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A Poetica de Bachelard
A Poetica de Bachelard
, São Paulo,
20:123-137, 1980.
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riam facilmente demolir certas afirma- ficos, o que nos interessa diretamente é
ções apriorísticas; outras, como a igno- La Formation de Vesprit scientifique,
rância de obras contemporâneas impor- que paradoxalmente completa o proces-
tantes sobre a psicologia animal (Man- so montado contra a imaginação, e le-
suy 8, p. 68) que invalidam a sua teoria. vado a cabo durante todo o período de
Assim também todos os erros possíveis sua fase científica, isto é, de 1912 a
provenientes de uma posição absoluta- 1938.
mente subjetiva e ingênua com relação
à obra poética, pecado capital para os O objetivo de La Formation de
espíritos lógicos, pelas tendências da crí- Vesprit scientifique é denunciar o papel
tica estruturalista contemporânea. Mas, da imaginação nos erros que cometeram
apesar disso tudo, o encantamento per- todos os cientistas dos séculos passados,
manece através dos devaneios suscitados desde a alquimia até nossos dias. Para
por essas páginas originais. Bachelard, é preciso purgar ou libertar
a inteligência de qualquer influência da
Bachelard é homem de um outro imaginação, para que ela possa atingir a
mundo — um boêmio ingênuo, poeta da verdade através da razão. "A finalidade
"matéria" e também um violento inimi- que visa La Formation de Vesprit scien-
go da sociedade de consumo. Mergulhar tifique", resume Michel Mansuy, "é pre-
no mundo de Bachelard é entrar numa cisamente de passar em revista as prin-
época que se afasta de nós, em que cipais causas de erros ou, para empre-
gar uma expressão bachelardiana, os
nossas mãos, nossa vontade, a imagina-
obstáculos epistemológicos contra os
ção, a sensibilidade serviam para cons-
quais a ciência veio se chocar. A obra
truir nosso mundo — esse mundo que
negligencia os aspectos que estão no ob-
hoje recebemos já fabricado pela indús-
jeto mesmo, como a fugacidade ou a
tria e pela publicidade. O mundo ba- complexidade dos fenômenos: aqueles
chelardiano ainda não desapareceu in- que se prendem às irremediáveis deficiên-
teiramente de nossas recordações, pois cias de nossas faculdades, às fraquezas
sempre nos restam perfumes adormecidos dos sentidos e às deficiências de nosso
da infância, algumas lembranças apaga- cérebro. Bachelard ataca os obstáculos
das de parente falecido idoso, velhas fo- que se situam fora do obejto e podem ser
tografias, cartas e papéis antigos .. . atingidos: conclusões apressadas, formas
falsas de pensamento, associações de
Hoje, a imaginação bachelardiana idéias mais instintivas que conscientes e
poderia até mesmo ser classificada entre muito sentidas ou vividas para serem
aqueles erros em que caíram os cientis- atingidas facilmente pelo crivo do espí-
tas antigos e que Bachelard critica fe- rito crítico". (Mansuy 8, p . 1 8 ) .
rozmente .. .
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jetiva nunca pôde se realizar, onde a se- Nos primeiros capítulos, Bachelard
dução primeira é tão definitiva que ela apóia-se em exemplos tomados do com-
deforma ainda os espíritos mais lúcidos portamento de povos primitivos. No ca-
e leva-os sempre ao abrigo poético on- pítulo VI, entretanto, ele muda de tom
de os devaneios substituem o pensamen- e mergulha já numa meditação poética
to, onde os poemas escondem os teore- sobre as imagens sugeridas pela contem-
mas." (Bachelard 5, p . 1 0 ) . plação do ponche em chamas e que o
afasta das preocupações científicas. En-
Bachelard pretende pois "curar o tão, os exemplos são tomados quase to.
espírito dos seus prazeres, arrancá-lo do dos à poesia. Pela primeira vez, pois, ele
narcisismo que a evidência primeira concede à imaginação poética a aptidão
cria dar-lhe outras certezas além da nos- de conhecer, através do devaneio, cer-
sa, outras forças de convicção, além do tas realidades da alma humana, as
calor e do entusiasmo, resumindo, pro- quais escapam aos métodos do conheci-
vas que não fossem chamas!" E conclui: mento objetivo. No capítulo seguinte ele
"É preciso que cada um destrua mais retoma as idéias do início para comen-
cuidadosamente as suas 'filias' que suas tar a pureza ou a impureza do fogo,
fobias e suas simpatias pelas intuições depois de propor sua teoria dos quatro
primeiras." (Bachelard 5, p. 14-16). elementos — fogo, ar, terra e água —,
que estão na base de todo devaneio poé.
