Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Conjunto Heliópolis Gleba G, São Paulo, 2011, arquitetos Artur Katchborian e Mario
Biselli
Foto Nelson Kon
Em 2010 foi lançado o Selo Casa Azul, o qual passou a ser considerado um
instrumento de classificação socioambiental. Esta certificação é pioneira no
Brasil e adequa-se as características nacionais. Dessa forma torna-se
interessante fundamentar-se nas premissas estabelecidas pelo Selo Casa Azul
para analisar o projetos de habitação, inclusive as de interesse social,
produzidas no Brasil.
A análise dos conjuntos habitacionais sobre uma perspectiva mais ampla se fez
necessária e dessa forma a utilização de critérios de sustentabilidade atendem
as novas demandas por uma arquitetura mais consciente de seus impactos. Sobre
este âmbito, o conceito de sustentabilidade aborda também questões
relacionadas às práticas sociais, as quais envolvem aspectos relativos a
gestão do projeto e a participação da comunidade neste processo.
O projeto
A habitação pode ser entendida como parte significativa da arquitetura que
compõe a cidade e esta interpretação reflete na importância dos projetos
habitacionais (19), o modo mais recorrente de concepção projetual no Brasil,
está associado a uma lógica desenvolvida do todo para a parte, porém nos
projetos de HIS a concepção tem como ponto de partida a célula mínima
habitacional.
O projeto de um conjunto habitacional envolve questões relativas ao projetar a
quadra e até mesmo a cidade. No âmbito da habitação, a análise do histórico
brasileiro remonta para a proposta higienista da década de 1970, a qual estava
em consonância com as propostas modernistas da Carta de Atenas (1943). Le
Corbusier propunha a interpretação do solo da cidade como sendo público
justificando a adoção dos pilotis, o primeiro croqui da figura 3 representa
esta opção de projeto. Na cidade de São Paulo, sempre foi aplicado o conceito
de uso do solo que têm como princípio o território privado. Dessa forma, a
cidade contemporânea enfrenta questões relativas a segregação espacial, como a
questão dos muros nos conjuntos habitacionais, mesmo estes estando dentro das
comunidades, os quais se transformam em condomínios fechados e geram condições
inadequadas para os pedestres.
Conjunto Heliópolis Gleba G, pátio do conjunto, São Paulo, 2011, arquitetos Artur
Katchborian e Mario Biselli Passarelas metálicas
Foto Mariane Gimenes de Oliveira, 2015
As grandes circulações horizontais para projetos habitacionais tornam-se
ineficientes, e dentro desse argumento os arquitetos colocaram acessos
verticais a cada quatro apartamentos, diminuindo dessa forma os percursos. O
Conjunto habitacional foi edificado utilizando-se a técnica construtiva da
alvenaria estrutural com blocos de concreto, sendo o pórtico de entrada com
concreto moldado no local. As passarelas que conectam os edifícios foram
executadas com estrutura metálica, fato que não é recorrente em projetos de
habitação social brasileiras, por serem onerosas, mas esta foi uma concessão
feita pelo poder público. Biselli (20) ressaltou que as passarelas estão
afastadas cinco metros do edifício, para atender as normas contra incêndios e
que a questão cromática tem o objetivo de contribuir para a distinção entre os
blocos.
Conjunto Heliópolis Gleba G, pátio do conjunto, São Paulo, 2011, arquitetos Artur
Katchborian e Mario Biselli Corte do projeto, croqui de Mario Biselli, 2016
[Escritório Biselli & Katchborian]
1. Qualidade urbana
Nas proximidades da Gleba G, a infraestrutura urbana conta com: a estação
Sacomã da Linha Verde do Metrô e pontos de ônibus, situados em sua maioria na
Rua Juntas Provisórias e Av. Comandante Taylor. A rede de transporte público
coletivo não entra em Heliópolis, devido ao grande número de vielas e de suas
pequenas larguras, porém isto não influencia diretamente aos moradores do
Conjunto Habitacional Gleba G. O projeto está situado no eixo de conexão da
cidade formal e informal, estando delimitado pelas R. Comandante Taylor e Av.
Juntas Provisórias. Dentro da comunidade há farta oferta de comércio e
serviços.
