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BAREMBLITT, G.. Compêndio de Análise Institucional. Rio de Janeiro: 3a. ed.

, Rosa dos
Tempos, 1996.

“O Movimento Institucionalista é um conjunto heterogêneo e polimorfo de


orientações, entre as quais é possível encontrar-se pelo menos uma característica comum:
sua aspiração a deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos auto-analíticos e auto-gestivos
dos coletivos sociais” (BAREMBLITT: 1996, p.11).

Cap. I - O Movimento Institucionalista, a Auto-análise e a Auto-gestão.

Baremblitt (1996) considera que as relações humanas na sociedade


contemporânea se tornaram extremamente complexas e que a produção de conhecimento
se intensificou significativamente. Neste cenário, o conhecimento científico ocupou um
lugar de destaque pela pretensão de garantir uma ação mais objetiva sobre esta realidade.
Tais circunstâncias produziram em nossa sociedade a figura do expert, ou seja, um
indivíduo cuja formação oferece uma condição privilegiada para falar sobre um
determinado assunto. Esse profissional, pela forma como a sociedade se organiza, está
freqüentemente a serviço de grupos, empresas ou instituições que podem pagar pelo seu
trabalho.

Nessa divisão social do trabalho, a sociedade civil viu-se despossuída daqueles


conhecimentos que antes eram socialmente validados, conhecimentos que organizavam
seu cotidiano. Esse saber é considerado, pelo pensamento moderno, “rudimentar e
inadequado”, alienando as pessoas da possibilidade de gerenciar as instituições das quais
fazem parte e mesmo suas próprias vidas. Cria-se uma dependência em relação ao expert,
personagem legitimado por seus conhecimentos considerados universais e responsável
por fazer diagnósticos e intervenções sobre problemas diversos, inclusive sociais. A
noção de um conhecimento considerado universal, o qual o expert domina, será criticada
pelo Movimento Institucionalista. O conceito de demanda, estudado à frente, nos
permitirá entender essa crítica.

As políticas públicas muitas vezes partem do pressuposto de necessidades


universais nas instituições sociais, como se estas necessidades fossem inequívocas,
naturais. O Movimento Institucionalista considera que as necessidades destas instituições

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são forjadas historicamente, produzidas dentro de um contexto dentro do qual merecem
ser avaliadas e questionadas.

O Movimento Institucionalista vem mostrar que “os coletivos têm


perdido, têm alienado o saber acerca de sua própria vida, o saber
acerca de suas reais necessidades, de seus desejos, de suas
demandas, de suas limitações e das causas que determinam estas
necessidades e estas limitações” (BAREMBLITT: 1996, p.17)

Analisar a demanda de um grupo é, portanto, o objetivo principal dos


Movimentos Institucionalistas, pois através da análise das condições nas quais está
imerso, esse grupo conseguirá entender quais são suas reais necessidades – o que pode
diferir em muito das necessidades socialmente instituídas. O Movimento Institucionalista
trabalha com o conceito de grupo instituinte, ou seja, grupo capaz de rever e produzir
novas formas de organização.

Para atingir esse objetivo, o Movimento Institucionalista se utiliza dos processos


de auto-análise e autogestão, processos voltados para garantir que o cidadão comum
possa ocupar novamente o lugar de sujeito de sua trajetória e suas instituições.

“A auto-análise consiste em que as comunidades mesmas, como


protagonistas de seus problemas, de suas necessidades, de suas
demandas, possam enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um
vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida” (17)

Esse processo de auto-análise é realizado dentro do próprio grupo e pelo próprio


grupo, e permite aos sujeitos participantes avaliar as condições nas quais estão inseridos e
buscar soluções para seus problemas. Sendo assim, o processo de auto-análise é
simultâneo ao processo de auto-organização, uma vez que exige que o grupo se
reposicione diante das novas demandas que irão emergir.

A auto-análise e a autogestão não prescindem, contudo, da figura do expert.


