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A queda do Muro de Berlim, a crise do marxismo e a decadência das utopias tiveram

efeitos devastadores sobre o saber sociológico. No mundo líquido, fragmentado e


disforme onde vivemos, dominado pelas formas imperfeitas, não parece mais possível
pensar no estudo científico das sociedades e na definição das leis que as regem. Para
muitos, a sociologia perdeu a importância. Já não pode dar conta de um mundo que se
dilui e não mais se submete a leis fixas.

Não é bem o que pensa o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, de 84 anos. Em


"Aprendendo a Pensar com a Sociologia", livro escrito com Tim May, ele defende a
ideia de que a sociologia continua potente, porque continua a desafiar os clichês do
senso comum.

Praticada não mais como dogma, mas como um instrumento de interrogação da vida
social, ela nos faz ver que os aspectos mais familiares da vida, aqueles que nos parecem
simples e banais, podem ser repensados. Com isso, facilita o fluxo e a troca de
experiências e transforma nosso cotidiano. Se a filosofia nos ajuda a morrer, a
sociologia nos ajuda a viver. (grifo meu)

Em seu novo livro, Bauman reflete sobre o modo como a sociologia pode nos ajudar,
objetivamente, em nossa vida pessoal. A maneira como ela estabelece limites, molda
perspectivas, enfim, desenha opções e, também, impossibilidades. A seu ver, a
sociologia é, antes de tudo, uma prática. "Ao ampliar o horizonte de nosso
entendimento, ela é capaz de lançar luz sobre o que de outra maneira poderia passar
despercebido no curso dos acontecimentos", escreve.

A sociologia, diz Bauman, parte da constatação de que as condições gerais da sociedade


produzem consequências drásticas em nossa vida pessoal. Que elas atingem nosso
cotidiano e influem nas coisas mais banais da existência. Isso não quer dizer que não
tenhamos escolha ou que não sejamos livres; quer dizer que essas escolhas e essa
liberdade estão moldadas pela força das contingências. Saber pesar a relação entre
liberdade pessoal e dependência é a chave do viver bem. Ficar só com um dos aspectos -
julgar-se absolutamente livre ou irremediavelmente prisioneiro - só bloqueia nosso
caminho.

A vida em sociedade nos leva a deparar com pessoas "estranhas", isto é, que não se
enquadram em nossos modelos e expectativas, lembra o sociólogo. Com a globalização
e a profusão de "estranhos", expandiram-se os mecanismos de segregação social -
seguranças, grades, crachás, bilheterias, recepções, etc. Em vez de dominar esses
"estranhos" ou de fixá-los em padrões, afirma Bauman, a sociologia nos ajuda a lidar
com eles. Desse modo, deixa de ser uma ciência dura, que estabelece e define, para se
tornar um saber móvel, que busca uma sincronia com o mundo.

"Isso não significa dizer que a sociologia tenha o monopólio da sabedoria no que diz
respeito às experiências", alerta Bauman. "Muito embora sem dúvida as enriqueça nos
ajudando a compreender melhor com os outros e por meio dos outros." Ciência, antes de
tudo, do outro, a sociologia não pode se congelar no culto ao mesmo e à repetição. Ela é
um "pensamento que não refreia", define, e facilita o fluxo e a troca de experiência entre
os diferentes.

Ainda assim, no confuso mundo de hoje, inquietos, buscamos "soluções" para nosso
desassossego. Para conter as incertezas, preferimos nos fixar em uma imagem qualquer,
nem que seja na simples aparência. Baseada nas semelhanças, a aparência pode nos dar
a ilusão - porque usamos a mesma marca de automóvel, de perfume ou de tênis - de que
pertencemos a determinado grupo. Pode nos fazer crer que sabemos onde estamos e
quem somos. Quando, na verdade, continuamos perdidos.

Outros "se salvam" da inquietação adotando uma rotina ou imitando rotinas alheias.
Essa proximidade, no entanto, não assegura o sentimento de "responsabilidade moral" -
que surge quando um sentimento de responsabilidade brota em nós, voltado para o bem-
estar e a felicidade do outro. Ao contrário: o sentimento moral, diz Bauman,
frequentemente aparece entre pessoas que não têm a mesma aparência e estão
fisicamente muito distantes. Nem as aparências nem as semelhanças garantem a
fraternidade.

Uma comunidade não se define pela proximidade física ou pelas semelhanças aparentes,
ele insiste. Uma comunidade se define por uma "unidade espiritual". Resume: "A
comunidade é mais um postulado que uma realidade". Compartilhar as mesmas
inquietações e dividir os mesmos ideais, e não estar lado a lado fisicamente ou se
espelhar no outro, isso sim é viver em comunidade. As redes sociais se formam graças
às expectativas em comum - e não por causa de alguma condição natural ou de
coincidências.

O dever moral, admite Bauman, costuma entrar em colisão com o sentimento de


autopreservação. "Um não pode reivindicar ser mais natural que o outro." Há, sempre,
uma tensão em jogo e é preciso enfrentá-la, administrá-la - embora nunca se chegue a
resolvê-la. O mesmo ocorre nas relações amorosas. Nelas, as realidades dos dois
parceiros nunca são idênticas. A própria ideia de intimidade pode ser uma armadilha. As
diferenças podem ser tão esmagadoras, ele adverte, que os parceiros farão exigências
um ao outro que jamais poderão cumprir. Também no amor, o estar ao lado exige
respeito. Amar é trocar diferenças e estilos. É mais uma troca que um encontro.

Não se deve esperar, diz Bauman ainda, que a sociologia "solucione problemas". A vida
não é um "problema a resolver". Ele alerta: "Cada nova tentativa de ordenar uma
parcela ou uma área específica da atividade humana cria novos problemas". Não se deve
querer que a sociologia forneça soluções para os conflitos sociais. A sociologia não nos
diz como resolver um problema. Ela se limita a apontar o problema com que devemos
lidar. E isso já é muito.

É verdade, isso nos frustra. Na sociedade de mercado, lamenta Bauman, só queremos a


perfeição. Consumimos compulsivamente, em busca de um estilo de vida perfeito.
Nunca o atingimos, e isso perpetua o consumo, mas não nos aproxima de uma solução.
"Somos continuamente encorajados a consumir em nossa busca do inatingível - o estilo
de vida perfeito em que a satisfação reine, suprema."
Muitos ainda acreditam que sociologia pode nos apontar o melhor caminho rumo à
perfeição. Não pode. Nem é para isso que ela existe, adverte. A sociologia, ao contrário,
mostra que a solução inexistente é, na verdade, o que nos impede de aceitar o outro e de
avançar. É a busca frenética de uma solução que nos impede de viver. Nesse sentido,
toda sociologia é uma sociologia da imperfeição. "O grande serviço que a sociologia
está preparada para oferecer à vida humana é a promoção do entendimento", diz. Não
existe sociologia sem tolerância. ]

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