2. Projeto e conforto
Paisagismo
É útil lembrar que a segunda parte do conjunto ainda não foi construída. O
projeto de paisagismo prevê a integração dos dois conjuntos, através dos
pórticos com variação de pisos impermeáveis e permeáveis com vegetações. Os
equipamentos de lazer potencializam o uso do espaço do pátio interno. As
espécies regionais utilizadas no projeto foram: Cassia; Ipê Amarelo; grama São
Carlos em Placas; Alamanda; Azaléia e Bela Emília.
Conjunto Heliópolis Gleba G, pátio do conjunto, São Paulo, 2011, arquitetos Artur
Katchborian e Mario Biselli Pórtico como área de lazer
Foto Mariane Gimenes de Oliveira, 2015
Mediante visita in loco, foi constatado que as áreas verdes foram implantadas
para a inauguração de parte do conjunto, porém estão mal preservadas. A
implantação do paisagismo não foi eficiente nas áreas de grande circulação, o
jardim se deu no mesmo nível do piso das circulações coletivas, o que
contribui para que ocorra o pisoteamento nesses jardins, danificando
totalmente o paisagismo nestas áreas.
Por meio da análise das plantas da alvenaria estrutural pode-se verificar que
o projeto possui flexibilidade, porém pequena, devido à presença distribuída
das estruturas dentro dos blocos, e estas não podem ser removidas.
As áreas de lazer estão situadas nos dois pátios centrais que compõe o
conjunto, onde estão dispostos bancos e equipamentos para o playground. Os
moradores pretendem utilizar as salas dispostas no térreo para montarem uma
biblioteca e espaço de uso infantil.
Desempenho térmico – vedações
O projeto, por dispor as unidades em forma de lâmina, conseguiu ter ventilação
cruzada em todas as habitações. As tabelas abaixo representam os a análise da
ventilação por ambientes como o estabelecido pelo Código de Obras da cidade de
São Paulo. Os resultados demonstraram que os ambientes possuem área ventilada
consideravelmente maior do que o mínimo estabelecido pela legislação,
facilitando o bom desempenho térmico do projeto.
Desempenho térmico – orientações ao sol e vento
A avaliação da ventilação foi elaborada por meio do software Autodesk Flow
Design 2014 (21), para as análises foi utilizada a velocidade do vento de
5m/s, equivalente a 18 km/h, sendo as direções predominantes do vento para a
cidade São Paulo:
Conjunto Heliópolis Gleba G, pátio do conjunto, São Paulo, 2011, arquitetos Artur
Katchborian e Mario Biselli Simulação de ventilação
Diagrama de Mariane Gimenes de Oliveira, 2016
Análises de iluminância
Foram elaboradas simulação para averiguar se o desempenho mínimo de
iluminância natural é atendido. As análises foram feitas de acordo com as
exigências da ABNT NBR 15575:2013 – Edificações habitacionais – Desempenho,
segundo a qual devem ser consideradas a análise em dias e horários diferentes:
23 de abril e 23 de outubro as 9h30 e 15h30. As tipologais analisadas foram
simuladas com o software Relux Pro( 24 e 25) e os resultados demonstram que a
distribuição da iluminação natural nos ambientes atende a referida norma,
apresentando luminâncias acima do minímo exigido, atingindo desempenho
considerado “superior”. A NBR 1575:2013 classifica os níveis de iluminamento
para os dormitórios, copa/cozinha e área de serviço como: mínimo maior ou
igual a 60 lux; intermediário maior ou igual a 90 lux e superior maior ou
igual a 120 lux. Para os demais ambientes habitacionais não se exige o mínimo
em lux e o desempenho denominado de intermediário é de 30 lux e o superior
maior ou igual a 45 lux.
6. Práticas sociais
A gestão do empreendimento é uma questão relevante e para foram realizadas
reuniões durante o processo de projeto, visando incentivar a participação
população. A orientação aos moradores se deu através da distribuição do Manual
dos Moradores realizado pela SEHAB, o qual contempla os deveres e direito dos
moradores. Dentre os deveres deve-se destacar a importância da gestão
condominial, tendo em vista que antes de morar nesse conjunto os cidadãos
estavam em moradias individuais. Os gastos extras oriundos da gestão
condominial é um dos fatores que devem ser muito explicados aos moradores ao
receberem as novas habitações, pois estes devem se preparar para novas
despesas.