Devem prescindir, sim, da postura centralizadora e dominante do expert, mas não dos
instrumentos e da disciplina que ele dispõe e que pode favorecer a organização dos
saberes desses sujeitos. Para tanto, é de fundamental importância que os experts tenham
uma reflexão epistemológica sobre as formas como o conhecimento pode se produzir
através da interação com o senso comum. É fundamental que estabeleça uma relação de

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transversalidade, integrando-se ao movimento de auto-análise e autogestão do grupo e
colocando seu saber a serviço do mesmo.

“Mas até para que a auto-análise seja praticada pelas comunidades,


elas têm de construir um dispositivo no seio do qual esta produção seja
possível. Elas têm de organizar-se em grupos de discussão, em
assembléias; elas têm de chamar experts aliados para colaborarem
com elas; elas têm de dar-se condições para produzir este saber; e
para desmistificar o saber dominante” (BAREMBLITT: 1996, p. 19)

O Movimento Institucionalista também não prescinde da divisão social de tarefas,


uma vez que as pessoas detêm conhecimentos distintos e as hierarquias podem auxiliar
no processo de organização. No entanto, hierarquia, na forma como o Movimento
Institucionalista define, não deve significar hierarquia de poder. O poder está na mão do
coletivo, que delibera e decide. Não se tratam de ações burocráticas, sem sentido para
seus executores, mas a consecução de um projeto definido consensualmente, que
considera o saber constituído nesse coletivo. Não que se ignore e se busque outros
saberes, mas que este esteja sempre orientado pelo que o coletivo institui como desejável
para si.

O objetivo do Movimento Institucionalista é, portanto, resgatar experiências


autogestivas, que muitas vezes não o são da forma idealizada, mas que partem de alguns
pressupostos comuns.

“O institucionalismo é alguma coisa assim como o resultado do


ensinamento destas iniciativas históricas sobre os próprios experts. (...)
temos aprendido que isso existe e que poderíamos colaborar para seu
desenvolvimento a partir as experiências históricas que já existiram
neste sentido e das que estão existindo e se desenvolvem
perfeitamente ou dificilmente sem a nossa participação”
(BAREMBLITT: 1996, p. 23)

Contudo, esses processos encontram sérias dificuldades. Por um lado, os


movimentos instituintes não encontram um momento muito favorável para sua
ocorrência, já que estão desacreditados quanto à validade de seu saber e muitas vezes
privados dos recursos para efetivar transformações. Nesse sentido, vale perguntar de que
forma podem obter poder enquanto coletividade para a viabilizar suas propostas. Por
outro lado, o institucionalismo produz muita resistência no sistema social, porque visam

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alterar uma organização vigente. Nesse sentido, encontram-se muitas vezes severamente
reprimidas ou cooptadas, incorporadas pelo sistema, mas alterando-as em sua essência.

Cap. II – Sociedade e Instituições

O Movimento Institucionalista concebe a sociedade como uma rede de


instituições “que se interpenetram e se articulam entre si para regular a produção e a
reprodução da vida humana sobre a terra e a relação entre os homens” (BAREMBLITT:
1996, p.29).

As instituições, por sua vez, são composições lógicas, um conjunto de leis e


princípios que prescrevem ou proscrevem comportamentos e valores, ou seja, dizem o
que deve ser, o que não deve e o que é indiferente. As instituições são entidades abstratas.

As organizações são a materialização das instituições sob a forma de um


organismo, uma entidade, assumindo uma configuração mais complexa ou mais simples.

“São grandes ou pequenos conjuntos de formas materiais que põem


em efetividade, que concretizam as opções que as instituições
distribuem, que as instituições enunciam. Isto é, as instituições não
teriam vida, não teriam realidade social se não fosse através das
organizações. Mas as organizações não teriam sentido, não teriam
objetivos, não teriam direção se não estivessem informadas como
estão, pelas instituições” (BAREMBLITT: 1996, p.30).

Os estabelecimentos, por sua vez, são as estruturas propriamente físicas que


conjuntamente integram a organização. São as escolas, conventos, quartéis etc.