Nos primeiros capítulos comenta tico originado por sua vez das imagens
os complexos mais comuns ligados ao primitivas, inconscientes: os arquétipos.
fogo, como o desejo de possuir o fogo
contra a vontade dos deuses (complexo Se poderia pensar que, depois da
de Prometeu); o desejo irracional de se Psicanálise do fogo, Bachelard continuas-
deixar consumir pelo fogo (complexo de se a estudar a imaginação dos elemen-
Empédocles); o fogo associado ao amor tos. Mas ele ainda escreve um livro onde
correspondido (complexo de Novalis) trata sobretudo da purificação do ho-
ou ao amor culpado (sentimento de mem. Não mais da inteligência, mas do
consumpção, de auto-punição, imagens humano, É o livro Lautréamont (1939),
de inferno etc). onde Bachelard, em vez de uma análise
literária da obra, apresenta uma análise
Sustenta, contra a opinião dos an- psicológica, orientada pela psicanálise.
tropólogos em geral, que "homem é uma Ele não se propõe a tarefa, partindo dos
criação do desejo e não uma criação da Cantos de Maldoror como exemplo, de
necessidade". (Bachelard 5, p . 2 4 ) . . Ele denunciar "a tendência que faz o homem
não aceita que a descoberta do fogo pe- regredir ao animal". (Mansuy 8, p . 6 1 ) .
los povos primitivos tenha sido causada Para ele, "o bestial representa um arqué-
pela fricção de dois pedaços de madeira, tipo particularmente vivaz e muito car-
ao acaso ou deliberadamente. Segundo regado de emoções". (Mansuy 8, p . 6 4 ) .
ele, esta teoria não explica (e sobretudo A semelhança do animal com o homem
não prova) como o homem teria chega- leva este às vezes a confundir as duas
do a essa experiência da qual resultaria naturezas e, dominado pela segunda,
a descoberta do fogo. Para ele "o amor acontece-lhe de abandonar sua natureza
de homem para se conceber apenas co-
é a primeira hipótese científica para a
mo animal. A metamorfose de Kafka e
reprodução objetiva do fogo". (Bache-
de Maldoror seriam exemplos literários
lard 5, p.47).
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evidentes de involução do homem. "Para idéias num estilo poético muito pessoal
Bachelard", escreve Mansuy, "o essencial que envolve o leitor pelo seu encanto e
é agora psicanalizar a besta, isto é, des- o transporta no mundo de sonhos que
truir o obstáculo animal de modo a quer explicar. Apela para exemplos poé-
permitir a plena realização do homem". ticos marcantes e algumas vezes apre-
(Mansuy 8, p . 6 6 ) . senta a análise global de um poeta e seu
elemento, como é o caso de Poe.
É somente em 1942 que Bachelard
retoma sua , teoria da imaginação dos Passa rapidamente sobre as "águas
quatro elementos para desenvolvê-la. primaveris", consideradas superficiais e
Mas, a partir de L'eau et les rêves, o também sobre a "água violenta", que
primeiro livro da série, ele já mudou não o agrada, mostrando sua evidente
completamente de posição: abandonou o preferência pelas águas calmas e melan-
conhecimento objetivo, científico, e vol- cólicas dos lagos e ribeiros, capazes de
tou-se para seu pólo oposto: agora, despertar nele devaneios doces e calmos.
