos alta -
res dos Inquices, mas não tratam dos "escravos" dos grandes
deuses, ou seja, dos Exus.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON

Í\ grande maioria dos "fei tos", e a quase totalidade


dos raspados no Terreiro que estudamos e- de mulheres. 8 Ha- po~
cos opans e ekades confirmados, e alguns destes residem longe
do Il~ Ax&. Assim, em geral, nas festas, & preciso fazer ape-
lo a alabês de outras Casas. Todavia, muitas pessoas foram~-
pontadas'( e :/suspensas\\
nos últimos anos. Os f am i l i ares da Mãe
de San~o que moram com ela, ou nas proximidades, constituem,
naturalmente, o núcleo mais ativo do grupo de culto sob sua
direção. Quando se faz necessário, os membros de comunidades
"do mesmo axé" não hesitam em colaborar.

A Zeladora de Inquice, ou Mametu, a boa Condereni.


det&m o mais alto posto na hierarquia do Terreiro; & ela quem
dispensa o ax~ ar acumulado. Sua figura centraliza toda a vi-
da ritual do povo do Tanurijunçara. Tata Uevi te~ direito a
honras especiais por ser ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
aenior da Casa, e graças ao conhe-
cimento superior que possui dos mistérios da "seita". Desemp~
nha com regularidade maior as funções de "olhador", mas exer-
ce mui tas outras - tendo Ogum como "dono de cabeça", está au-
torizado, inclusive, a sacrificar. ~ claro que participa de
47 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

maneira profunda da tomada de decisões em todos os assuntos


de interesse do Terreiro.

Ntotila (1978), em suas pesquisas. conforme teve a


gentileza de informar-nos, relacionou "mais de setenta deuses
repartidos eM dezessete categorias principais segundo a mora-
dia, a função e a idade", ao proceder a um "rápido histórico"
das nações Congo e Anrola "desde·a África até ao Brasil." No
mesmo trabalho, considera também, mas ã parte, os Caboclos. A
estes, deixaremos de lado em nossa breve notícia sobre o pan-
teon do Tanurijunçara; aqui tampouco tentaremos discriminar
todas aS "qualid:ides" de inquices reunidas em "famílias" def.!.
nidas com o rótulo de um teônimo 'genérico'; ou a conta exata
das epicleses de cada num e principal. Justificamo-nos com o
caráter circunscrito de nosso estudo; lembremos, a propósito,
e antes de mais anda, que mesmo quem "recebe" um Caboclo, e
ainda otltro deus associado ou "dono da cabeça", "só tem um
erê". -'ercebido como "representante" deste último.

As correspondências entre os orixãs (nagôs), voduns


(gêges) e inquices (Angola) acham-se com fir~eza estabeleci-zyxwvutsrqp
\
das pelos fiéis. Exceto durante os ofícios religiosos, nos Te!
reiros "bantus" empregam-se com maior freqUência, por sinal,
oS teônimos iorubas que os quimbundos.A assimilação tem por
certo uma longa história, que ainda não foi estudada. Não va-
mos aqul tratar do assunto, pois foge a nosso tema, e sequer
dispomos das meios para isso. Transcenderia também os limites
desta dissertação uma abordagem do sincretismo entre tais di-
vindades africanas e santos católicos - um problema muito com
plexo, e impossível de reduzir-se aos termas em que tem sido
colocado.
48 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

Em primeiro lupar, nao se trata de algo 'ex6tico' ou


ins6lito; fen6meno muito semelhante ocorreu nas origens da re
ligi~o cristã. Por outro lado, ~ ineg~vel o canato sistemáti-
co que preside ao traçar-se dessas analogias. Um estudo da lô
p:ica do tal sistema parece-nos necessário para a cornpreensao
do fato.
Postula-se nos Candomblés Angola a existência de
urna divindade principal, transcendente ao universo, não cul -
tuada de forma direta nos Terreiros, embora seu nome seja
invocado e conste de muitas preces: lambi, ou Zambianpungu aí
se chama, como Olorun entre os seguidores do rito Nag~. (Con-
sideram-se sinônimos os termos ZâmbizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
Olorun e Deus). Os in-
g

quices ficam a suas ordens, e de certa forma o representam. O


maior deste é lembã, lenbã de Lê ou Lembarenganga, assimilado
a Oxalã e ao Senhor do Bonfim. Em sua forma júnior, Lembã ~
invocado com um nome. Ganga Zumba que facilnente se reporta
g

ao de lambi (!\lgana significa "Senhor"). 9 ,\ distinção referida


corresponde à feita pelos ke t u , p.ex., entre Oxalufã e oxaguiã.
Dá-se este inquice como o Criador do nun do , "o pai de todos",
ligado às águas doces.
Reina sobre os mares Caiã ou Caiala (Iemanjã. Nossa
Senhora da Conceição), considerada esposa de Lembã. Seu pres-
típ:io é imenso; fala-se que ela "é a dona de tudo no Candom -
blé". Constitui um verdadeiro prot6tipo
dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
Magna Mater. Dis-
t i.n guern-se à "velha" e a "moça" com epicleses nagos: I\sobã e

Oguntê.
A mesma classificação "por idade" se aplica ainda
no caso de uma deusa representada sempre como velhíssima, a
"avó do mundo", e relacionada também com o mistério da Cria-
çao, a dona dos pântanos e lapas: nametu lumbã (o primeiro de~
variante
ses nomes significa ItHãelf, o segundo constitui uma
49 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

da forma Zambi), ou Mametu Rodias equiparada a Nanâ e ~ Senha


ra Santana. Seu primo?~nito se denomina Nsumbo ou Sumbo Magu~
(então é "O Velho") e ainda ,'\junsum("O Moço"); à mesma enti-
dade - o "Médico dos Pobres", que manda as doenças e tem o p~
der de curá-Ias, muito ligado ao do~ínio ctônico, segundo mo~
tra seu título de Ntoto J\sabã, traduzido pela gente da "sei-
ta" por "dono da terra" - aplicam-se ainda os designativos.de
Canjanja e CafunJu~s entre outros; corresponde a Omolu~ ou
Obaluai~, bem co~o a São Lázaro e São Roque. Considera-se ir-
mão de Nsumbo o deus Angor6s hermafrodita, senhor do arco-
-íris e das serpentes (Oxumarê. para os nagôs, Bessêm para os
geges, assimilado a são Bartalomeu).
Dandãs Dandalunda , Silobi são nomes de uma bela deu-
sa, muito feminina e graciosa, senhora das fonte e do amor
(Oxum, Nossa Senhora das Cand ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
í as) , Qui ssanga "é o mesmo que
cbã em nação de ketu", se gurido nos disseram; chama-se assi.m,
portanto. a esposa mais antiga de Xangô (para os anrola Zaze t

ou Taria Zaza) - aquela que, enganada por Oxum. sua rival, pe~
deu uma:orelha. Outra das mulheres do "dono do fogo e dos as-
tros" (que na forma de "velho" é Kibuco , e na de "moço" Luan-
90 Cafirungo sincretizado com São Jerônimo e sio.João Batis-
i

ta) ê a "rainha dos raios", 8amburucema (Iansã, Santa Bárba-


ra) também conhec ida como ria tamba de Caeu ruca i "por que go-
I

verna os mortos". Quissanga é a.ss i.mi Lada a Santa Joana d Arc ,


v t

Corresponde a Ogum, o deus dos metais e da guerra


dos iorubas, senhor também dos caminhos, muito ligado a Exu,
O inquice Roxo Mucongo, ou Mucdmbi. Para a gente que segue o
rito Angola, as matas se acham também sob seu domínio, que
ainda alcança as profundezas da terra (por isso ele sabe en-
frentar os eguns, os defuntos). Identifica~-nc com Santo Antô
aio. A forma Roxo Mucongo parece derivar de um epíteto, Nkos-

li

.~
50

szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
i (variante de Nk i ss , deus. em quzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
í.m bund o) , Hunue ("chefe")
Congo.
~ grande a "família" do divino caçador mais conheci
do pelo nome ioruba Oxoss; (ou odê, são Jorge); ao descrevê-
-Ia, citam-se no Tanurijunçarà "em língua da nação" os teôni-
mo s Ta u a mi n , Ma talum b ô , . Ca mb a r a n 9 u a n j e. Mu t a c a 10m b o e Go n 9 o m
bira,este último "um menino que gosta dos rios, um Oxossi de
-
afTuadoce, filho de Oxum".
Catendê (Ossanha, São Benedito) é "o dono das fo-
lhas", sem o qual "nada se faz no Candomblé".
Considera-se ~s vezes Tempo de ~banganga, o senhor
da gameleira (Iroko, são Lourcnço), que domina os caminhos e
"só pode ficar ao ar livre", um tipo muito especial de Omolu.
Como Nsumbo, tem a epiclese de Caviungo.
No Terreiro por nós estudado, conhece-se os Ibej1
apenas por seu nome ioruba. Adiante trataremos melhor destes
Mabaços, sincretizados com são Cosme e são Damião. Em nosso
campo ~e estudo não obtivemos notícia do nome Vunji, dado a
tais divindades, segundo Binon Cossard (1970:25), na Roça da
Goméia.
Tateto Muilo e Nkô Diamambo correspondem ao Sole~
Lua, conforme nos di sseram no Tanuri j unçara. são apenas Lnvo-
cados em certas preces.
Na mesma Casa, chama-se de Cacurucai (eguns) aos an
tepassados, e Vumbe aos Hespíritos dos mortos à toa". Apenas
os primeiros recebem culto, ã parte e em circunstâncias espe-
ciais, envoltas em segredo.
O nome genérico de Exu aplica-se aí a numerosas en-
tidades, tanto masculinas como femininas; Bombonjira, Mavila
e !"1ariaPad t lhe , por exemp lo , "são fêmeas", e "machos" t e tr-o-
51zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ca ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[javar.1bo, l.e nqu e t ó , Aluvaiã. Arranca Toco etc ,

O estatuto de Exu ª
ambíguo; fala-se nele muitas ve
zeS, no Terreiro de que tratamos, como "o capeta"; mas ao mes
mo tempo se protesta contra o hábito de equipará-Io ao demô -
nio. "Esse povo precisa ter mais respeito com Exu. por que
pot qualquer coisa", OUV1-
ele também é santo, e não se trocazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
mos comentar uma das pessoas mais velhas da grande nação. Ca-
da Inquice possui um "escravo" desta casta; não pode mesmo d i s
pensá-Ia. Tem a referida entidade (ou grupo de entidades) uma
importância extraordinária para o Povo da Seita, que celebra
em sua homenagem os "ri tos pr i or tários", (como diz Elbein dos
í.

Santos), e lhe dedica as primícias de todas as oferendas.


r
I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

S2

NOTAS AO CAP!TULO 111 (PARTE 1)

1. o termo ewe vodun e o nagô orixã são mais usados coloquial


mente nas comunidades Congo e Angola do que os correspon -
dentes inquice e bacuro - estes emprepados apenas, em re-
ral, em circunstâncias rituais.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
2. Veja-se a respeito a análise realizada por Elbein dos San-
tos (1976, c ap . 111) do conceito de axe. -
. .•.
3. Herskovi1:s, 1952:99. Ja criticava o ponto de vista larga -
mente difundido de que "a mitologia e a organização social
dos povos bantos, sendo 'mais fracas'. 'menos elaboradas'
e 'menos adiantadas' do que as dos sudane ses , suas t rad i.>
ções cederam em face dos modos de vida e crenças destes úl
timos, mais estreitamente unificados e de melhor funciona-
mento." Com efeito, só pode sustentar a opinião que Hers -
kovits critica quem dos bantos não conhece senão o nome.
4. Um oi~ ~ um título honorífico concedido nos Terreiros na-
~os, e que não implica na assunção de um papel litúrgico.
de (~omrromissos rituais. Ver a respeito Costa Lima, 1977:
100-101. Chama-se oloiê o portador de um oiê.

S. A expressão "feitos de olhos abertos" alude ao fato de que


os opans e ekedes permanece~ conscientes durante todo o p~
ríodo inici;tico, enquanto' as ia6s, no dito perrodo, ficam
por longo tempo fora de si.
6. Pintura corporal e epilação constituem dois procedimentos
básicos na "feitura" de uma pessoa destinada a encarnar as
divindades.
7. Estes "Pai Pequeno", "Mãe Pequena", "Padrinho" e "Madri
nha" , correspondcm aos ajibonã dos Candomblés Napôs. Ver a
propósito Costa Lima, 1977:85 sq.

L
S3

8. No Tanurijunçara foram "ras?ndas" apenas três pessoas dozyxwvutsrq


-
sexo masculino; rlostas, dU3S nasceram no runco.zyxwvutsrqponmlkjihgfed

I 9. Binon Cossard (1970:12-26), recorrendo a v~rios estudiosos


I
~c
da relipião dos ambundos, conseruiu identificar algumas
das divind~des africanas que recebem culto n~s Casas de Tn
quices. Para um maior esclarecimento deste ponto, deve ain
da apuarnar-se, todavia, a ~ublicação dos estudos do cole-
ga Ntoti1a.
~.

I
I
~

II
SEGUNDA
PARTE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o PROBLEMA DOS ERbSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW

I
I,
55 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

Procuramos nesta parte da nossa dissertação introd~


zir o tema, considerando alguns dados preliminares e fornecen
do subsídios iniciais para a melhor inteligência dos ritos e
mitos, conceitos e crenças relacionados com oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
eris; aqui di~
cutimos, também. o status quaestionum, percorrendo o acervo
da etnografia "afro-brasileira" e examinando não apenas os r~
gistros feitos de dados pertinentes ao t6pico de noSSo inte -
reSSe como ainda os ensaios anteriores de explanação do mesmo
assunto. Muitos pontos que nesta altura aparecem apenas esbo-
çados serão objeto de análise nas Partes 111 e IV. Por enquan
to, contentamo-nos em preparar o terreno. O primeiro capítulo
da série ora iniciada encerra uma tentativa de situar o ere
no contexto das representaç6es da experiência do êxtase em vi
gor no Candomblé, e de esclarecer as maneiras como se definem
os vínculos entre a divindade e a 1 cabeça devota ';no segundo,
ponderamos a associação entre a figura dos Ibeji e a que é f~
eo de nosSo estudo; procedemos,no seguinte, à comparação entre
idéias e práticas rituais relativas aos deuses infantis nos
xultbild~rn de seitas afro-brasileiras diversas; passamos daí
(eap. 4) ã discussão de teses e testemunhas existentes sobre
as crianças do Candomblé na obra de especialistas neste culto;
ensaiamos depois um rápido bosquejo da imagem mítica dos "me-
ninas-deuses"; tentamos comp lezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
t â-To no final, onde ainda re-
tornamoS de outro modo à problemática abordada no primeiro ca
pítulo.
CAPrTULO I

AS CABEÇAS DEVOTAS
57

Conforme se sabe, o Candomblé é um culto iniciáticozyxwvut


e de possessão. O rito de passagem que assinala o ingresso no
se~ gr~mio místico chama-s~ feitura de santo (ou simplesmente
feitura). Mas das pessoas que faZem santo nem todas são, ouzyxwv
.,
deste modo se tornam, aptas a encQrnar 0 5 deuses: os ogans e
as ekedes, segundo vimos, permanecem a vida inteira infensos
ao transe - e nunca "recebem", como se diz, as divindades. 1s
to é privilégio dos omon orixã ou vodun szyxwvutsrqponmlkjih
i , Le. dos que "fo-
t

ram raspados" (submeteram-se ao rito da depilação, preparando


suas cabeças para receber os divinos). As expressões filho de
santo e filha de santo empregam-se também para designar esta
categoria de iniciados; corno mesmo sentido usa-se ainda o
termo e í inclusive nos terreiros "Angola" e "Congo". embora
ô •

na língua ritual destas "nações" exista o equivalente muzenza.


Ai, todavia, ilguns reservam oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
nomes de iaô e muzenza aos in
divíduos da dita classe do sexo feminino, e usam vodunsi ~u
omon orixã, menos comum) como um termo mais abrangente para
denotar homens e mulheres "raspados no candomblé".l Por outra
parte, embora se diga que os ogans e ekedes "fazem santo", o
nome d~ feitos se reserva, quase sempre, aos vodunsi.
o "feito" ou "feita" no Candomblé encarna
apenas
aqueles deuses aos quais se considera ligado de forma íntima,
e 'por natureza' - não está disponível para servir à manifes-
tação de qualquer entidade "do além", corno, em princípio. o
médium espírita ou umbandista r cr. Camargo. 1961). Basicamen-
te (e, ~a maioria das vezes de forma exclusiva) é o filho de
santo possuído pelo orixá que tem como seu "dono de cabeça".
Em alguns casos, sete anos depois da iniciação (quando já se
tornou ebami) um vodunsi pode passar a "receber" também seu
2
adjUntõ - e ainda. se tiver este "acompanhamento", seu Cabo-
c1 o.
58 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

.O adjuntózyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
f ';: a ao lado da pe ssca "desde o berço" ,
mas ocupa uma posição secundáriá em sua custódia; via de re -
gra, nao faz grandes exigências'ao protegido, nem é objeto de
atenções muito especiais. Certos indivíduos ttim mais de um ad
juntô, maS são algo raros os que podem encarnar até três ori-
~
xas.
Ji os vínculos que ligam uma pessoa ao respectivo
"dono da cabeça" estimam-se muito mais sérios e profundos: é
este que pode obrigá-Ia a i~iciar-se (ou, conforme também se
diz, de um modo muito expressivo, "fazer a cabeça") e tem' o
direito de exigir-lhe uma plena devoção.3
Na comunidade por nós estudada cultuam-se os Cabo~
elos, e há vodunsi que os encarnam. Isto sucede, porém,zyxwvutsrqpo
no má
ximo uma vez por ano: o culto que se presta a estes deuses
"nacionais" é bem menos consider-lve1 que o rendido aos "afri-
canos". "Obrigação de fato se tem é com os orixás" disseram
-nos muitas vezes os grandes do Tanurijunçara.
De qualquer forma, mesmo as pessoas que além do "do
no da cabe a" não "recebem" nem adjuntó nem Caboclo nãozyxwvutsrqpo
ç são
possuiJas apena8 por um ser divino: todo santo faz-se com fre
qUência acompanhar por um eri ou criança que o sucede no cor·
po do vodunsi por um período mais ou menos longo de tempo, COn
forme o exija a l'iturgia. O'erê comporta-se de modo infantil,
e sua figura contrasta muito com a do santo hierático e sole-
ne. Al guns ve stud í.o aos (cf.;p.e./'Verger, 1954 e 1955b) falam
das manifestações dos eres em termos de transe; mas os adep-
tos das "seitas" afro-baianas muitas vezes desc.revem este su·
cesso como p08sess~o: para eles os er~s sio ~ntidades que Se
eric arnam , de certa forma distintas 'dos seus "antecessores" no
arrebato.
59 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

Ademais,. o "povo dos Congo e Angola" por um lado as


socia de forma íntima estas crianças com os santos que as pr~
cedem, e por outro as aproxima - segundo às vezeS se afigura,
ao ponto, quase. da identificação - de certos orixás muito
particelares a que chamam. Ibeji - deuses cujas imagens se
acham bem destacadas no seu panteon.

Entrama-se aqui um grande número de questões que im-


porta discutir para o esclarecimento da liturgia doszyxwvutsrqponmlkji
Erês.

Tomamos como nosso ponto de partida uma distinção


de capital importância que fazem explicitamente os membros
do Candomblé entre dois termos - orixa (ou vodun no "Angola 11

;nquice) e santo ~ empregados de hábito, fora dos Terreiros


como sinônimos. a "gente da seita" em con -
~ certo que mesmozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
versas corriqueiras os utiliza assim; todavia, em outros con-
textos, e quando interrogados de forma precisa sobre o senti-
do desses vocábulos, assinalam entre seus designata uma consi
deravel ~iferença.
A rigor, a palavra orixá indica para eles uma divi~
dade em sua feição mais transcendente, enquanto "invisível' ou
não 'fixada' - atravé~' do rito adequado - ~uma cabeça devota.
A presença de um tal ser junto· a um homem antecede a assunçã~
por parte deste, de qualquer iniciativa religiosa, e não há
criatura humana que não se ache sob semelhante cust6dia, ou
que não tenha um "anj oda guarda", c:omo também se diz, (cf .
Carneiro, 1937) ; mas um voduri pode jamais ligar-se desta ma-
neira a uma pessoa ... ~ ocaso, p.e., de Banyani, adorada pe-
loS "Ketu", que nunca desce "à terra" (cf.' Guimarães Maga-
lhães, 1973); de ZacaÍ e Umpanzo, "asseritados" em árvores sa-
gradas no Tumbajunçara (vid~ Carneiro, op. cit.); de OrixáOk6
60

c Tatetu Muilu (cf. Valente, 1964 e B. Cossard, 1970) etc.


Já, por outra partezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
sózyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
t quem se iniaiou tem santo;
e se várias pessoas podem pertencer a um mesmo orixá, mesmo
assim os santos delas ser~o diferentes ao vir i luz da camari
nha - t âo distintos quanto as cabeças consagradas dos "Eí Ihos",
o profano tampouco tem erê; e não se concebe que dois eres
possam ser iguais.
Assim, se perguntarmos a uma pessoa "feita" quem e
seu orixá, ou quem é seu santo, ela acatará a questão sob
qualquer das duas formas, e, aom freqaê~aias nos dará em am-
bos os casos a mesma resposta - "0molu", ou "Oxum", v.g.,
tal qual faria um crente não iniciado. Todavia, um bom conhe-
cedor do Candomblé s5 contestará de modo afirmativo i pergun-
ta "Você tem santo?" se tiver passado pela iniciação.A quem a
isto responde negativamente, é escusado indagar se tem crê.
o erê é definido, em princípio, como uma entidade
independente, mas vários fatores o assimilam ao santo "nasci-
do" (feito) durante o initium, em conseqUência do enlace mís-
tico entJ:"eo orixá e sua iaô (ao pé da letra "esposa,,).4 A
irredutível individualidade desta assinala de um modo notável
santo e erê; mas a ambos se atribui, por outra parte, o mesmo
sexo e o mesmo caráter divino do or xâ , OzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
í rê , já -re m o s, a mo
e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY

do que representa o santo em sua divina'infincia'.

o fen0meno misterioso do enlace entre a iaô (ou mu-


zenza) e o orixá pode ter outro enunciado mítico que equivale
ao referido: quando aquela. momentos antes do ingresso no
claustro, cai em transe cataléptico. a expressão ioruba empr~
gada para significá-lo descreve-a como uma pessoa "morta pelo
deus" (cf. Verger, 1957). A candidata, que se transporta como
61

nasce de novo no mistério;S por isso


num enterro até o runkó,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a iniciada chama-se também "feita".
A correspondência simbólica (morte = conúbio) que
postulamos não carece de demonstração. Neste e em similares
contextos religiosos afirma-se de modo inequívoco. Poderíamos
ilustrá-Ia mencionando outros cultos de igual natureza em vá-
rios quadrantes do ecúmeno, ou evocando o paralelismo entre
os "ritos de passagem" celebrados por ocasião de bodas e óbi-
tos em diversos lugares do mundo (cf. V. Gennep, 1978) e,
ainda. os mitos em que a descida aos infernos (a morte) de um
personagemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é descrita como um rapto, seguido de violação (o
de Nergal e Ereshkigal na Babilônia e o de Kóre na Grécia An-
tiga são exemplares; no artigo "Katábasis" da RE, Ganschnietz
(1933) menciona dezenas de sacras legendas deste teor onde a
mesma idéia se acha afirmada). O clamor poético de Antígone -
"ó túmu10, ó alcova nupcial,,6 - é lugar comum em certos domí-
nios religiosos.
Cârig i.ndo+no s ao universo do Candomblé, nao temos di
ticuldade em constatar a vigência da correlação acima referi-
da. Se, por um lado, iaô significa "esposa", e na última saí-
da da noviça, no "dia do nome", quando se conclui a iniciação
propriamente dita e a "filha de santo" deixa o claustro já c2.
mo "feita" f es t a no abaçá lhe atiram punha
os assistentes à zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
dos de arroz Cà semelhança do que se faz em homenagem aos re-
cém-casados), por outro vários elementos de um simbolismo fu-
néreo se podem destacar no mesmo contexto.
Já mencionamos o fato de que o transe cataléptico
da iriiciandase descreve na líng~a ritual como morte;'acres -
centemos que logo depois de ter "bolado" a neófi ta é coberta
por um ~li e carregada assim para o runkó. O v~lor simbólico
do pálio branco de Oxala pode depreender-se destas considera-
62 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

çoes de Elbefn dos Santos (1976: 75-76):


"Os vivos e os mortos. os dois planos da existência,
sao controlados pelo ã~e de Or'~ãnlã. O ãlã, o grande pano
ê seu emblema. ~ embaixo do ãlã estendido que ele a-
branco,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
briga a vida ou a morte. (..•) Incorrer no desagrado ou na ir
ritação de um õrisã-funfun é fatal. Esta situação está asso-
ciada ao sentimento que aterroriza mais o Nãgô: a do aniquil~
mento total; a de ser completamente reabsorvido pela massa e
não renascer nunca mais. Funfun é utilizado aqui num duplo
sentido: o do branco, de tudo o que é branco - o ãlã, os obj~
tos e as substâncias de cor branca; e do incolor, a anti-subs
tância, o nada."
~ ainda digno de mencionar-se, quanto a iS50.0 gra~
de temor que os crês têm ao dito pálio (ou a qualquer pano aI
vo usado como substitutivo deste): de fato,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
sua simples oBte~
são basta para fazê-roa desaparecer, dando lugar ao santo.

Sobre o interdito de erguer do solo uma pessoa já


iniciada (carregá-la nos braços, por exemplo) este significa-
tivo comentário nos foi feito por um grande do Candomblé: "só
depois de morta a "feita" pode ser levantada outra vez acima
do chão". (A vez precedente a que aludia era a do ingresso no
Claustro).
~ notável o que diz ainda Elbein dos Santos a pro-
p6sito da epilação a que se submete a noviça na fase mais im-
portante da feitura (idem, opus cit., pp. 226-227):
" ... essa dramatização ritual estende-se de modo se
melhante a todas as cerim5nias no decorrer das quais se ela-
bora a destruição. a passagem da existência individual à exis
tência genérica. Compreendemos nessas cerimônias uma fase do
ciclo de iniciação durante a qual a noviça é despojada de to-
63

da sua individualidade a fim de se integrar na massa de ori-


gem, para renascer corno urna porçao - descendente dela. A ras-
pagem dos cabelos e a manipulação significatfva das cores f
símbolos fazem parte desta elaboração. (§) O despojamento de f
!

cabelo como símbolo da desintegração individual reproduz-se


quando morre azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a dôszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ii ( ... )"

Segundo nota Bastide (1958, p. 30), por outra parte,


"une personne qui a été possedée par un 'dieu sauvage' s'é-
craule finalement sur le sol et doit être transportée dans Ia
chambre ou le babalorixã 'tuera le dieu'. c'est à dire, fera
revenir Ia patiente à l'état normal. L'écroulement sur lc sol
correspond à Ia mort de l'ancienne personnalité et le rite de
'tuer le dieu' correspond à Ia resurréction, étant bien enten
du que l'être qui renait n'est plus Ia vieille personnalité,
mais un nouveau 'moi', désormais divinisé.,,7

Sabe-se também que antes do ingresso no claustro


",., o candidato se despoja de suas roupas, que não mais lhe
serão entregues, pois o ato simboliza o despojamento da pcrs~
ualidade profana ..." (Bastide, 1945b);8 assinala-se desta ma-
neira éizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
morte do "homem velho", se preferirmos a metáfora pa~
.
l1na (fc. 120m .'" : (;, Et· Lj: 2. 2.. )
I

Em verdade, como diz Verger (1954, p. 337), "une


initiation débute toupours par une mort et une réssurection
symbolique qui marque Ia rupture du novice avec son passé et
montre sa naissance à une vie nouvelle consacrée à Ia divini-
ti. Cette notion est mise en valeur par Ia perte l'ancien nam
et l'imposition, à Ia fin de l'initation, d'un nouveau nom."
Com efeito, segundo veremos adiante, toda pessoa
iniciada no Candomblé recebe um nome .novo, pelo qual é desig-
nada na comunidade de culto."
64

Na úl timazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
f : ~~ do ciclo LnzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
í.cít í.co , depois de rela-
à

xada, at~ certo ponto, a clausura 4a ia6, quando ela não se


acha mais confinada ao runk6, e antes que Su lhe franqueie a
ultrapassagem dos limit~s do Ilê Orixá. em seu retorno ao mu~
do comum, cumpre a mesma um rito notável, em que miillao exer-
cício de uma s~rie de atividades cotidianas:
-'.
de forma simb6li -
ca. varre, lava roupas, manipula dinheiro etc. Isto se expli-
ca, em grande medida, pela ,necessidade de evitar o choque ne-
fasto de uma brusca passage~.do sagrado ao profano; mas tam-
bém tem o sentido de ã muzenza inaugurar-lhe a "vida nova"
(cf. Verger, 19S5b; Trindade:Serra. 1976).
Feitas estas considerações, não resulta descabido
dizer que o eri represerita, inclusive, a 'infância da Ire -
l

nascida'. O tempo de iniciada de uma vodunsi - que, como ao


respectivo santo, através do critério da seniority, a situa
no quadro hierárquico do Candomblé - e a idadz que o seu ere
àeclara ...

A dupla aproximação que fizema~ (mostrando como po~


de identificar~se o ere com o santo e com a ia6) torna-se mais
clara num breve exame do processo de nominação litúrgica.
No âmbito da comunidade - e de forma obrigatória p~
10 menos em certas circunstâncias rituais - a ia6 é designada
por uma dijina extraída de epicle~es'de
,
seu orixá. Também a
partir daí se compõe o nome, ,qa me sma maneira exclusivo e in-
dividualizante. de seu santo ~ que apenas uma vez ele profere
de público, e depois disso é mantido secreto. Nomeiam-se os
erês por apelidos epitético-descritivos pelo seu teor relaci~
nados com características ou domínios do vodun em questão. A
dijina e o nome do santo se formulamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
na Z"Íngua rituaL; o ape-
65 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

ere-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
quase sp~pre em português.
lativo dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3

Os teônimos propri~mente ditos das principais divin


'dades negras da Bahia são bem conhecidos pelo menos nos "n.§:.
gô", i.e., os de éti~o ~o~uba -; não assim suas, invocações ,
que as situam, de certa forma, em diferentes contextos míti-
cos e litfirgicos. Muitos leigcissabem quem é Oxum,p.e., mas
nunca ouviram falar em M;uã (ú~um Miwa); tampouco são bem di-
o vulgados os títulos (Ojacutã ;--úbomin, Agodô. Afonjã: e t c) de
Xango, v, g., ma lg rado a popu Lar i.dade deste vodun entre os baia
noS.
A cada epiclese corresponde uma feição particular de
um deus: é como ~e distinguem. seg~ndo o povo o exprime, as
diversas "qual idades" de um me-smo o r i.xâ ; mas observa-se a ten
dência constante para converter estes 'caracteres' que assina
Iam as múltiplas epifanias de Um nume em membros distintos d3
uma dada "família" divina. Por O-:.ltro
lado, todavia, ocorre as
similarem-se deuses diferentes, cujas figuras se representam
como diversas "man i fe stações de um só. Ass Lm , p. e., os II filhos
de Ketu" dizem que Otin e Ibualama são duas "qualidades" de
Oxoss;, e que Onirê é um tipo de Ogum. Onirê é também por mui
toS considerado um orixâ distinto de Ogum, um filho deste~ e
nao falta quem define Otin e Ibualama como voduns "da família
de Oxossi". E comum falar-se em "dois Omolu", o velho e o mo- •••
ço, chamado este Obaluaiê; ora, a designação Obaluayie const~
tui na verdade .um.:
titulo ,traduz,íve~_;çol1!o "senhor, do mundo".
(Aliâs~ éa regra que para cada deus se distinga pelo menos
uma 'forma j .m o r e outra 'senior ') •
í I

Nos terreiros bantu, em circunstincias extra-ri-


tuais, os inquices sao habitualmente designados pelQs teôni-
mos ewe s e iorubas dos orixás (e voduns) a que se assimilam.
Aí uma muzenza com mais facilidade se diz filha de Bessem ou
66 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

-~ Os sanha que de Angc:~ ou Catend~, por exemplo. Nota-se me~


um certo cuidado em não divulgar os "nomes dos voduns con-
rcrme a 'nação". Em todo caso, í.ncl us ve nesses candomblés cos
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
í

agrupar os deuses em "fam~lias" - como a de Tauarnin,


t"-.!r1a-se
~ata1umbô, Mutaki-Mutakalômbo, la~baranguanje e Gongonbira,t~
dos eles equiparados, a Oxossi.
Quando se atribuem'os "nomes litúrgicos" ã iniciada
e aos seres divinos que a possuem, procura-se por em destaque
os traços distintivos que identificam melhor o "dono" da cabe
ça consagrada, especificando: a "forma" deste ou sua natureza
particular - e de modo, inclusive, azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
singularizá-Zoe

Do termo 'genérico' (designativo da "família" do


deus) aos 'específicos' (que assinalam a sua "quàlidade") pr~
gride-se numa escala crescente de restrição até o nome indivl
dualizador: o hieronímico do santo, a dijina da feita - aque-
le mais ou menos secreto, este mais ou menos público. As dif~
renças nos processos de derivação por meio de que um e outro
se formam parecem importantes, porém não cabe aqui considerá-
-Ias; de qualquer fuodo, a semelhança acusada é muito revelado
r a , aS8'1:moomo o fato de não se designarem oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
e l"ê s por verda-
deiros personativos, mas "adjetivamente",e (via de regr~ com
recurso ã língua portuguesa ("profana"), menos definitiva em
Suas "peeeoae "; a bem dizer,' não se destacam
tal contexto:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA por
aompleto das dos sant~s e das iaBa.

Deste mod.o, aos, erê's lh:e's-


'consignamos certa ambi-
gilidade - que mais adiante pretendemos fazer ressaltar com to
da clareza.
Agora cabe que exemplifiquemos um pouco o processe
referido. Uma feita de Roxo Mucongo (inquice identificado ae
Ogum dos "kêtu" e "ijexá" e, ao Gu dos "gêge"). cujo santo se
nomeou na festa do orunkõ como Tata Canjira Mucongo, toma a
67

dijina de Canj;rê; que se chamezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC


à sua criança Lutador se ex-
plica pelo fato de ser o orixá em questão um deus da guerra.
Uma feita de Lembarenganga (Oxalá) tem por dijina
Cassute; o significado desta epiclese do "Pai de todos os ori
xás" vem a ser "Chefe Supremo, Cabeça". O erê da filha de san
to que assim se identifica denomina-se Cajadinho ... O apelido
da divina criança refere-se evidentemente ao báculo (opaxor5)
insígnia do grande deus, indicativa de sua excelsa majestade.
Mimosa e Agua Viva são erês de Dandalunda (Oxum),
senhora das fontes e do amor; Soldadinho e Bronzeado de Roxozyxwvuts
Mucongo (Ogum), senhor da guerra e dos metais. E assim por
. 9
dlante ...

Outros dados cabe, nessa altura, trazer à baila.


O "de erê" e o "de santo" são estados entusiásticos
por que passa a ia6 nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
initium, e renovadamente, a partir daL
em determinadas circunstâncias litúrgicas, conforme temos di-
to em um estudo anterior (Trindade-Serra, 1976). Tamb;m assi-
nalamos'(ibidem) que a iniciação "comporta uma aprendizagem
(•..) em parte consciente, mas que em certa medida se efetua
em estado de in- ou semi-cons~iência: .• e f i gura , entre ou-
tras coisas, um processo (re)aeu Iturativo ,e de 'socialização'
do neófito (...) eintermos (.".) de seu ajuste a regras' que
definem o comportament6, padtoniia~ e estruturam as relações
interpessoais 'no'seio da comun dade " ; dita aprendizagem
í "se
completa pela imposição de uma disciplina que regulamenta o
próprio transe, e a cuja observância o santo mesmo (assim co-
SIlO o erê) é constrangido".

Mais adiante, na mesma obra, acrescentamos: "o ere


recém-nascido fica aos cuidados de uma "Mãe Criadeira" que o
68

'educa" - e, segundo nos foi dado inferir de certos testemu-


ntos, ensina-lhe, inclusive, coisas tão prim~rias como, por
exenplo,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
comer e faLar. A educação (que incumbe nãozyxwvutsrqponmlk
50 a pes-

scn aludida, mas a outras ainda, entre as quais, com destaque


~~ximo, a Mametu) pressup6e uma disciplina em certos aspetos
jastante rigorosa, e tanto mais quanto os educadores têm per-
:eita consciência de que lidam com forças extraordinárias, sel
vagens, desmedidas; uma de suas cautelas maiores com o -
pro-
7r10 santo consiste em evitar que este, ignorando as limita-
c6es fisic~s do corpo onde sedia, se arrebate demasiado e lhe
C:1use danos sirios ... tI

Explicamos em nota que a disciplina ~eferida visa


antes o controle que a repressao, pois "castrar a potência
selvagem do santo e do erê" seria destruir-lhe a força místi-
ca, anulando os esforços e a própria meta dos iniciadores.

Façamos por esclarecê-Ia melhor. De maneira simpli-


ficada, pode dizer-se que o processo 'educativo' levado a ca-
80 no initium visa o controle do santo e a instrução da iaô;
~as quanto ao erê~ os dois objetivos são colimados - e pode-
~os mes~o afirmar que no seu caso o trabalho ~ mais int~nso.

Em suma, os iniciadores têm, pois, grande autorida-


c.e sobre a "feita", exercem um controle discreto sobre o san-
to e muito acentuado sobre o erê - com quem, por outro lado,
~ostram-se autoritários, em certa "medida. Em menor grau, o
~esmo se aplica a todas as ekedes. (Quanto aos ogans e senio-;
res~ sua autoridade i mais relativa e s6 eventualmente lhes
compete o aludido controle).

A noviça deve, portanto, acatar os "mais velhos" e


rostrar-lhes o máximo respeito~ conforme a "idade de santo"
destes, terá de pedir-lhes a bênção, tanto quanto as ekedes,
ogans e outros titulares de postos equivalentes. Perante os
69zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba

,
de muito alta hierarquia, as vezes, e sempre em face de seus
principais iniciadores,ao encontrá-Ias pela primeira vez numa
dada'ocasiio, t~m de prostiar-s~ de forma a tocar o solo com
o corpo, em decúbito ventral;

O santo nas festas assim mesmo se prosterna diante


da Mametu (ou Tata) Nkiss, e reverencia d~ maneira p~ofunda
os demais 'mistagogos' e hierarcas de alta posiçio; deve ain-
da reverência a ogans, seniores - mas todos lhe reco
ekedes ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
nhecem poder e supremacia divinas, saúdam-no e tratam-no de
forma respeitosa (à iaô, em vez, quando ela os homenageia ra-
jada ao solo ou lhes pede a b~nção, seus superiores lhe retri
buem com um gesto breve e/ou uma fórmula ritual, afetando, in
clusive, urna certa indiferença).

O caso do erê é bem mais complexo. Seu caráter divi


no nunca se v~ contestado, mas ele se acha quase tão sujeito
i obedi~ncia quanto a iaô, pelo menos no que respeita aos ini
ciadores e às ekedes; em menor medida, cumpre-lhe acatar or-
dens de seniores e ogans etc. A todos pede a b~nção, emborazyxwvu
. - - 10 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nao faça o lk~ ou dobale.

Por outro lado, a Mãe (ou Pai) de Santo, a Mãe Pe-


quena, a "Criadeira" e outros "grandes", de forma um tanto
discreta, e ainda os ogans, as ekede~ e seniores em geral, e!
tes de maneira bastante acentuada, d50'~uitas vezes a criança
um tratamento jocoso e lhe atira~ chistes'que ela ~etribui de
forma vio Len ta : fustigando, i. e. , 'comcipoadas os provocado-
res, e dirigindo- I.h ee p o tm éi ae , (Outras 'pessoas menos gradas,
como os abiãs e, até, meros freqUentadcres habituais da Casa,
se associam aos referidos dignatários do Terreiro nesse desem
penha - e a tutti quanti, em tais circunstirtciai, chama 6 erê
Pai ou ~1ãe).
70 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

Se considerar~os a ~istincia que devem manter entre


si a noviça e seus superiores, eo ideal, assim delineado, de
uma atitudezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
circunspecta por parte dos Gl~imos, facezyxwvutsrqp
i postu-
ra humilde e submissa da primeira, poderemos, de forma um tan
to arbitrária - reportando-nos, i.e., à "personna" que compre
ende as "identidades" de iniciada e erê - ver aqui, na pass..§:
gem para manifestações jocosas por um lado, e agressivas, por
outro, nessa "segunda" etapa do confronto das duas partes, uma
autêntica "viragem", prefigurando um processo de rolezyxwvutsrqponmlkjihgfe
»evereal.;
mas convém lembrarmos que isto se dá no contexto de cerimô-
nias freqUentes e em circunstâncias "normais".ll

Além disso, haveria que levar em conta um terceiro


momento litúrgico, configurado quando a iaô "recebe o santo"
- momento em que as ati tudes das duas "classes" contrapostas
(no instante inicial se oporiam os "grandes" e as '!feitas" 'em
pessoa~) não diríamos que se invertem de todo, mas pelo menos
se alteram de modo significativo.

Chamamos de "viragens" aquelas mudanças em que cada


uma das seções implicadas (A e B) de atores, partícipes de um
mesmo 7 go desenvolvido em fases distintas. numa subsequente
I

adota. com respeito aos membros da classe oposta. um proceder


mais ou menos contririo ao assumido para com os sobreditos na
etapa anterior, sem contudo o assimilar ao pr~vio comportame~
to dos antagonistas (isto ê, sem que haja verdadeira permuta
de atitudes no decorrer de cada passo).

No caso, quando as "filhas" são possuídas pelas crl


an ç as , os "maiores" substituem a circunspecção habitual para
eles no trato com as iaôs pela atitude jocosa, inversa do. pr~
cedente; e as iniciadas abandonam (como erês) a postura sub -
missa, mudando-a para a agressiva; mas, repare-se, eles (os
'jogadores' dos dois l~dos) não trocam entre si os ~eus pa ..•
71zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

12-
péis (só quando isto ocorre falamos de rolezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
reversaZ): nem os
ogans, v:g., sao, no comum, agressivos com as feitas, nem es-
taS (corno feitas) os tratam nunca jocosamente. O processo de
'viragens' - mais tarde lhe vamos perquirir o sentido - deli
neia-se na passagem, em termos amplos, da "distância" para um
"contato informal". Assim se conotam~ de fato, câmbios (de p~
peis) notáveis: mas o referencial dos mesmoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
é já a ordem pr~zyxwvuts
que se vê invertida: n~s desempenhos discutidos,
fana zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J
os
"pais" de modo bastante pueril atanazam os "filhos", e sao
castigados porzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
estes ... etc.

Por tudo isso, parece-nos mais adequado considerar


antes a mediaç50 que o erê estabelece entre a ia5 e o respec-
tivo santo. e a tal luz proceder ã abordagem da liturgia das
crianças. Mais adiante trataremos melhor deste assunto.

Como os santos, pois, os erês ficam sob controle e


di8oipZinam-se~ mas como as iniciadas acham-se 2submetidos
autoridade e recebem instrução dos "maiores"; ã maneira des-
tas, eles trabalham - muitas tarefas lhes são consignadas,
v.g., no preparo das festividades - todavia brincam, também,
igual qJe os orixis encarnados; propiciam-nos os fiiis como
nos santos. mas eles devem a todos~ praticamente~ pedir a bên
çãoJ que nem as "fei tas". Tanto quanto estas, podem ser oae t i
gados (Silva, 1951) - mas, ao ~ontrârio das muzenzas, e da
mesma forma que os grandes deuses "fei tos", podem castigar.
Isso tudo aponta para sua ambigUidade essencial:
eles saO fortes (possuem extraordinária resistência física)
.as fracos (irritáveis, chor5es); poderosos e submis808~ per!::
0808 e dependente~ irasc-íveis e joviais, "dengosos" e agres-
:iVOSJ temiveis e intimidaveis, sublimes e ridiculos~ingênuos

• m aZJciosos,
v
ineptos para procriar (figuram-se
-
meninos) mas
dadores de fertilidade; combinam a clarividência (podem pre-
72

ver o futuro, etc.)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


e a ignorancia (at~ sua fala reduz-se,zyxwvu
::.Jase. a um tatibi t a t e , e a cada passo eles manifestam desco-
~tecer as coisas m~is elementares) - e assim por dinnte.

Segundo cremos, estas características relevam da P2


sição dúbia que ocupa a criança entre o nascido-imortal (o
s~~to) e a mortaL renascida (a iaô): com ambos se identifica,zyxwvut
e cs aproxima.

Cabe aqui acrescentarmos um dado: enquanto nas exê-


qu i as (sirrum, macondo) se encaminha o egu~n (espírito) da "fei.
ta" para o reino dos mortos. e se "despacha" ou liberta (dos
vinculos com a cabeça perecida) o imorredouro santo, nenhuma
?rcvidência se toma com respeito ao erê: de fato, seria impo~
sivel, nessa altura, situi-lo. Outro indício bem significati-
vo: i medida que a feita cresce em senioritY3 e erê vaira-
reando até cessar suas aparições. A rigor, ele nio morre nem
fica eterno: some.

No domínio do sagrado, a ambigUidade assinala as fi


~uras axiais. Posto isso, nio constitui exagero dizermos que
GS personagens divinos aqui estudados centralizam o mistério
::0 eane, mblê.
- :~ z

73

NOTASzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
l\.U CAP!TULO I (PARTE 11)

1. Cf.hic Parte I. cap.]IT:


2. Esta palavra, de que registramos as variantes jutó, adjun-
tô. deriva com toda probabilidade, do termo ewe djuto; pa-
rece-nos cabível ainda a hipótese de uma contaminação com
a forma portuBu0sazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
adjunto~ Cf. Herskovits, 1933. e Basti-
de, 1958.

3. - "fazem a cabeça", mns "asse~


Há os que nao se iniciam, nao
tam o santo", conforme Ja -
.
dissemos (cf. hic Parte I, capo
JIC) . A cerimônia nao tem caráter secreto; consiste na pr~
paração doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
secra do "dono da cabeça" do paciente (que pr,i
meiro deve dar um bori) e na consagração do assento assim
,ins t aLadc " através de sacri fícios. A pessoa que tem "sa~
to assentado" pode levar consigo a f errame n t a "preparada"
da sua divindade e prestar-lhe um culto doméstico. ou dei-
xá-Ia no Terreiro (o que quase sempre é preferido: as iaôs,
neste caso, se encarregam de fazer o osse para o devoto
que, todavia, fica obrigado a realizar oferendas periódi-
cas). A respeito do bari, v. Carneiro, 1961a; Bastid~ 1958;
Binon Cossare, 1970; Costa Lima, 1977 (p. 114, nota 81),
Verger, 1957 (pp. 80-95); Querino, 1938 (pp. 60-3). Sobre
o oss~~ cf. Guimarães Magalhães, 1973 (p. 31); Binon Cos -
sard, opus cit., pp. Z28-229; cf.hic Parte I, cap. 2. pp.
'l~~.
4. V. Force (19G2:14): "Iyawo (.••) wife of a member of one t s
idile, herself junior to oneself". Ve rger (1957:20) regis-
tra a forma iyawarisa. Cf. a respeito Costa Lima, opus ciL
supra, p. 71. Na comunidade de culto que estudamos ouvimos
algumas vezes dizer que uma. muzenza é "como uma noiva".Não
eram raros os comentários sobre o ciúme dos "santos machos',
74

em especial Ogun e Oxossi, com relação ~s suas ia6s. A prQ


p6sito, vale citar ainda um caso referido por Herskovitszyxwvu
(1952:159): "A n o t her instanc:e concerns a young p rzyxwvutsrqp
i est who
haú never been married because, as ~e said, his deity, a
goddess, was jealous of him. On one occasion. he contempl!
ted entering in a continuous but illicit relationship with
a daughter of ~ friend of his father, a girl who had been
protected against such adventures by her parents, whose
standarcs were of :the sanctioned European type. Shortly
baforo the two were to go off together, thc priest became
possessed by his patron goddess, and informed the gir1's
father fully as to their plans."
s. Usamos aqui a palavra "mistério" - e os derivados "místi -
co" e "misterioso" - no· seu sentido próprio, etimológico,
bem distinto do que se lhe atribui vulgarmente. "Mistério"
designa um tipo de culto inici~tico. que d~ lu~ar a uma e!
periência religiosa reputada inefável, e implica na obser-
v~ncia de um sigilo. Como Eudoro de Sousa (1973:171-73) e!
clarece muito bem, o significado do termo em causa não co ín
c í.r'«. de forma alguma com o de "enigma".
6. Soph. Ant. 891 sq.

7. CL a propô sit o Nina Rodr i gue s , 1900, p. 60: "Lo rsque con-
trairement i ce qui vient d'~tre d~crit. 13 manifestation
du saint est par trop forte, on employe un procedi qu'ils
appe11ent tuer le saint~ au moyen duquel l'intensité ~
l'excitation diminue." Também Brazil (1908:900) informa a
respe i to: "quarid Ia manifestation de l' Ori sã a eti t rop
forte, on doit 'tuer le saint'. c'est-à-dirc, suspendre
l'exitation.n
75

>. 199: " •..zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH


8. Cf. Brazi1, 1908,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ã Ia t.om bê e de Ia nuit, le
néophyte va prendre un bain mystique dans une riviere ou
dans une maison. Apr s quoi il change de vêtements en s i gne
é

de rénonciation ã Ia vie antérieure."

9. v . .i3astide,1973, 258-9: "Ter.1osaqui, novamente, uma sobre


vivência nítida da África. Toda iniciação termina pela po~
se de um outro nome, que é, na verdade, o verdadeiro nome,
o nome mágico, e deve permanecer em segredo. (.••). A 'mãe
-pequena', com efeito, é a ~nica a conhecer este nome; foi
Ifá quem lho revelou, nem o zelador nem a filha estão a
par dele, e quando o orixá faz esta ~ltima falar, ver-se-á
se ele concorda, por seu lado, com o que Ifâ revelou. Mas
qual é esse nome? Em que consiste? Até pouco tempo tudo
quanto se sabia era somente a que sento pertencia o inicia
do ou iniciada. Sabia-se, por exemplo, que era de Ogum,mas
de que Opum? Ou, mais exatamente,de que anjo da guarda li-
gado a esse Ogum? E de que nação moçambique ou nag6? Daí o
nome tríplice que têm todos os iniciados, como, por exem -
p Lo : Xan go Atara Mo zambi." O trecho ê confuso; Bastide ig-
no~~ a diferença entre dijina do santo e dijina da ia6;
por outro lado, em nenhur.1desses dois casos e necessário
um nome tríplice. Sobre o hieronímico dos feitos Elbein
dos Santos (opus cit .• p , 3?) dá a seguinte notícia: "Um
aspeto importante que define cada grupo de iniciados
é o
fato de trazer diante do nome de iniciação um nome genéri-
co comum a todos os que pertencem a um determinado ~rls~ .
Veremos assim que todas as sacerdotizas de Orisâl~, por
exemplo, trazem o nome de Iwin (Iwin-t51~9 Iwin-m~iw~~ 1-
win-solã Iwin-d~nsr
3 etc.); todas as de Obal~aiy~ trazem o
nome de Iji (Iji-lânâ, Iji-b~mi, Iji-dare etc.); as de Nâ-
n~9 o de Na (Na-d6g1Y~9 Ma-jide etc.); os de Sang5. o nome
de aba (Oba-têru. Oba-biyi. Oba-tosi etc.)." Na comunidade
76 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

e naçao que estudam~s nno se segue nisso uma regra tio es-
trita; todavia, observa-se a recorr~ncia ai,zyxwvutsrqponmlkjihgfed
da particula
ji ou je na composiç~o das dijinas de feitos de Omolu (Ma-
nhongueji, Jijau~ Kejetu etc.). v.g.; tais nomes, segundo
temos dito, em feral se derivam de epicleses da divindade
(ou das divindades. no caso dos .orans e ekedes. quando se
ceve fazer refer~ncia não apenas ao "dono da cabeça" da pe~
soa mas ainda ao o r í.xâ para o qual ela se confirmou) em cau

s a.
::.::..CLa respeito Costa Lima. opus c i t , , p. 151: "A autorida-
de da mãe sobre os filhos se revela por v~rias formas ex-
~'.ressi
v a s , todas influenciadas pelo principio de s en i.o r i da
ee. Por exemplo, os filhos devem levantar-se sempre quando
a mãe entra no recinto em que por acaso estejam; pede~ se~
pre, a bênção, cada manhã. à mãe, quando em residência pe!
manente ou tempor~ria. ou quando chegam ao Terreiro; na o-
casião das festas maiores, devem prostrar-se diante de sua
m~e-de-santo, no barracão, e fazem isto, uma a uma, obede-
cendo ~ ordem cronc16gica de iniciação. Esse gesto de sub-
ni~:ão e respeito obedece a uma norma especial de comporta
nen t o : os filhos que têm" santo homem". isto é, cuj a orixâ
é masculino, reverenciam a mãe com uma saudação chamada do
balé, quando se deitam de bruços, ao comprido. os braços
-
colados aos flancos. Os .que têm "santo mulher" usam a sau-
icá; isto é, prostram-se diante da mãee,
dação chemadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tados, viram sobre o braço direito, e depois sobre o braço
e s qu e rdo
"icá atum, icá 05si" - para depois pedirem
"bênção l1
à sua mãe."
77

11. Queremos dizer circunstâncias não extraordinárias, n~o re-


lacionadas com a ocorr~ncia de um evento considerado an3ma
10, ominoso, discrepante, cujo caráter nefasto se pretenda
assim esconjurar; aludimos ã tese de Rigby, 1972 (cf. hiczyxwvutsr
00f zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.m; Vo-Je JlI) .
I

l2.Esta expressão "inversão de papéis" é usada, a nosso ver,


para designar coisas um tanto diferentes; de forma sem dú-
vida arbitr~ria, mas com c prop6sito de alcançar maior cla
reza, restringimos um pouco o seu alcance.

I
I,
CAPiTULO 11 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

Os ERtS E O S M ABAÇO S
79 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

Segundo temos visto, os eres sao representados como


crianças divinas, e recebem culto. Classificam-se mesmo entre
os santos, de forma genérica; todavia, é sempre· ambígua a ma-
neira pela qual se definem, pois Se declaram, assim como as
filhos dos santos 'propriamente ditos'. ~ costume iden-
iaôS,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
xâ a que "pertencem": erê de Ogu~
tificá-Ios assinalando o orzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
í

eri de Omolu, eri de Xang6, etc. (De id~ntica forma, verifica


-se constante a referência a indivíduos iniciados como "um (a)
feito(a) de Ogum", "de Omolu" ou "de Xangô" etc .... )

Uma criança, além disso, quando fala no santo parti


cular de uma pessoa a quem possui chama-o de "pai" ou "mãe"
(u paai, a maai), conforme varias vezes pudemos testemunhar.

Evidentemente, quando se diz que os erês são santos,


quer-se com isto significar que eles têm uma natureza divina.
O termo de definição usa-se, no caso, em um sentido mais lato.
por outra parte, nas declarações feitas de motu proprio por
nossos informantes, eles nunca nos asseguraram que os eres·se
contam entre os orixas. A nossa pergunta - "Os er~s sao ori-
xás? - contestava-se, é certo, afirmativamente, mas com um im
pottantv adendo: "eles representam os Ibeji."

Ora, isto merece ser ponderado. Os informantes con-


sentiam, até certo ponto, no asserto implícito em nossa inda-
gação ("os erês são orixas")~ Mas, por notarem bem as possibi
lidades de que interprefâssem?s erradamente e~tas Suas pala-
vras·, acrescen tavam-l he o pr ec I o so informe: "os ere s repre8e?!. zyxwv
tam o s Ibej i".

Notou-se mais atras que embora se oponham de manei-


ra clara em certos contextos os termos orixá e santo, noutros
eles podem dar-se como sinônimos. Na fala de nossos interlocu
tores, a nossa pergunta era enunciavel ainda de outra maneir~
"OS eres são santos?"
80 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

Também neste caso. isto é, todas as vezes que assim


formulamos o quesito, a resposta sempre foi afirmativa; e em
algumas de tais ocasiões um oportuno esclaretimento nos foi
dado em seguida: "Os erês são santos, sim. Quem tem santo tem
erê." Quer dizer: as crianças pertencem ao mundo divino dos
orixis e santos; ocupam aí, todavia, um 'lugar' especial.
Quando pedíamos a pessoas do Candomblé que nos lis-
tassem os orzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
i xâ s por elas cul tuados, .sem falta os Ibeji eram
incluídos na relação; mas os ereszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
nunca. E nas respostas a no!
sas indagações a respeito da natureza ou identidade dos Ibeji,
jamais sucedeu que os interrogados os equiparassem de fato
ou de todo - aos eres. Em ocasião alguma nos foi declarado,
tampouco. que os Ibeji "pertencem"· ou podem "pertencer" a ou-
tro orixâ conforme se diz dos erês.
o significado mais amplo atribuído na língua ritual
dos candomblés Angola à palavra erê é "criança". Em certas
oportunidades ouvimos falar a membros da seita que os Ibeji zyxwvutsrq
er~s; mas isto evidentemente não equivale a dizer que os
B ~ O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

deuses gêmeos filhos de oiá (Bamburucema) são os mesmos "men,!


nos" Cé"l'!)azes de tomar a cabeça das iaôs. Aliás, em diversas
instâncias nos foi asseverado expressamente que "os Ibeji mes
mo nunca descem .• nunca se encarnam".

Sobre estes deuses colhémos informes muito interes-


santes. Na maioria das vezes eles nos foram descritos como
duas eternas crianças, dois orixis mabaços {gêmeos). filh~de
Iansã e Xang~, criados por Oxum. Todavia, quando perguntamos
por seus nomes individuais. citaram-nos com freqU~ncia três,
e não raro quatro onomásticos, distinguindo igual número de
personagens: Cosme e Damião mais Do~,ou Cosme, Camião, DoG el
Alabã. Em certos casos, a lista estendeu-se a sete, incluindo
l
Cr t sp t m , Crispiniano e Talabi. Referiram-se apenas estes núme
1lzy
zy

81

rOS (dois, três, quatro, sete); nunca se foi além.zyxwvutsrqponmlkjihg


Jamais ti-
vemoS noticia alguma de Ibeji do sexo feminino.

!
~
I
i
i

"Arthur Ramos dá Erêcomo ôrixá (.••) t mas ere -


e
r zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

82

penas um espírito inferior, um companheiro da filha-de-santo.


,u explico. Todas as pessoas que t~m santo t~m tamb~m um ere,
lue pode ser de Cosme, de Damião, de DoG ou de Alab5. Este .~
:re como que suaviza as obrigações da feita com relação a seu
)rixá.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
li

Arthur Ramos dá como fundamento de sua afirmativa


Jm informe colhido na Bahia, onde não se tem registrado ne-
nhum outro testemunho neste sentido. Em Recife, porém, Fernag
des (1937, pp. S9 e 62) constatou a exist~ncia do culto a Xe~
r~, orixá relacionado com Xang~; Bastide (1958, pp. 197-198 )
inclina-se a equiparar Xeri e Eri, embora acabe (ibidem) dan-
do razãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a Carneiro: " ..• et cependant, malgré tous ces té-
moignages, Edison Carneiro a bien raison. Eré n'est pas un
dieu. c'est un esprit inférieur. Ere n'est pas lié seulement
i Xang6, tout Orixi a son ere. 11 est vraisemblable malgré
tout que parmi ces divers ere ceIui de Xangô a occupé un mo-
ment une place spéciale (•..) mais aujourd'hui (...) il Y a
t an t d' e re qu 'i 1 Y a d 'O r i xã . "

Na comunidade do Tanurijunçara e nas que lhe sao li


gadas nqo se conhece nenhum orixá chamado Xerê ou Erê e mem-
bro "da família de Xangô"; o esposo de Oiá, nesta e nas casas
co-irmãs, ~, por~m, considerado o pai dos Ibeji. que são eres I
- ou, por outra,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
meninos - e figuram como um protótipo das dl
vindades infantis. (Há mais deuses no panteon do
que se representam como crianças: Logunedê, entre os "Nagô" e
Candomblé
I
1

Gongombira entre os "Angola", p.e. Mas os Ibeji são os únicos 1


que se figuram apenas assim. ou cuja "família" é integrada só
por "pequeninos".).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I
Nos Terreiros seguidores dos ritos "Congo e "Ango- ll

la", os mabaços acham-se, ademais, de um modo ou de outro in-


timamente associados às sagradas crianças que em seguida aos
83

santos tomam as ia5s. L;to mesmo assevera Bastide na obra ci-


193): " •.• cette 1iaison n'apparait que
tada mais acima (p.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
dans les candomblés bantous (••.) 11 semble ~ue Ies analogies
entre les jumeaux, qui sont des enfants, et les érê, qui sont
des esprits enfantins, aient ici jouê."
Em nosso campo de pesquisa, não se confirma, toda -
via. o asserto de Carneiro (cf. supra) segundo o qual um ere
pode ser lideCosme, de Damião, de Doú ou de Alabá". Tampouco
encontramos neste círculo os termos ibeji e erê empregados co
mo sinônimos - uso que notou Bastide (opus cit •• p. 199) numa
Casa bantu. Maior discordãncia ainda verificamos entre nossos
dados e o seguinte testemunho de Carneiro, constante de seu
estudo já mencionado (1937' , pp. 57-58):
"O ôrixá /Ibeji/ sempre se apresenta como menino
e os seus caval10s sao sempre em número par ..No canqQmblé da
Goméa pude notar a existência de perto de d5ze êrês de Ibêjí,
cada qual com um nome especial -, Sambangola~ pé de Pavão, B~
kê, Estrellinha, Cavunje, Chico-Chico, Deuanda, Bom ~ome,
Mbambi, Dourado, Cardeal (..•)"
Bastide (opus cit., p. 183, nota 25) assim o comen-zyxwvutsrq
i r o e bantous on tend -
ta: "Dans leszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
a les unir [refere-se,
t e r r e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
evidentemente aoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
erês e aos IbejL]: il y a une fête des ere,
mais des éré des ibeji; ce qui fait que chaque éré qui des-
cend "possede deux chevaux ã Ia fois". et non un seul. Ce p~-l~
nomene curieux a l'air d'être une création rêcente, il para:t
même l'oeuvre personelle du tr~s contesté babaZorixa João da
Goméa (voir E. Carneiro, Negros Ban t úe, p. 57-58)."
Em primeiro lugar, expliquemos que a expressão "ca-
valos de santo" - segundo notou Que r no (1938), e como Carne i.
í

ro (opUS cit., supra), mais tarde, veio a confirmar. emprega-


da em algumascomunidades religiosas afro-baianas (de nossa
84

pC7te, nunca a ouvimo~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


candombl~s nossos cnnhecidos)
~Q S

tem significado idêntico ao do termo vodunsi. Agora vamoszyxwvutsrq


- a

que s t ào ,

Não houve entre nossos informantes nenhum que admi-


tisse a possibilidade de um santo ou erê tomar a um tempo
duas iaôs~ pessoas por nós interrogadas a este respeito.e que
conheceram a "roça" onde Carneiro diz ter obtido o curioso in
forme, mostraram-se muito surpresas com o mesmo. Além disso,
no seu s~rio e promenorizado estudo sobre o Terreiro carioca
fundado e dirigido pelo "três contest~ babalorixã" João da G2.
mea. o qual a iniciou como vodunsi, a etnógrafa Gis~le Binon
Cossard (opus cit.) não diz uma só palavra sobre o notabilís-
simo fenômeno - embora fale aí dos eres.
Por outro lado, em todos os candomblés que freqUen-
tamos sempre ouvimos mencionar os Ibeji no plural; e embora
tal nome se aplique, às vezes, a um grupo de três ou sete di-
vindades, acusa-se na Bahia a tendência a conceber estes nu-
mes como constituindo um ou maiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
pare a de gêmeos. Apesar do
insepar~vel Dofi. Cosme e Damião aí s~o tamb~m chamados Dois
Do i s.- e, de igual forma, malgrado 'I'aLab i , a dita alcunha se
confere, às vezes, a Cri~pim e Crispiniano. Esta última cupl~
tanto quanto a formada, segundo alguns, por Doú e Alabâ, fig~
ra como que uma hip6stase da primeira. i.e., dos Ibeji 'pro-
priamente ditos'. Note-se ainda que quando se refere a "tría-
de"Cosme-Damião-Dou, o último da série em geral não ê contado
como irmão mas como companheiro dos precedentes. g também o
que muitas vezes ocorre no caso de Crispim-Crispiniano-Talabi.
Em todo caso, sempre foi rejeitada por aqueles que
consultamos a sugestão de que os mabaços poderiam dividir-se
para "descer" cada um num vodunBi.
85 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

A hipótese de que Carneiro tenha sido vítima de um


ma1entendido não pode descartar-se (mais lamentãvel ~ a faci-
lidade com que ele generaliza suaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
descobertas): um conhece-
dor do Candomblé, diante da sua lista de nomes de eres - rep~
re-Se que alguns são femininos - sente-se tentado a adivinhar
a que santos as crianças em questão se ligavam ... Com efeito,
Sambangola, v.g., firura entre os títulos de Dandalunda; Ca-
vunje deriva de Cavungo, ou Caviungo, epiclese de -empo (ou
de Omolu) ~ a alcunha Dourado presta-se muito bem a descrevera
riqueza de Zaze, o "dono do dinheiro", e Cardeal suas cores
prediletas ... Só atrapalha o exercício uma dúvida: não teria
Carneiro confundido e misturado as dijinas dos erês com as
. ~ ?
das ao s .
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
i

Sobre o culto popular prestado na Bahia, fora dos


Terreiros, aos santos Cosme e Damião, identificados neste co~
texto aos deuses gêmeos africanos, hi farta noticia: veja-se,
p.e., Nina Rodrigues, 1977 (pp. 229-230); Querino, opus cit.;
Carneiro, 1936 e 1961a; Ramos, 1940; Landes, 1967; Tavares,
1951; Bastide, 1952 e 1958; Pierson, 1~7l (p. 394); Trindade
Serra, opus ci t.
Buscaremos aqui, fundamentalmente, por em destaque~
num breve exame, as correspondências entre o referido culto e
OS ritos celebrados no Candomblé em que os Ibeji e/ou os eres
desempenham algum papel.
O 27 de setembro é o dia consagrado ao festejo dos
dois Íamosos mártires do cristianismo, canonizados pela Igre-
ja Cat61ica - os quais, na Bahia, mesmo pessoas não ligadas
às seitas "a f ro -b ras ile iras" cons ideram irmãos e até mab aç o e ,
Como ainda hoje sucede, já na época de Nina Rodrigues (cÍ. 12
cus ci t . supra) estes santos eram cu1 tuados por "famílias
86

brancas, de boa sociedade baiana"~zyxwvutsrqponmlkjihgfedc


i maneira dos aclaradores
dos orixás. inclusive "com sacrifícios alimentares". (Por ou-
tro lado, na própria África, negros católicos vieram a ident!
ficar os beatos romanos e os dioscuros da mítica ewe+ioruba ,
segundo o testemunho de um autor citado pelo pioneiro estudiozyxw
50 dos Candomb1~s).1

Algum tempo antes da data festiva, muitos devotos


de Dois-Dois saem i rua coletando esmolas para a missa e ~ C!
ruru em sua homenagem (cf. Dos Santos, 1976, pp. 30-32); com
este fim, levam de casa em casa as imagens dos "santinhos" em
salvas de prata, bandejas ou tabuleiros, onde se depositam as
espórtulas. Note-se que o costume da "Missa pedida" não se ex
plica pela simples falta de recursos dos 'mendicantes' para
pagar o ofício religioso e adquirir os itens necessários ao
banquete ritual: eles o descrevem como uma "obrigação", e nem
sempre são pessoas muito pobres as que assim rrocedem.
As famílias que têm gêmeos julgam-se obrigadas a fa
zer tais oferendas aos "meninos" sagrados anualmente; e quan-
do lhes nascem os seus mabaços, tratam logo de trocar imagens
cos menc1onados santos. "Trocar" é o termo que de hábito se
emprega para fazer referência i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
compra das estatuet~s de'Doi!
-Dois (v. dos Santos, opus cit.) - o que é bem significativo,
aliás. Segundo Carneiro (1936)' notou, os "sant i nho s" fazem
reaparecer objetos perdidos em troca de moedas de níquel ou
prata que lhes devem ser oferecidas tão logo ocorra o achamen
to. Lembra ainda Ramo~ (1940) que nas vésperas de uma festa
de Cosme e Damião os, amigos dos devotos costumam visitá-Ias
levando presentes; e que de moedas e bijuterias se adornam os
altares da dupla infantil celebrada nos santuários domésticos
'e nos Candomblés baianos.
87 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

A propósito G~SSO, e apoiando-se em Griaule (1948)


e Dieterlen (1951), Roger Bastide (1958, p. 181) chama a aten
ção para "la liaison entre le commerce dc s j u-
et le cultezyxwvutsrqponmlkjihgfedc
meaux" e recorda os costumes vigentes entre os ioruha e fon
(cf. Frobenius, 1949 e Herskovits, 1938), em meio aos quais
é de regra, quando ocorre um parto duplo, levar a mãe os ge-
meoS ao mercado, onde os vendedores lhe oferecem gêneros, ou
postar-se nas estradas com uma das crianças ao peito e outra
is costas, recebendo donativos dos passantes; lembra ainda a
tradição em vigor em Trinidad (v. Hersko;<f~'s e Herskowi ts ,
1947), onde amigos e conhecidos do casal a quem nascem gêmeos
devem ofertar aos pequeninos urna moeda de prata; e assinala,
com base nos testemunhos de Price-Mars (1945), Marcerin (194~
e Métraux (1954), usos similares observados no Haiti, onde
"... il semb1e (...) qu'on ait conservé plus fidelement les
rites africains relatifs aux jum~aux" (Bastide, opus cit., p.
182, nota 16).
Fundando-se nestes dados, e ponderando os informes t,

de Carneiro e Ramos (cf. supra), aventa o mesmo Bastide (ibi- 'I


dem) uma hipótese até certo ponto verossímil:

" ... il semble donc, sans que l'on puisse affirmer


en toute cértitude, que Ia venue de Jumeaux entrainait une
échange comercial qui a pris Ia forme, dans un nouveau pays,
sous Ia pression de Ia réligion dominante, d'un échange avec
Dieu (quête de monnaies et payement d'une messe)".

Devemos notar, por nossa parte. que os lbeji são.


-considerados pelos adeptos do Candomblé "muito interesseiros,
\',
, como todos os meninos"; e que de igual modo aí se caracteri -
zam oS erês. Estes. aliás,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
têm o hábito de pedir dinheiro; e
praticam mesmo uma forma de 'mendicância r-i t ua.l:": quando "to-
'mam a bênção" dos "mais velhos", as pessoas assim homenagea-
88

das acham-se muitas vezes no dever de retribuir-lhes com uma


quantia qualquer. Embora aceitem cédulas. os meninos-santos
mostram indisfarçivel prefer~ncia pelas moedas, que ocultam
no regaço e deliciam-se fazendo tilintaT.
Na festa da "quitanda das iaôs", as criançaszyxwvutsrqponmlkj
vendem
frutas aos presentes - que tentam Zográ-Ias de vários modos,
e sempre acabam as suas mercadorias. Em oca -
por roubar-lhes
siões diversas. por outro lado, não raro que os erês cometamzyxw
.•.
'
os. 2
t zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pequenoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J ur

Pode--se, pois, dizer que praticam (ritualmente) di-


versas fOT~as de comércio ... sobretudo formas negativas ou
abusivas (mendicincia. roubo).3

Voltando agora ao exame do culto 'doméstico' de Cos


me e Damião em Salvador e no Recôncavo baiano (i.e., ao culto
que aí lhes é prestado fOTa dos Candomblés), cumpre ainda co~
siderarmos o costume de oferecer aos divinos mabaços um caru-
ruo

Designa-se assim tanto a principal iguaria como o


próprio banquete em honra dos "santinhos", de que os convivas
privile~iados são as crianças da redondeza. Note-se que embo-
ra os adultos os acompanhem, naturalmente. ~ aos pequenos que
"-
se faz o convite. Eles dominam a festa - realizada sempre a
tarde - onde gozam de todas as atenções e regalias.
Nas instincias mais simples, depois de feita a6s
santos aoferenda de comida (em pequenos pratos que se depos!
tam diante de suas imagens num orat6rio ou numa mesinha enfei
tada), serve-se aos garotos humanos o mesmo alimento. Com fTe
-
qU~ncia. forma-~~ tamb~m neste caso uma roda de samba infan-
-
til. Só depois que os pequenos consomem o caruru e outras gu-
loseimas, brincam e foleam à vontade, os "mais velhos" rece -
bem sua paTte.
89

Numa forma m&is elaborada do ritual ora em pauta,


escolhe-se previamente sete garotos do sexo masculino, os
quais, vestidos de branco, ao som de certos sambas e de paI -
mas ritimadas, devem entrar em fila, dançando, na sala do ban
quete, e, depois de algumas evoluções, atirar-se a um tacho
----l

de caruru a eles destinado e colocado no solo. (O piso do ap~ I

sento onde se realiza esta cerim6nia 6 com freqU~ncia juncado


de folhas ou de p6ta1as de flores). Os versos dos sambas que
se entoam nessa altura encerram um convite, e a música só po-
de ser dançada pelos chamados "sete inocentes". Assim que es-
tes recebem da di ta forma sua parte, os outros meninos sao ser
vidns; torlas as crianças t~m de comer "de mão" (e, não raro,
inclusive sentados no solo).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
Quando os pequenos acabam de fartar-se, entoam-se
noVos sambas, nos quais se celebra a consumação do repasto.
Formam-se em seguida aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rodas propriamente ditas, onde os pe-
tizes em Beral se alternam a sapatear, entoando louvores a
Dois-DoiS. As vezes, antes disso agrupam-se todos diante do
oratória, para uma breve reza.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Os adultos, de qualquer maneira, -
so mais tarde sao
servidos; comem com talheres, e i mesa, ou pelo menos senta - ! II

dos em cadeiras. Aqueles dos "mais velhos" em cujo prato en- ! •

contrar-se um quiabo inteiro (deixam-se sete assim em meio ao


caruru) ficam obrigados a dar um banquete igual aos "santi
nhas".
b Óbvio que dos ritos dos Ibeji no Candomblé deriva
esta modalidade de culto aos dois grandes mártires da Igreja,
em tal contexto propiciados com cantos, danças e oferendas de
alimentoS. O costume de comer sem talheres as iguarias consa-
gradas (observado pelos "feitos" nos abaçás pelo menos em mul
tas circunstâncias rituais), o de cobrir o chão onde se ce1e-
90

bram certas cerim6nias sacras com folhas especialmente colhi-


das (de acordo. i.e •• com suas qualidades litúrgicas), e o
esquema da "obrigação dos quiabos" (realizada nos Terreiros
de modo bastante comum, em festas de difer~ntes orixãs, in-
clusive) denunciam bem esta origem. A rigor. nem ~ preciso
lembrá-Ia quando se sabe que semelhantes "earuruS de Cosme"
se oferecem, inclusive, nos II~ Ax~ ... Ar, com efeito, exec~
ta-se o mencionado ritual mais ou menos segundo o modelo aci-
ma descrito, e is ~ezes apenas com acr~scimo de outroS elemen
tos: faz-se o oss~ em regra e, com todas as praxes apropria -
das de ofert6rio. deposita-se no peg{ dos mabaços o repasto
sagrado. ete.
Nas casas de culto afro-baianas seguidoras dos ri-
tos "Angola" e "Congo", os erês com freqüência participam de
certas fases do festejo, e protagonizam alguns desempenhos,
como, p.e .• ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
samba de roda.

