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Palavras-chave
Moralidade, Sexualidade, Civilização, Neurose, Religião.
dade divina, “os constituía guardas e intérpre- quências disto passa a ser a valorização do
tes autênticos de toda a lei moral, ou seja, não celibato que, influenciado pelo pensamen-
só da lei evangélica, como também da natural” to gnóstico, é adotado pelo Cristianismo
(PAULO VI, 1968/2004, p. 7). Por isso como uma maneira de se estar mais próxi-
seria da competência da Igreja “anunciar mo de Deus. As práticas sexuais, portan-
sempre e por toda a parte os princípios morais, to, se desenvolveram dentro deste espírito
mesmo referentes à ordem social, e pronunciar- de moralidade cristã. As discussões acerca
se a respeito de qualquer questão humana” das formas de prazer presentes nas diver-
(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, sas manifestações da sexualidade, assim
1993, p. 466). como as dos pecados inerentes a elas, mar-
Sobre a imutabilidade da Lei Moral no caram as bases constitutivas do pensamen-
que diz respeito às questões sexuais, a Igre- to da Igreja dos primeiros séculos e, até
ja ainda se pronuncia através de um docu- hoje, subjazem na moral sexual civilizada.
mento elaborado pela Sagrada Congrega- A concepção do Cristianismo em seus
ção para a Doutrina da Fé e intitulado posicionamentos sobre a moral sugere que
como Declarações acerca de algumas questões o impulso da liberdade humana se dirige
de Ética Sexual (1975). Neste documento, a para o mal e para o pecado, ou seja, para a
Igreja defende que certos princípios e cer- transgressão às leis divinas. Chauí (2001)
tas normas não podem ser anulados ten- postula que, enquanto para os filósofos
do em vista seus embasamentos na lei divi- antigos a vontade era uma faculdade raci-
na e na própria lei natural humana: “Cer- onal capaz de controlar as paixões, apeti-
tos princípios não podem ser desconsiderados tes e desejos, para o Cristianismo ela é per-
nem mesmo sob o pretexto de uma nova situa- vertida pelo pecado, o que faz o homem
ção cultural” (CONGREGAÇÃO PARA A necessitar do auxílio divino para se tornar
DOUTRINA DA FÉ, 1975). um homem moral: “O Cristianismo, portan-
As diversas formas de controle e res- to, passa a considerar que o ser humano é, em
trições em relação às práticas sexuais pre- si mesmo e por si mesmo, incapaz de realizar o
sentes nas religiões que herdaram as bases bem e as virtudes” (CHAUÍ, 2001, p. 343).
dogmáticas do Cristianismo originaram-se Caberia, portanto, à revelação divina a so-
na Antiguidade. Portanto, seria injusto atri- lução para o problema moral.
buir ao Cristianismo o ascetismo em rela- À concepção cristã, no entanto,
ção às práticas sexuais. O estoicismo, por opõem-se os construtos da Filosofia Moral
exemplo, teria intensificado a visão redu- que, em sua corrente emotivista, inspira-
tora das práticas sexuais, transformando a da em Rousseau, afirma a bondade natu-
importância que os filósofos gregos reser- ral dos sentimentos e das paixões huma-
vavam à busca do prazer e concentrando a nas. Já em sua corrente chamada de irraci-
sexualidade no casamento. A visão estoica onalista, contesta à razão o poder e o direi-
foi característica marcante nos dois primei- to de intervir sobre o desejo e as paixões.
ros séculos depois de Cristo, influencian- Tal concepção se expressa no pensamento
do a moral cristã através dos chamados de Nietzsche e de vários filósofos contem-
“Padres da Igreja” (Agostinho, Tomás de porâneos (CHAUÍ, 2001).