Considerações finais
O conjunto ora analisado adotou o partido de quadra aberta, fato que não é
recorrente em projetos de habitação de interesse social brasileiros. Esta
concepção consolida a questão de que o projeto habitacional também envolve o
planejamento da quadra e interfere na esfera urbana. Sobre o âmbito urbano, a
localização do conjunto é privilegiada, encontrando-se na conexão da cidade
formal e informal.
A inserção do projeto no terreno marca a adequação do projeto a topografia
existente, a qual foi utilizada para manter a cota de acesso permitida sem o
uso de elevadores. Sobre a gestão da obra e participação dos moradores
contatou-se que foram realizadas reuniões para a participação da comunidade no
projeto. As questões de conforto e racionalização dos materiais e técnicas
construtivas foram devidamente atendidas.
notas
1
ABIKO, Alex; COELHO, Leandro de Oliveira. Urbanização de favelas: procedimentos de
gestão. 4a edição. Porto Alegre, Antac, 2009. Disponível em: <www.habitare.org.br>.
Acesso em: 20 mar. 2015.
2
FRANÇA, Elisabete. Favelas em São Paulo (1980-2008): das propostas de
desfavelamento aos projetos de urbanização. A experiência do Programa Guarapiranga.
Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2009
3
SÃO PAULO (Prefeitura). Plano Municipal da habitação social de São Paulo. São
Paulo, Secretaria De Habitação, 2011. Disponível em:
<www.habisp.inf.br/theke/documentos/pmh/pmh_versao_outubro_2011_pdf/PMH_outubro_201
1.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2015
4
Idem, ibidem.
5
IBGE. Censo Demográfico 2010: aglomerados subnormais e informações territoriais.
Rio de Janeiro: Ibge, 2013. 251 p. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/552/cd_2010_agsn_if.pdf>.
Acesso em: 30 abr. 2015.
6
SUPERINTENDÊNCIA DE HABITAÇÃO POPULAR (São Paulo). Secretaria Municipal de
Habitação. São Paulo Projetos de Urbanização de favelas. São Paulo
ArchitectureExperiment (tradução para o inglês Valadares Vasconcelos). São Paulo:
Câmara Brasileira do Livro, 2010. Disponível em:
<www.habisp.inf.br/theke/documentos/publicacoes/spae/index.html>. Acesso em: 5 abr.
2015.
7
SUPERINTENDÊNCIA DE HABITAÇÃO POPULAR (São Paulo). Secretaria Municipal de
Habitação. Plano Urbanistíco de Heliopolis. São Paulo, Sehab, 2010. Disponível em:
<www.habitasampa.inf.br/theke/documentos/referenciashome/05_heliopolisplanos_urbani
sticos-pt-en.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2015.
8
Idem, ibidem.
9
SIQUEIRA, Mariana. Biselli Katchborian projeta conjunto habitacional em Heliópolis,
zona Sul de São Paulo. AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 244, São Paulo, jul. 2014.
Disponível em: <www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/244/biselli-katchborian-
projeta-conjunto-habitacional-em-heliopolis-zona-sul-de-318103-1.aspx>. Acesso em:
03. abr. 2015. Ver sobre os projetos: PORTAL VITRUVIUS. Conjunto Heliópolis Gleba
G. Artur Katchborian e Mario Biselli. Projetos, São Paulo, ano 15, n. 172.01,
Vitruvius, abr. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/15.172/5511>;
PORTAL VITRUVIUS. Residencial Corruíras. Projetos, São Paulo, ano 16, n. 181.01,
Vitruvius, jan. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/16.181/5879>.
PORTAL VITRUVIUS. Conjunto Habitacional do Jardim Edite. Projetos, São Paulo, ano
13, n. 152.04, Vitruvius, ago. 2013
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/13.152/4860>.
10
BONDUKI, Nabil. Habitar São Paulo: reflexões sobre a gestão urbana. São Paulo,
Estação Liberdade, 2000.
11
FRANÇA, Elizabeth. Programa de urbanização de favelas e cidades inclusivas. AU –
Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, v. 244, jul. 2014, p. 25-26. Disponível em:
<http://au.pini.com.br/au/solucoes/galeria.aspx?gid=5746>. Acesso em: 24 abr. 2015.