Destaquemos aqui alguns da~os de nosso interessecoD


respeito ao culto 'dom~stico de Dois-DoiS.
(1)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O número dos n(ilOcentes" (e o dos quiabos da
"obrigação" referida pouco atrás) corresponde "au chiffre de
1a geme11eit~", segundo Bastide (1958. p. 182) - e equivale,
muito a propósito, ao das divindades que formam o mais comp1~
to grupO dos Ibeji. A este respeito, testemunha Tavares (opus,
czyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
i t.. , p. 50):
"Por que sete meninos sao convidados de honra par~
o almoço de Cosme e Damião? Diz-nos a Senhora i\urOraMartins,
que ~ mabaça e que comemora a festa com tanto carinho. que t~
via sete irmãos: Cosme, Damião, Doú, Alabá. Crispim, Crispi -
niano e Talabi, todos mabaças. e ~ por isso que se torna ne-
91

cessirio dar o caruru em honra de sete meninos, especialmente


convidados, aplacando assim possíveis cóleras dos santos".zyxwvutsrqponm
(2) Os garotos que figuram como ;convidados de hon-
ra', e a bem dizer representam os santos celebrados, escolhem
entre os mais travessos. De uma pessoa que
-se freqUentementezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
desempenhou várias vezes este papel na infância temos um tes-
temunho muito explícito: sua fama deenfant terribZe~ tanto
quanto sua popularidade, assegurava-lhe de modo indefectível
a inclusão entre os "inocentes" em numerosos "carurus de Cos-
me", Segundo nos relatou, em vez de adotar, nestas ocasiões,
um comportamento mais moderado, fazia, pelo contrário, o pos-
sível para justificar a idéia que dele tinham; assim, por
exemplo, no momento capital em que, findos os cantos e danças
i comida junto com os companheiros, cos-
iniciais, lançava-sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
tumava enfiar as mãos até ao fundo do tacho e erguê-las de
forma brusca, sujando os circunstantes e provocando urna consi
derável balbúrdia.
Longe de reprová-Ia por esta e outras traquinadas~
oS festeiros o aplaudiam: é que, mesmo sem consciência disso,
e embor~ violando as normas comuns do bom proceder, ele se
comportava de maneir2 ritualmente adequada •..
Sabe-se, aliás, que nas festas de Dois-Dois as cri-
anças em geral gozam de uma grande liberdade: não se pode cen
surá-Ias, repreendê-Ias ou puni-Ias por suas travessuras, sob
pena d~ irritaras divinos mabaços. Muitos pequenos se apro -
veitam sofregamente desta franqu1a. tripudiando o mais que p~
dem sobre a disciplina paterna •.
No referido contexto ocorre, pois, uma série de mu-
danças not~veis com respeito ao teor 'normal' de certos mode
105 de conduta e pautas de interação. Os "mais moços", ao con

trário do que sempre sucede, têm a primazia sobre os "mais


92 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

s": inverte-se, em tal medida. a suazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML


etatue-relatrionetrip ; a
e dos pais para castigar e impor comedimento aos fi-
é-lhes retirada, anula-se; e, mais ainda, o que na vida
se tem qualificado como um proceder "Lnconven en t ev.pros
í

transforma-se, nessas circunstâncias, em algozyxwvutsrqponmlkjihgfedcba


adequad0

o autor do testemunho que aduzimos era aplaudido


cometia abusos de certa forma radiaai8~ i.e.. quando
contra a ordem e a limpeza, e ocasionava um desperdi
Ora. a simples imagem de um tumulto de pessoas bem repr~
o dissolver-se das rerras de convívio culturalmente es-
à da sujeira freqUentemente se associa a
cidas;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA idéia
desperdício ostensivo é um ato anti-social
ucelincia. na medida em que nega a troca e anula a didi-

Deve além disso ponderar-se o que representa exal-


acimados outros (dos ji Ln t egrado s , Le.) justamente
[es indivíduos que apenas se acham no limiar da e oc-i-ezyxwvutsrqponmlkjihgfed
tiae ,

ainda não se encontram de fato, ou de todo~

Para o povo da Bahia, na vida comum, a criança tem


modos", obedecer aos "mais velhos" e respeitá-Ios.
que os pequenos "conheçam seu lugar, ou, por outras
as, sua posição inferior relativamente aos adultos. "Me
não tem vontade" - costuma-se também dizer. A perfeita
ssão dos filhos aos pais constitui um ideal encarecido.
adulto"sabe de si", pode "dar conta da própria vida"; os
são caracterizados como pessoas fracas e "sem juízo".
B impossível não ver, portanto, no rito ora em exa-
uma afirmação dos "poderes dos fracos", significativa do
!

ar-se, em termos de Turner (1974), da aommunita8, da


·zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
",
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
' ..

93zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

anti-estrutura. Segundo diz este autor (ibidem, p. 133), " ..•


a liminariedade não é a única manifestação cultural da Icomm~
nitas'. Na maioria das sociedades há outras áreas de manifes-
tação. facilmente reconhecidas pelos simbolosrque se agrupam
em torno delas e pelas crenças a elas vinculadas, tais como
'os poderes dos fracos', ou, em outras palavras, os atributos
permanente ou transitoriamente sagrados, relativos a um status
ou posição baixa."

Conforme adiante se verá, os er~s em suas performa~


088 rituais de muitos modos também assinalam o instaurar-sezyxwvutsrqpo
da cornrnunitas.

(3) Num estudo sobre o samba de roda baiano (Trind~


de Serra, s.d.a), mostramos como se podem distinguir várias
modalidades desta dança, segundo forem os participes:.

a) pessoas adultas de ambos os sexos (embora. em g~


ral, com predomínio dos homens);

b) apenas individuos - adultos - do sexó masculino;

c) tão só mulheres adultas;

d) exclusivamente crianças (de ambos os sexos; a


única exceçao se verifica no rito dos "sete inocentes" - em
que, todavia, os garotos não formam, a rigor, uma roda).
Constatamos que, em geial, nas rodas de samba tradi
donais integradas por adultos é muito comum entoar-se canti-
gas de teor aiscro~6gic04 e ex~cutar-se urna coreografia clara
m~nte fescenina. Isto 56 nunca sucede quando'o conjunto dos
protagonistas do folguedo é formado' pbr um círculo de dançad2
ras e uma orquestra separada de homens; ocorre, por outro la-
do, muito raramente nas rodas onde apenas varões (os ~amba8)
se dedicam ao jogo de esparro e ao chamado samba duro.
94zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

Observamos a i.nd a que tais "br í.nc adezyxwvutsrqponmlk


i ras" se reaLí,«
:am classicamente em circunstincias de tempo e de lugar assi-
~21adas pelo transcurso de uma festa religi,Osa: nos largos de
fronte de igrejas ou capelas, e por ocasião dos festejos em
~onra dos santos mais populares na Bahia (Senhor do Bonfim,
Senhor dos Navegantes, Nossa Senhora da Conceição da Praia,
Santo Antônio de Itap6ã, Santa Luzia, são Lázaro etc.). Aí e
então, inclusive, faz-se apelo à aiscrologia e aos coreogra -
~as lúbricos, que muitas vezes chegam até ao mimo claro do
ato sexual.
Pudemos, entretanto, verificar que, nao raro, isto
sucede apenas em determinados momentos, e oom um certo senti-
do de propriedade: nestes desempenhos~ quer dizer, há atitu-
des estimadas 'normais' e outras consideradas importunas e a-
busivaa.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Às rodas formadas apenas por mulheres, em particu -


lar, só têm acesso, muitas vezes, aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
ganr.aras respeitáveis "
uao se admitindo a inclusão de pessoas havidas como prostitu-
tas ou libertinas, e conquanto os cantos e danças executados
possuam um teor aparentemente obsceno - uma série de conota-
ç6es tanto mais chocantes quando se pondera o fato, ji assin!
lado, de ter lugar o folruedo, como via de regra ocorre, nas
cercanias de um santuirio e em data consagrada.
Neste caso, transparece de forma mais notivel o sen
tido ritual do procedimento. Devemos supô-Io, pois de outra
maneira não.pode resolver-se a contradição bem visível entre
um imperativo claro de "decência" (o requisito de honorabili-
dade das sambistas) e a n~ureza das cantigas e gestos em cu-
ja performance se empenham )~ mesmas pessoas que formulam e
acatam a dita regra.
j

~/
9SzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o paradoxo aiilda .mais se agrava Quando lembramos a


ocasião destes atos, tendo em mente que seus executores de mo
do algtim se consideram sacrílegos ..• Todavia, ~ a partir dar
que o fato se torna compreensível.

Uma ·festa religiosa define uma circunstância 'inco-


mum' (cf. Eliade, 1961), nada trivial; ao se impor, então,que
pessoaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
decentes ajam de forma 'indecente', leva-se em conta
a oportunidade. A~ueles para quem proceder de forma 'impudi-
ca' é coisa corriqueira acham-se por isso mesmo desqualifica-
dos para protagonizar semelhante 'drama' (o qual constitui um
verdadeiro rito de inversão; v. a propósito Gluckman, 1963;
Bateson. 1958; Le ach , 1974, capo 6, 11).
Segundo mostramos em nosso estudo acima citado, o
cenário do dito 'drama' constitui o espaço onde, em datas pr~
vilegiadas, se instaura liturgicamente a communitas. Explicag
do melhor: uma festa religiosa tradicional ('católico-popu
lar') na Bahia decorre tanto dentro como fora (diante) da igr~
ja - mas de maneira que uma certa simetria simbólica marca os
campos assim definidos, e os sucessos de que se fazem palco.
Dita si~etria pode traduzir-se pela oposição entre estrutura
e aommunitas, tal como Turner (opus cit.) a formulou. (Cf. ta~
b~m a respeito Da Matta, 1973).

Assinalam-se algumas instâncias em que folguedosc~


mo o aqui em êxame constituem des€wpenhos ~triçto: sensu li-
túrgicos: ~ o caso'do "Samba da Boa Morte", em Cachoeira
cerim6nia, todavia, ainda não estudada -; e também, evidente-
mente, o das rodas integradas por dançarinos i~fantis, forma-
das nas festas de S. Cosme e S. Damião em Salvador e arredo -
res. Nestas, nunca se faz recurso ~ aiscrologia ou a danças
lúbricas; mas istozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é de r eq ra , por outra parte, nos sambas dos
er5s. Adiante voltaremos ao assunto.
96

Contentemo-nos, por enquanto, em marcar o fato, ou


se ja, a "obscenidade prescrita" f . Ev an s Pri tchard , 1971 ;
(czyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
Turner. opus cito I p. 114) daszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
crianças sagradas em muitos de
seus desempenhos can5nicoi.
Mas outro dado ainda merece desde já assinalar-se
De fato, se, como adiante tentaremos demonstrar, existe uma
correspond~ncia simb6lica entre a 'sujeira' (Zambança, segun-
do se diz de forma mais expressiva) e a aiscrologia um tal
contexto religioso ditadas, possuem evidentemente um denomina
dor comum as atitudes 'excepcionais' dos meninos humanos e as
práticas dos deuses infantis observáveis nas circunstâncias a
Clma referidas ...zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
----------- "" ---------_._---_.---
No Tanurijunçara os divinos mabaços nao t~m um peji
separado. No "Quarto dos Santos" (cf. p. 9) depositam-se as
peças que constituem seus sacra (minúsculos potes. pequenas
-
panelas, pratos e formas) ao pe dos assentamentos dos outros
orix5s. Mesmo no dito local não existem ferramentas de Ibeji
(noutros Candomb1~s estas se comp~em de uma pena metilica, um
cetro e um capacete em miniatura - as insígnias de Cosme e Da
mião, a-Io rno s de suas imagens tradicionais e também de uma
haste de ferro assentada num pequeno disco e terminada em for
quilha as extremidades de cujos braços se bifurcam mais uma
vez e se dobram em anzol, em sentidos opostos; destas pontas
recurvas, as que se voltam para fora da 'forquilha', de cada
lado, trazem pendentes duas cabacinhas;v. Guimaries Maga-
lhães, 1973, pp. 54-5).
H~ projetos de se construirem no Terreiro casas se-
paradas para certos voduns, mas não se cogita de um santuário
exclusivo dos g~meos santos. Os seus vasos votivos - as dimi-
nutas quartinhas que nas festas em sua honra se enchem de mel,
vinho e água - dedicam-se inclusive, e até primeiramente, aos
97

ê com os erês", segundo nos explicaram.


crês. "Tudo de Ibej izyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Com efeito, cada vodunsi deve, em principio, ter alguns des-
ses caxixi "preparados" para sua criança.

Na festa anual dos mabaços, os omon orix5 antes de


tudo fazem ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
asse, complexo rito em que limpam e arrumam, a-
dornam e dispõem os altares para as cerimônias solenes, de a-
cordo com a liturgia apropriada: primeiro ajuntam os resíduos
de ofercndas anteriores e os fazem "despachar" pelos ogans em
locais adequados (rio, "mata"); depoisà lustração,
procedem
purificam e ungem itãs e ferramentas, renovam o conteúdo dos
vasos sacros e os enfeitam, mudam as toalhas e v6us dos reli-
cirios, depõem as folhas de preceito no solo, o obi e o orob6
nos pratos ou bandejas próprios etc; feito isso, e acatado o
privi16gio de Exu - em qualquer circunstância, scmp re "o pri--
meiro a come r " -, sacrifica-se aos Ibej i pelo menos um casal
de frangos, ao som dos cânticcs, do pao e das rezas adequadas
(a fórmula Beje orê ou Bcj; orô é a que se emprega para sau-
dar estas divindades). Os aGara sao ornados com as plumas das
vítimas, parte de cuj o sangue se re co lhe em quartinhas.

A Mametu preside, tangendo à cerim5nia,


oadjã. no LI
curso da qual "manifestam-se" vários santos. Quando tudo· se
conclui, entrega-se as aves sacrificadas à pessoa que exerce
aS funções de Dogã encarregada entio de com elas preparar o
i rado s .n o crê" por
alimento sagrado - e os santos sào "vzyxwvutsrqponmlkjihgfedcba eke -
des que para isso os levam ao runkó.

Erês, ia5s, ekedes, abiis e at~ simples devotos li-


gadoS a Casa ajudam a 'cozinheira dos deuses' na sua faina,
cortando os quiabos para o caruru etc. Terminadas as suas ta-
refas, as crianças dedicam-se a folguedos, brincando entre si
ou danç ando o seu samba de roda.
,
,
i

I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

98

tarde chegam as pessoas de fora paro o caruru. E~


À
~
te e primeiro oferecido solenemente, junto com outras igua-
rias sacras (vatapi. inhame. feijio preto e feijão fradinho,
milho branco, acaraj5. abari, acaçi. balas de mel, doces, bo-
linhos etc.) aos Ibeji. no "Quarto dos Santos". Serve-se em
seguida ~ garotada, e finalmente aos adultos o banquete. Con-
for~e o preceito, os pequenos comem sem talheres. Encerra-se
com esta comunhão a festa dos deuses meninos.
Escusado dizer que mesmo na referida oportunidade
(como, de resto, em nenhuma outra) não "descem" no Tanurijun-
çar8 "crês de Ibeji" - não há nem pode haver no Terreiro que
estudamos "feitos" destes orixás.
Aí tamb~m se desconhece o rito que Carneiro (1937,
p. 50) assistiu num Il~ Ax~ afamado e assim descreveu:
"No Candombl~ de Flaviann, atualmente sob a direção
de Maria Eugênia, os iris têm uma festa especial - a corda de
Ibêje. Numa corda estendida de um lado a outro do barracão,
penduram-se frutas, pedaços de cana, um pote com dinheiro mig
do, etc., e, a certa altura das cerimônias religiosas, todos
os presentes começam a saltar para alcançar as coisas penden-
tes da corda, at~ que esta fique completamente nua. Cada pes-
soa fica com o que conseguiu apanhar. Depois deste intervalo
de risos, de saltos e brincadeiras, os atabaques voltam a to-
car e a festa prossegue."
Em nosso campo de pesquisa, segundo Vlmos, os Ibeji
sao considerados orixás "que nunca descem"; já os erês a ri:..
gor não se contam entre os voduns, mas tornam as iaSs •.. embo-
ra apenas em seguida aos santos e como que i sombra destes:
não podeI'lser "donos de cabeça" nemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
adjuntó. Enfim, pelo que
tamb~m aí se fala, "os er~s representam os Ibeji"; e devem
ser cultuados junto com os divinos mabaços. De algum mod~ ser
vem-lhes de intermedi~rio$.
99zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

à tarde chegam as pessoas de fora para o caruru. E~


te é primeiro oferecido solenemente, junto com outras igua-
rias sacras (vatapá, inhame, feijão preto e feijão fradinho,
milho branco, acaraj~t abari, acaçá, balas de mel, doces, bo-
linhos etc.) aos Ibeji, no "Quarto dos Santos". Serve-se em
seguida à garotada, e finalmente aos adultos o banquete. Con-
forme o preceito, os pequenos comem sem talheres. Encerra-se
com esta comunhão a festa dos deuses meninos.

Escusado dizer que mesmo na referida oportunidade


(como, de resto, em nenhuma outra) nso "descem" no Tanurijun-
çara "erês de Ibej i" - não há nem pode haver no Terreiro que
estudamos "feitos" destes i xâ s ,
orzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW

Ar tamb~m se desconhece o rito que Carneiro (1948'


50) assistiu num Ilê Axé afamado e assim descreveu:

"No Candombl~ de Flaviana, atualmente sob a direção


de Maria Eugênia, os eres têm uma festa especial - a corda de
Ibêje. Numa corda estendida de um lado a outro do barrJção?
penduram-se frutas, pedaços de cana, um pote com dinheiro miQ
do. etc., e, a certa altura das cerimônias religiosas, todos
OS presentes começam a saltar para alcançar as coisas penden-
tes da corda, até que esta fique completanente nua. Cada pes-
soa fica com o que consefuiu apanhar. Depois deste intervalo
de risos, de saltos e brincadeiras, os atabaques voltam a to~
car e a festa prosse gue. "
Em nosso campo de pesquisa, segundo vimos, os Ibeji
sao considerados orixás "que n.unca descem"; já os erês .a ri
gor não se contam entre os voduns, mas tomam as iaôs ... embo-
ra apenas em seguida aos santos e como que à sombra destes:
não podem ser "donos de cabeça nemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
tó. Pe 10 que também aí
adjunzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
se fala, "os erês representam os Ibeji"; e devem ser cultua -
dos junto com os divinos mabaços. De algum modo, servem-lhes
de intermediários.
100zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

/ NOTAS AO CAPiTULO 11 (PARTE 11)


I
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1. Cf. Nina Rodr i gue s , 1977 (229-30): "Ibêji, os Gêmeos. sob
11 invocação de são Cosme e são Damião, é dentre as divind~

des africanas uma das de culto mais popular e disseminado


nesta cid~de. Sei de familias br3ncas, da boa sociedade
baiana, que festejam Ibeji. oferecendo às duas pequenas i-
mapens de São CosmezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e são Damião sacrifícios alimentares.
Numa capela católica muito rica, de um dos primeirc:s pala~
tetes desta cidade. encontrei eu, uma noite, um exercício
da profissão médica, em bandej a de prata e em pequena mesa
de charrão, as imagens dos santos pêmeas. tendo ao la~o 5-
pua em pequenas quartinhas douradas e esquisitos manjares
africanos. Em muitas outras casas, em que existem gêmeos,
é de praxe no dia de São Cosme e são Damião darem-se gran-
des banquetes de iguarias da Costa. Nas proximidades dessa
data. mês de setembro, cruzam-se na rua in~meras pesseas
que esmoIam para São Cosme e são Damião, ccnduzindo as ima
rens dos santos e~ salvas de prata, b~ndejas. caixinhas e~
feitadas, ou mesmo em cestos, tabuleiros, apenas cobertos
dos panos da Costa ou dos lales. Mas esta cquival~ncia en-
tre orix~s e santos cat61icos ~ conhecida mesmo em Ãfrica.
j,ssim o afirma o DI'. Per i s , que ao mesmo tempo indica na
freqU~ncia dos partos duplos ~ cau~a prov~vel da adoraç~o
de Ibeji e de São Cosme e são Damiio. 'Em toJa a Costa, es
creve ele, os pnrtos de gêmeos s~o de not5vel freqU~ncia.
Um ramo considerável da população ~ composto deles: em do-
ze mulheres escravas pertencentes a Beni~n0 de Sousa, um
dos netos do primeiro Xaxá. quatro tiveram, no mesmo ano,
filhos gêmeos. e uma delas já tinha tido quatro partos con
secutivos desta espécie. Quando um dos gêmeos morre, o 50-
brevivente conserva um boneco de madeira que representa
101

seu irm50: comumente o traz preso ao dorso. Os negros cat6


licos t~rn o h~bito de batizer os filhos g~rneos cem os no-
mes de Cosmo e Damiãc.' ~!ão temes as cb.s erv aç ôe s de Fe rzyxwvu
is,
no trabalho citado. ~or muito S00uras, mas aqui elas est~u
confornes aos fatos. Se em alpuns povos africanos c parto
2uplc & consi~era~o um mal e o ccstume manda sacrificar
uma das crianças, o mesmo nao se observa entre oszyxwvutsrqponmlkjihg
n a g c s, zyxwvutsrq
uue
, e ri .
cem t emn lo s a Lb e j i. E deles certamente tomou a nos
sa ropulaç~c a consideração especial em que são tidos os
remoas ou mab aç a s;" V. ainda Dcn aLd Pierson, 1971, p. 334:
~ .
"Na epaca ~a nossa pesquIsa, a Lcun s brancos, mesmo das elas
ses "supericres", visitavam o pai de santo para pedir con-
selho a respeito de nerócios, política, e outras questões,
ou ajuda na cura e prevenç5ü de mol~stias. Numetosas famí-
lias "de ~'ca sociedade" "davam comida" (of crec í.an alimen -
tos, es~ocial~ente caruru) aos Beji (Cosme e Damião) e fe~
tejavam o dia que lhes era consaprado. (.•.) De 197 e5tu -
dantes da Es cola Normal e c.a Facu ldade (!e Direi to, as félmí
1ies de 25, isto ~. 13 por cento, 'davam comida' a Coses e
Damião."

2. As ia6s devem proceder a um furto ritu8.1 quanJo, no termo


do ciclo iniciática, eM barco" sai completo ;:-'ara
pedir a bên
ção de orande s da "sei ta" em suas caâo s ou Terreiros.
~
proposl• -+=
to, cr . h' lC P ar t I-rv , cai'.

3. Os seres ct6nicos, os espiritos etc. que se concebem como


pertencentes ao domínio da Natureza, muitas vezes s~ re~r~
sentav n~ qualidade dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
mendigos e salteadores (cf. Turne~
1974, 208-214); segundo se cr6, nao raro eles se comportam
desta maneira nas suas relaç6es com os humanos. O com6rcio
aut~nticc, a troca, pode dar-se, por outro lado, como ex-
prcss I vo c:a plena vif'ência da Cu I tura. "O estado de n a t ur e
102

za só conhece a indi visão aç áo além da mistura


e a ap rop rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
â

dessas ao acaso. Mas, conforme j~ Proudhon tinha observa~~


a ~rop6sito de outro problema, não é possível superar es-
sas noções senão colocando- se em um novo plane. 'A p ror-rzyxwv
e í

dade é a não reciprocidade. e a não reciprocidade é o rou-


be. •• i-ía s Q ê também Q não reciproc idade
comunidade por
que ê a negação dos termos adversos. ~ ainda o roubo. En -
tra a propriedade e a comunidade eu construiria um mundo. '
Ora, c que é esse mundo senão aquele do qual a vida social
procura inteiramente construir e reconstruir sem cessar
uma imarem aproximada e nunca interT31mente rerfeita, o
mundo da reciprocidade, que as leis de parentesco e do ca-
samento, por sua pr6pria conta, fazem laboriosamente bro -
tar, por sua pr6pria conta, de relações que, sem isso, es-
tariam condenadas a permanecer ou estéreis ou 2.busivas?"
(Lévi-Strauss, 1976:531). O 'estado de natureza pode ainda,
como quis Sahlins (1974:13-26). descrever-se como Ide [uer-
r a ", desde que se entenda este termo no seu amplo s en t.i do
hobb e s i an o - e bem assim o seu contrário "paz". co rre Lac i o
n àve l com "reciprocidade" e Cu L t ur a , Aqu i tanto Sah l.i.n s
~uanto L~vi-Strauss fazen apelo a uma pedra de toque da Et
noprafia. lançada por MareeI Mauss em seu famosozyxwvutsrqponmlkjihgf
Ensaiozyxwvutsr
$0

bre a DGdit:::.~ (cL ilauss, 1974; vo l , 11, pp. 37-184). A pa~


~.
sagem da Ruerra a paz ror via da troca rerulamentaJa
ilustrar-se com um trecho bem conhecido '1c. cb r a lévistr2!JS
siana acima referi~a (p. 107). Em todo caso, a representa-
ção
_, do "e s t ado c'e natureza I e do trânsito ::este -;an~
.L a CuI _

:l .,. ••
tura parece inclusive firurada com freqU~ncia no eomlnlO
re1ipioso. O 'abuso' n~o raro precede, ~in~a que d~
~ troca entre os seres ctBnicos ou divinos e os honens; o
primeiro ato do seu defrontar-se fica assinala~o, de um mo
de muito comum, por "Lo cro s ' que se encenam no plano litúr
103

., .,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
• A

gico. Outra coisa rnerece ~estaque: no ensaiozyxwvutsrqponmlkjihcitado, ••} ••. L

Mauss chama f a t o d e que pr o ce.lcre s come o


a atenção p ara zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
(j

dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
potlach se consi2eram eficazes inclusive para suscitar
a penerosidade ~ivina e n d~ natureza (vo fdem, ibiJem, p.
60). O potlach cifra um aparente esperdicio; neste ponto,
vale r ec ord ar+s e que o
~...
e spe rrt c i.o
i
...•
e urna constante
.
nos r i -
tos em que se celebram os tlab2.ças e os erês, li[ados à 1112,-

nhon~a, limes e limen rla Cultura. ~inda na meSffi2obra (rp.


65-67), Mauss trnt~ da esmola como definindo um contéxto
em que "r eapar eccn os homens f e i tos mais uma vez r epr e sen-
tantes dos deuses e dbs mortos, se ~ que alguma vez deixa-
ram de sê-lo·'. Ar observa t~mb~m, num trecho precursor ~as
colocc.çces turnerianas sobre os "pc deres dos fracos'.':
liberalidade 5 cbrifat6ria por que a Nêmesis vinpa os
bres e os deuses do excesso de felicidade e rIoueza de cer
tos homens, que devem desfazer-se delas ••• " Ant e s lembra
um costume haus sa de oferecer presentes 3S crianças p ar c
evitar certas c2.tilstrofes e comenta: "essas dádivas ?is cri
anças e ao s "l'J b r e s a):ra('_aDaos mortos o". Censen t ir nos "abu
50S' perpetr~dos ~clos representantes dos entes
(como os rarctos do Halloween e os homenajeüdos nos "caru-
rus (12 Cosme"), abu so s estes s i cn i f i ca t i.vos d'Js "poderes
dos fracos", cifra um reconhecimento dos direitos da Natu-
reza, e uma ~ut~ntica - se
ordem da Cul t ur a 11:3.0
..
ims6e, ryor sua vez, sem vio16ncia; urna certa hgbris lhe e
.. .
consent~nea, ror mais 0ue se afipure neceSS2Tla para c es-
.••• , /1 \I
tabeLCclmentc La paz .

.~ Sobre o sentido
...

êe "a i scr o lo o i a" e "a scro Lóg i co"zyxwvutsrqponmlkjihgf
-
í aqui
v.zyxwvutsrqpo
Parte 111, ca~.Y
104

5. As caracteristicas b5sicas da coreografia aqul em pauta ~


cham-se presentes nas formas africanas orifin5rias, corno
se pode perceber pelo testemunho de vários autores (cL
Carneiro, 1961t). De acordo com Sarmento (1880), na re2i~o
de LU2nda "o batuque consiste ••. num círculo formado relos
dançadores, indo para o meio um preto ou preta que, derois
de executar vários passos, vai dar uma umbipada, a que cha
ma samba, na ~essoa que escolhe, a qual vai para o meio do
círculo, substituí-lo." Capelo e IvenszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
(1881) descrevemzyxwv
• , ~ •• 1 .-1
ad cn t i.co prcc ed i men t o entre os nativos de Caconô a : " ...no s
grupcs, em redor, saem alternadamcnte in~ivi~DOS que no a~
pIo espaço exibem seus conhecimentos coreorr5ficos. toman-
do atitudes protescas. Por via de regra s50 estas represe~
tadas por mimica erótica, que as damas, so~retudo. se es -
forçam por tornar obscena ... Após três ou quatro voltas p~
rante os espectadores, termina o dançarino ror dar com c
ventre na primeira ninfa que lhe pareco, saindo esta a re-
ne t ir c eria szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
id .ê 1 1 tic a s." Sob r e a anç
ô a d e r.ar e s pr e s enc i ade
por ele TIO COTIrO, e chamadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
quizomba, assim se pronuncia
Ladislau Batalha (1889): "A dança consiste em formar uma
roda, dentre a qual saem pares que bailam no largo. dois a
dois, tomando ares provocadores e posiç6es indecorosas ...
Os que entram na dança cantam em coro a qi.e os pares res
pondem elJ1canç6es alusivas 2. todos os fatos conhecidos da
vida privada dos presentes e ausentes .•• 0: }-\ respeito do b a
tuque conBuês falam também Ca-pelo e Ivens (opus cit.) o se
guinte: "é uma espécie de pantomima em que o assun t c obri-
gado é sempre a história de uma virgem a quem sao eXDlica-
dos os prazeres que a esperam quando o lembamento (casamo!!.
to) a fizer mudar de estado, e outras obscenidades ..." Dos
cantores do batuque diz ainda o já citado Sarmcnto: tiA le-
105

tra das cançoes é sempre improvisada, e consis-


gentílicaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te geralmente na narrativa de epis6dios amorosos ou de fa-
çanhas guerreiras. H~ negros que adquirem fama de grandeszyxwvu
í np rcv i sado r c s ... Os c an t ar cs que acompanhara estas danças
lascivas são sempre imorais e até mesmo obscenos .•. i'. Deve,
naturnlmente, relevar-se o tom preconccituoso e et~oc~ntri
co dos testemunhos citados.
CAP!TULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
111

RONDA
107

Vale a pena agora compararmos estes ~DJOS com ou-


tros colhidos em ~reas diversas, ou seja, com informes relat!
à 1 it ur gia dos IbE;j zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
i nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
vos às concepções ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L tbi l.d de sei-
KuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
'fi

tas" afro+b r as i Le i r a s distintas.

Pode notar-se que nos Xang6s de Recife a forma pela


qual s~ celebram as sobreditas divindades e a maneira como se
as imagina se acha8 muito pr6ximas das id~ias e ~r~ticas reli
giosas ligadas aos messos personagens na Bahia. Aliás, no seu
escorÇo de Ul'1a"geografia elas religiões africanas no Brasil",
Bastide (1971) define a dos Xang6s e Candombl~s como uma 5rea
capital, muito embora não ignore as diferenças de parte a paI
te nem oculte que estas denominações se aplicQ8, inclusive,
nOS lugares onde foram consagradas, a ritos em certos pontos
algo diferenciados. Isso tudo devemos ter presente no exame
de nossa questão.

Em primeiro lugar, ~ not~vel que as


eias existem não apenas entre o culto dos Ibeji nos Xang3s e
o prestado aos mesmos deuses em candomblis baianos âi.v er e oe ,
mas ainda entre a Ziturgia destes orixás infantis nas d i t ae
n l
"seitas de R6cifezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
e a dos er~s nos Terreiros de Ba l v ado r ,
'iis{m como (e sobretudo) entre as celebraç5es dos mab aç o e , no
recessO das "Casas de Santo" pernambucanas ;3 na :3uas festas
poputares realizadas pelos de oo to e em geral. n7A.f7í âmbito 'domés
tico r - fora dos i t.z Axé - na Bah i a , (Note-se que em Pernambu-
; '",'

co os B~je são festejados, via de regra, apenas no circulo


restrito dos Xangôs; cf. Ba s t i d e , 1958, p. 182 e Ribeiro, 1957).

r o mesmo o que se chama de erê em ambos os domí-


nics da mencionada "área religiosa afro-brasileira", ser;undo
Bastide a definiu; por ou t r a parte. geralmente. em Recife co-
mo em Salvador (nas casas de culto "de maior tradição", pelo
menos) distingue-se os "companheiros dos santos" dos Ibeji
r
r
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I
I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
108

que, segundo os membros de tais comunidades, "nunca descem".


Todavia, tanto nos Xangôs quanto nos Candoreblés, há exceçoes
ao predom!nio destes pontos de vista ...

Assim, p.e., um Pai de Santo pernambucano, informan


te de Ribeiro (cf. idem opus cit., p.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
130), embora diferen
ciasse, em suas declarações ao antropólo~o, os crês dos ori~
xás mabaços, asseverou-lhe que em certas circunstâncias os úl
timos se encarnam, e apenas não podem ser "donos de cabeça".
Segundo afirmou, "Beje não senta na cabeça por que menino só
quer brincar; não tem compromisso; não tem obrigação; não po-
de ser um santo-grande, dono de ori ..• ~s vezes o orisha vem,
e quando sai ele Ibeji vem brincar ... Na festa 0e1e, ele pega
filho de orisha ..• filho de Shango, L
de Yansan ate. ... fica
fazendo coisa de menino ... rr
• Ribeiro, a seguir, esclarece:
"Contudo, este sacerdote distingue perfeitamente tais casos
dos estados que sucedem à possessão, denominados de erê" - e
cita mais uma vez o informante: "O erê é que fica sentado pe-
lo chão, falando feito menino novo~ mas Beje dá recado ... "

o antropólogo explica que a expressao "dar recados"


significa "fazer profecias". Ternos aqui algo de J:1Ui to interes
sante, pois nos candombl6s onde nio se admite a possibilidade
de possessão pelos Lb e j i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
atribui-se o dom prof'ét-ico aos erês ...

Mas vejamos logo como Ribeiro (p. 129) descreve as


festas dos mabaços nos Xangôs:

"Reunem os fiéis do culto. para a festividade, um


?rande número de crianças (suas filhas ou aliciadas r ela vizl
nhança) , organizam com elas um candombl~-miniatura. há farta
• 1
distribuição de guloseimas e um repasto especial de comlüas
africanas 'da prefer~ncia do santo', entretêm-nas com jogoS
ou rondas infantis já ao fim da tarde, e de um modo geral co~
cedem-lhes uma liberdade de ação que contrasta flagrantemente
109

com a rígida pautaçio da conduta infantil e coletiva que ca-


racteriza a vida nesses centros religiosos. No interior dos
santuãrios, geralmente pela manhã, ji se havian realizado os
sacrifícios de animais (pombos, pintinhos.'boàin~os etc.) 'de-
vidos ~ divindade, com exclusiva participação Cns adulto~ me~
bras do culto. Às vezes esses cuidados são tOmarlos de v6spe-
ra, coroando-os um "toque" noturno para os adultos. 27
No diazyxwvutsrqponml
de setembro, dedicado aos Santos Cosme e Damião, ~ que t~m lu
f,ar,propriamente, as festividades de Ibeji, consideradas co-
mo exclusivas das crianças. O interior do santu~rio est~ pro-
fusamente decorado e as insIgnias da divindade africana (enc!
madas por estampas de seus equivalentes cat61icos) rocieadas
Dor uma fartura de frutos, bombons e doces, bem como pelos v~
silhames com caruru, amendoim etc., at~ sua distribuição en-
tre as crianças que comparecerem. A singularidade radica na
participação exclusiva de menores, no hor~rio Jiurno, no fran
quearem a casa de culto, nesse dia, a inúmeros adultos estra-
nhos que acompanham às crianças (violando-se assim a intimid~
de desses centros at~ então misteriosos e inacessíveis ao
grande público); e na liberdade de ação de que todos parecem
desfrutí'ir.
"
Adiante, fala o estudioso com mais pormenor do fes-
tejo tal como o observou num d~terminado centro, frisando em
particular as mudanças significativas nessa altura ai verifi-
cadas nos modelos de conduta e pautas de interação:
"Durante as cerimônias de Ibej i, po r êm , todo o sis-
tema de relaç6es interpessoais nesse grupo de culto se alter&
(...) Durante o candombl~-miniatura que então tem lugar, toca
dores e dançadores (e as duas classes são constituIdas exclu-
sivamente por menores) comportam-se como querem. (..•) In~me-
ras posses soes em crianças são toleradas nessa ocasião e at~
110

incentivadas pela sacerdotiza (•.•). Termina-se a cerim6nia


por uma distribuição de frutos e guloseimas, em que ela /a
~1ãe de Santo/ secundada
-
pelazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
inan, atira porções para a crianzyxwvutsrqpo
-
çada se atropelar na ânsia de recolh~-las, terminando por se-
rem amb as assal tadas pela turba. para gáudio de todos os fiéis
do culto, que riem regaladamente com as acrobacias de ambas,
e por ficarem elas enxovalhadas e empapadas de suco dos fru-
tos esmagados contra suas vestes." (Ribeiro, opus cit., pp.
136-137) .

Evidentemente, ju~tificam-se muito bem as conclu-


soes do autor citado de que constitui um aspeto das cerimô
nias de Ibeji digno de relevar-se, por seu "significado sócis:
+cu Itural", a "sua função de revelar a dinâmica das relações
inter-pessoais e certas modificações no desempenho de papéis
sociais (... ) dentro da estrutura hier;rquica dos grupos de
culto afro-brasileiros" inclusive "com relaxamento ou alívio
ocasional de tensões que ali se desenvolvem como conseqU~ncia
(Cf. idem, Lb i dem , p .134),
de tipos pa rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
t icul ares de 1 iderança."

Este ponto merece destaque. Faz-se mister, todavia, acrescen-


tarmos mais alguns dados reportados por ele no mesmo estudo,
quando foca o festejo dos Ibeji num outro Xang~:

" ... Comem todos no chão, apanhando os pratos e as


porçoes de alimentos das mãos das auxiliares da sacerdotiza e
desta própria. À tarde realizam-se na rua, em frente ã caSa
de culto, os divertimentos infantis programados
. - qucbrs-rane-
Ia, comer a maçã, pau de sebo, etc. - com grande aflu~ncia de
meninos da vizinhança que participaram ou não ele 31H'cOÇO. ( ••• )

Encerrados os jogos, ji ao cair da tarde, forma-se a roda pa-


ra o candomblé-miniatura".
111 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Te~os no conjunto desses testemunhos urna s~rie de


pontos muito significativos; aqui nos limitaremos a assinalar
apenas os ~ais importantes para nossa discussão.

(1) Conforme bem se v~, a liberdade de que gozam as


crianças nas "festas de B~je" no Xan gó , em contrastezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
COR: as
pautas rfpidas de conduta a elas imposta na vida comum, ten
paralelo nas franquias concedidas aos ,rrarotos nos "c ar u rus de
COsJ'1e"oferecidos aos "santinhos" - en Salvador e r:a :1rCê aja
cente do Recôncavo pelos seus devotos. Em ambos os casos, sao
ritualrnente violadas certas normas muito explícitas. (De~e
aqui lembrar-se que as iaôs er: "estado de e rê " nos Ilê Axê
t~m licença para insultar, e at~ par:1 polpenr, pesso:1s hierar
quicanente superiores - para agredir todos aGueles, melhor di
zenu10 , '1
L4 o u ern nc ss a azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
, '" I t u r aa t r aa t u.an de "p a i " ou "náe " .•• ).
.\.: ••.• ':.- l __ '"

(2) Nas "obripaçõcs de Ibeji" nos Terreiros baianos


podem distinruir-se duas etapas rituais, a saber, uma em que
apenas os iniciados - na Daioria adultos tom:1m parte (3 ma-
tança, o oss~, o ofert6rio); e outra e~ que os pequenos em ?~
ral, ceDO convidados o rece~tores da ho~enagem aos mabnços di
vinos, nã2 apenas participaD, mas t~rn a primazia. A isto cor-
resDonde, nas Casas de Santo de Recife, a oposição ainda mais
narcada entre, de um lado, as ceri~~nias levadas a termo pe-
105 "na i s velhos" (s a c r i fI'"
\. ;:),,-1 C 1"C"'s
· , .:
,~' '·+r·,r.l1'~"
l..\..· \· i t..-..~ da vésper~ da
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
fes-
ta), e, de o u t r o, ;) s p r ,:'
ta p o n i z :: das P e 1 o s p e ti z e s ( o " c an d o P.1-
blê-miniatura") .
Ali5s, tamb~~ nos festejos en honra de C(S~C e Da
~ião celebrados na Bahia 'extr~-murcs' dos CandoBbl&s n~o ra-
ro se verific~, corno bem notou Bastide (1958, pu. 182-183), um
'corto' parecido: h5 o c~ruru dos meninos, e um tanto denois
o dos 2dultos. Repare-se que a primeira 'fase' ~ a de maior
irnport5ncia, e os pequenos det~r ~ privilégio dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
performanc8
112

dos atos significativos, dos desempenhos propriamente rituais:


o samba de roda, a comunhão 'a preceito' (em que os convivas
fazemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o repasto sem uso de talheres e sentados no solo, de
acordo a nOYTI'Bre 1 i g ío sa). Os "prande 5" subrae t em- se ,
comzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de

forr:1abem passiva, a apenas um rito, o dos "sete quiabos"


U~ sorteio que acarreta para os escolhidos tão só um débito
para co~ os sagrados rnabaços e seus representantes •••zyxwvutsrqponm

(3) (I "candomblé-miniatur2." protagonizado por garo-


tos não se realiza na Bahie; nos Terreiros de Salvador as
crianças, a partir de u~a certa idade, em qualquer circunstã~
"1
ela' pOGem ser pOSSUI dI" -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
••
os pe os OTlxas t' ~.
se fore~ Je~tas
p
- e nu~
c ~'. n o c a s o c o n tr 5 r i o (a não 5 er (1.11an de" b o l nzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
T "", n a tu r 3 1m en te:
~as isto é raro). Tcdavia 08 er~S3 08 infantes divinoss as v~
"o an domb l e
~~ que ~m~tam 08 respectivos santos, tocamzyxwvutsrqp
D8

ctabaqucs cte.
~~ ~~ ~ 1 PJern~rnDuco,

( +) ían t o quanto nos X an~os (e n a szyxwvutsrqp
fc s-
tDS de Beje, n distribuic~o de ?uloseiD~s a meninnda ~ de uso
na Bahia ncs "cc:.rurus de Ccsre" e nas obrirações dos O!'; xãs

r1a b.a ç
· o 1 ve semnre uma certa b a l' nur
o s • runv - c..i a , 1110
- reprimida
-~S
I"(l_ t~ler~1n
l., .' ne,. e~ ,n+~ 'ln~n
..•..e ~s~" lJT!l
...
(,C,....
<;:. __ C em o s~\.. n~d'
,"" L. nsrcel~e~r
,)\,;; .... Y10
'.J 1'1"-

te dos "sete inocentes". v. g., formaliza-se a ss i m um ve rdade i


r o a e ec.lt o , eu m 1
i
- e Ó .Ó ,

e g 1t 1mo
riJT!3nia da "c('lrda dos Ibeji" descrita por Cê'.rneir::::
••• ). TrlI'1-
bé~ os crês era certas o ca s i ôe s CC·stuE13m "a ssa Lta r" seus lTlCl1J)-

res nos Crlndnwbl~s. a caça de b~las ou moedas.


..
(5) J5 v i no s qu e a "Lamban ça" ou "Larnbuse i ra " e a-
nlaudida e de cert~ forma prescrita nas fest~s baianas de
Tk,is-rois: os sete petizes que comem "de não" num mc smo t acho
nunca deixam de sujar-se, e torna-se quase inevit5vel que su-
jem outras pessoas, inclusive os adultos. Cumpre-se assim co~
113zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK

uma injunç~o ritual - a mesma que acarretavazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


o "enxovalhamen-
tozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T' das sac,:; rdozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
t i z c.e -n a cena li túrgica de eo r-i t-a por Ribc ire.
Por outro lado, os er~s freqUentemente se deliciam a c6merdo'
UD.::' notável "f al t a de modo s!', "mc Lando+s c " à
ce s cerazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA vcn t ade
_ c os circunstantes deves ter cuidado para que nno terminem
"lar:busadc)s" t amb ém •••

(6) Nos "c aru ru s de Cosme" da Bahia, CúTI;() nos ritos


de B~je do Xanr6 de Recife; nromovem-se muitos jopos infantis
de vErias tipos; tais atos l~dicos t~m. em ambos os cns~s, um
certo sentido ritual. Este trnnsparcce nelhor nos desempenhos
dos e re s , cuj 3 s "b r i.nc adc i r as" ?,ossuen s emp r e um t eo r e x t rac r
dinário.

Xo Rio de J::.neiro 5 costume, no din 27 de setembro,


çferecer h::.las e doces as crinnç::.s - que saen de casa C~ casa,
em prunos quase scnrrc, 'cobran~o' esta d~diva. Alçumns , , pes-
soas d is t r i bu cr- n a ru.: rie sno as fulnseinas Q rarotac1'1~ em cum
nrinento
,
a r- rcne s se s f e i tas nos santos CosJ11ee Damião; po r ou
tro lado, os netizes freqUentenente n~o se limitam, nesta o-
portunidade, a visitar ~s resid~ncias na expectativa de obter
oS re oaLo s : C00. o ne smo rrc,pósi to rerc(:>rrer::
t~:jlbG!T: o comércio;
e ~uitos don0s de padari~s, c~nfeitari~s, bares, Lanc hone te s
etc. nreferem cerrar ~s partas de seus cstnbelccincntos ~a d~
ta con sag r ad a , n3.c tanto ror r-e squ i nhe z mas por rece i o - ~tli.~s
justificado - dos excess~s que a turba infantil ECC r~T ceDe

te. r que bandos numerosos de pequenos comnortam-se ne dita


oc:si~c cono verdn~eiras tropas de assalto, e poJe~, ae fato,
causar s6rics prejuízos aos negociantes. Recusar-se a, fazer-
-lhes os brindes tradicionais é coisa mal vista, que re~und~
numa pGssima ~rcpapanda - e controlar a gula dos garotos nev
114 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

~ 1 ::5zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
sempro se afigur3 passIvo ...

Huitos se submetem de mau humor às um tante agressi.


vas solicitações des petizes do privi15gia quezyxwvutsrqponmlkj
seu dia
ciososzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
lhes confere; esta demanda, de resto, ~ bem difícil de evita~
tias há famílias d cv o t a s que até promovem, em honra des "santi
nhos furis", festas bem semelhantesãs de aniversirios de
criancas, com fatura de doces, bolos, sucos etc. Em tais opor •1
tunidades, na ffi8tr6pole carioca, os garotos em geral Bozam,
IJ
t arnb em , d e urna considerável franquia, e r r a t c am
í imrunemente I
v~rias travessur~s. COMO na Bnhia, no Ria ~e Janeiro as ge- 1

reos são consideradas benefici~rios privileriadcs ca proteção


~~ Doi5-Dois,e os que t~m mabaçc5 estir8m-se cbrirados a
~:'restr.ressas homenc eens aos "Cabe c I nho s '! , í

o culto de Beje~ 5eije, Beijinhos Beiji ou BEijada


tem muito viror na Umbanda - a rito efra-brasileiro mais pcp~
lnr no sul do pais, e muito provavelmente o que conta com
~aicr n0mero de adeptos em todo o nosso territ6rio. Os urnb3~-

distas denominam Beijada a uma verdadeira multi~5c ~e entida-


des de natureza infantil que veneram; ror outras palavras, e~
tre os "espíritos Lum i no so s' aos qu a í.s rendem p re i t o há uma
"linha de crianças", c on f orme d i zern, ccmpc s t a por almas ar ru-
pedas sob a presid~ncia surrema dG CosIDa c Darni~o. De acordo
com al~uns desses crentes, os chefes da linha, ou 8eje ,'re-'
nria~ente ditos - como, ~e resto, " -
os orlxas en reTa 1-- n~o se
cnc ar naro nos médiuns, cmbo'r a vLr r ad em'
í (isto é, t r ansm i t~ni\
"f Lii í do s" em .c orrta t o con 05 qua i s os aparelhos humanos erit ram
eri t r an se) : ap ena s os seus subo rd i nad o s "baixam ã terra". Os
terDOS Beijada (coletivo), er~s (menos ernnrera~D) ezyxwvutsrqponmlkjih
crianças
usam-se como sinBnimos para desirnar estes numerosos habitan-
tes do além, definidos pelos adeptos da "lei de Umbanda" como
'espíritos de. nonatos ou de meninos e meninas "desencarnados".
Atribui-se-lhes grande poder.

EmzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
canzuás de Brasília assistimos a "festas de Cos-
me" mui to concorridas, a ss i n descrevemos emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
Ui11 outro estu
quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
do (Trindade Serra, s.d.b).
"A cerinônia se realiza num clir.a de balbúrdia in-
descritÍvel; depois que os médiuns incorporan os espíritos i~
fantis, colocam chapéus de cone colorido na cabeça, munem-se
de chupetas, apitos, línpuas-de-sogra, pôem-se a ~ritar, cho-
rar, lalar, puxam-se os cabelos uns dos outros, mostram a lín
gua. fazem c~retas. cantam e dançam em cirandas, dizep poerni-
nhas de Escolq e brincam com os balôes coloridos, as bonecas
e os carrinhos etc. que os cambonos (acólitos) distribuem en-
tre eles; os cambonos lhes fazem presente, ainda, de balas,
doces, confeitos e outras guloseimasi e a custo os reunem pa-
ra partir um bolo de anivers5rio que os garotos do 'astral'.
depois de sopradas as velas e cantados os indefectívéis Ipar~
bens', consomem junto com os fiéis, lambuzando-se a si e aos
mais pressurosos ou incautos."

En tais festejos, e s~mpre que os 2rcs·"se r.1anifes-


tas" nos gOrlc;as (onde podem ser invoco.dcs f: "oaixar" inclusi-
ve em dias comuns) r.omp e- Sê o.í.de·forma notável CCrr1 os forma-
rismos e as convenções.
\ -
Com efeito, embora benGvolos 8 ruras
.~or definição, as crianças ~o al~m - que a todos os nre;ontes
ne~s:1S c i rcun s an c i as c h ama d:e
. t -. I
t •
i t

i o "
ou ,,",
tlt:l~,
I
con':LiL::'·'l.~1-
,- '-~

do assim ~rofanos e iniciados de postes hier5rquiccs distin -


tOS - est?ic lonre de ser entidades "bem comport8.dns", scrcná.S
e ordeiras: co~prazern-se na balbúrdia e nr desperdício, cost~.
mem sujar-se a si ~esmas e aos outros, mostram-se glutonas,
-LJ(iD:2-
,
ruidosas, não raro at~ pirracentas e agressivas, falam
1 1 6 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

gens (embora nao usem palavrões), fazem travessuras e gaiati-


ces.

Por estes aspetcs, as "Sessões de Beijada" chegam a


parecer-se i rrbandav , onde se subve r-
com as "dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e xu" ou "de quzyxwvutsrqponmlkjihgfed
tem - de medo, ~ certo, ainda mais radical - esquem2s e valo-
res p ro f e s sado s pelos "filhos de fé", códigos e regras entre
eles bem estabelecidos (cf. Luz e Lapassade, 1972).

Ali~s, sefundo o depoincnto de um nossa informante,


chefe de un centro umbandista no Distrito Federal, 5 as vezes
mu i t c d i f í c i I ver d 2. d e i r a s t1 c r í a n ç (l S
d i st in gu i r das •• 9 (d a 5 i 1 LI '"'
minadas como se diz) certos exus que se intr~netem no seu
~eio - muito embora os exus se definam para ele e para todos
os de sua sei ta, como espíritos 'da t r ev a':, me r gu Ihado s na igr.2,
r an ci n e na escuridão, ma l i gno s e boçais, simples a lna s "de -
s enc arn ad as' de pessoas me squ i nha s e perversas ..• De quc lque r
~odo, os que professam tal credo tamb6m relacionam entre as
nembr o s da soturna qu í rab anca cxt r at.err cna uma classe "pueril"

I
de entidades: os cha~3dos exus-pagãos, os quais se comportam
sempre como garotos. Já vimos, em canzuãs candangos, alguns
nGdiuns possessos desses espíritos; e podemos assegurar que
sua conduta é muito semelhante, quase id~ntica. ~ dos er6s um
~ bandistas.

Conforme se acredita, ncn todo "filho de fê" tem Ul"!

"a comp anharoerrt o de c r i anç a s" po r cn adm i t e+s e aí que [}-.:ij.;' po-
de ser o principnl orixá de uma pessoa. Este santo,zyxwvutsrqponmlkjihgfe
ou dupla
de santos, no mesmo contexto designa-se tamb6rn, as V8Z~~, co-
rno Ibeji-Er~ (cf. Das Chagas Varel1a, 1973).

As crianças da Umbanda. podem "manifestar-se" incl:.:


sive sem ser precedidas por outros espíritos, e não são inti-
manente associadas orixás "maiores".
comzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I
117

Hal8:rado as divergências bem notáveis, muitos para-


lelos podem estabelecer-se entre, de um lado, as concepçDes e
pr~ticas relativas aos deuses ou espfritos infantis neste
cfrculo assinaladas e, de outro, as em vigor ne dos Candem
blés e Xangôs.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E8 ambos os domínios referidos, o culto dessas
'entidades' envolve inpredientes de certa forma 'anárquicos',
dando azo a invers6es dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
8tatus-reZationshipB~ de normas de
conJuta e pautas de interação; c afirmar-se
e propiciazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
dos
"noderes dos fracos". P'r
c c ed i merrt cs de "raen+i c ánc ia I e 'saque'
ritual fazem parte da liturgia; estQ incorpera, ainda, v5rios :i

desempenhos lfidiccs e qualquer coisa de pantomina sagrQda.

No Rio Grande do Sul floresce uma forma de culto


afro-brasileiro conhecida como BatuquG - ou Parã, corif crme
, ~ J ~
nreferem cnama-Io seus a eptos - analoga, no essencial, aos
le r s
~3ndombl~s e Xanrôs (cf. Eastide, 1971,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
v . 2, capo 3).4
kovits (1944) observou que nas "Casas de Santo" de Porto Ale-
gre os Ibeji s~o tamb~m adorados e - coisa que n~o ocorre no
Norte - "hc o.mnc,c
1 s " , inclusive, na ordem 'canônica' do X i rê;
isto quer dizer que regularnente, nas festas pfib1icas, aí se
canta e toca para eles nun Domento certo d~ seqUência litúrgi
ca est3belecid3 (entre as invocações a Oxu~ Pandã e Oxum Docô;
cf. idem, ibidem, pp. 89-90). Este fato bem indicG que os
fi~is do culto em quest~o equiparam os mabaços aos domois ori
x5s da mesma maneira celebrados, e os consideram capazes tam-
bém de encarnar-se nos "feitos". Note-se, ali5s, que os dites
crentes divergem dos seguidores dos Xans6s e dos Candombl5s
mais 'ortodoxos' ainda num outro ponto de grande importância:
entre eles um indivíduo "embora iniciado para seu santo prin-
cipal, seu 'dono da cabeç6', pode ser possuído em qualquer c~
rimônia por qualquer uma das outras divindades que baixam sc-zyxwvutsrqpon
118

bre ele" (Herskovits, r.esmo


opus citozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
passim, p.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
39). Neste:
estudo, o grande antrop61ogo americano faz mais ura observa -
Ç2~. para nós inportantíssima:

"como foi indicado ncur c artigo [refere-se a Ee:~S -zyxw


kcv i ts,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1948J, uma das descobertas ma s importantes í (10 pe r Io-
~c ~e trabalho de campo no norte do Brasil foram os detalhes
iJ modo pele qual uma pessoa possuíd2 volta a seu esta~c nor
mal. Passa por um estado chamado er~, uma esp~cie de posses -
-
que e ~escrito pelos crentes come a 'meninice que vai
cem o santo , . Este -
fenomeno e~ tam b-em
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
,-'f
connec~ao em Porto Ale-
- •
gruposzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
-e
grcs cujas d e cUvto
7 tem t~ao pouco cc~tato com
centros onde isto i encontrado. U (Pp. 93-·94 ~ c -
grifo e nosso).
Bastide (1948, p. 9) assim o comenta, compleDentando o infor-
ne:

"Les Beji (ou Ibeji), Ia jumeaux mythiques, sont


i,':entifiês 0'10 Rio Grande dc Sul}, comme dans Le NCHc.l, n St.
Cosma et St. Damien. Mais leur culte pr~senta Jescaract~res
distincts. D'abord, on laur c~ante des cantiques au cours dcs
cer~Donies et pondant ces chants on distribue aux enfants pr~
sents dos friandisos. De plus, dans le Nord, Ies Beji ne des-
"1; . - .
cendent pas, 1 s n ont pas, a m~ connalssance ct apres enque-
te faite, de fils ou de filles ·initi~es pour les ·recevoir.
Sans doute il y a, dans le Nord, l'existence ~f5tats de cemi
ex t ase ou de commencement de t rans e , l' ê ré, qui son t IDJ_S on
correspondance avec Ies Jumeaux, mais c'est tout. Herskovits
~ trouv~ ce concept d'êre, aussi ~ Porto Alegre. Mais il y a
quelque chose de pIus qu'il ne signale pas et qui distingue
10 Sue du Nord: I'existence de fiIs ou de filles de Beji.
Ceux-ci (ou celles-ci) dussent ils vivre cent ans, doivent
:cujours manger i Ia table des petits, ~tre trait~s comme
~es enfants, et quand ils sont possed~s par leurs dieux, ils
119zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

pleurent, sourient et balbutient exactement comme fent les


toUS peti ts enfants."
Vale a pena recordar que, de acordo com uma noticia
dada por Ribeiro (1957, p . 130; cf. hic p.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
(08), em alguns
Xangôs pernambucanos, em circunstâncias especiais, também bs
Ibeji "baixam"; não duvidamos de que o mesmo ocorra em alguns
Candomblés da Bahia (por outro lado, é certo que pelo menos
alguns individuos, nos Terreiros do Norte, sao as vezes pos -
suíciospor outros santos. além do "dono d.a cabeça": a famosa
egb~ antigo, tradicio -
iaIorix5 Olga ~e Alaketu, chefe de umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
naI e respeitadissimo do rito nagô mais 'ortodoxo' em Salva -
dor, embora tenha Ians~ como senhora de seu ori, em certas
ocasloes rece e tam em lroco; o ce e re 1r1aco era toma d o
.- t t b li b .• ..,. "1 b C' '"

não só por Ob aLua i e , seu "p a i " , m3S ainda por Xnngô e Ossanha,
de modo não muito raro; na verdade isto ocorre, porém, no di-
to meio, com poucas pessoas, e de forma um tanto excepcional).
Das diferenças assinaladas por Herskovits e Bastide entre o
culto gaachc e o nordestino, as mais marcantes e significati-
vas residem pois no fato de se admitir nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
Batuque (segundo o-
corre também na Umb anda) que os Ibej i figurem como o '.'santo
principal" de uma pessoa; e no de se proceder a suas invoca -
ções no Xir~. Seja como for, a circunstância Je eles ai serem
celebrados com ritos que incluem a distribuição de guloseimas
ã criançada, e o comportamento singular daqueles a quem pos-
suem, têm paralelo em certos traços de seu culto na área dos
Xangos e Candombl~s.
"'"
Indubitavelmente. muitas razoes assistem a Bastide
(1971) para destacar a do Maranhão como uma ãrea distinta e
bem definida, em termos do distribuir-se das seitas de origem
.•.
africana no Brasil. Justifica~o o predomrnio not5vel que a1
tiveram o modelo de culto e as tradições religiosas daomeanas,
120

com seu mais representativo monumento em nossa terra consubs-


tanciado na famosa "Casa das Minas" de S. Luís (cf. a propós!.
II ,
to Bastide, 1958, capo V, rp. 186-196; idem 1971. vaI.
Costa
capo ,e VI; Correia Lope s, 1939 e 1940;
1974, capozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1978;
Eduardo. 1946 c 1948; Pereira, 1947; Pereira Barreto.
Ramos, 1947; Valente, 1964; Verger, 1953).zyxwvutsrqponmlkjihgfed
Cultuarn-se na "Casa das Mina::;"os voduns (divididos
em três "famílias", azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da terra, a do raio e a dos ancest!>ais
e todos eles ordenados, ninda, conforme o sexo, e em
divinoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3

grupos de 'seniores' e 'juniores'), mais os toquens, chamados


de guias e de crianças (s~o invoc~dos antes dos voduns. e de
certa forma lhes "abrem o canünho", mas só "descem" depois de.l
tes e não possuem as mesmas pessoas); e, por fim, as T~b~ssi,
ou t~e n i nas ~ que. sern exceção, tomam a cabeça .ia s vo du 11S i -hU}l
jai; tal como as iaôs, que no Candomblé são levadas ao transe
pelos santos e pelos er5s, estas iniciadas se acham sujeitas,
portanto, ao arrebato por dois tipos de entidades.
Cantem-se entre os toquens os gêmeos divinos Toss~
e Tosse, sincretizados com S. Cosme e S. Damião, e festejados
no célebre templo maranhense no dia 27 de setembro (cf. Cost~
Eduardo, 1948, p. 80, e Pereira, opus cit .. p. 38).5
Conforme esclarece 'Bastide (1954, p. 190), os to-
qu ens ligam-se à "família" 1':05 anc e s t r'es divinizados e é, e::
princípio, em benefício destes que curnprem com a funç~o ':.-=
"abrir caminho"; todavia, há membros 'juniores' (os deuses B~
suko e Averequete) das demais grandes 'ordens' de voduns q~-=
desempenham id~ntico papel no interesse das 'estirpes' respe~
tivas ("família da terra". "família do raio"). Uns e outrcs.
pois, "jouent, dans cette re1igon dahoméenne, 1e même rôl;
que jouent Exu et Ogun dans les sectes yoruba. 11s 'ouvre~:
le chernin', ils sont les intermédiaires obligatoires entre Ies
~------ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
-I

121

hommes et les divinités." (CL iJem, ibidem, 1)' 189). Depois


comentaremos melhor este Jado inportantissimo; recordemos pr~
meiro uma observa~ão anterior do mencionado,antrop6logo (v.
ibidem,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p. 175), muito esclarecedora neste contexto, embora
diga respeito a uma pa r t i cu Lo r i dade - também notável na li tur
Vodou do Haiti - do tra~icionaI rito nag5
ria do cultozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA do
Candomblé b a i ano :

"Avant l'extQse, il se produit un phénomene particu


lier, que les Haitiens ant peut-être mieux défini que les Bré
siliens, quand ils ont (lit que les chev aux ét~liont d an s l' état
de 'saloue-la', c'est-5-dire qu'ils étaient dans un état d'i-
vreSSe lé2are, titubant, comme s'ils allaient tambor sentant
le vertige 5 Ia t~te. Le transe proprement dit ne se produi -
sait qu apr
i ê kv ec le chan gcmen t de pe r s orma litê. Nais il tl!
s .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rive aussi que Ia périede intermédiaire entre l'état normal
et l'état extatique soit si rapido que le spéctateur non
accoutumé ne 10 note mõme res; cependant, cotte période de
transition, si courte soit-elle, existe toujours, et Ies musi
ciens peuvent mõme Ia marque r par un cantique spécial,dit tan
tique (-'1' êrõ."

Na seita que estudamos, o período intermediário, de


passagem para o 'estado de santo', n~o & mayca30 d~ nenhuma
forrnrr
c spe c e L, nem asso c i.ado
í com a cri an e : t ampcuc o se co -
ç

nhece aí a "cantiga de er e " a que alude o autor citado. De


Qualquer modo, tem prande interesse notar que, conforme
l
seu
depoimento, em candomblés na go s o s crês assim "abrem c am.i n ho "
para os santos (por outro lado, podemos confirmar que em nos-
50 campo de estudo, tanto quanto no de Bastide, passa-se ardi
nnriamente do lestrr~c de santo' para o ~c cr~, embora no cu~-
80 da iniciação as "c2~ianç(1s,1 p r e c e dam ) , Por ai peje vislumbrar
l ~ . ~ ~
-se uma certa ccrresponúenc1a entre er es e toquens - ma lgr adc
122

o fato de estes filtimos n~o possuírem as mesmas pessoas que


os voduns tomam.

Costa Eduardo (opus cit •• p. 79) leEbra que a comu-


en perfeito acordo COI': a "teologia
nidade "mina" de S. Luís.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
-" , ret~m a crença de que a divindade mais jovem de ca
d o D aome'
~
do.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
panteonzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e sempre um thrickster. Bastide percebe com clDre-
za o alcance deste asserto; e quando aproxima oszyxwvutsrqponmlkjihgfedc
vcduns 'ju-
n i.c re s ' dos t o quon s c i t a com muito propósito uma pas sag em on-
de Ve r ger (1955a, p . 174) ,falando de Ave re qu e t e , sub Li.nha "Le
co.ract~re nalicieux, indiscret ct scabreux de cette divinit&,
qui 10.. fait ressembler rr Exu" (cf. Bastide, opus cito supra,
p. 190). Sobre este ponto deveremos estender-nos mais adinnte.

Apesar de as Tob6ssi serem todas do sexo feminino,


os paralelos verificam-se muito mais notáveis entre di t8.S en-
-
tidades e os ercs. como se pode deprecnder dos seguintes tes-
temunhos de Nunes Pereira:

"Es sas Tó bô ss í ou Tôbôc; S::10 agradáveis. alegres, c~


Mu1am ~s pessoas de ~resentes. dançam, brincam com bonecos, co
0cn frutas sentadas no chão, principalmente nns festas chama-
das de p8.garnento e no Carnaval. A l{ngu~. por6m, em que se e!
primem 6 difícil de ser entendida. As Tôbôssis esoiritualmen-
te, são t ambêm cons Lde r ada s ,.s eriho r as" (Per e i rc , opus ci t. ,

Ob serv a Costa Eduardo (opus cit., p. 80) que ['$ "M~


ninas" são dominadas pelos v o du ns de sexo ma scu Lâno que J.l0S-

suem, de ordin~rio, as vodunsi; elas ocupam, pois, uma posi-


ção subalterna com respeito a urna divindade principal cc~
quem compartem o privil~gio de tomar a cabeça dos iniciados-
tal como sucede com os eri8~ em reZaç~o aos santos das ia6s.
As circunstâncias em que são festejadas as Tôbossi revelam-se
rr
r "'..,
1•.• zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J

!
~,
,,' muito i
sempre um interregno,
if t tempo
taPl zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bén s

• gn í c a Lva

um período
s : o do Car

m i n a»
nav a I

(cf. Da i:i~tta, opus


representa
'l i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
cit.). propício ao instnurar-se da eommuni t ae ; e a "festa de
pag[lI'lento",
que de certél formo..fecha o ciclo iniciático (Ve
Costa Eduardo, opus cite, pp. 72-73), tem certQ an2.1o~i2. cem
a d a "qui t an da d a s iaôs", r e a l i zad a no Ccndombl ó , eE1 que os
er~s, confcrme verewos adiante, desempenham um ;apel importan
t{ssino. ror outro lado, parecem bem nst6rins as corrospond~~
das en t r e 3 I' lTlgU2.p-Cm t t
ccmp il'i ca d'"a' o as -"
ue n i rias G él d os eres
(cf,lúcParte III .cap , F' e Vj Pa r a ilustrar todos estes pontos, con-
v~rnque cite~os mnis UDa vez Nunes Pereira (pp. 38-39):
,,~-
ri resta ri
uO
P~af~mento '.. d e gr3n d c import~~cia
e na Ca
sa Grande: rS2.1izan-na um demiTIro de;ois de 19 do ano. Os vo-
duns baixan para pagar os tocadcr~5 (de tambor, de cabaç~) e
a tocadeir3 de f2rro ou 5gan. r UP8 festa bonitn que depende
de muites recurscs. Nela o pagamento consiste em fazenJas, be
bidas, objetas de uso individual. No Carnaval as Meninas ou
r6b6ssis (76t3cis?) celebram UDa festa com danças, CD redor
de uma PT1:!Jl(le travessa de o c ar a j ê • Nessa festa, que t ambêm se
chama ";)35 :'cn i na s f', a1é1'\do acaraj é aparecem as pipCJC1S tOT-

radas c as T~b6ssi comem e distribuem fr~tas. um


dia, "una ':bnça, no dizer de t\rdrcsa ia r i a , Ip:cjerada'. E, ao
dançar, vão distribuindo pipocas ~ frutas cntr~ as irmãos e
irmãs, filhos e filhas ~os vQjuns, t2~bén disso p~rtici,;ando
a assist6ncia. Cantigas especiais s~o er~uidas Jurante essa
festa.
"Festa De s i gn i f i c aç ào religiosa di gna d~; registro
é a r ea Lí.z ada com as Tôbôss;, 'que são espíritos' e, baixando
~,terra, 'vivem c orao as pe sso as I, isto é, human i zam=s o , cxp l i.
ca A~-l
!~,:<: r .'";:,a
--_ ,,',,'
i -r a ( 1 a . Sentadas no chão, como acima referi, brin -
cam com bonccns e conversam entre Zingua especiaZs di
si numazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
fIeil de ser co~preendida. Andresa Maria diz que falam 'bem
~borrecidc G a t r ap a Lhudo v ;"
124

NOTAS AO CAPITULO III (PARTE 11)

1. Sobre o Xang5, ver: Ribeiro. 1952 e 1957a; Fernandes, 1937,


1938 e 1941; Lima, 1937; Bastide, 1971 (vol. 11, pp. 266-
-281); Valente, 1955 e 1964.

2. Binon Cossard (opus cit., p. 165) fala tamb6M sobre a cap~


cidade prof5tica atribufda aos er~s.

3. Em Brasflia, tal como no Rio de Janeiro. ~ costume distri-


buir doces e balas ~s crianças no dia de Cosme e Damião.

4. A propósito do Batuque, ver: Ramos, 1940 (169-174); Hers-


kovits, 1944; Bastide, 1952 e 1971 (vaI. lI, pp. 287-298);
Laytano, 1956 e 1958.

5. De acordo com Costa Eduardo, 1946 e Bastide, 1958,n~o ocar


re nenhuma possess~o na festa de Tas5~ e TOS55.

CAPTTULO IV

LABIRINTO
126

"Les jumcaux. Ibeji chez Ias Yorubas et 1-10110 chez


Ies fon, sant objet d'un culto; cc ~e sout ni dos orisha ni
~es voduns, mais Ia c6t~ extraordinaiYG de ces TIJissances deu
bles. cette nreuve vivnnte Ju principezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
~c dualitG, lcur conf~
re une uarcellc de surnaturel qui rejaillit on partia sur

mo~iza-se este asscrto com notãveis coloc~ç6es de Marcier


Q~51
( 1_;.~ .
que aSSOCIa 'f
00 orna 110m cInra os pr1vl
' '1-' .
CgloS Slmoc~l' 1- 1

co s e r e -.,
r i gr o sos ;; 1 -,
,-,LI gene a r i.cao e no uaomo cem c
À ,,-

r ac t c r i s t i co (';, s,seio"e'::,sr>0"lógicn f cn ; cf. ich;!;1, p. 323: "L::


ncci6n ~e Ias S0res ge~elos ( ..• ) cy-rosa 01 e~uilibria entre
lns opucstcs, que oxpresa Ia nisma del rnundG.
naturnleza LI
nncirniento ideal r me r os
es un n~cimiGTIt0 de gcrnelos:zyxwvutsrqponmlkjihgfed
1 0 s zyxwvutsrqponmlk
p zyxwvutsrqponmlk í

h~~bres siernpre se reprofuciercn Je est~ suerte alIes mismos,


y el heche de ser ~sto m5s raro ahora es como evidencia de
que l~s CCS3S no marchan Rejcr. El cult~ de 105 gcrnelos (ho -
')CUPLl, ruc:s, un Ím':!crtt1nteLug ar en 1<:1 vida r.}aheTIlc/(lTI-:,"

Thoric s fI !.,UIlC[!U c ccr robc r am: "Ce n' c s t ~X1S pLlr h assard que
Le s Fon Ól Dahome y orrt une v i e poli tique due Ll e ( •.. ) et une
rytholu[ie :~e Ia g~mel16it6, cellc ci aynnt )our tache de r6-
soudre Ia dialcctique das contraires (foncticn ~'5auilibra
t íon ) ;" (Cf. Thomas & Luneau, 1975).

culto
dos

1966:423). Num ensaio ne qu~l trat~


0CDonstrar que o ~itc jogo Jivinat6rio sc acha estrutur~~' da
127zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

assevera: "O mesmo p aur


1
ao e xp 1"r ca t ambem
, -
~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
por que os signos
são concebi~os não como sin2is simples, mas como pares, come
g§meos, e poralmente como pares macho e f~mea. Observe-se, de
nassagem, que a cu1tur8 Yor~b5-N~g6
j;
na Bahia reserva um culto
" 1 aos [eTI'.ecs,
espeCl8. - Ib e j.••
1 (a ss
. oc raao
. s a C o sme c nua;;:18C.
. - )1A\- li

li5s, scgundo viRes, os adeptoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB


fo CandQmbl~ colccam mesmo
entre os
. ~
or~xa8 ,..
os 0IVlnos ma b aços. 1 "\·uantc aos eres,ca
- be agQ
ra assinalar u~ fat0 capital: eles s~o percebidos incZusiw co
ia
m o oc r aa i
de6'1-2'OS ",
C 10U.O l-ets'
., 7zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
.' aos s an t.o e ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
s czz s
e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
C 0 i:1 0

(er'1bCT8 lhos "obrar:'c an n ho'"; í Ba s t i.de pa recc t o r Ln tu L!o vag~


mente a iDrcrt~ncia da relação em causa, embora, a nosso ver,
falhasse c::", interrretá-la. Mais a~iante tratnremos assun-zyxwvuts
to. ) •
A irnor~ncia do dn20 que ressaltamos obscureceu em
~rande medida as an51ises e discuss5es dos estu~ioscs da ctno
arnfi2 ";:rfrc-brasileira" em torno ao t'roblem8 dos erês. Mas
"
iroporta a~ui volver ~ elns. Vej~8os, prImeIro, uma colocnç5c
Muito importante ~c Herskovits (1948:9):

"Tho BD.hian pos t-:",C


5 se 5 sion phcnoricnon t erme d 8,C

since 0iscovere~ in TrinidaJ by Espinet and Eduardo - is a


Major contribution of Afroarnericanist research to Africanist ,
,d

stuc'ies. The :-henomenon o f »o sscss i cn is ub ou i t ou s in í West-


-African, if n o t in a lI Af r i can r e Lí r i cn . It h as cften been
recorde~, an~ in these 'Cescri;tions thc states ~recedinrr DO~~

session, and pcssessicn its~lf, ~rc invariab1y treated. But


the experience of c08ing eut af possession has thus frr beBn
quite overlooke~. In 'Bahia, however, and at times in Trinidad,
n person copinr out Df rossession ~oes throurh a transition21
s t ace , whe r e i n he í s 'in s t a t c of crê'. Tha t Is , hc ',10C5 rio t
at once recovcr his 'solf', The ~eity is envisaged as havin2
with~ra~n from 'his hca~' but is re:,lace~ by that attribute
128 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

af the fod which is his rnessenper, and his childhood stat~ To


see cult-initiates in this stnte - and it is not easy to do
se - is adiverting experience. Some of them caricature the
choreopraphy of the ritual rlancing for the fO~S, some feed
thezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d rumme r s , stuffing f oodzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
in t he r mouths, C:S t he y
í p l ay
their instruments, some sing children's son~s, or pIay
children's pames, ar enrage in mischievous ?ronks. An ex-
ce~tional one may be morosa, or arnorcus, ar quarrelsorne. ln
Bahia, a troublesome er~ would not be allowed by the cuIt-
-head to 'pIar'. but would be ritually dispatched. Guite
as i de f rom t he p syc hc Loc i ca I p rob lems t hi s phenomenon sugpests,
its im~nrtance in the religicus context af these tWQ Afroa-
me r can rroup s lias not cn l y in the nev data this uncovers but
í

in its implicaticns for a more comp rchon s í.ve unr.e rst and í.n r of
African relirion.

the Ycruban infcrmants knew of this mode af


ceminr eut af pcssession. The worJ er~ is Yoruban. and is
nart of the complex of 'little creatures' known as
erG~ egber~, etc. And there are deeper implications. for, in
the religious systems Df alI ~est-African soci~ties, nnd
nerhaps in other repions, the 'little ?eople'. usually of the
ferest, hold o. p1ace cf im~ortance. A query in a letter to nn
Ashanti friend elicited a reply'that the sare phenomenon ex-
ists amon? the Ashanti. and an lbn declared th~t ~ach deity
has n multitude af these crcatures which he assirns t:

Ba st i de (1958:199) levanta dúvi(ias qu an t o ao s ú1ti-


~os assertes de Herskovits aqui citados, arfumentando assim:
"il faut bien noter que les Ori xá eles Yo r'uba , jusqu I ~ préscnt,
n'cnt jamais ~t~ 1i~s, par aucun ethno?raphe, du moins ~ n6 -
tre conaissance, aux espritszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
ijimeri~ er~3 egber~~ auxquels
• zyxwvu

129

nôtre auteur fait allusion." Has o fato é que qualquer membro


do Candomblé baiano subscreveria tranqUilamente a declaração
do informante Ibo de Herskovits, e aceitaria também definir
COMO "T'equenas criaturas d~ floresta" os erês.

Cotejemos agora a passarem discutida com uma expla-


naçan de Verrer (1957a:258):

"No período que separa o dia da ressurreição daque-


le em que o iniciado recebe um novo nome, este parece ter per
dica a razão, ê mergulhado em um estado de a1heiamento e de
atonia ment~l; esqueceu tudo, não sabe mais falar e não se ex
prime senão por meio de sons inarticulados. O iniciado, nesse
estado, é chamado Ornotun, menino novo, na Ãfrica. No Brasil
d~-se a esse estado o nome de estado de 'erê', que é uma abre
viação da palavra "a we re ' (pertur bado , alheiado). r,' neste
shzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
í

estado, em um espírito livre de toda a lembrança anterior,


que serão inculcados os ritmos particulares do orisha, seus
cantos, suas danças e todo o comportamento do deus. Uma es-
treita associação se estabelece entre todos estes elementos e
como o ~edaço de 'rnadeleine' de MareeI Proust embebido no ch~
bnstava para fazer ressurp,ir nele 'o tempo perdido' com uma
grande precisão, mais tarde, da mesma maneira, sobre o inicia
do, jã de volta ao seu estado normal, o efeito de banhos de
certas folhas, combinado com ã audição de certos ritmos e a
execução de certas danças, fazen ressur?ir nele o comportame~
to do deus.,,2 Pouco mais adiante, o estudioso acrescenta (pp.
258-259) :

"O papel do estado de 'erê' ê o de conservar virEem


de toda impressão o espírito do iniciado, do mesmo mo~o que o
emprego do eletro-choque é realizado em psicoterapia para ap~
p:nrcertos complexos
,)
que afetam uma pessoa doente."
130zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB

Deixando de ,'arte esta infeliz comraraçClO,


- vale a
pena tornarmos a uma obra j~ referi~a do mesmo etn6rrafo. e a
acimazyxw
um trecho desta que complementa o informe transcrito

, (cf. Verrer, 1954:171-172):


,-:
"Pendant l' in1tiation, Ia novice e s t pl~mf'é dans un
état d.' hébétu~e, di atonie mentale, son espri t semblc vLté,
1av6 de tout souvenir. Les Nn?oS le qualifient alors 'e Obou-
ryth:mes,
toun. (•.. ) ('est dans cet état d'Oboutoun que Ies
les danscs et tout le comportement du dieu deviennent fami-
liers au novicc et s'établissent en lui. Au ccurs des ceremc-
nies, Iorsque le dieu a quitte avec Ia transe le corps du
i yawo t celui-ci se comporte cornme un enfant cn b as ê.ÇTc, r i an t
à tout pr opc s , Si exprimant avec des ·"aroles enfantines, T'3.S-

sant d'un état J'alleRr~sse enfantine à des )6riodes de resi-


rna t iun bouj\...~use.
11 reste a i.n
s i v i n c t; r.u at re he ure S 3:U rio i.ns,
sorte
Le ~ieu lai55e apr~s lui, dit-on à Bahia, 'er~l, u~c
~'a~jcint qui l'acco~parne.
In.eme
'soundid5,3 les novices sent dans cc
état et les Narc en Afrique disent que les novices sont Ona~-
(enfants nouveaux). L'état de 2re est elenc, pour le -
toun memE
de Ia transe i l'état de veille, une ~tare sur le
fin de leur
chemin que calui que Ias no~ices ont suivi ~
L:.: 5 Omantoul1S ne
initiation, vers le retour i la·vie normale.
reprehdont conscience d e leur con,::i
tion di honmes qu arTeS le I

jour o~ ils recevront de Ia divinité laur nouve3U nom et l~


not:::.,
rrr oc 1ame ron t nu cours d une céréDcnie
I }1ub1 i('~ue ." NUD.2

':bidem~ Verre!' atribui a "certos babalorixás" a


c r c < a s h zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Í':I e r e .