Os equipamentos são os dispositivos técnicos cujo objetivo é facilitar a


consecução dos objetivos específicos ou genéricos propostos pela instituição, organização
e estabelecimento. Os equipamentos podem ter realidade material que se restringe a um
estabelecimento ou o suplanta.

Todo esse aparato descrito acima só pode ter dinamismo através dos agentes e
suas práticas.

Segundo Baremblitt (1996) esses conceitos não podem ser confundidos pois é
através deles que os institucionalistas conseguem compartilhar uma nomenclatura que
permite sua comunicação.

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Uma das maiores evidências da vitalidade de uma instituição é sua capacidade de
manter um movimento de transformação. Essas forças transformadoras das instituições
ou capazes de instituir uma instituição são chamadas de instituinte. O instituinte é
caracterizado como um processo, um movimento.

Em contrapartida, os produtos resultantes das instituições são chamados


instituídos. “O instituído é o efeito da atividade instituinte” (BAREMBLITT: 1996, p.32).
os dois constituem o movimento histórico da sociedade, sendo o instituído os parâmetros
de convivência e o instituinte o movimento de transformação permanente da sociedade
aos novos estados sociais. Não se tratam de conceitos com características negativas ou
positivas. Contudo, não se nega que o instituído traz em si as características próprias ao
conservadorismo e à resistência a mudanças.

Na mesma lógica anterior, o Movimento Institucionalista trabalha com os


conceitos de organizante e organizado para caracterizar os movimentos ocorridos no
interior das organizações. O organizante voltado para a busca permanente de maior
pertinência nas ações organizacionais; o organizado como a estrutura que solidifica as
organizações, mas com uma tendência a se burocratizar, esclerosar. Responde a um
desejo humano de segurança, buscado nas instituições.

“É importante saber que para que a vida social, entendida como o


processo em permanente transformação que deve tender ao
aperfeiçoamento, que deve visar a maior felicidade, a maior realização,
a maior saúde, a maior criatividade de todos os membros, essa vida só
é possível quando ela é regulada por instituições e organizações,
quando nessas instituições e organizações a relação e a dialética
existentes entre o instituinte e o instituído, entre o organizante e o
organizado se mantêm permanentemente permeáveis, fluidas,
elásticas” (BAREMBLITT: 1996, p.33).

Baremblitt (1996) irá afirmar que a sociedade se polariza entre duas


características: as utopias sociais e as características históricas que as comprometem: a
exploração, a dominação e a mistificação.

As utopias sociais são construções que visam satisfazer à vontade coletiva, o


aperfeiçoamento da vida social, a realização de um ideal social. Estes ideais, sempre
históricos, são desvirtuados ou comprometidos por uma deformação que se desdobra em
três ações: a exploração de uns sobre outros (expropriação da potencia e do resultado

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produtivo de uns por parte dos outros), a dominação (imposição da vontade de uns sobre
os outros e não-respeito à vontade coletiva) e a mistificação (administração arbitrária ou
deformada do que se considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas
formas de mentira, engano, ilusão, sonegação de informação, etc.). (BAREMBLITT:
1996, p.34)

Para as utopias sociais, o funcionamento institucional visa sempre a produção, a


criação a fundação. Contudo, quando as instituições, organizações e estabelecimentos
favorecem grupos dominantes, que perpetuam a exploração, a dominação e a
mistificação, compreende-se que têm uma função reprodutiva, uma função disfuncional,
no sentido das transformações necessárias à realização da utopia social.

O objetivo da Análise Institucional é verificar em cada instituição, cada


organização, uma forma de intervir para propiciar-lhes a ação do instituinte e do
organizante. Nesse sentido, é inevitável que se compreenda a indissociabilidade entre os
conceitos que foram aqui apresentados e a forma como se articulam pró ou contra os
movimentos considerados necessários ao funcionamento social. Dois indicadores são
concebidos pelo institucionalismo para compreender esta organização social:
atravessamento e transversalidade.

O conceito de atravessamento considera as diversas dimensões sociais voltadas


para a reprodução da sociedade (instituído, organizado) e resistência à transformação
pressuposta pela utopia social e seus princípios, que se interpenetram para fundar
conceitos, procedimentos, valores.