Aquino, etc.). O sexo era considerado ape- Se tomarmos como referência A gene-
nas em sua finalidade procriativa possibi- alogia da moral de Nietzsche (1887), vere-
litando assim a emergência da moralidade mos que a moral racionalista transformou
sexual (CECCARELLI, 2000). tudo o que é natural e espontâneo nos se-
Ao mesmo tempo, o casamento é con- res humanos em vício, falta, culpa, impon-
frontado com a questão do prazer no ato do a eles tudo o que oprime a natureza
sexual conjugal. Uma das maiores conse- humana. Paixões, desejos e vontades não
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se referem ao bem e ao mal, pois estes seri- tural” e a “moral sexual civilizada”. Por
am invenções da moral racionalista. “moral sexual natural” devemos compre-
No século XIX, conforme supracita- ender um conjunto de normas que, embo-
mos, a “descoberta” de Freud – a psicaná- ra limitem a sexualidade, o desejo e o pra-
lise – trouxe contribuições importantíssi- zer, permite, todavia, ao homem conservar
mas que abalaram a estrutura moral vigen- sua saúde e sua eficiência na vida social. Já
te de sua época com a afirmação de que os por “moral sexual civilizada” devemos en-
impulsos e desejos desconhecem barreiras tender uma moral extremamente exigente
para sua satisfação. A publicação, em 1905, e que, de maneira tirânica, obriga os ho-
dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualida- mens à privação sexual, tendo em vista in-
de fez com que Freud fosse considerado tegrá-los ao sistema de uma intensa produ-
uma figura imoral, obscena e impopular tividade cultural (SANTOS, 2008). Para
por afirmar que as tendências sexuais cha- Freud (1908/1976), entretanto, esta mora-
madas perversas e catalogadas como aber- lidade, elevada ao grau de uma tirania, exi-
rações humanas eram universais e presen- ge imensos sacrifícios aos homens e o ex-
tes até mesmo nas crianças. Neste texto re- cesso de moralismo colocaria em risco a
volucionário, Freud mostra à biologia, à própria civilização.
religião e à opinião popular o quanto estas A crítica freudiana acerca dos efeitos
se enganaram no que diz respeito à sexua- civilizatórios sobre a vida sexual foi elabora-
lidade humana, propondo, a partir da vi- da a partir das posições predecessoras de
são da pulsão sexual – diversificada, anár- autores como Krafft-Ebing, Havelock Ellis,
quica, plural e parcial –, outra maneira de Iwan Bloch, Magnus Hirschfeld, Henry
se pensar o sujeito, cuja constituição não Maudsley, William Erb e Von Ehrenfels, aos
pode ser separada da sexualidade (CEC- quais Freud rende justo reconhecimento na
CARELLI, 2000). elaboração de seu texto de 1908. Esses au-
O conceito de inconsciente, introdu- tores defenderam, de maneira progressista,
zindo pela psicanálise, desconhece os valo- uma abertura em relação à moral sexual vi-
res morais (CHAUÍ, 2001). Isto faz com gente em suas épocas e advogaram uma ati-
que atos moralmente condenáveis sejam tude mais tolerante em relação aos chama-
vistos, no entanto, como psicologicamen- dos desvios da sexualidade humana. Com-
te necessários. A rigidez moral surge, atra- partilhando do ponto de vista moral desses
vés do olhar psicanalítico, como fonte de pensadores, e fazendo eco de um movimen-
sofrimento psíquico, pois limita a circula- to de reforma na moral sexual de seu tem-
ção pulsional. A supressão dos desejos in- po, a intenção de Freud é demonstrar as
conscientes com a subsequente impossibi- contribuições da psicanálise à questão dos
lidade de simbolização pode ameaçar o efeitos da repressão da sexualidade sobre a
contrato social pela transgressão abrupta e saúde psíquica dos indivíduos. Para ele, a
traumática de seus valores pelo sujeito re- moral sexual civilizada, demasiadamente
primido. Ao sujeito que escapa a esta situ- restritiva, seria causa de danos psíquicos que
ação caberia uma resignação neurótica, ou colocariam em risco a saúde e a eficiência
seja, o adoecimento: “Em suma, sem a re- cultural humana: “A influência prejudicial da
pressão da sexualidade, não há sociedade nem civilização reduz-se principalmente à repressão
ética, mas a excessiva repressão da sexualidade nociva (die schädliche Unterdrückung) da vida
destruirá, primeiro, a ética e, depois, a socieda- sexual dos povos civilizados através da moral se-
de” (CHAUÍ, 2001, p. 356). xual civilizada que os rege” (FREUD, 1908/
Em Moral sexual ‘civilizada’ e doença 1976, p. 172).