A res~eit0, observa Bastide (opUS cito supr~,


si je suis d'accord sur le5 f~its, il ne reste
2Cl): " en Afrique du nop J'~r~,
moins que cet ~tat n'est ,as
131zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON

1&:5 d'omantoun. D'ou une question: pourquoi ce chanrement de


~~es, une fois que l'on sait Ia fidelité des Negres de Ba-zyxwvutsrqpo
!:.; à Ia patrie de leurs ancêtres?" Que a etimologia ere- <
E-i~er2 aponte o rumo do esclarecimento também lhe parece du
~::so, pois um seu informante, o babalorixá Cosme, o adverti
:-1 expressamente de que, como diz o autor, "il ne faut pas
=~~ondre l'eré avec l'état de folie enfantine qui a lieu, le
1:_5 souv en t , au cours des cérémonies d' ini tiation". Daí que
~::ure uma outra solução para o problema.

Parece-nos que o grande antropólogo procede aqui


um certo casuismo e deixa-se levar por sofismas. Já nota-
~: que ele descarta afirmativas de Herskovits com demasiada
=l:ilidade; se os adeptos do candomblé definem os erês como
·~~:.uenascriaturas" ligadas ao domínio da floresta,4 e os
::~~ba não apenas concebem a existência de tais entes mas ain
U JS chamam, inclusive, de ere, isso por certo é significati
.~" por outro lado, segundo também já observamos, os fiéis do
~::o afro-baiano admitem que a cada orixá corresponde uma
~::idão de espíritos infantis deste tipo - é assim que, as
'~:2S,e~plnnnm a condição das crianças. Consideremos agora
u :olocaç6es de Verger de maneira mais isenta. A hipótese que
~=:e refere de um vínculo etimoló?ico entre os ternos ere e
:: - ir/e re fo i proposta por sacerdotes baianos do ri to em causa;
~=:1 claro que os mes~os a conjeturaram com base na percepção
:= 'JITl traço muito Lmpo r t arrt e , de uma carac t.e r i s t í.c a digna dezyxwvutsrqponmlkji
~ = :evo do objeto de suas reflex6es, e na da semelhança e~tre
t:
,.-
"Jalavras 10P.'oconfrontadas. Ve rger , com efeito. quando subs
w ~.# .• • _

~eve tal hipótese, não aduz para corroborá-Ia raz6es sufici-zyxwvutsrqponmlkjihg


~:ei, de natureza lingUística; mas ao referí-Ia ensina-nos ~
~ sobre a maneira como é percebido um fen6meno religioso pe-
::5 que vivem o sistema onde este se enquadra. Postas as coi-
noS devidos termos, dá-nos ciência de que a relação entre
132zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

er'êe a szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
h i we re e pertinente para alguns sábios do Candomblé;
isso em princípio não nos impede de admitir que "the word el"G
1s Yoruban and is part of the complex of 'little creatures'
known as ijir.l8rê~ ere Ggbere etc.", como quer
9 Herskovits;
aliás, ainda caberia perquirir-se a possibilidade de um víncu
10 etimo15gico entre estes e o termo ashiwere.
Tampouco o fato de que os ioruba falam em omantun e
os afro-baianos em erê deve confundir-nos; nio hesitamos em
reconhecer que e a mesma a divindade por aqueles chamada de
- 5 ~
Oya e por estes de Yansa. Bastide, p.ex .• nunca o pos em du- '
vida, conquanto permaneçam um tanto obscuros os motivos da di 11

verg~ncia termino15pica. E de qualquer modo, o fato de os de-


signativos serem diferentes não prova que o sejam"oszyxwvutsrqponmlkj
designa- 1
ta. Por fim. quanto ~ advert~ncia do babalorixá Cosme, ela
nos parece ter apenas um sentido razoável: aponta i necessida j
de de fazer-se entre dois fen6menos a mesma distinção que os .
Nag6 da ~frica realizam opondo Obutun a Omantun. Já na Afric~ /i

o segundo desses "estados" pode ter sido posto em correlação


com manifestações dos pequenos espíritos da floresta (discuti
-10 não importa muito para nossos prop6sitos neste estudo).

Insistimos, porem, em que as colocações de Verger o


Herskovi ts têm um grande interesse. Recusando-se a dar-lhes o
devido valor, Bastide acaba por'cair em conjeturas artificio_
sas. Assim argumenta (opus cito supra, pp. 201~202):
"Les Yo ruba et Les Fon distinguent déjà dans leurs
groupes divins des divinit~s jeunes et des divinités vieille~
ou en tout cas des divinités 'moderées et des divinités 'vio
1

lentes'. Dans une lettreque M. Theodore Monod avait bien v~


..
lu m'écrire à ce sujet, je releve Ia phr ase suivante: 'Ot
trouve, dans plusieurs groupcs divins, un elément modere, p~
dérateur, dont Ies caract~res pourrraient être aisément rap:
133

port~SzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
i l'ãge. et un ~IGment violent, vigourcux, charg~ par
exemple de I'exécution des ordres du chef de groupe divin, et
qui est souvent détrit comme le,plus jeun8 fiIs de ce chef ...
Dans le cas o~ le groupe divin pouvait ~tre Ia transposition
d'un groupe de personnalités historiques, dynastie par exem -
pIe, on pourrait peut-~tre déc~ler une hierarchie d'ãge. zyxwvutsrqponmlkjih
(28
I

novembre 1947). Les Africains connaissent donc une distinc


tion entre un dieu rnodéré et un dieu violent, sauf que le
dieu modêré est ceIui qui est le plus ãgé. Le phênomene, qui
ne peut que se manifester dans l'expression extatique, existe
aussi i Bahia. Mais il s'y ajoute un troisieme éIêment, qui
nOU donnerait: dieux ãgés, modérés - dieux adultes, violents-
esprits enfants, modérateurs. Les esprits enfants naitraient
de Ia rencontre de deux phênomenes qui s'interferent. 11 se
serait produit, dans Ia nensée de beaucoup de fideIes, et ga-
gnant mêrne peu i peu les pr~tres, une confusion par suite de
Ia similitude phonétique des termes entre IG possession par
de 'pétites créatures' qui provoquent des demi-transes, les
ere ou autres f,énies des bois, avec Ia 'folie enfantine' ou
Ashiwere~ qui suit l'état d'hébétude, et qui est um demi-re-
pos p or r 1a fille sortant du 'bain de sanp'. Peut-être y avai t
il ã l'origine une distinction marquée entre les deux phénom~
nes, analogue ~ celle que nous avons trouvée a S. Luiz do Ma-
ranhão entre Ia possession par les tokhueni ou les 'dieux je~
nes' et Ia possession par Ies tobosa. Peut-~tre aussi,quoique
cette hypothese reste encore plus aventureuse, c'étaient au
début surtout des fiIs de Xangô qui étaient possédes par deszyxwvutsrqp
éré de Ia f or e t v "

A hipótese ê bastante complicada e apoia-se em con-


jeturas improváveis, inverificáveis; supõe, entre outras coi-
sas, um processo obscuro de difusão de equívocos - e se ba-
seia em pressupostos duvidosos. Para começar, o fato e- que os
134

eres em muitos de seus desempenhos mostram-se bem mais violen


tos que qualquer "divindade adulta". Por outro lado,zyxwvutsrqponm
S0 é cer

to que os adeptos do Candomblé distinguem entre uma formazyxwvutsrq


ju - zyxwvut

nior e outra senior de cada orixá - pelo menos com grande fTe
qUência -, nem por isso opõem como grupos os deuses "mais ve-
lhos" aos "mais moços". Talvez deva ainda ponderar-se que uma
iaô é possuída ou por Oxalufã ou por Oxaguian, v.g., nunca p~
Ias dois - e não vemos como, neste caso. o erê, ou os erês,
mediariam entre o 'ancião' e o 'jovem'. Finalmente, lembremos
que no panteon do Candomblé existem também orixás infantis
(como Logunede e Ogun-jã). e não só, portanto, "velhos" e a_ tl

dultos". De resto, todas essas lucubrações verificam-se inú-


teis, pois se acaba por postular a "confusão" entre ere ezyxwvutsrqponmlk
As-
hiwere. (Aliás. seria preferível, desde nosso ponto de vista,
falar aqui no estabelecimento de uma correspondência, nazyxwvutsrqponm
des-
coberta de uma analogia entre coisas que são parte de um mes-
mo sistema).
O testemunho do babalorixá Cosme, informante de Bas
tide. sublinha a necessidade de distinguir entre dois momen -
tos num mesmo processo, tal como o fazem os Nagô de África (-
pondo Obutun a Omantun. Com isto pode bem correlacionar-se _
hip6tese de outros 'sacerdotes baianos do mesmo culto que de::
varo erê de ashiwere, se admitirmos que eles assim
sua percepção de um fato: as manifestações dos crês se orig:-
nam de um estado de "perturbação" e "alheiamento". Isso r.s:
impede que as crianças possam, inclusive, definir-se como eE-
piritos infantis adidos aos orixás e ligados com o domínio ~
floresta (do mato, ou da manhonga).
':Z::;:4"";~ Tornemos
a um ponto capital nas expzyxwvutsrqponmlkj
Lan açf ,
de Verger. Num trecho já citado (1954:171-172; cf. supra)
ele: "L'état d'éré est dancs pour Ie passage de Ia transe
135

:'~tatde veille, une ~~~?e sur le meme chemin que celui quezyxwvutsrqponmlkjihg
:es novices ont suivizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à Ia fin de leur initiation, vers le re
:Jur à Ia vie norma Le Isto é bem exato, e tem mais Lmpor t ân
;!'

:ia do que à primeira vista pode parecer. No Candomblé, com


efeito, os eres marcam presença não apenas na aventura dozyxwvutsrqponmlkjih
ini
:ium, mas ainda no ordinário da liturgia comum, por assim di-
:er-se.E quando, fora do ciclo iniciático, arrebatem as iaôs
'substituindo' os santos, este sucesso de fato assinala uma
~lssagem semelhante ã que cumprem os neôfitos na via de retor
JJ ao mundo normal. Não se pode interpretar o 'drama dos er~~

sem que se leve em conta os dois 'atos'. as 'cenas' diversas


JBS quais decorre; ou sem que se ponderem as analogias entre
-s momentos em causa.

~ curioso que estes personagens e seus desempenhos


~ajam permanecido quase de todo invisíveis aos estudiosos ju~
:0 na parte em que melhor se de~cortinam. fora dos inviolá
~eis limites da clausura mística e da via sacra dos ne6fitos.
=mbora mais avisado do que Ziegler (1972), para quem os eres
i f est a.zdurante a feitura e nunca ultrapassam o run-
só se manzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
~6.Bastide (1958:200) chega a intrigar-nos com esta declara-
;ão: "Nous avons vu que c ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
ii t:e p o ee e e e i on par Le e éré est si
~apide dans Ie cas des transes cérémonielles qu'eIIe passe en
~Jnéral inaperçue et que, pour pouvoir I'observer~ il faut p~
,;;5trer dana I 'initiation" (cf. idem, ibi
Ia ehamb r e ou se fait
:em. p. 179: "De merne , Lo r sque le dieu a été "r cnvoyê ", son
:heval ne revient pas immédiatement à Ia normalité, il reste
~n moment dans l'état dl~r~. Mais ici encore, Ze phénom~ne
;st si fugace" qu'i I faut fair2 bien attention p ou» Le no t e r:"
Js grifos são nossos). Bastide ignora assim, inclusive, uma
s.dvertênciade Ve rger (locus cito supra, c f , hic p , \30) ex-
Jressa com toda clareza numa passagem aliás comentada pelo au
136

tor dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Le Candomb1-é de Brhia: "Au cours des c::rémoni0s, lor5-
que le dieu aqui tté avec Ia transe Le corps duzyxwvutsrqponm yev.o , celui-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
í

-ci se comporte corome un enfant en bas âge. riant à tout pro-


pos, s'exprimant avec des paroles enfantines, passant d'un
état d'allegresse enfantine ã des périodes de resignation bo~
deuse. rI reste ainsi vingt quatre heur39 au moins. Le dieu
laisse apTes lui, dit-on à Bahia, 'ere', une sorte d'adjoint
qui l'accompap;ne." (O grifo é nosso).6
O muito pouco que a etnografia 'afro-brasileira'teL
assim a dizer sobre o 'drama' referido diz respeito quase qu~
exclusivamente ao 'primeiro ato', ou melhor. a breves epis6 -
dias deste. E ainda aqui alguns dos documentos mais 'comple -
tos' devem-se não ao trabalho consciencioso de antropólog8s
profissionais, mas ã indiscrição de diletantes ã caça de cu-
riosidades e estranhezas: amadores como Clouzot e Silva, des-
preparados e cheios de preconceitos, incapazes não apenas C~
entender o que viam e ouviam, mas ainda de enxergar o que ti-
nham diante dos olhos. Seu etnocentrismo visccral. sua prope~
são a reduzir a barbarie grotesca. ignorância e perveTsidac~
os fatos observ~dos tornam suspeitas suas declarações; mas s:
mos forçados a considerá-Ias, joeirando-as como pudermos.
Clouzot. qu~ subornou um Pai de Santo pouco escru~_
1050 para penetrar na camarinha. relata, entre outras cois:~
(cf. idem 1951), o despertar das iaôs depois do transe viol~'
to ocorrido no curso do bari de feitura: descreve neste pon::
como as noviças passaram, estimuladas por uma ekede s de um es
tado de apatia e mutismo completos para. um rápido período c;
excitação em que se puseram a lalar com voz aguda e estTanh~
segundo se infere do contexto, os circunstantes então as ch~
mavam pelos nomes dos respectivos orixãs. Esta cena OCOTT

pela madrugada~ ã noite. quando voltou a vê-Ias, o jornalis~

\
137 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

notou que as iaôs "tj:r',":1.


regredido ainda mais" e o Pai de
Santo lhe explicou que elas se achavam "em erê" e assim perm~
neceriam at~ ao t~rmino da iniciação. Percebe-se bem que Clo~
zot advertiu, embora vaga e obscuramente, a diferença entr0
duas fases; está claro que houve um progresso onde ele julgou
ver um~ regressão. e tamb~m significativo que só na segunda ~
tapa lhe falaram em erês, conquanto na primeira as noviças e~
tivessem. de forma inegável. num estado de 'folie enfantine',
e se comportassem ~omo ashiwere - fossem. i.e •• por outras p~
lavras, Obotun. As imprecisôes do relato não permitem uma vi-
são mais clara do processo. mas já temos aqui qualquer coisa
de muito interessante. Clouzot nao se refere aos complexos m~
canismos rituais por cujo meio vem a 'fixar-se' na cabeça de-zyxwvu
vota o ere- e o sant~ neste ponto, todavia. podemos recorrer a
um informe precioso obtido por Bastide dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
babaZorixá Cosme
(Bastide, 1958:195):
"Celui-ci me disait qu'au cours de l'initiation, on
fixait 1(; ('ieu ã ses différents âges, en ccmmenç an t par le
plus jeune pour finir par le p1us vieux, en raison de un par
jour, ce qui fait que lors de Ia transe, Ia divinité possede
Ia Eei.nne d an s l' ordre Lnv erse de Ia prise ini tiatique (tout
commc si l'extase suivait Ia fameuse loi de Ribot dans leszyxwvutsrqp
M a'
-I
ladies de Za PersonnaZité), en commençant par le plus vieux.
pour terminer par le plus jeune. Cette affirmation, telle que
je Ia trouve notée dans mes pcpiers. n'est pas valable. Car;
on n'est pas Ia fils de Xang~ en génér8l, ou de Oxalá en gén~i
ral, mais de tel ou tel Xangô, ou de tel ou tel Oxalá, jeune,!
ou adulte, ou vieux. La divinité que l'on fixe dans Ia tete
est donc une divinité qui a un âge déterminé, et ce1le Ia seu.
lement. Cepcndant, comme cet te conversa tion étai t p ar t i ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
.1' un e
discussion sur Ia nature de l' ere, 11 est três po ssi.ble que CE:

que Cosme vouiait dire, c'6tait que l'~r~ ~tait fix6 aussi,
138

au cours des cérémonies initiatoires (.••) avant l'Orixã


même." A interpretação de Bastide do testemunho referido
muito arguta e. sem dúvida alguma,acertada. Mais adiante
naremos ao exame deste ponto. Vejamos agora o que há aind~
ra tirar de Clouzot.
Uma explicação dada pelo Pai de Santo Nestorzyxwvutsrq
ac
cionado rep6rter i bem digna de interesse; afirmou-lhe o
cerdote que assim como cada orix~ tem seu Exu. tamb~m te~
erê , que t osna posse da iaô depois de despachado o santo. ~..
I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

veremos o quanto a aproximação assim feita entre a crianç~


o divinozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
trickster i significativa
•••. Bastide o notou mu t c
í

e por isso insistiu "na tríplice estratificação mística c:-


-exu-ibeji (ou erê); v. Bastide. 1973, p. 321 (cf. idem,:~
Passemos, todavia. ao depoimento de Silva (195:
"Geralmente, durante o período de internamento
camarinha, as iaôs se acham possuídas por espíritos
res, de índole infantil, a que dão o nome de ierês. Por
motivo aí se encontram vários brinquedos para distração
travessos espíritos: carrinhos de lata, ~edrinhas colori:
pincéi~. tintas, lápis de cor. Essa é a razão pela qual ~
redes da camarinha estão sempre cobertas de garatujas.
senhas idênticos aos que em crianças costumamos fazer. L;
em quando os ierês se torriam tão insuportáveis nas suas ~
quinagens que precisam ser castigados para se acomodare"
tão a mãe-de-·santo vai à cama ri.nha e, com uma pa lnat Sr i ;
panea a iaô portadora do ierê. acalmando assim o irre:
espírito." O r epô r t er de O Cruzeiro menciona também, Lo;;
-
seguir, o fato de que ..as vezes os eres- conseguem evadir-o.
clausura - e dá conta do recurso de prender-lhes ao tor::
um xaorô, expediente utilizado pelos iniciadores para
tar a busca das crianças fugitivas.
139

ExageroszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à parte, temos aqui uma importante notícia
~:erca de elementos fundamentais na liturgia dos er~s: seus
:2sempenhos lúdicos, suas burlas e o rito da ximba - coisas
:2 que nos ocuparemos com vagar em outra parte desta disserta
;10. Por enquanto, continuemos seguindo a trilha de Bastide,
: estudioso que mais se preocupou com o problema em causa, e
:rocurou com ardor uma rota segur2 no labirinto dos vagos e
~ragment5rios testemunhos - por ele mais de uma vez esmiuça-
:JS - a respeito do 'drama' das crianças divinas. Vale a pena
:itar ainda uma passagem onde o antropólogo reflete sobre os
:itos textos e informes, aqui j5 expostos (cf. Bastide, 1973:
::21-322) :zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

!IA sociedade nao so fornece o modelo do comportameg


:0 infantil, como também, sob a forma de tradição africana, é
~esponsável pela origem desse tipo de estado místico. Um dos
:ais-de-santo mais notáveis de Salvador /refere-se ao babalo-
rixá Cosme/ elucidava muito bem tal caráter sociológico, pre-
~enindo que não se confundisse a 'maluquice' que se segue ao
transe com o er~. A 'maluquice' é, no fundo, um estado psico-
lógico, uma espécie de conseqUência do choque do transe: qua~
:ioa c'ise termina, deixa o indivíduo num e s t ado de depressão
~ue pode se assemelhar a uma volta à vida infantil; mas oere,
sjuntava ele, é um deus (... ) Finalmente, a tradição africana
explica o lugar do erê na iniciação. Trata-se de uma transpo-
sição psicológica de um ri to banal, característico das Ln i c ía
ções tribais. Quando terminam os ritos de puberdade e os jo-
vens adquirem uma nova personal idade. 'regressam ã aldeia imi-
tando o estágio infantil: parecem não reconhecer os pais, rea
prendem a falar, a andar etc." Embora nao compreendamos bem
por que ele qualifica de 'banal' o rito a que se refere, nem
c que pretencie dizer o estudioso com "transposição psicológi-
ca", devemos reconhecer a importância deste seu comentário.
140

o mesmo antropólogo teve oportunidade de penetrar


uma vez no runkó onde se achavam as noviças reclusas; e da c~
na ai entrevista deixou-nos um belo flagrante (cf. Bastide,zyx
1945b:56):
futuros inspirados nao podem ser visitados nem
"Os
mesmo em se tratando de 'ogans ou de obag' nos terreiros tr~
I I

dicionais. João da G~vea permitiu, contudo, que eu violasse


esse tabu do segredo e vi, estendidos sobre pranchas, envol-
tos da cabeça aos pés com um pano branco, cinco ou seis cor -
pos desiguais. Dir-se-iam larvas, alguns vermes brancos de be
souros, e, de fato, nesse pertodo são verdadeiras larvas huns
nas, pois vai nascer um novo 'eu', uma metamorfose da person~
lidade est~ se operando no ventre do santu~rio, donde dentr:
em breve brotarão filhos dos deuses para depois desabrochar ~
luz do barracão, com asas ainda fr5geis, asas de seres que rl~
li por diante serão santos."

Um episódio que finaliza o 'primeiro ato' do tdraF~


dos erês' foi melhor documentado, por passar-se fora do.cla~~
tro, embora faça parte das cerim6nias do ciclo inici5ticc
rcfer í.n.o+no s ao rito dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
panam, de que Herskovi ts (1953)
deu o quadro mais completo. ~as ainda aqui a descrição e
análise verificam-se muito sumárias e parciais; tanto o cits-
do quanto os outros estudiosos que trataram do tema, OutT:~
sim, dedicaram, estranhamente, muito pouca atenção ao papE:
desempenhado pelos erês em tal contexto. Bastide. por exeL-
pIo, apoiando-se em Herskovits, assim fala da "Quitanda
iaôs" (l94Sb:61-62):

li ••• durante a festa a mulher se conserva ao


zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dos Meninos, para que os 'orix5' não a importunem - os g~ne-
141

sao sua salvaguarda contra um transe contínuo e tot~l, ezyxwvutsrqponml


é a-
penas no fim da venda, quando soarem os tambores, que os Meni
noS partirão provisoriamente, e o santo descerá pela primeira
vez depois do momento da iniciação. (•.•) Quanto ~ quitanda,
esta consiste em esteiras, frutos, objetos fabricados no si-
lêncio e na calma da camarinha. que não podem ser vendidos
mas apenas trocados. Mas - por que há sempre um mas - a qui-
tandeira não tem licença para vender; a cerimônia se torna ca
ricata: um homem que banca a polícia do mercado aprOXima-se
para impedir a pretensa venda. ~ recebido com grandes golpes
de pau, e é justamente então que os tambores começam sua músi
eu surda para que o santo venha."
o trecho é obscuro e encerra alguns equívocos; nao
fazem justiça ad interesse e ~ singularidade do fato reporta-
do, de um modo geral, as páginas que lhe dedicaram os especi~
listas na etnografia flafro-brasileira". Permitimo-nos, entre-
tanto, fazer aqui apelo, com o objetivo de acrescentar mais
alguns traços ao esboço da cena evocada, a um nosso estudo an
terior (Trindade-Serra, 1976), onde apenas de passagem toca-
mos no assunto:
"Podemos (...) referir uma outra cerimônia dramâzyxwvu
ti «

- sao os principais protagonistas, e na qual


ea de que os eres
também, dentro de certos limites, estas crianças chegam por
instantes a comportar-se como mênades. Aludimos ao conhecido
ritual da 'quitanda das iaôs', que, tem lugar depois do relaxa
mento da clausura e pouco antes do retorno do iniciado ã vida
profana. Os erês levam neste dia ao barracão tabuleiros com
frutas, para vendê-Ias aos presentes (pessoas da Casa, na maio
ria, mas também curiosos). Aos 'mais velhos', ogans 9ekedes
etc. incumbe a difícil tarefa de roubar-lhes suas mercadorias:
primeiro compram-1hes algumas, depois passam a tirá-Ias. Isto
142

exige perícia, pois a vítima, ao descobrí-Io. reage distri-


buindo cipoadas. ~ impedida, entretanto, de levantar-se par~
perseguir o 'ladrão'. Deve-se, por fim, arrebatar-lhes os ta-
buleiros; e só quando o últimozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
é tomado, ã criança mais esper-
ta todas se erguem, buscando vingança de qualquer modo.
"Participamos uma vez deste rito~ coube-nos mesmc
perpetrar o último roubo. Tentando eludir o efeito desta audi
cia, apelamos para toda a nossa agilidade, mas não escapamoszyxwv
indene. Os erês. quando isto aconteceu, entraram num e s t ad ;
de fúria terrível, distribuindo golpes para todos os lados,zyxwvutsrqpo
e
pondo em fuga quantos se achavam no barracão, inclusive cs
Daiores da Casa. Não temos dúvida de que arrasariam quem lhe5
ca!sse nas garras, caso o som arrebatador e irresistível ~:
adarrum, desferido por alabês a postos, não os contivesse, f~
zendo-os 'virar no santo'.
"Com impiedosos chistes e logros os levamos, pois,
a um paroxismo a que se somoU,ee oposta maneira, 6 apelo ~:
alucinante toque sagrado. o qual configura aí o meio mais vi:
lento de induzir o 'estado de santo'.
"Quando. passada a celeuma , voltamos ao barracãc,
os se n "os dançavam, solenes e t r anqíí Los ; j ana i s vimos fac€::
í

tão serenas e beatas como as que exibiam. nesta hora, em se~!


cavalos.
"As ia6s. tornando a si depois da estranha experii
cia, mastravam-se de maneira inefãvel relaxadas, como que
bertas de tens6es muito profundas (...). Explicaram-nos,
pois, que a fúria da criança é capitalizada pelo santo
pode!'."
143

Segundo j5 notamos, n etnografia afro-brasileira na


da ou quase naca tem a dizer sobre os desempenhos f~
dos erêszyxwvutsrq
ra do ciclo iniciático - e muito pouco nos ensina sobre o pa-
pel dos mesmos nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
initiu~.7 Todavia, acreditamos que o segui~
te trecho de Nina Rodrigues, pioneiro no estudo dos Candom
blGs. tem a ver com o tema de que tratamos (cf. idem, 1973);
embora ele aí fale em santos, tudo indica que foram erês os
protagonistas dos fatos reportados (pelo menos no primeiro e
no terceiro caso):

"Au terreiro du Gantois, un des Ougans, homme con-


vaicu et sérieux dont Ia parole ne saurait être mise en doute,
m'a assuré en pleine confiance les faits suivants qui sont;
bien connus en cet endroit; il a été témoin oculaire de quel-
queS uns de ces faits.

"Toutes les fois qu'une des initiéos de ce terreiro


tombe en état de saint elle devient folle au point de fuir e
d'errer ~ travers le bois nuit et jour, et e11e revient inva-:
riablement 1e front enguirlandé et 1e corps couvert de feuil-
les d'orties.

"Eh bien, lorsqu'el1e s'éveille e110 ne se souvient


plus de ce qu'elle a fait et même il ne -mxs;tit pas qu'el1e .
ait conservé les vestiges de Ia violente éruption que cettezyxi

plante produit habituellement.

"Une autre mange de Ia braise ardente et des meches


de cotons imbibés d'huile allum6es. Une troisierne, me dit VOu
gan, ayant été un jour admonestée par Ia mere du terreiro ~
.cauSO de sa mauvaise conduite, fut tout ~ coup possedée dl'
saint, sortit, en courant, grimpa avec u~e agilité extrêmE
sur un arb re voisin qui m' a été mon t re , et Là -haut , Le s j am-
bes c'óisées autour d 'une forte branche , -elle se mit ~ se b a-
144

lancer comme un singe. A cette vue, l'Ougan convaincu que 1~


femme al1ait tomber, accident p,rave qui pouvai 1ui caus~r des
d6M~16s avec Ia police, tremblait en pensant aux responsabil!
t6s qui allaient peser sur lui. en raison de sa qualit6.
"NazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
s La mêre du t erre i ro s'approcha impertubablee:
í

ã Ia jeun~ fi;
arriv6e sous l'arbre parla en langue africainezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
le qui se 18issa choir volontairement. A Ia stup6faction g~nf
rale elIe se releva saine et sauve et se dirigea s6ance t~na=
te vers Ie batucag6 ou elle se livra ã une danse éfrenée."

Tiveram grande eco, pelo menos na obra de Bastide


as ponderações de P.erskovits sobre "The Contribution of AfT:!.
merican Studies to Africanist Research" - e em particular
contidas numa passagem not~vc1 do mencionado estudo, i.e.,
trecho, citado aqui por extenso (cf. supra p , j2.1-), ondezo -
trop61ogo americano a bem dizer coloca o problema dos
Segundo diz ele aí. a descoberta do fenômeno em causa na Bs
hia, e depois em Trinidad, constituiu um achado da m~xima !
portância para os africanistas, abrindo a suas pesquisas
vos rumos - caminhos que não fosse isso, conforme nota Bas:~
ele (1973: 319). talvez deixassem de explorar.
O autor desta G1t{ma observ~ção acentua com vig::
'novidade' acusada: "não conhecemos nada de anâlogona
ca", comenta (ibidem); "O que existe (••.) entre os iorub::.~
o termo erê fazendo parte do complexo dos pigmeus anões I 1 -

mer~, er~, egber~, e que tem como fonte a exist~ncia dos ;"
meus; nao sabemos, porém, se fenômenos psíquicos especiai:
respondem a esta mi toiogia dos' anõezinhos' ."
A procecência e o impacto do achado colocam de
neiTa bem clara duas alternativas: ou os erês "são uma i:.
145zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

çD.O americana" ou "n ào seriam conhe c i do s na ]\frica por que os


ctn6grafos nne se interessaram por eles", segundo aJvert€ ain
da o mesmo estudioso (ihidem).

Vimos que Bastide não dá ouvidos ~ declaração de


Herskovits de que " ... the Yoruban informants knew of this
mode o~ coming out of possession"; e mostramos, porzyxwvutsrqponmlkjihgfe
outro la-
do, que ele rejeita inclusive a aproximação feita por Vergerzyxwvu
-
entre omantun e ere. Apesar de tudo, tampouco enfrenta as al-
ternativas do dilema que assinalou. Suas tentativas de escla-
recer o tópico levam-no a comparar dados relativos ao Candom-
blé Nagô com outros pertinentes aozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
KuLtbild do rito 'daomeano'
da Casa das Minas. Alcança, todavia, resultados muito duvido-
sos. A tese que propõe de uma correspondência entre Toquem e
à vis Tobossi e Ibej;
erê viszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
verifica-se insustentável (v.
Bastide, opus cito supra~ cf. idem 1958): com facilidade se
percebe que tanto há analogias e contrastes entre os tokhueni
e as crianças dos terreiros baianos quanto entre estas e as
Tobossa. De qualquer forma. o impasse continua ...

Em parte, talvez Bastide tenha rejeitado as explana


ções de Ve rger e He rskov i ts por que não via come conciliá-Ias.
Na sua busca de conceituar o 'fenômeno erê', ele sempre se
choca com elementos 'contraditórios', em termos, inclusive,da
percepçao e da representação do mesmo pelos fiéis do culto em
causa. t bem este 'o cerne do problema. Tais ambigUic.ladese cog
tradições não se podem, de fato, resolver: elas fazem parte
do objeto considerado ...

Com efeito, o procedimento do estudioso em questão


é sintomático neste ponto. Que erê tenha alguma coisa a ver
com ashiwere não é possível, raciocina ele: ashiwere denota
apenas um fen6meno psicol6gico - e o babalori~á Cosme ensina
a distinguir tal 'maluquice' da criança: a criança J um deus
146

(aqui o antrop61ogo deixa de notar que a mencionada distinção


corrcsponde, de maneira muito a realizada pe-
significativa.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
los ioruba obutun e omantu~; e omite-se ~m in
entre os termoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
terprctar o rationale de uma,etimologia proposti pelos usu~-
rios do sistema em causa). Contra Herskovits, j5 observa que
embora crê faça parte do 'complexo' dos pequenos seres da flo
resta, chamados também de ijimerê ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
egbGre pelos Nagô, "nàc
sabemos se a esta mitologia dos 'an6ezinhos' correspondern fe-
gômenos i qu-i co e especiais".
p ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

A rigor, para segui~mos de forma coerente pelazyxwvutsrqpon


li-
nha dos raciocínios de Bastide, devemos admitir que os eres
sao uma invenção americana. Mas se eles foram inventados inde
- ]'

nendentemente em Trinidad e ne Brasil por herdeiros de um mes I

me leraJo religioso africano, o invento, por certo, nao se


deu 'a partir do nada'. Algum ponto de apoio teve nas matri-
zes do siste~a. Nessa altura, todavia, Bastide
.•
e ta*ativo:
"não conhecemos nada de análogo na África".

Se bem ponderamos, entretanto, o que o perturba nã:


-
e a absoluta falta de elementos que correspondam, no ponto d~
origem. ao fcnameno verificado entre os afro-americanos. Co~-
funde-o, pelo contr5rio, o fato de que as analogias se traçe:
em doi~ sentidos divergentes. Ora se aponta a um tipo de s~
tuação de transe, ora a uma classe de entidades.

Mas note-se que a mes~a resposta ambi~ua se obt~!!


ao interrogar os adeptos do Candombl~ sobre os eres. Não ~zyxwvutsr
T'.;

cessário, no caso, o salto sobre o oceano para que f i quem-j


perplexos. Na linguagem do povo dos Terreiros, sre denota cr ;
.., .
Uf:1 estado (Ufl modo de transe) ora uma categoria de e8p1"r1"t;!
(e, pois, uma forma de possessão). se diz que uma pes-
Tanto
soa "esta com o ere (na cabeça)" como que está "de erê"
"no er (e ainda "em erê"). As referências ao estado em ce'_-
é "
...zyxwv

147 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

..
sa nao implicam em confundÍ-lo com o de "folie enfantine" de
que fala Bastide, apoiando-se no testemunho do babalorixá Cos
~e. Trata-se, na verdade,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de um estado do santo.

Nessa altura, conv~m que tornemos a ler um trecho,


aqui já citado, de uma explanação interessantíssima e muito
aguda do antropólogo cujas teses discutimos - trecho em que
ele se reporta ao depoimento aludido de seu sábio informante
Cosme (v , Bastide, 1958:195; c f , hic p.131 ): "Celui-ci me di-
sait qu'au cours de l'initiation on fixait le dieu à ses dif-
férants âges. en commençant par le plus jeune pour finir par
le plus vieux (...) comme cette conversation ~tait parti e
d'une discussion sur Ia nature de l'erê, il est tres possible
que ce que Cosme voulait dire c'~tait que l'~r~ ~tait fix~
aussi, au cours des c~rémonies initiatoires C ••• ) avant l'Ori
xá' lui même."
Repare-se bem que Cosme se refere ao ere como a uma
'idade' do santo, seu aspeto junior ou infantil. Esta identi- d

:icação não ~ nada insólita. Tamb~m no Tanurijunçara já nos


:='isseram que o ere "~ a mesma coisa que o santo, é o santo mes
=J", er.bo ra , por outro lado, muitas vezes nos declarassem que
::. cri ança é "um companheiro do santo".

Ora, nunca tivemos o menor motivo para acusar nos-


5JS informantes de 'falta de lógica'; sucede, por~m, que sua
:Sgica não ~ a cartesiana; e mantendo uma estrita fidelidade
~ esta nunca entenderemos coisa alguma do Candombl~.
Insistamos um pouco neste ponto. Quando a criança
:hama o "dono da cabeça" cuja posse comparte de padizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
(o u ma d i )
.u quando se diz que ela "pertence" ao santo em causa está
:laro que se identifica, de certa forma, com a iaô. De certa zyxwvutsrqponmlkji
:=rma - pcis ningu~m ignora seu caráter divino, nem sua iden-
:idade, simul taneamente postulada', com o seu "pai A condi
ti •••
-- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

148

ç ao do erê é zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
q u a por excelência - como ambígua é a de Eras
amb-izyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.•. zyxwvutsr
na poesiadialética de Platão. Aliás, é tão fácil entender o
sistema do Candomblé pondo de parte o erê, ou i2norando sua
natureza ambígua, como interpretar o sistemn platônico proce-
dendo da mesma forma com Eras.

Mas a que propósito serve a ambigUidade acusada, no


caso da criança? Persistindú no símile, responderemos que ae
mesmo da de Amor na obra do filósofo. Por outras palavras, es zyxw
te car&ter 5 fundamental para o exerc{cio de uma mediaç5a (Ct
a propósito Lévi-Strauss, 1964, 1966, 1968, 1976; v. tamb~rr
lVoortillan,1978).

Deve notar-se aqui um fato bem curioso: Bastide te-


ve o grande mérito de atribuir um papel de mediadores aos e-
res (embora permanecesse incapaz de qualificá-Ia, de dizer
com clareza en que sentido ele se cumpre; suas sugestões qu~
to a isso verificam-se inaceitáveis). e .. pois. surpreendente
que o haja confundido e embaraçado ao máximo o acfirnulode tra
ços ambíguos na representação das crianças. De qual~uer made,
temos certeza ~e que o grande antropólogo haveria descortina-
do as respostas aos problemas cruciais por ele assinalados n!
abordagem do ponto ora em debate se houvesse tido oportunidE_
de de defrontar-se de fato com 05 eres; mas infere-se com cl!
reza de tudo quanto escreveu a respeito que nunca o logrou. ;
seu conseqUente fracasso em interpretar um fen6meno cuja ex •
t r aor d í.nâ
r a importância
í no Kultbild.,ao Candomblé bem adver
tiu compromete e vicia suas análises da "estrutura do
e de outros aspetos básicos do sistema. Não o dizemos para
nimizar sua obra - ainda hoje a mais completa, rica e
v eI sobre a "religião af rc -b r a s i.Le r a'",
í a nosso ver; seguir.-
es nossa crítica um lema a que ele escrupulosamente obedec
- "magis amica veritas" - e atendemos a um seu apelo, muit
149

vezes repetido, por novas pesquisas sobre o controvertid~zyxwvutsrqponml


as-
sunto das crianças.

Mas tornemos a nosso ponto.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH


g da maior importância
notar que os eris em muitos contextos se identificam com os
respectivos santos: chegam mesmo a 'dub1á-los' na prática li-
túrgica. Têm assim duas faces, mostram-se em par os deuses
nascidos no Candombl~. A id~ia não ~ de modo nenhum estranha
ao sistema Nag5: de certa maneira, tanto para os ioruba como
para os fon, tudo quanto existe ê redupl icado: para cada ser
do aiye h~ um correspondente no orun, e os humanos, inclusiv~
al~m da terrena possuem uma 'cabeça eterna', Ipori (cf. a pr~
pósito Bascom, 1969; Dennet, 1906; Elbein dos Santos, 1976;
Frobenius, 19 ;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Maupo i L, 1943; Mercier, 1975; l'voortmann,1978;
Ziegler, 1977; et caeteri). A dlade, no plano divino, se ex -
prime, aliás, de muitas maneiras: cifram-na a hierogamia de
C~u e Terra, das partes sempre acopladas do universo, que no
Todo se confundem~ o hermafroditismo e a gemelaridade de mui-
tos dos grandes numes.

o erê 'replica' o santo, ~ seu 'doble' - mas figura


~ambim sua forma junior~ conquanto o preceda na aventura do
initium (depois disso, passa a sucedi-Zo). Tão logo o adverti
mOS, um outro dado se imp5e a nossa consideração; de acordo
com uma crença muito difundida. inclusive entre os adeptos do
Ca~dombl~. o que por ~Ztimo vem a luz ~ o mais velho dos gi-
meoS. A antecedência do junior - em termos gen~ricos - conce-
be-se, muitas vezes. como uma verdadeira usurpação de priori-
dades que ~ preciso corrigir ou ~ompensar; equivale quase a
um logro (note-se que em alguns M8rchen se atribui o caráter
de tricks te r a um 'irmão mais moço' que 'passa para trás', em
muitos sentidos, o mais velho - ou a algu~m que o ajuda a fa-
zê-lo; há estórias em que o tema se desenvolve pelo caminho
150

do conflito, culminando em nova usurpaçao. como o conto bfbli


co de Esaú e Jacó). Vários relatos mfticos cujos protagonis,,>. -zyxwvutsrqp
tas se definem como irmãos (de um modo geral \ ou seja.não ap~
nas gêmeos) colocam o problema. Num mito cosmogônico Nag~ Odu
dua, ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
junior, passa ã frente de Oxalá na criaçno do mundo-
um triokater, Exu, é que o torna possível -; mas Oxalá acaba
obtendo a compensaçao, impõe e reafirma setts ptivilégios (cf.
Parrinder e Woortmann. obras citadas).
Santo e erê 'nascem' num mesmo ato do mesmo 'par-
to'. diríamos; em certa medida se identificam, e um a modo
que 'dublazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
I o outro; além disso, o •mais novo' precede o 'mais
velho', segundo se crê que seja o caso dos gêmeos em geral (o
aenior - o santo - depois recupera a prioridade). Diante de!
tes fatos. não admira que os seguidores dos ritos "bantus" de
Candomblé ligassem com as crianças os divinos mabaços - se ~
que apenas eles o fizeram. De toda forma, não nos parecem ter
sido levados a isso por ignorância ou incompreensão do siste-
ma adaptado: ainda aqui, julgamos uma temeridade falar em "ccn
fusão". Os estudiosos da etnografia afro-brasileira, entretan
to, consagraram este perigoso hábito de pressupor o desenten-
dimento, pelos usuários. do código ideológico e roligioso et
causa sempre que se afigura difícil compreender-lhes as práti
c as , Isso tem levado a equívocos muito graves.Acreditamos que
um comportamento mais humilde produziria melhores resultndos;
obriga-nos a isso, também. o reconhecimento da argúcia, da ca
pacidade intelectual e do amor i coer~ncia de nossos inform~
teso
151

NOTAS AO CAPITULO IV (PARTE 11)

1. A sacra1idade dos gemeos é afirmada de muitas maneiras na


cultura matriz do Sistema do Candomblé, embora o culto dos
'dioscuros' divinos não seja universal no mundo que define.
Em todo caso, é pertinente a notícia de Ramos (1940:zyxwvutsrqpon
63):
"O orzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
i xâ dos gêmeos é Ibeji (de ibi, 'nascimento' e eji
'dois'). O nascimento de gêmeos. na Nigéria, como em ou-
tros pontos da ~frica. é olhado de modo diferente, confor-
me as regiões. Em algumas regiões, o acontecimento é ce1e-
hrado com manifestações de alegria. Em outras, porém, o f~
to é de mau agouro. De qualquer forma, Ibeji é o orixa tu-
telar dos gêmeos. Ibeji tem um animal sagrado que lhe é de
dicado, uma espécie de macaco preto, cuja carne é tabu pa-
ra os gemeos c seus pais. Seu nome é Edun Dudu ou Edun ori
okun .'gêmec negro'. Entre Lagos e Badagry, há um templo n~
t~ve1 dedicado a Ibeji, num lugar chamado Erupo, aonde pe-
lo menos uma vez vão em romaria os gêmeos e seus pais."
2. S o mesmo o aue diz Verger noutro trabalho (1954:337-338).
3. O sundidé ou "banho de sangue" assinala um momento crucial
da ieitura. A prop6sito cf. hic Parte IV, capo 111.
4. Sogundo veremos em diversas partes deste trabalho, postul~
-se de modo bem comum uma profunda ligação entre os erês e
a manhonga.
5. Cf. a respeito Verger, 1957.

6. t óbvio que Verger nao se refere ao período eloiniciação


quando fala no tempo de permanência do ere nesta passagem.

7. Binon Cossard constitui uma notável exceçao.


CAPITULO V zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS

ENFANTS TERRIBLES
· ..zy

153

Segundo dissemos no capítulo precedente, o exercl-


..
.,.
cio da mediação supõe ambigUidade; este traço assinaía, de f~
MBrchen~ sistemas reli~iosos etc., por toda par
to, em mitos,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te, os caracteres incumbidos de tal papel. O princípio em ca~
5a foi bem esclarecido e examinado por Lévi-Strauss em muitos
de seus estudos de ideologias; em particular, nas MitoZógicas
o referido antropólogo o ilustrou abundantemente.Conforme ele
ainda explana, está claro que uma natureza ou um status ambí-
guo implica, de certa forma, num "moins-être"; mas "Le 'moins
-être' a ele droit d'occuper une place enticre dans le syste-
mel puisqu' il est l'unique forme concevable du passage entre
deuxzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
t.at s 'plcins'." (CL Lévi-Strauss, 1964:61).
ê Os erês o~
tentam urna falta de definição essencial como seu traço, azyxwvutsrqpon
ri-
~
gor, mais definitivo; e nos seus freqUentes excessos e que me
lhor a acusam. Assemelham-se nisto ao filho de Póros e Penía
do 'mito' platônico. Ora. a crer nos poetas e mitógrafos da
Grécia - Plat~o inclusive -, Eras é também o trickster por ex
celência;l tal característica (que se traduz até por 'mons -
truosidade', por exemplo num célebre conto reportado por Apu-
leio)2 evidentemente se combina com a natureza ambígua atri -
buída -:Amor pelo filósofo.

Mas voltemos ~s crianças. Começaremos por examinar


de forma breve a mitologia negra dos espíritos infantis, to-
mando como ponto de partida uma sucinta notícia de Herskovits
& Herskovits em seu Dahomean Narrative (1958; cf. pp. 29-32).
Os referidos autores introduzem aí os Enfant TerribZe TaZes
por um pequeno comentário onde classificam e apresentam os I
i
protagonistas dessas estórias. repartindo-os em quatro clas -
ses: os gêmeos (hohoví), categoria que inclui não apenas o~
nascidos de parto múltiplo como também a criança (dosu), ain-
1
da mais poderosa, gerada depois dos mabaços, e - entre toda~
154

terrível - a que no delivramento se apresenta de nádegaszyxwvutsrqpo


(ag~
sul; os órfãos (nochiovi), detentores de uma força mâgi~a li-
gada aos ancestrais e protegidos pelo espírito da mãe; oszyxwvutsrq
ab'
ku "nascidos para morrer", cuja existência não se justific:
em termos de fins humanos (como dizem os autores da coletâne~
"To the Dahomean their existence express the vastness of the
Universe, of which the world of man is but a small part, S:
that motivations which concern other elernents af the UniversE
may be invol v ed , and human we11-being frustrated." CL idem.
opus cit., p. 30); e. finalmente, os tohosu ou seja. os abc:
9

tados ou os que apresentam alguma anormalidade congênita: he:


mafroditas. macrocéfalos atc. (dão-se ainda como traços dis -
tintivos do caráter tohosu a abundância de cabelos" e aprese:
ça de dentes num recém-nascido, e sua capacidade de falar).
No Candomblé que estudamos, não encontramos notíci~
dos tohosu; os abiku~ todavia, são ai conhecidos pelo mes~
nome e representados da mesma forma que no Daomé. Não têm ~
lugar no quadro de culto, mas um informante nosso os relacio-
nou com as crianças que nascem no runkó e são imediatament~
iniciadas (isso as prende ~ terra).3 Segundo constatamos, vi-
f;e aí também a crença de que o espírito da mãe protege os ór-
fãos; Lodavia, nao conhecemos no dito meio est6rias protngoni
zadas por pequenos nesta condição em que eles operem prodi-
gios. No Tanurijunçara, pelo menos os grandes da Casa sabe.
que "os gê ge chamam os Ibej i de Hoh o" - e corroboram esta iden
..
tificaçio. Carneiro, numa passagem j5 citada aqui (cf. p.il),
diz que na Bahia Dou designa o último dos trigêmeos ou a
ança nascida normalmente após um parto duplo, enquanto
se chamaria o derradeiro dos quidruplos. ou o filho nasci~
logo depois de t r i gêmeos • Isto não se confirma em nosso campo
de estudo; mas, segundo j~ notamos, neste com freqUência Dri
e Alabã são definidos comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
oompanheiros dos mabaços 'propri~
155

mente ditos' - o que, como no Daom~. indica a exist~ncia de


uma categoria ampla g~meos e 'correlatos'), ~o ca-
(incluindozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
se designnda com o mesmo nome pelo qual se rotula uma classe
mais restrita, nela abrangida.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A condição dos gêmeos se considera privilegiad~~ a


dos abiku, profundamente misteriosa.

Apenas os mabaços divinos estão relacionados com os


erês. Ligam-se estes de modo estreito com o dominio da manhon
gc; quanto àqueles, já os ouvimos cham3r em diversas instân -
das de "Caboclinhos da Mata". (Para os daomeanos, os Hoho
saa protegidos dos espíritos da floresta).

O titulo genérico dado por Herskovits & Herskovits


as est6iias dos ewe sobre as criançns miticas hohovi~ nochio-
vi~ abiku e tohosu ~, de f~to, muito adequado. Em tais rela -
toS, estas criaturas pcqueninas e apare3temente frágeis real!
zam piodigios e cometem façanhas incríveis, derrotando ogres
e feiticeiros, abatendo personagens poderosos, afligindo os
humanos (para cobr!r-Ihes o culto devido, inclusive), punindo
oS violentos e pretensiosos, desafi~ndo a todos. Valem-se para
isso d~ poderes mágicos insuspeitados, de engodos, trapaças,
infimerostruques; s50 engan~dores e zombeteiros, quase sempre
cruéis. ~~as seus atos estranh?s de alguma forma impõem ou res
tabelecem uma ordem, determinam regras, limit~m forças ca6ti-
cas, comunicam domínios.
Não será difícil a um pesquisador na Bahia reunir
uma série de Enfant Terrible Tales. A gest~ de seus protago -
nistas compreenderá um menor número de desempenhos 'sinis
trOS'; a viol~ncia e o recurso direto a m~gia pouco ou nada
se destacarão. Mas, reunid~s t~is est6rias. encontraremos co-
mo motives constantes o ludíbrio, o desafio, a extravag~ncin,
~ brincadeira um t~nto maldosa, a imposiçãe de deveres de cul
156

to atrav~s de embaraços, a vingança c~mica, o disparate. azyxwvuts


Te
tribuição inesperada, a consagraç~o de procederes anti-c&nven
cionais, a derrota e o esc8rnecimento dos soberbos, a afirma-
corrt ra o fei-
ção dos poderes dos fracos. a "voIta do feitiçozyxwvutsrqponmlkjihgfed
ticeiro", o eXC8SS0 recompensado. o desconcertante irromper
do divino, sinal de distGrbios nos planos dos homens. Meios
excepcionais servem ar ao estabelecimento de regras, abusos
instauram ou restauram a normalidade~ o logro, com freqUêncü,
origina um com~rcio equitativo, as trocas sim~tricas; o 'irra
cional' Lmpô e a lógica. Os heróis desses contos são imprevisí - zy
veis; sua aparência enganosa oculta sob a capa da fragilidaGE
qualquer coisa de tremendo. Caracteriza-os. n~o raro, curt~
'malineza' (este termo insubstiturvel do dialeto baiano reuns
os sentidos de 'ingenuidade' e 'maltcia') e um estranho hu-
mour.
Entre os heróis de que falamos deve incluir-se, e:
certos casos, Exu; com efeito, em algumas das estórias popula
res que protagoniza na Bahia a c6lebre divindade toma a fOTt!
C0 uma criança. Aliás, num belo conto de Jorge Amado, bem COt
forme ao modelo das aludidas narrativas (e nem por isso mencs
-
original), depois de uma s6rie de travessuras ~ assim que ~
deus se disfarça para repousar, muito sereno, na igreja.
Um cavalheiro a quem conhecemos no Tanurijunçaracc..
tou-nos que, passando todos os dias pela ladeira do Bogu~n~
ca deixava de rir-se e fazer troça de lebã, ou melhor,daszyxwv "-
iq..•
)3ensde ferro aí visíveis onde o dito vodun se acha assentaa~
Certa feita, por~m, levou uma queda exatamente no trecho ~
sua caminhada em que tanto se divertia, e quebrou uma pern~
Neste ponto do relato ria gostosamente e acrescentava: "poiS
6, o moleque me ferrou; o moleque ~ danado mesmo!~ Depois ~
157

medicado, seguia contand3, providenciou Ioga um presente par3


Exu, parazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fifazer as pazes".
Atraiu-nos a atenção a maneira pela qual ele se re-
moleque aplica-se a crian-
feria ~ temível divindade. O termozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
ças, deforma depreciativa ou carinhosa. Nosso narradcr. usav!
-o, percebemos, com as duas conotações, manifestando uma cer-
ta irreverência - de que c "castigo", pelo jeito, não o curou.
Era ainda evidente que embora visse na queda sofrida uma cla-
ra manifestação de Exu, considerava-n, em parte, uma brinca -
deira (pesada, por certo) do deus; Lebi estaria ~ssim retri -
buindo a suas troças. Chamá-Ia de "moleque" depois de o ter
propiciado j5 não oferecia o mesmo perigo: houvera o reconhe-
cif,lento
do poder e da astúcia do Dono da Rua. Anzyxwvutsrqponml
t es , nosso he

rói zombava dele como um c~tico; convicto, depois, passou a


tratá-Ia com uma jovialidade amistosa que refletia também ad-
miraçao.
Haviam feito as pazes, e Exu ganhara coisas de que
gosta. Estavam os dois ligados, a partir daí, numa forma cor-
reta de relacionamento: tinha a deus o tributo devido, e o ho
mem seu auxílio ("ele bem que me ajuda, hoje" - falou ainda a
nóS o contador e personagem da estória).
Disse-nos um ogan que antes de iniciar-se viu uma
vez Exu: "era um moleque desse tamanho; ficava olhando pra
mim e fazendo caretas, mas não liguei." Esta aparição, segun-
do nos contou, foi seu primeiro contato com o mundo dos ori-
xás. O Exu em questão foi depois identificado através do jogo
dos búzios e devidamente assentado.
O caso que a seguir narraremos pareceu-nos muito nQ
tável, inclusive por possuir a mesma estrutura do que referi-
mos primeiro; só que tem como protagonistas divinos os Ibeji.
158zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

Ocorreu com o esposo de uma senhora ligada ao Tanurijunçara.


e dele o ouvimos. •

Ao contrário de sua mulher. este, segundo afirmou.


nunca foi muito chegado a coisas de Candomblé. Costumava mes-
mo zombar da cara metade quando ela lhe falava nos mabaço s zyxwv
f;

em seus poderes. ou insistia. em lhes oferecer um c arur u: ,.-


eu vou li acreditar em piralho? Onde j5 se viu menino ser s~
to? Menino não tem juíz.o; não vou perder tempo com eles ••• "

Um belo dia., porém, dirigia seu caminhão na praç~


da Calçada quando, de súbito, viu surgic à sua frente um pe-
queno lindo e risonho. todo vestido de branco; girou o volar.-
te para desviar-se dele, mas no que mudou de rumo lá esta\"~
outro. igualzinho e também a sorrir. obrigando-a a nova man:
br~ em que atirou
t

o carro contra um poste. Ato contínuo.zyxwvutsrqponm


cs
-
garotos desapareceram.

Nosso her6i escapou ileso, embora o caminhão ficas.


se muito danificado; dirigiu-se incontinenti para casa, ante
de qualquer outra providência. e pediu ã mulher que fosse
feira comprar os quiabos para um caruru.

"Os t1eninos s ao mesmo uns danadinhos!" comentou


..
gr emen t e , finalizando seu caso; "Me pregaram uma boa peça," I

Num dos 1976) d


seus zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
Cont;s CriouLos (Dos Santos,
Mestre Didi narra uma bela estória dos Maba~os 'em que eles ~
, ~
n i f e s t am de outra forma o divino zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
humo u» - e a Lmprev i s í.ujj],
dade - que os caracteriza.

A estória passa-se em Mat a r í.pe , com um homem chame;


do Beira Mar e devoto dos "santinhos", que todos os anos an"
~
r i ava esmolas para a "missa pedida" e o caruru em sua homenal
gemo De uma feita, perto da data consagrada a Cosme e Damião'
I

ele foi avisado de que ia ser co r tado do serviço. Não desani,


.'zy

159

mou: fez suas preces, invocando os gemeos, e ordenou a sua


gente que fosse, como de costume, recolher as espórtu1a~ para
a festa, certo de que seria atendido. Mas tudo quanto lhe tro~
xeram desta vez foram dois mil r~is e um ovo. O devoto ficou
indignado; cozinhou e comeu o ovo, depois de acalmar-se, e
com os dois mil rêis tomou um pileque e comprou um foguete.
Em sef:uida, "voltou para casa, pegou Cosme e Damião, amarrou
oS dois pelo pescoço na flexa do foguete e tocou fogo dizendo!

- Sobe, lugar de santo ~ lá no c~u."

~o outro dia foi rcadmitido no serviço. Fez uma gra~


de festa para os gemeos, e continuou com sua devoção ...

Da coletânea que imaginamos deveriam constar muitos


relatos de tipos diversos, com outros heróis inclusive: os g!
rotos endiabrados de que Mestre Didi também fala algumas ve-
zes, os abiku com suas dolorosas 'visitas' e os eres. Destes
últimos podem reunir-se casos bem estranhos - e reais, inclu
sive, tirados do cotidiano fantástico dos Terreiros. Estórias
de fugas de crianças desvairadas que escapam dos I1ê Axé
pois isto ocorre, embora muito raramente - e espalham pelas
ruas a sua loucura divina, criando embaraços tremendos para
35 ekedes; de seu sagrado furor, de suas rondas pela manhonga9
de seus logros, de seus embustes, de seus misteriosos grace -zyxwvu
j05, de sua beleza terrível.
A imagem que dos erês nos dá Bastide verifica-se
muito empobrecida pelo fato de que o referido sábio ignorava
a grande variedade dos desempenhos litúrgicos das cr;anças 9

OS múltiplos aspetos e a riqueza dos traços que informam sua


representação. "Le r e de l' ere
ô í est de rendre p lu s suaves',
I

comme disent les gens de Bahia, 1es relations de Ia yauo- avec


son Orixã9 de Ia défendre contre Ia brutalité des ~treintes
160

di-pines trop soudain2~ O~ trop intens:~, de -:~~6reT' les ar-


d\;;'Ll.CS de Ia transe", afirma ele (1958: 2G?). E Ln szyxwvutsrqpo
i ste (cf ,
Ib í.dem p. 226): "L'ere individuel apparait ne t t emer.t; che z les
initi~s, en particulier apr~s les transes, pour en adoucir Ia
violence et 1es faire revcnir 1entement ~ l'~tat nor~al. 11
joue 1e r l.e d'un amo r t í.s seur ;" Ora, isto ~ bem ve rdade ;
ô nao
~
o negamos. Mas outra coisa e preciso que se acrescente: mui-
~
tas vezes ~ o er~ que leva a iao ao paroxismo do transe, ao
furo~ mais descomcdido; um sinal disso se tem no rito da qui-
tand~, a que Bastide faz tamb~m refer~ncia. Em tais ocasi6es,
a iaô é "virada no santo" - único meio de conter 11 violência
de un brutal arrebato, que pode mesmo por em perigo su~ inte-
izrii1aJefísicazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(2 psíquica). Hestes casos,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
o santo ap arc cs ,
~cis, como um moderador.

!'(\;;pi t amo s : p assa+s e tarnhém do "estado de ere" '"'~r~


c "estê.(o de santo" - e assirrtse controla a mania divina, tem
pera-se o ardor de um entusiasmo insuport5vel. A criança que
~~erge da vazia cxcessividade do limbo é terrível e Zouc~ N~o
pode p en sar+ se a mediação que opera como um simples amorteci-
8cnto do transe, nem como um graduar-se das relações entre
"deuses velhos" e "deuses adultos".

Bastide, todavia, está certo - e mais do que imJgi~


nou quando aproxima Erê de Exu. Aliás, pelo menos num ponte
ele fundamenta muito bem esta correlação. No initium, o e~ê
abre o caminho para o santo (e, segundo o mesmo antropólogo,
pelo menos em certos Terreiros por ele pesquisados - já vimos
4
que isto não se verifica em nosso campo de estudo de conti
nuo o fazem, se têm a ver com o "demi-transe" inicial, 'prê.
-ext5tico', equiparável ao estado de saloue-ta dos haitianos:
" cette période de transition (.•.) les musiciens peuvent
même Ia ma rque r par un cantique spécial, di t cantique d 'éré" ,
161

cf. opus cit., p. 179); ?or outro lado, "Le r~le d'Ex~ ~ estzyxwvu
d'ouvrir le cheminzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à l'orixã, de le mettre en relation avec
son fidele. et aussi de lui apporter ses prieres, ses désirs;
e'est son messager fidele" (cf. ibidem p. 202). Pode-se ir
mais longe: se Exu é o mensageiro dos orixas,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
é o inté~
o erêzyxwvutsrqponmlkjihgfedc
conforme veremos adiante nesta dissertação.
prcte dos santoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
J

Ha
mais, porém. Num valioso e interessantíssimo eS-
tudo, Elbein dos Santos (opus cit.) mostta à saciedade que os
Nagô, com freqUência, em certos contextos, pelo menos, repre-
sentam Exu como uma criança. Numa rescensão que fizemos da
mencionada obra (Trindade-Serra, 1978), criticamos a sua autQ
ra o fato de ter omitido, no capítulo sobre este deus (cap.
VII), expor o caráter de trickster do mesmo - um dado, alias,
notor1o e indiscutível e que muito bem se combina com a ambi-
gUidade e o papel de mediador do dito orixá. Ora, o caráter
de trickster é de certo modo vivido pelo erê em muitos de I

seuS desempenhos rituais.


Exu, nos seus mitos, nao raro se comporta como um
desvairado; sua gesta por vezes parece ilustrar o infernal
provérbio de Blake: "The roads of excess lead to the palace
of wi.~om". O lema cabe ainda muito bem para os erês. Não res
ta d~vida. tampouco, de que tanto quanto a estes convém àque-
le o designativo de enfant terrible.
162zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR

1. Não apenas na grega, mas em toda a Literatura Odicental


tornou-se um estereótipo comuníssimo a representação de
Amor como um "enfani: "terrible". Não há quem nao conheça o
menino Cupido. e suas artes perigosas.
i mo+no szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ã obra famosa de Apuleio, seu romance "Luc í.us "
2. Re Fe rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
ou "O Asno de Ouro", segundo ficou conhecido; e mais parti
cularmente ao conto aí inserido de Amor e Psiquê. No prin-
cípio da estória, Amor é descrito por um ambíguo oráculo
como um monstro formidável, receado inclusive pelos deuses.

3. Acredita-se que os meninos nascidos nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU


runk3 são abiku que
vol tam ã terra, onde então têm a me Lho r possibilidade de
permanecer durante um período normal de vida.

4. Um babalorixá do rito ketu que consultamos TIvgou também p~


remptoriamente a existência de qualquer relação entre o erê
e a "tonteira" -
que as vezes precede a "queda no santo".

S. Cf. Amado, 1971, p. 196: "Escondido no altar de Sno Benedi


to, Exu ainda riu por algum tempo, recordando suas estrep~
lias. Depois adormeceu e dormindo parecia um menino igual
aos outros, quem o visse assim nem desconfiaria ser aquel.
e Exu dos caminhos, o orixti do movimento, tão moleque e a-;:-
renegado a ponto de o confundirem com o diabo."
CAP!TULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
VI zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o ESPELHO FECHADO
164

Em nosso c~rnpo 2e estudo distingun-se com clareza


entrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o orixá e a alma do indivíduo que fica sob sua guarda.
No dito meio não encontramos em uso a palavra eini (do ioruba
emi)l que Frikel (1940-1941) registrou em suas pesquisas na
Bahia, nem o conceito correspondente; falaram-nos, todavia,zyxw
do o r i , em termos um tanto vagos, como sede do orixá, e t am-
bém como um aspeto 'transcendental' da pessoa - vestígio, tal i
ve z , da concepção de I pori (a propôs ito, v. Elbein dos Santos
-
l

opus cit., capo IX):2 o ori (cabeça) come, isto é, se fortale


ce através de sacrifícios, e é onde temos impresso o odu, ou
-
destino. segundo nos explicaram. As oferendas realizadas Com
vistas a tal fortalecimento votam-se, em princípio, ao orix5
da pessoa, ou seja, do paciente deste rito; mas. de um made
muito significativo, chama-se dita operação litúrgica "dar cc
mida à cabeça". A alma é pensada como tendo o mesmo e ssenrn , -
estima-se, pois, distinta do ori. Por outro 1 ado , não é ape-
nas uma parte do corpo o que este nome designa, mas. segundo
nos pareceu, algo como um reposit6rio ou continente ideal dos
elementos que integram a personalidade. A cabeça lhe COTres.
ponde na estrutura somática, e figura, de certo modo, o seu
'lugar' .
o nexo etimológico entre os termos ori e orixã ~ "
conhecido. O último empr ega+se com muito mais freqüência que "-
seu equivalente na língua da "nação". i nqui ce ~ exceto em Con-
textos rituais; fora destes, usa-se também a forma vodum, c
o mesmo sentido, e de modo habitual. O orixã (vo dum , inqUice)
&, portanto, o dono do ori ou dono da cabeça - quando
9

cula a um indivíduo como seu patrono supremo; todavia,


do já observamos, a palavra usa-se ainda numa accpçao
genérica: Tatetu Muílu e Nkô Diamambo são inqu i ces ou orixã,
embora não se liguem da dita forma a. seres humanos. Nota
por instâncias o emprego do nome Eledã com um prop6sito
165

tritivo: assim alguns distinguem as divindades que têm ou po-


dem ter o papel de custódios ou patronos de indivíduoszyxwvutsrqponmlkjihgfed
da-s
que não o exercem, chamando a todas de orixãs e aplicando ap~
nas às primeiras aquela denominação. Ma s não há consenso so-
~re o significado da mesma: para certos informantes Eledã quer
dizer 'Criador' e é um título de Deus.

Em todo caso, a distinção referida formaliza-se usu


almente com apelo ao designativo "Anjo da Guarda". Tatetu Muí
10 e Angorô são ambos inquices, mas des dois apenas o último
~ possível je chamar-se daquela maneira - quando tem uma pes-
~oa sob seu patrocínio. Isto permite, ainda, que se precisem
melhor outras categorizaç6es: um Anjo da Guarda pode ser donozyxwvutsrqpo
da cabeça ou juntõ (jutõs adjutõ). No primeiro caso, tem sede
no or i ; no segundo. apenas "acompanha" o Lnd i vf duo , "fica do
seu lado". Por vezes, dois e até mais deuses disputam o posto
principal nesta constelação, sempre com periro para o protegi
do. Chama-se a isto guerra de santo~ou guerra de orixã.

O homem é sempre escolhido pela divindade que o re-


gerá, e nunca sucede o contrário. Ninguém é livre, tampouco,
de mudar de orixá. A hipótese em questão foi considerada ab-
surda, de um modo invariável, por nossos informantes, que mui
taS vezes a comentaram em termos como os seguintes: "Vodun
não se troca, ninguém pode; se trocasse, virava outra pessoa"
ou "Você já viu um homem tirando a cabeça e botando outra?"
~1asàs vezes ocorre que o adjutó "tome <1 frente" do "dono do
ori", quando este "se afasta" - só que o afastamento nunca ê
total ou definitivo, nem implica numa mudança completa de po-
sições na constelação dos custódios divinos pelo menoszyxwvutsrqponmlkjihg
quando
esta já se acha definida (no caso contrário há uma "guerra de
santo"). Dá-se ainda uma outra possibilidade trágica, a saber,
que o deus de fato deserte o homem -, e neste caso não deixa
166

substituto~ mas isto significa a aniquilação, qualquer coisa


de mais terrível que a morte. Falaram-nos também de instân-
se embora e La rga c Exu de-
cias em que o Anjo da GuardazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
"va zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
í+

le no lugar": resulta a loucura, e o imediato perecimento


por subversão do microcosmo humano, bem se vê.
Disseram-nos com freqüência que a escolha de uma ca
beça mortal por um deus se faz "por simpatia" (logo veremos .
porém, que esta não equivale a um simples capricho). Uma eke-
de nos contou que os voduns sempre vêm ver o recém-nascido no
berço, e decidem na visita qual deles ficará com a criança.
t/1asmuitas pessoas nos afirmaram que a mãe pode dedicar o fi-
lho ainda no ventre a um orixá de sua devoção; de qualquer m~
neira, o voto n~o obriga o deus, que pode aceitá-Io ou rejei-
tá-Io. Como o e quando quer que a escolha se realize - as opl
niões divergem um pouco a respeito - o vínculo, uma vez esta-
belecido, entre o homem e a divindade torna-se definitivo. Fa
la-se, é certo, que alguns orixás. como Omolu e Iansã, "acom-
panham o 'filho' até ao cemitério", enquanto outros, como Xan
gô. abandonam o protegido ainda antes da agonia. Mas mesmo no
caso deste, o afastamento parece ser temporário, dar-se ape-
naszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
in. extremiB~ pois sempre se mencionam eguns "de Xangô" ,
assim identificados.
Foi de muito valor para n6s a discussão com pessoas
gradas do Candomblé sobre as relações entre o orixã e a perso
naIidade do sujeito a quem se liga. N6s lhes perguntamos -
se
tinha algum fundamento a teoria, em voga sobretudo entre lei-
pos, de que os 'filho~' das Iab~s (voduns femininos) tendem a
ser homossexuais. Eles nos retrucaram primeiro com exemplos
de homens muito viris "de lans à'", "de Oxum" e t c ; ; observaram
depois que mesmo "filhos" de um santozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
macho como Ogun , ou si..
sudo e severo como Omolu. podem tornar-se adefunt5, contra ~
167

rian~o de maneira ra~icQ_ o orix~, cuj~ c51e~~ sofr~rn. is ve-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ


ze s , de modo terrí v e 1. "I s 50, e xp licaram, n ao tem nada a ver
".zyxwvutsrqponmlkjih

com o orixã, é da natureza da pessoa". Negaram, também, que


se tratasse de uma coisa determinada pelo odu: "O destino -
e
dado por Deus primeiro do que a matéria."

Um componente idiossincrásico soma-se, pois, ao fa-


tor destino na constituição ~e um indivíduo. Por outro lado,
segundo pudemos inferir dos depoimentos colhidos, e do exame
das práticas associadas à representação em causa. o odu nao
determina de maneira inexorâvel os azares da existência: an -
teS impoe diretrizes ou instaura possibilidades, codificando-
-as, ainda, de maneira legível por um adivinho o qual, de-
pois de um estudo bem feito, pode descobrir os meios de reor-
dená-Ias num arranj o mais propício ao con su len t e através de
eb5s etc. Seja como for, o odu configura uma espécie de 'pa -
drão' essencial da pessoa -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e especifica~ inclusivezyxwvutsrqponmlkjihgfed
a nature
3

za dos seus v{nculos com o mundo dos orixás.

Deve entender-se bem o mito a n5s relatado pela sá-


bia ekede, pois de fato não contradiz o asserto que acabamos
de formular, e que tem o consenso de todos os grandes de sua
Casa; aliás, ela própria o confirmou. Na est5ria, os voduns,
tudo indica, simplesmente "lêem a sorte" do recém-nascido pa-
ra descobrir com qual deles a criança tem maior afinidade

e, no caso, o sentido do termo "simpatia").


(ta 1 ..• Na sua narra
.
uva, a referida informante insistiu em que "os orixás vêm to
dos, do p r-une zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
i r o ao último ver o menino"..,;ora. a
3 expressao
;'do primeiro ao til timo" s5 pode interpretar-se como alusiva à
ordem do xirê e neste caso quem abre o cortejo é um adivi
nho (EXU).
Não se nega que o orixá tenha influência sobre a pe!.
~nalidade daquele a quem guarda quando se procura distinguir
168

aí o que é devido ã natureza, ou a outros fatores implicados


no padrio do odu. Muito pelo contrário. tem-se como cert~ que
os "filhos" dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Omo l u , v.g., possuem muitos t r aço s em comum -

quer dizer, segundo veremos, comungam de um mesmo mundo.


Admite-se que até profanos bem informados e com uma
certa argúcia, mas em todo caso favorecidos com o dom da "in-
tuição" por seu próprio orixá podem descobrir o de outras peszyxw
soas. Esta faculdade no TanuriJ"unçara foi atribuída a nós e a
-
um nosso amigo, e pudemos testá-Ia várias vezes: sempre quezyxw
levivamos algu~m ~ Casa diziamos antes a UM terceiro qual, a
nosso ver, era o vodum do interessado, sem comunicar nossas
hipóteses um ao outro nem ao adivinho (e tampouco ao consulen
te). Para nosso espanto, os bGzios confirmavam com extraordi_
nária freqU~ncia nossas suposiç6es, e quase sempre concordiva
mos~ mas, por outro lado, éramos incapazes de dizer de for~
clara e objetiva em que base fazíamos nossas conjeturas. TUde
indica que num convívio diário com o "Povo de Santo" aprende_
mos, sem conscientizá-lo, um código classificatório aí em vi-
gor, e nos treinamos, sem o perceber, no estudo de personali..
dadc s , isolando de maneira automática certos traços distinti_
vos de acordo com as regras assimiladas de um si st ema muito
coerente. A existência do código em questão parece confirnW.dl
pelo fato bem conhecido de que é algo raro dois adivinhos di!
,
cordarem na atribuiç~o de um orix5 a um indivíduo.
o ponto de que agoratrtltaremos é muito importante~
o nso podemos perdê-Io de vista em nossa anilise. Constit~
um dogma para os fiéis do Candomblé que toda pessoa. todo·h
mem tem orixá ("dono da cabeça"). mesmo que o ignore ou dei
de prestar-lhe culto. O deus pode nunca manifestar-se, n
exigir do protegido em termos de "obrigações" - mas nem
isso estarã menos presente. Assim sucede inclusive no caso
169

ateUS e dos fiéis de cultes diversos. Nessa altura, vale a p~


na ponderarmos bem uma afirmativa reiterada por vários de ~o~zyxwvutsr
50S informantes, no contexto de um raciociniozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
ex absurdo in-
formando uma resposta, aqui já citada, a questões que lhe prQ
púnhamos: trocar de orixá, diziam, equivale a trocar de pes-
soa. Cabe, portanto, dizer que sou quem sou por que tenho o
Mjo da Guarda que tenho - embora não apenas por isso: defi -
nem-me também a minha natureza e particularidades do meu odu.
Ora, logozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
h av emo s de notar que o Anj o da Guarda num certo se~
tido é individual: dois indivíduos podem pertericer ao mesmozyxwvutsrqp
orixá. mas nem assim se confundem os "donos" de seus "ori".

Devemos aqui ter muito cuidado para não constituir


com categorias nossas uma problemática que nesses termos nao
se erige no interior do sistema estudado. De propósito começ~
mos este capitulo afirmando que para o povo do Candomblé o
orix~ é bem distinto da alma humana a que se liga. Agora, dan
do-noS conta do postulado da 'individualidade' do Anjo da Gua r
da, que sem dúvida reflete a do sujeito, poderíamos supor uma
'hesitação' da parte dos membros da "seita" entre as afirmat!
vas da transcendência e da imanência do deus pessoal. Mas, c,2.
mO sempre sucede, a 'hesitação' e a obscuridade seriam do es-
tudiosO, espelhariam seu desentendimento do mundo de que
trata.
De quanto dissemos bem se infere que nao ter um ori
xá como Anjo da Guarda equivale a não .ser humano: todo homem
tem seu Eledã. Admite-se no Candomblé que uma pessoa pode, por
assim o dizermos, "perder humanidade" -
e o que ocorre -aque -
les que são desertados pelo deus. Dá-se no caso uma aniquila-
ção, algo de fato, repetimos, pior que a morte. Mesmo que o
indivíduo não pereça "fica só inteirando era (cumprindo tem-
po). enquanto se arrasta para a cova" segundo uma frase ines-
rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I

170

quecível dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Tata Uevi, a qual nos lepQya o verso de Pessoazyxwvu50

bre o "cadáver adiado que procria"; perdeu seu ponto de refe-


'!>

rência essencial, perdeu seu mundo. Falaram-nos também de ebõs


sinistros que "cortam o san t o" da vítima. Esta imagem terr f -
vaI do Anjo da Guarda mutilado denota uma situação em extremo
perigosa, quando se reduzem a um fio os laços do humano com a
divindade.
Ora. tais vínculos cabem descrever-se como indisso-
lúveis justamente pelo fato de qu~ ao romper-se eles a pes-
soa também é dissolvida: nulifica-se, torna-se, a rigor, um::
coisa. A concepçn.o do Anjo da Guarda no Candomblé nao equiva-
le, portanto, à católico-popular do ,santo custódio. ExpriF.t
urna Zusammenhang muito mais radical entre um homem e um deus.
t sobre este ~exo que deveremos refletir com muita ponderaçã~

Um orixá figura um verdadeiro aosmos que reflete .


presentifica a totalidade do universo maior onde se insere.
Nos ritos em que estes deuses se tornam visíveis aos crentes

,f eles se mostram. com efei to, empenhados na execução dos atc~


elementares de uma diacosmese - para empregarmos uma sugesti-
va e insubstituível palavra do léxico filos6fico est6ico.Su~!
imagens e representações se constituem em símbolos da realic.=.
de do mundo. Através deles se religa o microcosmo humano a-
macrocosmo.
Não nos confundimos, por certo. com o horizonte ql:.:
nos cinge - com o entorno do nosso Leben8we~t mas se perd~:
mos esta referência está claro que de imediato nos perdereL:~
a nós mesmos. Uma coisa parecida é postulada pelo povo do C~
dornbLe , Cabe ainda dizer-se que para o dito povo todo homen:i
como que o "lado de fora" de um deus; sucede, por vezes, ap:._
gar-se e dissolver-se a linha de fronteira - algun.s submerg
na divindade, "caem no santo", conforme se diz.
171

Por outra, seg~~Jo ar se cre, cada um de nos tange~zyxw


. ~
cis um orlxa; e duas pessoas podem, inclusive. definir-se co-
mo 'tangentes' ao mesmo orbe divino (Omolu, Oxum ou Ogum,etcJ;
mas nunca no mesmo ponto ... A face do deus que se volta para
~
um homem e o Anjo da Guarda que configura o mortal - distin-
guindo-o e distinguindo-sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
ipao facto. Funciona aqui uma dia-
ã do mito nagô de Orixalã que neste é
lética idênticazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA todos
oS orixás reunidos: de modo semelhante Ogum, p.ex., abrange -
ria todoa oa Ogun de seus inúmeros filhos.

o Anjo da Guarda se define, portanto, como bem di-


verso, outro que a pessoa cuja cabeça domina; mas nao como umzyxwvu
nganz andere", pois lhe está ligado de um jeito e sob uma for
ma única e assim, inclusive, a constitui (ã pessoa em questão,
incapaz, sem isso, de existir); individualiza-se na medida em
que individualiza. Cifra-se aqui uma correspondência profund~
que leva a uma certa identificação entre o homem e o deus. Tal
correspondência é assinalada, às vezes, de maneiras muito no-
táveis.
o temperamento em extremo jovial de um "filho" de
Omolu ligado ao Tanurijunçara, que mesmo em circunstâncias
muito sérias e solenes, e embora sem faltar com a devida Teve
rência, ele manifestava, levou Tata Uevi a definir uma pecu -
liaridade de seu Anjo da Guarda - segundo o Tat~ um Omo1u mui
to taciturno, rigoroso e temível (sabe-se que este deus ama
revelar-se de formas "bem complicadas":' há mesmo uma cerimô -
ni3 do rito Ketu em que os fiéis lhe dirigem seus pedidos fa-
landotudo "ao contrário"; cf. a respeito Dos Santos, 1972).