O conceito de transversalidade, ao contrário, considera as diversas dimensões


(instituintes, organizantes) que se manifestam na sociedade voltadas para a transformação
social e ruptura com a dominação, exploração e mistificação.

Apesar desta distinção, não se pode pensar que esses conceitos caracterizam uma
ou outra instituição, organização ou equipamento, mas estão presentes em todas elas
simultaneamente.

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Cap. III – A História

O Institucionalismo trabalha com dois conceitos antagônicos, o conceito de


produção e antiprodução. O conceito de produção está relacionado ao processo de
criação, enquanto o conceito de antiprodução diz respeito ao processo de absorção
daquilo que é considerado novo pelo sistema.

Outra concepção particular ao Institucionalismo é a consideração à subjetividade


no processo de transformação social. Distinguindo-se dos processos sociológicos, mais
voltados para a explicação dos fenômenos molares, o Institucionalismo está voltado para
os fenômenos moleculares, concebendo que o psiquismo tem peso similar aos processos
de produção. Sabe-se que mesmo a melhor política pública só irá se efetivar se contar
com a adesão do público-alvo. Em outras palavras, só haverá conivência do público com
qualquer proposta se forem mobilizadas as representações, as crenças em torno do que
seja a vida social.

“O Institucionalismo tende a não privilegiar a priori nenhuma


determinação mais que outra, isto é, são tão importantes as vontades,
os desejos e as representações com que os homens entram nos
processos históricos quanto as estruturas ‘materiais’, econômicas,
políticas ou naturais que vigoram sobre eles” (BAREMBLITT: 1996, p.
47-8)

Mas como psicanalista, Baremblitt (1996) considera que as forças psíquicas


mobilizadas para as escolhas são determinadas pelo inconsciente, mais especificamente
pelo desejo. Mas não se trata do desejo tal como Freud o concebeu. Para este, o desejo
era constituído a partir das vivências subjetivas, circunscritas social e historicamente,
dentro das quais os indivíduos constroem significados para suas ações, fazem escolhas,
concebem a si próprios. O prazer que o indivíduo busca satisfazer é satisfação deste
desejo. Contudo, o desejo freudiano é determinado inconscientemente, tendo uma
determinação involuntária em relação ao sujeito, e só pode se satisfazer ao corresponder a
essas determinações. O institucionalismo parte do mesmo conceito, mas diferente da
psicanálise freudiana, o desejo pode ser satisfeito a todo momento nas circunstâncias
sociais, transformando-se continuamente.

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“O desejo segundo a psicanálise é um impulso que tende a reconstituir
estados perdidos a se realizarem em fantasmas, é uma tendência
reprodutiva, é uma anseio que tende a restaurar o narcisismo, que
supostamente, em algum momento, foi o estado em que o
protossujeito esteve integralmente. O desejo no Institucionalismo não
tem essas peculiaridades. O desejos do institucionalismo é imanente à
produção, é o aspecto psíquico da mesma força que no social é o
instituinte. É uma forma que tende a criar o novo, como o imprevisível,
é uma força de conexão, é uma força de invenção e não é uma força
restauradora dos estados antigos. Mas é inconsciente. (...) um
inconsciente pré-pessoal e natural que compreende todos os saberes,
todas as matérias não-formadas e energias não-vetorizadas que são
capazes de gerar transformação. Este inconsciente não está
submetido apenas por um recalque psíquico, mas está submetido por
um recalque complexo que é simultaneamente político, libidinal,
semiótico, etc. Então, para o Institucionalismo não existe o que seria
um homem universal, não existe uma estrutura, uma essência-homem.
Também não existe uma estrutura, uma essência –sujeito, sujeito
psíquico, que seria o mesmo em todas as sociedade, em todos os
momentos históricos, em todas as classes sociais, em todas as raças,
etc. (...) Para o institucionalismo não existe este sujeito eterno e
universal, apenas preenchido com conteúdos históricos sociais
variáveis. Para o institucionalismo, o que existe são processos de
produção de subjetivação ou de subjetividade” (BAREMBLITT: 1996, p.
49-50)

A pergunta do institucionalismo é por que os indivíduos não cedem sempre à


satisfação de seu desejo, por que as pessoas não rompem com regras sociais. A resposta é
que os indivíduos sucumbem ao discurso institucional. Não de forma passiva, nem
tampouco voluntária, mas porque este discurso institucional satisfaz certos desejos
inconscientes.