preocupa-se unicamente com os conheci-
mentos subjetivos, com as possibilidades Termina esta obra com um capítulo
da imaginação poética e do sonho. Agora, sobre a "a fala da água", onde reforça a
e "contra a maioria dos filósofos e psi- corrente que se interessa pelas sonorida-
cólogos que o precederam", resume des como meios importantes de expres-
François Pire, "a imaginação não é uma são poética. Para Bachelard, a "água é
função derivada, mas o cerne mesmo do a mestra da linguagem fluida, da lingua-
psiquismo. Ela é também independente gem sem choques, da linguagem contí-
da percepção e da idéia, e acima de nua, da linguagem que abranda o ritmo,
tudo, ela tem o privilégio de criar um que dá uma matéria uniforme a ritmos
mundo 'suprarreal' cuja realidade não é diferentes." (Bachelard 6, pp. 250).
menos segura do que a realidade do uni-
verso da percepção". (Pire 9, p.8). Este capítulo final, ao contrário dos
outros, não é uma dissertação dialética,
Bachelard abandona assim qualquer nem uma síntese do livro, mas um con-
preocupação de demonstração e se deixa vite ao poético, familiar para os leito-
guiar pelos seus elans anteriores diante res de Bachelard, um convite para que
da água, como elemento arquetípico e o leitor se entregue ao suave devaneio
fundo inconsciente produtor de imagens. do riacho e o viva, não somente pela
Coerente com a crítica que faz à ana- imaginação da matéria, propriamente di-
lise literária tradicional, pretende daqui ta, mas também que ele se deixe levar
para a frente "explicar o sonho pelo pelos encantos anuladores de angústias da
sonho"... Deixa-se assim arrastar para "imaginação murmurante":
meditações sobre os temas da água,
aqueles que sabe viver intensamente co- "Estas correspondências das ima-
mo o "complexo de Ofélia", a água ma- gens com a palavra são as cor-
terna e a água feminina, as águas com. respondências verdadeiramente sa-
postas (a água e a terra, que formam a lutares., A cura para um psiquismo
massa, por exemplo), a supremacia da dolorido, para um psiquismo deso-
água doce sobre o mar, que ele nunca rientado, para um psiquismo va-
apreciou. Insiste com complacência so- zio será ajudada pela frescura do
bre esses assuntos e desenvolve suas riacho ou do rio. Mas é preciso
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mina seus comentários por uma longa tica ao bergsonismo e uma preparação
análise das imagens aéreas na obra de para sua futura meditação sobre uma no-
Nietzsche, no capítulo "Nietzsche e o va fenomenologia.
psiquismo ascensional", onde ele apre-
senta o filósofo alemão como exemplo Mais denso e bem menos poético
de um ser do Ar. que Ueau et les rêves, Uair et les son-
ges apresenta, nas suas dissertações, as
Após uma série de curtos capítulos lacunas assinaladas pelos críticos de Ba-
sobre certos elementos que ele associa chelard, defeitos que vão se agravando
ao mundo poético aéreo — o céu azul, nos dois livros seguintes, La terres et les
as nuvens, a árvore aérea, o cosmos, o rêveries de Ia volonté e La terre et les
vento — e que não têm relações entre rêveries du repôs. Com efeito, cada vez
si, Bachelard termina esta obra por uma mais dogmático nas suas exposições,
longa conclusão dividida em duas partes. acentuam-se as insuficiências que de-
A primeira é dedicada a uma exposição correm de seu ponto de vista subjetivo
sobre a imagem literária em geral. Ele e de suas opiniões preconcebidas. Assim,
reúne aí, de forma bem clara, observa- aumenta a falta de unidade entre os
ções que já havia espalhado nos livros capítulos, já evidentes em Uair et les
anteriores e as completa. Podemos ob- songes. Por outro lado, um estilo mais
servar que adere completamente aos sur. pesado afasta a possibilidade de o lei-
realistas e às suas idéias sobre a criação tor participar do assuttto através da
poética. atmosfera poética que predominou em
Ueau et les rêves. É que, quanto mais
"Uma imagem poética", escreve ele, Bachelard raciocina, menos ele convence
"é um sentido em estado nascente; a seu leitor . . .
palavra — a velha palavra — recebe
aí uma significação nova. Mas isto ain- Esses dois livros sobre a Terra for-
da não basta: a imagem literária deve se mam um conjunto uno, segundo seu
enriquecer com um onirísmo novo. autor, pois que ele apresenta o plano
Significar outra coisa e criar devaneios das duas obras na introdução do primei-
diferentes, tal é a dupla função da ima- ro volume: La terre et les rêveries de Ia
gem literária". (Bachelard 1, p.283). volonté (1948). É um livro onde Ba-
chelard dá expansão àquela tendência
Mas esta imagem rica e nova não assinalada por M. Mansuy "de procurar
deve revelar de uma só vez sua signifi- em tudo os músculos, o tônus, vontades
cação inteira ao leitor. Ela deve criar agressivas".