O Senhor da Cabeça, o Anjo da Guarda, figura ainda


cornoo santo 'em potencial'. No profano, o deus "não abriu a
fala", e n es t a medida acha-se apenas em germe (a propósito,
cf. Elbein dos Santos, opus c i t , , capo 111, pp. 47 sqv ) ; a
r zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

172

iniciação vai I reali 7.:}- lc " "í.mpe rsonri-To ' _. l'or outras pala-
vras, dar-lhe nascimento em nosso mundo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
Embora poucos o 'atualizem'. o santo acha-se, assi~
'latente' nos homens em geral e, pois, ta~ém o erê, seu 'do-
ble' infantil. Em todos nós dorme a Criança; e a música sagr~
da, pelo menos em alguns, pode um dia despertá-Ia.
A todo orixá, a todo pnjo da Guarda corresponde um
Exu - seu "princípio dinâmico!!, como diz Elbein dos Santos
(opus cit., capo VII), o !!escravo" através de quem ele atua.
Vemos claramente que Bastide tem toda razão em falar numa tr1
j,
plice estratificação mítica orixá-exu-erê. Como ele o exprime
uma passagem inspirada (1958:225);
"L'Orixã peut n'être pas fixé. pas contrôlé parle
groupe, seulement 1atent dans Ia tête (••.)zyxwvutsrqponmlkjihgfed
1 1 n'en est pas
moins vrai qu'il est pr6sent au dedans de lui. D~s 10rs, cet-
te structure psychique: Orixã-Exu-Erê, est théoriquement aus-
si une structure constante, un élêment permanent de Ia défini
tion de Ia personne."
Noutra obra ele volta ao ponto, embora de forma al-
go confusa (cf. Bastide, 1973: 186):
"Um dos meus informantes, A.F. de As sumpç ào , chega-
va mesmo a dizer que não só éada pessoa tem um orixá e um e~
comotamb6m a cada or xâ corresponde um exu ; o exu adquirindo
í

eleum certo modo. em sua informação. o a~pecto do anjo da guar


da e o orixá o de uma divindade visitante. fAtrevemo-nos azyxwvutsr
Su

por que esta inferência de Bastide reflete um malentendid~. -


Temos tamb6m os Gêmeos em nós, o que explica, sem dúvida, a
oposição entre a afirmação de Nina Rodrigues, que coloca os
Ibeji entre os orixás. e a de Edison Carneiro, que nega se
tratar de orixâs. Talvez possamos ligar essa afirmação a uma
173

observação de Frikel de que um dos eguns, isto ~,das almas


ancestrais, mais conhecidos na Bahia era Gunocô; hoje 'Guhocô
foi-se embora, vol tou para a ]\.frica,onde estão nossos pais •..'
Ora, Gunocô é o correspondente dos Ibej i."

Em primeiro lugar, observemos que a ligação entre


Gunoco c os Ibeji está longe de ser notória, óbvia por si mes
ma. Tata Uevi falou-nos daquela divindade (comparou-a a Tem-zyxwvutsrqp
po), e do culto que os Ketu outrora lhe prestavam em Salvado~
em termos que concordam muito bem com as descrições de Sousa
Carneiro (1937) e Valente (1964); nem ele nem estes autores
que citamos fizeram a menor refer~ncia aos Mabaços em tal con
texto. Tampouco Frikel parece realizar tal aproximação, e o
fato de que dá Gunocô como u~ Egun por si só j5 é bastante
..
problern5tico. Torna-se necess5rio, por fim, que volvamos a
grande obra de Bastide sobre o Candomblé nagô na BahiazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
para
bem apreciarmos sua afirmativa de que "temos os Gêmeos em nós"
(cL idem, 1958:226):

"Si l'ere êtait introduit dans le corps de Ia yauo-


au cours d es ri t es , on pourrai t penser qu' il n existe pas chez
I

l'homme avant, à l'état latent; mais il n'en est rien. 11 est


bien lui aussi virtuel en chacun de nous. La seuIe informa-
tion qui m' ai t été donné sur safonction, ne l' a été que d' une
façon indirecte, par un membre d'un candomble bantou,zyxwvutsrqponmlkj
et je
ne Ia ci te, par conséquen t , que sans toute r serve ,
ê 'Nous a-
vonS tousun Ibeji au dedans de nous.' Nôtre réserve vient de
ce que, si Le s ibeji sont des e sp r i t s enfantins comme Le s ere 9

ils ne se confondent pourtant p as ave c eux.'~"

Ora, nós vimos que a aproximação -"e mesmo.a identi


ficaçao entre Ibeji e erês nos "Candomblés bantus justifica-
-se em bases muito l6gicase reflete não o desentendimento do
sistema, que assim se deturparia, mas uma criativa fidelidade
174

o santo e o ere
" '
-
ao Mesmo. Tendo em nós. de um modo virtual.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
estamos assinalados por uma característica que também o é do
próprio mundo, para os Nap6 como para os Fon; Bastide estava
certÍssimo ao erir:ir o "principe de dualité", e ainda o simé-
trico "principe de coupure". seu corolário e complemento. em
base da ideologia do Candomblé, em postulados fundamentais dazyxw
ratio que estrutura e edifica este mundo. "Dualité"/"Coupure 11
,

União/Separação, Brisura/Cesura, IRualdade/Diferença no mundo


e no homem congeminados reflete o símbolo dos Mabaços, seme-
lhantes e distintos, a espelhar-se um no outro como no micro
ou macrocosmo; está em nós e no universo a môrca da p,emelari-
dade. O poste central dos abaçEs, a mesa de Cosme e Damião,
seu terceiro cÍrio, o acompanhante que os associa, o falo de
Exu. o báculo õpa~õrõ que liga/destaca céu e Terra, orun e
aiye, o Erdnabel de Ifé sagrada ou a colina-umbi?o do Bonfim3
se equivalem ainda como sip,nos ou formas do mesmo traço de
união que vela/revela a díade na trinclacle,e cifra também azyxwvuts 1

I
I

t
inquieta linha de horizonte entre homem e deus - linha
se esboça o perfil da Criança ambírua. misteriosa e antiqUís-
sima. ____ - x;-------
onde
i
j
11

Quase sempre é fácil reconhecer o ere, mesmo silen-


cioso; se a fala o trai imediatament~ pela sua algar~via, por
seu teor extraordin~rio ou pelo tom curioso de voz, outras
pistas ainda se oferecem nos gestos um tanto bruscos, no tran
torno meio c6mico do rosto, e até na vestimenta da iaa. exot-
-
nada das LnsLzn Las do orixá e com a Lon oa saia presa muito al
to, próximo ao busto.4 No entanto, podem ocorrer enganos. Ce;
ta vez, no Terreiro, nos dirifimos a uma bela filha de Ogum
-
que estava sentada. muito quieta, perto da ~rvcre Tempo, e
lhe perguntamos seu nome. Ela sorriu devagar e respondeu pIa.
cidamente: "Perigo". Só então notamos o brilho desumano de
seus olhos.
~,,~
I,

zyx
i
,I

175

Em todo caso, s8gundo dissemos, a criança se denun-


cia com facilidade na maioria das vezes. Mas recusa-se furio- ~
samente a ver a figura que ostenta. Basta ameaçâ-Io com um es
pelho ou fingir que se tem num pedaço de papel qualquer a sua
fotografia par~ que um ere fique aterrorizado e reaja com ex-
trema violência. Isto sucedezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com todos os meninos sagrados
~ue 'dublam' os santos no Candomblé; todos eles parecem re-
cear a tragédia de Narciso, bebido por sua imagem.
176

NOTAS AO CAPíTULO VI (PARTE 11)

i , numa obra em que trata do "siste-


1. Sobre o conceito de emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
ma Nàgô" em termos muito amplos, diz Elbein dos Santos
(opus cizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
t., p . 204): "Para que um corpo adquira existência,
deve receber e conter o emi, princípio da existência gené-
rica, elemento original sop~ado por 016run. o dispensador
de existência, Eléemi, o ar-massa, a protomatéria do uni -
verso. O emi está materializado pelo emi, a respiração, que
diferencia um âra-àiyé de um ará-õrun."
I I

2. A respeito do Ipori ou Kpoli ver E1bein dos Santos, opus


cit .• capo IX (pp. 200-209); Woortman. 1978 etc. Cf. tam-
bêm Correia Lopes, 1940.
3. A respeito do significado da Colina do Bonfim na perspecti
va do "Povo de Santo" v. Carneiro, 1961a:38-39~ Nina Rodri
gues, 1900:138-140; Pierson, 1971:388-389; Querino, 1938;
-
Tavares, 1951.
4. As vezes no Candomblé se fala neste modo de trajar come
"roupa de erê".
PARTE TERCEIRA

o DRAMA DOS EREs: PRIMEIRAS APROXIMAÇOES


178

Nesta parte da Dissertação damos iniciozyxwvutsrq


i anilise
tentativa do "Drama dos Erês". No capítulo inicial. abordamos
algumas questões preliminares relativas ao assunto, expomos a
metodologia e as bases teóricas de nosso empreendimento. No
segundo, tratamos dos papéis rituais que se desempenham no di
to Drama; e no terceiro, de sua din~mica. Os dois capítulos
seguintes dedicam-se ao estudo da conduta verbal dos atores
em cena, da linguagem na liturgia enfocada; o derradeiro abor
da um aspeto muito importante desta, e introduz temas a serem
desenvolvidos na Parte IV.
...zyxwvutsrqponmlkjihgfe

CAP!TULO I

PREÃHBULO
180

A nosso ver, todos aqueles que trataram do 'proble-


ma dos erês' de certa forma o isolaram como uma 'singularida-zyxwvuts
ce', algo quasezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lã parte' no Candomblé - quando, parece-~os,
tal fenõmeno de modo nenhum ã margem, mas d5-se e radi
ocorrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
ca no centro mesmo, tem a ver com a pr6prin estrutura do cul-
to em questão.

Este, ninguém o nega, tipifica-se bem como 'entusi-


ástico': caracterizam-no a possessão e o transe, elementos de
importinciazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
definitiva no caso. Não foi alheio aos equívocos
a nosso juízo cometidos pelos estudiosos da etnografia "afro-
-brasileira" na abordagem do "problema" ora em pauta o fato
ce se haverem quase todos esquivado a discutir o significado
dos referidos elementos. A exemplo de Walker (1972). embora
de outra forma, comecemos, pois, por este ponto. Advirtamos,
de inicio, que a possessão implica necessariamente o transe,
mas o contrário não sucede~ e apenas o último 'fator' pode
dar-se como uma caracteristica básica e constante de todos os
cultos 'xaminicos' - no sentido lato do termo, em que o empr!
ga, entre outros, Lewis, 1977 e de sistemas místicos pelo
mundo afora. De fato, segundo se sabe, tanto um xamã como o
paye Kamayurá, ou um fiel da antiga seita pitagórica (cf,
Dodds, 1951), de um lado, quanto, de outro, inspirados do ti-
po de Santa Teresa d'Ãvila e S. Juan de La Cruz sofrem e des-
crevem a experi~ncia do transe~ mas aqueles nao se consideram
em momento algum possuídos por uma entidade qualquer. enquan-
to os místicos do cristianismo, por exemplo, glosaram de mil
maneiras o mote paulino: "Já não sou eu quem vivo, mas o Cr i s
to que vive em mim". 1 (c{, GcJ, 2: 20) ,

Uma iaô esta, evidentemente, mais perto de Santa Te


resa do que de um p aye -• Apenas em casos como o da carmelita e
o da adoshu cabe falar em entusiasmo. O pitag6rico e o payi
contem que sua alma viaja, sai do cor po para comunicar-se com
181

outros domínios e seres; em sua teoria, eles nao "recebem" ne


nhum espírito ou deus.

Tampouco devemos supor que se equivalem todos os fe


nômenos descritos é a mesma coisa
como "possessão".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
uma
NãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
iao que um médium espírita ou umbandista. Ao comparar-se com
o "filho de fé", ou com o adepto de Kardec, uma adoshu nunca
perde de vista as diferenças que a separam daqueles; foram
muito explícitos neste ponto os nossos mestres do Candomblé.
Depois de ter assistido, em Belo Horizonte, a uma sessao de
Umbanda. a Mametu elo Tanurijunçara falou-nos com espanto do
fato de que aí os aparelhos~ como também se chamam, incorpora
varo~eguidamente numerosas entidades: "a mesma pessoa pegava
Oxossi.depois Ogum, depois Xangô, depois Iemanjá ••. e ainda
Exu, Preto Velho, Caboclo, Cigano, uma porção de espíritos."
NóS lhe perguntamos como isto podia ser, e ela em resposta
nos comunicou a seguinte hipótese: "Acho que cada p6ssoa recezyxwvut
be é um espírito só, que dá todos esses nomes."

Em princípio, portanto, um médium se considera apto


a incorporar diversos espíritos; a iaô, pelo contrário, encar
na apenas os seres divinos a que se estima ligada como "por
natureza". Mesmo quando, além do "dono da cabeça", acolha em
si o adjunt6 e um Caboclo, nos Candomblés bantus - e até, ho-
je em dia, em Terreiros nagôs .tão antigos e tradicionalistas
quanto o de Olga de Alaketu - a adoshu não ultrapassa nunca
um limite muito claro e preciso: apenas incorpora, i.e., en-
tes que de certa maneira a definem. Já vimos que a relação en
tre ° orixá, senhor do ori, e a pessoa sob seu patrocínio se
descreve como um vínculo constitutivo: nao sou id~ntico a meu
~jo da Guarda, mas sem ele eu não seria quem sou - deixa-se
mesmo de existir, como pessoa humana, perde-se toda a realida
dei quando se é desertado pelo deus; o sujeito se transforma
182

então numa coisa, num "cadáver adiado", na melhor das hipóte-


ses.
Embora se considerem mais importantes, sirnificati-
vos e vitais os elos que prendem um homem ao~donoh de seu ~i.
atribui-se um alcance muito profundo inclusive acs que o reI!
gam "desde o berço" a outras divindades além do senhor da ca-
beça. Sendo que~ sou pelo odu que me imprimiu o Criador, cabe
-m~ apenas ter este(s) adjunt6 e este Caboclo; e de qualquer
modo só os que fazem parte da minha constelação de cust6dios
divinos posso encarnar. A rigor, eles me definem - quer dize~
limitam e constituem - cin-ginclo-mea meu horzyxwvutsrqponm
i zonte przyxwvutsrqponmlkj
ôp r i o,um
horizonte cujo dissolver-se me anularia. Eu os tangencio em
pontos indefiníveis, no mais íntimo ou no mais extremo de mim
mesmo.
o médium compara-se a um aparelho receptor muito
bem acondicionado, capaz de atuar como suporte e veículo das
manifestaç6es de outras almas (graças; 'plasticidade' de seu
"perispírito"). li. imagem não cabe no caso da iaô. Esta, segu~
do se crê, simplesmente acolhe. no êxtase, um ser que a con-
-figura, numa radical 'introversão t
traz para dentro de sua
:

pessoa o seu "divino circundante". A metáfora implícita no


termo "êxtase" em todo caso se.justifica: a edo shu fica "fora
de si", quando o deus se move para o seu (dela) interior. Ci-
fra-se desta maneira a dupla viagem do transe no Cand.omblé.
De novo, a comparação com a mística cristã se impõe,
Na obra dos grandes beatos, é freqUente descrever-se o encon~
tro entre Cristo e os seus eleitos em termos de um cons6rcio
Animu8 e AnimazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
entrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3 ou das núpcias do homem com a divindade
por cuja graça subsiste. que de certa maneira o realiza: itEm
Cristo existimos. nos movemos e somos", segundo dizia ainda
- Paulo. 2
Sao
- ..• ~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
' ;.~

183

H;, ~ cl~ro, muitas diferenças (os inspirados do


cristianismo falam antes em algo como uma 'implosão do eu s
t

que se dissolve ao penetrá-Ia o divino; tal sucesso, para


Heister Eckart, por exemplo, eqüivale a um mergulho no nada);
em particular, notemos que se tanto num como no outro caso a
experi~ncia do ~~tase est5 cifrada numa linguagem er6tica, o
misticismo de Santa Teresa· ou são Bernardo, por exemplo, pri-
vilegia o instante da fusão entre o humano e o divino, sua có
pula profunda, estágio onde culmina o arroubo: azyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
Esposa con-
funde-se com o Esposo no momento supremo, mas não chega a im-
personá-Io ou reproduzí-Io. Já o enlace do orix5 com sua iaô
frutifica no santo, gera a criança> misteriosa.
De passagem, sublinhemos o fato de que a simbologia
erótica no Candomblé não reflete, segundo imaginaram alguns
com muita malevolência, uma licenciosidade por suposto reinan
te neste meio. Com um tal raciocínio, acabaríamos por força
acusando de devassos a Santa Teresa e San Juan, por exemplo.
Toda mística é, ao mesmo tempo, e necessariamente, uma eróti-zyxwvutsrqpon
ca; e ao apontá-Io de modo nenhum rebaixamos os tipos assim
qualificados de ideologia religiosa (bem longe disso, afigur!
-se de todo impossível para n6s ver com desprezo um Meister
Eckart ou um Hafiz); aliás, "rebaixamento" no caso só poder;
imaginar quem do amor fizer uma idéia muito mesquinha.
Mas voltemos ao nosso assunto. A possessão é pensa-
da como o caso em que um "outro" toma o sujeito - com o qual,
conforme o sistema, estará ou não ligado por um vínculo cons-
titutivo. Supõe, portanto, uma alteração. O transe, como a p~
lavra já indica, simplesmente assinala uma passagem: a mudan-
ça efetuada no indivíduo que se altera, ou o deslocar-se da
alma peregrina. Em ambas as inst~ncias, o paciente se encon -
tra num estado ambíguo, neste momento liminar em que.é e não
184

~ ele mesmo. Acham-se. peis, relacionadas as id~ias de transe


e liminariedade; aliás~ nos habitualmente as conectamos a~ fa
lar. v.g •• no transe do nascimento ou no da agonia.
No Candombl~, o er~, segundo vimos, possui como sua
característica mais fundamental a ambigUidade que o assinala
em muitos sentidos e de diversas maneiras. Ele se situa 'a
meio caminho' entre a iaô e o santo; tem uma condição 'inter-
ê, aliás, Uln mediador por excelência -. Tamb~m já
mediária' -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
notamos que os adeptos do culto em causa ora falam do erê co-
mo de um estado Climinal). ora o caracterizam como uma entida
de - muito particular, de fato, pois impossível de isolar-se:
a rigor, não existe separadamente: "representa" os Ibeji ou o
santo, funde-se com este e com a adoshu. A bem dizer, o erêzyxw
figura ou imagina (no sentido ativo da palavra)
..
o proprio
transe. cifra-o em termos metaf6ricos tomados de empr~stimo
ao idioma da possess5o.
Insistamos ainda num pento essencial. Goethe, nozy
Diahtung und Wahrheit, equipara a passagem da infincia para a
condição de adulto a uma inexorável e contínua perda de possi
bilidades; o caráter seletivo dos compromissos. interesses, -
opções, engaj amen t os , caminhos que o mundo vai impondo em su-
cessivas encruzilhadas, enquanto suprime alternativas, blo-
queia pendores, restringe o campo da atenção, oblitera voca,
çoes. limita a fantasia, acaba por sufocar o germe de uma po-
t~ncia fecunda, polivalente, quase demonlaca (no sentido ro~
mântico do termo); com base neste raciocínio é que o mesmo
poeta define o g~nio como "a criança que escapou". Se, campa..
rada com o adulto, nada é (ou é muito menos) "em ato", por 1
sua dúnamis, por sua transbordante potencial idade a criança 1
. ~
com inteira demasia o supera; e toda a su~ rrque za lhe advêllt4
de um relativo "não ser".3 Ela pertence alnda, em parte, ao·
185zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

. .
limbo. ao lado de fora do real, que é também a fonte deste,
de todo c devir; por isso conserva qualquer coisa de "demoRia
co". Onde Goethe demon-íaco.l diríamos BEora Natureza. Mui-
dizzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
to nos lembramos deste grande pensador assistinco aos ritos e
convivendo com o povo do Candomblé; e de um mode especial ao
defrontar-nos com os eres.
Mas prossigamos; vale a pena agora recordar uma co-
locação de Lévi-Strauss j5 mencionada aqui (p. \53 ) sobre a
natureza 'defectiva' dos elementos mediadores; com base no
postulado Iévi-straussiano cabe dizer-se que é justo o "moins
~être" do erê a razão de se lhe conferir "une pIace entiere
dans Le syzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s t ême " - um posto, aliás, sob muitos aspetos axial.

Outra coisa nos parece digna também de ~ublinhar-se


desde logo: nas situações limin2.res do transe, e nas instân -
eias da possessão, coloca~se de forma ineludíve1 um problema
impcrtantís s i rno , a saber, o da identidade. Podemos supor que
onde tais fen6menos ocorrem os mesmos cifram, inclusive, a
forma como a cultura em causa lida com o referido problema.

Torna-se necessnrio mais um reparo para encerrar o


par~grafo.Constituiu, sem dGvida alguma, uma vit6ria e um
avanço muito grande da etnografia "afro-brasileira" a supera-
ção das teorias que procuravam explicar o transe e o entusias
mo em termos d

·e vop s ii cop a t o Lo g i"a ,


e s 4 H

er si OVltS
kov i e Ba

as tt i.d
s

i oe , entre-
outroS, tiveram o grande mérito de remover tal escolho, e de
propor uma interpretaç~o socio16gica dos mencionados sucessos;
sua proposta, no entanto, não chegou a efetivar-se - em part~
por que n~o foi colocada de maneira explícita e objetiva a
questão do siBnificadc dos fatos em causa. Sobre isso voltare
mos adiante.
186

Na medzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
i da em que t rata ram elos eres como ã
um fatozyxwvuts
!

parte', como um traço singular e um fenômeno secundá'rio no


sistema do Candomblé. os pesquisadores condenaram-se de sa~a
a nao o compreender. Pois bem vemos que a liturgia das crian M

ças nao pode de maneira algumn conceber-se como qualquer coi-


sa acrescentada corpus de ritos e praxes religiosas di-
a umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
versas j~ estruturado e 'acabado'. onde figuraria a modo de
um apêndice; aliás. segundo notamos, o erê não se situa à ma!
gem, e sim no pr6prio centro do Kultbild em questão. A aludi-
ea liturgia talvez se tenha desenvolvido melhor e enriquecido
a partir de um certo momento da hist6ria do culto no qual Se
integra - mas sempre acompanhando a evolução do mesmo como um
todo. À figura através de que se realiza a mediação entre a
divindade e quem a encarna num culto entusi~stico, cabe decer
to atribuir relevo. Isto nos parece fora de d~vidas. Que ela
se delineie nas representações dos crentes com traços ambí-
g~os não si2nifica, segundo nosso ponto de vista, que estes
lhe atribuam pouca import~nciCl - mas, provavelmente, o contr;
rio. TodaviCl, ° certo é que, com poucas exceçoes, os estudio-
-
sos do Candomblé falam do erê en passant - quando o menciona~
Até a excelente etn6grafa Gis~le Binon Cossard. Clquem deve-
mos algumas das mais lumip.osas páginas sobre o assunto, foi
pouco além de uma notfcia acerca do mesmo.

Não minimizamos o contributo de sábios como Hersko-


vits, Verger e Bastide, que colocaram o problema e intufram_
sobretudo o ~ltimo, embora um tanto vagamente - o seu alcan-
ce, quando fazemos este reparo. De qualquer modo, temos de te
conhecer que afora os pesquisadores citados poucos o adverti-
-
ram. Por outro lado, insistimos em que uma nova perspectiva
deve ser adotada no exame da qU8stão. O recurso a comparaç5es
e a pesquisa da procedência do complexo mftico-litúrgico dis-
cutido ê de pouco auxílio quando perdemos de vista o sistema
187zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

once se integra. Torna-se necessário que investiguemos o as-


sunto com maior amplitude e profundidad~, antes de mais naca,zyxw
~
no pr6prio Candombl~. A explicação do fen6meno er~ há de en-
contrar-se aí mais facilmente, pensamos nós, do que fora. Não
negamos com isso, é claro, que tenha importância perquirir o
que corresponde ao objeto em foco nos cultos similares e 'co-
-naturais', ou naquele do qual se origina o sistema religioso
considerado. Mas previamente a qualquer comparação ~ preciso,
a noSSO ver, que tenhamos uma idéia clara do que se vai campa
raro O fato observado no Candomblé deve fazer sentido, prime!
ro que tudo, neste contexto. E ainda se o modo como aí se ex-
plana e cifra o mesmo datum discrepar do significado que ele
tem ou teve noutro horizonte, no 'original' inclusive, não d~
veremos por isso negar-lhe o sentido presente, considerá-Io
um produto de simples "confusões".

VereerzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e Herskovits, entre outros, nos ofereceram
algunS relances do mundo dos er~s; Bastide escreveu sobre
eles sem nunca os ter visto, a partir de informes colhidos de
aitiva, ou com base em leituras a esmo. Teorizando sobre da-zyx
dos tão escassos, -
era mesmo de se espe~ar que nao alcançasse
resultados muito satisfatórios; mas, curiosamente, foi ele o
que melhor percebeu a importância e o relevo do "problema" a-
qui discutido. Na sua abordage~, chegou confessadamente a um
impasse - cuj a solução, se gunclo advertiu também com perfeita
franqueza, só poderia advir de novas pesquisas.
x
Conduzimos nossas investigações num Terreiro "ban-
tu" num domínio onde, a crer em muitos e trióg raf o s ,reina ap~
nas a "confusão" gerada pelo esquecimento das matrizes aut~n-
ticas do sistema do Candomblé, conservadas estas apenas na m~
m6ria dos seguidores do tito nag6, ou ainda na de alguns de-
les, herd.eiros de uma tradição mais "pura". Ao esquecimento,
188

no caso do "Povo do Congo-Angola", somar-se-ia umaabstinên-


cia reflexiva, uma falta de rigor e uma fúria inovadora desas
sistida d~ quaisquer preocupaç6es com a l6gica, de modo a fa-
zer de seuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Kultbild um verdadeiro caos. Ora. nada disso tem o
menor fundamento. "O candomblé mesmo é um 56, mas cada qual
tem sua lei: o ketu, o g~ge mindubim, o g~ge galinha, o ango-
la, o congo, o ijexã", disse-nos azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
Iyã Efun da Casa Branca, c
mais velho templo nagô da Bahia, numa conversa que tivemos; a
ela não escapou a unidade essencial, a estrutura comum sempre
mantida por sob as variações dos ritos no éulto de que é uma
alta sacerdotiza. O reconhecimento do grande saber de Tatazyxwvutsr Ue
\li acerca das "coisas da seita", em termos gerais, foi expres
so com muita clareza por uma ialorix5 de uma Casa Nag~ que o
convidou para participar dos ritos de ereçao de um Il~ Ogun e
o consultou a respeito. Por outro lado, os mentores do Tanuri
junçara são conh~cidos e admirados pelo grande zelo com que
procuram preservar a sua "lei", a sua pr6pria tradição. E,por
fim. poucas pessoas vimos tão sutis, intelirentes e dadas i
reflexão como o mencionado Tata e a Mametu Conderenê.
Vale a pena ainda observar que não tivemos a menor
dificuldade em defrontar-nos com os eres em Terreiros que fre
qUentamos de "filhos de Ketu", onde vimos as crianças se com-
portarem do mesmo modo que no Tanurijunçara. Haverá, sem duvi
da, diferenças nesta liturgia conforme à diversidade das -
"leis" ou denominações do Candomblé; mas o que aqui dizemos
sobre tal assunto pode em certa medida generalizar-se. Novos
estudos sobre o tema em Casas de outras nações devem, em todo
caso, aportar significativos esclarecimentos.

Torna-se necessário agora que façamos algumas consi


deraç6es acerca dos princIpias que orientam nossa análise,do;
189

:onceitos fundamentais e perspectivas te6ricas em que preten-zyxwvutsrqponmlkjihgf


.emo s baseá-Ia. Será objeto de nosso estudo um processozyxwvutsrqponmlkjihgfed
ritual,
~ue informa e constitui um texto (empregamos esta palavra no
sentido amplo a ela conferido pelos estudiosos da moderna Teo
~ia da Comunicação; cf. a propósito Cherry, 1971) de um tipo
;articular, classificâvel, numa primeira e básica instância,
:omo dramático, e portanto articulado em três níveis ou estra
:05. Note-se que o mesmo antrop6logo que explorou a noção de
~rocesso ritual (Turner, 1974),em outra obra sua, muito im-
~ortante (cf. idem, 1967), já sentira a necessidade, ao falar
::lS símbolos compresentados num rito, de repartí-los em três
:la55es, conforme a natureza do seu suporte empírico, diría -
:05; recorreu para isso, aliás, a uma nomenclatura religiosa
~ntiquíssima. a dos cultos de Mistérios gregos, onde os veíc~
105 da experiência mística eram classificados nas seguintes
:ategorias: dr6mena (fazeres, atos, ou, mais precisamente, d~
sempenhos) , Zeg6mena (ditos, falas) e idúmena (objetos mostr~
:05, imagens).S Todo texto dramático tem esta tríplice estra-
tificação. Se quisermos escrever o roteiro de uma cerimônia
religiosa, ou o de uma peça de teatro, teremos que discrimi -
nar ditos elementos; nosso trabalho s6 será completo se consi
::erarmostanto ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e o x-i.p t , as falas dos atores, quanto as marca

"'õe5,a açao 8 ser cumprida, e por fim o conjunto dos "ingre-zyxwvuts


!

:ientes" que constituem o campo cênico, a parte do 'visua L"


(cenário, máscaras, Lndument âr a , caracterizações
í e t c s) , Os
três estratos referidos interrelacionam-se de muitas formas
para constituir uma unidade semântica; e acham-se inclusive
hierarquizados, com o predomínio dos dr6mena. Em um rito, por
exemplo, as falas são mais do que nunca speech acts; ocorre
às vezes que os atores ignorem seu significado 'referencial',
ma.snem por isso elas se reduzem a um enunciado me can i.co, pois
é mantida a consciência de sua intencional idade última, de
190

suazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
illocutionary force (cf. Habermas, 1970; Hymes. 1974;Sear
le, 1976). A palavrazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
t gestualiza-se
1
profundamente; ganha~ r~
levo as pausas que emolduram as vozes, iluminando-as ou proj!
tando sua rápida sombra no discurso, que este chiaro8curo tO!
na, com freqUência. musical; aliás, a música pode alinhar-se
entre os drómena e os legómena~ que enlaça e confunde: os tam
bares falam e movem, as melodias significam e desenham um cam
po de realizaç5es. Da mesma forma, as imagens sagradas atin-
rem a plenitude da sua presença, tornam-se agentes no decurso
t íir g ca ; nao raro. só então é que as coisas "apar~-
da obra lizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
í

cem como sendo mais do que parecem". isto é. como símbolos (v.
Sousa. 1973): assim se recimensionam o pouco de "simples" á-
gua vertida nas libaç5es, o humilde fio de ráfia atado ao pul
so numa cerim5nia, a encruzilhada dos passos corriqueiros er
que um sacrifício faz desembocarem os caminhos do universo
para não falarmos das figuras de todo criadas pela açao imag!
nadara: isso ocorre, p.ex .• quando, numa sala nua. a dança
das iaôs erige uma coluna que liga a terra ao céu, ou os pas-
sos crepitantes de Iansã encarnada edificam e visibilizam
muro intransponível aos mortos.
o texto dramático deste modo constituído tem uma u-
nidade que nos permite falar dele como de um signo de outra
ordem. Por conveniência da anilise. ao nos referirmos a tal
símbolo devemos ter presente a distinção peirceana (cf. Peir-
ce. 1932) entre type e token ("signo-tipo" e llsigno evento");
podemos ilustrá-Ia recordando que por exemplo, ass í.m
i mesm.Oj
fazemos uma clara diferença entre a Nona Sinfonia de Beetho.1
ven e qtialquer de suas execuç6es (e com isso, & claro, nia !,
confundimos com sua parti t.ur a) . O mesmo se aplica ao ritual;!
mais adiante veremos a importincia de não o esquecer.
1 9 1 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Num artigo not5vcl, Lcach (1972) chamou a atenção


para a utilidade de se conceber o rito como "a communicatiou
sys.tem"; aí também afirma que. tal como sucede com os mi tos,
segundo Lêvi-Straus$ o demonstrou, "the patterninp of ritual
procedure can serve as a complex store of information" (p.
336) - e ressalta de um modo particular o significado ou o
objetivo da redundincia muito acentuada no simbolismo doszyxwvutsrqponmlkjihgf
ri-
tuais, definidos, assim, como veículos da transmissão de um
conhecimen to cul turalmen te re levan te, ne 1es codi ficado; o efe.!.
to - e o propósito da redundância seria minimizar as possibi-
lidades de ruído, conforme sucede noutras 'formas' do proce -
der comuni ca tór ia.

Importa-nos aqui por em destaque alguns aspetos de~


sa tese. De um lado, afirma o antropólogo britânico a perti -
nência de se equiparar as operações simbólicas 'litúrgica' e
'mitfirgica', e de outro constata ainda que, em ambos os caso~
nos textos resul tantes "the me ssa ge is not conveyed by the
objects as such, but by their patterned arran~ement and
segmental order " (cf. locus ci t.). Os dois assertos evidente-
mente se correlacionam. O primeiro, em termos mais explícito~
equivale a esta advertência: do mesmo jeito que, nos mitos,
num plano apenas verbal, as características físicas, os modos
de apresentação dos objetos (traço~ abstraídos e recortados
de um contexto anterior) opõem-se e combinam-se .para figurar
como esquemas conceituais articuladores de um discurs9 lógicozyxwvutsrq
_ L e., segund o o exprime Lévi +S'trau ss , go r í.e s
eles ca t zyxwvutsrqponm
t t ••• ê

empiriques telles que celles de cru et de cuit, de frais et


de pourri, de mou i Ll e et de brulê etc. (... ) peuvent nêanmoins
servir d'outils conceptuels pour dégarer des notions abstrai-
res et les enchainer en proposi tions" (Lévi-Strauss. 1964: 9;
cf. a propósito idem, 1976a,cap. 1) - nos ritos formas dramá-
ticas, os procederes 'canônicos'. atos de certa maneira 'esti
r
t

l
I
192

lizados'. as estereotipicas posições e usos prescritos do Cor


po, v.r •• ou o ideograma ef~mero dos gestos, tanto quanto as
fórmulas, as imagens ostentadas, os elementos materiais ••.
dcsz
sacra que se manipulam, por fim as 'cenas' integrais em SU3
montapem entretecem um comunicado: descrevem e explanam "made
105 de e para a realidade", diríamos com Geertz (1966). Ozyxwvu
se-
gundo asserto de Leach aqui destacado diz respeito ~ profunde
za em que a mensapemem questão se articula, ao modo como ela
se codifica; e implica em considera-Ia fundada no plano das
representações (v. Durkheim, 1961:22-3; Belmont, 1971:105; c~
ainda Cardoso de Oliveira, 1976, capo lI,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
§ 3), logo cifraêa
em termos do inconsciente, no sentido l~vistraussiano deste
termo.

Isto nos parece todavia, cumpre a-


bem verdadeizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
TO;

crescentarmos al guma coisa. f,s 'explanações' contidas no rit:,


ou por ele operadas, t~m um alcance muito amplo e se correla_
cionam com diversos propósitos; transmitem informes 'profun_
dos' mas geram de um modo simultâneo a percepção de fatos e
possibilidades a nivel, inclusive, da consci~ncia dos atores.
Além disso, o efetuar-se de um ato litúrgico. tal como o en~.
-,
ciado de um mito por sujeitos empiricos em situações concre_
tas reflete empenhos e interesses que podem ser discutidos; e
a controvérsia nâo raro s~ estende ~ 'leitura' assim realiza_
da de um 'texto' (ou "pr ê+t ext o ") cujas linhas mestras de mo-
do nenhum se questionam (cf. a.propósito Guiart, 1973, cap.4,
e Law, 1973, que bem o demonstram no caso da mitolopia).

Outro ponto torna-se necessário considerar. O drama


ritual figura ai~da uma verdadeira poiesis;6 ordena um cam~
da experi~ncia, concretiza um modelo, oferece uma imagem ~
mundo, mas se concebe ao mesmo tempo como instaurador dazyxwvutsr
or-
dem, do cósmos que explana - e de fato a (re)cria em cadazyxwv
PEP
. ~
193zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

formance. Por certo, não se pode olvidar que o mimo constitui


um elemento b~sico do rito; devemos, todavia, interrogar-nos~zyxwvutsrqpon
sobre o sentido desta mimese (n qual é sempre interessa<ia). O
modelo que no caso se propoe e imita e pensado COh.O qualquer
coisa definida num plano distirito do factual onde decorrem os
sucesSOs 'efêmeros' do cotidiano, embora tangente ao mesmo em
todos os pontos. A história sagrada represehtada num semelhan
te drama, pata quem a considera ver!dica, transcorreu. sem dfi
vida, 'uma vez' - na oripem; mas sua originalidade a torna
'coet~nea', de certo modo, dos eventos da nossa etistência
que assim mesmo transcende. Lembremos que neste contexto (cf.
Sousn, 1973 e 1978) 'orifem' não se confunde com 'in!cio': a
vida de ·Cristo teve lugar na história humana, e um lugar que
não se situa no começo desta; mas para o crente todo o devir
hist6rico se reporta ~ 'biografia' do Homem-Deus.- Ora, Jesus
'morre de novo' em cada missa pois o fato 'transcendental' de
sua morte continua a valer, vale até para quem faleceu muito
antes de vir ao mun~ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o Messias; permanece atual, pois, do
mesmo jeito que são 'atuais' seu nascimento e a resta da cria
ção do mundo. Aliás, a perene validade das ocorrências de uma
'hist6ria sarrrada' é o que permite considerá-Ia tanto do pon-
to de vista diacrônico (trata-se, afinal, de um relato) quan-
to do sincrônico - pois se investe das caracter!sticas de uma
pa.ncronia.
A mimese ritual não constitui uma simples comemora-zyxwvutsrq
ção: nao apenas nos lembra
- ~
dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
'm o d elo ', nao so o presentifica
e explana, ou ainda o transmite de uma geração a outra, mas
reporta a -ele fatos 'da vida comum' sobre os quais assim se
estabeLece um controLe 3 lógico e/ou prático. Quando mais nao
seja I com referí-Ios ao sempre em vi por, ao vâ lidozyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
pe r se e
tluniquelyrealistic" (Geertz, opus ci t.) nós os redimimos de
seu caráter efêmero e con t i n gen t e , em certa medida. Por ou-
194

tras palavras, o modelo é verídico por que encerra in-


tantozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
di seut idas r ep resen taçõe s (no sentido técnico, s c i.o+an zyxwvutsrqp
ó t'T0POM

lôpico do termo), radicadas no mais profundo substrato dazyxwvutsr


Ur-zyxw
doxa (ef. Husserl, 1975; Merleau-Ponty, 1975) como por que
permite verificar ou realizar alguma coisa.

Isto exige da anãlise um maior refinamento: deve


ela compreender tanto uma exegese quanto uma hermanêutica
partindo-s~ do princípio de que no contexto de um ritual todo
símbolo é por si mesmo um interpretante; e sua 'interpretin _
cia' (cf. Benveniste. 1969) não se postula apenas no sentido
reirceano, não diz respeito tão só a outras unidades simbôli-
cas no mesmo sistema, mas ainda ao horizonte de uma prâxis
o ue ilumina.

Seja como for, bem vemos que o texto dramãtico de


um rito se acha estruturadc de modo a veicular uma mensager
através de um códiro particular; dito codigo evidentemente en
cerra um repertório de signos e uma gramitica. As regras des-
ta prescrevem um certo roteiro, que aqui, seguindo uma nomen-
clatura religiosa hebrãico-cristã, chamaremos de canon. Clarc
está que no caso do Candomblé, como no de outros cultos, os
cânones das diversas 1it.urg í.a s não se acham compilados nu!!.
A
breviário: é tarefa do etnôgrafo descobri-Ias e reporti-las.
Para alcançarmos sua identificação, i.e., para que cheguemos
a reconhecer as pautas inscritas no modelo (token) do rito,b
põe-se, naturalmente, o exame de diversas ce Leb r cçôe s do mes- -
mo. Só assim chegaremos a distinguir o que de fato é preconi_
zado do que se deve a circunstâncias fortui tas ou a idiossin.1
!
cr as i as dos atores "em cena". Cabe também consul tâ-los, . seI:
dúvida, ao delinear o nosso esquema; e fora isso o observador
!

rarticipante conta ainJa com outros meios de controle: ele zyxwvutsr


vi
;

corr c i do s seus erros sempre que se afasta do script,


í

e pc,
!

I
j

J
195

at~ ex~erimentar v~rias atitudes para saber quals convem e zyxwvutsrqponm


quais n~o se adequam ~ ~ituaç~o.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
."
Trataremos, pois, de desempenhos regidos por um câ-
non; chamamos de desempenhos o que se faz 'por preceito' nas
circunstâncias de um rito (recorde-se que mesmo as falas num
tal contexto antes de mais nada confi,ruram ações, e oszyxwvutsrqponmlkji
idúme-zyxwvutsrqponm
na n~o ro~em ser dissociados do ato, claro ou velado, explíc!
to ou im~lícito. de sua ostensão).

Os desempenhos se ordenam em seqUências com uma e~


trutura dialógica (utilizamos este termo, consagrado na Teo ..,.
ria Literária, como uma alternativa para escapar aos
..
equlVo""
cos que poderia produz ir, no caso, o emprego da palavra "dia-
lética", marcada por um uso muito especial). Um conjunto aca-
bado de tais se~Uências, divisível, ~s vezes, em 'etapas' bem
definidas, mas ~e modo claro interligadas - e sempre com pri~
cípio, meio e fim discerníveis, pelo menos, em termos lópicos
_ constitui o que chamamos um ritual. Uma s~rie articulada de
rituais centrados em torno a um mesmo eixo simbólico forma
uma seção da Li t ur g i.a ; e diversas 'seções' deste tipo compoem,
por fim, um sistema litúrrico, como o do Candomblé.
Procuramos por meio de tais colocações apenas faci-
litar o reconhecimento co terreno em que nos movemos; não en-
sejamos a configuração de um rípido csquematisme em nosso es-
tudo. O objeto que analiticamente decompomos desta maneira de
vemos reintegrá-Ia em sua [est~ltica totalidade.

De fato, o que temos chamado de "Drama ílos Erês"pr:?


cessa-se em dois episódios (rituais) distintos, inclusive, em
termos dos 'períodos' em que se cumprem); cada um dos ditos
tepisó~ios' compreende uma ou mais seqUências de desempenhos
nrescritos segundo um cânon.
J.
196

Advirtamos de novo que esses e muitos outroS riios


se configuram como um diálogo entre os atores envolvido~ - o::
entre um ator e o pr6prio mundo de sua relipiio, em determin:
dos casos.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A análise dos canones ~ o que pode conduzir ~ desc:


berta da estrutura formal dos ritos, e de toda a seçio litúr-
gica considerada, relevando os elementos constantes e a l6si.
ca dos arranjos a que estes se submetem. Deve poder-se infE-
rir, com base em tal estudo, e no exame de características Et
senciais do culto em causa, o modo como dita Iseção' se li~~
~s demais, ou se interra ao sistema de que ~ parte. Semzyxwvutsrqp dfiv~.
da, será necessário considerar outros tipos de textos simbé::
cos 'utilizados' no mesmo universo, e em que se trata, de a:-
~uma forma, do mesmo 'assunto'; referimo-nas, particularme~:~
aos de uma natureza apenas 'verbal' que configuram as oraçE~
mitos e crenças, por exernp 10 (entenda-se a distinção entre :-:
tos e crenças no sentido de Belmont, opus cit.). Também a L.
ma e o contefido destes se acham, no seu cerne, pr~-estabele
at~ certo ponto~ da criatividade
dos: eles independem,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB c
usuários. ~ viável o confronto dos textos referidos, com
I,
'b
prop6sito de reportá-Ios a uma base comum. Os mencionados
cedimen t os cumprem com os recu i si tos elazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
e xe qe e e propr í.ams-
o-"1'í.t a , 7

-
Ainda outra coisa e preciso que levemos em con:
De acordo com o filósofo Gadamer (1972), o estudo de obje:
simb6licos se opera em dois níveis de análise: no primeirc.
exeg5tico~ procura-se explicar o fen8meno pelo desvelament:
sua estrutura; já no segundo passo. o hermenêutico~ ensaia-
a interpretaç~o~ considerando os domínios da realidade a
o símbolo 'se refere'. ou que pelo ato de trazê-Io à preSE.
"'1 z

197zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

5e procura iluminar. Dito labor pode efetuar-se, por sua vez,


__ duas" ~t~pas. Na inicial devem estudar-se as interpretações
~:s pr6rrios informantes, usu5rios desses srmb~los, senhores ~
~esses ritos. Cumpre inquirir ar c6mo eles percebem seus atos,
:~ais os fins consciéntes a que os destinam, e de que modo se
::nectarn, a seu ver, tai~ lmeios· com as alegadas 'finalida -
~es'. Num se~unGo é preciso transcender
momento, essas coloca
:~es, ir além do que"·di2e~'~certa dascerim5nias em causa
5euS executores, para"assinalar as metas inconscientes, o oh-
~eto e os nexos 'profundos' dos ritos.

Para conserur-Io ~cve-se, de sarja, ~or entre par~n


:eses o ~efcrencial mais imeAiato da litur~ia. Assim, depois
:a ter i~entifica10 os caracteres miticos cuja re~resentaç~o
5': diz or erar , numa cenazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
sacra '",exam i n ado o assunto e 0 err-
I

:-el10 (10 "d rarnn",conhec dc s através


í elos relatos e comentários
~:s at orcs ,ve r f i cado c que, se cunclo
í esses I intérl'retes t afi!.
~lm, os capacita para semelhantes desempenhos, cumpre 'esque-
:er' tudo isso para notar, simplesmente, que, por exemplo,
21 determinada oportunidade, ~ois pruros de pessoas, compor--
:lndo-se de maneira infantil, assumem um para com o outro uma
:titudc de irrever~ncia quase sem limites, com o 'agravante'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
:'e que os membros de um deles conferem aos do oposto o trata-
-ent o de "pais"; que noutra ocasião. aqueles reverenciam a es
.......zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ - zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
-es: e, numa terceira instâncin, estes homenageiam àqueles ...
-enovando-se o ciclo várias vezes.
Cumpre então indaparmos o que, par:l além das expli-
cações relipiosas, semelhantes sucessos podem siznificar - em
cue medida,
.-{
v. g., no ri to" se manipulam ou con s i de ram fatos da
ordem social; por exemplo, um 'rezresso' periódico aos limia-
res da internalização da ordem sobredi ta (uma 'volta' à infâ,!!.
. auer
ela, . dizer) não se poderá correlacionar com uma tentati-
198zyxwvutsrqponmlkjihgfe

va de restaurá-Ia, superando e equilibrando, idealmente. c~


tradiç~es que a ameaçam? •
O pressuposto acima formulado nos parece válid~ 1
bina-se ainda ao mesmo o postulado de que todozyxwvutsrqponmlkji re1
Kultbildzyxwvutsr
duz um Weltbild. Assim, o exame dos ritos chega a conecta:1
profundamente com o estudo de uma "construção social da re~
dade". Isto implica em investigaçBes no domínio de um
"pré-teórico" (cf. Berger e Luckman, 1974), ou no campo
urna "Urdoxan • onde vigem categorias de um 'sentido comum'
I
í nunca se propõem de forma explícita. No dito rumo, de
forma, nos encaminha o trabalho de decodificar (ponderanc:
maneira como se arranjam ai os elementos significativos
nalados) a mensagem. contida no 'texto dramático' de que
mos, e em outros diversos mas de id~ntica origem e nat~.
simbólica, por isso e por seu teor com~:~Táveis àquele:
todos veiculam algo 'trans-dito' ou t~adiçjonal3 ao pé da •
é justamente o que
tra, Aliás, esta sua qualidadezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
bordar até uma ~nica versão de qualquer um dos ditos
como um discurso num sentido bem restrito e especializad:
palavra - como à objetivação, i.e., de uma perspectiva i:
gica, encerrando pontos de vista largamente compartilhad:s
não conscientemente expressos. O labor da exegese e o h~.
nêutico constituem, de fato, dois momentos interligados :t
só estudo.

Neste ponto. devemos fazer ainda uma distinçãc


grande importância para o encaminhamento do trabalho a c:
propomos. Nós a sugerimos e formulamos ad hoc~ mas talve:
resulte descabido generalizi-la~ em principio. nada .

que seu alcance e sua utilidade se revelem bem maiores,
cendam de fato os limites teóricos e práticos de nossas
tigações.
"'\. zyx

199

Julgamos viável e oportuno distinguir dois tipos de


ritos conforme a natureza dos cânones que os regem. No cumpri
=ento de toda ação ritual seguem-se regras, obedece-se a nor-
~as, trilha-se um caminho previsto, determinado anteriormente
Jum roteiro bem conhecido e consagrado; mas as normas podem
ser mais ou menos 'literais', as regras terão um alcance maiorzyxwvutsrqponmlkj
~u menor, o roteiro apontará apenas o rumo e a senda ou preci
sará cada passo e cada estaç,ã? do, traj eto.
A liturgia da missa católica, segundo também ocor-
ria com a dos cultos oficiais do paganismo greco-romano (os
realizados em nome daszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p~leiB ou da Urb~ - na sua maior parte,
i :elo menos) caracteriza-se por urna rígida regulamentação: as
:alavras, os gestos, os movimentos do oficiante etc. acham-se
:odificados e ,estabelecidos em pormenor. No caso da miss~ com
: passar do tempo, e com as sucessivas adaptações e reformas,
~s coisas mudaram um pouco: de um lado, as músicas aceitáveis
~~rante a cerim6nia, p.ex., já não se restringem de um modo
:~xativo (conforme sucedia na Idade Média, quando apenas o
:antochão era permitido e até o trítono se achava excomunga -
:~); e, de outro, as pautas i@postas às manifestações dos
:iéis tornaram-se bem mais elásticas etc. Apesar disso. ainda
:Jje. o que propriamente constitui o ofício em causa, seu nú-
:leoessencial, chamado "cânon" numa ac epç ào restrita do ter
..
~ (e, inclusive, outros segmentos a este acrescentados de m~
;~ a estabelecer variações perfeitamente definidas e ordena -
:~Sconforme o calendário eclesiástico) segue um modelo acaba "

:;,muito esquemático, onde não se deixa margem alguma para o


::proviso.
Numerosos estudos frisaram, outrossim, o "formalis-
religião de estado da Roma antiga, p.ex... 8 nao se dei-
:sva nada ao acaso nesse cul to, em que as falas, os gestos,
200

as posições. tudo, enfim, era codificado com minficia (aliis,


tal ·cânon' estava determinado, como o do sacrifício católico,
por uma legislação).
Mas existem ritos em que isso nao ocorre. Esti fora
de dúvidas que no sagrado arroubo de seus tíasos as bacantes
seguiam fielmente um trilho estabelecido; seu furor guiáva.-se
por um modelo, tinha regras; seus atos extravagantes eram in-
clusive prescritos. Mas as mênades obedeciam a preceitoszyxwvutsrqpon
me-
nos explícitos: o divino protótipo de sua mania não as conde
nava a uma imitação mecânica. Tornava-as. até. previsivelmen-
te imprevisíveis. numa certa medida.
Com freqüência, ao plano do ritual se incorpora
jogo (cf. a respeito Huizinga, 1971; Jensen, 1966) - que, se-
gundo Lévi-StrausssugerezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
(1976a:52-55), co rresponde , no dit:
domínio, ã bricolagem no âmbito do mito; inclui sempre um e::
mento de improvisação, e qualquer coisa de aleatório. O lud:.
brio - como o nome indica. uma forma de jogo - com certa re-
corrência se prescreve também em circunstâncias litúrgicas
mas ar nem sempre se determina quem lograri e quem ser~ logo
do. nem como (temos um bom exemplo disso nas disputas j OCOS!
entre os erês e os seus "pais"): abre-se assim um grande es-
ço para a criatividade. (De qualquer modo, o resultado fi~
seri urna afirmação da simetria. segundo veremos).
Parece admissivel distinguir, portanto, entre
ne s (por con seqüênc a , ritos)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
í p ro t o oo l.ane e , de um lado.zyxwvutsrqpo
-protocoLares, de outro. ~ claro que às vezes uma liturgia
de combina-Ios: isto aparentemente sucede com regularid
nos chamados "rites de passage"; aí. no período de
nao Taro tem lugar uma quebra de protocolos rigorosos
dos nas etapas anterior e posterior. dando azo a performar.
mais 'livres'. embora também canônicas.
201

Pode ser ainda que a mesma distinção ã zyxwvutsrqponm


correspondazyxwvutsrqponmlkjihgfedc
~ ~strutura e communitas segundo se manifestam estas no pla-
-- ~eligioso, e a exprima em termos formais.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ

t fácil ilustrar o contraste de que fala~os com


:::-:-:?lus
tirados do mundo do Candomblé. Quem já assistiu, por
~::-~lo, as cerimônias do s;rrum, em mais de uma oportunidade,
:-- certeza ficou impressionado com a precisão quase automát!
:orn que elas se desenvolvem passo a passo, de acordo com
-- :igurino minucioso. Dentro de moldes exatos transcorrem
-: 2tOS, as danças, os cantos, as falas, os gestos, as preces;
:::1 é gratuito. Por outro lado, o observador casual que as-
;:ste aos ritos do Caruru de Cosme em diversas ocasiões demo-
-: um pouco a discernir os cânones seguidos no festejo. Este
::~rpora brincadeiras, vários jogos que, por natureza, com-
:~2endem lances irrepetiveis; as cantigas e a coreografia do
:~~ba de roda infantil nada têm de padronizado: as músicas
::: obedecem a uma seqUência fixa, e admitem o improviso - a
: dança é bem livre. Concede-se às crianças uma grande liber-
::1e; espera-se, e até se deseja, que cometam certos abusos -
~~s isso fica a critério delas, naturalmente. Hã sempre qual-
:~er coisa de happening nas celebrações dos divinos mabaços.

Têm um notável paralelo no domínio da arte os fatos


:}8 assinalamos. Um compositor pode ser tão preciso e pormen~
~izado quando escreve a partitura de sua obra que não deixe
:~rgem quase nenhuma para Danifestações de criatividade do in
:~rprete - que ser5 nota~r anen8S por sua perícia e por 'vir-
:}osas' idiossincrasias de seu t alen t o . nas ocorre que o mus í.

:ista delineie a estrutura básica da peça e deixe o encargc


de 'cofl.ph:tá-ln'ao executante - ass í.m fazia Bach, por e xern -

pIo. Tamb6n há dra~aturgos que restrinrem a inventiva do dire


ror c (~CS atores a umrwnt'J P('UC: expressivo, -s
e cut r .. que
---------~

202 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

apelam de maneira profunda ã imaginação dos intérpretes (e


dos espectadores, inclusive). Em casos extremos szyxwvutsrq
i t uam+se a1..;-

tores de sinfonias e dramas que se contentam em sugerir rumc!


propor um ponto de partida para a aventura musical, ou deli-
near o esqueleto de situaç6es e personagens a serem encarna-
dos e vividos na ribalta.

Mas voltemos a nosso campo. No estudo de ritos nne-


-protocolares evidentemente não pode~os proceder de forma es-
quem5tica, assinalar os c~nones pela simples indicação dC5

procedimentos formalizados, abstraindo destes as ditas regra~


Acometeríamos assim um verdadeiro trabalho de Sísifo. Mas pe-
demos pesquisar as pautas bisicas, as chaves, os rumos qUE

se imp6em ~ açao, as t5ticas e estratégias que permitem levã-


-Ia a cabo. Deste modo conduziremos aqui nossa an51ise, POi5
o 'Drama dos Erês', se tem un roteiro muito bem traçado,
o segue como a um protocolo.

J5 dissemos que o drama referido consta de dois eM: zy


:'.:.

s5dios, o primeiro dos quais decorre durante o ciclo inici~t:


co; o últi~o fi~ura, de certo modo, uma repetiçã0 do inicia:
e encena-se fora do dito ciclo e com regularidade: tem luga~
principalmente nas ceLeb r açóe s chamadas dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
Le x-i , o "segunc.~
dia" das festas de or í.xà , Para nos pormos mais de acordozyxwvut
cel
ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
modus agendi dos erês, voltaremos de início nossa atenç~
sobretudo para o ato 'posterior' de suas representações.
203

NOTAS AO CAPITULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
I (PARTE 111)

1. Como Wa1ker, 1972, Lewis (1971) insiste na diferença b~si-


ca entre transe e possessão, embora critique o excessivo
esquematisno e as sinopses um tanto vagas de Heusch (1962)
e E1iade (1964). Adverte Lewis: "Segundo Mircea E1iade, os
cáve í.s do xaman i srno , no sentido ártico clâs
traços d i agno s t i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sico, são bastante específicos. O xamã é um sacerdote ins-
pirado que, em transe extático, ascende aos céus em tvia
gens I. No decorrer dessas jornadas, ele persuade ou até mes
mo luta com os deuses, afim de assegurar benefícios para
os seus semelhantes. Aqui, na opinião de E1iade. a posses-
são por espírito não é característica essencial, e nem se~
pre esta presente. (. .•). Além disso, segundo E1iade, di-
versos elementos do complexo xamanístico podem ser atribui
dos a diversos está~ios do processo hist6rico (•..) Assim
como outros fenômenos religiosos, o xamanismo est~ obvia -
mente sujeito ao processo hist6rico e ã mudança. Isso está
fora de discussão. Mas alguém que se dê ao trabalho de ex~
minar os dados ficará impressionado pelo caráter frágil e
ambíguo das provas que servem de base a essa particular i~
terpretação, tão confiantemente proferida. Não é necessá -
rio, aos nossos propósitos, no entanto, entrar em nenhuma
discussão detalhada dessa esp~cífica teoria evo1ucionária
do desenvolvimento do xamanismo asiático. Nossa preocupa -
çao é verificar se E1iade está certo ao procurar colocar
uma distinção entre a possessao por espírito e ao xamanis-
mo. Outros escritores desse assunto aceitam claramente sua
afirmação. Assim, em seu interessante estudo comparativo,
Luc de Heusch procurou desenvolver suas idéias em uma teo-
ria ambígua e forma1ista do~ fenômenos religiosos. Nela o
4' •
xamanismo (no sentido de Eliade) e a possessao por esplrl-
204

tos sao tratados como processos ant~téticos. O primeiro é


uma ascens~o do homem aos deuses; o segunda uma desci~a
dos deuses ao homem. Xamanismo, segundo _de Heusch;é portanto,
uma 'metafísica ascendente' - um movimento de 'orgulho' ,no
qual o homem se vê como igual dos deuses. A possessão, porzyxwvu
outro -
uma encarnaçao.-
lado, ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
De Heusch desenvolve com is-
so e outras distinções alegadas um elaborado complexo de
antíteses estruturais que ele, um pouco grandiloqUentemen-
te, descreve como 'geometria da alma'. Por mais logicamen-
te satisfat6rios que esses contrastes hegelianos possam p!
.,. .
recer, a questão aqui é descobrir se as provas emplrlcas
sustentam ou refutam a distinção que Eliade e de Heusch p~
curam fazer entre xamanismo e possessão por espírito. Para
assentar esse ponto, ternos de nos reportar aos primeiros
relatos de xamanismo 5rtico utilizados por Eliade e também
por de Heusch. Ouando examinamos essas fontes cuidadosamen
te, descobrimos que essa distinção é, de fato, insustent5-
velo O xamanismo e a possessao por espírito regularmente
ocorrem juntas e isso é verdadeiro particularmente para o
locua claaaicus do xamanismo. Assim, tanto
Ártico,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA entre
os esquimós como entre os chukchee da Sibéria oriental, os
xam~s são possuídos por espíritos. Ainda mais significati-
vamente, isso é também verdadeiro para os tungues 5rticos
de cuja língua deriva a palavra xamã e que, portanto, pode
mos tomar como epítome dos fenômenos em discussão." As pr2.
-
vas que Lewis alinha são conclusivas e indiscutíveis; toda
via, seus argumentos assim refutam apenas a interpretação
-
de De Heusch e Eliade do xamanismo 5rtico, e o esquematis_
~o desses autores quando dão como mutuamente exclusivas
duas teorias místicas, em vigor em diversas partes do mun~
do. Na verdade, sempre conforme o que Lewis expõe na obra
citada, tais concepções tanto podem aparecer combinadas:zyxw :':1
-'
205

quanto isoladas em diversos contextos culturais. A mesma


à página 30: "Aque les para quem o transe
autora diz ainda.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
conota um estado místico tendem a adotar uma de SU3.S teo-
rias parcialmente conflitantes. Eles consideram que o tran
se ~ devido ou à tempor;ria aus~ncia da alma do sujeito
("perda de alma") ou que representa possessão por força so
brenatural. A primeira interpretação reforça a perda de
força vital. uma "despossessão", a segunda enfatiza uma in
trusn.ode força estranha. Em algumas culturas ambas essas
posições sao mantidas simultaneamente ..,"
.' Cf. Atos dos Apóstolos, capo XVII.
t hi a
:.O tema do 1imbo configura um verdadeiro leit-motiv goezyxwvutsrqp
no. Uma das mais extraordinárias exposições do mesmozyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
encog
tramos no famoso episódio das Madres. no Segundo Fausto.
" A propósito, cf. hic .• Parte V .
. ' Cf . 'I'ur ner ,
1967 (p, 102 sq.; funda-se o antropólogo no e~
posto por Harrisson, 1903. 144-160). Muitos autores na an-
tiguidade clássica se referiram à dita classificação doszyxwvutsrqponm
sacra dos Mistérios (eleusinos e árficos) em drómena, legá
mena e idúUHwa (ou .d~jknúm~na). O sentido desses termos po
"'--

de sugerir - e tem sugerido - que a transmissão de uma do~


trina secreta, de uma gnose, constituía o escopo e o cerne
dos referidos cultos. Aristóteles. todavia,desautoriza tal
inferência numa passagem notável, onde declara que nos Mi~
têrios não era questão de aprender mas de sofrer(experime~
tar: ou pathein aZZa mathein; cf. Aristot. in Synes. Dion,
48 (Turchi. 1930). Isto se aplica bem ao caso do Candomblé:
o iniciado aprende muitas coisas no runkó, mas tem maior
importância aquilo por que passa aí; mesmo demonstrando p~
no conhecimento de tudo quanto ocorre na carnarinha, uma
206zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

pessoa ser~ considerada profana num Terreiro caso se con-zyxwvu


•..
firme que nunca"fez o santo", Aliás, a iaô. por exemplo,
desconhece os ritos a que foi submetida na f e i, t ur a : só QU8!l
do. se for o caso, ela se candidatar ao posto de M~e .de
Santo, ou a outro qualquer para cujo exerc{cio tal conheci
mento se afigure indispensável. a muzenza aprenderá elos
mais velhos a liturgia. As lições que uma pessoa "raspada"
recebe na clausurá grBvam-se no seu inconsciente, antes de
mais nada, e se destinam a permitir-lhe azyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
pepformance de
certos desempenhos litúrgicos; não objetivam, pois, confe-
rir-lhe um saber 'dogmitico' e 'oculto', 'gn6stico'.
6. Aos olhos dos crentes, os ritos não apenas 'expõem'. mas
ainda 'produzem', em cada instãncia de sua realização, U~
modelo definitivo. e a isto que nos referimos quando fala
mos na 'poíesis' 1itúrr,ica. V. Trindade-Serra, 1977.
7. Com algumas diferenças, seguimos aqui uma trilha metodolô-
gica semelhante à definida por Turner (1967, capo l, pp.
20-45) .

8. Cf. Wissowa, 1971.

j
--~-

CAP!TULO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
1 1 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

MÁSCARAS
208

Segundo dis~êmos, o rito é um drana com uma estrut~


ra dialógica. Este asserto tem muitas conseqUências para fios-
sa análise; não podemos de modo nenhum perdê-Ia de vista. En-
saiaremos aqui o estudo de um texto conformado pela ação ri-
tual - e cumpre advertir, logo de saida, que tal ação consti-
tui, antes de mais nada, ou melhor se define como,zyxwvutsrqponmlk
uma intera
ção. A importância de o assinalar é muito grande. O que suce-
de a quem se acha investido do 'papel' de ere, ao sujeito PO!
tB~or desta identidade. não afeta apenas a ele, mas ainda aos
outros 'em cena' (pelo menos). Quando se leva em conta - come
até agora se fez, no caso em exame - apenas o desempenho de
uma classe de participantes no drama religioso. fica difícil
compreender-lhe os significados. Pois o dito drama confronta
'personagens' distintos, e se desenvolve através deles, em te
dos os sentidos.

Torna-se necessário, sem dfivida, inquirir sa:


quemzyxwvuts
os vários atores em causa, ou, por outra, quais as identida _
des que ostentam no referido contexto; e que identity-rela-
tionships aí se consideram cabíveis, ou gramaticais (cf. Goo:
enough, 1966). Figura, assim, uma tarefa preliminar e inelud~
vel o enfoque da distribuição dos papéis entre os sujeitos ir
plicados no jogo dramático, o exame das correspondências en-
tre tais 'partes' e o qU8stionamento do modo como elas se de-
finem.

Ora, o índice mais claro, o fator mais evidente dazyxI

uni~ade da seção litúrgica em estudo cifra-se, de modo indubi I


t5vel, na as sun ào , por certos dos participes
ç desses desempe: 1

nhos, de uma identidade sagrada, a de ere. Este fato determi_ j


na, claro está, a performance pelos mesmos de atos específi _
COS, e o atribuir-se àqueles com quem nessa altura interagem
de 'funç6es' correlatas. Com isso ji advertimos, segundo ~ no
-
209zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

tável, a existência de proto e ceuter~gonista3 nas 'represen-


tações' a cuja abordagem nos propomos. ~
~Iais um passo decisivo se avança ao reconhecer que
estes prato e deuteragonistas sãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
qualificados para seus de-
sempenhos. Tal 'qualificação' funda a gramaticalidade de suas
identity, status e roZe-reZationships (v. Goodenough, opus
cit.). Outra pergunta logo se impõe: como os mencionados ato-
res se relacionam no contexto de distintas 'cenas' montadas
no mesmo 'palco'? Donde: que nexos lógicos existem entre es-
n possível
sas diversas formas de interação a eles impostas?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
reportá-Ias a um padrão estrutural?
Responder a tais perguntas equivale já a assinalar
o modo como se conecta a 'seção' em exame com as outras e com
a totalidade do respectivo sistema lit~rgico.
Comecemos destacando um fato bem notório: só podem
assumir o papel, e revestir-se da identidade de erês indiví -
duas iniciados - e, mais especificamente ainda. entre esses
os membros de uma subcategoria, a dos vodunsi (por outras pa-
lavras, "os que foram raspados no Candomblé").
A iniciação habilita quantos a ela se submetem para
o cumprimento de atos que do contrário seriam incapazes de
executar. Imitando o que faz um ogan ou uma ekede no curso de
~ rito, um profano de modo nenhum realiza o mesmo: falta-lhe
um pré-requisito indispensável para que seus gestos tenham v~
lor. possuam eficácia religiosa. De igual modo, um vodunsi e!
tã capacitado. por ter sido feito, a executar certas opera-
ç5es lit~rgicas, inclusive qunndo não se acha possuído pelo
deuS; e essas obras também se perfazem com um sentido que não
teriam se efetuadas por leigos. Mas. diferentemente do ogan e
da ekede, o "raspado". além dos papéis que 'por si mesmo' cum
pre graças ao carisma da iniciação, é ainda por esta habilita
210

elo a desincumbir-se de outros - quando, por via do transe, se


investe das identidades de santo e de er~. Comporta-se, ~nos
três casos, de maneiras bem diversas, e bem sirrnificativas.Es
sas condutas são pautadas com clareza, e prescritas numa med!
da muito maior do que suspeitaria um observaelor desprevenido.

o fato merece ser sublinhado: azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


persona religiosa,
por assim dizer-se, de um omon orixá compreende três 'identi-
'~.,
d~des' - e ele as assume, ou passa do campo de uma ao de
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ou-
tra, através do transe. Frisemos ainda uma coisa bem notável
reas pouco advertida: de modo nenhum se confundem a ia6 que
tem uma dijina tal com a pessoa de nome civil Fulana, embora
elas sejam a mesma criatura; ê Fulana quem faz o ossê,por
n~ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
exemplo - e como Fulana nunca poderia fazê-Io. A iniciaç~o de
certa maneira a converteu em outra, a saber, na que a dijina
designa e possibilitou-lhe ainda 'viver' o santo e o erê.
Deu-lhe o que chamamos sua pe:r'sona religiosa. Também está cle.
ro que a relação Ogan - Fulana, por exemplo, não é gramatica'...,
pelo menos em muitos contextos litúrgicos.

Posto isso, voltemo-nos agora para um ponto chave.


Propomos aqui que se consiJere o transe entusiástico como· u:
mecanismo de identity selection; desde o ponto de vista s6ci:
-
-antropo16gico em que nos colocamos, parece-nos perfeitamentE
lícito definí-Io assim. Tal abordagem não implica em negar
pertinência de seu enfoque como um "processo de dissociação",
como sempre se fez (e ainda se faz: v. a p r opó s i to Lewd s I:
Walker, obras citadas), mas numa tentativa de sondar-lhe ~
significado social. Estudos da fisiologia e do ressorte psic:
lógico do mencionado processo sem ~úvida alguma têm importâr::
cia, segundo Walker frisa; mas acreditamos que no exame
problema mesmo os psicólogos devem colocar-se a questão
sentido.
211

Quando falamos emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


identity-seleetion neste contexto
enpregamos uma linguagem metafórica: não ha verdadeira esco - ~
:hJ. não se é livre de fato de passar de uma a outra condiçãozyxwvutsrq
'iao - ere- - santo): isso se acha determinado por mecanismos
:-ituais. Mas tal ve z a impropriedade de nossa expressão seja
?erdoavel; até os físicos às vezes falam. por exemplo, que
~rna partícula assume, numa determinada experi~ncia, uma posi-zyxwvutsrqpon
çaozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
x ouzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
y.

A propósito. recordemos a irresistível cog~ncia da


1nalogia dramatica nos estudos científicos - sociológicos e
1ntropolópicos - das relações sociais. dos processos de inte-
:-açãoetc. O fingere personam inevitavelmente se da como mode
:) exp1anatório nos discursos desse teor sobre a identidade,
I -
:ar exemplo. E nao apenas tais estudiosos, mas inclusive fi-
:5sofos como Sartre (1953) advertem que em nossa vida social
somos antes de tudo atores. Ora, a nosso ver isto implica (ou
~~lgamos que a coer~ncia nos obriga a supô-Io) num reconheci-
:ento da natureza metafísica de todo o teatro - alias, a raiz
:esta palavra é a mesma de teoria -logo, também, ou sobretudo,
:~ religioso; neste ponto devemos insistir ainda, com Turner,
:~ que os rituais constituem v8rdadeiros dramas. Diante disso,
I :arece-nos, não resulta descabido imaginar que, entre outras
:oisas, na dramaturgia do Candomblé ?e encena e opera uma in-
:erpretação da identidade, e se representa a vida soc~al. (Ne!
te contexto, deve emprestar-se um duplo sentido ã palavra re-
:-resentar)~

Desde nosso ponto de vista, portanto. a perseverar-


-se no emprego de uma terminologin usada por mu i tos, cabe fa-
lar não apenas em "estado de santo" e "estado de er~". se gun-
:0 ê costume, mas ainda em "estado de iaô". A dinâmica do
212

transe pode explicit3r-se como (ou comparar-se a) um processo


dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
identity-selection: a 'escolha' num conjunto limitado ~e
possibilidades define as linhas gerais da conduta ritual do
sujeite. e também determina a vigência de um tipo de intera--
çao - dada a presença e a 'qualidade' dos deuteraronistas.2

A todos aqueles com quem contracenam ~m seus desem-


penhos litúrgicos os eres incluem numa categoria ampla e um
tanto vagamente definida, com um rótulo muito significativo:zyxwvuts
chamam as crianças a seus deuteragonistas ~e pais e maes. Se -
aceitamos esta esquematização, segundo um principio é forços~
c jogo dramático nos aparece desenvolvido entre duas classes
de atores que dialogam de uma maneira prescrita. Mas devemos
notar que o esquema simplifica as coisas, no interesse de uma
leitura particular do universo onde a cena decorre.

A simplificação aludida é bem not~vel: pertencem a


'categorias' distintas num modelo hierárquico os personagenszyxwvu
que confrontam os er~s. Basicamente s~o eles: os iniciadores
(o Tata, ou Mametu, e outros, como a Mie CriaJeira, que exer-
cem importantes funções 'mistagógicas'). os ogans e ekedes e
os seniores em geral. Os er~s reconhecem na pr5tica as dife _
renças entre estes seus deuteragonistas: submetem-se mais pr.Q
funda e facilmente aos iniciadores e ~s ekedes; todavia, per-
sistem de v~rias maneiras em c6nfundir e englobar a todos num 1
rrupo un1CO e algo indistinto de que se destacam. Seu 'esque_zyxwvutsrq
J
matismo' pode mesmo chegar a um ponto e~tremo: sucede is Ve-

j
~::u:~:~:t~::an:::i~s~~c~~:~v:o~:o:a~:~a~~:e:~:ntad
não ~ de modo nenhum gramatical, os leisos se voem 'reclassi.
ficados' pelas crianças, que os chamam e tratam do mesmo modo
que [iOS "fei tos". Por outro lado. o grupo dos douteragonistas
no DraDa das Crianças evidentemente inclui. a15m de titularest
213

como os ogans e as ekedes, infensos ao transe, outros atores


em principio capazes de assumir o papel dos protaponistas: h~ ~
indivíduos que podem alinhar-se ora num ora noutro 'campo'.zyxwvutsr

f difícil que urna iaô 'em pessoa' veja uma ebami


~cssessa do er~: a novata mostra-se muito mais suscetível ao
transe. sua criança aparece maior número de vezes, e quandozyxwvutsrq
JS apelos da li t ur g í.a forçam a "f e ta" "mais velha" a trans -
í

?ortar-se ao dito estaco azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC


junior tem poucas condições de re-
sistir ao vi[,or de tamanha provocação. Como os erês são "cha-
::ladoS"
regularmente depois que os santos das "feitas" se "des
?acham", e os das recém-iniciadas compélrecem de forma obriEa-
t6ria, enquanto as ebamis po~em ser isentadas de receber seus
meninos~ isto se torna ainda mais raro; e a possibilidade de
uma iaô po ssu i da por seu orixá defrontar-se com a cr{arlça de
uma ebami, tanto quanto a inversa, acaba limitada -a de uma
eventual discronia no processo litúrgico. De qualquer modo, e
em todo caso, quando um er~ e um santo se defrontam eles sim-
Dlesmente se ir;noram: não h~ transação possível.
Pelo mesmo motivo que antes expusemos (a maior sus-
cetibilidade da iaô ao transe) é muito pouco provável também
~e uma iniciada mais nova veja sem alterar-se a senior su-
cumbir ao arrebato do santo. À medida que a pessoa "ras~ada "
cresce em seniority, as visitas do s~nto ~ sua cabeça tornam-
.se menos freqUentes, e as do erê vão rareando mais ainda. A
criança tia IalorixázyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
q u a se n u n ca co m p a rece, e q u a n d o o faz é
certeza as iaôs e ebamis acharem-se no mesmo estado. Ali~~ in
clusive o santo da ?,1ametu(ou Tata) Nk i ss bem poucas vezes,
relativamente, se manifesta, e, em geral, no que surge, as
tas" j â se encontram tomadas por idêntico entusiasmo. 3
IIfei

Todavia. quando acontece o erê de uma vodunsi mais


~tiga deparar-se com uma iaô, esta é tratada por aquele como
214zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

senior; se semelhante encontro ~ a rigor impossfvel entre as


"feitas" de uma Mametu e a c ria n zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
a desta, ocorre que a Ial.ori
ç

xá em estado de ere se defronte com ogans e ekedes a quem lni


c i ou ; nessa aI tura aborda-os e os considera como "mais velhos",
Aliás, ~ esta mesmo a posiçio que eles ocupam.
Explica-seda seguinte maneira o fato assinalado
acima: seja-se ia~ nova, ebaml ou Mie de Santo, ao protagoni-
zar, em qualquer ocasião, o Drama dos Er~s. volve-se ao ini-
tium. O 'segundo ato' do referido drama, conforme já dissemos,
quando quer que se encene 'recapitula' o primeiro. Mesmo Se
de fato os atores que figuram numa de tais representações co-
:
mo deuteragonistas tiverem muito menos 'idade de santo', eles
; ~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
estruturalmente seria os seniores para os incumbentes do pa-
,,
, pel principal. Não importa a posição real do sujeito, mas a-
~,
quela que a liturgia lhe adscreva.
~
No caso da ebami e no da Mãe de Santo. a maneira co
tzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r mo em estado de erê elas se comportam deve considerar-se em
f
I
i
i
!
relação com as pautas de conduta observadas pelas mesmas em
outras circunst~ncias - remotas, inclusive - frente a seus
"mais velhos". que atores diferentes podem estar representan-
do.
A liturgia dos eres concretiza e sublinha urnaoposi
-
çao fundamental, na mesma medida,atenuando outras - que. sem
dissolver-se, mais ou menos Se virtualizam. Separam-se em cam
pos assim distintos e delimitados. ,'antigos' e Inovas', inicia
dores e "recém-feitos", "pais" e "filhos", e a mesma linha di
vis6ria é simultaneamente projetada, em termos ideais, sobre -
o plano dos ritos que constituem 'seções' distintas mas cone-
xas. Devemos, em nossa análise, conformar-nos a esta regra;bi
sica do jogo. Impõe-nos ela agora perguntar de que modo os
preto e deuteragonistas do Drama dos Erês se relacionam no
215

contexto deste e de outros que o continuam no mesmo palc~ Or~


a mudança aludida, o suceder-se das dramatizações a que bos
referimos se correlaciona com o processo do transe. Quando se
passa do "estado de erê" para o "dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
Laô " ou deste para o "de
santo" etc. monta-se em seguida a outra uma peça de uma trilo
gia bem articulada para continuarmos com o nosso s!mi1e tea
traI. A 'montagem' ~ consent~nea a umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
fingere personam, ao
operar-se de uma identity-selection.