A condição de produtor ou reprodutor da sociedade está associada à produção de


subjetividade por parte do sujeito, no caso de submeter seu desejo aos interesses
dominantes ou no caso de constituir uma subjetividade absolutamente original,
instituinte.

“Por que esta discriminação é importante? Porque na leitura que o


institucionalismo vai fazer de cada organização, de cada
estabelecimento, movimento, ou proposta, ele vai privilegiar a
intelecção de dispositivos que são capazes de produzir subjetivações.
E não vai privilegiar, a não ser para denunciá-los, a leitura de
aparelhos ou equipamentos que estão destinados a produzir a
reprodução de subjetividades submetidas” (BAREMBLITT: 1996, p.51).

O institucionalismo, como é possível entrever nos conceitos acima apresentados é


uma construção que “rouba” conceitos de teorias diversas com o objetivo de tentar

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responder de forma plural ao lugar da subjetividade na dinâmica social. Não uma
subjetividade consciente e racional, mas pulsional, envolvida com a produção a partir da
noção de desejo, necessariamente envolvida com prazer e desprazer.

“O desejo é essencialmente produtivo, revolucionário, inventivo.


Apenas se deve criar condições para que ele possa animar dispositivos
e máquinas revolucionárias capazes de realizá-lo (...) Para o
institucionalismo o desejo realiza-se sempre, apenas é preciso produzir
condições históricas em que ele possa realizar-se produtivamente. Isso
inclui engendrar modos de subjetivação que co-protagonizem este
processo” (BAREMBLITT: 1996, p.55)

Cap. IV – O desejo e outros conceitos no institucionalismo

O institucionalismo se orienta, portanto, no terreno complexo das múltiplas


dimensões da sociedade com o objetivo de identificar os movimentos a partir de sua
posição instituída ou instituinte. Nessa perspectiva, a formação de um institucionalista
deve ser extremamente diversificada, envolvendo “todos os saberes de uma época,
inclusive os saberes não-científicos, os artísticos, os populares” (BAREMBLITT: 1996,
p. 61). A formação do institucionalista é interminável.

No entanto, é o conceito de desejo que sustenta a proposta revolucionária de


transformação do institucionalismo, uma vez que ele é o motor a partir do qual nos
inserimos na realidade. Embora existam várias interpretações do conceito de desejo em
Freud pelo institucionalismo, a concepção que orienta Baremblitt (1996) considera a
origem desse desejo (o Id), como fonte primária disforme capaz de produzir infinitas
possibilidades de manifestação. Em suma, em lugar de pensar o humano a partir de
categorias universais previsíveis, tal como se tentou adequar a teoria psicanalítica, o
institucionalismo aposta na imprevisibilidade humana como fonte infinita de respostas ao
contexto no qual se insere.

Algumas vertentes radicais do institucionalismo, como Guattari e Deleuze,


fundadores da Esquizoanálise, abdicaram da concepção de conhecimento científico como
fonte fidedigna e propuseram que as artes e a literatura tivessem o mesmo escopo. A
concepção que a orienta é que:

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“a Esquizoanálise consiste em introduzir o desejo na produção e a
produção no desejo. Trata-se de aprender a pensar um desejo
essencialmente produtivo e aprender a pensar uma produção, dita no
sentido amplo, que não pode ser senão desejante, na medida em que
as subjetivações estão essencialmente envolvidas nestes processos
produtivos, tanto quanto a natureza e as máquinas técnicas e
semióticas” (BAREMBLITT: 1996, p.65)

Cap. VI – Roteiro para uma Intervenção Institucional Padrão

Neste capítulo, Baremblitt (1996) irá sistematizar um processo de análise


institucional padrão. Ele faz uma série de ponderações que visam esclarecer ao leitor que
não é uma proposta do institucionalismo formatar um modelo de intervenção, pois
correria o risco de enrijecer o processo. Apresenta as ressalvas de que não é a única forma
de fazê-la, não é necessariamente a melhor e nem sempre é possível tal como está
descrita.