ressonâncias íntimas que se fazem sen-
tir pouco a pouco, guardando sempre O elemento que aqui provoca os de-
algo de seu mistério: "Sobre a palavra vaneios não é a terra-globo, geográfica,
falada, a palavra escrita tem a imensa mas sobretudo esse elemento resistente,
vantagem de evocar ecos abstratos, onde que provoca o homem para reagir, para
os pensamentos e os sonhos se reper. atacá-lo e vencê-la ou então a transfor-
cutem. ( . . . ) Há imagens literárias mar com suas mãos e seus instrumentos.
que nos arrastam a reflexões indefinidas, "Bachelard chama de devaneios da von-
silenciosas." (Bachelard 1, p . 2 8 5 ) . tade", explica M. Mansuy, "essas visões
enérgicas onde o homem imagina-se lu-
A segunda parte, "Filosofia cine- tando com a matéria, brutalizando.a ou
mática e Filosofia dinâmica", é uma crí- simplesmente modelando-a". (Mansuy
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"A dona de casa gosta mais de condido: o botão de uma flor, o interior
limpar a mancha que o cerne. Pa- de um broto, de uma concha, da vida
rece assim que a imaginação da lu- ativa e múltipla das quais se participa.
ta pela limpeza necessite de uma Da mesma forma, todas as ligações com
provocação. Esta imaginação deve o mundo exterior são rompidas: pas-
excitar-se com uma cólera maligna. samos a existir num outro ritmo do tem-
Com que sorriso maldoso é cober- po, numa dimensão fora dos limittes do
to o cobre da torneira com a pas- lógico.
ta de polir. Nós a cobrimos com a
sujeira da pasta sobre um esfre- "Parece ao sonhador que quanto
gão engordurado. Amargura e hos- menor forem os seres, mais ativas
tilidade amontoam-se no coração serão suas funções. Vivendo num
da pessoa que trabalha. Por que espaço reduzido, eles vivem num
trabalhos tão vulgares? Mas, que tempo rápido. Encerrando o oniris.
chegue o momento do esfregão se- mo, nós o dinamizamos". (Bache-
co, então aparece a maldade ale- lard 3, p . 1 7 ) .
gre, a maldade vigorosa e tagarela: Ou então:
"Torneira, tu serás espelho; tacho:
tu serás um sol". Enfim, quando o "Toda riqueza interior aumenta
cobre brilha e ri, com a grosseria sem limites o espaço interior ou
de um bom menino, a paz é feita. então ela se condensa. O devaneio
A dona de casa contempla suas vi- se recolhe nesse interior e se de-
tórias rutilantes". (Bachelard 3, senvolve dentro dele no mais pa-
p.42). radoxal dos prazeres, na mais ine.
fável das felicidades". (Bachelard
La terre et les rêveries du repôs 3, p.53).
contêm os devaneios provocados por
"tudo o que se origina da intimidade da No capítulo seguinte, Bachelard
matéria". Para Bachelard, são principal- medita sobre as cores e seus valores.
mente agradáveis as sensações de intimi- Para ele, as cores "não se originam de
dade, de repouso e que estão profunda- um nominalismo. Elas são forças subs-
mente enraizadas nas tendências psíqui- tanciais para uma imaginação activista".