Para seguirmos convenientemente as regras do jogo


que analisamos, devemos considerar a oposição entre duas clas
seSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A e B de atores (os 'proto e os 'deuteragonistas'
f dos
quais temos falado) visualizando-a ali onde se traça' 'e nos
planos em que se projeta. Num momento x da 'trilogia', quando
os membros do primeiro gl'UpO se definem corno iaôs, a status-
~reZationship entre A e B ~ assim~trica: A reverencia B, aca-
ta e reconhece sua superioridade. Num instante y, a mesma as-
simetria se verifica, mas com um sentido inverso: B homena-
jaia A, a quem proclama superior, em termos absolutos os
santos assim se consideram, de forma inconteste. Em ambas as
inst~ncias. o relacionamento entre A e B ~ um tanto formal,
marcado por atitudes significativas de distâncias e respeito.
Na etapa de que tratamos aqui diretamente - vamos cham~-la de
'etapa zero' - temos qualquer coisa de mais complexo. E~ ter-
~s de status-relationship, por um lado B se define como sup~
rior a A graças aos privil~gios à autoridade de
da seniority,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
~e desfruta e ao controle que exerce sobre o antagonista;
por outro, o caráter divino dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A lhe confere uma preeminência

ineludível e reconhecida com clareza. Aliás, tanto B pode pu-


nir a A, v.g., como A pode inflingir castigos a B. O tratamen
to que dispensam uma à outra as duas classes referidas de ato
216

é assinalado pela tônica da irreverência: prevalecem


reszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA as
relaç6es informais e jocosas, anula-se em grande medida a dh
t~ncia, ocorrem o engodo e o ludíbrio m~tuos. De qualquer mo-
do, afirma-se ent~o uma simetria, e os valores 'estruturais'
cedem ao proclamar-se dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
communitas.

Também é claro que a 'etapa zero' figura, em termos


x e y. Ocorrem ainda no dito p~
16gicos. a mediaç~o entre aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
50 as 'viragens' de que falamos: a circunspecção e a majesta-
de demonstradas por B nas circunstâncias x, ou a digna reve
r~ncia que ostenta, no momento Y. em face de A, volvem-se nu-
ma atitude de impertinência e derrisão; a postura submissa de
A, num caso, ou solene e deferente no outro, sempre em seu
confronto com B, converte-se, de igual modo, em urna disposi-
ç~o suspicaz, maliciosa e agressiva. Não é difícil ver que a
atitude circunspecta e a de homenagem digna se acham para com
a extravagante e a burlesca do mesmo modo que a submissa para
a agressiva e a deferente para a maldosa e suspicaz.

Temos ai convers6es profundas e muito not~veis pelo


seu estranho sentido: de um lado, os mais graves participan _
tes de um mistério se entregam a troças e ludibrias; de outr~
as pr6prias divindades augusta5 - os santos - tornam-se ridí-
culas, caricaturais, canhestras. segundo acontecia na comédia
~.
(
grega (em que Dioniso, e com ele os seus sublimes pàredros
olímpicos, assim mesmo aparentemente se 'degradavam'). O para
leIo não ê gratuito: recorde-se que na Gr~cia antiga a .comi.
dia marcava - como a tragédia. nascida da mesma fonte e dota-
da de igual sentido - um momento muito importante de um culto
entusi5stico.
217

NOTAS AO CAPrTULO II (PARTE III)

1. Seria fastidioso enumerar aqui exemplos da adoção em estu-


dos sócio-antropológicos de abordagens que fazem apelo,
múltiplo e cada vez mais intenso, a uma perspectiva funda-
da na idéia do drama, da representação "teatral".Basta que
citemos quanto a isso a obra de GoffmanzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
(1975) e as de seus
ou, por outro lado, a de Turner (1975).
seguidores,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

2. Insistimos na import~ncia de se considerar a problem~tica


sócio-antropológica da identidade no contexto dos estudos
sobre cultos e ritos de possessão.

3. Apenas uma vez pudemos encontrar-nos como o erê ela i1~H71QtU


Condcrenê; este, segundo nos foi dito, havia muito tem-
po que nao "baixava"; a que assistimos pode ter sido, de
acordo com nossos informantes, uma de suas últimas manifes
tações.
CAPrTULO III

ESTROFES E ANT!STROFES: O ANDAMENTO DO DRAMA


219

As 'viragens' e 'conversões' que assinalamos cono-


tam algo digno de considerar-se com a máxima atenção. Para me
lhor inves~igá-lo, deveremos levar em conta ainda outros fa~
tos.

Embora todos os participantes no drama aqui examina


do sustentem e creiam que as iaôs nesse transe são realmente
crianças, não se perde de vista o fato de que sua apar~ncia
dá testemunho da identidade de adulto (do sexo feminino, na
grande maioria das vezes). A discrepância, que funda a comic!
dade, é bem explorada nos chistes dos "pais". Basta perguntar
a um erê: "quantos anos Voc~ tem?" para o expor ao riso, e l~
ã indignação: a resposta - "um ano" ou "nove meses'etc.
vá-lozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
_ vem da boca de um indivíduo de idade aparente muito diver -
sa. Tampouco é possível à pessoa desprevenida adivinhar o se-
xo de uma tal criatura sagrada; todavia, chamando de "menina"
ou "minha filha" um erê de Ogum encarnado por uma mulher, por
exemplo, seu interlocutor arrisca-se a imediatas represálias.

Muitas vezes, a ignorância 6 simulada para irritar


a criança e ridicularizá-Ia: uma bela jovem, ou uma anciã,que
declara ser um garotinho tem, com efeito, qualquer coisa de
cômico.
Certa feita, atrevemo-nos a levar mais longe ainda
este tipo de provocação: ao er~ de. uma moça. por sinal muito
bonita e feminina, que nos dizia ser um "menino macho", per-
guntamos com ar fingidamente s rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
ê i o : "onde está seuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
peru?" Is-
50 bastou para que todas as crianças presentes nos atacassem.
A brincadeira que fizemos e bem comum neste contexto, e pro-
duZ de forma invariável o mesmo resultado.
Acha-se, por certo, em linha de conta, com todos os
seus elementos contrastivos bem notórios, o fator •dramático':
nas ditas ocasiões, atores que, fora da cena, são pessoas sé-
220zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

rias, razo~veis e comedidos - e na maioria mulheres, mesmo ~:


jogo (sem disfarces) revestidas das características mais. aI~
rentes do seu sexo - pronunciam pornéias e fazem gestos ch~-
105, ameaçam, agridem e colocam em fuga inclusive a homens.
armando-se com uma pequena vara de cip6 chamadazyxwvutsrqponmlkjih
natibi~ (vara
que comparam ao órgão sexual masculino com muita freqUência ;
de modo mais ou menos direto). Isso é pelo menos tão evident;
quanto o paradoxo de, nos mencionados ritos, personagens c~-
figura de adultos - uma aparência da qual não se desvestczyxw
L.

segundo é óbvio, mas pelo contT~rio fica manifesta no decor -


rer da representaç~o e tanto mais acusada quanto mais se~!
portadores se esforçam por negá-Ia - declararem-se crianças =
como crianças se comportarem. A esta soma-se ainda outra c::.
tradição bem perceptível: seus antagonistas, que têm o aspe::
de adultos e c são n~o apenas de fato, ou fora do contexto ::
drama, mas neste, inclusive, assim mesmo se definem - pois ::
guram aí como os seniores, os maiores -, assimilam em gran~;
medida o proceder infantil daqueles com quem contracenam: i~
tam os erês, entregam-se a burlas e troças, tornam-secaric:_
tos como eles para ridicularizá-Ias e sujeitam-se com i55:
a ser punidos pelos pretensos meninos como autênticas cri~_
ças o seriam por seus "mais velhos".

Serundo bem se ve, nessas circunstâncias,


metafórico, ou no horizonte do meta-jogo, operam-se role-r~zyx
versaIs em verdade radicais. Para sua abordagem recorrereffiCs
aqui, em primeiro lugar, a importantes colocações de
(1972). Ele as formula e considera como opostas ao ponto
vista assumido por Gluckman (1974) no enfoque de fatos sini"
res; julgamos, todavia, que ambas as teses são esc1arecedcr
e procedentes: relevam dados distintos e aplicam-se com
221

~xito no exame de situações um tanto diversas, emb~ra c:=~~ra


veis - s~o, em suma, complementares. No estudo do n~ss:zyxwvutsrqpo
~ec~,zyx
~
apelaremos, em momentos destacados, a uma eoutr~; Rigby, ~
noSSO ver, interpreta muito bem um fenômeno a que ch~Darí~=:s
de 'recic1agem'; mas admiti-Ia n50 nos desautoriza a falar,
com G1uckman,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e aludindo a um outro aspeto e parcela de :itur
gia estudada~ em rituais de rebelião. Estimamos ainda ilu8i -
nantes, no contexto das discussões que ora emprendernos, ~s es
tudos deste ~ltimo antropó10[0 e os de Meyer Fortes,zyxwvutsrqponmlkj
D. Forde
e V. Turner (1962) sobre "The ritual of Social Re1ations".

Rigby examina alguns rituais Gogo em que as mulhe-


res se travestem de homens, com armas inclusive, e adotam
uma conduta viril e belicosa, imitando ou parodiando com cer-
to exagero o ideal masculino de força indômita, aRressividade,
impulsiva segurança e destemor. (Note-se que entre esses n a t zy í,

vos caracteriza-se com "bem domesticada" a n c t ur e za feminina).


Sustenta o estudioso que n~o se trata, ai, de uma rebeli~o e~
cenada, de uma franquia periódica concedida através do rito a
elementos da sociedade mantidos sob um controle muito rigido
e constante.
. ~ .
Para bem compreender o sentido das ditas cerlmonla~
segundo ele, é preciso que se leve em conta, antes de tudo,
sua ocaSlao: elas se realizam quando sucede qualquer coisa de
ominoso, um fato 'negativo' ou assim considerado pelos indig~
nas; tendo isso em mente, poderemos explicar-nos os atos 1i-
túrgicoS em causa, com base em dados da própria wel.tonechauun
Gago. Caracteriza este sistema u~ dua1ismo que se exprime na
oposiç~o de categorias complementares e articuladas; assim,
por exemplo, alinham-se de um lado os 'vetares' leste-sul-aci
ma-bem (e direita-masculino), de outro oeste-norte-abaixo-ma1
(e esquerda-feminino). Em consonência com isto, o próprio
222

tempo, enquanto sucessão de eventos tanto no plano natural c,2.


mo no social - vê-se dividido em períodos que implicam esta -
dos (rituais) positivos num caso e negativos no outro. • CA
ê estranha ao Ocidente: na Antiguidade clássica fa-
idéia nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
zia-se a distinção entre diaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
fastos e nefastos - já Hesíodo
falava nisso). Um período ou estado auspicioso pode ser trana
tornado quando ocorre um sucesso discrepante. 'e'.;; mau augúriozyx I

- os 'fastos' e os 'nefastos' para os Gago se correlacionam


como verso e reverso; o tr~nsito de uma i contr;ria 'ordem
de coisas' é pensado por eles como uma alternância, embora ir
regular. Posto isso, argumenta Rigby:
,. men, as social category, are expected in Gogo
society to provi de for the control of the safety, health and
fertility of the human and animal populations in their homes-
teads. Women. on the other hand, are concerned with the medi-
Clnes obtained from the ritual leader anelused to ensure good
crops and protect them from damage and pestilence. Thus. when
unnusual ar unnatural events occur. in the reprocluctive pro ..
cesses ar general health and productivity of humans 01' ani~
maIs (...) in spite of the men's constant effort, time is re-
versed élnd a bad ritual state i5 crcated. The complementary
opposition between the s exe s as social c at.egor es now provides
í

the model for the manipulation of ritual symbols to attain a


desired end. That end is a rev~rsal of time and a return to
the previous state and events. In order to bring this about j 1 "

this reversal of time and thus a return to the prev i ous state.'
a ritual invol ving role reve.rsal pr esen t s i tself -as the mOde11
for symbolic ac t on ;"
í ' i
'-~

Retenhamos de Rigby a idéia de que um proceder" de'~


"role-reversal" pode correlacionar-se metaforicamente
projeto de "time reversal" - e em termos mais amplos a
223

çao do principio siffi~61icG segundo o ç~dl um ~~anstorno se


corrige por novo "revertério" - para usarmos uma palavra mUl-
~
zyxwvuts
to sugestiva do dialeto baiano. Mas vamos adiante. A tese do
citado antropólogo depende, em grande medida, de colocações
muito notáveis de Leach (1974). que cumpre agora trazer ã bai
Ia.

Em dois ensaios tão profundos quanto compactos,Leach


assinala a existência de duas concepções ('ideológicas') opo~
tas, bem difundidas, do tempo, linear e a ciclica; e corre-
azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
laciona a ~ltima, que considera mais arcaica ou primitiva, e
de certo modo mais comum, com o próprio cerne do pensamento
religioso. Na dita ótica, "o tempo é experimentadlJ como algo
descontínuo, uma repetição de inversões, uma seqUência de os-
cilações entre opostos polares: dia e noite, inverno e verao,
seca e cheia, velhice e juventude, vida e morte" (p , 195). Em
acordo com tal perspectiva considera o fato da universalidade
dos festivais e o caráter típico dos ritos de passagem; segun
do argumenta,!tê a reli gião e não o senso comum quem nos con -
vence a tratar como equivalentes pares de opostos como dia-
-noite e morte-vidd~ além disso, é óbvio que os ritos de pas-
sagem se acham "relacionados com a demarcação dos estágios do
ciclo vi tal humano" e pois devem" estar "ligados com alguma e s
pede de representação ou conc ep t ue l z.açâo do tempo" - ma s a
í

~ica que pode conferir um sentido plausível ~ equiparação


é a por ele chamada de oiclica ou "pendu-
aludida, adverte,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lar" (cL p. 206). Por outro lado, observa também (p. 203):
"Em toda parte do mundo, os homens marcam seus ca-
lendários através de festivais. Nós mesmos começamos cada se-
com um domingo e cada ano com urna festa ã fantasia. Divi
$ões comparáveis em outros calendários são marcadas por com-
224

portamentos comparáveis.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Jva'rí.edade s ~e ccru-o r t araen t.o envol
vidas são bem limitadas, ainda que curiosamt;;nte contraditó-
rias. As pessoas vestem-se com uniformes ou com roupas foza -
das; comem comida especial ou jejuam; comportam-se de modo
comedido e solene ou condescendem em abusos." Nota, a seguir,
que os mesmos tipos de conduta se assinalam nos ritos de pas-
sagem.
Amplia-se mais ainda o campo investigado quando se
repara que estes ritos têm em comum com inúmeros outros -- de
sacrifício, por exemplo - o simbolismo do nascimento suceden
do à morte (Leach alude aqui a teses clássicas de Van Gennep,
opuszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cit .• e Hubert e Mauss, 1909). Colocando-se numa perspe~
tiva "durkheimiana ortodoxa" (cf. Durkheim, 1961) o ensaísta
assinala que um festival representa uma mudança temporária da
ordem normal-profana da exist~ncia para a anormal-sagrada, e
logo um retorno no sentido inverso. Isso posto, aplica-sezyxwvutsrqponm
aozyxwvu
caso dos ritos festivos, em termos genéricos. uma divisão es-
quemática em etapas (mais ou menos coincidentes com as defini
das de modo costumeiro no estudo dos chamados "de passagem";
Leach apenas acre scenta mai suma, a ú1tima, e por motivos prâ
ticos, para facilitar o desenvolvimento de sua exposição.rei;
'I!
tegrando todas as seções temporais a que faz referência). Di;
criminam-se assim as fases seguintes:
A separaçao ou sacralização
B - margem
C - dessacralização ou agregaçao
D - "fase" da vida secular normal. -,
~
l
Para ser coerente com o ponto de vista durkheimi~~1
deve-se admitir que as fase szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A e C' se opõem assim como as 13 •zyxwvut
D. Ora, D """vida secular normal"; logo, o comportament.o 10
camente adequado na etapa B "seria representar a vida

•••. J
225 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK

as avessas" (p . 208). Assim, com ela se co r r e Lnc i ona r í.a , por


força, a inversão de papéis; e com aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
A e C, respectivamen~,
a "formalidade" (o tipo de conduta adotado, v. g., numa ce r Imô
nia de colação de p-rau, ou no Dominpo In gl ê s ) e "mascarada'
-
ti

(o proceder comum nas folias, ve sp e r a de Ano Novo ou Carnaval,


por exemplo).

O citado antropólogo caracteriza, por outra parte,


a inversão de papéis como "urna forma extrema de folia" (1ocus
cit.); de fato, segundo é notório, o comportamento dezyxwvutsrqponmlkjihgf
role
reversal e o da "mascarada" (em que "o indivíduo, ao invés de
enfatizar sua personalidade e seu statu5 oficial. procura dis
farçá-lo") se combinam com gr and e freqUência - este quase sem
pre inclui aquele. No si tuar a ocasião da "mascarada", Leach
procede, talvez, com um esquematismo muito rípido.

Deve, todavia, sublinhar-se sua conclusão de que a


inversao de papéis "é simbólica da transferência completa do
secular para o sagrado; o tempo normal parou, o tempo sagrado !

é representado às avessas, a morte é convertida em nascimen -


,:I
to. " , 1

:1
o 'seQundo episódio' do Drama dos Erês encena-se no . i

decurso de festivais que ordenam um calendário litúrgico, lo-


go têm a ver com o t cic l o do tempo' - e recapitula o primeiro,
pcenado no initium~ ou seja, durante o perfazer-se de um ri-
to de passagem (pois assim cabe definir -t oda iniciação). Em I" "

ambosos 'atos' referidos da 'peça' ,estende-se ela por per{:l,.


dos de "margem /I (fase da c1ausura dos neófi tos; desempenhos
cumpridos p e l a s cri anças, no termo de urna festa "de calendá
rio", no interior do runkó) e de "âe e e aar al i z açiio " (fase do
panam e da qu i tanda, no ciclo i.n í.c í à t í.co ; desempenhos cumpri-
dos pelas crianças fora do claustro, no Le r i , término dos fe~
tejoS 'comuns') - e comb i n a , de fato~ os procederes, de "i.nve r

sa~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O
d e papéis fi e "mascarada"
, •
-

226 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

Por outro 19~0, ~:sa tamb~m. a nc~sn ver, uma 'reci


clapem'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
auspioiosa dos eventos da exist~ncia; nio se realiza 1!>

a pretexto de qualquer sucesso 'discrepante' ou ominoso veri-


ficado no cotidiano, como no caso Gago, mas ~ evidente que se
correlaciona com um prop6sito de" 'restauraç~ol do cosmos (v.
Eliade, 1961) - que em toda feSta relisiosa do tipo das cansi
deradas de certo modo se 'recria' ou Ire-inaugura' (entende-
-se aqui a palavra "inaupurar" na plenitude de seu étimo sen-
e ocorre no initium como parte de um processo motivadc
tido);zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e deflagrado por um transtorno, o m6vel da "crise de conver _
são" dos ne6fi tos (v. aqui Parte V; c f . a prop6si to IbâÍÍez-Nc
vion & Trindade-Serra, 1978), ou, mais amplamente, dos prota-
fonistas desses desempenhos uma crise que se dramatiza nazy
liturpia das crianças.

Ora. se o prop6sito de semelhantes ritos vem a ser


uma 'reciclarem'. um re-inaugurar-se ou restaurar-se do curse
da vida, o meio para isso preconizado. conforme Leach e Rigby
notaram, figura, de certo modo, uma subversão da ordem em que
a vida decorre (ordem comprometida pelo advento ou pela possi
bilidade do infausto, e ameaçada de desgaste por tensões que:
estabelece necessariamente, tanto quanto por força de inelucl
ve I 'entropia '). 'Subverte _.
se' aplano da na ture za com POSpe:
'Ó; ' o nascimento ~ morte,ou ainda com uma volta i infância - pa-
ra que a vida de algum modo se renove; e o da sociedade re-
cuando-se a seu limiar, que é também suá or ígem (o estado' !

80ethianamente caracterizável como infanti L, da commurz-itas).

A subvers~o referida 5 ainda consent~nea ao afirmu


-se dos "poderes dos fracos", e cifra-se, inclusive, em ates -
dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r eb e l d i a , em "rebellion rites". Os erê s , com efeito, s~
antes de mais nada verdadeiros revoltosos, e levam sua reVol_
ta a ponto de encenar um crime terrível, como veremos. Aliás
227

rmar ern ele forma c a tegGricazyxwvutsrqponmlkjihgfedcb


sefundo noszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a f zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
í W' S s o s me s 1: res do I

Cancomblé, só não o consumamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


de fato por rUEa da víti~a, subs
tituida op6rtunamente; um ludíbrio acaba por teatraliz8r, mas
nao diminui em seu p~thos, a tragédia negra.

Os atores adotam uns para com os outros, na 'etapa!


zero, atitudes que representam o inverso perfeito das por:
eles assumidas em seu intera?ir nas 'fases' x e y (cf. hic p.
); desta maneira obtém-se uma certa simetria de posiçõe8
(o momento 'axial' referido opera urna mediação 16gica entre r

os dois restantes destacados por nós como 'partes' complemen- i


tares de uma mesma 'trilop:ia' Li t.iir g í.ca; em te ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
y v i gem , lem-,.

bremos, opostos esquemas assimétricos de interação).Ocorre no !


'!

tal 'instante' intermediário mais urna coisa notável, algo co- I

mo um duplo 'rebaixamento' - note-se que sempre se passa do,


I,

estado de santo para o de erê, e não se pode chegar a este de',,I


outra forma, embora seja possível 'voltar' do erê para o san- i
... li
to a majestade dos deuses encarnados se expoe ao ridlculo,.
do mesmo modo que a r,randeza dos e en i o r e e ou maiores. Nessa m~! ,
dida. ambos se humilham, de certa forma; seus status quase se'
anulam e suas pessoas tornam- se a I po ambíguas (cf.Turner, 1974:;1
117-120). Quando recordamos que no mesmo contexto sucedem aig;1
da manifestações de uma "obscenidade prescri ta", que aí se a-I!
firI!lamos "poderes dos fracos", e predomina, em termos de'1;
Buber (1961, apud Tu rn er , 1974:154), "o enfrentamento dinâmi-'!!
co com os outros, uma fluência do Eu para o Tu", lapa se enf~l, ;
tiza das Zia-i e ch enmen e ch i i ah e ; ou que no dito 'instante' se ena.!"
tece urna condição 'marginal', pois fronteiriça entre natureza: !
~
e sociedade (assim é percebida a infância), damo-nos conta de ~
que se acham reunidos de um modo ou de outro, na liturgia es- ~
tudada, inúmeros traços sepunco Turner característicos da con
munitas e dos estados 1iminais.
228

6 not6riazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
SezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
UT? 'astficia do poder' no fato de que
a estrutura negada assim mesmo acaba por reafirmar-se, e .•..
re-
roduzir-se dialeticarnente. por outro lado, como Fortes ob •
servou (1962:78; cf. Turner, opus cito supra, p. 119), d5-se
em semelhantes casos também, e sobretudo, o reconhecimento de
"um laço essencial e genérico - é Turner quem assim o exprime
- sem o que nao poderia haver sociedade".
Vimos ainda que, em perfeito acordo com a tese de
I . ~ ,.
Rigby, uma'reciclaren1' auspiciosa do curso dos eventos na re-
ferida altura se opera através de um 'subverter-se'. em ter
mos simb5licos,
50S em questão;
da ordem a cujo imp6rio
e este 'subverter-se'
se conformam
é consumido
os SUCcs
inclusive
-
por meio da 'rebeldia' - para volvermos a Gluckman. Com efei-
to, no Drama dos Erês notáveiszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
cadas, e tanto podem
role reversals se vêem signifi
interpretar-se nos sentidos indicados a- -
cima quanto em correlação com o definir-se da ordem 'anormal_
-saprada', em termos de Durkheim e Leach.

No dito drama, por fim, encontramos a comédia e a


trapédia combinadas, expondo com certa crueza sua raiz única
e profunda. A analoria teatral parece justificar-seaf com
maior plenitude do que no caso de outros ritos; chamemos a l

atenção para o fato de que, p.ex., a inversão de papéis no


mesmo contexto cifra-se. a bem.dizer, 'metalingtiisticamente'~ .
denfincia dó J'og'o: as j~
Ora, um meta-jofo é antes de tudo umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
m~scara~ - enio s6 as litfirricaS - aparecem claramente como I

m~scaras, os papéis revelam-se apenas pap~is etc.~ b finge~


p e r e on am , imposto em todos os níveis dá vida social, acusa seu
car~ter de verdadeiro fingimento; a idéntidade exibe seu r5tu•..
10 e seu vazio.
229

Por outro lado, as "vir ao en s ", 'conversões',zyxwvutsrqponmlkjihgfedc


"ro zyxwvutsrq
l e zyxwvutsrqpon

reveJ'sal,s' nestas cenns a modo que desenham urna trajet6~i~


simbólica ã descrita pelos atores no teatro rreRo,
semelhantezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
quando o coro evoluIa no palco por 'voltas (cstJ'ofes) e 'con-
tra-voltas' (ant-ístJ'ofcs). construindo uma imarem dinâmica do
1 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
munco l
ce sua rcpresentaçao. -
230

IV (PARTE 111) zyxwvutsrqponmlkjihgf


NOT1:'S AO CAP!TULO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON

1. Cf. P'ier son , 1971 (p. 116) :zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG


"T: maior parte das iE'.portaçêies
du ran t e a última parte do s cu Lo XVI e du ~
veio de An2:01azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ê

ranto c s5cu10 XVII, e de Guinf, nos s5cu1os XVIII e XIX.


Por volta de 1710, o fUDo baiano estava sendo ernbarcad~ P!
ra a 'costa de Mina'. que desde ent~o passou a constituir
um terço da pro~ução baiana, por mais de um s6cu10. (...)
Em 1781, cincoenta navios se empenhavam no o
Brasil , oito ou dez com ..\11g013. o restante com a co s t c su-
d an esa ;" Ver a respeito Nina Rodrigucs, 1977, cal'. I; Ra-
mos, 1943, ca~. I e 1967, ca~. I; Bastide, 1971, vaI. I,
capo I; Verger, 1968; Vianna Filho, 1946; Ott. 1953; Car -
neiro, 1964; Gou1art, etc.
2. V. Bastide, 1974, capo V.

3. Numa conversa informal, urna nossa amiga, ebami do Tanuri -


junçara, disse-nos em tom ele brincadeira, J11.as nu Ite convic
t a : ",,'ocêsabe outras línguas aí, essas est.ran ge i ri.ces,maszy
eu ,
canneço a l 'lngua ae
1
santo, que e- malS

lmpor
'" t an t e. " No
dito Terreiro, no m~s de junho, reza-se a trczena ~e Santo
An.tôn í.o : a ma i or »a r t e das orações, como ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
R e ep on eo e a La

da{nha, s~o 'tiradas' em latim. T3ta Uevi, quando o inter-


rOFaPlOS a respeito, fez. este comen t ár í.o : "Tem que ter a
língua pr6~ria fara o ritu~l; a religi~o. Os padres arera
dizem a missa en portugu~s e de costas para os santos por
pura novidade. por que j5 n~o est~o 1i~ando maIS ~UTa nad~
Querem é acab ar com a If'.rej
a." O An gcl a é, pois, percebir1c zyx
cnmo uma líncua sagrada, ~ diferença do pcrtugu~s. Compa-
ra-se, desde este ponto de vista, C';)J1l o latim - e com o "na
pô", ou o "gêze", falados em ou t ros Candomb l s , é
231

~. O caráter equívoco das falas dos eres acaba assim por rein
terpretnr-se
.•. ..zyxwvutsrqponm
e valorizar-se corno arnbigUidade , Lox i.ac a ',prQ
va de sua natureza oracular.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I
CAP!TULO IV zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A PALAVRA E SUA IMAGEH

,
r,
,~

.;
233zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

Os membros iniciados do Tanurijunçara utilizam al~m


do Portupu~s um outro c5dipo linpUistico que pode caracteri-
zar-se como uma 'varieda0e' funcional ~tnica e reliriosa, em
termos de Fishman (1971; czyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
f . t amb ém Fe rgu son e Cumpe r z , 1960).
Utilizamos aqui a palavra 'variedade' no seu sentido t~cnico,
s óc i.o=Lí.noü i s t co ; Fishman (opus c i t , , p~. 36-37)
í diz a este
respeito):

"Le fai t qu un terme obj ectif,


I t echn í que , d~fra[~ de
toute ~motivité, semblezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nécessaire pour d~sirner 'une sorte
de lan0ue' montre d~ji en soi que l'expression 'une lanzue'
comporte un jugement manifeste, une émotion ou une opinion
(•..) Naus utiliserons donc le terme 'variétf' pour ne pes
nous laisser pren~re au pi~re ~u ~h6nom~ne que nous nous pro-
rosons de traiter ..." Prosserrue liistinrruinda as variedades
chamadas de dialetos das designadas pelo nome de socioletos~
e mostrando como um mesmo códi00 pode passar de uma a outra
condição:

"Ai n s i , si les migrants d 'un payszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON


A forment dans un

pays B une minorit~ importante de pauvres, de mis~rables et


d'analphab~tes, leur vari~té linguistique - le dialectezyxwvutsrqponmlkjihgfed
A~

signifiera, aux yeux de Ia population B , beaucoup plus que


'langue d'une région detérminêe'. Le diaIectc ~ deviendra le
symbole d'une situation sociaIe inférieure, - sur Ies plans
de l'instruction et de Ia profession, - i celle que répresen-
te le diaIecte B. Ce qui constituait une vari6t~ rigionale -a
l'origine devient ainsi une variiti sociale ou sociolecte." E
mostra, ainda, mais uma possibilidade de mudança:
"En sui te. si Le s locuteurs de Ia var í ê t ê i1 n 'cntpas
acces au reseau d'intéractions du groupe B~ s'i15 commencent
i se marier entreeux, s'ils restent f~deles i leurs cout~me5
~
r~gionales, et 5'i15 continuent a ne rechercher que Ia corn-
pagnie de leurs compatriotas. ils pauvent, avcc le temps,etre
cO!lsidérés comme une communautê séparêe, avec 5es propres~as-
pirations, ses croyances réligieuses et ses traditions. De
tout cela peut découler que Ia variétézyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
A ne sera pIus désor-
~ais considerée que comme une v8riété ethnique et ré1igieuse;
..zyxw
bien pIus, Ia variété peut ~tre cultivée comme une 'languezyxwvutsrqponm
azyx
p a r t'."

Tem alguma semelhança com o hipotético do exemplo de


Fishman o caso do c6digo do qual tratamos; cumpre, porém, ad
vertir que a hist6ria deste Gltimo aparentemente figura não a
peripécia mais simples de um dialeto conservado por locutores
transferidos da sua região de origem para outra, mas, inclusi
ve, a odisséia de um pidgin (ver, a prop6sito do conceito de
pidgin, e da maneira como se distingue este tipo das demais
classes de variedades lingti!sticas. os estudos de Stewart,
1972; Fishman. opus cit.; Tonkin, 1971; Ha11iday, McKintosh e
Strevens, 1972; Reinicke, 1964 etc.). Seguindo Mackey (1972),
podemos classificar o objeto de nossas considerações, por Sua
"função externa", como uma eommunity language utilizada no
r c h q r oup , (Lembremos, todavia, que o
se ia de umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ch u zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG ehu:rcl;
g:roup em quest~o se auto-define, inclusive, e de singular ma-
neira, copo UEI grupo êtnico. Sobre o assunto, consulte-se ain
da a obra citada de Stev:art, onde se estud2 "the specifica-
tion of Lanvua ge t.ype s" - 2.S páginas 533--539 - e "the spccifi
cation of Lan pu age func t i on s" - às páginas 54(1-545 -; entre
as 'funções' discriminadas, Stewart alinha a religiosa).

Tendo-o desta maneira caracterizado, de Lr.e di at.ove


rificarnos a conveni~ncia de equiparar o c6digo em causa,
-
d~
eo r t:o modo, a um »e q i e t1 "O 3 e ipso fce to somos forçados a reco
nhecer a va1idez do asserto de Denison (1971:157) segundo o
qual as inst~n~ias de p1urilingualis~0, no sentido lato do
Izyxwvu
l-

235

termo, "can be most illuminatingly and economically treated


within the same conceptual framework as diglossia and~regis -
ter. These are alI manifestations of language variety, and,
more specifically, of what I prefer, with Grepory (1967), to
calI d i azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
t yp i c variety. D'i a t yp e s are var e t e s of
I I Langua ge
í í

1Vjthin a community, specified according to use (purpose, fun~


tion) , whereas dialects are spccified according to groups of
users". (Neste sentido amplo, podemos chamar, por outro lado,'
inclusive de dialeto). Denison a-
a variedade de que tratamoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
crescenta, esclarecedoramente (locus cit.):

"People may, as Fishman has pointed out, be bilin -,f


guaI or bi-dialectical with ar without participation in dia -
typic (diglossic) situation fcf. Fishman, opus cito capo VI,
pp. 87-103/; moreover, the same utterance may be describea
dialecticc.lly t: one particular e xp lan czyxwvutsrqponmlk
te me ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
t o ru c.im, diclty

pically to meet another. n (Grifo nosso; a respeito da


de diglossia, V. também Ferguson, 1964).

Em todo caso, usaremos aqui de prefer~ncia os ter-


mos 'variedade' e 'código' (v. Hyme s , 1972) para referir-nos I
ã chamada "língua Angola" (também dita "Congo-i\ngola". po s] í

bem se percebe que, com pequenas diferenças, o mesmo sistemal


'ritual' de comunicaçio linpUística se utiliza nos candomblés
Angola e Congo; sabemos, aliás, que os principais Terreiros
'bantus' baianos das duas denominações derivar seu ax~ de Ufl3

matri z comum).
Mais adiante. deveremos examinar v eç i e t voe C:~G o di
to código compreende; nessa altura, temos de exprimir-nos eTI
conformidade com a definiç~o mais estrita do termo t5cnicc
"rel!istro" formulada pai Denison (opus cit •• p . 158): "a re-
gister is any of those diatypic varieties which the member!:
af a given speech community are accustomed to think of as be-
236 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

longing to one 1anguage." Seguimos nisso, ainda, o sugeridc


por Hymes (1971:65); "Where functional role is in questiono
~
one wou1d speak ofzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
varieties (••• ) and, more specifically fe:
. . . zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
sltuatl0ns. o f reg~8ters. fi

Note-se que, segundo Hymes, funational role consti-


tui uma das três dimensões implicadas, e em geral confundid2.s
na definiç~o de u~a lfngua (dialeto, variedade) num senelha~-
te contexto; representam as outras provenanc8 af content ~
mutual intelligibiZity (que diz respeito a um falar concorre:

,
I te); n~o ~ inteligível
na mesma speeah community,
para quem s6 sabe o português,
o c6digo (a "língua Angola")
usa~:

I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
li que tratamos; por outro lado. as caracterfsticas bisicas des-
te úl timo são o efeito combinado dos fatores "pr cvenanc e r »

cantent" (que nos leva a classificá-Ia como uma "pidgin-lih


vc r i.et y'") e "functional role". Cabe ilustrar tal correlaçã:.
com ape lc a um exemplc dado amb ém po r Hyrnes (upus ci t. sup:-:
t

p . 64): "The functicnal v ar i e t y , 'language of the d ernons


among the Sinhalese conflates (a) Sanskrit (b) Pali (c) elas-
sical Sinhalese, and (d) a polyglote mixture. according
we t he r (a) Eindu ar (b) Budhist dei ties are invcked ar menti:
ned, or (c) origin myths are narrated, ar (d) demons are d~-
rec t 1Y invoked andzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c o m m a n d e d •.• "

Percebe-se e representa-se a diferença entre os dc s í

sistemas, a "língua Angola" e o português. na comunidadezyxwvut


li::-
gUistica que os utiliza a ambos, como significatiVa, inclus~-
ve, de sua correspond~ncia a distintos fins. (O concei~o ~
'comunidade Lí.ngü i s t ca" que usamos aqui é o de Gump erz, 197:.
í

Por motivos muito not~veis julgamos licita chamar


"língua Angola" de uma 'pidgin-like variety' - e nesse cnSe
uso da palavra variety não ~ alusivo a contrastes e correl~
ç6es entre os dois c6digos empregados na mesma Bpeeah aomr~
237zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

nity, pois o fator "content provenance" mais os (lfasta que os


aproxima; conota, em vez, o pr6prio discriminar-se dos seus
"functional reles". Antes de expor os alegados motivos, ad-v;ir
tamos (linda que, malgrade os argumentos em contr~rio dd Ton -
kin, julgamos pertinente a distinção, feita de modo costumei-
ro nos estudos sociolingUisticos, entre pidgin e crioulo; pa-
rece-nos inclusive que Hall (1966) a formula muito bem quando
lembra que um pidgin é uma língua "nazyxwvutsrqpon
t í.ve to none
propriamentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
who use it" enquanto um crioulo vem a ser um antigo pidgin
convertido em "the native language of a speech community".

Conforme tudo indica, a situação de contato lingUí!


tice em que se defrontaram lus6fones com falantes de idiomas
bantus e outros da África no Brasil ocasionou o produzir-se
de uma ou mais variedades pidgin - o(s) socio1eto(s) falado(s)
pelos escravos. As circunstâncias em que estes aprenderam a
comunicar-se com os senhores eram prepícias a isso: os negros
mantinham-se aqui isolados em sua m i ser àve l condição, seL, ace!
50 n escolaridade, na maioria absoluta dos casos - e assim 56
pediam alcançar um dominio prec5rio do portugu~s, embora de -
vessem us~-lo. ~ão raro, inclusive entre si, como Zingua fra~zyxwvutsrq
ca (sobre o conceito v. Samarin, 1972), pois sua classe se
compunha de elementos oriundos do mesmo continente mas de ~--
reas e etnias diversas, englobando indivíduos a16fones.
Parece que predoni nou a importação de su l+equa t.o r i a
noS, dos povos de línguas bantus, pelo menos na maior parte
dahist6ria da escravidão na~ahia, e at~ ao momento cn que
parn aí passou-se a transportar, sobretudo, contingentes da
Ãfrica Ocidental (fons e iorubas); h5 indícios de que então o
idioma nag5 chegou a impor-se, em certa medida, como uma ou-
tra líneua franca entre os nerros - e seruramente contribuiu
de forma not5vel para alterar-lhes e enriquecer-lhes o(s) so-
cioleto (s)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.1
238 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

Os escravos tinham acesso muito reduzido, sem",üúvi-


da, "au rêseau d 'intêractions" do grupo dominante; por Lcng;
tempo, apenas entre si eles e seus descendentes estabelecia~
vínculos conjugais (embora se achassem sujeitos ao caprich:
sexual dos senhores, fator da decantada miscircnaç~o); e e~
todos ou quase todos os planos, seu convivia mais estreito _
continuado era com pessoas do mesmo status; por outra parte.
secundo se sabe, para mant~-los subjupados, os amos, fiéis a:
princípio "divide et impern", cheraram a fomentar as rivalic:
des baseadas em diferenças étnicas entre os negros.2 Os dial~
tos que estes falavam nestas sE podem ter dado ori-
condiçõeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
gem a variedades com algo de pidgin a que o prupc dominante -
e disso há incontâveis testemunhos na literatura e no folclc-
re - qualificava com emprego de estere6tipos negativos, vi~
cano "symbole d'une condition social e inférieure", e,mais
da, testemunho de ccn[~nita barbárie, insofism5vel inferiori-
dade étnica.

O predomínio do português t--


acabou por ser qunsezyxwvuts
tal; mas em parte, e de certa forma, os di~letos africanos
!. \'

as pidgin-likc varicties derivadas se conservaram - e vieT~


n exercer uma grande influência sobre os falares baianos. (c~
Pessoa de Castro, 1967). O modo como se conservaram me re c ,
ser esclarecido, todavia.

Sabemos que ainda existem na Bahia falantes de ic~


ba, v.g.; um deles, por n6s conhecido, o famoso Pai de Sac::
Eduardo de Ijex~. segundo o testemunho de um ilustre niferia-
no, possui perfeito domínio do idioma dos Anagonuzyxwvutsrqponmlkjihgfe
s no qual 5!
exprime com grande flu~ncia. e con o acento típico da proví~-
cia lembrada em seu cognome. S~o raros, porém, os que se
cham neste caso.
239 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

Da di ta línru3, de qualquer formazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ


t cmo s nos Terl;ei..
t

ros baianos um belo monumento, consubstanciado nos textos for


mulares (veja-se o pr6ximo parigrafo) que infernam oszyxwvutsrqponmlkjihgf
Zeg6me-
na da li turgia das "sei tas" nagô. O monumen t o possui vida: se
ignoram o significado referencial da maior p8rte dos enuncia-
d~s contidos nos ditos textos, os locutores preservam uma
idéia mu i to clara cos valores 'intencionais' respectivos. (Cf.
a respeito Trind2de-Serra, 1978*).

Da "língua An gola" há falantes cem distintos níveis


de compet~ncia. Não poucos dos grandes da seita com quem pri-
vamos s~o capazes de conversar e fazer discursos usando este
c6digo; a maIorIa dos iniciados, porém, sabe apenas frases es
tereotipacas, e donina mais ou menos um amplo repertório de
fórmulas rituais, orações etc. - enunciados cuja significação
estrita as mais das vezes quase de todo desconhecem, malgrado
terem perfeita noção de sua funcionalidade e "força elocut6 -
.
rIa .
~,

Mesmo aqueles que "trocam língua" fluentemente -


nao
nos pareceram em condições de dar, dos Zeg6mena de sua litur-
gia, urna tradução cabal. Nas suas falas 'cri~tivas', os ter-
moS portufueses são mais abundantes - cumprem com as funções
b~sicas da articuladores do discurso. J5 no longo ofício cha-
mado Tabela, v.g., aparecem em numero muito reduzido: a recor
renCla das palavras nagôs e fori é tamh6m not~vel en anbos os
casos, e :menor nos textos for!Tlulares.

Dialetos bantus deixaram tarnb6n entre n6s seu monu-


mento; e uma 'pidgin-like variety' elaborada a partir dos mes
moS, bem como do portugu~s e do ioruba. depois de ter consti-
tuído, quiçá, um socioleto mais amplamente usado, conservou-
-se como "variedade funcional étnica e religiosa" em Terrei -
ros da Bahia: s6 a usam iniciados num culto que os define co-
mo "o povo J\ng-nla".
240zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

Os enunciados que se produzem na lín~;u2 Angola cq,ns


tituem dois tipos de textos verbais, que chamare~os aqui dezyxw
formuZares e criativos (neste ~ltimo caso, a designaç~o pro -
posta alude ao conceito chomskyanc de "criatividade" linc:Uís-
tica; cf. Chomsky, 1971). Caracterizam-se os primeiros, antes
de mais nada, pelo fato de serem completamente estereotipados:
sempre que se perfazem. repetem um modelo bem estabelecido e
acabado; as variações que por acaso se verifiquem em instân
cias diversas de sua enunciação n~o são desejadas nem cons
cientizadas~ pelo contrário. pretende-se que sua forma e seu
conte~do permaneçam inalterados. Exige-se memorizá-Ias em por
menor, e considera-se necess5rio reproduzir os paradigmas de
corados da forma mais exata possível. Transmitem-se apenas
oralmente; e é neste processo que se "corrompem" e aIzyxwvuts
t eram,de

rn2neirn imperceptivcl para os usu5rios os quais, todavia, n~o


se preocupam em graf~-los.

Hesmo as ocasiões para a performance dos discursos


que concretizam os "textos formulares" acham-se bem determina
d~s, ~s vezes com rigor. Tampouco 6 licito modificar-lhes a
seqUência canônica, :na maioria dos casos.

Podemos ainda classificar os ditos textos de acordozyxw


~i com sua c on formaç ao , Emp r erarnos :aqui esta palavra num sentido
muito especial: aludimos assim a presença ou ausência de com-
binaç6es com outros de diversa natureza~ Logo, falfiDos em re-
citativos quando se trata apenas de "dizeres" - é o C::1SO de
muitas preces e carmes, f6rmulas lit~rgicas, jaculat6rias et~
Nos c an t o e , a música une-se às palavras de maneira Lnd lsso l.íi-
vel e prescrita; e ~s vezes sucede alguma coisa de mais Com-
plexo: soma-se ao canto uma mirnica ou uma coreografia bem de-
finidn. Temos, nessa altura, ditados mistos que se cumprem a
preceito. Um bom exemplo disso vem a ser a Tabcla~ que compr~
ende trechos declamados e outros entoados. tochão c!b
num cunzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
grande beleza, a15m de certas passagens nas quais ~ in~ispen-
s;vel sublinhar as vozes com gestos hier~ticos. solenes, exa-
tos. (A oração referida ~ equiparável ao Ofício dos monges ca
tôlicos, e como este se divide em partes a serem yczadns em
diferentes horas do dia; ouvimos inteira apenas a que corres-
ponde as "Ve spe ra s': ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ingorossi.., mui te> extensa c variada).

Os discursos e conversas dos "grandes da sei t a"; as


falas dos santos e dos erês configuram, evidentemente, textos
criativos: veiculam mensagens 'novas' e não se limitam a re
petir de um modo fiel um paradigma pr~-estabelecido, embora
encerrem, em geral. fórmulas e clichês cons a rrado s , Parece-nos
haver importantes diferenças lingUísticas entre o conteúdo de
uns e outros textos: o da Tabela, v.g •• embora contenha algu-
mas muito poucas - palavras em português, confronta-nos com
um vocabulário predominantemente quimbundo, a que se acrescen
tam itens do l~xico 'gege' e do 'nag5'. Em grande medida, pa-
rece representar um corpUB significativo, um monumento, segug
:0 já dissemos, de falares bantus. conservado com muito cari-
~ho. Os textos criativos, por outro lado. de modo mais carac-
terístico cifram um verdadeiro 'patuâ'.

As vezes, as divindades encarnadas no Candombl~ rea


lizam emissões de textos formulares; ao frizê~lo, adotam um
comportamento lingtiístico idêntico ao assumido pelos inicia-
~os 'n~o-possessos' nas mesmas circunst5ncias. Diferem. toda-
via, em pontos muito significativos, os sub-códi[os de que se
valem, de um lado, os santos e er5s. e de outro os feitoszyxwvutsrqponm
'em pessoa:, ao produzir suas falas 'criativas'. Cabe tomar
como registros (stricto sensu) os subcódigos referidos.

Defrontamo-nos assim com a necessidade de examinar


JS processos de code e register-switching que transcorrem na
comunidade lingUística em causa. O uso alterno do portugu~s e
da línEua An gola no Tanurijunçara e Terreiros da mesma "naçãd'zy
"'"
cifra umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
code-switching, e explana-se a partir da concepçao
dos respectivos functionaZ-roZes. Na imensa maioria das situ~
ções profanas emprega-se o português (alguns grandes, segundo
dissemos, conversam em Angola, mêS aiuna assim parecem tratar
nesses di~logos quase sempre de assuntos religiosos); por ou-
tro Indo, apenas em um nfimero relativamente pequena de ritos
nne se exif,c o "trocar-língua": a rigor, ist.o só deixa de ser
necess~rio nas celebrações das divindades nacionais, os Cabo-
clos - mas mesmo para eles se canta tamb5m em AngoZa. Estazyxwvu ~I

por exccl~ncia, a língua do sagrado - e a portupuesa, em ter-


mos gen5ricos (em quase todos os contextos) se lhe opõe come
profana. 3
O register-switching a que aludimos correlaciona-se
com mudanças produzidas pelo transe; este acarreta para u~
locutor a passagem do emprego de um "diatipo" a outro (do sub
código Q, no qual se produzem as falas 'criativas' dos inici2
-
dos 'em pessoa'. ao subc6digo b, no qual se produzem os co16-
quios 20S santos e dos crês).
e evidente que tocamos aqui em questões cruciais de
sociclingUística. em pontos cuja abordarem em profundidade de
fine a mira da chamada "Et.nogra f í.a da Fala" ou "Etnografi.a da
Comunicação" (cf. Hyme s , 1971 e 1972; Gumpe rz , 1964 e Ardener.
1971). Para proceder a uma an~lise exaustiva dos mesmos deve-
ríamos levar em conta um grande número elefatores (tais Corac
"the se t t i ng , the par tíc pan t s , the t.opí.c , the function of the
í

[l inguistic] interaction. the forms and the values held by the


participants about each of these". segundo indica Ervin-Trip;
1972; cf. ainda Hymes, obras citadas); estes fatores deve~
ser considerados em estudos do comportamento verbal empreen,::
-
.•.zyxwvutsr
dos na ótica da referida ciência, e em acordo com o enfoque men-
cionado (lembremos mais uma vez Hymes, 1971:47: "'Sociolin
ruistics' is the Most recent anel most common term for an area
o f research w th anthropologyand
that 1inks linguisticszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
í so-
ciolory. 'Ethnography of SpeakinE' desipnates a particular
approach."). Mas ultrapassaria de muito o escopo do presente
trabalho um estudo assim pormenorizado do assunto que aflora-
mos. Limitar-nos-emos aqui, portanto. a algumas observações a
respeito, orientadas de modo a facilitar nossa anfilisc da li-
turgia das crianças.

Os rramemas em geral, os verbos auxiliares e outros


termos que funcionam como articuladores do discurso no Anfola
'criativamente' falado derivam do português, cuja
estrutura
sint~tica grosso modo seguida; soma-se a este 'lu
~ ta~b~m aízyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
50' um repertório mais ou menos extensc de fórmulas e pala
v ras "africanas", como dizem os falantes da variedade e!TIcau-
sa. Conforme se identifiquem os locutores, d~-se ainda o em-
prego de dois registros, em situaç5cs definidas pela ocorren-
cia ou não do entusiasmo. No caso dos iniciados 'em pessoa',
e sobretudo no daqueles que possuem maior dorninio do cÔdizo
em questão, o léxico "africano" é bem mais rico - e menos sen
sível a a I t er aç âo dos elementos emprestados? Lf ngua portugu~
5a; no dos santos ecos erês, temos, antes de mais nada, um
vocabu15rio bastante reduzido inclusive, o~ de ~odocompar~
tivamente muito not~vel, no que tanre a expressces origin5-
rias do quimbundo, de dialetos C'we ou ioruba; em ccmpeLsação,
'ndultera-se' de maneira radical e significativa, em todos os
niveis, o que cifra ai ~ contributo do idioma 'profano'. Pode
..•
ria equiparar-se tal 'linguagem divina', em vista disso. a co
,_~igosartificiais como o "p i g-Ta t i n'", que "derives from English
by one ar two operations" (Hymes, 1971:64), não fosse a cons-
tância dos "africanismos" a-prendidos só no Candcmbl~.
...zyxwvuts
No plano fanêmico. anulam-se muitos contrastes (co-
mo os dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
111 e Irl, Is! e li/, Izl e /~/ etc); nos sepuintes,
é de forma extraordinária simplificada, e
o quadro de flexõeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bem assim a estrutura sintatica do falar 'normal' dos lusófo-
nes competentes no dialeto da rerião.
Torna-se necessária,de qualquer mario, uma aprendiza
gem - bem mais simples e rápida do que no caso do outro 'sub
-código t para vir a compreender os enunciados produzidos nes
-

se 'registro' da língua Angola. Ocorre ainda um fenômeno sem


d~vida muito curioso: os diálogos que travam os santos e os
erês com pessoas em outra condição caracterizam-se por ser bi
lingUes ou 'diplôssicos'. Isto decorre do fato de que ningu~m
a não ser eles usa o seu registro; seus interlocutores podem,
todavia, contestar-Ihes em português. ou, se o conhecerem, ne
outro 'diatipo' do Anrola.
Vale a pena refletir arara sobre um ponto bá~ico. Di
· I
" zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ferenças na padronização fonêmica, na estrutura sintática et~
-
entre falares quimbundos e o português, a que se combinaram _
",-'N.' I

de modo a formar uma 'pidgin-like variety' tornada em sociole


to ce neeTOs escravos no Brasil -, podem ter sÍcloem grande
parte responsáveis relas 'simplificações' a que aludimos (re- .
sultantes ca aprand zagem muito r âpiIa e sumàr a , sem recurso
í. í

a meios pedag6ricos apropriados~ do c6dip0 superposto). Isto


~ comum na formação dos crioulos e pidgins em geral. Do ponto
de vista dos falantes nativos ~a linrua-mnter da cultura e da
sociedade na qual os usuários da'pidgin-like variety' 3e vi-
ram inseridos, aS referidas caracteristicAs desta Gltimn 'in-
terpretam-se corno efeito de urna profunda e insanável incompe-
t&ncia. etnocêntricamente julgada 'conr~nita' e definitiva da
barb5rie; ~ assim estigmatizada a lingua 'mestiça'.
245

rótulo estigmatizante se precisa através de u~a


o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
comparação quase inevitável entre a 'variedade' em causa e o
uso infantil do idioma 'principal', ou seja, a 1insuagem dos
in(~iv i duos imperfe itamente socia1izados do grupo dominante (d.ê:.
queles, quer dizer, que no dito meio nEo chegaram ainGa, en-
tre outras coisas, a internalizar todas as oposiç6es fon~mi-
cus prescritas no seu sistema lingüística, a captar-lhe intei
ramcn t e a !!ra.mátic9. etc.). O falar "deficiente" interpreta-se,
rois, e em seguida, como claro sintoma de inferioridQde inte-
à criança, cuja mente ainda não se acha de todo de~
lectual:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
senvolvida. com esta base equipara-se lopo. de modo muito co-
mum, o membro mais ou menos aculturado da etnia dada como 'in
ferior'; a idecloria racista 5 rica e~ variações sobre este
tema, se~undo evidencia, por exemplo, seu farto anedotário.No
folclore d.esta lavra, o "ratuá" que os nesras "enprolam" os
estigmatiza tão bem como sua cor: afirma-se assim sua suposta
í ncapnci.d ade para o domfn í.o de uma lín~;u3"autêntica" - e ,por
tanto, para o exercício de um pensamento digno deste nome
pois seus idiomas nativos, por outro lado, se qualificam de
"bárbaros", ou seja, ao pé da letra de "não-idiomas" ("bárba-
ro" si::nifica, em termos etimolôgicos, "aquele que não articu
Ia bem"; este conceito etnoc~ntrico ê quiçá universal).
Ora, o 'registrozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
b', em que se ex~rimem os santos e
eres, imita - serundo tudo indica, muito de prc~6sito - o 'en
praIar' de pretos mal-acuIturndos (camo fcram os intrcdutores
do Candomblé) e a fala das crianças. à qURl este 'natuá' se
assimil2; a imitação se opera por meio de uma insist~ncia qu~
se caricaturadora nas 'deturpações' da base portuguesa da
'pidpin-like variety' em causa.
Temos aqui uma afirmaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
irônica dos poderes
!1 dos
fracos,,;4e tal ironia constitui, a nosso ver, uma estratégic.
246

de anulà:ção 'reversiva' do estigma f fman;zyxwvutsr


(em termos de Gozyxwvutsrqp
1975,
converte-se assim um "erro" em "ponto") v

Ouve-se os santos (que pouco e raramente falam.zyxwvuts


a-
liás) comzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rcver;jncia e ctençao; mas aos "companheiros" destes.
que se expressam da mesma forma curiosa, seus interlocutores-
seus 'deuteragonistas qualificados' - nunca poupam zombarias
diversas relativas a sua linguagem 'imperfeita'. Na verdade,
aos erês, inclusive, a atenção, pelo menos, de modo nenhu~
lhes ~ sonegada: crê-se que em sua fala tr5pega os meninos S2

grados muitas vezes profetizam, e tanto dizem "bobagens" Com::


coisas de extraordinária importância.

Assim, ao mesmo tempo em que se escarnece um falar.


se lhe confere o valor mais alto: denuncia-se a sua relativa
inadequação para os fins comuns da vida profana. mas dá-se-c
como sagrado~ como o único capaz de transparecer uma realida-
de divina. O que tem de 'equívoco' - na perspectiva n0rmal.
seus aspetos 'defectivos' - se reinterpreta como signo de S~a

pertinência a uma ordem a rigor 'inefável', como ambigUidad~


"loxíaca": a marca da sabedoria "que não diz nem cala, mas c.~
sinais", conforme a célebre sentença de Heráclito.

A arma dialética da ironia conduz a uma afirmação e


a uma valorização do que aparentemente nega e subestima, e~-
quanto faz evidenciar-se a in~pcia e o absurdo do sarcasn:
(dos "brancas', no caso) a que recorre.
v zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
CAPrTULO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

FALAS: A INOcENCIA zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE


RECUPERADA
248

Embora tenhamos dito que os santos e os erês utili-


.•..
zam um mesmo registro da língua Angola, devemos considerar ê~
gumas diferenças entre suas falas. Estas diferenças se acusa:
com maior clareza no horizonte paralingUfstico (cf. Trager
1964) dos atos comunicatôrios ("speech events") que uns e oi.-
tros protagonizam - mas não se manifestam apenas aí~ Para cc-
locarreos devidamente o problema, cumpre notar que o comporta-

- mento verbal dos sujeitos revestidos


zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
des ou caracteres sacros não é conforme,
das sobreditas
em todos os
identidc-
porttos.
a um Gnico padrão: em alguns aspetos, que aqui, de um hlO~:

breve, procuraremos assinalar, correspondem aos 'personagens


em causa linhas de conduta opostas no mencionado caE-
a rigorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
po.

Observemos primeiro que os santos nao apenaszyxwvutsrqponm


poucae
vezea falam como ainda se mostram lacônico8 em alto grau; d;
acordo com nossos mestres do Candomblé, constitui, aliEs, u~:

,
das funções mais importantes das crianças transmitir os "rec:
.'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dos" dos deuses que normalmente as precedem no transe. Ilstc~
costumam exprimir-se em voz baixa, num tom grave, através d~
sentenças mareadas por profundas pausas; mantêm, enquanto is-
so, uma postura hierEtiea. urna atitude comedida e solene, co~
vertendo em m5searas inescrut5veis as faces das iaSs posses -
sas. s6 de raro em raro acomp~nham com gestos sóbrios e com -
passados seu discurso; nunca interrompem os interlocutores.

Os eres em todos estes pontos procedem de forma COt

trária. são loquazes e até prolixos, verdadeiros taga~elas;


falan quase sempre alto, num tom agudo, e com certa pressa
diríamos mesmo que com ansiedade -, tentando, não raro,abafar
as palavras do interlocutor. Gesticulam muito, e apelam a to.
da hora a uma mímica exagerada, e a um jogo múltiplo de ex-
pressões faciais. Mostram-se, por vezes, nas suas conversas
249

em grande medidazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
impertinentes (é óbvio que o mesmo nunca su~
cede no caso dos santos); e enquanto a voz de seus predecess~
res no arrebato exprime calma, equilíbrio e força,a das crian
ças divinas, de um modo geral. tem o acento da lamúria ou do
desafio irrizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
t ado , corno a de "meninos malcriados" ou "dengozyxwvutsrqpon
50S" •

Ainda ao contr~rio dos santos, os eres procuram su-


prir as deficiências de seu vocabulário com apelo a recursos
tais como onomatopéias e diversos signos de natureza foral'
~as não lingUística: muxoxos, estalos de língua etc. Em diver
sas ocasiões costumam também lalar.
Importa muito chamar a atenção para o fato de que
~a fala das crianças sempre se inclui com grande destaque o
t6pico da aiscrologi~ (nunca abordado pelos santos). Disso l~
go a seguir Lrataremos; antes, assinalemos outra característi
:a muito curiosa da linguagem divina dos er~s: referimo-nos ~
imperícia destes na utilização dos dêiticos - e em particular
:i dificuldade que sentem em empregá-Ias quando isto implica
~a auto-referência. Ilustra-o bem um sucesso que testemunha -
::0 s.

Certa vez, assistimos a um interessante di~logo en


~
:re um grupo de ekedes -
e oere de uma Omon Oxum 9em que as ma
:iciosas "mães", para confundir sua "f i Lha'", começaram por
Jerguntar-lhe, simplesmente:
Quem ê Você?
"Eri éri Agri Vivi" - foi a resposta, traduzível
:::lmo: "ela (ou ele) é Água Viva".
- Ele é Água Viva? Est~ bem ... e Você? - retrucaram
:Jgo as provocadoras, fingindo acreditar que o ere se referia
~ um ogan próximo. Depois da enfática negativa, e da repeti-
/

250 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

çao da sentença equívoca pela sagrada "menina" do Oanda'tund?,


as ekedes insistiram, simulando crer que a frase dizia resp~~
to a uma delas, em seguida a outra pessoa, e assim por diant~
Em breve, ~ desesperada criança s6 restava o recurso ao nat'
biu.

Um tipo semelhante de provocaçao figuram as brinca-


deiras realiz.::daspelos "mais velhos" com os nomes dos erês.
Consistem estas em trocar tais apelativos por formas mais ~_
I menos hom6fonas, parecidas ou conexas, nas conversas com C5
If '
I
meninos-santos. Assim, bastava para enfurec~-los' que cham~ss=
~fJ, do Vento de "pé de Vento", Bani na de "Batina". Bron -
mos ReizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
zeado de "Bom Veado", Soldadinha de "General" - ou que reco -
mend~ssemos a Faisca cuidado para não por fogo na toalha c~
mesa, por exemplo. Com tal classe de zomb ar as , os ped i í 11 11:_

tingem seus "filhos" num ponto muito delicado, pois, ao ev i -


denciar o car~ter dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
alcunhas dos nomes pr6prios destes, tor-
nam 1.-pSO facto manifesta a natureza ambígua dos mesmos, mos-
t ram que o sere - s -
n ao sac pessoas "de fato". (Igual resu It ac:
se obtêm denunciando a inépcia das ditas crianças para for~:-
lizar a auto-referência: acusa-se assim o teor liprec~rio" e.:=-
sua identidade.)

~ de lembrar-se que têm, muit~s vezes, um senti~:


de 'nomes provis6rios' os hipocorísticos com que designamc5
nossos pequenos - que, em parte, só quando assumem seus ler!'
~.:. !

timos' antrop5nimos passam a existir de maneira inequívoca ;~


ra a sociedade.

Por outro lado, segundo parece, uma das razoes r:=


que muitas vezes se repudiam e consideram estigmatizanteszyxwvutsrqpo
as I

alcunhas, mesmo quando não possuem um significado pejorativc. i


i
deve-se ao fato de elas descreverem um indivíduo menos co~:
um sujeito do que como um objeto ou fenBmeno. Ora, os er~s
251

~ossuem apenas apelidos desse teor - revelar a natureza adje-


~
:iva de tais nomes constitui, pois, como estas beD percebem,
agressao ~s crianças.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~nnzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Trataremos agora da aiscrologiazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


que de maneira mui
3

:0 característica e notável assinala praticamente toda a con-zyxwvuts


:uta verbal dos erês, ~, mais ainda, constitui um traço mar-
cante de sua liturgia; n~o apenas os discursos, come tamb~m
=uitos gestos e atitudes das crianças divinas possuem a qual!
lade a que assim nos referimos.
A palavra de que nos valemos para designar o objet6
es exame neste ponto de nosso estudo é grega, e deriva de
dois outros termas helênicos: aischr6s (torpe, indecente) e
:ógos (enunciado). Usava-se na antiguidade inclusive para alu
dir ao emprego religioso de pornéias, de pesadas incrcpaç6es
- p ex ,, no caso dos gefyr-ísmoi
i
3 ou seja, das chalaç.as troca-
das pelos devotas na Via Sacra de Elêusis, a caminho dos fauo
s o 5 lí i s t é r io s ( c f. F o u c a r t , 1 914 e Ke r'n, 1 9 6 3. v. 2, Pp. 2OO
sqq). A falta de outro melhor, n6s aqui empregamos ° dito vo-
csbu10 nesta acepção algo 'especializada'. Evans-Pritchard
(opUS cit.) demonstrou que em v5rias culturas ocorrem, em di-
ferentes contextos, manifestações de uma "obscenidade prescrl
ta"; cabe chamar de aiscrcZogia a toda essa gama de usos "não
triviais" das pornéias, insultos etc., ou ainda, como aqui fE:.
zemos, restringir o alcance do designativo aos casos em que
semelhantes procederes se adotam num contexto ritual. Helenis
tas ~lemães e franceses incorporaram a seus vernáculos, em G~
tudos sobre o problema, a forma aiscrologia; parece mesmo que
se trata de um palavrão inevitável, nessas circunstâncias.
252zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

Por ou~ro lado, sentimos certa repug~ncia em falar


.••.
~ "obsceno" a p r cpô szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
to de atos que. embora 2i. primeira
í vista
.:;-eçam di gno s de qual ificar- se as s im, visam e p r oduz em exata
,::'.te o efei to contrário.

O repert6rio aiscro16gico dos er~s ~ muito amplo e

~-'>eressan te; acresce que eles procuram sempre explorar o e-


Jvoco suscitado por certas expressões. Exemplo disso temos
.: enprepo aue fazem da particula ku, indicativa. no Angola,
.; situaçio no espaço ou no tempo (serve assim de prev~rb~no
~· iiJbundo);1 tal emprego faz valer, de maneira bem comum, uma
.'
:;r ta ambigUidade. Com efei to, as crianças f r eqücn t emen t e ern-zyxwvutsrq
-» ~rram,
~ \,I~
t anb êm , o homô f onc português chulo ela mencionada pala -

__o'
.;l'
é sua arne aç a mais costumeira aos provocadores L:je E12ti-
:~ nU seu ku (quando pronunciam esta f6r~ulG costumam ainda
.,rlÍpular
......
o n a t i b i.u de
..
UJ'1 modo bastante expressivo) •zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

O vocabulário dos cr~s (que aliás lhes ~


~loS iniciadores, cientes, por certo, da importância ri t ua l
:, aiscrologia) inclui um n~mero muito grande de palavrões
"
,fricanos" (v.g., e dc f ii t ó = "pede r as t a'", sõna = "vu l va" e t c)
"

:também ~ortufueses. usuais no dialeto da regiio um tanto


:::Jltcrados estes iil t i no s na divina Li n gua gcm infantil (é o
"50
.~ ,
D.CX.,
J.
de krônu < "corno"). Lcmb ,
r e+s e uu e os
••
meninos-
.SX1toS xingam a s s i n os seus na i or e s , a quem c h amam, inclusi-
~ de p~di
.• !
e m~di: logo, a pessoas venerandas, as mais dig-
:~5 de reverência no Cand ombLe , a Lndi v i.duo s de f a t o r e spe i t à

ds e nu i t o respeitados, ne smo fora deste círculo. Cos t umam


;~crepá-lo5 não só em resposta a provocações, mas, às vezes,
."

.-~ forma gratuita inclusive. Não ~ raro que, em seus jogos,


;em nenhum mot i v o aparente, sol tem uma excl amaçào como: 11 15 i
!:'lctu ai fôS?;"
p'-:;ga(0, a Hamet u de pregas f r ouxa s L'"I • Ac~
!lJll asSir: a própria não de Santo de ter o perínco relaxado, e
253

___. portanto, inepta para o amor. Aliás, em diversas circunszyxwvu


-:-:135 os er~s podem dirigir o mesmo impropãrio a um Tata, azyxwvutsrq
~
_-::.
pessoa do sexo masculino; o termo "p ega " alude então
I as
::-~ssuras do 5nus, cujo estreitamento seria desfeito em con-
~,:~5ncia de pr5ticas homossexuais. (Em outros contextos ain-
~s crianças se referem de um mesmo modo a ânus e vulva;
gosto pelo equívoco leva-os, freqUentemente, a designar
Uill único termo genérico, a partícula ku, diferenteszyxwvutsrqponmlkj
tópoi
~::.:3~icos, sobretudo os orifícios do corpo).

Gestos chulos, alusivos


~
aos orgaos
- .
sexualS ou ao
::::0 e sua mecânica, são também usados pelas crianças divi-
-,~ que assim reforçam suas imprecações, quando irritadas pe-
~::.s
troças dos padi.

Já dissemos que os eres muitas vezes comparam sua


::.:-::2.', o n a t i b i u , a um falo; uma das maiores ameaças que lhes
::i~m fazer seus deutcragonistas no curso das costumeiras dis
:;:as é a de tirar-Ihes a preciosa varinha. Por outro lado,
:5 ::eninos-santos também sabem ameaçar: no auge da indignaçã~
.y~rimindo-se
........
com palavras e gestos significativos, invaria-zyxwvutsrqp
:;;lr.lente
prometem aos "pais" arranc ar+Lhe s os testículos; n es
__ altura, considera-se muito aconselh5vel correr.

Faz parte dos jogos dos er~s um animado samba de ro


__, As letras das canções que el~s entoam nessas circunstân -
::~Ssão de um teor marcadamente aiscrológico. Na coreografi~
:5 sagrados dançarinos executam "r eme Lexo s'", fazem poses e a-
:~nos 'torpes', mas de maneira antes cômica do que lasciva ~o
::ntrário dos profanos que se dedicam a este mesmo "brinque -
~::"nas "festas de largo", por exemplo; cf. hic, Parte 11, capo
:1), As ekedes podem entrar na roda espontaneamente para ani
-,:;r os "filhos"; e ocorre também que estes obriguem os pad i,
em represália por suas troças, à participação no dito samba.
254 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

tcmunhamo s , certa feita, os apuz o s de um ogan sur


'l'e s zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.•. -
preendido pelos crês (depois de pregar-Ihes várias peças) e
compelido a secundá-Ios na dança gaiata. Foi logo posto no
centro da roda; em volta. os 'meninos' vigilantes o forçavam
a sapatear e a responder com o estribilho "é minha mãe" aos
versos desaforados. entoados por eles, de um samba clássico:
"que mulher descarada (sem-vergonha, relaxada etc.)". De vez
em quando. o malicioso ogan fingia enganar-se e trocava o pr~
nome pessoal da primeira pelo de segunda pessoa - ao que era
imediatamente golpeado pelos "parce ro a'", Por fim, seus cole-
í

·
i )'. "I gas de posto o tiraram do suplício.
Nos confrontos verbais entre os eres e seus "maio--
res", apenas os primeiros apelam ã aiscrologia. aos termos
"pesados", inteiramente chulos; os "mais velhos", pelo contr~
rio, nos chistes que dirigem às crianças utilizam apodos e
'xingamentos' tidos como inocentes, a um tipo de "vulgarida -
des" consideradaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
f an t i e , Assim, para zombar de um crê que
Ln zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
se dizia do sexo masculino e era encarnado por uma moça per -
guntamos-lhe: "Onde está seu reru?" A palavra que usamos pare
designar o pênis é empregada inclusive no círculo doméstico,
nas conversas de e com pequenos, e não tem conotações "pesa -
das" (por outro lado, é certo que não a empregaríamos num dH
logo com a iaô "em pessoa lt
).Já as crianças, ao referir,-se e..c
mesmo órgão, sempre o fazem em termos bem mais "crus",com nc
mes julgados muito "feios".
Os padi aplicam, às vezes, a seus "filhos" epítetcs
um tanto depreciativos. mas de sentido basicamente cômico, c:
mo "cabeça de pote", "boneca de alodê" e t c ,; não costumam, p:.
rém designá-Ios de modo ofensivo com apelo a "animal categc-
r í.e s' (cf. Leach , 197 2b) embora com certa freqUência
t t;Ss~:r
sejam tratados por eles: já ouvimos erês irritados qualifica-
255

rem ogans e ekedes "r.:::" (cobra)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB


dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Pr-p
â" (::-,'>":0) "eledi" (paI.
cc) etc.

o povo baiano distingue com muita clareza entre duas


formas de abuso verbal que categoriza como "sacanagem" e "be~
t e i r a'", "Falar besteira" ,atê' ce r t o ponto. é próprio de cr an í

ças, e admissível entre pessoas, mesmo de sexos opostos, fami


liarizadas umas com as outras. A "sacanagem". pelo contrário,
equivale ~ chalaça torpe. e implica tanto no uso escandaloso
de pornéias como em grosseria e franca obscenidade. Ora, con-
quanto o vocabulário aiscrolôgico dos erês compreenda, sobre-
tudo, autênticas pornéias. inclua nomes muito "feios" e "cabe
ludos". ninguém. toma como "sacanagem" suas conversas ou suas
gtitudes. Por mais escabrosas que se considerem as coisas di-
tas e simuladas por uma criança,no consenso de todos estas
nunca passam de "besteiras", ou "tolices". Os erês assim nao
escandalizam ninguém; pelo contrário, ao pronunci5-los, como
que retiram dos palavrões o ingrediente "escandaloso".

Para compreender estes fatos, é necessário que re -


flitamos um pouco sobre a natureza do obsceno. Lembremos, de
início, que originalmente esta palavra tinha um sentidozyxwvutsrqponmlkjihgfedc
reli-
Ji080~ e muito mais amplo do que o significado a ela hoje a-
tribuído por nôs.2 Designava, a princípio, todas as formas do
infausto e 'negativo' capazes de poluir e deteriorar as raí -
zes profundas da vida, de corromper a existência nas suas pr6
prias e sagradas fundações: logo, tudo quanto esconde em tri~
te vazio mesmo os mais simples e belos atos criadores. Asso -
eia-se esta idéia com as de morbidez e perverso encobrimento.

Dos pensadores modernos, foi Sartre, sem dúvida, o


que com maior freqUência e profundidade meditou sobre este as
sunto. Em suas análises, correlaciona-se o obsceno com a fria ,,
'estranheza' que torna em objetos as pessoas, e os gestos ele I
I!
256 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

mentares em atos mecânicos; cifra uma a'ti t.udezyxwvutsrqponmlkjihgfedcb


1:nautêntica e
'distante' em face da vida. Bem vemos que ";:al ati.tude }eva,
entre outras coisas. ao 'desanimar-se' dos símbolos; ezyxwvutsrqponm
que
ela implica sempre, por outro lado. numa rejeição profunda d::
mesmo que expoe de um modo brutal. O 'encobrimento' de que fale
mos toma, pois, a forma de uma estratégia falsificadora.
Assim pensado, o obsceno não se restringe apenas ac
domínio do sexo: sua ameaça se estende a muitas outras dime~
'""zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sões da realidade humana. A própria inteligência está sujeit2
a falsificar-se, assim como a alegria não está livre do cont~
gio do tédio. Têm um amplo alcance os perigos da hipocrisia e
da banalização, com a sinistra impotência que acarretam. Mas
talvez seja o amor o que mais tristemente atingem. E é de ver
que a obscenidade figura a mais completa negação do erotismc
que todas as místicas celebram.
Ora, nos desempenhos dos eres que estamos neste po~
to discutindo, nada pode encontrar-se de banal. nenhum vestí-
gio de gêlida "estranheza" e hipocrisia; é impossível detec -
tar aí qualquer coisa de mórbido ou falso. Eles desconhecem as
insidias do encobrimento, a falácia libertina; e ignoram o se
turno com sua sábia tolice. Deste modo destroem a obscenidade.
257

NOTAS AO CAPITULO V (Ph~rEzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU


IIl~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV

1. Ver a propósito Cannecatim, 1859.

2. O dicion~rio de Lewis and Short d~ como sin6nimos dezyxwvutsrqponmlkji


obsce
nus as formas nefastus e sinister; todavia, o significado
b às co , ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
í t i.mol óo i co do termo co r re snonde ao do adjetivo po..!

tuc-uês "sujo",

3. As bases da reflexão sartreana sobre a tem~tica do obsceno


já se acham em "L't:tre et le Néant", mas o filósofo a reto
ma em várias de suas obras.
;

I
i

I:
Izyx

CAP!TULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
VI

PUREZA E CONFUSÃO - AS FONTES DO LIMBO


259

Os eres irritados pelos chistes dos "pais" costumam


as vezes sujá-Ias de diversas maneiras - por exemplo, atirap-
do-Ihes barro ou lama, se tiverem estas coisas a seu alcance~
usam ainda simplesmente molhá-Ias com água: quando o provoca-
dor se distrai, chega por trás a criança e derrama-lhe sobre
a cabeça um balde cheio. Em ocasiões distintas assistimos a
este tipo de desforra. Os meninos-santos apreciam também do-
ces e balas de todo tipo, que consomem com muita gulodice e
falta de modos; isto lhes favorece um bom meio de "melar" as
pessoas, segundo se diz. Por outro lado, essas criaturas div!
nas nunca usam talheres nos seus repastos~ quem vai perturbá-
-Ias numa tal oportunidade arrisca-se, evidentemente, a sair
"lambusado".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r! mesmo bastante comum que nesses casos os eres
se esforcem por esfregar bocados de comida no importuno.