nervosa moderna (1908), Freud nos apresen- A cultura que impõe a proibição da
ta um confronto entre a “moral sexual na- relação sexual fora do casamento monogâ-
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Psicanálise e moral sexual
mico apresenta, segundo Freud (1908/ que admite a relação sexual única e exclu-
1976), uma moral dupla que evidencia uma sivamente para os fins reprodutivos e den-
falta de amor à verdade, à honestidade e à tro do casamento monogâmico heterosse-
humanidade por diferenciar homens e xual. Para a Igreja:
mulheres, uma vez que transgressões mas-
culinas são punidas menos severamente. “A aliança matrimonial, pela qual o ho-
A essa moral, ele atribui o aumento impu- mem e a mulher constituem entre si uma
tável da doença nervosa moderna: as neu- comunhão da vida toda, é ordenada por
roses originar-se-iam de necessidades sexu- sua índole natural ao bem dos cônjuges e à
ais de indivíduos insatisfeitos representan- geração e educação da prole [...] A voca-
do para os mesmos uma espécie de satisfa- ção para o matrimônio está inscrita na
ção substitutiva. Entretanto, as tentativas própria natureza do homem e da mulher
de supressão das pulsões são sempre falhas: [...] A salvação da pessoa e da sociedade
“Os neuróticos são uma classe de indivíduos humana está estreitamente ligada ao bem-
que, por possuírem uma organização recalcitran- estar da comunidade conjugal e familiar”
te, apenas conseguem sob o influxo de exigênci- (CATECISMO DA IGREJA CATÓ-
as culturais efetuar uma supressão aparente da LICA, 1993, p. 378).
pulsão” (FREUD, 1908/1976, p. 176).
A tarefa de dominar as pulsões sexu- A Igreja prega a lei moral como obra
ais por outros meios que não sua satisfa- da sabedoria de Deus e a define, no senti-
ção é extremamente custosa ao indivíduo. do bíblico, como uma pedagogia divina.
Contudo, nossa civilização repousa sobre Esta lei, portanto, é imutável e permanece
a supressão (Unterdrückung) das pulsões, através da história resistente às ideias e aos
sobre a renúncia ao sentimento de onipo- costumes: “Mesmo que alguém negue até os
tência, inclinações vingativas e agressivas. seus princípios, não é possível destruí-la nem
Essa renúncia seria sancionada pela reli- arrancá-la do coração do homem. Sempre torna
gião e oferecida à divindade como sacrifí- a ressurgir na vida dos indivíduos e das socieda-
cio (FREUD, 1908/1976). des” (CATECISMO DA IGREJA CATÓ-
O grande impacto do texto freudiano LICA, 1993, p. 450).
de 1908, a primeira reflexão sobre a cultu- A consequência do que Freud chama
ra anos antes do célebre Mal-estar na civili- de “óbvia injustiça social”, no que diz res-
zação (1930 [1929]), pode ser assim resu- peito aos padrões de exigência impostos
mido: aceitar os postulados freudianos pela civilização, é a marginalização daque-
equivaleria a rever as bases morais da cul- les que ousam desobedecer às restrições e
tura ocidental que sustentam, justamente, são, por isso, chamados de pervertidos e
o oposto. O modo como os indivíduos de classificados pela Igreja, por exemplo, como
uma dada sociedade experimentam sua indivíduos contrários à lei moral natural.
sexualidade só pode ser devidamente ava- Fora de sua política monogâmica, heteros-
liado a partir da repressão (Unterdrückung) sexual e procriadora, a Igreja prega a absti-
sexual ditada pelo sistema de valores – que nência das práticas sexuais, a castidade.
é sempre apresentado como natural e imu- Para Freud, no entanto, “muitos indivíduos
tável – da sociedade em questão. que se vangloriam de ser abstinentes, só o conse-
No que tange à questão sexual, a pul- guiram com o auxílio da masturbação e satisfa-
são não serviria, originalmente, aos propó- ções análogas ligadas às atividades autoeróti-
sitos da reprodução, mas à obtenção de cas da primeira infância” (FREUD, 1908/
prazer. Esta afirmativa de Freud o coloca 1976, p. 183). A masturbação – considera-
em rota de colisão com o modelo de mo- da pela Igreja como uma grave desordem
ral sexual defendido pela Igreja Católica, moral – associada a estas atividades pode-
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Adelson Bruno dos Reis Santos e Paulo Roberto Ceccarelli
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