12
SIQUEIRA, Mariana. Op. cit.
13
BISELLI, Mario. Teoria e prática do partido arquitetônico. Arquitextos, São Paulo,
ano 12, n. 134.00, Vitruvius, jul. 2011
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.134/3974>.
14
FRANÇA, Elisabete. Favelas em São Paulo (op. cit.); FRANÇA, Elizabeth. Programa de
urbanização de favelas e cidades inclusivas (op. cit.); PADIA, Vanessa. Heliópolis
(São Paulo): as intervenções públicas e as transformações na forma urbana da favela
(1970-2011). Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2012.
17
PISANI, Maria Augusta Justi et al. Sustentabilidade no projeto de habitação de
interesse social: o conjunto Rubens Lara em Cubatão. In: CONGRESSO INTERNACIONAL
SUSTENTABILIDADE E HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL, 2., 2012, Porto
Alegre. Anais... Porto Alegre, PUCRS, 2012. p. 1 - 10. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/279853146_Sustentabilidade_no_projeto_de_
habitacao_de_interesse_social_o_conjunto_Rubens_Lara_em_Cubatao>. Acesso em: 20
jul. 2016.
18
Idem, ibidem.
19
BISELLI, Mario. Entrevista concedida a Mariane Gimenes de Oliveira em São Paulo.
São Paulo Universidade Presbiteriana Mackenzie, 20 mai. 2016.
20
Idem, ibidem.
21
O software Flow Design, desenvolvido pela Autodesk, simula um túnel de vento
virtual para visualizar o fluxo de ar em torno de edifícios, veículos e outras
barreiras. No caso de sua utilização na arquitetura, permite simulações sobre a
circulação dos ventos no edifício e o seu impacto no entorno. O software suporta
grande variedade de arquivos CAD, essa compatibilidade possibilita que as
simulações sejam realizadas em diversas etapas de projeto.
22
FRETIN, Dominique et al. Investigação sobre sistema de ventilação natural
utilizando-se o projeto estrutural de um edifício. In: FÓRUM DE PESQUISA FAU
MACKENZIE, 3., 2007, São Paulo. Forum. São Paulo: Mackenzie, 2007. p. 1 - 10.
Disponível em:
<www.mack.com.br/fileadmin/Graduacao/FAU/Publicacoes/PDF_IIIForum_a/MACK_III_FORUM_
DOMINIQUE_FRETIN.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2016.
23
FLOW (Estados Unidos) Design Preliminary Validation Brief. 2014. Disponível em:
<http://download.autodesk.com/us/flow_design/Flow_Design_Preliminary_Validation_Bri
ef_01072014.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2017.
24
O software Relux Pro, o qual é desenvolvido pela Informatik Ag, está sendo
utilizado em universidades nacionais e internacionais para análises de iluminação
natural e artificial. Segundo Erika Figueiredo, o Relux Pro é um programa que
realiza análises estáticas para condições de céu específicos, nos padrões CIE (céu
claro e sem sol, encoberto, intermediário claro e sem sol). As simulações
desenvolvidas para esta pesquisa utilizaram os resultados obtidos em iluminância
(lux), os quais foram visualizados através de gráficos de pseudocores. FIGUEIREDO,
Erika Ciconelli de. Peles de vidro: otimização do desempenho da luz natural difusa
em fachadas envidraçadas. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2016.
25
RELUX (Suíça). Relux Vision 1.1: Manual. Munchenstein: Relux (2009). Disponível em:
<www.relux.biz/pdf/manual09.pdf>. Acesso em : 20 mar:2016.
26
FIGUEIREDO, Erika Ciconelli de. Peles de vidro (op. cit.).
sobre as autoras
Mariane Gimenes de Oliveira é graduanda de Arquitetura e Urbanismo na Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Bolsa Mackpesquisa para iniciação científica em 2015 e
2016. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa Arquitetura e Construção – da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Maria Augusta Justi Pisani é arquiteta pela Faria Brito (1979), especialista em
Patrimônio Histórico e Obras de Restauro (1981) pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, mestre (1993) e Doutora (1998) pela Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo. Leciona projeto de arquitetura desde 1986. Atualmente é
professora da FAU Mackenzie. Lidera o Grupo de Pesquisa Arquitetura e Construção –
CNPq.