Segundo Herskovits observou, no Ler;, durante seu


Candombl6 simulado, nao raro ocorre que as crianças decidam
alimentar os alab~s enfiando-Ihes na boca as iguarias; fazem
isso com um certo atabalhoamento, de modo que em conseqU~ncia
da gentileza dos "filhos" os ogans músicos acabam então mais
ou menos enxovalhados. Mas certamente este proceder estranho
dos eres nada tem de gratuito; lembremos a prop6sito que um
indivíduo dotado de superior força mística (uma La lor xâ ,í ou
mesmo uma ado shu , por exemplo) pode transmitir gunzo ou axe zyxwvutsrq
3 outra pessoa pelo simples recurso de dar-lhe bocados de co-
mida - esta deve ser tirada do seu próprio prato pelo deten-
tor privilegiado do carisma e levada por suam50 ~ boca do fa
vorecido.
Outro dado talvez nos ajude a compreender o fato re
ferido. Num banquete ri tual de que participamos, numa "festa
de santo", membros do Candomblé preocupados com a nossa saúde
noS aconselharam a comer sem talheres as iguarias sagradas
260

e ao fim do rapasto limpar as maos esfregando-~s na roupa. A-


liás, isto mesmo se recomenda invariavelmente aos que se~ub-
metem ao rito do bori; assim procedendo depois de haver comun
gado do alimento divino, o autor da oferenda capacita-se a re
ter axé. garante a si mesmo sorte ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
saúde.

Basta recordá-Io para suspeitarmos de uma cois~n~czyxwv


e- por simples falta de jeito, ou mero descuido, que as crian-
ças - possuidoras de extraordinária força mística "lambu-
zam" os alabês na cerimônia aludida acima.
Há mais ainda. Noutra parte desta dissertação, jé
tivemos oportunidade de sublinhar a recorrência de práticas
que resultam em, ou objetivam, um "enxovalhamento". no contex
to de ritos diversos onde se celebram as divindades infantis
dos cultos afro-brasileiros. Cabe pensar que a atitude dos
erês quando sujam seus padi não tem como único sentido o con-
sumar-se de uma represália; afinal. bem se vê que a dita 're-
taliação' ~ indiretamente buscada. provocada com notável in~
sistência por aqueles a quem atinge. Justifica-se~ talvez, a
pergunta sobre o que assim visam.
Todavia, ao dirigirmos para este rumo nossas refle
xoes. nem por isso olvidamos que, segundo aqui já foi dito e
repetido, o "Drama dos Erês". em todos os seus episódios, en-
cena o initium - e como ninguém ignora, em muitos ritos de
passagem, por toda pt;lrte,a fase da "mascarada" inclui proce-
deres típicos de entrudo. Como diz Douglas (1976:120), "A su-
jeira, a obscenidade e a ilegalidade são tão simbolicamente'
relevantes para os ritos de reclusão quanto outras expresSõeszy
. . d .. - I
r1.tualS essa conu1.çao".
Também é claro que o sujamento figura uma forma de
"humilhação liminal" e por aí se correlaciona com o instaurar
-se da communitaa (v. Turner. 1974a). Restam, todavia, outros
-
pontos a considerar.
261

Um ogan mu~~o esperto e jovial do Tanurijunçara de-


~icou-se, durante os festejos de um Leri, a atanazar os eres ~
:om extraordinário entusiasmo e notável êxito. Por longo tem-
JO atormentou impunemente as crianças com chistes e gaiatices
:e todo gênero; mas quando menos esperava foi surpreendido e
:apturado por suas vitimas, que se haviam dividido em dois
:,mdos, numa estratégia bem combinada; enquanto um dos grupos,
:om grande alarido, distraía a atenção do provocador, o outro,
silencioso, acercou-se dele por trás, de forma sub-repticia,e
logrou prendê-lu. Imediatamente, os demais eres acorreram, an
siosos pela vingança.

o padi ~ "escolado" como era, nem pensou em resistir


- isto 56 faria piorar sua situação -; em vez disso. tomou a
"jnica atitude adequadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
.n as circunstâncias: rolou para o solozyxwvutsrqponmlk
e fechou os olhos, fingindo-se de desacordado.

Os erês agacharam-se logo em volta dele, surpresoszyxwvutsrqponmlkji


e sinceramente desolados; depois de deliberar um pouco, come-
;aram então a fazer-lhe cócegas e a beliscá-lo~ estudando suas
~eaç6es. O homem aguentou tudo isso com estoicismo admirável,
Jermanecendo inerte. Quando viram que ele não se movia, os
erês mudaram de tática: passaram a molhar os dedos em saliva
e esfregá-los no corpo do ogan, principalmente "nas faces e
~os lábios. Nessa altura, as ekedes"e outros padi vieram em
socorro do pobre que n~o podia reagir sem denunciar-se. e con
,,'enceramas crianças a abzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
andonâ-To ,

Não tem, ã primeira vista, muita relação com este o


:~so que em seguida passaremos a narrar; mas logo veremos que
~flbosnos oferecem pistas importantes para o esclarecimento de
:lOSSO problema.
262 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK

Um ekede do Tanurijunçara q~~ixou-se certa vez ~ Me


me t u de estar tendo muitos problemas de s[:;::':Je;
além d sso , se í

gundo lhe falou, andava "com pouca sorte". A I'1ãede Santo es-
tudou a queixa, consultou os cauris e apontou em seguida o r~
médio para a situação: a ekerle deveria oferecer imediatamente
um caruru aos Ibeji. Ato continuo, a interessada providencio~
os ingredientes necess;rios e tratou de preparar, ela mesma,
a comida ritual dos mabaços, com o auxrlio das iaBs presentes
no Terreiro. Tudo pronto, e cumprido o preceito do sacrifrci:
prévio a Exu, consagrou-se a oferenda no pe]i. onde os "santi
nhos" receberam logo sua parte. Toda vestida de branco, a eh I

de beneficiãria da obrigação foi depois serVlr pessoalmentezy


I

iguaria santa a sete meninos convocados na redondeza. Os gar~


tos, conforme a praxe, comeram sem talheres; e findo o repas-
to, segundo lhes havia sido recomendado. correram a limpar as
mnos e a boca nas roupas imaculadas da ekede.
Temos aqui um rito muito significativo; a nosso vet
o que os meninos representantes dos Ibeji fizeram ã autora de
oblato foi transmitir-lhe ax~, o gunz02 divino, para restau _
rar-lhe as forças e 'limp~-la' da m~ sorte, do infortfinio de
que se queixava. Merece destaque ainda um outro fato: mais
uma vez, verificamos que a operaç~o m5gico-religiosa do "s uJ~.
mente" é executada por personagens infantis: no caso.
..•
crianças humanas, em nome dos deuses Ibeji. A semelhança e l1C
t6ria entre o proceder dos pequenos convidados da ekede e c
-
dos erês que enxovalham os ogans músicos.
AquizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
j~ nos referimos também aos festivos Carurus
de Cosme celebrados em Salvador e no Recôncavo tanto nos Ter-
reiros como em lares devotos, e sublinhamos o papel desempe •
nhado então pela garotada - em particular pelos chamados "se-
te inocentes". Lembremos que no curso dessas cerimônias consi
-
263 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

dera-se nno apen3s ~oler5vel mas at6 cportunq ~ conduta dos


petizes travessos que "fazem lambança" cem a comida, TI\\.':smo
quando sujam outras "pessoas e a casa. Mas isto n~o ~ sem pro-
p6sito: no seu descomedimento, os peraltas espalham e difun -
dem o ax~, ou reforçam sua transmiss~o efetuada, inclusive,
através do consumo da iguari::lsagrada. O "reforço" aludido me
rece destaque: recordemos que no Leri, na cerim6nia do Candom
bl~ simulado, 3S crianças divinas tantozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
alimentam quanto lam- zyxwvutsrq
buzam oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a I abe s ,

Por outro lado, os ritos purificatórios de descarr~


go, segundo se sabe, consistem, no essencial, em passar deter
minados sacra pelo corpo do paciente; a maioria destes sacra
se constitui de comidas de santo: acaçã, doburu) eb5 etc.
Ao not5-10, capacitamo-nos a perceber um fato capi
tal: em termos simbólicos, os eres limram quando p::lrecem su-
jar as pessoas.
Devemos agora interrogar-nos sobre a qualidade da
comida que figura como um veiculo privjlegiado do ax~ dos deu
seS infantis. A iguaria principal dos seus banquetes sacros -
em que também nunca faltam doces diversos - vem a ser o caru-
ru, um prato ~ base de quiabos. O caruru pode ser preparado
de muitas maneiras; em diversas ocasiões tomam-se vários cui-
3
dados para que o creme n~o fiq~e viscos0 - mas isto nunca é
tentado quando se trata de uma oferenda aos li santinhos". Nes-
~ C~SC, pelo contr~rio, considera-~e imp~escind{vel o visgo:
tir;-lo e~uivaleria a "inutilizer, do ponto" de vista "litfirgic~
o oblato.

Ora, o visgo do quiabo ê também chamado, no dialeto


baiano, de baba; mas este termo, no mesmo falar, significa
primariamente saliva - a que escorre da boca de crianças e
de iu~in~ntes, sobretudo. O ponto ê de muita import~ncia,pois
264

a salzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
íva consti tl); L~:" "elomento por t ad.v- de axê!", conforme~i
monstra E'l be n dos Santos (opus cit .• "cap , 111. pp.zyxwvutsrqponm
í 3 '1 )-4 2 ):::

gura o "sangue" "branco" do reino animal, assim como "o se-


men •.. o hálito. as secreções. o plasma ...".
Com e f e i to. no rito do bor i , por exemplo. a Mãe -~
Santo transmite axé ao paciente mastigando e colocando $ot:-::
a cabeça ceste um pedaço bem ensalivado de obi (noz de kolê.
~ seu próprio gunzo que a Mametu assim oferece; e o mes~
oc~rre quando ela tira de seu prato um bocado de comida e
poe na boca de outra pessoa. Neste ponto, vale a pena subli -
nhar uma coisa: os er~s. no batuque do Leri,zyxwvutsrqponmlkjihgf
com:$
comungam zyxwvutsrqpo
ogans as iguarias que lhes servem da referida maneira.
o gunzo restaura: não foi para o torturar provoc
do-lhe asco que os eres, no caso narrado no infcio deste pa.
grafo, esfregaram o rosto e os lábios do ogan 'desacordado'
com a saliva de suas bocas; pretendiam assim reanimá-Zo. P:.
o punir adequadamente.
Mas prossigamos. O visgo figura, no "reino vegeté..
o mesma que o sêmen e a saliva no animal; aliás. quanto a i
50 podem aduzir-se alguns dados muito significativos. Lemb:
mos a propósito o uso figurado da forma!lcuspir" por "ejacu
lar" e o de "visgo" por "esperma" na. gíria baiana .
..
A agua, que fecunda a terra. transporta um podere:
ax~; a lama que assim se forma pode ter tamb~rnum valor reI.
gioso (quando dança Nanan. a Senhora suprema que assistiu
começo dos começos, as ekedes derram~m um pouco de ~gua
solo. e no pó assim umedecido a Velha divina encosta seu
to solenfssimo).
A calda das comidas doces que se oferecem aos d
ses - sobretudo quando misturadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
à saliva dos meninos-santo!
265

relacionável tamb:;Ill cornoum elemento portador de


é zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA gunzo;in-
clusive neste ponto cabem alguns informes suplementares, que~
concernem a representaç6es muito arraigadas na idec10gia do
povo baiano, de um modo geral. Na fala desta gente, é costume
chamar-se "mel" ao tipo referido de calda. Constitui um fato
notório, e não apenas no dito meio, que as guloseimas assim
babar as crianças. E há um famoso doce baia-
preparadas fazemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
no chama~o baba de moça. Por fim. no mesmo dialeto a palavra
"mel" designa ainda as secreç6es vaginais.
o axé do "sangue" "branco" representa, de muitas ma
neiras, a linfa origin~ria - que, sob urnade suas formas, as
crianças ressumam. Compreende-se a partir daí cornoos ere~ os
meninos-santos, podem dar, inclusive, fertilidade.

No sistema ideológico de que tratamos. t~m um papel


de destaque representações c símbolos associados ã infância~
esta se concebe aí, nitidamente, como um estado intermediário
entre a natureza e a cultura. e também entre o mundo misterio
50 dos espíritos (figurado em vários contextos pela manhonga,
parte integrante de todo Ilê Axé, área do "mato" pelos erês
senti~a como sua verdadeira pátria) e a sociedade humana. As
estórias pat.éticas dos abiku são muito esclarecedoras neste
ponto; eles figuram autênticos trânsfugas, seres e~radio~ en-
tre os dois orbes - e sua imagem reflete um por.to de vista
bem digno.de nota: as crianças, em geral, não pertencem por
inteiro à terra dos homens - algumas nao conseguem mesmo,de
modo nenhum, adaptar-se a esta, e na melhor das hip6teses 56
por ast~cia po~em ser retidas aqui. N~o esquecemos a expres -
sao colorida da bondosa Mametu quand.o, consultada por uma po-
bre senhora acerca da sa~de precária de seu filho recém-nasci
do, fez aos cauris a anpustiadn per2unta: abiku?
266

Todavia.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é de sua condição ambígua que os
derivam um estranho poder. Ressumam. segundo dissemos, a
fa ori?in~ria; estão c~mo que fimidos ainda das fentes do li
l· ., zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
UG. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Notemos agora que dois traços caracterlstlcoS


•. .

crlanças aparecem sublinhados e correlacionados de um


muito particular em sua representação no quadro do sistema
ferido: a pureza inicial dos meninos e sua tendência à "1
seira" (seu descaso pela hiriene). Este último índice sim;:
mente denuncia o fato de que os pequenos ainda
zaram uma ordem à qual, de certa forma, são anteriores: as
gras vigentes na sociedade, quer dizer. Os inocentes amam
jar-se, e per-turbam, inclusive, os outros. Criam sempre
gum desarranjo. Ora, conforme assinala Douglas (1976:l9),'·~
..
sa idéia de sujeira ê composta de duas coisas, cuidado cor:.
higiene e respeito relas convenções,H
Particularmente no caso dos eres te~os aqui
vezes frisado, tamb~m, o fato de que eles possuem uma
za e um statuszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ambiguos por excelência; isso os torna, inc:'
sive, dif{ceis de classificar: não se contam
mas tam~ouco são humanos, identificam-se com os santos em ~
termin~dos as~etos ou contextos, mas noutros se diferenc;
destes. Têm, assim, qualquer coisa de anômaLo.
Dos seus ritos, por outro lado, consta de forma;
variável um elemento de 'desordem': aí se invertem papéis,
correm a rebelião e a "lambança", as pessoas se mostram er:
sacordo completo com os figurinos correspondentes a suas
gorias sociais (os atores, nas referidas circunstincias,
com efeito, como se "não conhecessem seus lupares alter tl
).

-se pautas básicas de conduta etc.


267zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

Ambigaidade~ anomalia, desordem, sujeira, todas es-


sas notas apontam num mesmo rumo. "Como se sabe", diz Douglaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
(opus cit., p. 12), "a sujeira é, essencialmente. desordem";
..
e adverte ainda (ibidem, pp. 50-51): "( .••) nosso comportame~
é a reação que condena qualquer objeto
to de poluiçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ou
idéia capaz de confundir e contradizer classificações ideai~"
Mas a mesma autora lembra também (cap. 10) que o en
te ambiguo tanto pode ser abominado como valorizado e presti-
giado (de resto, já vimos que os imprescindíveis mediadores
têm sem~re esta característica). Ilustra a última possibilida
de a uaneira como os Lele apreciam o pangolim (cf. pp. 203 sq
da obra citada); o referido povo ainda nos fornece uma outra
prova de que o "anômalo", em certas instâncias, é considerado
auspicioso, e portanto enaltecido: assim se qualificam e exa!
tam os pais de gêmeos. em seu meio. Por outra parte, e de
idêntica forma. "a sujeira. que é normalmente destrutiva, às
vezes se torna criativa" (p. 193). Podem referir-se muitos
exemplos notãveis disso; a antrop61oga menciona os seguintes
fatos (p. 194):
"Entre os Oyos Lo rub as , onde a mão esquerda é usada
para trabalho sujo e é profundamente insultante ofertar a mão
esquerda, os rituais normais sacralizam a preced~ncia do lado
direito, especialmente a dança à direita. Mas. no ritual do
grande culto Ogboni, os iniciados devem amarrar suas
v
roupas
do lado esquerdo e dançar somente para a esquerda (Morton-
-Williams. 1960:369). O incesto é uma poluição entre os Bos-
hongs, mas um ato de incesto ritual faz parte da sacralização
de seu rei, e ele alega ser a sujeira da nação. (.••). E as -
sim por diante. Embora somente indivíduos específicos em oca-
siões específicas possam quebrar as regras, é também importan
te perguntar por que esses contactos perigosos são freqUente-
mente exigidos noszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
r it u a is .11
268 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

Isto pode inclusive, lembramos nós, correlacionar-


-se com o postulado durkheimiáno da oposiçio simitrica ~ntre
a "ordem profana" e a "anormal-sagrada". Todavia. para resol-
ver o problema que levanta, Douglas (locus cit.) opta por dis
tinguir entre dois "estágios" da sujeira: aquele em que ozyxwvuts
"I!.
xo" conserva alguma identidade, e por isso é perigoso, impuro
de fato, e o 'terminal', da completa desintegração da maté-
ria em causa. Explica, a seguir:
"A sujeira foi criada pela atividade diferenciacora
da mente. é um subproduto da criação da ordem. Assim, ela co-
meçou por um estado de não-diferenciação; através do processo
de diferenciação, seu papel foi o de ameaçar as distinções
feitas; finalmente. retorna a seu verdadeiro car~ter indiscri
min5vel. A falta de forma ê por isso um símbolo adequado do
começo, do crescimento, assim como da decad~ncia" (p. 195).
Aqui se acha sugerido um dado muito notável,que ten
-
taremos desenvolver. Referimo-nos ao estado de confusãozyxwvutsrqpon
ante-
rior ao instaurar-se da ordem, 'fase' a que'Douglas apenas a-
lude - um estado que no termo do processo se recapitula, de
certo modo. Nos pontos extremos da trajetória que assim se de
lineia. nos seus limites, temos algo, a rigor. dive~8o do que
se acha inscrito no meio. Se a sujeira ê um subproduto da cria
ção da ordem, como Douglas d z, quando esta ainda inexiste .ou
í

já cessou de existir. aquela não pode propriamente haver. Mos


tra-se necessário assinalar aqui a metáfora implícita; a pas-
sagem citada da sábia antropóloga a clenuncia, com efeito, de
modo bem curioso: o que "retorna a seu verdadeiro caráter" em
algum momento deixou de ser o que fora, pelo menos em parte.
Importa que chamemos a atenção para mais um ponto
notável do rico trecho citado: a similitude que aí se acusa
entre os 'est~gios' inicial e final; cifra-se ela no fato de
269

que em ambos vire a mesma e plena in-diferença. Dita similitu


de há de parecer bem sugestiva; quem pensa de acordo com ~
esquema em pauta; e o que sugere adverte-se com presteza:zyxwvutsrqponmlk
a zyxwvuts
idéia de um ciclo. Mas esta tem extraordinárias implicações:
pressupoe a continuidade 'palindrômica' do processo. e, portan
to, encerra o pensamento de que cada fase não apenas sucede ~
maS logicamente decorre da outra, num "eterno retorno". Para
falarmos como Douglas, isto nos levaria a dizer que a ordem é
também produzida pela "sujeira".
Se este enunciado choca, isto se deve ao fato de
que - acompanhando a ilustre estudiosa - empregamos na sua fo!.
mulação o termo "sujeira" com um sentido muito abrangente, ou
seja. de modo a designar tanto a inexistência de uma coisa
quanto o que dela depende para existir. O axioma da unidade
do processo em parte o justifica; e há ainda uma vantagem prá
tica a tirar da expressão algo equívoca: ela nos torna mais
fácil perceber como ao ato de sujar pode atribuir-se, em cer-
tOS contextos, um efeito restaurador.
Além disso. as palavras de M. Douglas podem e devem
interpretar-se com menos malícia, sem tanto perseguirmos o p~
radoxo. Na sua versão do processo que considera, o mesmo é
protagonizado pela mente humana; ~sta, na qualidade de demiu!.
ga da ordem, cria retroativamente a 'imundície' anterior, as-
sim como, ao reconhecer-se incapaz de levar a cabo de modo i~
tegral a sua obra - por causa, inclusive, de abomináveis que-
rigrilos, v.g. -, ou. por fim. ao vê-Ia contestada pelas for-
ças naturais cujo império acarreta a dissolução final das di-
ferenças, produz (em termos cognzyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
i tivos) uma "sujeira" mais ou
menos parecida nas 'etapas' seguintes.
Em todo caso, nao parece que a mente humana pense
de idêntica forma a desordem inicial, a consecutiva e a derra
270 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

deira,embora. pelo jeito, se incline a equiparar as duas ex-


tremas. Dita semelhança se postula, repitamos, de modo ..muito
cogente: talvez por isso a própria antropóloga fale a princi-
pio emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dois estágios e acabe relacionando três.

Algo mais importa advertir: nas versoes dos 'pensa-


dores selvagens' - e de alguns filósofos urbanos -, o proces-
so. nesses termos descrito pela estudiosa, de criação tanto
da ordem como da "suj eira" a esta, de certa forma. correspon-
dente, tem sempre outro(s) protagonista(s) não identificados
com o intelecto do homem.
Com efeito, impõe-se nessa altura reconhecer que
MarzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
y Dou glas , a p ropós Ito da pureza e da impureza, esboça e
examina um esquema de alcance muito amplo: discute um modelo
de realidade no qual se figura o próprio universo. "Ordem" é
o significado básico da palavra cosmo, de que caos representa
o oposto. De várias formas. o enredo das cosmogonias descreve
a maneira como o mundo vem a ser através do diferenciar-se J

do op o r+e e e do definir-se de entes e de domínios da existên _


cia. que emergem de uma confusão primitiva: separam-se assim
o c~u da terra, a luz das trevas, as águas inferiores das su-
periores etc. De modo progressivo, a seqUência de oposições
vai organizando o campo do real. até que se coloque cada coi-
sa no seu devido lugar. Relatos escatológicos, correspondente
mente, cifram is avessas o mesmo processo. quando pintam o
dissolver-se dos limites internos e externos dos seres. o re-
torno à indiferença.
Ainda que ponhamos de parte os ditos relatos somos 9

forçados a urna constatação: no esquema considerado de modo ne


nhum se postula. antes pelo contrário, que o instaurar-se do -
cosmo esgota ou extingue plenamente o caos; segundo afirmam
vários mitos de diversas sociedades, além-horizonte céu e ter
-
271 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

ra cont inuam unidos (cf. Sou s a , 1975), o informe limbo nos ci!
cunda. Fora disso, e aparte o fato de que a barreira entre ~
caotico e o domínio por ele cingido se representa, muitas ve-
zes, corno ameaçada de súbito e catastrófico derribamento, re-
conhece-se se~pre a presença ea confusão nos interstícios da
ordem, onde não consegue afirmar-se o império distintivo do
sistema imposto - uma presença denunciadora das vinculações
profundas entre ambos os 'campos' ou 'estados', da necessida-
de que faz passar de um a outro inelutavelmente. Outra coisa
também no oito contexto se pressupõe: o cosmozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
assenta sobre o
caos.
Os antigos romanos, p.ex., imaginavam o todo como
composto de duas metades simétricas, por eles denominadas mu?!zyxwvutsrq
dus e imundus. M~ndu8~ a mais do significado com que passou
ao romance, tinha também o de "limpo", "ordenado", "puro" (em
nossa línfua, os sentidos de "imundo" e "imundície" o atestam
ainda hoje). Mas deve lembrar-se que o imun~u8 se achavam de-
positadas as poderosas sementes da vida, de tudo quanto exis-
te.4 De acordo com esta perspectiva, emergimos nós mesmos, i~
c1usivc, da "sujeira" primordial; pode talvez correlacionar-
-se com isto a tão célebre quanto crua sentença de Santo Ago~
tinha: "nascemos e somos gerados entre fezes e urina".
Tais idéias parecem flotescer por toda parte.
Chamemos ainda a atenção para outro ponto, de manei
ra muito comum, também, assinalado em semelhantes contextos;
trata-se de um 'axioma' passível, quiçá. de exprimir-se pela
seguinte fórmula: o cacs está para o cosmos assim como a natu
reza para a cultura. Com efeito, procedemos daquela, passando
a esta, e regressamos desta para aquela no circuito de nossa
existência - e corno Santo Agostinho assinala, nos dois extre-
moS noS toca a 'imundície' (justifica-se aqui o duplo sentido
ela palavra "e seatolo gia") .
272 i

Entre outras coisas, a idéia da correspondência


ferida, associadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à da continuidade 'palin~~ômica' do proc~
:J
.•.
~ desordem e vice-versa, fornecezyxwvut
so de passagem da ordemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rationaZe de procederes religiosos como os estudados por
by (opus cit.; cf. hic, capo 3).
Acreditamos conveniente explicitar, agora, uma ~~.
missa dos estudiosos que abordam semelhantes questões. Par:
os antropólopos como Douglas e Lévi-Strauss, p.ex •• do
pio de que. ao descrever, em seus produtos chamados
"cosmogonias" etc., a instauração da ordem universal,
lecto humano, encarnado e operante nos membros de ums
de particular, narra, de fato, a sua própria façanha:
cosmese' assim exposta reflete e cifra. de uma certa manei.
a odisséia da Cultura.
Prosseguindo, insistimos na necessidade de disti:-
guir bem entre a desordem ou sujeira 'residual' e a 'extre -
ma': fique bem claro que com este filtimo termo qualificac:s
tanto a 'imundície 'derradeira quanto a originária'. prc _
t t I

fundamente equipariveis; sustentamos, todavia, que a dist:


ção, para ser vilida, deve fazer-se a nível do simboZizad:
não do simboZizante.
Compreende-se, a partir do exposto aqui, que .n:
pers?ectiva religiosa o 'stijo' is vezes regenere ou re8tak~
Quando o desgaste da impureza negativamente associada ã ar;
em vigor nos ameaça, afirma-se oportuno, do ponto de vistê
questão, que em termos simbólicos nos lavemos nas torvas
tes do limbo.
Com este mote. voltaremos a tratar da aiscralc!-
dos eres. O que, aliás, se justifica com muita facilidade:
todos sempre nos referimos às pornéias etc. como "palavras
j en t as'", "imundas", "sujas" ou "porcas", e assim por dian·
273

Consideramos, a bem ~i!ar,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


esoatol5gio2 a fala Itor)~·
'obscena' .

Diante disso, não resulta descabida a afirm~t~~:


que em suazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Lí.n guag em , inclusive, assim como em mu i t.os Ye :;;-"
jogos, os erês reincidem, pelo menos aparentemente, nél ":: .__
ra". Também aqui esta equivale azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
figura u r.;
de e r e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
q r ame ritio ,

sordem que viola as convençoes.


C' _

Dissemos antes que duas caracter1st1cas das C~:~~-


ças se acentuam e correlacionam de um modo particular na ~~ -
presentação da infincia no contexto do sistema por n5s e5:~_:
do: elas gostam de "lambuzar-se", e tanto desta quanto de
-
tintas maneiras perturbam os 'grandes' ~ por outro lado,zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
c .~ _

i noc en t e e , Segundo também já afirmamos, na mesma 5tica seu _


caso pela higiene denuncia, entre outras coisas, o fate
não haverem ainda os petizes internalizado a ordem v í.gerrt e
sociedade - uma ordem a que se concebem como, de certa for~~.
'anteriores' .

A fala dos meninos-santos inclui um vocabulário "5:"':


jo" e se caracteriza ainda pela oonfusão que cifram es seus
constantes equivooos. Este último termo deve entender-se a~ui
10 pé da letra, ou seja, no seu étimo sentido. Lembremos, _
?ropósito, que a etimologia de infância assinala a incapacid~
de de falar dos muito pequeninos; talvez não con s t i t ua um gran
ce abuso, em vistade nossos fins, reportar-nes ao .significadc
]rimitivo do nome ~m questio, ampliando-o um pouco: designa -
ríamos assim o domínio imperfeito ou 'destorcido' das conven-
;ões linpUísticas por parte de quem nno chegou a internalizã-
-las completamente. Uma pessoa infantil "não sabe o que diz";
JC ffi como, de forma apropriada, dizer o que percebe. Ora, con-
vém recordar-se ainda que a linguagem é, entre outras coisas.
expressiva da ordem social, simboliza a pr6pria cultura.
274 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK

As crin~ç~r re C~T~cterizam, pois, por duas no zyxw


t ar

aIpo contradit6rias: suazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF


pureza e o modo como propendew ~ S~-
jcira e ~ perturbação. Jã tratamos deste filtimo traço; caL~
agora interrogar-nos sobre o primeiro, ou seja, sobre o sigh~
ficado da inoc~ncia~ sobretudo no que concerne aos eres.
Inocente~na fala do povo, significa, antes de mai~
nada, e primeiro ate de que o oposto de "nocivo", algo cor::
"desconhecedor". "aquele que ignora". Não se trata. no caSe.
de uma ignorância qualquer, mas justo daquela que implica e:
não estar conscientizado da oposição entre bem e mal (logc.
inclusive. entre "puro" e "impuro": para um indivíduo assi-
qualificado, a rigor Lnex i st e , portanto. o que chamamos c.~
"sujeira" ou "desordem" 'residual'). Um bicho como a onça pe-
de chamar-se de inocente. A criança tem de aprender o que é ~
não ê "limpo", em todos os sentidos; até lá, não discrimin:
entre uma e outra coisa.
Ora, o mesmo continua válido quando passamos a con-
siderar a conduta verbal dos er~s, v.g. Eles, com efeito~ mes
-
t ram-se incapazes de discerni r entre as palavras "feias" e as

de diversa natureza que lhes são ensinadas. Mas repare-se q~~


isto acarreta a desqualificação profunda das pornéias. Os me-
ninos-santos por certo estão cientes do seu significado - mas
n~o o estranham, nem podem estranhar. Assim. nao apenas sezyxwvut
re
velam impermeáveis ~ obscenidade, como ainda acabam por des-
truí-Ia - esta não sobrevive sem a estranheza. O que deste m~
do se opera é uma verdadeira catarse, um rito purificatório
em extremo eficaz. De imediato o sente quem participa do dra-
ma das crianças. Anteriores ã ordem social e a sua degenere _
c~ncia, emerBentes do limbo onde tudo se renova, elas se a-
cham capacitadas para negar o negativo.
275

Num conto famoso de Andreiev, um diabo que preten-


dia converter-se volta para o inferno em busca do m~rtírio às ~
maos dos companheiros, depois de muitas outras tentativas inú
teis de atinpir a santidade. 15 chesado, começa imediatamente
a rezar em voz alta as mais belas preces. A multidão dos ou-
tros demônios, lonre de reprová-Ia ou puní-Io por isso, logo
o inita; e pronunciando maliciosos as palavras santas, os es-
píritos da treva sem mais as convertem em horríveis blasfê-
mias ...zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

a o contrário disso o que fazem os erês.

Quando, a prop6sito de seu procedimento aiscrol6zi-


eo, falamos emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cata~se, de modo nenhum pressupomos que esta
se obtém pela simples franquia de impulsos reprimidos - isto
por si s6 nunca levaria, e jamais levou, a um tal resultado.
Com divina ironia - e está claro que empregamos esto."palavra
no seu sentido mais profundo e original - as crianças nos fa-
zem aceder ~ compreens~o do que há de falso e artificioso na
nossa abordagem dos atos elementares, o nonsense diab6lico do
obsceno.

Em conclusão, cabe dizermos que os eres abençoam


quando 'xinEam', e limpam quando parecem sujar.
276 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

NOTAS AO CAPITULO VI (PARTE 111)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP


.•.
1. Os autores que, como Róheim (1967), seguem a linha da
tropolagia psicanalítica, nia hesitariam em qualificar
"sado-anal" a conduta de sujamento e as manifestações
gressivas dos er~s. Róheim e Bettelheim (1955), p~r ex:
pIo, muitas vezes aplicam o mencionado rótulo ao proc~~
dos ncófitos em diversos cultoS iniciiticos e ritos de :
sagem realizados em semelhantes contextos; a partir d=
procedem a uma psicanilise das instituições em causa. (.
fessamo-nos sem recursos para imitã-los. Receamos ainda
car expostos às mesmas críticas que a Bettelheim dir:
Douglas (1966), Por outro lado. devemos dizer que nos p~
cem fundadas as dúvidas' de Foucault (1967: 485) r e La t vs-, í

te à antropologia psicanalítica.
2. Alguns dos mais velhos do Tanurijunçara cmp regavam o te.
lamburungunzo como um aumentativo de gunzo; assim desir
vam, portanto, a força mística elevada ~ sua potência ~;
ma. Mas um dos grandes do Candombl€ disse-nos que o lam~
rungunzo € o gunzo dos inquices.

3. Lembremos a propósito a an~lise de Mary Douglas do sent~


de viscosidade no contexto do que chama "comportamento
poluição", e a maneira 'feliz com que recorre aí a
para demonstrar a relação simbólica entre "viscoso", I!a ~ '

guo" e "anômalo". Cf. Douglas 1976: 52 sq ,


4. Ver MUnzer 1933.
PARTE QUARTAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

DR!u\1A DOS EREs - COM!!DIA E TRAG)jDIA


o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
278 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

Nesta parte de nossa Dissertaçio damos continuidade


ao ensaio de análise dos cânones da liturgia das criançaszyxwvutsrqp
no
Candomblé, considerando. em particular, os tipos de desempe~
nhos cumpridos pelos erês, e esboçando algumas interpretações
destas suas performances lit~rgicas. Nos dois ~ltimos cap{tu-
Ias, abordamos de maneira mais direta o ato primeiro do Drama
discutido, ato que se desenvolve no decorrer do "ciclo iniei!
tico".
CAP!TULO I

A COMbDIA DIVINA
280 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

Os erês em suas aparições cump rem v2.rios tiposzyxwvutsrqp de

desempenhos. Se perguntarmos a um membrozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


do Candomblé o que
fazem ar as crianças, a resposta discriminari em term~s enga-
nosamente simples as várias classes de a t ivi.dade s a que aludi
mos: qualquer bom conhecedor da "sei ta" há de contestar-no;
que os er~szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rezam~ trabaZham e brincam. Assim pro~
aprendem zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
3

dem em doi6 contextos básicos: por ocasião das 'festas de ca


lendário zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fi de outras "obrigações'! ou cerimônias
I 'da liturg
comum t, em que comparecem. e durante o ciclo iniciático.
terceiro capítulo desta Parte IV de nossa Dissertação, pro
rando definir melhor o último 'contexto' referido, esboçare
mos e comentaremos um esquema dos ritos de passagem então
cutados, com destaque para aqueles em que interv~m os per
gens divinos objeto de nosso estudo. De um modo breve, ten
remos agora precisar um pouco as circunstâncias do que
mos, de modo quiçá um tanto vago. de Segundo Ato do Drama
I

Erê s! •

Uma 'festa de calendário' no estrito sentido


mo. bem como outras similares em que se celebram com gr
pompa os orixás, constitui-se de um conjunto bastante c
xo de cerimônias, que podem perfazer um ,equeno ciclo:
casos, três e sete dias depois da data principal
as homenagens -a divindade glorificada. Ainda nas
mais simples, o xirê que se realiza em público figura
uma pequena parte da festa cujo início se dá na véspera
que com um grande ossé e os sacrifícios a Exu; no dia do
desde a alvorada têm lugar ritos diversos, principiando
matança das vitimas destinadas ao orixi celebrado. A
ção do abaçá e a das comidas consagradas constituem,
tras, tarefas rituais que ocupam, na dita jornada, os
do Terreiro. No dia posterior ao "toque" público
Leri, com uma nova consagração das oferendas.
281

Na fase dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~n semelhante festejo que antecede ao xi
~
re assim como na que lhe sucede, os santos das iaôs são cha-zyxwvuts
t .•.
mados e "virados no erê". Estes comparecem ainda, e da mesmn
forma, em obrigações menores, que implicam no votar-se de ofe
rendas nos sacr~rios dos orix~s,
quando o toque do adjE mane-
jado pela Mametu induz ao transe pelo menos as muzenzas mais
novas. Isto pode acontecer num 'simples' bori, v.g.

Hesmo depois de iniciada, a "feita" recente que pe!.


manece no Ilê Axé é tomada pela criança muitas vezes, e fica
nesse estado por períodos de tempo consideráveis. As novas que
visitam n Casa acham-se também sujeitas a isso.

Por outro lado, não raro ocorre que um santo tome a


cabeça da "filha" de forma inesperada; quando isto sucede,
normal, ao "despachá-Ia", chamar-se o erê e deixar por algum
tempo que este marque sua presença. Umn feita de Iansã do Ta-
nurijunçara, que tinha pouca "idade de santo", costumava en-
trar em transe sempre que trovejava; assim, freqUentemente
protagoni zava situações a lgo es t r anh as . Certa fe ita, oiá a sur
preendeu num ônibus, no centro da cidade; chegou num rompante,
soltou o seu grito sagrado, seuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
ilã , que fez o motorista pa-
rar a viatura em meio ao imaginável alvoroço, desceu do trans
porte e seguiu caminho, a pé, em plena chuva, até ao Terreir~
Acompanhou-a uma ekede de outrn Casa - que por sorte se acha-
va no mesmo coletivo - esbaforindo-se no esforço de seg~ir a
marcha forçada da impetuosa deusa e conter-lhe um pouco a exu
ber3ncia: no percurso, Iansã apenas se dete~e para saudar com
majestade alguns espantados transeuntes - pessoas, decerto,de
sun predileção.

Numa noite tempestuosa em que dormíamos no Tanuri -


junçara, num sofá da sala de visitas de Mãe Bebê, despertaram
-no s , aIta madrugada, grandes golpes à porta. Mal 'abrimos, ir
282 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

rompeu a mesma sa.nta que nos abr:içou com um solene e caloroso


brado. Em todo o Terreiro; fomos o finico a admirar-se de oear
rido ••• Na manhã seguinte, verificamos que se achava na Casa,
-
encarnada na mesmazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
aô , uma alegre "menina". companhei ra
â de
Iansã.

Retornando ao ponto pelo qual iniciamos este capít~


10, cabe agora interrogar-nos sobre a aprendizagem realizada
como em
pelos erês. Esta cifra-se tanto emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
memorizar coisas
"tomar exemplo"; processa-se, inclusive, atrav5s dos jogos.
dos trabalhos e das rezas: todas as atividades das crianças
acham-se profundamente interrelacionadas.
:E. por certono ciclo iniciático que o erê tem mais
9

a aprender. Como diz o povo do Candomblé, "todo santo tem que


ser educado" durante o período de feitura - e o mesmo se apl!
ca i iaô. cuja escola suprema constitui o runk6. Mas, de fat~
na camarinha, na fase capital da reclusão, nenhum ensinamento
se dispensa i muzenza 'em pessoa'. Quando ela aí desperta, já
se cumpriu o initium propriamente dito. Binon Cossard (opus
cit., pp. 192-193) assim descreve esse instante:
"La jawo réveillée est de nouveau dans son état nor
mal. Elle nla aucun souvenir de sa période d'initiation, e11e
reprend conscience de son ex i s t ence , ma i s il y a un grand blane
depuis le moment o~ elle est tomb~e ~ terre. Elle d~couvre
alors le rõnkõ qu'elle ignorait, car clest Ia piece Ia plus
secr~te du centre. EI1e d5couvre alors que son crine est rasi t
qu'elle porte un collier autour du cou. le kele. et qu'elle a
été initiée. Enfin, el1e fait connaissance de ses compa~les
de réclusion, avec lesquelles elle a vécu plusieurs semaines,
mais qui lui sont étrang~res. Tout ce qu'elle a vu, entendu,
283

appriszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pe:>.c1.é,.:ce tco période :..::.
e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
t vêcu u, bl e ':3fInc.J.
(•••) II
ne subsiste que des gestes du rituel, comm~ les salutationsl
et des reactions à des sensations diverses:
- sensations auditives: rythmes des tambours,chants,
tintements de Ia cloche adza; cris de salutation aux oriSa;
- sensations olfatives et gustatives: odeur et gout
de l' a bo ;

- sensations visuelles: vue des objets sacralises


représentant l'oriSa ou servant ã le parer (insignes, vête-
ments).
Toute ces sensations ont le pouvoir de declancher
tres facilement l'état de 'santo'. Si les prieres ne sont pas
rémémorées. leur enregistrement se fait à l'étnt normal avec
un effort bien moins considérable."
O último ponto a que a etnógrafa se refere e
muito
significativo. A propósito, vale a pena mencionarmos um fato
que nos foi atestado por nossos mestres do Candomblé. Segundo
estes nos disseram, ao voltar para casa pela primeira vez de-
pois da iniciaç~o a nova iaô é acompanhada por uma pessoa do
.
Terrelro. ~
A porta, ao despedir-se, o acompanhante ordena a -
"feita" que diga uma determinada prece - a qual ela, de forma
,invariável, protesta, a princípio, não conhecer. O "mais ve-
lho" todavia insiste, repete de forma peremptória sua ordem -
a.téque, sem saber como, a muz enza obedece ..•1
Do exposto infere-se com ciareza que'emsua "escalei'
a iaô aprende, em grande parte, através do er~. O mesmo se di
com o santo. Como àquela em outras etapas, a este em todo ca-
so lhe são ensinadas de forma direta algumas coisas no perío-
do chave da feitura. O que o orixi encarnado precisa aprender,
antes de mais nada. diz respeito ao controle de sua força:
284 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

ele a princípio desconhece as limitações físicas do corpo on-


de sadia. e pode mesmo causar-lhe danos. Quem já assistiu azyxw
uma ximba não duvidará disso de modo nenhum. A pessoa em "es.,..
tado de santo" fica anestesiada. e tem suas energias multipl!
cadas de maneira estranha. Segundo nos foi dito. a princípio
os iniciadores temem sobretudo as distensões (dos músculos do
peito, em particular) que podem ser provocadas pela violincia
dos arroubos e dos gestos bruscos dos divinos, ressentidas a-
penas quando a "feita volta ao estado normal.
lt

De qualquer modo. veicula-se principalmente através


do erê a "educação de runkó". A criança é quem primeiro apren
de e grava as complicadas coreografias, os inúmeros e sofist1
cados cantos, as longas e difíceis orações. Tem uma memôri;
prodigiosa, como a do inconsciente. Lembremos que quando ex-
surge o erê. a noviça perdeu a lembrança de tudo, e seu inte-
lecto acha-se reduzido a umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
tabula rasa. Imprimem-se nesta
com facilidade os misteriosos ensinamentos.
A educação dispensada no runkô pela Criadeira e ou-
tros mistagogos deve começar por coisas bem eLemen t ares : o e"
l"ê. a princípio ~ não sabe nem mesmo comer ou f alar ,

A aprendizagem da criança tem ainda um outro aspeta


ela "toma exemplo", é disciplinada. A tarefa de lhe impor con
troles não se afigura nada fácil. pois uma profunda e const;
te rebeldia a caracteriza. assim como força e ímpeto selva:
gens. Todavia, se muitas vezes os ameaçam e lhes infundem cer
tos temores, seus padi raramente punem de fato os erês - qU~
do os sentem incontrolâveis preferem "virá-Ios no santo". Ou.. -
trora. segundo certos testemunhos que colhemos, alguns Tata
mais severos recorriam inclusive a castigos corporais, pelO
285 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

menos em casos gr~:".-p':: :_8 d í.v i.n a t.r aversura : :"1.:-,::-:: +s t o hoje -
ezyxwvutsrqp
absolutamente inusitado. Conserva-se. de f a t o , uma "cantiga .•.de
Ximba", que dantes se entoaria no momento de punir da dita for
ma os erês irrequietos - ou mesmo as iaôs faltosas - mas hoje
a punição limita-se ao próprio entoar- se da música. que induz
ao choro os culpados. (Cabe aqui um esclarecimento: no runkó,
tudo quanto se faz deve ser precedido por uma cantiga apro
priada; sem isso, nem mesmo se come ou bebe, segundo nos dis-
seram)•
Note-se ainda que os grandes do Candomblé sao muito
explícitos em suas afirmativas de que, se o erê deve ser con-
trolado para não fazer "bobagens" perigosas, não se pode de
maneira algum~ cortar-lhe o ímpeto, ou reprimí-Io de forma
inibidora, sob pena de diminuir a força do santo. De fato,te~
temunhamos sempre urna grande tolerância dos padi para com a
conduta as vezes em alto grau extravagente das crianças; até
no repreendê-Ias, quando elas passavam dos limites, os maio-
res procuravam nao se exceder - faziam-no, inclusive, com um
certo humor. Não deve esquecer-se, por outro lado, que as cri
anças também castigam os "pais", quando por eles provocadas -
e nisso mostram-se muito menos comedidas: usam com vigor nada
simbólico o natibiu, conforme podemos assegurar. Das pancadas,
os eres poupam apenas a Mãe de Santo, que não os provoca de
forma direta, e que não podem atingir sem sérias conseqüên-
cias; e além dela, a raros outros personagens de hierarquia
.
muito elevada. Mas a nlnguem- contemplam quando se trata de
agressoes verbais. No que se refreiam é a contragosto, segun-
do deixam bem claro; a desejada vingança contra a Mametu os
horroriza tanto quanto os fascina.
Ninguém duvida no Candomblé da natureza selvagem,t~
rivel dos erês, mesmo daqueles que na maior parte do tempo se
286 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

mostramzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ta c itu r n o s ou "dengl.-)sos".OzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
ervs no , o controle que se
í

lhes impõe é algo muito delicado. .•.

A questão da ximba, a que aludimos, apresenta algu-


ma complexidade. Dita palavra, que nos foi traduzida como 'tas
tigo", designa, de fato, ora certo tipo de puniçõeszyxwvutsrqponmlkj
divinas,
ora provas que se assemelham muito, ou melhor se reportam a
uma fase crucial do initium, chamada grau ou inquita. Embora
exista a cantiga com este nome associada a um contexto em que
os padi punem os eres, pessüas gradas do Candomblé nos fize-
ram em termüs muito categóricos ü seguinte asserto: "quem dá
ximba é o santo".

Com efeito, a punição através da cantiga referida ,


tal como hoje se processa, tem um caráter simbólico bastante
curioso: parece-nos que ela simplesmente a
traz zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
mem6ria dos
visados qualquer coisa de muito dramatico. Inclinamo-nos mes-
mo a crer que os Tata mais severos de antigamente apenas re-
forçavam de motu proprio um ato cumprido a outro nível; tal-
vez sua conduta neste ponto fosse mesmo excepcional (pelo me-
nos, nunca nos disseram que todos procediam com tanto rigor).

Mas vamos por partes. O santo de um iniciado dá-lhe


a ximba quando está descontente com o "filho". Todavia, a xim
ba não é qualquer castigo: ninguém usa esta palavra para refe
-
rir-se a casos em que, por exemplo. um "feito" adoece - de a-
cordo com sua opinião, e no consenso de todos - em conseqUên-
cia de uma falta para com o orixá; ou por isso perde alguém,
ou morre, etc.

Para que se lhe confira o designativo em causa,


preciso que o castigo seja aplicado de forma muito direta pe-
lo santo, no próprio ato encarnado no "filho". Tem, de modo
287

invariável, um aspe+> ~·1,ni!:,,!:te


e aS<:I,,"
..
t adc r , que faz
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
1 como-
VE:-se as testemunhas pois há sempre ur ~-_blico. binon Cos-
sard narra o caso de uma iaô r~~apsa q~e, em sua~
própria casa, foi tomada de surpresa pelo deus, e correu até
ao Terreiro da Goméia, onde se achava em curso um candomblé
muito concorrido; aí entrou de rojo, consternando seus corre-
ligionários, depois de rolar pelo barro na entrada.

Assistimos no Tanurijunçara a um sucesso parecido, e


muito significativo. Estávamos conversando no Terreiro com um
ogan nosso amigo, médico de profissão, quando chegou uma "fel
ta" de Omolu; esta veio saudar-nos e em seguida dedicou-se a
tarefas de cozinha. De repente, nos a vimos irromper de novo,
transtornada, na sala onde nos achávamos, e partir correndo
rumo ao mato; seguiram-na algumas ekedes. prevendo o que suce
deria. Por elas soubemos, minutos depois. que Omolu ã
foi atézyxwvutsrqponmlk
manhonga, numa carreira furiosa, e arrancando com violência
as roupas do corpo onde se achava 'e jogou-se numa touça de ur-
tigas. onde rolou muitas vezes, por mais que o tentassem de-
ter. Por fim, vestido e conduzido ao,runko, explicou que a
"filha ll
tinha desrespeitado suas ordens, merecendo a ximba;
acrescentou que de outra vez seria mais severo - e deixou a
cabeça da iaô. Ao recobrar a consciência, a pobre mulher esta
va coberta de uma violenta erupçao, e presa de dores cruéis.·

Nosso amigo ofereceu-se imediatamente para medicar


a iaô, mas foi impedido disso pela Mametu: Omolu poderia zan-
gar-se com ele. Todavia, penalizada com o sofrimento da "fi -
lha", não deixou a boa senhora de lhe dar remédio: correu ao
runkó e "virou-a no erê". Este não tardou a aparecer na sala,
pedindo-nos a bênção entre risadas.

Não pudemos deixar de lembrar-nos deste sucesso quan


do assistimos no Tanurijunçara a uma cerimônia que de modo ne
288

nhum objetivavazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
U~ castigo. Promoveram-na alguns velhos ogans
que lã-se achavam, simplesmente colocando-se num ponto estra-
tégico da Casa com os tambores sagrados, e desferindo de su~-
presa o irresistivel adarrum. Em pouco tempo, todas as "fei •
tas" tinham "caído no santo" - e algumas delas dispararam pa.•
ra a manhonga, tomadas de um arrebato selvagem que nunca ti ~
nhamos presenciado. Nós as vimos retomar, algum teQPo depoi~
cobertas ele folhas, desgrenhadas e com uma expressão inumana
nas faces, seguidas de ekedes já sem fôlego. Outros que conos
co assistiram a cena mostravam-se comovidos e um tanto assus~
tados - embora para alguns deles não fosse novidade o que
viam. Esse espanto e emoção ainda experimentávamos horas de-
pois.
Ogans amigos nos explicaram mais tarde que os san-
tos tinham "tomado grau" para que seu poder aumentasse.
As iaôs, quando tudo acabou, não se mostravam nem
mesmo fatigadas. Comentavam. todavia. que tinham levado uma
ximba.
A Mãe de Santo, por sua vez, quando lhe falamos da
impressão que a cerimônia nos causara, fez-nos uma observação
muito notável: "J; isso. de fato.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
Dá vontade de ohoral'." Acres
centou ainda que o grau "de verdade" era dado na feitura, mas
"só no Angola". E concluiu: "O Angola, meu filho, ê muito sé-
rio; ê terrível mesmo."

A aprendizagem dos eres não se realiza apenas duran


te a iniciação. No Leri é costume fazer-se um candomblé simu-
lado que funciona, para as crianças divinas, como uma espéCie
de ensaio. Aí elas memorizam as danças, as cantigas, as sauda
ções etc. Algumas aprendem até a tocar os tambores sagrados:
289 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

um ere de Tempo. que conhecemos , r í.va t ; zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW


::r.v~ nisso com os me-
lhores alabês. O referido batuque se processa num clima de a-
.•
legria e descontração. Os erês a princípio caricaturam os sa~
tos, depois passam a imitá-Ias com propriedade. E o fingimen-
to se torna tão perfeito que pJde enr,anar uma pessoa desavis~
da, chegada nesse instante ao Terreiro. Num certo ponto, vol-
ve-se, aliás, muito tênue a linha que separa o fictício do
real, ou o imitador do imitado.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
é o santo que assim se
Pois zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
educa. E o jogo é levado muito a sério.

Sem dúvida. cifra algo digno de neta o fato de que


os sagrados meninos rezam - recitam pr~ces, entoam cantos ri-
tuais e perfazem vários atos Iitúrgicos, como tomar a bênção
ou bater o paô (em homenagem aos grandes iniciadores ou aos
orixás em seus sacrários) da mesma maneira que as "feitas".
Ao fazê-Ia, adotam, aliás, a atitude submissa e humilde da mu
zenza. sE que logo a desmentem, quando passam a seus jogos.

Certa feita, levamos ao Terreiro uma colega nossa,


prometendo mostrar-lhe em execução muitos ritos do Candomblé.
Algum tempo depois, já no Ilê Axé, ela nos perguntou quando
os ritos começariam; e lhe respondemos que os mesmos estavam
em curso, bem diante de seus olhos. Mas entendemos sua perpl~
xidcde: ela via apenas um grupo de mulheres lidanJo na cozi-
nha, outras varrendo um recinto, outras que transportavam ma-
ços de folhas etc., enquanto os circunstantes conversavam com
a maior naturalidade. Mostramos-lhe ainda uns senhores que e~
corchavam um cabrito, muito atentos mas como se nada fizessem
~e extraordinário.
290 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

Não precisamos de grandes explicações para conven..


cer nossa amiga. Bastou-nos dizer-lhe que ela, por exemplo
••• I

por maior que fosse sua boa vontade, não poderia


transportar
aquelas folhas, nem depenar ou limpar as aves como vira fazen
do as mulheres apontadas, nem varrer o recinto que varriam -
_
e se o fizesse, estaria assumindo um compromisso muito s~rio' I

a16m disso, continuamos. por apurado que fosse o seu conheci_


mento culin~rio, ela em hip6tese alguma estava habilitada I

preparar as iguarias a cuja elaboração assistia. sem tirar-


-lhes o sentido - pois as ditas comidas "falavam", encerravam
importantes mensagens; e do mesmo modo, o mais perito açou
gueiro era inepto para proceder ao escorchamento do animalzyxw
com que se ocupavam os joviais senhores a quem, enquanto isso,
a apresentáramos. Conforme também esclarecemos, se eles nos
convidassem a n6s, membro da Casa, embora com um título ape •
nas honorífico, para ajud~-los em sua tarefa, poderíamos fazi
10, e dever!amos mostrar-lhes profunda gratidão; no entanto-

se auxiliássemos uma iaô a carregar as aves que levava para a
cozinha, ela nos infligiria uma pesada multa.

Mas voltemos aos er~s. No Candomblé eleszyxwvutsrqponmlk


trabalham .• conforme dissemos; executam diversas tarefas na
se preparat6ria das grandes festas, assim como na final. São
chamados para isso, às vezes, até em "obrigações" menores.
durante o período de feitura n~o são deixados inteiramente
ciosos: ao que parece, limpam e arrumam eles mesmos o claus
tro onde nasceram. Numa fase do ciclo inici~tico, ocupam-se
ainda em confeccionar objetos de valor ritual. Sobre o cará
ter profundamente signficativo de seu trabalho acredi
que não é necessário insistir.
291

Antes dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
:.::_5 nada, porém, a;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
('"..i;>~:::,.: brincam. E
seus jogos têm sempre um sentido extraordinário. .•.
.
Alias, nos Terreiros baianos a palavrazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
brincar nao
designa de modo nenhum apenas uma atividade trivial; Seu al-
cance significativo bem se denuncia, por exemplo, no fato de
dizer-se que "os orixas brincam na terra". Esta frase faz re-
ferência ao que pode haver de mais sério. importante e decis!
vo, na perspectiva de quem assim se exprime: a epifania e a
dança dos divinos em seus templos, o fim último do Candomblé.
Com efeito. não se pode duvidar do val~r inestimável. para os
crentes, desses desempenhos rituais dos santos •••
Devemos, pois, considerar com muita atenção os jo-
gos das criançns.

No interior do runkõ, durante a feitura, desde que


nascem, os erês se entretem com brinquedos. A este respeito
já citamos o testemunho de Silva (1951, cf. hic p. 136). Binon
Cossard o confirma (opus cit .• p. 165): segundo diz, a noviça
nesse estado " ••• reste couchée sur sa natte ou s'occupe ã de
menus travaux comme Ia fabrication de petits objets en terre.
Les initiêes qui s'occupent d'e1le lui fournissen~ de petits
morceaux de bois, des chiffons, des rubans qui de~iennent a-
~
lors poupee, bateau. cerf volant ••••.
De fato, os erês manifestam, num grau muito elevado,
aquela potência "demonf aca' que Frobenius (1934) descreve co-
mo característica da infância: infundem vida e realidade nas
imagens criadas pelos seus pr5prios jogos, que os tomam por
completo. Aliás não é s6 no claustro, nem apenas durante o p!
ríodo iniciatico, que eles brincam; em diversas ocasiões dedi
cam-se a vários folguedos, como o samba de roda de que fala -
mos.
292 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

A propósito, abordaremos agora um.::!.


dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
su::tS zyxwvutsrqponmlk
brinca-
deiras, exemplar c;.ü rnu i t o s sentidos, e que s~ realiza no inte
rior do runkó. Dela nos notificou um velho T:lta, meito Sábio
nas coisas do Candomblé. Conforme nos disse, os erês costuma~
igual que as crianças humanas, na Bahia, brincar de batizado.
Um cgan faz de padre, outros iniciados mais velhos assumem os
papéis de padrinho e madrinha, e um boneco improvisado de pa-
no representa o bebê que se deve sacramentar. A festa é prep~
rada com pormenor, num climi de balbúrdia e alegria; não fal-
tam os doces, os bolos. as flores; os erês arrumam, reparte~
e consomem animadamente as guloseimas, entre palmas, gritos,
cantos e danças. Tudo corre is mil maravilhas até ao momentc
da cerim6nia mimada. ou melhor, até ao ponto em que esta cul-
mina. An t e s de pronunciar a -:palavras sacramentais. por sin:ü.
o "sacerdote" - e como ele os "padrinhos" - verifica bem _
sarda, prepara com o máximo cuidado a própria fuga. Sua Caute
Ia nada tem de excessiva ou injustificada: com efeito, ao ou-
vir o "eu te batizo", os erês são acometidos de um furor ex-
traordinário, incontrolável, medonho; empunham seus natibiu.
e entre clamores selvagens perseguem os protagonistas mais Ve
lhos do mimo, dispostos a arrasá-Ias com seus golpes. Não c;
encontrando (pois os mencionados atores correm e escondem-s~
o melhor possível). voltam sua cólera contra o boneco,zyxwvutsrqponml
a qUé-
insultam como a uma pessoa - e imediatamente despedaçam. Cus-
tam, depois, a serenar.

Antes de mais nnda, chamemos a atenção para


ponto básico: o que começa pela farsa. nesse estranho rit:
termina quase em trag~dia. Embora n50 o consigam, os er~s t~·
tam e desejam, de fato:J dar cabo dos "pa di. I1 com quem corrt ra-,
nam. E o boneco que estraçalham ~ ent~o para eles uma cria~;~
i'e alo
293 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

Devemo~ ainda int0rrogar-nos sobre o que provoca .•. a


fúria dos meninos-santos na dita ocasião. De acordo com as p~
lavras do Tata, o paroxismo dos erês os acomete no instante e
xato em que a fórmula sagrada, "Fulano, eu te batizo •••" é
proferida pelo falso padre. Isto, por certo, merece frisar-se.
A fórmula - e o gesto de lançar 5gua sobre a cabeça do catecª
meno, coisa também encenada - constitui a .essência do sacra -
mento. O que significa?
Evidentemente, a resposta a esta pergunta nao deve
ser buscada, no caso, em tratados de teologia. mas no horizon
te ideológico do catolicismo popular. Segundo aí se postula.
o ato ritual discutido marca o transformar-se da criança numa
pessoa "de fato"; por via do mesmo, o pequeno toma posse de
sua identidadezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
básica. O batismo. claro est5, constitui um
rito de passagem e de nominação. Na perspectiva referida, o
paciente através dele deixa de pertencer ao mundo da Naturez~
e transfere-se para o da Cultura.
Ora, os erês, segundo já dissemos aqui, nao sao pe!
soas "de fato", nem sequer têm verdadeiros nomes; sua identi-
dade revela-se muito 'precária', Mantêm-se eles, a rigor,zyxwvutsrqpo
no zyxwvu
limiar entre cultura e natureza. O mimo narrado os enfurece,
talvez, por que os denuncia.
Por outro lado, pode ainda conjeturar-se que, a
seus olhos delirantes, a cana representada então evoca uma ou
tra, uma passagem por eles mesmos sofrida e de que a lembran-
ça, por seu extraordin5rio impacto, lhes é insuportável. De
fato, segundo veremos, seu proceder no "batizado", no término
da farsa, recorda de maneira ineludível o que perfazem no
ato final da inquita, de uma tenebrosa dramaticidade.
2 9 4 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"brincar" dos e:<~s cifra, pois, tipos :1lgozyxwvutsrqp
disti~
tos de desempenhos por eles cumpridos: alude-se desta maneirs
aos jorros í n f an t s e folguedos
í vários a que se d ed i car» (qua~

do se distraem com bonecas improvisadas, gIram em suas cir~'


das ou dançar o samba
de roda etc); mas da mesma forma
r ~ •
rererenCla a suas "e s t repo Lia s':, a suas disputas cem
fazzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p ad i e, por f i m, a sua p e rj o rman c e de mimos (cono o batUqu'.

do Leri). eu de verdadeiras e misteriosas farsas (do tipo 03

examinada no par~grafo anterior).


As estrepolias das cr i a nç as inspiram muito cuid:ldo.
Elas c.orne
t.em às vezes façanhas bizarras, e podem tornar-se ir
prcvisiveis. n raro, mas apesar de tudo sucede, que um ere fu
.
Jêl
d o Il~ ,\ e
. e Ax ~. I 5_0
+nunca ocorreu no ~lanur i. j. unç ara , ~paundo
~v'"
nos disseram; todavia, alguns casos exemplares nos foram con-
tados, acontecidos em outros Terreiros. O vexame de uma taIS!
tuaç~o facilmente se imaBina.
no t err i tório do candomblé
De qua lqu er modo, cabeiil
muitas travessuras. ~ -
A vigilancia e o controle nan podem ser
relaxados. Um simples jogo d e esconde-esconde é capaz de tra:
zer preocupações, quando seus p ro t ap on i s t as o Le v ari mui to a s~
rio: um er~ de Xangõ de um Terreiro ligado ao Tanurijunçara
pê,s a Casa inteira em p o Lvo ro sa tão S0J11cnte escondendo-se nu~

ma barrica. Sucede que ai entrou de manhã e s6 saiu ao anoit~


cer, quando todos j~ estavam desesperados a sua procura.
l\T
1 ,\) p r o-. x i mo capitulo, trataremos das disputas en tre

as crianças e os padi procurando descobrir o significado e


objetivo destas. Por ora. nós as abo rd aremo s apenas para :',5

sinal3.r o fato de que elas implicam em m~tuas troças e lcgr:s


de vários tipos.
- OS maIores que
Com efeito, nem sempre sao
os "filhos": estes podem, espontaneamente, tomar a inici~tl\·:'
295

da galhofa, e pre gar-lhes, aos "pai s", peças diversas.zyxwvutsrqponmlk


Ur.c .. -zyxwvutsrqpo
ç:.C

de adormeceu no runkó e despertou com aS pernas atadaszyxwvutsr


toalhas; uma iniciada mais velha, a quem aconteceu abandcnar-
-se da mesma forma num cochilo, acordou com o rosto pint2~~
da maneira mais bizarra. Esconder objetos dos padi9 ou ses~:
surripiâ-Ios, por mais que isto se coíba. nao constitue~ r ~....
'
_ • .l.

dades entre as proezas dos eres.

Estes detestam ser imitados, mas adoram "rer:e:iar":


sao grandes "careteiros", principalmente quando excitaccs. 5e
um grande, por mau jeito, os interrompe nos seus jogos, ~::2
ter como certa uma boa vaia, uma as suada vigorosa. Case tr:::a
consigo balas ou quaisquer gulodices, e as mostre aos eres.''':':
padi está sujeito a um verdadeiro assalto. Os furtos de ~::~S
pelas crianças, mal grado todo o controle, não t~m naca ~e ~~-
comum.

Os sagrados e travessos meninos adotam nornal~e~:e


atitudes um tanto grotescas e caricaturais - em que se p~r:2-
bem inclusive, deformados e exagerados, traços caracterís~i -
cos dos respectivos santos. Assim, um er~ de Oxurn far~ ce~
gues e requebros c6micos, outro de Ogum bravatear~ de r:r:-:
ridícula, etc.
q i-o ii e e co , que assinala muitas "entidades
EssezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Lir.i.>
nares", e se vê acusado de modo constante nas representaçces
dos seres ct5nicos (como os pigmeus e os gnomos de diversas
miticas, os elfos, os duendes, ou os caoiros etc., v.g.), t~~
to quanto o humor zombeteiro e a inclinação para urdir peças
e logros denuncia nos eres a pertinência a um domínio 'arcai-
co' e 'remoto', a um plano "marginal", e permite ver em su::cs
apariç6es uma verdadeira invasão da Cultura pela Natureza. C~
çamos neste ponto Turner (1974:208):
296

"Na soczyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
edade ocidental persistem traços de •. ri~:sizyxw
í

de reversão de idade e de papel sexual em alguns costumes ::_


mo, nos Estados Unidos, a festa de Halloween. quando os pc:!-
res dos indivíduos estruturalmente inferiores manifestam-se
predominância liminar de crianças pré-adolescentes. As morn •
truosas mãscaras que freqUentemente usam como disfarces re:~...
sentam principalmente poderes ct3nicos ou demoníacos terres:
tres - feiticeiras que destroem a fecundidade; cad~veres ~
esqueletos tirados da terra; povos indígenas, como os índi:!,
troglodi tas. como os anões e gnomos (••.) Esses minúsculos -_ zyx
zyxwvut
.•.:-

deres terrestres, se não forem aplacados com festas e gUlcS~~


mas, pregarão peças fant~sticas e caprichosas i geração de:;
fes de família encarregada de manter a autoridade, travess~:
ras semelhantes às que se acredi t ava outrora serem obra de ;5
piritos terrenos, os duendes. os fantasmas, os gnomos, as ~.:
das e os anões. Em certo sentido, também, essas crianças s~:.i
vem de mediadores entre os mortos e os vivos; não estão m ui::'
longe do útero da mae , que em muitas cult.uras é equiparadc i
tumba, assim como ambos se associam i terra, fonte dos f'rut-..... . ,;.

e o recept~cul0 dos resíduos. As crianças de Hal10ween (a v;, ..


pera de Todos os Santos) exemplificam v~rios motivos limit~.
res (...) O mascaramento confere-lhes poderes de seres sel~l
vens, criminosos, aut6ctoneS e sobrenaturais."
Nos ritos que estudamos, embora não se usem disfa:.
ces , ocorre uma verdadeira mascarada:. aliás, as "care t asv gv-. ..
tescas que não raro deformam as fisionomias das pessoas pos .
suídas pelos erês constituem autênticas e muito significat:.
vas máscaras. Já mostramos. outrossim, que, no referido con _
texto cifram-se várias formas dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
role e status-reversal e $:
afirmam "os poderes dos fracos". Note-se ainda que a gula d=.!
crianças constitui um outro signo de sua, por assim o dizer.
mos, "monstruosidade",
297 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

Cabe aqui ac resc c-txa rmo s ma zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT


d ado que se i;:tpôs C 'J8

afinco a nossa observaç~o. Contemplamos muitas vezes, e em di


versas circunst~ncias, as figuras das iaôs tomaJas por seus
er~s: pudemos v~-las transtornadas por um arrebato desmedido,
selvagem, que lhes fixava no resto uma express~o desumana; e
ainda com os traços alterados por esgares e trejeitos de todo
tipo, que espelhavam sucessiva, ou at6 simultaneamente, m~lt!
pIas emoç6es,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d e modo cômico. Conseguimos inclusive surprcen-
d~-las. no dito transc, em momentos de maior sossego com o ar
absorto e distante dos meninos ensimesmados, aparentanJo uma
~
calma um pouco sombria. Em todas essas oportunidades, porem,
julR~Vamos captar nas m5scaras das crianças divinas qualquer
coisa de muito 'arcaico' ou 'longínquo', de fato •
i.

m e m c 1~1- c: v
-'I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb 4)

Desde que a conscientizamos, a impress~o foi-se fortalecendo.


Um dia, ao refletir sobre isso, lembramo~nos de s~bito de uma
frase de Lavelle, a qual tínhamos liJo muito temp8 atraso Co-
men t a este filósofo que as crianças, num certo s cn t i ô o, 52,0
-
mais antigas do que nós, por que mais tempo ficaram guar~adas
no primitivo rec6ndito do ser. Era o mesmo sentimento que os
eres insinuavam em nosso espirito.

A prop6sito, cabe advertir que h5 algo de ambíguo


na id~ia de orlpemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sempre lhe associamos os conceitos de no
vo e antigo.

~
Os ercs anseiam pela manhonga, nunca escondem 5 e 1.:
perene desejo de correr para o mato. Um desse~ meninos-santos
cheBou a dizer-nos que seu lugar era l~. De sua declaraç~0 se
infere que se considerava at6 certo ponto um estrangeiro nn
"espaço urbano" do eqb o (o 0.110.1, de certa forma, no microcos-
mo do candomblé represent3. o domínio da Cultura). Um estran -
geiro - ou um invasor ...
298

Cifra um ele~ento sem dúvida muito curioso e notá.


vel nas disputas entre os erês e os padi a recoTrência~do 10.
gro, do ludibrio reciproco. Os maiores assim procedemcoms~s
"filhos" divinos para exasperá-Ios, antes de mais nada -zyxwvutsrqp
e es
..
tes, quase sempre, agem da mes~n forma para com aqueles moti.
vados por um desejo de vingança. Muitos tipos de engodo ocor-
rem neste contexto. Destaquemos o procedimento do furto.
Embora não tenham a idéia de propriedade muito
r a , os erês surrupiam apenas "bobagens" - sobretudo moedas e
doces -- dos seus "pais"; isso não lhes é, aliás, tolerado COI
inteira benevolência, mas pelo contrário os expõe a censura' ,
de qualquer modo, sempre ocorre, como que por força de uma
pulsão.
De resto, há pelo menos uma instância em que as
prias iaôs "em pessoa" por preceito ritual elevem roubar.
no fim do ciclo iniciático. quando elas saem em cortejo
tomar a bênção de grandes da seita nas casas destes, os mes •.
mos devem prevenir-se tirando do recinto onde as receberão
objetos de algum valor (estimativo: as muzenzas não
coisas de preço) e deixando algumas bagatelas ao alcance
rationale deste rito é vacinar contraas
homenajeadoras. OzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tações de furto as recém-iniciadas. Está claro que não
de um rationale.
- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
Nas disputas comuns com os eres,
a roubar-lhe o natibiu; de fato, na maioria dos casos não
sam da ameaça. Mas no ritual da Quitanda devem lográ-lose
tá-los a valer. O mencionado ritual constitui uma das
nhas e sérias 'farsas' protagonizadas pelas crianças;
considerá-Io mais detidamente no próximo parágrafo.
ra interrogar-nos brevemente sobre o sentido dessas '
litúrgicas.
299

t ext.o ; mi tológicCls e místicos as re fa-


Em v~Tios conzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
ções entre os divinos e os humanos se descrevem em termos de
um comércio "abusivo". O tema da obtenção dos favores de se-
res sobrenaturais através de logros e enganos é muito difundi
do e recorrente. Da mesma forma. encontra-se quase por toda
parte a idéia de que os deuses etc. trapaceiam com os mortais.
pregam-lhes peças, defraudam-nos etc.
Por exemplo, de acordo com Hesíodo, o primeiro e ar
quetípico sacrifício, oferecido por Prometeu, representou um
logro infligido aos deuses, no momento em que se separavam
dos humanos: Prometeu reservou para estes a melhor, e para
aqueles a pior parte da vítima. Isso determinou um novo ludí-
brio, logo imposto por Zeus 5 humanidade, através da ambígua
pandora.2 Notemos que todos os sacrifícios no mundo religioso
da Grécia antiga seguiam o modelo do de Prometeu: quer dizer,
a 'fraude' perpetuou-se, tornou-se a forma canônica de comun!
cação entre humanos e divinos. Por outro lado, pessimismo he-
si6dico aparte, foi o ludibrio de Zeus que permitiuzyxwvutsrqp
i humani-
dade perpetuar-se a seu modo.
Marca-se assim, talvez, a assimetria entre os pla-
nos opostos. E quase sempre o logro acaba, nesses mitos, por
levar ~ troca, propiciar e reforçar a comunicação.

Voltemos; todavia, "-as 'farsas' dos eres.


O derradeiro período do ciclo iniciitico, ou seja,
o que figura a peripécia do retorno à vida normal, compreende
várias cerimônias, a começar pela do panam. Esta consiste num
mimo executado pelas crianças divinas, reunidas no barracão,
de diversas atividades triviais, de trabalhos costumeiros, afa
zeres do cotidiano a cuja viv~ncia as iaôs se encaminham de
300 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK

volta: as tarefas de costur~r, lavar e passar roup~s, pila~


peneirar, cozinhar alimentos, carregar água, etc. Tais atos
sao encenados de forma canhestra, grotesca, muito cômica, en-
tre gargalhadas dos espectadores, que os meninos-deuses~zyxwvutsrqpo
impe
ritos e precipitados. sempre acabamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
sujando. O riso parece -
ter, neste caso, uma função nitidamente apotropaica.3
Já tivemos oportunidade de referir-nos aqui (cf.
Parte 11. capo ) ao ritual da Quitanda; apelamos, inclusiv,
a um testemunho de Bastide e a um trecho de um estudo nosso
para dar idéia da cerimônia. Acrescentemos agora o relato de
Binon Cossard (opus cit., 188-189):
"Les anciennes posent sur les nattes de .gr ands pla-
teaux garmis de fruits. Les ere sont chargés de les vendre \

sans cependant toucher a l'argent qu'ils vont recevoir,lequel


est déposé par terre devant eux. Un ogan, dit 'Fiscal' est
chargé de veiller à Ia bonne marche des opérations. e'est Ia
pere de saint qui achete le premier, puis les filles de sain~
enfin les spectateuTs. Lorsque les plateaux sont presque vi-
des, les uns et les autres essaient de s'emparer des fruits
sans les payer . Les ere les porsuivent et les battent avex Ies
ator; qu'ils ont entre les mains. La confusion est extrême.
Les ogans se mettent alorsaux tambours et jouent l' adarullt
pour appeler Ies oriSa. Les ere entrent en transe et
Ia ceremonie se prolonge en un candomblé."
Existem certas discrepâncias entre as três descri.•
çoes a que recorremos-, discrepâncias explicáveis, em parte.
pelas diferenças entre os canones litúrgicos seguidos em dis-
tintos Terreiros; por outro lado, a versão de Bastide é de
fato muito confusa, e a que demos pode considerar-se incomple
ta: aludíamos no mencionado ensaIO. a urna InstancIa
. zyxwvutsrqponmlkjihgfe
- .'
em que a
cerimônia se cumpriu de forma simplificada. Convém. portanto t
301

sum~ :.. - , da "01:: ..•..; rt?.ção"t alzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY


sboçarIDos um esquemazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA corno se defi

e p roc ess i, eri sua forma 'acabada' no T'1~urijunçaJ.a. ..


.

Em primeiro lugar, os erês armado3 de seus natibiu


sentam-se em esteiras ou banquinhos ~ frente dos tabuleiros
cheios de frutas que devem verder aos circunstantes. O "comér
cio" se inicia da forma - e na ordem de "compradores" - des ..
crita por Binon Cossard. O dinheiro, como esta especifica, é
deposi tado no chão. Não se dá troco, e aceita-se qualquer quan
tia pelos itens ofertados. Depois que compram algumas frutas,
os padi - que fazem tudo para distrair os "filhos" - passam
ao roubo, primeiro de mercadorias, depois de tabuleiros. Os
eres procuram atingi-Ios com suas varinhas, mas não os podem
perseguir até que o Gltimo tabuleiro seja tomado ~ criança
mais esperta. Justo neste momento faz entrada no barracão um
ogan vestido como um policial, que em aItos brados ameaça pren
der os vendedores, por falta de licença. A confusão já reina~
te aumenta. Os erês passam da c5lera ao pânico, e deste ao fu
ror mais incontrolável, distribuindo golpes por todos os la-
dos, e pondo em fuga os circunstantes. Atingem inclusive a
Mãe de Santo e os maiores da Casa. Alabês a postos desferem o
adarrum, que faz as crianças "virar no santo". Inicia-se en-
tão um candomblé.