cas da volta à mãe. A primeira é, por- (Bachelard 3, p . 4 7 ) . As comparações
tanto, um longo desenvolvimento sobre neste campo já são participação: "Toda
os "devaneios da intimidade material". comparação de uma substância a um ser
É um de seus assuntos prediletos, em da natureza, à neve, a um lírio, a um
particular porque se trata aqui de um cisne é uma participação em uma inti-
devaneio onde o elemento material é vi- midade profunda, em uma virtude dinâ-
vido da maneira mais íntima, mais dire- mica. A partir desta afirmação, Bache-
ta, no interior mesmo da matéria. Neste lard faz uma crítica pertinente à análise
capítulo, encontramos uma vez mais as literária tradicional que não leva em
qualidades de estilo poético que torna conta as valorizações psicológicas liga-
suas idéias comunicativas. das às palavras:
A primeira série dos devaneios de "Esses aspectos só aparecem quan-
intimidade é o mundo liliputiano e sobre- do completamos a análise literária
tudo a experiência do interior das coi- por uma análise dos valores oníri-
sas e da descoberta de seu mundo es- cos. Mas estas são verdades da
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com seu tom polêmico agressivo e seu do. Para M. Mansuy, o mérito de Ba-
dogmatismo, suas opiniões preconcebi- chelard foi o "de inspirar os especialis-
das e suas omissões, pela valorização tas. Teórico tão original quanto enge-
exagerada de valores já caducos e o des- nhoso, ele lhes trouxe uma concepção
prezo agressivo dos nossos valores; en- nova de imaginação poética, ele lhes
fim, chegando a uma espécie de método forneceu novos meios de abordar uma
original e sedutor e mesmo envolvente obra e de explicar a criação literária, ele
que se considera completo e definitivo imagina uma classificação dos escritores
mas que muitas vezes nos deixa insatis- com a qual nunca se havia antes sonha-
feitos. do". (Mansuy 8, p . 8 7 ) .
A crítica mais geral que se pode
fazer ao seu método é a seleção de ver- Com efeito, os livros de Bachelard
sos e mesmo de imagens sem considerar são lições de sonho, e ele consegue nos
nem o conjunto do poema, nem a obra ensinar a sonhar na medida em que ele
e menos ainda o poeta em si. "As obras próprio sonha, quando não faz teoria. É
de Bachelard", escreve P. Quillet, "são então que chega a uma crítica literária
assim consteladas de diamantes que não verdadeiramente original, pois deixan-
passam de espólios, imagens arrancadas do-se entusiasmar pelas impressões poé-
de seu cacho. O inverso, naturalmente, é ticas e seus devaneios e descrevendo-os,
ainda mais comum: algumas palavras de cria um novo mundo poético que coexis-
uma justeza inestimável, uma precisão te com o mundo do poeta em questão.
excepcional, arrancadas de volumes pe- Mas acontece muitas vezes que o mundo
nosos". (Quillet 10, p . 1 0 1 ) . de Bachelard pode acabar ainda mais
poético, mais sugestivo que o mundo do
Bachelard apresenta entretanto as- poeta e dos versos que ele analisa e
pectos positivos tão importantes que to- então sua prosa nos introduz num novo
dos os seus defeitos e lacunas assinala- universo. Se o poema já era compreendi-
dos se tornam secundários se conside- do por nós, Bachelard reforça as suges-
rarmos o papel que ele representou na tões; e mesmo nos leva a descobrir sen-
crítica literária francesa. sações novas. No seu livro, Pour con-
naitre Ia pensée de Bachelard, Paul Gi-
Os ataques feitos à crítica tradicional nestier consagra todo um capítulo para
estritamente lansoniana e psico-biográfi- mostrar em que consiste o método ba-
ca, nas suas limitações, são absoluta- chelardiano: "Ele se limita a apreender
mente justas e necessárias. E, suas crí- ao vivo o ato de sua leitura e a analisá-
ticas, com efeito, como assinalou Paul lo diante de nós; assim fazendo, ele nos
Ginestier, "destruíram o conjunto, das ensina a ler melhor; a melhor sentir e a
paleocríticas, destruindo a viga mestra melhor pensar. Quantos críticos profis-
que suportava seus trabalhos". (Gines- sionais poderiam rivalizar com ele?"
tier 7, s.p.). (Ginestier 7, p . 2 1 1 ) .
Sem ter feito obra declarada de crí-
tica, pois seria difícil encontrar um es- Se reduz a poesia a um pequeno
tudo sistemático de um autor ou de um número de poetas eleitos, também deu
estilo, Bachelard deu entretanto a seus grande destaque às atividades intelectuais
leitores e aos críticos um ponto de vista do homem, pois a importância que dá à
novo da obra literária e muito fecun- imaginação poética renova profundamen-
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