Repare-se que, como no ca so do "batizado", a farsa


tem um fim violento. Sublinhe-se ainda a terrível pressão emo
cional a que se submete os erês. Procura-se exasperá-Ios ao
maX1mo com logros e chistes, depois com ameaças cruéis em
qualquer oportunidade, basta falar em polícia para que as cri
anças divinas chorem e cometam desatinos de pavor: um simples
apito, usado por um padi jovial e malicioso em excesso, levo~
certa vez, um erê a subir perigosamente ao telhado do runk6 -.
Ao cabo, quando já se acham tomados de tens~o insuportável, os
302 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB

sagrados meninos devcn so f rer a passagom para o "estado de san


-
.•.zyxwvutsrqponmlk
to" induzida pelo ma s violento estímulo: o alucinante adar-
í

rum. A conseqUência é notável; citemos outra vez o nosso estu


do já mencionado (Trindade-Serra, 1976):
"Passada a celeuma, quando voltamos ao barracão, os
santos dançavam, solenes e tranqUilos; jamais vimos faces tão
serenas e beatas como as qu~exibiam. nesta hora, em Seus ca.'
valos. As iaôs, tornando a si depois da estranha experiência,
mostravam-se de maneira inefável relaxadas, como que libertas
de tensões muito profundas (•••). Explicaram-nos, depois, que
a fúria da criança é capitalizada pelo santo como poder."
Atingem um ponto muito elevado, neste rito, as mú-
tuas agressões de "pais" e "filhos". Mas seu efeito está lon-
ge de considerar-se negativo. Segundo se diz, tanto como, es-
tes, aqueles têm assim aumentada sua força (mística).
Talvez possa relacionar-se com o fato de que os Ihe
ji e os erês, seus representantes, são invocados e suplicados
pelas pessoas desejosas de ter filhos o costume destes últi-
mos de 'flagelar' seus provocadores. Afinal, em ritos de fer-
tilidade o referido é um proceder muito comum.4
Vale a pena destacarmos um outro elemento da farsa.
Dramatiza-se aí um terror muito real dos adeptos do Candomblé,
que até há pouco tempo foram cruel c barbaramente perseguidos
,•
pela polícia. A brutalidade e o arbítrio desta, a intolerin -
eia e a abusiva dominação - agora mais velada, hipócrita·e·in
sidiosa - dos "brancos" se retrata também na comédia divina.
-
303 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

NOTAS AO CAP!TULO I (PARTE IV)

1. Tamb~m Bastide (1958) d~ notícia deste procedimento rituaL

2. Ver Ker~nyi. 1952.

3. Em mitos e ritos por toda parte, eXfrime-se com clareza c


sentido apotropáico do riso em circunstâncias especiais.
Isso tamb~m ocorre no mundo do Candombl~. Pudemos testemu-
nhá-Ia, uma vez, de forma muito convincente, assistindo s
um sirrum no templo do Tumbajunçara. No momento crucial e~
que, alta madrugada, apapadas todas as luzes do abaç~ sai~
o "c arre oc do morto", levado para o mato próximo por ur.

grupo de opans cercado por iaôs possessas de Iansã (a rai-


nha dos defuntos), ficou no Barracão um grupo emocionado ~
transido de pessoas a quem um dos mais velhos passou a fa-
lar de forma hilariante, provocando em breve sonoras risa-
das. A principio julpamos muito extravagante a atitude --
"feito" vener~vel. e julpamos até que, por estar embriaEs-
do. ele provocara uma quebra dos cânones da liturgia. Mais
tarde, no entanto, uma ekede amiga, pessoa muito sábia
versada nas "coisas da sei ta", nos explicou que "aquilo er:
parte da obrigação".

4. Muitos são os exemplos. pelo mundo afora. do emprego da f:.::


gelação, sobretudo com vergas, em ritos destinados azyxwvutsrqp
t r --
nar fecundos os pacientes. Basta que lembremos, a propós:-
to, as celebraç5es de Juno Caprotina entre os antigos rc=~
nos. De acorde com Elbein dos Santos (1976:82) os atorizyxwvutsrq
5::-
bolizam a prole divina.
CAPITULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
11

AS LUZES DA LOUCURA
305 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

"Par I' adv i s , con sei I e t zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML


p r aed i c t on des f oLz , vcus
í

sçavez quants princes, rois et republicques ont est~ conser -


vez, quantes batailles guaingnêes, quantes perplexitez dísso-
lues.
"Ja besoíng n'est vaus ramentevoír les exemples.zyxwvutsrqpon
V aus acquiescerez en ceste raison: car, comme celluy qui de
pres regarde 3 ses affaires privez et domesticques, qui est
vigilant et attentiff au gouvernement de sa maison, duquel
l'esprit n'est poinct esguar~, qui ne pert occasion quelcon -
que de acquerir et amasser biens et richesses, qui cautement
sçayt obvier es inconveniens de paoUreté, vous appelez saige
mondain, quoy que fat soit il en l'estimation des Intelligen-
ces coelestes; ainsi faut il, par davant ícelles saige estre,
je dis sage et praesage par aspiration divine et apte a receE
voir benefice de divination, se oublier soymesmes, vuider ses
sens de toute terrienne affection, purger son esprit de toute
humaine sollicitude et mettre tout en non chaloír. Ce que vul
gairement est imput~ ã folie."

Talvez pareça estranho que a propósito de ritos do


Candomblé baiano evoquemos esta passagem dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
Tiers Livre des
Faiets et Dieta du Bon Pantagruel (cap. XXXVII); mas o famoso
conselho, por nos em parte transcrito, do am~vel prrncipe ao,
caro Panurgo encerra indicações em :verdade preciosas e fiteis
para nossos 6bjetivos; ali~s, de ~ertamaneira 1remos deseri -
volver a tese ar exposta. Examinemos, antes de mais nadá, o
'axioma' assim argumentado pelo gigante. Cifra ele, 'bem se ve,
uma clara e vigorosa afirmaç~o dos poderes dos fracos, num
contexto muito especial.'

Ilustrando seu ponto de vista, Pantagruel conta a


estória de um arbrtrioperfeito, 'salom~nico', realizado por
um ilustre bobo de Paris. O exemplo ~ not5vel. M. Gluckman
306zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

(1965) chama a at énçê o p ara o fato de que, na Idade Média eu-


ropéia. aos bobos da corte se atribuía o direito de zombar
os reis, dos grandes senhores e nobres palacianos; este privi
l€gio, conforme assinala, convertia os bufões em verdadeiros
árbitros dos bons costumes. De um status similar e de um idên
tico papel mostra ainda que se achavam investidos os tambori-
leiros da barcaça real entre os barozyxwvutsrqponmlkjihgfe
t se , Tu rner (1974:134-135)
assim o comenta: .••••Estas figuras, representando os pobres
e os deformados. simbolizam os valores morais da 'communitas' I

contrapondo-se ao poder coercitivo dos dirigentes pOlíticos


supremos." Sublinhemos outro ponto: indivíduos caracterizados
comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tatos e palhaços assim mesmo se tornavam em porta-vozes
autorizados da verdade.
Em particular. este terna que Rabelais desenvolv~de
um modo mais específico. no trecho citado. o da superior 'sa-
bedoria dos loucos' e sua natureza mais suscetível ã inspira-
ção divina,desfruta de muito prestígio em diversas tradições.
Na Literatura Ocidental, v.g., são inúmeras as glosas ao mes-
mo: basta que lembremos os iluminados e patéticos olowns de
Shakespeare. ou o Quixote. No folclore de todas as partes, a
referida idéia se acha acentuada com grande freqüência. E de
um modo muito exuberante viceja no domínio religioso. inclusl
ve no mundo cristão. "O Espírito sopra onde quer": logo, tam-
bém - e, segundo alguns místicos,
. , de preferência - sobre as
crianças e os dementes, os ingênuos e tontos que se cobrem de
ridículo. Recordemos a propésito S. Francisco, o infantil po-
verelLo, jogral de Deus.

Numa festa cat6lico-popular ainda hoje celebrada ec


diversas partes do Brasil (teria sido introduzida aqui pelos
açorianos) ocorre urna profunda exaltação da folia, consentâ-
nea ao afirmar-se dos pcderes dos fracos por meio de um notá-
307 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

vel simbolismo: em v::rios lur~res onde continua ..


a promover-se
".

- no Rec6ncavo baiano, por exemplo.-. no seu decurso ~ coroa-


da e entronizada uma criança. O pequeno Impt.l.adordeve, em s~
guida, soltar alguns presos: começa seu reinado favorecendozyxwvut
marginais. Por outro lado, um canto com que os devotos louvam
o Divino durante o referido festejo exalta o Espírito Santo
como "um grande folião". Lembremos que a Terceira Pessoa da
Santíssima Trindade se concebe como fonte da sabedoria supre-
ma, e inspiradora das revelações.

Para os antigos romanos, a primeira palavra ouvida


à porta de um templo tinha o valor de
da boca de uma criançazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um oráculo. No mundo clássico concedia-se tamb~m, aliás, mui-
to apreço ~ loucura prof~tica, e nao raro se atribuíri um cará
ter inspirado a ditos casuais de maníacos. Pantagruel, no se-
guimento de sua fala, alude a exemplos notáveis. Estas id~ias
florescem por todo canto.

"Doido é que nem menino", diz-se de forma muito co-


mum na Bahia. O mesmo conceito se exprime ainda pela frase:
"Hen i.no e maluco é a mesma coisa". E a ambas as categorias de
pessoas se atribui aí, de idêntico modo, o predicado da ino-zyxwvu
Com isto se pode ainda correlacionar
cência. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o provérbio se-
gundo o qual "Deus fala pela boca dos inocentes". Este dito é
ilustrado por inúmeras estórias populares em que conselhos,
avisos e preceito~.valiosos são proferidos por lábios de pe -
queninos ou de tontos.·

A afirmativa com que vamos finalizar este parágrafo


nao nos parece carecer de grandes explanações, em vista do
que já foi dito antes em nosso estudo: são, a um só tempo,
crianças~ clowns e loucos os divinos erês do Candombl~.
308

Nas suas 0jSput~s cJm os er3s. os padi procuram


muitas formas exasperá-Ios. Este efeito se obtém
quando as crianças não conseguem o revide, e se frustram
sua cólera. Has há ritos, como o do "Batizado" e o da "Qui
da". que descrevemos. nos quais as provocações
finamento e uma intensidade extraordinárias.
Mesmo em circunstâncias comuns, uma criança
da e frustrada pode chegar a um ponto muito perigoso de
m~.
ú l timozyxwvutsrqp
tação. Nestes casos, só há um recurso, um único ezyxwvutsrqponmlk
de controle, que consiste em "virá-Ia no santo". O mêtodo
usual e prático de efetuar esta operação figura um
to bem simples: basta que se mostre ao erê um pano branco t

zendo o gesto de erguê-Io sobre sua cabeça. No caso o pano


ma, evidentemente, o lugar do alá. o pálio sagrado.
da morte iniciática. Por isso as ekedes e ebamis. em
tes ocasiões. agitam suas alvas anáguas em face dos
-santos.
o erê furioso inspira temor. Perde logo a voz,e
rosto se paralisa num rictus selvagem. Pode mesmo cometer
des desatinos. pois sua força como que se multiplica inCti
mente. e sua insensibilidade chega a ser total. "Fica
à
desconhece a todos. Lembrando-nos das crianças que vimoszyxwvutsrqp
ra deste paroxismo, ou quase no auge da fúria, de modo
duvidamos de que sejam capazes de proezas terríveis. Mas
a passagem para o estado de santo sobrevém uma serenidade
feita.
Isto nao quer dizer, todavia, que os santos
sempre tranqüilos, mantenham em todas as circunstâncias
Iene comedimento usual. No ato da ximba. ou em ocasiões
a do adarrum que descrevemos, mostram-se de
309 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

Mas volteJ11':s
aos e::-3s.Também o medo pode enfuriâ-
-Ias. seu pâtiico às vezes os torna terrív2~s. Emprega-se ai~-
i n.oni a do "bat í.z ado",
da este recurso para os exasperar. Na cerzyxwvutsrqponmlkjihg
segundo nossa interpretação, é inclusive o terror que os in -
candeia e alucina, desperta neles uma violência tremenda. ~-
liás, muitos psicólogos têm falado sobre a ambigUidade deste
sentimento. (Quanto a isso. cabe acrescentarmos um dado impo!
tante: as crianças divinas demonstram, inclusive, uma autênt:
ca ternura e um verdadeiro apego amoroso para com os pedi, ou
pelo menos para com os iniciadores. em diversas instânciaszyxwvutsrqponml
mas esta claro que, no fundo, e de certa forma, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
també~zyxwvutsrqponmlkjihg
:8
deiam. Isto é mais do que nunca notável no caso da Mãe de ~a~
to). Viver assim dita emoçao no contexto dramático dos ritos
equivale, a nosso juIzo. a submeter-se a um processo de ca~a~
se: purgam-se nas referidas circunstâncias medos muito reais.
A frustração e o pânico se combinam com a ira p~Ta
perturbar os sagrados meninos no rito da "Quitanda". O i;:;pa:::-
to brutal do adarrum sobrevém, como num tratamento de choq~~-
cujo efeito nos pareceu extraordinário.
A fúria. a tensão acumulada, segundo se acredita,
transforma-se em poder. Os atos a que nos referimos se cu~-
prem com o objetivo de aumentar a força da criança e do santc,
de "dar-lhes grau".
Assim, de acordo com o ponto de vista dos mestres
do Candomblé, nesses transportes selvagens opera-se como que
um salto - "un ciego y oscuro salto", para o expressarmos nos
termos poéticos de S. Juan de Ia Cruz - e se atinge ou apro -
funda uma 'capacidade' superior.
Vê-se como uma manifestação da dita capacidade o lu
minoso descortínio atribuído aos santos e erês.
310

Assevera-se, eoo 2feito. no Candonblé, que as crlarr


ças divinas pOSSUG~. ~ntre outros, os dons da cIarivid~neia e
da profecia. Aliás, a antropóloga G.Binon Cossard (opus cit.,
p. 165) dá um interessante te~temunho em que confirma este as
serto do Povo de Santo; numa passagem em que trata dos eris,
declara a referida autora:

.. -
"Enfin. il faut noter, dans eertains caso des phênozyxwvuts
menes relevant de Ia parapsych01ogie: projection dans 1'espa-zyxwv
J

ee, projection dans le temps passé et futur, d'O~ prophétie,


prédiction, divination."
N~o nos colocamos, em nossa pesquisa, questões da
ordem parapsicolôgica. nem nos preocupamos em documentar fenã
menos desse tipo. Todavia, e esquivando-nos sempre ao ingres-
so no dito domínio. trataremos aqui de alguns aspetos do que
se considera como o poder dos santos e erês. Vamos, i.e., in-
terrogar-nos sobre a forma como o mesmo se representa. e so-
bre as idéias, os pressupostos básicos subjacentes aos meca -
nismos rituais mobilizados com vistas a sua produção e lnten
sificaç~o.
o erê e o santo, segundo se afirma, possuem uma
grande força, extraordinária, que decorre de sua natureza di-
vina, e a significa. Tal 'força',.que se expressa, inclusive,
como um descortínio superior. pode ser lncrementada. Mas o que
se faz para torná-Ia 'disponível'e aumentá-Ia? As respostas
são aparentemente simples em termos do Candomblé. mas devem
ponderar-se bem.
De acordo com este sistema. um deus pode incorpora!
-se num indivíduo humano. possuí-Io. A pessoa 'arrebatada' a-
presenta no transe modificações importantes, tanto físicas
quanto psicológicas. e entre estas o que se chama "dissocia -
ção". Tais mudanças, na perspectiva em exame. constituem, a-
311zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

liãs, oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sintomcs do arrebato~ interpre~an-se como provocadas
nO paciente pelo agente divino, e por sua energia supcrioL No
caso do não-iniciado que entra em transe~ porém, dita energia
se manifesta em estado bruto, e é de certo modo, ou em certa
medida, ineficaz, por que não tem ainda como dirigir-se, não
se acha eon-formada a um padrão operacional que lhe d~ senti-
do (significado e direção). Fala-se mesmo, neste caso, em "san
tO bruto" - quer dizer, 'amorfo'. O santo, de fato, 'nascera'
ou se con-formará, através da feiturâ. Sua energia será, no
dito processo, canalizada, controlada, tornada capaz de mobi-
lizar-se significativamente: entre outras coisas, "abre-se azyxwvutsrqp
f. Ia"
D. do orixá encarnado durante o initium. Daí por diante, ozyxwvutsrqponmlkjihg
arrebato não só produzirá meros sintomas, mas expressões signi
fioativas do poder divino. Este, por suposto, transcende a ca
pacidade humana, inclusive quando assim (por meio de um mor-
tal) se manifesta, pois tem um alcance muito maior. Pode-se
ainda. todavia, incrementá-Io. Como se procede para obter tal
resultado?
O santo é fortalecido, antes de mais nada, por sa-
criffcios que lhe revigoram o axé. Mas existe, além do referi
do, um outro meio de acrescentar-lhe o poder: "dando grau". A
expressão "dar grau" de um modo m~is específico se emprega c~
mo alusiva a uma parte do ciclo iniciático, a inquita (grau e
inquita constituem verdadeiros sin~nimos, em alguns contex
tos). Todavia, o fato ~ que a mesma se usa ainda em diversas
circunst~ncias. a prop6sito de ritos distintos embora, num
ponto importantíssimo, profunda~ente similares ao que consti-
tui o mencionado epis6dio da feitura. Assim, tanto no caso da
cerimônia do adarrum realizado de surpresa (cerimônia descri-
ta aqui no capítulo anterior) quanto no da "Quitanda", disse-
ram-nos depois que os santos haviam "tomado grau". Com isto
312

queria-se significar 8xataffie~teque o efeito desses ritos fo-


ra um acréscimo do poder dos divinos.
Por outras palavras, dá-se grau "de verdade", ou em
caráter mais decisivo. na inquita; mas de forma 'secundáriazyxwv I

em diversas ocasi6es, inclusive.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


o modo como isto se realiza em todas as mencionadas
inst~ncias, i.e .• o processo utilizado para a 'maximização'
dos poderes dos santos (se pusermos de parte o recurso aos 58
crifícios) varia em alguns pontos, mas em um aspeto báSico -
coincide.
Vejamos qual seja dito aspeto: sempre que o grau e.
visado, procura-se levar os eres ou os santos a wn transporte
fúria ou (por assim dizer-se) de ma~zyxwvut
selvagem, a um estado dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
n i a , induz indo o transe de forma algo rude', com apelo a um
!

método vio zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ


l en t o ,

Segundo nos parece. cabe relacionar tal técnica com


a proceder mais costumeiro de axasperaç~o dos er~s pelos padi.
Das ditas formas, como que se compele o paciente a
"un eiego y oscuro salto" de que resulta, inclusive, segundo
se cre. o ganho da clarivid~ncia.

" parece que qualquer coisa que percebemos ~ or-


ganizada em padr6es pelos quais nós, os observadores, somos
em grande parte responsáveis. Perceber não ~ que st âode se pe!
mitir passivamente a um órgão - digamos a visão ou a audição_
que receba uma impressão já pronta de fora como uma paleta re
cebe um pingo de tinta. Reconhecer e lembrar não são questões
de suscitar velhas imagens de impressões dI"' passado. I:! geral..
mente aceito que todas as nossas impressões são esquematica -
313

mente determinadas desde o início. Como observadores, selecio


namos, de todos os estímulos que caem em nossos sentidos, so-
mente aqueles que nos interessam, e nossos interesses são go-
vernados por uma tend~ncin a padronizar, chamada algumas ve-
zes dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
schema (ver Bartlet, 1932). Num caos de impress6es mo-
vediças, cada um de nós constrói um mundo estável, no qual os
objetos têm formas reconhecíveis, são localizados a fundo, e
t~m permanência. Percebendo. estamos construindo, tomando cer
tas pistas e deixando outras. As pistas mais aceitáveis sao
aquelas que se ajustam mais facilmente ao padrão que está sen
do construído. Algumas, ambíguas, tendem a ser tratadas como
se se harmonizassem com o resto do padrão. As discordantes ten
dem a ser rejeitadas. Se elas são aceitas, a estrutura de
pressupostos tem que ser modificada. Enquanto a aprendizagem
contínua, os objetos recebem nomes. Seus nomes, então, afetam
o modo como são percebidos na próxima vez: uma vez rotulados,
são mais rapidamente enfiados nos seus devidos lugares, no fu
turo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
'tA medida que o tempo passa e as experiancias se em
pilham. fazemos um investimento cada vez maior em nosso siste
ma de rótulos. Assim uma tendência conservadora é incorporad~
Isto nos dá confiança. A qualquer hora, pode ser que tenhamos
de modificar nossa estrutura de pressupostos para acomodar
uma experiência nova, mas quanto maior for a coer~ncia da ex-
periência com o passado, mais confiança podemos ter em nossos
pressupostos.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C •.. ) Grosso modo, tudo de que tomamos conheci-
mento é pré-selecionado e organizado no próprio ato da perceE
ção. Dividimos com outros animais uma espécie de mecanismo f~
trador que primeiramente deixa entrar sensações que sabemos
como usar." (Douglas, opus ,cit., pp. 51-52).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
314zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR

t com vistas a explicar o comportamento de poluição


que a autora citada faz estes considerandos. Com diverso pro-
p6sito apelamos aqui aos mesmos. Poderíamos estend~-los. ain-
da, evocando, v.g .• as rcflex6es bergsonianas a respeito da
atividade do intelecto. Mas o que diz Douglas na passagem re-zyxw
ferida basta, sem d~vida, para nossos fins.
De passagem, notemos ainda que a partir daí se en~
tende muito bem, inclusive, o motivo pelo qual o louco e a
loucura se v~em em muitos contextos comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
poluidores e. mesmo
quando nio ~ questão de viol~ncia, perigosos: eles afrontam e
agridem as bases do nosso profundo e inconsciente WeLtbiLd,
confundem e desordenam categorias, atacam o edifício do mais

.
arraigado consenso, reafirmam o caos onde com trabalho e pena
impuseMos a ordem. O medo aos loucos é o medo de enlouquecer.
Sem dúvida a. idéia, afirmativa dos "poderes dos fra
cos" , de que os desvairados, os tontos, os bobos ate. podam,
nos seus delirios. por a manifesto uma sabedoria superior se
correlaciona com o postulado durkheimiano das relaç6es sim~ -
tricas entre a ordem normal-profana e a anormal-sagrada: os
místicos do cristianismo sempre nos advertiram de que perante
a divindade o razoar humano ~ tolice, e a loucura de Deus ~
para n6s a mais elevada raz~o. Mas tal id~ia tem ainda um fun
damento objetivo, cifra a constat~ção de um fato concret~
quem nao absorveu de todo o esquema, ou não se acha fascinado
por ele, fixado ao mesmo por um h~bito digno, justo, racional
e salutar, mas em todo caso obsessivo, quem n~o se encontra
mergulhado por inteiro nos interesses determinantes do proces
50 seletivo e padronizador da construç~o social da realidade,

quem em certa medida chega a "distrair-se" dos modelos impos-


tos, das evid~ncias consensuais, acha-se. ;5 vezes, em melho-
res condições de advertir o ambfguo e contradit6rio ne esque-
315

ma, de notar o que para este n~o ~ pertinente, 0 rosto de par


i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te, o ignorado e inesperado; acusará asszyxwvutsrqponmlkjihgf
r» coisas para os ou-
trOS pouco ou nada notórias; por instâncias, irá até à denún-
cia da convencional idade de mui tas categorizações, e tratará
como sombra as imagens de nossa caverna - "ce qui est vulgai-
rement imputé à f oIie" •
Acrescentemos alguns dados.
A express~o. originalmente corruptela de "avaricu-
-sc'". empregada pelo povo para fazer referência aos que en l '-:~
quecem, sofreu, inclusive, uma mudança de natureza semâr.tica,
determinada por analogia, quando se assimilou, dos pontos ~e
vista fonético e morfológico. a outra forma verbal: assin,
quando se diz que "Fulano variou" (endoideceu)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
co n o t a + e e c ":zyxwvuts

to mais acima refe~ido: Fulano perdeu os controles 'esquenâtl


cos' e caiu num abismo de contínuas alterações, onde nada ~
fixo, estável. regular. Caiu ou recaiu - pois também se fala,
a propósito da mesma coisa, que a pessoa "se manifestou", C2C
uma bela ironia assim se estabelece um curioso postulado: par
timos nós todos de uma 'loucura' originária. Isto, por outra
parte, equivale a mais uma vez equacionar infância e doidice.
Neste ponto, talvez valha a pena assinalarmos um da
do muito notável respeitante aos erês. Assim o enuncia Binon
Cossard (opuszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c it., pp. 164-165):
"L'ere connait toutes Ies préoccupations de Ia novi
ce en état normal, mais il les envisage avec un parfait déta-
chement, comme s'i1 s'agis5ait d'une per50nne étrangere. 11
parle d'elle en disant 'mafiIle'. 11 fait, de plus, abstrac-
tion des notions de jugement, de morale, d'éducation,qui con~
tituent Ia personnalité même de Ia novice en ~tat normal. Cet
te sorte de d~doublement provoque parfois des révelations inat
tendues sur 5a vie intime."
316

Frisemos isso - a criança conhece as preocupaç5esda


ia6, mas as con~idera com verdadeiro desinteresse: sua atitu-
t t re tout en non cha lo r v ,
é "mezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
de básicazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
í

Em todo caso, e tornando ao que dizíamos, o fato e ..


.
quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
as 'vezes se procura" de forma deliberada, "romper com o
esquema". Os meios utilizados para isso s~o infimeros, e seria
fastidioso enumeri-los; isto nos levaria inclusive a uma lis-
tagem de "técnicas xamânicas". Tais procedimentos,recursos em
pregados por muitos para "vuider se! sens", parecem orientar-
-se no sentido de reduzir a capacidade de seleção e filtragem
da "válvula redutora", como diz Huxley (1974), ou de diminuir
a eficácia dos mecanismos diversos responsáveis pela defini-
ção 'estanque'. em nós, de imagens sensíveis etc e também de
modelos de realidade.2 Produzem este efeito os alucinógenos,
os vári.os tipos de exercícios que determinam uma elevada con..
centração de C02 nos pulmões e no sangue. e muitos outros mé-
todos: destaquemos os procederes de natureza menos mecânica ,
que visam destruir hibitos mentais, bloquear os trilhos do ra
ciocínio sistemático etc. Assim, por notável exemplo, os mes:
t re Zen
3 se dedicam a 'desmontar' a lógica 'cotidiana'. a sub
verter o razoável equilíbrio de seus neófitos. com uma estra:
t~gia de aut~ntica 'viol~ncia racional'.
A perda dos controles 'esquemiticos' porzyxwvutsrqponmlkjihgf
8uperBzci_
tação e e xa ep e ração deve também considerar- se. Transcender Por
essa via o horizonte cognitivo comum talvez não seja impensâ •.
velo Pelo menos uma coisa é certa: os adeptos do Candomblê
acredi t am que o enfurecimento dos santos e crês leva a aumen-'
tar-lhe o poder. e lhes assegura, inclusive, a clarividincia.
317

p alavra "fo Iia" (1.:; signazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON


110 j e certos
AzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tipos de fes-
fan.tástico, das ma sca i ::1é'.S, rC)T exemplo, d~
tividades em que ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sempenha um importante papel, e se adota U ,'.' corrdu t a a muitos
títulos excessiva. Seu significado básico original é o de lou
cura. Na fala comum ainda se reconhece, em todo caso; que "fo
liar" - no frenesi carnavalesco, v.g. equivale a "perder as
estribeiras", agir de forma "louca".

Nas folias do Divino, a que fizemos referência nes-


te capitulo, em muitos lugares se realiza uma verdadeira mas-
carada (ass i m ocorre em Pirenópolis, no Estado de Go i âs , v.g.).
Como no Halloween, quase sempre os disfarces entio utilizados
- e que tomam o nome de fantasias - evocam figuras de mons-
tros' de entes selvagens e 'liminares', de poderes ct6nicos
etc. A excessividade, por outro lado, aí se traduz pela fartu
ra e até pelo desperdício característicos dos banquetes e das
tumultuadas distribuições de alimentos, tanto quanto nos fol-
guedos e nas danças contínuas de costume nas referidas cir
cunstância!::.

Definem a própria essência do festivo, em seu senti


do mais arcaico e profundo, que é sempre religioso, o excesso
e a fan tasia, de acordo com Cox (1974). (Neste ponto, vale a
pena volver também a Leach, 1974). A última componente assin~
lada a modo que cifra um provis6rio descontrole do racional e,
em conseqU~ncia, uma franquia da imaginaçio 'incerta': nessas
oportunidades, entroniza-se "la folle du logis", e seu súbito
império tem um sentido de certa maneira revolucionário, acusa
do com dúbia ironia, com acentos histriônicos.

Os erês do Candomblé têm, repetimos, muitos de


clcun.s e de loucos - mas se consideram, inclusive, iluminado&
Numa perspectiva religiosa, não é de modo nenhum incompatível
o delírio com um descortínio superior: pelo contrário, uma
318zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

coisa que simboliza


como a cu t r a. Lembr emos ainda. a propósi-
to, o que diz no F2dro o inspirado fi16sofo Platio sobre os
quatro tipos de manias a cujos golpes se alcança o mais pro -
fundo conhecimento.4 A profética é uma das "demências" que
enumera.
319

NOTAS AO CAP:1JLO 11 ("ARTE IV'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY


, .J

1. Binon CossBrd (1970:184) trata, de passag3m, do rito de "a


brir a fala", taMbém chamado ele "batismo das iaôs" em
cuja boca os iniciadores então colocam um pouco de sal. Co
mo diz a etnôf1rafa. "C'est cette cérémonie qui rermet plus
ã zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tardzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
l'oriSa de parler, non pas de par1er co~~e n'impor-
te quel ~tre hurnain, mais ~e nré~ire, de prophétiser, d'é-
tablir Ia liaison entre l'homme et l'invisible, entre le
temporel et le surnaturel."

2. Hux1ey refere-se -
desta forma a teoria bergsoniana segundo
a qual a função do cércbro e do sistema nervoso é, princi-
palmente, eliminativa e não produtiva. Cf. Huxley, 1974:
10 sq.
3. i , 1971.
Cf. Suz ukzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
yo A <'- 3::>.
4. Plato, Phacdrus, Z
CAPITULOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
111

O BARCO ~BRIO
321

Chama-se de barco no Candomblé ao punhado de novi-


ços encerrados na clausura e "feitos" simultaneamente. logo a
todo grupo de pessoas iniciadas juntas. De acordo com Costa
Lima (1977:68), "O termo parece de origemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
fô , mas não não deve
ser traduzido - ou entendido - corno sinônimo de embarcação ou
navio, pela sua homofonia com o termo da linguagem de santo,
embora assim pensem alguns autores" (é o caso de Herskovits,
1943:244, p.e.). Binon Cossard acata mais ou menos esta adver
tência (opus cit., p. 165, nota 1):
"D'apres Vivaldo da Costa Lima, l'origine du mot
'barco' que l'on supposait signifier barque, en souvenir des
navires sur lesquels les esclaves étaient venus d'Afrique, sem
ble ã l'heure actue1le mise en doute. 11 pense que le terme
kombarka. A Bahia, dans 1e langage pop~
pourrait venir du rnotzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
laire, lorsqu'un homme a deux ou plusieurs femmes, on dit qu'
elles sont kombarka, c'est-ã-dire épouses (lég1times ou non)
du même homme. Or, suivant Ia tradition africaine, les ini
tiêes sont les épouses de l'oriSa."
De nossa parte, nunca registramos a forma kombarka
no falar de nosos pesquisados, embora encontrássemos em uso
entre eles comborça, um possivel cognato: de acordo com o #0-
vo Dicionário AuréZio (cf. Hollanda Ferreira, 1975, p. 349,
s.v.), comborça significa, com efeito, "Aquela que é amante
de um homem, em relação com a mulher ou ã outra 'amante desse
homem". Assim, justamente, se utiliza o termo em causa na Ba-
hia; no entanto, jamais o vimos relacionado pelo "Povo da Sei
ta" com a palavra barco em sua acepção religiosa. A' hipótese
de Costa Lima é sem dfivida interessante; todavia, para nossos
propósitos mais importa, claro está, o que pensam a respeito
da expressão discutida, a maneira como a entendem os membros
da comunidade de culto estudada. E o fato é que eles nao têm
322

id6ia da etimologia propost~ pelo n~tTop6Iogo; bem ao contri-


rio, em sua fala muitas vezes relacionam de modo
metaf6rico
"barco de iaôs" com "embarcação" - ainda que sem evocar os na
vias negreiros, aos quais nunca os ouvimos fazer refer~ncia
em tal contexto. Em todo caso. é comum, por:~xemplo. o anun -
cio "Tem um barco em nossas f ra se cujo sentido equiv~
iguas",zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
Ia ao de "estamos com noviços no runkó".

Talvez valha a pena ainda. neste ponto, referir um


curioso malentendido de que fomos vítima. Certa feita,um ogan
nos anunciou que uma pessoa nossa conhecida "tinha embarcado",
...
e com isso nos causou uma grande tristeza: e que no dialeto
baiano de modo muito costumeiro se emprega a palavra "embar -
car" com o sentido de "morrer". Notando nossa cons t ernzyxwvutsrqponml
aç âo , o
interlocutor apressou-se em explicar-nos, entre risadas, que
Fulana simplesmente se iniciara: "embarcou nas águas do santo,
como precisava",

Os membros de um Terreiro consideram-se misticamen-


te unidos uns aos outros como "irmãos de axé"; a este víncule
básico sobrepõem-se, modificando-lhe o sentido, outros elos
de parentesco ritual que definem e especificam tipos diversos
de relações no quadro das "famíiias de santo". Vários fatores
ordenaJ:1.o entretecer-se dos ditos laços. Não podemos aqui a-
venturar-nos a uma análise, mesmo sumária, da rede que confi-
guram. Lembremos, todavia, que "para se determinar em sua tr~-
ma as dist~ncias hier5rquicas, e o grau maior ou menor de co-
municação entre os sujeitos implicados, ponderam-se, além d;-
'filiação' e 'geração' iniciática, o intervalo, expresso e~
.
termos de "idade d e santo " , entre suce ss í.vas i1 · t ur as II rea I"12:
f"e1
das no Terreiro, e ainda a ordem de preced~ncia com respeit:
ao in?resso no claustro - ordem de id~ntica maneira cifrada
323

no idioma dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
seniority - vig~nte entre os membros de cada gr~
po de pessoas levadas ao runk6 numa mesma ocasião.
O quadro às vezes se revela muito complexo. Assim,
os feitos de um Ilê Axé podem ter tido distintos iniciadores;
inclusive dá-se o caso de que urnapessoa "raspada" depois de
outra o tenha sido pelo Pai ou Mãe de Santo de quem "fez" à -
quela; por outro lado, ainda os filhos do mesmo Tata ou Mame-
tu sempre mais ou menos se distanciam conforme os "barcos" a
que pertencerem.
Verifica-se uma profunda solidariedade entre os "ir
mãos de barco", que chegam a identificar-se e tratar-se como
um bloco homogêneo em muitos aspetos, apesar de constituirem
um grupo hierarquizado. "Nós estamos ligadas como se fosse
por um umbigo", disse-nos uma iaô: "O axé da Mametu passa pa-
ra a Dofona, depois da Dofona para mim, que sou a Dofon;-t;-
nha, e de mim para as outras. O que uma sente, todas sentem."
Conforme ainda nos explicou, um castigo. ou um dano, infligi-
do a qualquer das companheiras poderia atingi-Ia; mas de igual
modo esta comungava o aumento de gunzo e outros êxitos místi-
cos logrados pelas irmãs.
Os nomes por que se designam os componentes de um
tal grupo, e que definem sua hierarquização, vêm a ser os se-
L Dofona (o); 2. DofzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
on t t t nhe (o); 3~ Fomo; 4. Fom.9.,
guintes:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e

tinha (o); 5. Gamo; 6. Gamo-tinha (o); 7. Domo; 8. Domo-tinha


(o); 9. Vimo; 10. Vimo-tinha (o). De acordo com Costa Lima, é
gege a origem destes termos; o referido autor justifica sua
suposição com a segúinte cita de Akindelle & Aguessy (1953):
" ... Les houns; reçoivent chacun, par ordre de méri:,
te ou de c1assement. un nom réligieux qu i1s conservent tout~
l

leur vie. Le numéro un des vodouns; s'appe11e Hou~dj~noukon.


,.#

Le numéro deux est nommé Domé tí en le numéro troisest


9 nomme
324 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

Nogamou, le numéro quatre ~cgamoutiên, le numêro cinq Vomou,


le numéro six Yomoutien, le numéro sept Gamou. 1e 11uméro huit
Gamoutien, le numéro neuf Notien etc ••.• "zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
o barco pode compor-se não apenas de iaôs mas inclu
sive de ogans e/ou ekedes, quando ocorre uma confirmação. Po-
de, ainda~ constar de ~penas uma pessoa.
Na fase capital da feitura, quando se forma o dito
grupo, seus membros "raspados" passam a maior parte do tempo
em "estado de erê".

Neste ponto, torna-se necessário que consideremos,


esquematicamente. o chamado "ciclo iniciático". Não vamos a-
qui proceder a uma análise dos ritos de passagem que compreeg,
de, com um exame de seu simbolismo, de suas metas, de seu al-
cance etc. Aliás. caso pretendê~semos realizar uma abordagem
exaustiva do referido tópico, isso nos levaria, no mínimo, a
escrever uma outra e bem longa dissertação. Ora 110S cingire -
mos, portanto, a um bosquejo. uma breve sinopse das liturgias
dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
initium no Candomblé, com vistas ao esclarecimento do obj~
to específico de nossa pesquisa, o 'problema dos erês'.
Para maior clareza, todavia, no dito esboço.além de
um roteiro sucinto da feitura propriamente dita, incluiremos
uma r~pida refer~ncia a certas cerim6nias que em termos cron:
lógicos extrapolam o 1ciclo' em causa; de fato, seja como fc~
elas podem e devem reportar-se ao mesmo. pois se destinam ~
uma finalidade conexa, stricto sensu mística. As mencionadas
cerimônias via de regra se correlacionam de forma direta cc::
outros "rites de passage" que assinalam mudanças de status T':'
ligioso dos iniciados nas comunidades de culto dos Terreires
ou seja, com as chamadas "obrigações" de um, de três
, e de $:;-
325zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT

1
te anos - pois quase s eripr e têm lugar no seu decurso . .i\ludi-
mos aos "trabalhos" de "assentamento do ExuH e de "assentamen
te do njunt6".

o que chamamos de 'fcitura prnpriamente dita' c~ns-


2
titui um processo muito cornplexo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
Para efeito de anilise, P2
demos consider~-lo dividido em tr~s prandes 'peri6dos', rotu-
l~veis, de acordo com a terrnino1opia de Van Gennep e Durkheim
(cf. idem, obras citadas), como "período de segrefação", "pe-
ríodo de margem" e. "r-e rLodo de agregação" (ou dessacralização)..
Todos eles incluem diversas 'fases' ou 'etapas'. rnarcaelas por
'passos' lit~rgicos bem nítidos; o sepundo, em particulaT,ai~
da se desdobra, ~s vezes, em dois 'epis6dios' muito destaca -
dos - de tal Modo que um n5c conduz no outro de forma necess~
- ~ 3
ria: o ultimo nGm sempre e encenado.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

A natureza gradual da jornada inici5tica mereCG des


de logo sublinhar-se. Nada ai ocorre ex abrupto; os passos (~ "zyxwvut
_ :.\.,1

cisivos do começo, principalmente, se cumprem com cautel~, e


at~ de ferma algo dissimulada. O candidato nunca 6 Ln i.c ado í

tão logo se apresente, por mais que reuna condiç5es e se mos-


tre d i spo stc ; c:8ve sempre pa ssar algum tempo, maior ou menor,
"de ab i á" no Te rre r-o , onde
í vive nesse ínteriTI',"encostado", s:;:
cun do se diz:
! .••
cumnr e
.I-
t r ab a Lho s suba I ternos

DE r euous a , deixa-
.'~

-se estar "po r ali" ap ar en t ersen t e ir,noradc, •.


ernbo r a de fato s~
ja objeto de grande ntenç5o. A data da passagcn jamais G fixa
da de forma precisa: pode ser que a pessoa "bole" numa festa,
ou por ccas âo (:e um ad arrum rea l i zadc bem a pr opô s to,
í mas í.

como por acaso. Todas as provid~ncias necessirias para o cran


de evento se tornam de forma algo velada.
A segreraç~o dos ne6fitos se processa numa s~rie de
nasscs bem articulados:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
10[0 que suce~e o transe catal€ptico,
os corpos inertes são transportados ritualmente para o runk6;
326 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

aí os noviços emergem, ao apelo dos iniciadores, desta condi-zyxwvu


- de morte ritual para um estado de alheiamento mais ou me-
çao
nos 10ng8, que prenuncia o exsurgir dos er~s - suscitados em
seguida com o re~etir-se das invocações. Decorrem na mesma aI
tura atos litfirgicos de grancte import~ncia: as muzenzas Suo
despojadas de suas vestes profanas e submetidas a um rito pu-
rificatório, o "sacudimento". Aâ nô a neste passo oferecem-se sn

crifícios esneciais ao Exu da Casa.

Principia assim o período de margem, com uma dura-


çao mínima de vinte e um dias, e divisível em tr~s grandes e-
tapas. No decurso da primeira fixa-se uma rotina b~sica; pela
madruf"aca, realizam-se os banhos na "fonte de Oxum",4 na ma-
nhon oa, quanô c os santos comp arecem num transe provocado pelo
som do adj5, por obra das rezas apropriadas e da lustração, e
se desnacham imediatamente, sendo de forma autcm~tica substi-
ttiÍd (1 s -:,c1.o s c r s , Em ho ra s con s a grada s (manh ~ \ me i o dia, on~
é

tnr~ecer) os membros do barco rezam o ofício chamadozyxwvutsrqponmlkjihgfe


Tabela e
S
entoam currãs que então apr-endem, "Educam-se" a í.nd a memorizan
do cutros cantos atrav6s dos quais, em grande medida, se CQ

municam entre si e com os iniciadores - assim comcv5rias ja-


culat6rias, preces, danças, gestos hier~ticos etc., sem falar
nas liç6es mais elementares que recebem da M5c Pequena, da
Criadeira etc.; estaspesseas os guiam e treinam, controlam e
disciplinam em muitos nspetes - de fato os ressocializnm, re-
tirando-os pouco a pouco do estado "larvar" do começo.

Os iniciadores, na clita fase, procedem tamb6m a con


tínuos jogos divinatórios e observam com atenção redobrada a
conduta des ne6fitos; procuram assim adquirir certeza plena
ia identidade dos orix5s destes, esquivan~o um erro que pode
ser fatal. Ao mesmo tempo, preparam o ab6 com as folhas lit~r
giC8S especialmente colhidas (este filtro tem um valor extra-
ordin5rio, e basta aspeTfir com ele a muzenza para que o Seu-
to advenha) e confcccion~n ins{gninszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
8 adereços rituais n se-
, - zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
rem usados pelos (zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
,·10 K J. 9 U c o n t r e qu n , o kc1(;.
noviçoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r>.
'.J
f'\ 0._
o x a o-
•••••••

rô) .

o t~rmino ~a etapa OR quest~o ~ marcnGj p~r UD con-


junto c1e c er i roonia s c h arna d o C :.8 s o ra po k â e pela prim eira "saí-
(~a (1 e i a ô s", que t e fi i'. ar 10 g c e11 se fU i d a a e s t e s 'r i t c s
1U zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o

o \!b o r i c1e f e i tu r a '" c o n s t i tu i o p r- o li:i (~i ..


'; J c' S G ra !o ..
k~ . 6 l\ S 5 i fi, no c 1 au St r (I antu 5 (: e n a i s n n c1 a se" d r:; c':' m i (1 (l ~! c a
beça", fortalece-se o ori para que o contato definitivo entre
"'.... . ...
a di v i n d arte e o corpo elo Ih~6fito s e j a t o Le rado :'elo 1 J 1 t 1 Il::J c

SeFue-se a invucaçao dos C T 1 )([lS a t r ave s de U,:: ar r urn; ;)


. ~ -
da em que comparecem, os santos S30 lova~os no Jp~rC eu aroti.
o pequeno banco anele SL' sentam as mu zen zn s Yitlrnser "r asrc
o a Lav ag cm (com sabão ,,~::l c o s t a (;?,bô)
C8.S cabeças d cvot as , em cujo topo se fazem requenas
.
lnClsaes.
.-
. . . ~
Loro dc-;:>C'is
tem lugar o Sundid~. quando os lnlC13~ores \~rtem
sobre .:15 nov ças o sunr ue de animais ("bichc,s de dois
í (; '.'.8
quatro ;l8S") sac r i f cad o s no ate, co lanúo+Lhe s ao co rpc '.-11.1 -
í

mas d:1s aves Lmo lad as ; 3c:ercçam-nas, por fim, CC'I'l os sa or a.lc s
adornos.

o sundid6 cco.siona um transe muite v i ol en te: e- p r e -


c i so 10"0 a t enuá-To , "ria t ar c santo", C('1:,O as v c zc s se: diz;
assim sobrevém um e s t a d.; (le "hGbetu'~e!!, Ln t er r. ido cor no-
vas
.1 n v o ca <;; oesq
-, -
u c C' ê 5 ~\ e r t C'.1': (, s cre 5 •

1<, l"~e Pe qu en : confecciona de~~,oismi nu scu Lo s c u n t:..'s

de massa preparada con inprc0ient8s que constitucD sacra ~o.


í n i c i n ç.ào (abô, pomba, san cue e t c co Lam+s e estes COIlc'S, cn.i i ) :

m!,,-"~~os
__ (,~doshu '., c~l cnt)~(,'
..
~ ('nC, l·.,r.I~~. Isto se processo. no. ceri~: -
~ ,'"U - _. ~

n i.a 1.10 (;f u n 9 quando as muzenZêS -


sao
to com o r6 branco de Oxa15. O efun se realiza pela nanh5, a
ã ta.rc1edo mesmo din ocorre a T'yimeira "saída"; sob o
328

cercadas pelos inici3.dores e "mais velhos", as noviças deixam


o claustro rumo ao barracão~ onde dançam assim vLla~as e en -
curvadas por alpun tempo; volvem, depois, da mesma ferma ao
runkó.

Os intervalos entre a primeira e a sepunda c entre


t a e a derradeira .,saíc.a das iaôs" consti tuem as fases penúr
eszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
tirna e final do periodo de margem
(um outro semelhante pode
ainda transcorrer em se~uida ~ cerimônia do anarp6 7 - v.adian
te -, quando se -;;erfazef'1
os ritos do "grau" ou "inquita", de
que trataremos no ~r6ximo capitula). Nas fases posteriores a-
qui referidas de 'epis6dio' liminar principal segue-se mais
ou menos a mesma rotina estabelecida na antecedente. No termo
da penúltima, em vésperas da "segund:1 saída", tem lu[';arum no
vo efun; j~ a derradeira é marcada em seu decorrer pelo perfa
zi.mcntzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
o da "cura" - em que as iaôs se subme t ern a escarifica ..
ções clestinadns a "fechar-lhes () cc rpo " - e CIO rito (~e "abrir
a fala" (indisDens5vel para que os santos possam manifestar_
-se) mas se conclui com o Oxunmetã~ quando as muzenzas sofrem
uma nova "r aspagem" e um novo banho e'e san gue -- vertido desta
vez não anenas sobre elas mas ainda scbre os nassentos", que
então se "p repar am" ou con sar ram , dos respectivos santos, Ao
cabo, mais uma vez se banham em 5g~as lustrais c recebem a fil
•• "1\1 l .
t i raa p i n t ura , no mesmo ela ocorre o o run k o;
- 8 1
o oarco ce •
axa ot,

claustro da forma j5 descrita, e ~ aclamado com foguetes, to


...,
ques festivos, etc., quando penetra no barracão; os ciTcuns
t ant es 1 anç am ainda punhados ele arro z sobre as novatas, que j5
~odem dançar a descoberto do p51io. Urna ekede de outra Casa se
en carrcc a de "tomar o norne " dos santos: pela ordem hierárqu!
ca do barco, leva um a um a circular na sala, e enquanto isso
insiste com o hascido-imortal' para que uroclame sua dijina ;
o santo rrimeiro hesita, depois pronuncia em voz baixa o pr§
Drio hiercnimico. A ekeJe se queixa de n~o ter ouvido nada, e
329 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

assim c faz repetir o enuncia~o em um tom cada vez mais altG;


por fim, cem um salto e um brado vigoroso. coberto de aplau-
sos, o deus a atende. À "tomac.a do nome" serue-se Ur.1 animado
candomblé.

~ro dia sepu i.nt e ao do ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI


rurikó , o :;eriodc de "retorno"
tem começo com 3S cerim5nias do panam e da quitanda. (Hoje em
dia já n30 se realiza o "leilão": antigamente, este consistia
na com~ra sirnb6lica da iaa '01' seus familiares, que assim a
respatavam, em r ar t.e, na r a a vida "normal "). Na j ornaca;',ost~
rior, com o anareô, ~or primeira vez as iniciadas recobram a
consci~ncia c sua identi~ade civil. A muzenza, em esta~c de
er~, deita-se sobre uma esteira e é recoberta por uma es~6cie
de véu que se asperse -
com acua ; Pequena um~
dece os dedos e traça cruzes na fronte. na nuca, no peito,nas
costas. na ~alma das mãos e no dorso dos pés ~a feita; em se-
ruída bate palmas enquanto diz "anar e e chama a filha";~e 10
ô " t :

nome de batismo, invocando Oxa15. Com Ur.1 movimento bruscc, nu


xa de~ois o v6u. Repete fi operação toda até obter ~xito.

Assim que desrertam, as ia6s novas Jevem tomar a


bênção da :12.m(;tue d i spc r+ so p ara o juramento; prometem então,
dc s orix5s nais antigos e rernoto~
em n011'edo s gr and e s deuses,
obedecer ~ risca aos preceitos, e aceitar as normas misterio-
sas ~o Candornbl~. Em se~uida so fazem abençoar por todcs os
que foram feitos antes delas no Terreiro, e rendem homenagem,
cem o raô, aos iniciadores.
Ainda neste, ou num outro dia ~a mesma seman~.desDa - ~.

cham-se os sarrados des~ojos iniciiticos - restas das vitimns


sacrifica~as, etc. - colocados em vasos chamados urupim e as-
sim leva~os por ogans para lugares ermos no mato, onde se a
bandonan em arua corrente.
330 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

Depois do anareo, a clausura ~ relaxada mas não aba


lida de todo; não podem ainda as ia65 ultrapassar os limiteszyxw
d o I -·le
~- .tLxe, e devem recolher-se bem cedo ao runkô , onde pas ~
sam a maior parte do tempo. ~Q termo de alguns dias, os ini -
cia20res escclhem e conferem, numa cerim6nia reservada, as di
jinas das "feitas"; na mesma altura ..,odeefetuar-se o rito dél.
a ~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
~CA/).

"quebre. de qu t zTl t as ? ," cujo objetivo não é eliminarvproibi-


çôe s aIimentares e outras, impostas pe 10 orixá àque le que o
encarna, mas permitir ao recém-feito a prática de atividades
quotidianas sem periro de um choque infausto, decorrente de
seu Intimo contato com n ordem do sagrado; durante o rito,que
se assemelha muito ao do panam, o ne6fito entre outras coisas
manipula ~inheira, que lhe é passado pelo Tata ou Mametu.

No primeiro dominpo que se segue ao anare3, logo p!


Ia manh~ o barco sai completo para uma visita ~s igrejas do
Bonfim, de Nossa Senhora da Conceiç~o da Praia e de S~o Láza-zyx
TO - e pela tarde para pedir a b~nção ~e grandes da seita em
suas casas ou Terreiros.

Na volta à própria morada, quando, passados aI['"uns


. ....
dias, deixa o Il~ Axé, o rec ern-d.n i c i.adc deve, em prlnclplO,
ser acompanhado por um "mais velho", que o cb r i pa a recitar ,
no s61io, uma oraç~o especial, cónforme já dissemos.

A faitura propriamente dita che~ou ao fim; mas 56


dentro de tr~s meses, no mfnino, a ia6 deixar& de ser encara-
d::lcomo uma noviça, quando lhe foi tirado o kel~. A remoção
desta ~argantilha de contas ~eve ser feita pelo Tata ou Mame

-
tu, c se combina a oferendas especiais. Suspendem-se então ai
runs Ln t erd i tos que pesam sobre a muzenza, como os de lavar IJ.

c::lbeça,passar por grandes pontes ou por cemit~rios, banhar-


-se no mar etc.
331

Durante a feitura, realiza1!l-se, sefundo vimos, gra!l


des sacrificios e oblatos ao Exu (a Casa; todavia, s6 no con-
texto das obrirações de um ou de três anos pode ter lugar o
assentamc:nto do Exu c1Q iniciado, do "escravo" de seu santo.

o 0ssentamento do odu ou do adjuntõ via de regra se


•..zyxwvu
da "obrização
procf,;ssano decursozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dos sete anos"; concerne a
constituição de vinculas misticos com os orix5s que, al~n do
"cono da cabeça", regem o iniciado.

Alguflas observações se fazem necessirias. O t~anse


cataléptico verificado quando "bolam" as ncv i.ç a s t antes mesmo
do infresso no claustro, dá Luga r (lí a uma "état c~'hébetudé f
-

para falarnos como Verper - que prenuncia o advento do crê. A


distinção que o babalorixn Cosme sublinhou nos seus informes
a Bastide mostra-se assim muito pertinente; e é natnvel sua
correspondência com aquela que os mestres africanos de V0rger
lhe assinalaram, entre obotum e omantun (de fato, só -
apo s o
e o dissipar-se do verdadeiro "choque" que provoca,
o ere se caracteriza de pleno, com a completa ultrapassagem
pela iaô da concição "larvar" do começo).

A noviça na clausura durante todo o período liminal


dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
initium fica por instâncias em "estado de san t o? , e de um
modo mais comum em "estado de erê". Binon Cossa.rc (opus cit ••
pp. 163-165) refere-se assim a estas condições:

"Ce t état est appe l ê l' état de "santo"; on cons 1c.e-


. ,"
re que l'oriSa a pris possession du corps de Ia persone, qu~l
est incorpor6. 11 n'est cependant pas éduqué, ne sajt pas se
comporter, c'oU le nom de "santo bruto". 11 a tout ã apprenclro;
i1 va falloir lui enseigner ã se tenir debaut, à marcher, ã
danser, à se conduire en public suivant un rituel rigoureux.
332

Mais cet ;tat ne ~ure jamais plus de quelques heures;zyxwvutsrqponm


il est
extrêMcment fatifuant pour 1 'organisme , et, de plus, Ia dégl~
tition ne se faisant pratiquerncntzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
pas, il est impossible de
i ce ; aus s i ne peut-il être p rolongf impunément.
nour rír Ia nov zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
11 est donc nécessaire de mettre Ia novice dans un état diffé
r en t , app e Lé l'état d''2ri2. ( ... ) C'est un état de transe moins
violento L';quilibre et Ia parole sont retrouvés ainsi que 1a
déplutition, si bien que l'inEestion ~'aliments est possible,
mais Ies facultGs gustatives sont tr~s diminuées. L'~r~ ingu!
gite n importe quo i , sans con t rôler se s possibili t s d ' absor:e.
I ê

tion. La diur~se ast norrnale. La sensibi1ité tactile est tr~s


peu developpêe. La mémoire de Ia vie normale subsiste, quai-
que l'affectivité par rapport ã celle-ci soit inexistente."
Em todo caso, num aspeto bisico, vale a pena distin
fuir entre o que se chama, de 1.11'1modo genérico. "estado
santo" e o santo propriamente d i t o ; e do mesmo morlo convém que
se discriminem as situações um tanto diversas em que se fala
de ere.

Um profano que "bola" e é despertado, tirado do tran


-
se logo depois, sem iniciar-se,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
não tem santo ("feito").
idêntica forma, no começo, quando as noviças são "larvast!,
Ia-se que estão "no crê" - mas só depois a criança a ri[.or
manifesta (no que a muzenza exsurge do alheiarncnto).
Uma outra coisa deve ser sublinhada. Quando se
claTa que o erê precede o santo, postula:"sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
ipso facto
manifestação si~nificativa. padronizada e controlada da
dade cifra c resultado capital da feitura: o erê se e
individualiza e amolda pri1'1eiro;o santo s6 na ~ltima fase
rrande episéClio liminar quando "abre a fala", aparece p
t í

mente conformado, e se estima j~ feito. Como frisa Elbein


Santos (opus c i t , , capo I). no mundo do Candomblé se correj
333 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

ciona de maneira muito íntima a fala com a in0ivi~uaç~o.

Insistamos mais uma vez sobre o fato do que o inicia


de s6 volta a si ~epois do anare5, s6 no filtimo período do ci-
clo inici5tico assume "em pessoa" desempenhos rituais. Or:1. é
c.á de um
notnvel, todavia, que aos componentes do "barco" sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
rnc00 mais comum o nome de ia65, embora as noviças perRaneçam
a ma i or parte do tempo no runkó em "e s t ado de er é: ; pc r outro
lado, na primeira semana de clausura, quando assi~ se encon -
t r arn , as ve rdade i ra s "larvas" (como disse Bastide) em que se
transformaram tamb~m como santos.
se desirnamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
No tCIil?Odramático da iniciação, os eres executnm
as mesmas atividades a que se dedicam em circunstâncins post~
riores, no contexto da liturfia comum: aprendem, rezaIil,traba
Iham e brincam. Têm, nos ritos do mistério nerro, um papel
destacarlissimo; sua importância não pode ser ~e forma alguma
minimizadao
334

NOTAS AO CAP!TULO 111 (PARTE IV)

1. Sobre as obrigaç6es de 1, 3 e 7 anos ver Binon Cassarei,


1970:229-233.

2. Sobre a "feitura" ver Nina RodrifTues, (1900:75-85); Queri-


no (1938), Carneiro (19618), Ramos (1943). Bastide (1945:
50-62 e 1958). Ver~er (1955a), etc.

3. Referimo-nos ~ inquita.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

4. Sobre a "fonte c f , hic, Parte Primeira,


(le Oxum",zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
capítulo
L

5. Um e s t.ud o c t.nomus i co Lóg í co nos Candomblés Con20 e An co La ~

ria muito impcrtante para esclarecer aspetos fundamentais


do simbolismo ritual. Notamos a exist~ncia de dois tipos
de cantos, usados para as cerim6nias p6blicas e para as
que se realizam em cariter mais privado (ou no recesso do
runc6). Pareceu-nos haver uma clara diferença melódica e
harm6nica entre as ditas modaliJa~es de hinos referidas.
Chamam-se currãs os entoados na clausura - ou fora dela,
mas em circunstâncias em que não se franqueia a todos a
assist~ncia aos ritos.

6. O sarapok~ ~ um conjunto de cerirn6nias misteriosas da m~xi


ma i8~ortância. Considera-se 6 nGcleo da iniciação. Marca
o 'nascimento' do santo - e do "feito" de um modo defini
tivo. A proT'ósito, lembremos ainda que o sip:nificado atri-
buído pela ç~ente da sei ta ao termo a bi ã é o mesmo de "nas-
c ituro". CL Costa Lima (1977: 67): "Sobre a palavra, infor
mantes asseruram que sirnifica 'uma pessoa que vai nas -
cer' ...••• • •• •••••••
335 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

Tcd av i a • a lg u n s n o s .t s se r am que a Lriqu i t a zyxwvutsr


7 . zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
in fo rm a n tes í

de celebrar-se num perrod~ distinto, ~c~ois ~o a 1 1 3 .Y G := zyxwvutsrq •


-
8. Sobr e G orun kó ver Ba s t i de (1945b e 1958); Car'nei rc f Lê r La ":
B'i nrn Cc s s ar d (1970); Costa Li.ma (1977:109, n , 3 7 ); \'c:r-'2:
(1955a) etc.

9. Chana-se no Candombl~ de quizflia a uma norma ~roscrit~~~.


em peral uma ~rcibição alimentar imposta ao inicia:: ~
i nc de sobre
í itens con si.deradc s "especiais" para c
ela cab e a" ela ;'esso0..Quase
ç semnr e , o ob j e t ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
rl~: c,ui:5":::. ;
aIpo intimamente associado ~ divindade em quest52. C:~
pran~e nGmero de itens pede constar ~0 r~l de CJiS~5 ~~:~-
~as ~or um santo, torna-se necess~rio limitar 2. "":,".=
-
l = :. -: -:.: ~ .
-

Este ~ o escopo do rito de que falamos. No seu ~eC-:-T2:-, :5


iniciadores servem ao neófito os alimentos scb r; -5 --~:':5
?esejam susnender o inter~ito. Se a quizília se cst~~·~.:_
~ode estender-se, ao uso de objetos
~
ou a execuç3.
- r
-

cntidianos, um mimo ~ realizado.


CAPITULO IV zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK

A TRAG~DIA NEG~\
337

Trataremos agora de um 'episódio' da iniciação de


Candomb1ê que constitui um traço característico dos ritos An-
gola e Congo, e re~resenta a190 como um 'desdobramento' do p~
rícdo de margem; os grandes da seita que nos informaram ares
peito consideram tais "obrigações" umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
reforço da obra iniciá-
tica.

No processo da fGitura, que descrevemos no capítulo


anterior, o lUfar ocupado pelo referido evento marca-se entre
a primeira e a segunda fase do 'tempo de liminariednde' vivi-
do pelos neófitos; a bem dizer, intercala-se aí. (Segundo c
testemunho de alguns dos nossos mestres do Tanurijunçara, po-
de mesmo ocorrer depois do anareô - e então bem se vê que ci-
fra um autêntico renovar-se do initium; em todo caso, parece-
-nos que sempre constitui uma outra peripêcia mística dJtada
de sentido idêntico ao do drama em cujo contexto se insere).

No Terreiro onde centramos nossa pesquisa, atualme~zyxwvutsrqp


-
...•zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te Ja nao se celebra esta parte da liturgia de entrada no (an
domblê devido a razões práticas, ao impêrio restritivo de ei!
cunstâncias externas: a urbanização da área onde se acha si-
tuado o egbe, a redução do espaço da manhonga, a menor disDo-
..•
nibilidade de tempo para a fGitura. Todavia, um grande numere
de iniciados na dita Casa viveram a experiência de que fala -
mos, e os mesmos ritos continuam e celebrar-se :em outras "do
axâ" e da "nação"; al êm disso. conservam-se em v go r no Tanu- í

rijunçara procedimentos substitutivos que.se destinam a cum-


ryrir, em parte, ao menos, com a finalidade última das cG~imô-zyxw
i _ .

nias em causa (aludimos ao adarrum realizado de surpresa, ge-


ralmente no curso de um Leri, com o propósito de "dar grau"
aos santos).
A antropóloga Binon Cossard, quando fala sobre
"l'initiation de jadis", faz uma boa descrição da inquita,
338 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

com base nos depoimentos de seu Pai de Santo, o babalorixá


"João da Goméia. Concordam, em grande medida, com o que ela re
porta os informes a 'respeito por nós colhidos no Tanurijunça-
ra; mas em pontos muito importantes h5 diferenças que devemos
acusar.

o nome inquita é conhecido de poucas pessoas no Ter


reiro onde pesquisamos; para referir-se ~ mesma coisa, fala -
-se aí de ordinário no "grau". Se confrontados com o relato
?ublicado por Binon Cossard, os testemunhos nos qriais nos ba-
seamos mostram-se enriquecidos pela refer~ncia constante a um
ato profundamente dramático e significativo, dado no caso co-
mo o verdadeiro clímax do episódio em debate - um ato a que a
mencionada antropóloga não faz menção, muito embora fale em
qualquer coisa de mais ou menos semelhante: ela, com ,
efeitozyxwv
alude a um ataque ao babalorix5 perpetrado pelos er~s; confor
me o que nos foi dito, todavia, a afressao ao Tata ou i Mame-
tu nao c ne ga
- l-
2 e Eee tt itva r= se ; mas, por outro 1 ao'1 o , e••• representa
da co~ apuro terrfve1, e se conclui, no plano simbólico, de
forma verdadeiramente-tr~rica.

Conv~m que citemos agora a passagem aludida do exce


lente estudo da antrop6108a iniciada (cf. Binon Cossard, opus
cit., 203-204):

"Jadis, l'initiation durait trais Mois suivis d'une


rériode de trois autr~s mais. pendant laquelle lliniti~e gar-
2ait son kele. La c~remonie du rasage et Ia prcmi~re sortia
avaient lieu au baut du premier mois.
Pu í.s ava i t lieu l'inkita, ~preuve de st í.nêe à vêr í •• 1
~
fier, ~ faire Ia preuve de Ia personnalit~ de l'oriSa. Les
era Gtaient l~ch~s dans Ia nntura, o~ ils vivaient seuls, Se "J

~issimulant aux yeux des profanes et se nourissant de plantes


sauvages, ou même de ce qu'ils pouvaient dérober aux alen ..
tours des habitations.
339 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Au baut de huit ou dix jaurs, le p~re saint Ies raE


pelait en faisant 11 attendait les ere
jouer Ies tambours.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
~
13 porte du baraquement, tenant un drapeau blanc d'une main
et un atori de l'autre. Toutes Ies autres perscnnes prennai
ent soin de s'enfermer dans les pieces de l'habitation, car
Ies cre apparaissaient dans un ~tat de sauvagerie extr~me, b~
tant tous ceux qui se trouvaien sur laur passage. Le pere de
saint se d~fendait d'eux au besoin avec son atori. Chaque ere
arrivait en tenant ~ Ia main Ia preuve de Ia pers&nnalit~ de
son oriSa. L'un tenait un outil de jardinare en m6tal (ogun),
l'autre un serrent (oSumare), un troisieme un panier à pois-
son ou un filet de pêcher (jemanza), un autre une pierre ou
une brassêe de fcuilles consacrêes à tel ou tel oriSa.

Le pera de saint faisait jouer l'adarum Dour aVDe-zyxwvutsrq


• L

ler Ies oriSa et les gens pouvaient alors sortir de leurs ca-
~ttes. Les oriSa dansaient, puis étaient ramrnenés à l'état
d'ere. Ayant retrouvé leur calmo, ils reprenaient alors leur
vi e ã l' intérieur du rõnkô. 11

o aspe t o de "prova". a demanda e a posterior o st en -


suo de um s Imb olc do "rionc da cabeça", símbolo que dá testem.!::.
nho da natureza e confirna a identida~e do santo do ne6fito,
~
tem paralelo na liturgia na~o, segundo a mesma autora acusou
(ibidem. p. 205):
"D' au t res candomblés ketou pra t i quen t un ri t ue l di!
férent. Dês le ~ébut de l'initiation, Ia personne est es~me -
née ~ Ia rivi5re au bord delaquellc elle laisse ses v~te-
ments. ElIe plonge alors dans l'eau pour ramener une preuve
de Ia ~ersonnalité de son oriSa: plante aquatique, pierre ou
tout autre objeto En sortant de l'eau, elle revêt des v~te-
ments blancs neufs."
340 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG

Todavia, a inquita como um todo constitui, a rigor,


um traço característico e distintivo dos ritos Anro1a e Conf.o
de iniciação no CandomblG.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A prop6sito. observemos que os es-
tudiosos da etnografia afro-brasileira, na sua maioria, quase
sempre minimizam os apartes bantus quanto tratam deste culto.
Os negros sul-equatorianos, c2
a seu ver, teriam simplesmente
piado, na Bahia, o Candombl~ gege-nag6. introduzindo pequenas
modificações no mesmo, e acabando por 'corromper-lhe a pure-
za', Com isso. entre outras coisas, deixam de parte um fato
muito bem notado por Binon Cassare (opus cit., p. 207):

"On ne peut n er Ia force


í d t atraction exercée par Ia
rite gege-naro, mais il n'en reste pas moins que ces m~mes r!
tes offrent beaucoup de simiIitudes Bvec ceux des populations
congolaises. Les déscriptions de nombreux auteurs comme Lama~
Bittremieux, Van Wing et, pIus récemment, Ferdinand Ngoma qui
a fait Ia synthese des initiations ba-kongo, naus permettent
de faire des rapprochements intéressants."

Com efeito, fundando-se no testemunho desses auto-


1
res, a 'mencionada antrop610ga facilmente demonstra sua tese;
ritos de -iniciaç~o entre nativos do Congo, ~ semelhança do
que ocorre no caso dos ioruba e fon, comportam praxes tais co
mo:
-'
- representaç~o da morte ritual. com o transporte
dos noviços efetuaco ~ maneira de um enterro;
_.produção do transe através da dança;
- procura de fetiches na ~gua e na selva pelos ini-
ciados;
- epilação e pintura corparal dos ne6fitos;
- execuçao de ritos que compreendem banhos lustrais
cotidianos e grandes sacrifícios durante o initi~
um;
imposiçio do siril0 inici5tico e de obedi~nci~
normas místicas através de um juramento;
- representaç5es da 'ressurreiç~o' dos iniciad~s
decurso de uma grande festa;
- imposiç~o de um novo nome (litfirpico) aos inici~-
dos.

De um modo particular nos interessa a oora pc r er:?_2~


zyxwvutsrq
taque um episódio das cerirn5nias conguesas dozyxwvutsrqponmlkjihgfedc
initiu~~ 52- ~U

~r _~
ja, o retorno ~ aldeia depois da inquita - assim rnesm:zyxwvutsrqponm
si on ad a -, episódio que "rappelle étranrrement l' arr i vée _-_25

ere ap r s leur séjour dans Ia brousse" (Binon Co ssard ,


é ::-:-·...:5
cit., p , 209). Laman, c i tado pela referida an t ropf lo ga I';. i:: i
dem) , assim o descreve:
"C'est l'habitude des bakimba ele se d5ché';i::c:- - -- c:

le villaFe ... 115 sont libres de faire tout ce qu'ils ~2~:2~:.


Les non initiés se cachent dans les maisons. Les ~~CiE~~ i~i-
tiés se joipnent aux nouveaux et ensemble ils vont Jc ~::s:~
en maison chantant des chansons, injuriant les h2bit3nts ...

Importa ainela que assinalemos, na scquela da ~S:~ -


diosa da Goméia, a exist~ncia de alguns elementos caracte:-~s-
ticos e distintivos do ritual Aneola de mistério: as ceri::-:-
nias ela Cura, da Quitanda e da Inquita acham-se entre eles.-

Passemos a?ora ao esboço do sinriular epis6dio 1::1 -

ci~tico vivido nos Terreiros bantus ~a Bahia, conforme ~ r~:~


to que nos fizeram os nossos mestres do Candombl~. SGç~~~:
eles. as "ob r i gaçôe s do rrau" podem efetuar-se num In t crv al:
da clausura no runkõ, ou depois que esta é relaxada. O pr nci í

ro passo consiste numa cerim6nia breve em que os santos 5;-


"chamados" e logo em seguida despachados, substituídos re1:s
erês. Assim que os Tilesmoscomparecem, as ekedes 6s reune::: E:

conduzem para a manhonga. onde os deixam em completa liber-:::-


342 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

de, por um. período cuja duração varia entre um e três dias.
As crianças divinas erram como selvarens pelo mato, alimenta~
do-se do que encontrarem aí (ou 'saquearem' nas redondezas);
comportam-se (:e maneira estranha e arrebatada: sobem nas ârvo
res, rolam sobre moitas de urtigas, gritam e deliram, cobrem-
-se de folhas e se desgrenham; enquanto isso também procuram
as pedras e outros sacra que identificam e, de certa maneira~zyxwvu
sêc seus respectivos orixás. Não raro, capturam cobras que
trazem consigo na volta ao Terreiro. Quando para aí retornam,
atendendo aos apelos dos tambores e ao chamado das ekedes (ou
~a ekede: quase 56 se aventura no drama, e ~ a Gni
sempre umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ca pessoa imune i viol~ncia dos erês). mostram-se num estado
de fúria desumana e terrível. Todas as pessoas que se encon-
tram no Ilê Axé devem trancar-se muito bem e permanecer quie-
tas, silenciosas nos aposentos da Casa; apenas os alabês fi-
cam a postos no barracão. Refupiam-se ~a dita forma tanto os
profanos como os iniciados em geral - os padi e madi correm
mesmo um [rande risco. Mais do que todos, por~rn, a Mametu (ou
o Tata) deve esconder-se, guardar-se com extremo cuidado - e..
ela a vitima desejada com ardor pelos eres.

Nossos me st res C.O Can domb Lê insistiram, com .muit.a


ênfase, na p er i cu Lc s i dade das c rtan ç es divinas nesta ocasião,
e declararam de maca taxativo que elas de fato consumariam
não fossem ta
-
seus terrtveis prop6sitos, caso tantaS cautelas
madas. Ali~s, os eres n~o escondem seu intento: quando retoi-
nam da prova, no aupe da mania, armados de seus natibiu,
briapados pela vida selvagem na manhonra. percorrem todo
egbe gritando injfirias, em busca da Mãe (ou Pai) - at~ que ~
deparam com um boneco, feito com antecedência e colocado nu.
ponto qualquer do Terreiro, um espantalho vestido com as rou.
pas e enfeitado com adereços da iniciadora (ou iniciador).
uma sanha tremenda atacam esta efígie, que em poucos minu
3~3

despedaçam. 3 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Soa logo o adazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
r-rum , que faz sobrevirem os san t c s

estes se encaminham para o barracio, onde passam a dançar, s~


renas e majestosos. A Mametu e os demais membros da comunida-
de deixam os seus esconderijos, e com sua presença se celebra
um xirê. Quando voltam, mais tarde, a manifestar-se, os er2s
ji não se acham tomados do seu desmesurado furor - nem ces==
a lembrança parecem conservar do ato por eles cometido.

Aligação profunda dos erês com a manhonza se ~e-


monstra bem a partir do exposto. Note-se que a sua entra~a ~:
Terrei r o , no termo do episódio acima descri to. tem ter, t ccas
as características de uma verdadeira e selvagemzyxwvutsrqponmlkjihgfed
invas~:: si~-zyxwvu
bolicamente as forças caóticas d a Nntur2:~ ~--
e misteriosas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
rompem assim no territ5rio da Cultura.
Se atentarmos em certos procederes que se adcta=~~3
sas circunstâncias, não teremos dificuldade em relacion~r -
rito da inquita com outros do ciclo inici~tico c da 'li:~~~i~
comum' dos Candomblés Congo e Angola. Incursões no mato C :-. -

.~-
de os santos se cobrem de folhas ou rolam sobre urtigaszyxwvutsrqponmlkji
fram o processo mais usual de ximba; o mesmo sucede
tem lugar o adarrum de surpresa, num Leri. Na cerim6nia __
Quitanda, de igual modo, vemos os erês entregues a um arreca-
to de grande violência, que. induz a fugir c esconder-se os ci=:.
cunstantes - e também neste caso só umadarrum pode control~~,
ou melhor deter as cricnç~s, substituindo-as pelos santos.?c~
fim, como no brinquedo' do batizado, ocorre um s acr f íc i o e n
! í

que a vítima é um boneco e se 'imola' num transporte de fGTi~


por via de estraçalhamento; de outra parte, em ambas as ins-
tâncias. para os crês o boneco é de fato uma pessoa, e um r ea,
'assassínio' o que 'intentam (tanto quanto o que crêem reali -
zar) .
344

..•zyxw
A maneira como se opera o sacrifício do "grau" e
muito significativa. Seu car~ter simbolicamente aut~nticozyxwvutsrqponmlkjihgfe
se
manifesta com clareza quando nos lembramos de um fato bem co-
nhecido: acredita-se no Candombl~ que certas operaç6es m5gi-
cas realizadas com as roupas de uma pessoa, destruídas duran-
te o rito, podem lev5-la ~ morte: em verdade, destruir as ves
tes ~ já, de certo modo, matar. Não há exagero em dizer-se
que os er~s sacrificam, em efígie, a pr6pria M~e de Sant~ Fa-
zem-no, aliás, de um modo que chama a atenção: dilacerando.U-
tilizam para isso a princípio os natibiu, que sao vergas, ra-
mos de árvores e se chamam também ator;; ora, de acordo com
Elbein dos Santos, esses atori, assim como as folhas e as pl~
mas (lembremos, a p ropô s t o , que em sua jornada no mato
í os
er~s se cobrem de folhas, e retornam deste modo enfeitados ao
Terreiro) representam a prole divina em diversos contextos sir
b61icos no Candomblé; por outra parte, em v5rios ritos e mi-
tos no mesmo universo, ainda segundo a referida autora, o pr~
cesso de criação ~ figurado de maneira constante como um fraR
mentar-se de uma matéria-massa originária. que assim se 'dila
cera~. Aliás, a rec6rr~ncia desta idéia em distintossi~temas
mf t í.co s .e re l i gio so s é de fato notável; temos aí um verdadei-
rozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
leit-motiv de inúmeras teo e·cosmogonías por todo o mundo.
Paran~o nos distanciarmos muito de nosso campo de estudo, re
cordemos apenas um mito nagô, desde Ellís (1894) bastante co-
nhecido: conta a est6ria que Iemanjá, violada por seu filho
Orungan, deu ~ luz, em conseqU~ncia. a todos os grandes deu-
ses, rompendo-se o seu ventre no parto.

O ato de dilacerar, num plano simb6lico,~, pois,


significativo tanto da destruição como de seu inverso. eon-
firmam-no um sem nfimero de ritos de sacrifício cujo fim Glti-
mo constitui promover a fertilidade da terra, e que se cele-
bram nos mais apartados orbes religiosos e culturais; inúme -
1I
zy

345 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ros exemplos podem encontrar-se relacionados na obra de Prazer


(1940).

Acreditamos que o episódio da inquita é de descre-


ver-se como constituído por três atos litúrgicos fundamentais:
uma prova iniciática, um rito de rebelião e, no clímax deste,
um sacrifício. O sentido do último cabe agora perquirir.

A vítima, no caso, representa a pr6pria Mie de San-


to - que também se chama de Ialaxê~ por ser a detentora ideal
e a dispensadora da força mística concentrada no Terreiro, do
poder que possibilita, entre outras coisas, a feitura dos san
tos, a criação de novas ia65.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
Ela simboliza a fecunda matriz
do mist3rio negro. Lembremos que o rito discutido tem lugar
s logo se acha relacionado com o originar-se
no initiumzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA dos
santcs e erês. Neste contexto, as idéias de geração e morte
se entrelaçam de forma inextricável; define-se aí um horizon-
te místico como aquele a que fazia referência um antigo lema:
"Hors tua, vita mea".

Assim, conforme pensamos, é seu pr6prio exsurgir o


que os erês encenam nesta solene tragédia, de tons edipian05.
346

NOTAS AO CAPITULO IV (PARTE IV)

1. Não pudemos consultar estes estudos. Binan Cassara nae dá


a refer~ncin com~leta ~as ditas obras, ao cit~-las.

2. Cf. Binon Cossard, locus cito su,ra.

3. O procedimento lembra o dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ


cparagm6s no culto dionisiaco.

4. Cf. Elbein GOS Santos 1976:36, a prop6sito.


PARTE QUINTA

SAODE E SALVAÇÃO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


Nr'\ TRILH!\ DAS CRIANÇAS
348 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ

Procuramos nesta última parte de nossa dissertação


esboçar a analise de elementos da liturgia estudada que con-
cernem ao definir-se do Candomblé como um sistema tradicional
de ação para a saúde - sistema este de que apenas um aspeto
ê considerado. No primeiro capítulo, discutimos
b5sicozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de um
modo breve a problemática da possessão e suas relações com fe
nômenos ditos "patológicos"; no seguinte, falamos da "crise
de conversão" e suas formas no mundo religioso estudado~ no
derradeiro, tratamos sobretudo da "terapia adorcista" e suas
implicações.
CAP!TULO I

TRANSE E FOLIA
350 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

Como um primeiro passo na abordagem da problemática


a cujo exame dcdicamo s esta p ar t e de nosso estudo, importa
que consideremos de um modo breve ~ertas teorias a respeito
do transe e da possess~o no Candomb16 e em cultos xam~nicos
similares. Tentando o enfoque do pento aqui em debate desde
uma perspectiva 'etnopsicológica', Ribeiro (1957) começou por
definir o entusiasmo cornoum fenômeno de dissociação da pers~
nalidade, fenômeno "afim de outras mais leves dissociações fT~
qUentes na experiência cotidiana do indivíduo e [também afim]
do êxtase de outras religiões que não as de possessão." (p.39).
Funda este ponto de vista em duas ordens de considerandos; a-
poia-se, de um lado, nas teses de psicólogos corno Sherif e
Cantril (1949). e Gardner Murphy (1947):
"Acontece que ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
eu, como já o demonstraram Sherif e
Cnntri1, não deve ser olhado como uma entidade fixa, rígida e
imutável, antes podendo alterar-se consideravalmente por efei
to de tensões e pressões ou influências outras. Essas forças
alteradoras do eu podem resultar do impacto de situações con-
cretas de intensidade variável ou ter suas raizes no organis-
mo físico do indivíduo e provirem mesmo de tensões motivacio-
nais instintivas eu de dist~rbios org~nicos. Sherif e Cantril
à satisfaç20 que c eu pode desligar-se dD corpo
demonstraramzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
como no caso das prostitutas cujos depoimentos pessoais regi~
tram; ou dissolver-se temporariamente como no caso de artis~
tas criadores que se "perdem no seu trabalho", ou sob a in~
flu~ncia do ~lc801 e de outras drogas; ou alterar-se sob o
impacto de privações físicas extremas ou da anoxemia; ou anu-
lar-se quando de colapso s~bito de todas as normas sociais co
no se observou na Alemanha durante a. ~ltima guerra; ou rcgre-
dir, dissociar-se e ré-estruturar-se em situações de catástr~
fe como a depressão posterior ri primeira guerra mundial ou o
internamento num campo de concentração nazista. ou de expa-
1I

351

riência traumática de combate; ou alterar-se profundamente


nos casos de afeções mentais funcionais ou orgânicas. Gardner
Murphy,discutindo o problema dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
di88ociaç~o.assinala que to-
dos os indivíduos possuem de algum modo, e alguns mais do que
outros, a capacidade de se dissociarem, a capacidade de reag!
rem em dois níveis, de se conduzirem em dois sentidos nao re-
lacionados nem integrados entre si." (p. 49).
Por outra parte, Ribeiro apela também a colocações
de Herskovits (1948). o qual, apoiando-se ainda nas experiên-
cias de Shcrif sobre o estabelecimento das normas sociais, c~
racteriza a conduta aqui em pauta como nao apenas esperada
mas determinada culturalmente,e relaciona sua funcionalidade
com fatores múltiplos: a crença num enlace íntimo com as for-
ças do universo por via do êxtase, o ganho. exequível por es-
se meio - o 'estratagema' da possessão - de um status elevado
e de vantagens econômicas, o perfazimento assim logrado de
uma catarse emocional, de fruições estéticas etc.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
o estudioso pernambucano argumenta, por fim, na mes
ma linha, religando as variadas peripécias da vivência de pa-
péis impostos no curso da socialização com as vicissitudes do
desenvolvimento da personalidade, operado (conforme postula
NeHcomb, 1952) através dos prccessos de seleção dos "role
patterns"; pretende assim demonstrar o caráter viável da de-
manda - efetuada com apelo ao esquema entusiástico - de. uma
compensação pelas limitações impostas aos desempenhos cumprl-
dos no cenário social: assim ê dado assumir outros teus' que
transcendem os referidos limites. Mas, em vez de ~ublinhar o
fato de que esta via de realização de um desiderato quiçá uni
versal (e de alcance duplo, tanto 'prático' quanto 'metafísi-
co') representa uma possibili~ade definida e conformada cultu
ralmente~ na pesquisa por ele empreendida Ribeiro - contra-
352zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

~
riando suas premissas - emprestou maior relevo, julgamos nos,
a nspetos idiossincr5sicos e a motivaç6es individuais dos su-
jeitos abordados (submetidos a testes projetivos coma c
Roscharch);l o m~todo de trabalho parece critic5vel na medida
em que o inqu~rito s6cio-antropo16gico se afigura deficiente.
Talvez por isso o estudioso tenha chegado, ao cabo. a tão po~
cas ilações.

Sobre a natureza do 'desiderato' de que falamos as-


sim se exprime Bastide (1945:46-47):

"O transe determina uma mudança de personalidade.Eszyxwvu


Sé! mudança, que se nota até mesmo no rosto, depois dos primei
ros estremecinentos dos ombros, do corpo ferido pela flaxa di
v í.n a , o gingar característico da queda do santo. t ambêm ~ u-
fen~meno a ser estudado. N50 se trataria de uma desforra con-
tra a vida cotidiana? A realização desse bovarismo que h~ n:
fundo de todos n6s, segundo Jules de Gaultier, e ao qual
Carnaval e o baile de máscara ac almam de certa mane i ra ; no ss;
desejo de metamorfose? A criança 6 um ser mfiltiplo, rico c~
possibilidades, mas que à medida que cresce vai empobrecend:.
sendo desbastada de todos os "eu" que poderia ter tido, mUI':i-

ficando-se numa atitude escler6tica. Contudo, todas aspers:-


nalidades rejeitadas persistem no inconsciente e
~s vezes de assumi-Ias, r~ra representar uma outra pessoa.
homem ~ um ator condenado a um Gnico papel e que procura,at::
v~s de fugas. viagens e guerras, escapar a tirania da tGni:~
de Nessus que a sociedade uniu ~ sua pele. Ora, a religiãc :.
ve sempre um papel importante nessa mudança de vestuário:
pseudônimos múltiplos com que Kierkegaard assina seus livr:~
e o gosto dos fiéis de "enxertar" em suas vidas a vida de --
Deus para infundir em suas veias outra seiva que desabroch:::
em frutos novos, são provas manifestas dessa afirmação. ~::
353 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

muito mais razao quando - como é o caso dos filhos dos "ori-
xá", que o mais das vezes pertencem às classes baixas da so-
ciedade, Lav ade i.ra s , cozinheiras •.
, empregadas domésticas - se
trata de despir a roupa da servidão cotidiana para vestir a
roupagem brilhante dos deuses" ...

Todavia, como observa Verger (1957:207):

"Deve-se ter em conta que um indivíduo não tem ã sua


disposiç~o urna gama de divindades t50 completa onde inserir
seus conflitos e suas tendênci2s, pois quase sempre, na Ãfri
ca, o orisha é uma herança de família e é ela que designa, d~
.J

pois ~e consultar-se um advinho, aquele ou aquela que seTa


consagrado ao orisha protetor e deverá servir-lhe de cavalo."

Isto em grande medida é válido mesmo no caso do Can


domb16 do Brasil: o iniciado não é livre aí para se projetar
~ vontade, selecionando as máscaras que lhe convierem ao ca-
orichs;
r
deve antes conformClr-se au modelo divino. Basfide ex-zyxwvuts
c1arece noutra passagem (1973:318):

"O eu de compensação tem diante da sua escolha toda


uma coleção de vestimentas parazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
seu uso, mClS estas são sempre
personagens cujos sentimentos e gestos foram, de uma vez por
todas, fixados pelo mito. são o~ deuses ancestrais,tais quais
eram adorados antigamente, que c~egam das profundezas. da Áfr!
ca para apertar em seus braços negros os rapazes robustos e
aS moças bonitas do Brasil ..•"

A estas co10caç6es, na obra citada mais acima (p.


254) Verger, de novo, tece o seguinte comentário: "para Basti.
de, o can~ombl~ e a prImeIra ferma do psicodrarna de Moren~; o
negro se liberta de seus conflitos, seus comp~exos e suas te~
d~ncias rec5nditas exteriorizando-as através das danças imi-
354 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

tativas do seu deus, cujo car5ter e cujas tend~ncias sao an5-


loges aos seus."

Parece que se hesita aqui entre "projeção" e "intro


jeç~o"; acha-se ainda pressu~osto que as 'm&scaras' divinas
. 1esmen t e t í.p. . f'acam caracteres pS1CO
. 1OglCOS.
'"
szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
i.mp í,
2 1'135 sem duv
" H
í

rla ocorre tamb~m outra coisa: o mimo executado pela ia6 pes -
5e5sa 6 basicamente o de uma verdadeira 'diacosmcse', de atos
e formas que significam e definem um universo. Os deuses fig~
ram imagens que se impõem a nós do próprio mundo; representam
assim, antes de mais nada, 'caracteres'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
culturais. Afeiçoar-
-se ao orixá é afeiçoar-se ã própria cultura, consentir em seu
irrmério no mais intimo de nossa alma, abdicando inclusive de
'ieiossincrBsia5' que se redefinem como 'produzidas' de algum
jeito pelo modelo.

Seja como for, importa agora que destaquemos um ou-


tro ponto. de importância capi tal. Se cumpre com um de si.der a-
to como o referido, a 'dissociação' xam~nica pode por ai cor-
relacionar-se com outras 'afins', como Ribeiro colocou: entre
elas com a 'poética' ou 'metafísica', por assim o dizermos,ou
seja, a ensejada e dramatica~ente realizada ~or um Pessoa, um
Kierkgaard e um Antonio Machado"- e também com a patológica.~
certo queRibeiro (opus cit •• 49-50) apela com muita oportun~-
dac.e a }'1url'hy
num trecho digno de destaque pelo mode como de-
sautoriza o falar-se em morbidez a propósito - ou despropósi-
to - do fenômeno discutido em quaisquer instâncias: "Ele
/HUT!Jhyj também aduz provas de que a dissociação ~ não somen-
te um fenômeno normal como pode ser produzida experimentalne~
te e realça na sua discuss~o dos casos de perscnalidade múlti
p la c importante pape I aí desempenhado pelas motivações do In
,. "1
U1VICUC
.,
na Renese .:l
uO
f ~
enomeno. P ara e I e, nesses casos, I
a ch a
ve mestra da maioria desses fen~menos nos é dada pelas impul-
355zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L',(1 eus em vez de um único eu rcspcn sâvezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
I.". "Ha s isto riao
significa, evidentemente, que se possa absolver de 'anormali-
dade' todos os casos de 'dissociação'.
De qualquer modo ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
paralelo entre o fenômeno reli-
gioso discuti~o e certos distGrbios mentais não deve ablite -
rar-se; acusá-Ia não equivale a reincidir nas teses simplifi-
cadaras que reduzem o êxtase, o transe em qualquer de suas
fermas, a manifestações "doentias"; abre-nos, pelo contrário,
uma outra perspectiva bem distinta. segundo veremos adiante
com auxilio de L~vi-Strauss e Bastide.
Conv~m agora que nos reportemos às 'teorias psicop~
tológicas' de êxtase, teorias cuja superação, insistimos, re-
presentou um progresso notável. No caso especifico do Candom-
blé e de outros cultos afro-brasileiros foi por aí que se co-
meçou. O pioneiro Nina Rodrigues (1900) explicava o transe
das iaôs como puro sonambulismo com desdobramento de persona-
lidade, delirio histero-hipnótico, mono-idêico. provocado pe-
la dança, pela fadiga de atenção e pela sugestão; em apoio de~
sa tese invocava 6s estudos psiquiátricos de Janet e Pitres.
Artur Ramos seguiu pela mesma trilha: recorreu a Kretchsmer,
Janet, Charcot, Freud etc. em sua análise do fenômeno, e con-
cluiu que o mesmo se relacionava com "estadoS mórbidos psico-
lógicos, agudos, sub-agudos e crônicos comuns à histeria, es-
tados sonamb~licos. hipnóticos, oniricos. esquizofrênico~ sin
dromes de influência, quase sempre com modificação da cons' -
ciência e da personalidade" (Ramos, 1940:272) ;já antes Quer!
no (1938:71) a propósito disso falara em "auto-sugestão". Nos
seus estudos sobre o Xangô pernambucano, Gonçalves Fernandes
emitiu opinião semelhante à de Ramos (cf, Fernandes, 1937).
Mais recentemente, Verger considerou em parte aceitivel o pon
356 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

to de vista de Nina Rodrigues (cf. Vergcr, 1957:257). Basti-


dfi noticia de uma pesquisa levada a
de (1971:305-306)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA cabo,
nos Terreiros mais famosos de Salvado~ pelos Drs. Est5cio de
Lima e Lima de Oliveira, em que estes m6dicos declararam ter
encontra~0 entre as filhas de santo 23% de personalidades ps!
copatas, 15% atingida: de defeito esquizofr~nico. 18% a 20%
imputáveis de simulacro, dois casos de parafrenia e tr~s de
agitação maníaca - um quadro sem dúvida impressionante. O an-
tropólogo comenta: "se os Drs. Estácio de Lima e Lima de Oli-
veira fizessem inquéritos semelhantes entre os brancos. em aI
guma reunião pOlítica ou mesmo urna festinha, encontrariam, em
matéria de personalidades psicopáticas ou de tendências esqui
zofrênicas, percentagens análor;as."

Já Stainbrook (1952) em suas pesquisas na Bahia de-


monstrou que o histérico capaz de controlar seus sintomas de
maneira convencional pode filiar-se ao Candomblé, enquanto o
psicótico ou esquizofrênico declarado é perfeitamente inepto
para assumir o papel de "filho de santo".3

Herskovits primeiro, e logo Bastide, em distintas


ocasiões atacaram as "teorias psicopato1ógicas" referidas, e
acumularam in~meros e poderósos argumentos para refuti-la~ de
monstrando a natureza ·social'. culturalmente definida. do fe
nômeno em questão. Entre outras coisas, lembraram a rigorosa
disciplina reinante n.o Candomblé, e que regulamenta inclusive
o transe das iaôs; fizeram ver que essa crise mística ni~ cria
seu pr6prio ritual, nem sucede ao acaso; que ocorre, antes,
apenas em certas oportunidades, em circunst~ncias muito préci
sas, e nada tem de 'automático,4 etc. O transe, para Hersko :
vi t s , que enfoca o problema numa ótica algo behaviourista,co~
titui uma resposta a um sinal convencionado: Bastide procura
esclarecer o ponto acrescentando que "o estímulo do reflexo
357

condicionado nao é um estímulo físico ••• mas psíquico". Argu-


menta ainda: "se verdadeiramente a crise mística fosse uma
crise histérica, produzida pela música, a atmosfera do culto,
os corpos amontoados, a monotonia do ritmo e dos cânticos (m52.
notonia, aliás, que só existe para quem não ouve nada nos can-
domblés, pois os cânticos são, pelo contrário, ricos e dife -
renciados) pela fadiga produzida pela dança horas a fio,S não
se compreenderia por que a crise não se produz num momento
qualquer da festa, por que espera para surgir um determinado
é um fen6menc de pressão da soci~
cintico (..•) Sim, o transezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dade e não um fenômeno nervoso. (V. Bastide, 1971: 278-279; cf.
11

Herskovits, 1943,1952, 1967, 1969).

Estas discussões a respeito do êxtase no Candomblé


têm correspondência nns que se travaram a respeito do mesmo
fen6meno e a propósito de outros cultos similares pelo mundo
afora, ou no contexto ~e estudos sobre o xamanismo em geral.
Bastaria lembrnr, no caso do Vodu hnitiano. por exemplo, a
oposição de Mars, M§traux e Herskovits ~s propostas de L'Hé -
risson, Price-Mars e Dorsainville de interpretar o arrebato
doS loa como "dissociação histérica da personalidade", "psicQ
neurose religiosa social", "delírio de possessao teomaníaca"
etc.6zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
No capítulo derradeiro de seu livro aqui j fi citado,Lew i s
rememora os debates suscitados pelo problema, em obras acerca
de cultos entusi~sticos os mais distintos, mostrando a cons-
tância com que se colocam e refutam as "t eor i as p s í.cop at.olEg i
cas"; nssim podemos opor, v.g., Bogoras, Krader, Ohlmarks. Ra
din, Devereux,a Skircgoroff, J. Murnhy, NadeI, Ackernecht, E-
liacleetc.
Não hesitamos em alinhar com aqueles que rejeitaram
de forma decidida a equação de transe xamânico e desequi1i
brio mental; reconhecemos o acerto das teses que assinalam e
358

sublinham as bases culturais do fenômeno. embora acatemos tamzyxw


bém a advertência de Walker (opus cit.) de que não se invali~ -
dam com isso as pesquisas sobre sou fundamento psico16gico.
Conforme diz Lévi-Strauss (1974:8-13), o paralelo é legítimo
porquanto nos dois casos "elementos comuns intervêm com veros
similhança"; isso deve reconhecer-se, muito embora a moderna -
etnografia com justiça se oponha de forma taxativa a ver Os
xamas como doentes e os psiquiatras se mostrem incapazes de
assimilar. de fato, as danças entusiásticas. v.g •• a qualquer
forma de neurose, ou mal grado o fato patente dezyxwvutsrqponmlkjih
á crise místi
CB. has sociedades onde ocorre, seguir cânones fixados e san-
-
cionados pela tradição. Assim Lêvi-Strauss argumenta (opus
cit. supra, 10-11):
"Uma sociedade qualquer é comparável a um universc
em que só massas discretas seriam altamente estruturadas. Eu j
teda sociedade, portanto. seria inevitável que uma por.centa-
gem (alias variavel) de indivíduos se encontrasse colocada,se
se pode assim dizer. fora do sistema. ou entre dois ou diver-
sos sistemas irredutíveis. A esses indivíduos, o grupo pede e
até mesmo impõe que figurem certas formas de compromissos ir-
realizáveis no plano coletivo, que finjam transições imaginá-
rias. que encarnem sínteses incompatíveis. Em todas essas CCl:
dutas aparentemente 'aberrantes', os 'doentes' apenas trans-
crevem um estado do grupo e tornam manifestas tais e quais~! I
suas constantes. (•••) se eles não fossem testemunhas dóceis, I
o sistema total se arriscaria i desintegração em sistemas lc- I!
cais. Pode-se, pois. dizer que, para cada sociedade, a rele- J
ção entre condutas normais e condutas especiais é complemet._
taTo Isto é evidente no caso do xamanismo e da possessão ••.
Para demonstrá-Ia, o autor (p. 11) apeia-se em NadeI, 1946:
359 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

"Em um estudo recLlte e notavel. depois de haver


hurn xamã •é na vida cotidiana um indivíduo
anotado que n enzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA a-
normal, neurótico ou paranóico, sem o que seria considerad.o
um louco e não um xamã'. Nadel sustenta que hã uma relação e~
tre as perturbações patolóBicas e as condutas xamanísticas ,
que, Dorém, consiste mais na necessidade de definir as prime!
l'as em funçãe. das scp-undas, do que numa assimilação das segun
das pelas primeiras". Conclui Lévi-Strauss: "Vê-se, assim,
que os etnólopos que pretendem dissociar completamente certos
rituais de todo contexto psicopatológico inspiram-se numa boa
vontade um tanto timorata. A analopia é manifesta (•••) Isto
não sirnifica que as sociedades chamadas de primitivas colo-
cam-se sob a autoridade de loucos, mas que, antes, nós mesmos
tratamos às cegas fenômenos sociológicos, como se eles se ex-
traíssem da patologia, quando com ela nada têm a ver, ou, pe-
le'men o s , quan to ambos os aspe t os devem ser rigorosamente d s
í

sociad.os. De fato, é a própria noção dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR


doença mentaL que es-
t~ em causa. Porque se, C0r.10afirma Mauss, o mental e o so-
cial se confundem, seria absurdo, no caso de contato direto
entre sacial e fisiológico, aplicar a uma das duas ordens uma
noçao (como a de doença) que só tem sentido ao aplicar-se à
outra." Lévi-Strauss fundamenta, pois, o seu ponto de vista
n8 idéia da conplementariedac1e entre o psiquismo dos indivÍ' -
duos e a estrutura da sociedade (v. ibidem).

Num brilhante estudo em que define o transe africa-


n0 como praxis de um sistema de, comunicações, todo o contrá-
rio do "de seou Lfbr
í i o" e da "loucura passageira", Bastide re-
vela-se, t00avi~, atento ao paralelo de que vimos falando (cL
idem, 1968:10): "Alguns amigos meus, -as
'

vezes, se admiram com


o fato de eu, um especialista em etnolor:ia religiosa, preocu-
par-me tanto com as doenças mentais - mas acontece que a doeg
ça mental não me faz realmente mudar de domínio: a loucura
360

é para mim senao a forma patológica do sagrado, ou -


naozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA se
preferirdes - sua recompensa final."
Seria impossível dizê-Ia melhor.

Sem dúvida é necessário. numa abordagem da problemâ


tica do êxtase no Candomblé, levar em' conta a diferença entre
os dois 'estados' que define, o lide san.to" e o "de erê".zyxwvutsrqpon
Na
sua ma í.o r í.a , as manifestações dos santos se verificam muito
tran.qUilas e equilibradas. O deus chega. quase sempre, anun -
ciando-se com o que parece ser uma rápida, instantânea verti-
gem; a iaô oscila um pouco, agita-se por sesundos e com o tre ...
mor das espáduas característico chamado de jikã logo assume
uma postura hierática, uma atitude magnífica. Só em circuns -
tâncias excepcionais o santo "feito" demora a apossar-se da
"filha" e a submete a convulsões algo mais pronunciadas; isto
irregular. Desde
preocupa os 'maiores', que consideram o fatozyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
o momento em que "se manifesta", toda a conduta de um orixá
encarnado é contida, padronizada, segue um roteiro previsto e
estabelecido em pormenor. Os gestos, as danças em extremo com
-
plexas que executa, a serenidade perfeita que ostenta eviden
ciam um controle profundo. Não há nada que lembre então, mes- -
mo de Lon ge , uma crise histérica, um '~rito" neurótico. (Trata
-se aliás, de uma performance aprendida). Mais facilmente se -
pensaria neste caso num 'te~tro'; mas todos os pesquisadores
do Candomblé, a começar por Nina Rod r i gue s , foram unânimes em
considerar a farsa excepcional neste contexto. A possibilidaw
de do simulacro, aliás, é francamente admitida pelos adeptos
do culto em questão, que por isso mesmo recorrem, is vezes,
na dfivida. a provas como o aguer~. por certo conclusivas: em
estado norma~ ninguém suporta o queimor do azeite aquecido.
361

Um comportamento que parece alucinado t~m os santos


apenas quando "respondem" a um adarrum "de surpresa", ou numa
ximba; mas facilmente se percebe que mesmo nesses casos eles
procedem de maneira 'canônica', não se afastando de uma pauta
definida com precisão. De qualquer modo, nas referidas instân
eias eles se abeiram do caminho dos erês.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
o transe cataléptico do "santo bruto" (ou seja, o
de uma pessoa ainda não iniciada) é que pode evocar fenômenos
patológicos. A maneira como o qualifica o Povo da Seita é bas
tante expressiva, aliás: conota-se assim a ausência de um con
trole que se tratará de impor. A semelhança apontada logo se
revela, em todo caso, muito superficial - basta que nos recor
demos a seqUência em que o fato se insere.
Os erês manifestam-se com um certo alvoroço; sua fi
gura, seus gestos e falas, seu comportamento descomedido, os
estranhos ritos que cumprem definem um intencional, signific~
tivo paralelo com o horizonte do 'anômalo', em termos psicol§
gicos. Eles a modo que vivenciam e presentificam, de forma
dramática, o que Linton (1936) chamou de "modelos de conduta
incorreta"; um etnopsicólogo poderia, quiçá. estudar-Ihes os
orientaç5es fornecidas, ou
procederes com vistas a analisarzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
ditadas, pela sociedade onde este. culto se realiza a certos
de seus desviantes, sobre os quais ela assim exerce um subreE
tício comando (lógico e prático) ~ e no caso ainda melhor se
evidenciaria o caráter muitas vezes imposto do desvio (recor-
demos o postulado por Lévi-Strauss em seu ensaio introdutório
ã obra de Marcel Mauss). Aliás, no que concerne aos eres, é
justo de tal imposição que se trata, aparentemente. Tratá-Ia,zyxwvutsrqpo
por outro lado, equivale a tratar de quem a sofre: nao - apenas
os indivíduos mais diretamente atingidos, mas todo o grupo.
362 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

De fato, os eres se caracterizam, a rigor. como 'mar


ginais'. e em seu drama se representa o deixado de parte pelo
'esquema' (em termos de Bartlet e Douglas, obras citadas; cf.
hic Parte IV, Capo 11. p. 313 ) operante na cultura em causa;
o .'deixado de parte' ••• e que "eppu r se muove". Um tal drama
cifra, por certo, um extraordinário esforço de síntese: versa,
bem se ve. sobre aquilo que compromete, como sugere ainda Lé-
vi-Strauss numa passagem citada há pouco, a unidade do siste-
ma, pois constitui e acusa as lacunas entre suas construções.
A síntese se obtém com re-signar ou reinterpretar tais 'lacu
nas' como intervalos 'liminares'. Com efeito, se concordamos
em que a folia dos er~s representa ou encena a loucura, deve-
mos logo interrogar-nos sobre o escopo desta equação simbóli-
ca. COuando tratamos de 'folia' em semelhante contexto, rein-
cidimos, segundo Leach mostra, no enfoque da temática geral
da passagem; aliás, por outro lado, "passagem" é justamente o
que "transe" significa).
Convém explicar-nos: chamamos agora 'folia' ao jogozyx
fant6stico, duplo de tragédia e comédia, desenvolvido com o
p6thos e o furor aut~ntico dos inspirados na cena ritual~ e
apontamoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
COr.IO seu correspondente na ordem profana o que aí
se designa por 'loucura' ou, de um modo mais amplo, 'desordem'•
Em termos do simbolismo discutido, a 'folia' figura um momen-
to, um passo que se dá no rumo da ordem mais abrangente, da
que reune e enlaça, inclusive, o sagrado e o profano. Caso ad
mitirmos o pressuposto da ielação paradigmática entre 'folia' -
assim entendida e 'loucura ,teremos de proceder com o simbo..
I

lizado conforme o rito trata o simbolizante: a loucura ou dis


t~rbio neste caso deixar5 de ser a 'terra de ningu~m', a lacu
na ameaçadora no sistema, o embaraço aniquilador. para volver
-se em uma etapa crucial e tenebrosa no movimento dialético -
de uma ordenação que transcende, e ipso facto reafirma. as
363 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

pautas estabelecidas: há de figurar como azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ


Gedankene=perienz
desta síntese projetada ou afirmada no plano simbólico - afir
mativa com certeza não mais paradoxal do que a da 'unidade'de
morte e vida.
Por outras palavras, o furor entusiástico é de cer-
to modo (metaforicamente) loucura - mas é também a iegação d~
ta, seu ardoroso imolar-se. Invertem-se as coisas quando se
tenta explicar o entusiasmo a partir de distúrbios psicopato-
lógicos comuns numa sociedade, 'característicos' dela (segun-
do faz Devereux. 1973, por exemplo); a crise mística, onde
ocorre, constitui o 'interpretante' final em que se esgotam
aS manias. Em si mesmo, a possessão equivale de fato a uma te
rapia - não necessariamente do sujeito entusiasmado. nem tam-
pouco apenas dele, ainda quando se reconhece que antes Zhe zyxwvutsrqp
ooube enlouquecer.

" ••. falando com clareza, é aquele a quem chamamos


de sao de espírito que se aIienazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
pois consente em existir num
f

mundo definível somente pela relação entre mim e o outro." As


sim Lévi-Strauss sumariza as conclusões de um artigo notável
de Lacan (1948).
Um paradoxo semelhante advertimos ao considerar o
termo "possessão". Vistas as coisas desde um outro ângulo, um
antônimo da referida palavra bem poderia designar a mesma coi
sa. Em verdade, o estudioso dos cultos 'xamânicos' está sujei
to a uma descoberta muito perturbadora: a de que ele próprio
está, e sempre, possesso do único a que chama de "eu".
364 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF

NOTAS AO CAP!TULO I (PARTE V)zyxwvutsrqponmlkjihgfedc

1. Ver Ribeiro (1952) a propósito da técnica de pesquisa uti-


lizada.
2. Não negamos com isso, de maneira nenhuma~ que a classific!
ção dos orixás de algum modo se reporte ao definir-se de
caTacteres psicológicos. Temos notícia de estudos realiza-
dos pela Prefa. Monique Angras, da Pontifícia Univt:rsidade
Católica do Rio de Janeiro. em que o emprego do teste de
Roscharch com pessoas apontadas por uma Ialorixa como ten-
do o mesmo "dono da cabeça" levou a uma conclusão notãvel~
em grande número de casOS, estas pessoas apresentavam. de
fato, aS mesmas características profundas de personalidade.
à psicóloga l-iariaIda Fonte -
Pela informação, somos gratozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
nelle de Araújo Andrade.
3. Todavia, sabemos de um caSO em que uma pessoa considerada
psicótica e irrecuperavel por psiquiatras de um manicômio
de Salvador foi iniciada. e assim curada, no Tanurijunçara.
Cf. Trindade-Serra, 1976.
4. Quer dizer, como Bastide explica: a audição de uma "canti-
ga de santo", por exemplo, não provoca de forma necessária
o transe em qualquer ocasião, mas apenas em circunstâncias
que se revestem de um sentido dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
oportunidade - definida
esta em termos de normas litúrr,icas bem estabelecidas.
S. O argumento segundo o qual a fadiga provocaria o transe
de uma inconsistência absoluta. Por vezes, aoS primeiros
toques, quando a iaô mal começa a dançar, é logo tomada p~
10 santo. Cs padrões coreográficos da dança que executa a-
cham-se estabelecidos com rigor e têm uma notável comp í.ex:
dade. Não apresentam a mínima semelhança com qualquer tir:
de convulsões histéricas. Para sua performance é necessâ .
CAPtTULO 11 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

CAÇADORES DE ALMAS
367 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

"Ninguém entTa por quereT no Candomblé." Esta frase


noS foi dita e repetida muitas vetes por grandes da "seita";
mais ainda, sempre que inquirimos membTos iniciados do misté-
rio negro sobre sua cSTreira religiosa nós a escutamos. Assim
se pronunciavam~ inclusive, pessoas dedicadas por completo, da
maneiT8 mais profunda e ardorosa, ao culto dos orixãs. Não n~
gavam, ao falar deste modo. que tivessem amor à vida do Ter -
reiro. Pelo contrário, em geral a exaltavam. e se referiamcom
orgulho autêntico a sua condição de "feitos". Mesmo as iaôs
novas, muzenzas humildes, transpareciam com clareza este org~
lho.
Ao fazer-nos a afirmativa mencionada - "ninguém en-
tra por querer no Candomblé" - os nossos informantes, claro
está, de modo nenhum negavam sua vocação para "as coisas de
santo". Apenas eles entendem "vocação" de uma forma que para
nós deixou de ser usual; com efeito, esta palavra etimologic!
mente significa uchamado", "apelo". Ora. já não di%emos que
um "chamado" nos fez abraçar uma carreira qualquer - ou só o
dizemos de modo metafórico, em certos contextos, sem mesmo
crer no dito; ou atribuindo o tal "apelo" a nossas próprias
inclinações.
Bem diverso é o ponto de vista da gente dos Terrei-
ros. Aí em numerosas instâncias nos foi afirmado que "o gosto
pelas coisas de santo não basta"; citaram-nos, inclusive.exe~
pIo de pessoas "muito dadas a isso", a quem não faltava vont,!!.
de de iniciar-se, ~ todavia não o lograram. Por outro lado, o
contrário também ocorre; uma ebami, por sinal zelosa e raspei
tada, nos fez a seguinte declaração: "Eu nunca tive queda pa-
ra o Candomblé; mas era meu destino, por isso acabei entran -
\

do." Acrescerltou que tentara, até, "tapear o santo" com ofe -


rendas e sacrifícios, "mas não teve jeito."
368 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

De fato, segundo $3 acredita. ê o orixá que decide;


em alguns casos, "com muito rogo" o Anjo da Guarda se conten-
ta com um compromisso menor: o "filho" "assenta o santo", "dã
um bori", e assim "ajeita as coisas". Mas se o "dono da cabe-
ça" já fixou sua determinação, nada disto adianta. Em tal hi-
pótese. resistir ê loucura, conforme muitas vezes nos asseve-
raram.
Por vezes o deus colhe seu eleito em verdadeiras ar
madilhas. A pessoa vai ao Ilê Axé para uma consulta, ou acom-
panhandoalguém. e quando dá acordo de si é informada de que
"bolou", e melhor faria deixando-se ficar ali. Bastide (1945b:
51) refere o caso de uma senhora que, tendo ido ao Terreiro
para saber de sua sorte através dos búzios. foi incontinenti
possuída por Oxum (seu orixâ). a qual se recusou a deixá-la.
A senhora em questão esperava visitas em sua casa; aproveita-
ra apenas um momento de folga para fazer a consulta, e seu
marido a aguardava ansioso. Foi necessário que uma "feita" se
dispusesse a assumir os afazeres domésticos da criatura arre-
batada, durante todo o tempo da iniciação desta, tornada ina-
diável pela atitude resoluta de Oxum.
Assistíamos, um dia, a uma festa de Tempo no Tanur!
junçara, quando presenciamos uma ocorrência que muito nos im~
pressionou. Tempo não pode ser celebrado debaixo de um teto,
no barracão, mas apenas ao ar livre, ao pé da árvore onde se
acha assentado. Trata-se de uma festa bastante animada e boni
ta, que atrai muitas pessoas ao Terreiro.
Na vez a que nos referimos, sucedeu que a missa ves
pertina na igreja ao lado do Tanurijunçara terminou enquanto
se achava ainda em curso o rito do Candomblé. Numerosos fiéis
saíram diretamente do templo católico para o Terreiro, obede-
cendo a um impulso religioso ou à simples curiosidade. Neste
369

último caso estavam, sem dúvida, duas garotas que pareciam di


à grande com o espetáculo da ronda dos orixás
vertir-sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA em
torno a arvore divina, e teciam comentários um tanto indiscre
A certa altu-
tos a respeito da apar~ncia das ia3s possessas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
ra, como parte da liturgia então seguida. os santos, empunhag
do ramos de folhas especialmente colhidas, começaram a fusti-
rcun st an t es ,I entre os qua i. s as duas
gar de 1eve com e I·es os czyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
í

alegres jovens. Logo, todavia, que Iansã tocou uma delas com
seu ramalhete, a moça caiu ao solo, rígida e inerte. Dois
ogans a removeram incontinenti para o Quarto dos Santos, seg~
rando-a um pela base do crâneo e outro pelos pés. Um dos '~is
velhos" gritou logo: "plantou, deixa nascer!" Mas a Mametu,
sem dar-lhe ouvidos, correu a tirar do transe a pequena arre-
batada, cuja irmã, enquanto isso, chorava de puro pânico.
o autor da exclamação mencionada ("plantou, deixa
nascer:") quisera sugerir com isso que se recolhesse de ime -
diato ao runkô a jovem inconsciente. Outrora, segundo nos cog
taram, nno era muito raro que se procedesse assim; soubemos
de casos de pessoas que despertaram já "feitas" do fulminante
arrebato inicial, descobrindo com surpresa e perplexidade os
sinais do ocorrido num longo período não registrado em suas
memórias: a ausência dos cabelos, a indumentária trocada, os
adereços e insígnias 10s deuses em seu corpo, o ambiente des-
conhecido etc., a denunciar o fato consumado de seu ingresso
na seita.2 A Mametu Conderenê, segundo nos revelou, opunha-se
com firmeza a realizar uma "feitura" nessas condições, por
mais que o consentimento da família do iniciado - com o acor-
do logo buscado da qual era costume assim agir - lhe fosse ga
rantido. "O choque da pessoa é muito grande", argumentava; e
ponderava, além disto, ° fato de que, entrando desse jeito 'ha
lei do santo", o indivíduo não pode ter uma idéia clara das
responsabilidades decorrentes; cabe mesmo recear-se que se ve
370zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY

j à negl igência. menosprezando as sanç oe s dos o rí xâs,


a tentadozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cem grande risco para s~. Por tais motivos, a Mie do Tanuri -
junçara considera indispens5vel o 'est5gio' de abiã.

No caso narrado, com efeito, a boa Ialorixã não de-


morou a acudir a mocinha, despertando-a de seu transe; depois
de serenar a garota, compreensivelmente assustada, cuidou, PQ
r~m, de fazer-lhe a advertência: Iansã queria-lhe a cabeça, e
o melhor seria atender sem muita delonga o orixá.

Embora a Mametu não desejasse atemorizá-Ia. é de ver


que a jovem escutou apreensiva essas palavras. Não podia ]a
duvidar dos poderes da deusa que a tinha eleito, e lhe tiriha
apontado um caminho imprevisto.

Os comentários ao caso que colhemos no Terreiro fo-


ram ununimes e taxativos: "aqnela está marcada." Aos olhos de
todos aí. a senhora dos raios tinha assinalado uma presa, e j â
se dispunha ã perseguição.

O ingresso na seita se representa, pois. como res -


posta a um chamado do orixá um chamado que compele. Isto s~
cede a quen possui, como se diz, um "carrego de santo". Quel'
dizer, conforme nos explicaram: "todo mundo tem An j o da Guar-
da, mas pouca gente nasce com este destino de fazer a cabeça;
e 56 entra mesmo no Candomblé quem traz a missão, como um car
rego." O termo "carrego" indica assim uma coisazyxwvutsrqponmlkjihgfedc
imposta, com
a qual se tem de arcar. Mais cedo ou mais tarde, a exigência
que figura se revela, tal um peso a oprimir o sujeito. Pelo
que alguns nos disseram, em certos casos o carrego pode ser
herdado.3 Mas o destino é sempre a ~ltima explicaç~o.
O Tata Uevi, muito dado a reflexões sobre este tema
do destino, em conversas conosco de modo invari~vel sublinha-
va que "Deus traça caminhos diferentes para as pessoas, e nin
, zy

371

guém pode sair da trilha; por isso, o Candonblé r.~o é para t~


do mundo". Ao mesmo tempo, sustentava que todos devem obediên
cla ao Anjo da Guarda; mas distinguia entre a obediência e a
obrigação. E explicava: "tem gente que nunca ouviu falar em
vodun, como esses estrangeiros; é o destino deles. Mesmo as-
sim, precisam de obedecer ao Anjo da Guarda. Obedece ao Anjo
da Guarda quem vive de acordo." Por "viver de acordo" enten -
dia o respeito a normas éticas, e ainda o que chamamos "auten
ticidade". Com a palavra "obrigação" se referia, por outro Ia
d-itados por Deus e pelos ori-
do, a deveres rituais - semprezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
xás. Nesta linha de raciocínios, costumava acrescentar: "o 0-
rixá pode não querer de uma pessoa nem um copo d'água. Aí nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
..•
adianta dar presente: e perda de tempo. No caso de outras, o
santo s6 pede agrado, no máximo um bori. Agora, tem aqueles
que precisam fazer a cabeça, e não podem teimar."
Os adeptes deste culto também dizem que "no Candom-
blé se entra por necessidade". Sem dúvida alguma, a feitura ô
considerada um privilégio; mas não se esconde o fato de que
acarreta compromissos -as vezes penosos, e decorre, como se usa
ainda exprimí-lo, "de uma precisão". Tal necessidade ou preci.
são se estima determinada pelo "dono da cabeça". que a provo-
ca de muitas maneiras. Pode não chegar a manifestar-se com to
do rigor, se a pessoa atende logo ao chamado ~o orixá ex-
presso atr2.vés de sonhos, de "intuições", do jogo dos búzios,
de achados' ou acontecimentos ins61i tos e significativos, ou
de um inesperado arrebato, etc. A resistência acarreta peri-
gos diversos, pois os deuses manejam a arma poderosa da afli-
ção; e às vezes seus golpes constituem ü único sinal do apelo.
Da auten~icidade com que este é ressentido n50 cabe
duvidar. P~iquiatras amigos nossos, com uma boa experi~ncia
clínica em Salvador, nos disseram que n50 hesitavam um segun-
372

do em recomendar aos seus pacientes a procura de um Terreiro


quando estes se diziam com "problemas de santo". Nãu o aconse
lhavam por sentir-se ligados ao mesmo sistema de crenças, mas
por simples sensatez, reconhecendo a força dos mecanismos cul
turais em jogo no definir-se desses quadros, e a adequação do
processo terap~utico fundado nos mesmas bases a partir de que
o fenômeno se definia, tanto quanto a dificuldade para eles,
como agentes dos individuos em questão, de dimension~-~sde
forma satisfat6ria, sem auxilio dos especialistas do Candom -
bl~. N~o lhes faltavam, tampouco, exemplos de casos em que o
desatendimento a tais e tão profundos impulsos de seguir um
caminho pr€-traçado num horizonte cultural bem nitido acarre-
tava conseqU~ncias funestas.

Ramos (1940:322-3) reporta um fato ilustrativo do


carzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
àt er profundo e poderoso do "apelo" de que estamos falando;
o sucesso foi objeto de uma noticio divulgada num jornal ea -
rioea; transcrevia-se ai. inclusive, a carta deixada a seu
esposo pela senhora que protagonizou o terrivel aconteciment~
Escreveu-a ela para pedir desculpas ao mari20 antes de suici-
dar-se lançando-se ao mar, e para explicar-lhe por que o fa-
i s t i r+Lhe s ao cha
ria: era "das ág-uas" e não conseguia mais r-eszyxwvutsrqpon
mado.
Concordam com o teor dessa notícia numerosos rela-
tos que nos foram feitos acerca de pessoas, "filhas" de Oxum
e Iemanjá, que antes de iniciar-se experimentavam impulsos ir
r~sistiveis de se lançar às ondas, ao fundo de rios etc.

O chamado dos deuses .


comuele de um modo terrível ,
imp6e uma trilha de que os desvios conduzem a formas trágicas
de an i qu i Lamen t o , Podemos ilustrar esta colocação. aqui ex-
pressa na linfuagem do "Povo de Santo", com um caso que docu~
mentamos.
, z

373

Uma senhora, "filha" de Oxo sszyxwvutsrqponmlkjihgfedc


í ,conhecida da [~am etu
Conderenê, viu-se afligida por perturbações que culminaram
com o manifestar-se de seu orixá em diversas oportunidades; a
pesar dos conselhos da Mãe de Santo, não pôde "fazer a cabe -
ça", pois fora proibida disso pelo esposo, que l1nãoqueria na
da com Candomblé". Estávamos ura dia no Terreiro quando aí che
garam pessoas da vizinhança contando que a dita senhora desa-
parecera, e seu marido a julgava encerrada no runt6. A Mãe do
Tanurijunçara indignou-se com tal suspeita, e foi logo pedir
a Oxossi que fizesse aparecer sua "filha". Esta mais tarde
foi encontrada, possessa do deus e errando enlouquecida pelas
matas de Ondina; por sua boca, o orixá então anunciou que es-
tava disposto a "levá-Ia consigo" caso ela não se iniciasse.
Tendo nós deixado Salvador, quando retornamos, de-
pois de quase um ano, ã uita cidade, e visitamos o Tanurijun-
çara, lembramo-nos de perguntar à gente da Casa pela frustra-
da candidata de odé; só então tomamos conhecimento de sua tra
gédia. Segundo nos contaram, o esposo da pobre mulher conti-
nuou inabalável na sua decisão de impedir-lhe a "feitura", e
em vista disso a submeteu a uma contínua vigilincia: para evi
tar que ela fugisse durante 3 noite em direção a um Ilê Axé,
ou ao mato, compelida por Oxossi. chegou a ponto de dormir
..•
com a cama atravessada diante da porta. Certa feita, porem,
foi despertado por um clarão sinistro: sua esposa havia enso-
pado de querosene as próprias vestes, e se consumia ao pé de-
le sem um gemido. Os membros do Terreiro. ao nos f~zerem esta
narrativa, mostravam-se consternados, mas nem"tim pouco admir!
dos: "não foi de um jeito, foi de outro", comentavam - como a
dizer que o deus, desta maneira terrível, tinha finalmente to
mado posse completa da cabeça querida.
i/ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

374zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB

ochamado do orixá compele através das ameaças que


encerra, e da maneira aflitiva pela qual se exprime. Com efei
to. uma série de infortúnios significa, muitas vezes, ao cren
te, a necessidade da "feitura". O desencadear-se das "pertur-
bações" pode ser evitado se a pessoa adverte logo. por outros
sinais, a vontade divina, e se constitui numa presa dócil pa-
ra o amoroso caçador de sua alma. Quando "teima!!, segundo se
diz, arrisca-se ~s maiores desgraças; constitui rematada lou-
cura, na ótica do Candomblé, igual que na dos misticos anti -
gos, assim "recalcitrar contra o aguilhão", como diria São
4
Paulo. Em al~uns casos, a única via aberta para o encontro
com a divindade é um "caminho de Damasco", uma estrada de so-
frimentos.

Tipos diversos de infortúnios assinalam o peso de


um "carrego de santo": conflitos domésticos, insucessos repe-
tidos na vida profissional, distúrbios emocionais, incômodos
prolongados ou sucessivos, molGstias estranhas, azares que
trazem consigo um desassossego profundo, e até calamidades
que se abatem sobre as pessoas próximas do sujeito; os orix~s
manipulam a seu critério toda uma gama de aflições, que vao
desde as ma i s brandas, como a queda num alheiamento ou "e squs
sitice", num desânimo e numa melancolia inexplicáveis, até
aos golpes de maior rudeza da doença e da loucura, ou, antes,
do que assim aparece.

Cabe advertir que o Povo da Seita nao considera to-


dos os infortú.nios como provocados por uma causa "mf s t i ca" ,
por forças divinas ou mágicas. Os membros do Tanurijunçara e~
timavam ridícula a atitude de um convertido ao culto dos ori·
xas que a qualquer insucesso suspeitava das artes de Exu, de
fei tiços ou de provas impostas pelos zombavam dele Cor
santos;
di ,11 e sir..ceramen
te. ..Isto é coisa de do ido, disseram-nos a
,
[
I
375
I
! zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
propósito os grandes da Casa; agora nada pode acontecer a es-
te camarada que ele não chame por todos os voduns. Se leva uma
q~eda, foi feitiço, se um menino adoece com uma gripequal~""
quer, vai olhar os búzios .•• Já virou obsessão. Na lei do san
to, a gente tem que ser tranqeilo; não está certo viver asso~
brado desse jeito. Quem tem mEdo de obrar não come." A hipót~
se do feitiço. v.g., só se formula e confirma quando os aza-
res apresentam um caráter bem marcado, e se estima que o qua-
dro de relações do indivíduo com outras pessoas se acha assi-
nalado por conflitos, claros ou latentes. Mesmo assim, o Tata
U evi costuma declarar: "se Você não tem medo, nenhum ebó lhe
pega".
A explanação dos infortúnios com o imputar-se de uma
etiologia "mágica" ou "mística" se realiza, aqui, conforme o
mesmo modelo analisado por Evans-Pritchard (1973) em seu clá~
sico estudo sobre a bruxaria entre os Azande: explicam-se as-
sim "as condições particulares. numa série de causações, que
relacionam um indivíduo a acontecimentos naturais, de tal ma-
neira que ele sofra danos" (cf. idem, opus cit., p. 6). Nin -
guém nega, por exemplo. que uma pessoa atropelada por um cami
nhão, e reputada vítima de feitiço, morreu ou aleijou-se em
conseqUência do choque com o veículo; mas pergunta-se: quem a
levou a passar por aquela rua exa t amen t e àquela hora? Quem a
induziu à negligência? etc.; e se responde, v.g.: "Exu".
Para que uma série de infortúnios se inteprete como
sinal de um "carrego de santo", certas condições têm de ser
preenchidas. Tentemos enumerar as que advertimos.
1. Antes de mais nada. claro está, torna-se necessá
rio que se considerem insuficientes ou pouco satisfatórias as
outras explicações, "naturais", dos fatos em questão. Julga-
-se, por exemplo, que "há muita coincidência" nos acidentes,
376 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

que os azares de um sujeito têm. por assim o dizermos, um fia r


de família", manifestam um pàdrão cujo definir-se não se pode
inputar ao acaso; ou se adverte a falta, num plano imediato,
de motivos para a melancolia ou desânimo etc. que assaltam o
indivíduo; ou pondera-se a ineficácia das soluções "práticas"
buscadas por ele para seus problemas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
e assim por diante. No
caso de doenças, leva-se em conta a ausência ou fragilidade
de diagnósticos dos"doutores", o caráter fortuito das condi -
ções determinantes do surgimento do mal, o simbolismo associ~
do ao síndrome etc. Mesmo quando a mol~stia ~ categorizada c~
mo "de médico", pode-se presumir a ação concomitante de ou-
tras causas que nao as acusadas ou acusaveis por meios comuns.
Para que se fale em carrego de santo (e não em feitiço, v.g.),
todavia. outras coisas ainda têm de ser verificadas.
2. Por mais "externas" que pareçam as perturbações.
é preciso que se possa reportá-Ias. de algum modo razoavel, a
um "estado negativo" do sujeito. Neste particular, os Pais de
Santo se comportam de um modo semelhante aos psicanalistas. Se
um indivíduo se queixa a um babalorixá de que tem sido vítima
de muitos azares, e os infortúnios como que o "procuram", ou-
virá com certeza o comentário: "sim, Você está mesmo com a C!
beça boa para isso". Verá aí o "olhador" umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
disponibilidade
para as "coisas ruins", e até.uma tendência para a auto-des -
truíção: "Homem, pelo jeito Você quer se perder ••. arTe com
tanta coisa!"
3. Qu~ndo se decide que pessoa "tem de ser raspa-
a

da", levam-se em conta suas tendências a experimentar estados


mais ou menos profundos de dissociação. acusadas ernqueixas
como "tem horas que nem sei de mim, nem onde estou ••• sinto
umas esquesitices, fico 'esquecido'o •."; e se ponderam. inclu
sive, manifestaç6es de sua propensão ao transe. Mas tanto nes
377

te caso quanto no daqueles a, quem apenas se recomenda que se


"confirmem", deve acusar-se algo como uma "crise de identida-zyxwvutsrqponmlk
de": "eu ando de um jeito que nem me conheço ••.
..as vezes nem
ligo pra mim mesmo •.• nao me dou mais valor."

4. Os diversos sintomas da perturbaç~o 56 se conver


tem em indícios da necessidade da "feitura" se estiverem asso
sinais outros interpretâveis como revelações do san-
ciados azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
to: sonhos, visões, achados "especiais", "intuições", a vivên
..
cia de epis6dios significativos e insólitos, etc.

5. Torna-se necessário ainda que os pr6prios infor-


túnios do sujeito configurem uma peripécia na qual se possa
ler, de algum modo, o discurso simbólico de uma divindade, que
assim se desenhem os contornos de uma epifania.

Procuramos esclarecer este ponto num estudo que de-


dicamos a "um caso de psicoterapia num candomblé baiano" (cf.
Trindade-Serra, 1976). Parece-nos oportuno agora reportar-nos
a algumas passagens do dito ensaio, onde consideramos a estó-
ria de uma iaô do Tanurijunçara que, antes do ingresso na sei
ta, Vlveu o terrível papel de louca:

li • • • V. hoje em dia acha-se perfeitamente integrada


n~o apenas no candomblé, mas na sua sõciedade, em termos am-
plos; trabalha de forma regular como lavadeira, e suporta a
dureza de sua condiç~o econômica com grande vigor; é amistos~
de trato muito agradável, serena, empreendedora, e demonstra
um alto espírito de cooperação. Comunica-se bem, e pareceu-
-nos sempre muito equilibrada. Uma psiquiatra amiga nossa que
levamos ao Terreiro e passou a freqUentá-Io com certa assidui
dade, nos contatos que teve com a sobredita iaô formou dela.
segundo nos disse. a mesma opinião que nós.
378 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

"As pessoas, todavia, que a conheceram antes de sua


tfeitura', foram unânimes em dizer-nos que V. era intratável,
agressiva. violenta, anti-social. Tinha ataques de fúria, se-
gundo nos relataram, em que investia contra todas as pessoas
próximas. indiscriminadamente, inclusive contra seus f'am í.Lt a-
res - que acabaram por repudiá-Ia. V. ganhou por esta época
uma triste popularidade como Maria Molambo: assim a chamavam
por causa dos trajes esfarrapados com que perambulava pelas
ruas - não raro causando problemas que tornavam necessária. a
intervenção da polícia. Com freqUência. disseram-nos, elapla~
tava-se no meio de uma avenida de grande movimento, e armada
de pedras interrompia o trânsito.
"Por três vezes foi internada de forma compulsória •
num hospital psiquiátrico de Salvador, onde a submeteram, in-
clusive, a eletro-choques. Quando lhe devolviam a liberdade,
ela tornava, de maneira invariável, ao comportamento de ante~
"Foi nessas condições que Mãe Bebê a encontrou, car
ta feita; penalizada com o sofrimento da criatura, decidiu-se
é uma pessoa muito doce e persuasiv~
a abord~-Ia. A ialorixázyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com jeito e carinho, conseguiu que V. fosse até seu Terreiro.
Levou-a logo ao quarto de Ifá" e lançou mão dos sagrados cau-
ris para o jogo divinatório, através do qual confirmou odiag
nóstico que já tinha em mente. Revelou-o então à interessada:
ela não era louca de maneira nenhuma! e jamais o havia sido;
seus transtornos t nham como causador Ogum , um dos maioresori f
í

xás, que desejava habitar-lhe o corpo, fazê-Io instrumento de


suas gloriosas aparições. Bastaria a V. iniciar-se para que
tive$se fim a tribulação •..
C.o.) O diagnóstico da benévola sacerdotiza nao en-
contraria ressonância, todavia, se fosse gratuito~ suazyxwvutsrqponmlkj
lógica
& que o tornou aceitável por parte de todos. a, em primeiro
379 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

é um orixá ttderua", seT'hor dos


lugar, da interessada. OgumzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c9minhos por on3e o segue o tem!vel e perturbador Exu; incum-
be àquele, em primeiro plano, a regência das vias e o cuidado
do trânsito. Caracteriza-se ainda o mesmo co~o um guerreiro
indomável, exaltado e não raro violento, amigo de perambular.
Soldados e policiais Gcham-se ZGb sua custódia. O seu tremen-
do companheiro figura-se, às vezes, como um esfarrapado •••
"( •••) O caso de V. tem muitos precedentes. No pró-
prio Tanurijunçara, uma das 'feitas' 'mais velhas' sofria, an
tes de iniciar-se, segundo nos contaram, acessos terríveis em
que, várias vezes, tentou matar os próprios filhos. Ela hoje
impressiona a todos por sua inefável bonomia. sua placidez e
doçura. Seu santo vem a ser Oxalá, entre outras coisas o res-
ponsável divino pela procriação, zelador da prole; a ele se
atribuíram, significativamente, os transtornos de sua filha.
Também aqui deve assinalar-se a lógica do diagnóstico ••• A am
bivalência dos numes, fato bem conhecido, é de se ter em men-
te para sua compreensao.
"No mesmo Terreiro conhecemos ainda uma afamada Mãe
de Santo, ligada ao axé, filha de Xangô, o senhor do fogo, da
qual nos contaram que antes de seu ingresso na seita viu-se
perturbada a ponto dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
inoendia~ várias casas na cidadezinha
onde morava."
Muitos outros exemplos poderíamos aduzir. Uma anti-
ga e veneranda "feita" de Omolu contou-nos que, antes de ini-
ciar-se, a tal ponto lhe pesou o carrego de santo que ela pe!
deu todas as suas posses e ficou reduzida a pedir esmolas. Um
dia, quando errava pelas ruas em estado miserável, um mendigo
majestoso aproximou-se dela e a abençoau ..• Este "sinal" le -
vou-a ao Candomblé. Lembremos que, segundo o Povo da Seita,
Omolu é "um santo vivo", que erra pelo mundo e aparece quase
sempre com a figura de um mendigo.
380

NOTAS AO CAP!TVLOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
1 1 (PARTEzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
V)

é apenas a purifica-
1. O objetivo deste procedimento ritualzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
ção dos pacientes. Como se diz no Candomblé, "serve para
limpar o corpo".
2. Binon Cossard (1970) narra casos semelhantes.
imposição do destino, é, nestes casos,
3. O que se herda. porzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um "compromisso" com as divindades, cujo arbítrio escolhe,
entre os decendentes de uma pessoa iniciada, o novo porta-
dor do "carrego". De qualquer modo, pode dar-se o caso de
que os filhos de uma Ialorixá. por exemplo. "nada tenham a
ver com o Candomblé".
4. Cf. Atos 11, 29.
CAPfTULO 111 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

AS VIAS DA CATARSEzyxwvutsrqponmlkjih

} .
382

Num pequeno e brilhante estudo. Me1atti (1970) pro-


cura evidenciar as relações entre determinados mitos dos
dios Krahó - que versam, inclusive, sobre as próprias origens
da instituição xamânica - e "as histórias que certos membros
deste grupo indígena dizem ter vivido ao se transformar em xa
mãs" (cf. opus cizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
t . , p.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
65). Dist ingue aí o antropólogo os
dois tipos de relatos considerados com denominá-los, respect!
vamente, "mito coletivo" e "mito individual".
Acredi tamos que a mesma coisa se aplica ao caso do
Candomblé. De bom grado, chamaremos de "mitos individuais" às
narrativas que nos foram feitas pelos iniciados no mistério
negro acerca da sua trajetória rumo ao runkó - narrativas de
tribulações, como as colhidas entre os xamãs Timbira, e igual
que estas assinaladas por um simbolismo profundo, perceptível
tanto no fato de incluirem a menção a revelações divinas (so-
nhos etc.) em episódios decisivos, quanto no teor de seu enre
do: segundo vimos, há sempre uma analogia, m:J.isou menos mar-
cada, com a legenda dos orixás.
Ademais, nas perip6cias do ingresso no gr~mio m{sti
co dos Terreiros, interfere, de um modo invariável, um herme-
neuta, o "olhador", que procede ao exame do caso e se reporta
para isso, no jogo divinatório,. a paradigmas mitológicos ("c.2.
letivos", no sentido de Melatti).
Por outro lado, bem se ve que o rito da inquita,pr.2.
tagonizado pelos erês, dramatiza a odisséia do neófito, quan-
do encena uma desvairada e patética peregrinação cujo termo
se alcança com a descoberta de sacra das divindades.
Parece-nos que as estórias dos "feitos" são autênti
cas num sentido profundo; o estudo de sua 'mitopéia' possui
um extraordinário interesse. Por aí se pode perceber a que
ponto modelos inconscientes da cultura operam fornecendo dire
383

trizes para a conduta de pessoas que "saem da trilhazyxwvutsrqponml


COL.U::-.,

e condicionam sua percepção da própria experiência.

Essas narrativas reportam. segundo dissemos, tri::.:.-


laç6es diversas (poucos são os casos de indiv!duos inicia~:s
sem passar pela aflição; mesmo dos nascidos no Tunkó. se n:s
c0locarmos de acordo com o ponto de vista dos crentes, pc~er~
mos dizer que cumpriram uma 'via sacra' pri-inici~tica: ~:lS

dá-se a eles o nome de abiku .••).

Examinamos este ponto num outro estudo, que rea:i:~


mos em conjunto com Ibáfiez-Novion (cf. Ibá~ez-Novion e Tri~~~
de-Serra, 1978:58-59). ao falar ai emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
crise de con~e~s~::

"Por 'crise de conversão' entendemos a serle ~ezyxwvutsrq


~e~
turbações de diversa natureza que de forma regular constit"J.:.
ou se estima constituir, a peripécia pré-iniciática ~e "J.~ i~-

divíduo detentor de um papel litúrgico num culto entusi~s:i~:


(como a Umban da , o Espiritismo, o Candomblé, t i.nbé ) ," zyxwvutsr
o Cazyxwvutsrqp

As tribulações da crise de conversão podem, ~::S.


cifrar-se em infortúnios diversos, entre eles distúrbi~s ~~~-
cabidos, em princípio, como doenças, e até classifica~cs
os rótulos de enfermidades especificas - mas enfermida~es :~
que a representação se delinei~ numa perspectiva idecl~~i:~
na qual se admite a dupla e t í.o Lo gi.a, "f!sica" e "mística" ,>-_~
virta-se que distinguimos aqui entre 'enfermidade' e 'dce~;~'
conforme preconiza a moderna Antropologia Médica; cf. ares -
pe i to Eisenberg. 1977; Fabre ga , 1972; Fabrega anel Ma::n::-.;-
,
1973; Young, 1976; etc.). Em todo caso, mesmo quando css~s
aflições se reduzem a insucessos outros, deve lembrar-se '1-:=

em última análise estas se reportam a um "estado ne ga t í.vc


sujeito" e se correlacionam com uma "crise de ic1entiê?:e·.
alim disso nunca aparecem desacompanhados de problemas qUç

sequela de Skultas (1976) chamaremos de 'sócio-somáticos',


,
384 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

Como diz o povo do Candomblé, "o carrego de santo


traz semprezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
perturbação, e toda perturbação carece de ser tra
tada". No caso, o tratamento adequado é "fazer a cabeça".
Merece agora ser ponderada uma observação de Young
em seu magnífico ensaio já citado:
" ••• some sickness episodes also perform an ontolo-
gical role - communicating and confirming important ideas
about the real world - analogous to the one which Durkheim,
Geertz, Turner and others have attributed to religious beliefs
and ritual. (•..) As a dramaturgical event, sickness is episo-
dic in time and focused in space; it is clearly set off from
everyday life; there 1s a sense of audience. for participants
are carefully distinguished from outsiders; participants are
fitted in a small number of highly sterotyped roles that are
played accord i ng to a more or Less fixed program (i.
e •• with
the knowledge and acceptance oi a sinrrle set af rules) on a
field dense with expressive symbols; there is the expectation
that events will proceed towards a climax; the episode is ma!
ked by a mood infused by extraordinary emotions rising out of
man's profoundest fears; and it is sustained by a clearly
articulated dialectic of persons and forces that lends a coh~
rence to the world of events' anelexperiences that is lacking
or obscure in hundrum situations."
Por certo, "O que Young chama 'sickness episode' P2,
de corresponder não apenas a uma situação determinada pelo
evento de uma doença stricto sensu, mas ainda, segundo nos p!
rece, as circunstâncias de uma crise (.••). ou ao desenvolvi-
mento de aflições de v~rios tipos" (Ibá~ez-Novion e Trindade
-Serra , opus czyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
i.t •• p. 68).
385 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI

De qualquer maneira, a potencial idade de certos epi


sôdios de doença para cumprir o papel que Young lhes atribui
só chega a atualizar-se por intermédio do estabelecimento de
correlações entre os mesmos e determinados esquemas simbóli -
cos; é a partir daí que se dramatizam, ou têm seus aspetos era
m~ticos acusados ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tornados significativos.

No trabalho de que extraímos o primeiro coment~rio


acima à tese de Young, e que encerra um estudo dos Sistemas
Tradicionais de Ação para a Saúde no Noroeste de Minas Gerais,
os autores examinam as idéias em vigor na área sobre o que de
nominaram "odisséia da doença" e assim definiram:
"Chamamos de 'odisséia da doençazyxwvutsrqponmlkj
um conjunto de ePi
I

sódios de alcance muito vasto e profundo na história do sujei


to, capazes de afetar suas perspectivas e crenças de maneira
às vezes radical, e relacionadas com o evento de uma moléstia
cr3nica ou muito prolongada (..•) Pode compreender uma longa
peripécia (..•); produz, quase sempre, alterações psicológi -
cas, e efeitos estigmatizantes sobre a identidade social do
sujeito; não raro leva a 'crises de conversão', com mucanças
de critérios axiológicos e pautas de proceder." Verificou-se,
ainda, que a passagem por uma 'odisséia da doença' se consti-
tuía num pré-requisito obrigatório para a assunção de certos
papéis profissionais de agénte de saúde no contexto tradicio-
nal - da mesma forma que, p a ra a inveatidura em outros simiZa
res, se exigia a vivência prévia de uma 'crise de conversão?
Os dois requisitos puderam mesmo ser computados como tendo um
idêntico valor quando se tratou de delinear as variantes do
"triângulo terapêutica" que correspondi3.m ao definir-se de ca
da subsistema iátrico tradicional em vigor na área. Notou-se,
por fim, que se tendia a cifrar no idioma da doença as afli -
ções 'iniciáticas'.
386

Uma coisa, no entanto, deve advertir-se bem: uma


'odiss~ia' do tipo referido apenas se define corobase em uma
certa interpretação de suas peripécias, leitura tornada possí
vel pela existência de um referencial simbólico adequado.
Seja como for, insinua-se aqui algo de muito notá -
velo A percepção de determinados 'sickness episodes' no mundo
dos Canàomblés pode analisar-se nos termos de Young, e num
sentido ainda mais profundo; aí as 'crises de conversão' se
descrevem também de maneira semelhante a uma 'odisséia', cu-
jas peripécias, as mais variadas, têm um paralelo - quando
não uma tangência - bem advertido nas vicissitudes dos enfer-
mos. Este paralelo em muitos domínios diferentes, ao que tudo
indica, é traçado, ou intuído. de forma costumeira - e a ana-
logia se descobre tanto a partir de um dos campos como desde
o outro; o poeta Gérard de Nerval, numa novela famosa. falou
de sua própria loucura como uma "descida aos infernos". uma
cat~base - representação profundamente ligada ao contexto dos
cultos de mistério; Thomas Mann, nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
Montanha Mágica" pinta a
doença de Hans Castorp da mesmazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
maneira ...

o Povo de Santo designa com a palavra "perturbação"


tanto distGrbios 'patológicos' quanto afliç6es outras, de ori
gem mística. Todavia, os membros dos Candomblés distinguem
muito bem as coisas que assim comparam. "Você não é louca",
disse a Mametu Conderenê a uma pobre mulher desvairada - e em
seguida o provou. Aqueles a quem os orixás ferem de moléstias
não adoecem como os outros. nem como os outros se curam. As
enfermidades e transtornos 'normais' ou se resolvem e sanam,
ou matam por fim. O homem afligido por um deus amante morre
para salvar-se, através da iniciação. Esta diferença simbóli-
ca pesa muito.
387

As tribulações do neôfito têm sempre um caráter 'ti


ê imposto ou atribuído em interpretações consa
pico' que lheszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
f ra que permâ te decodificã-las constitui um
gradas; a cizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ "roito
coletivo". À falta desse interpretante. a mesma trajetória se
torna absurda.
"Precisamente porque as condutas xamanísticas são
normais, resulta que, nas sociedades onde há xamãs, podem ser
normais determinadas condutas que, alhures, seriam considera-
das (e o seriam efetivamente) patológicas. Um estudo compara-
tivo dos grupos xamanísticos. numa área geográfica restrita,
mostra que o xamanismo poderia desempenhar um duplo papel fa-
ce a disposições psicopáticas: explorando-as de um lado, mas.
de outro, canalizando-as e estabilizando-as. Parece, de fato.
que sob a influência do contacto com a civilização, a freqUên
cia das psicoses e das neuroses tende a elevar-se nos grupos
sem xamanismo, enquanto que nos outros é o próprio xamanismo
que se desenvolve, mas sem acréscimo de perturbações mentais"
(Lévi-Strauss, 1974:1l~ cf. NadeI, 1946).
A partir daí, um ponto se torna pelo menos verossí-
mil: os loucos e perturbados, em grande medida, apenas jogam
um jogo que em sua cultura não foi inventado, dançam a música
do nonato.
Devemos ponderá-lo bem. Uma conduta será desviante'
I

ou 'incorreta' - por mais que siga um modelo imposto, segundo


diz Linton, embora o restrinja a certos casos até ao momen-
to em que o sujeito se dê conta da imposição, e a assuma. Ma-
metu Conderenê curou V. ao dizer-lhe quem, ou o que, ela imi-
tava. Já quanto não pode reportar-se a um semelhante 'paradi~
ma' continua como 'simples' loucura, doença, tribulação,zyxwvutsrqponml
Ge-
dankenexperienz de uma possibilidade imprevista, ou experiên-
cia patética de uma coisa reconhecida incontrolável.
388zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

o xama. na verdade, busca tomar posse do mal que o


aflige; na medida e~ que o logra, torna-se um purif:cador.

Inspirando-se em Lévi-Strauss (cf. 1970. cap. X),


que criou o termo "ad:::-eação" a partir de flabreação" para de-
signar o procedimento da cura xamanística, Luc de Heusc (1966),
em estudo sobre o mesmo tema. e visando caracterizar a ideolo
gia entusiástica forjou a palavra "adorcismo"zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
t (adorcisma) co
-.
mo um antoD1mo e de8r1va
r zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
í d o d e exorctsmo.
. I

A prática adorcista consistiria, assim, nao em afas


tal'e esconjurar a entidade julgada responsável pelos males e
arrebatas do paciente, mas no contrário disso, ou seja, em e!
tabelecer vínculos formais, seguros. 'corretos' e definitivos
entre eles. Ainda neste caso, note-se bem. o espírito 'íncubo'
é visto como fonte das aflições que atingem o sujeito que
deve, para dar-lhes termo, conciliá-lo. submeter-se a sua von
tade (conhecida ou reconhecida através de um especialista) ;
assim o êxtase controlado e benéfico sucede ã nefasta "posse!
s~o ã dist~ncia",2 ou o transe antes violento se regula, e o
perseguidor torna-se em protetor; por outro lado, a ex-vítima
quase sempre ipso facto se capacita para o exercício da cura.
vê-se com facilidade que deste modo um indivíduo
passa da condição de "protagonista da doença" para a de "pro-
tagonista da safide,,:3a vivência daquele papel o conduz em li
nha reta à deste.
Pouillon, num magnífico estudo, comparando as duas
perspectivas mencionadas (a "exorcista" e a "adorcista") e
ainda a do xamenismo 'c15ssico' em sua definição estrita,mais
a de outros 'sistemas m~dicos!. atento, pois, ao fato de que
em todas as referidas instincias ~ questão de uma terapia
389

num tal contexto, o sentido etimológico desta palavra revela-


-se muito esclarecedor -, procede ao esboço de uma análise de
grande amplitude das variantes possíveis do que chama "lezyxw
t r i angle t zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
hâr apeutí que" (cf. Pou í.L l on , 1975:77-103). IbaÍÍez -
-Novion e Trindade-Serra (opus cit., pp. 99-104) explanaram e
desenvolveram esta proposta, adaptando-a aos termos do que a
seu juízo constitui o esquema fundamental da Teoria Antropol~
gica da Ação para a Saúde, teoria eu-
jas bases lançara Steven Polgar (1962, 1963). Advertiram, na
sequela do sábio francês, que "as varias formas como, em domi.
nios culturais distintos, se representa a ação do terapeuta ,
correspondem aos modos diversos em que, em cada caso, se rela
cionam o papel de agente de saúde, o de paciente, e o fator
doença, crise ou distúrbio"; e buscaram aplicá-Io ao exame de
(sub)sistemas médicos tradicionais em vigor no seio de uma s~
ciedade complexa, encontrando, com efeito, "variantes distin-
tas, embora próximas", da figura de Pouillon. O procedimento
adequado consiste em uma avaliação das possibilidades existen
tes em cada instância de ligar uns aos outros os três "pontos'
acima referidos (1. papel de agente; 2. papel de paciente; 3.
fator doença, crise ou distúrbio), representáveis como vérti-
ces de um triângulo, de tal modo que o traço de união signifi
que relação constitutiva. Há casos, como o do Sistema Médico
Ocidental, em que só é cabível ligar assim 1 e 2, po~s só e-
xiste um vínculo constitutivo entre' 'moléstia, c~i~e'ou pe~ ~
turbação' e 'protagonista da doença'. Por outras palavras, e~
te último !létal por que se acha sob o efeito da moléstia e a
assume. Ademais, isto cabe predicar-se apen~s dele. O médico,
de fato, pode estar enfermo quando trabalha, mas não é neces-
sário, de modo nenhum, que para e ao fazê-lo se encontre com-
balido, vivencie uma crise ou perturbação qua.lquer. Não prec,!.
sa, tampouco, para definir-se como profissional da saúde, de
I
i j
"
j
390 j

j
ter pa~~do algumazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vez pela condição de quem procura seus serzyxwvutsrqpon
'-'" '-'
-

viços·- embora possa, claro está, já haver enfermado e sofri- j

do tratamento, segundo na maioria dos casos ocorre." Coisa j


bem diversa dá-se com incumbentes do papel de terapeuta que
j
atuam como profissionais no contexto de outros sistemas m~di
cos: "OzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Rezador, o Curador-Rezador e o Curador Chazeiro$ nozyxwvutsrqponmlkjih j
t o c ruc i.a l da cena terapêutica. assumem a moléstia, cri··
momen zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH j
se ou distúrbio do paciente - e posto isso devem eles próprios
j
tratar-se, com uso de um meio catartico. Sua capacidade de a~
sim enfermar é essencial a seu desempenho. Dito de outra ma- j
neira, eles vivem a moléstia da pessoa a seus cuidados, e além j
disso conformam-se no ato ao papel de protagonista da doen-
ça." j

Na terapia do adorcismo, podemos falar de uma crise j

assumida pelo agente, e do pr~-requisito da passagem pelo o- j


posto para a assunção deste papel. A respeito d~ dita terapia
j
comentam ainda os autores citados acima (p. 98):
j
"Uma característica muito importante da praxe ador-
cista cifra-se no fato de que a mesma implica num processo de j
ressocializaç~o do paciente, que i induzido a iniciar-se de j
maneira mais ou menos formal para obter a cura •.•"
j
(Advirtamos ainda que a do adorcismo nao constitui a
.- j
única "ticnica iátrica"S utilizada no contexto do sistema tet
nomédico,6 do Candomblé, muito rico e complexo - não é este, j
todavia, o lugar apropriado para abordá-Ia em sua totalidade)'l
j
Facilmente se percebe que as colocaç~es de Pouil1c~ -
.. j
e de Heusch se aplicam muito bem ao caso do culto por nos es- -
tudado. Diante do que aqui já foi dito, parece-nos desnecessi ; j
rio insistir no papel do erê no processo da ressocialização j
dos ne6fitos. Mas, sem dfivida. constitui um ponto muito sig~~~
j

j
391

ficativo o fato de concentrar-se o mencionado processo. nos


é a criança divi-
Teryeiros,em torno de uma tal figura: o erêzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
na - e a criança se percebe, no dito meio, de u~a maneira que
corresponde à definição dada por Lévi-Strauss (1976:133), em
termos evocativos de uma célebre frase de Freud: ou seja, co-
mo "um social-polimorfo". Por falar em Freud, lembremos ainda
que Ziegler (1972) notou, de passagem, uma semelhança profun-
da, justo neste ponto, entre o sistema do 'Candomblé e a Psica
nâlise: em ambos se postula a necessidade de um "retorno à in
fância" para a superação de distúrbios.
Limitemo-nos, por agora, a mais um breve comentiri~
Se, durante a crise de conversão, conforme assinalamos, o su-
jeito, ainda que inconscientemente, adota uma conduta a qual
se interpreta, no passo seguinte,como relacionada com manifes
tações de um 'protótipo' divino, e por referência a este 'pro
t~tipo' se explica (a pessoa, segundo desta forma se postula,
a modo que encena a gesta de um deus, e o enredo de seu "mito
individual" constitui quase um reflexo 'destorcido' do de ou-
tro, "coletivo"). no período iniciático, quando enca.rna o ere,
o neófito imita, de maneira um tanto caricatural - logo, tam-
bém, "destorcida" - o mesmo modelo. Isto de certa forma nos au
toriza a dizer que na cena lit~rgica protagonizada pelaszyxwvutsrqp
cri- zyxwvu
anças se re-presenta, inclusive, a crise do começo. Talvez o
fato apontado signifique a demanda de cura através da dramati
zação dos 'distúrbios' radicais. Os ritos de que tratamos pro
piciariam assim uma verdadeira catarse.
Nestes últimos capítulos esboçamos os rumos,que nos
parecem promissores, de investigações a ser empreendidas e r~
novadas para a inteligência de um aspeto importante do siste-
ma de ação para a saúde que o Candomblé, entre outras coisas,
representa. Nossa Dissertação volta a ser, aqui, o que foi no
./

começo: um projeto de pesquisas, e um programa de reflexões.


392

NOTAS ~O CAPITULO II! (PARTE V)

1. As duas táticas não são mutuamente exclusivas como de


Heusch e Pouillon por vezes fazem crer. Pelo contrário, e-zyxwvutsrqponmlkjihgfed

xorcismo e aclorcismo freqUenteMente se combinam na. praxl.s , I

f
de religiões entusiásticas diversas.
2. A expressão foi cunhada por Pouillon. opus cito
3. Na terrninolopia de Palrar (1962, 1963); ver ainda IbâÍiez--
-Novion e Trindade-Serra (1978).
4. O termo "terapia" vem do grep:ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
therape{a, que designa tan-
to uma atividace médica quanto o culto de divindades.
S. Ver, a propósito, Ibânez-Novion e Trindade-Serra, opus Ci~~1
Os autcres referidos distinguem entre "iátrico" e "médico",
reservando o primeiro termo para desir,nar os saberes e pr~
xes de apentes profissionais da sa~de.
6. Usamos aqui o termo "etnomédico" no sentido de KleInmann ,zyxwvutsrqpo I

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