Baremblitt apresenta uma distinção entre campo de análise e campo de


intervenção.

Campo de Análise: é um recorte eleito pelo institucionalista o qual buscará


compreender através do aparelho conceitual do institucionalismo, sem necessariamente
realizar uma intervenção. Assim, irá procurar saber como funciona, a relação entre seus
determinantes, suas causas, os efeitos que produz, etc. É um tipo de análise no qual pode-
se eleger um campo mais amplo.

Campo de intervenção: pressupõe as atividades desenvolvidas no campo de


análise mas envolve estratégias, logística, tática, técnica para se operar sobre ele e
efetivamente transformá-lo. Em geral, o campo de intervenção deve ser restrito, ao
contrário do campo de análise que pode ser mais amplo.

O passo seguinte à delimitação do campo de intervenção é a análise da oferta e a


análise da demanda.

A análise da oferta antecede a análise da demanda porque toda demanda parte de


um pressuposto, de uma representação por parte daquele que demanda sobre o que o
trabalho do institucionalista irá promover. Esse pressuposto, essa representação são
produzidas socialmente. O institucionalista deve compreender como foi produzida

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naquele que demanda essa expectativa. Essa etapa se justifica quando se retoma o
conceito de expert que vigora em nossa sociedade. A mensagem subjacente à figura do
expert é, segundo Guilhón de Albuquerque: “Eu tenho o que lhe falta e, além disso, você
não entende, não sabe em que consiste”. Se é objetivo do institucionalismo construir
relações horizontais e co-responsáveis, a organização que demanda não pode ocupar o
lugar de “cliente”, mas compreender que o lugar de participante é fundamental para
operar a auto-análise e a autogestão.

A análise da demanda consiste em saber “quais são os aspectos conscientes,


manifestos, deliberados, voluntários deste pedido, e quais são seus aspectos inconscientes
e/ou não-ditos” (BAREMBLITT: 1996, p.68). Assim, análise da oferta e análise da
demanda fazem parte de um mesmo processo auto-analítico que se deve empreender ao
iniciar uma análise institucional. Ao término deste processo,

“entre a organização analisante, interveniente e a organização


analisada, intervinda, vai produzir-se uma interseção que gera uma
nova organização, que é o verdadeiro objeto de análise. Não existe,
aqui, então, uma posição clássica de objetividade: não somos os
experts que sabem e a organização-cliente não é um objeto passivo e
ignorante. Mas juntos é que vamos tentar entender como é esta
realidade nova que se deu na interseção de nosso encontro”.
(BAREMBLITT: 1996, p.69).

Na análise da demanda, uma série de aspectos devem ser observados:

1) quem indicou e por que o trabalho de análise institucional;

2) qual foi o segmento que se organizou para procurar o serviço, também


chamada de análise da gestão. Baremblitt afirma que, para o institucionalista,
é muito melhor ser solicitado pelas bases que pela direção ou proprietários.

3) Distinguir entre demanda (formal) e encargo (implícito). Os motivos


implícitos, aqui chamados de encargo, ocorrem por três motivos: má-fé,
desconhecimento ou recalque.

No decorrer do processo de intervenção, a organização analisante construirá suas


interpretações a partir dos analisadores, conceito institucionalista que caracteriza os
indícios apresentados pela organização que poderão auxiliar na explicação de seu objeto
de análise. O analisador funciona no institucionalismo de forma similar ao sintoma na

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análise individual, ou seja são “pistas” para que se construa uma interpretação sobre a
forma como as diversas dimensões envolvidas no processo se articulam. Os analisadores
podem ser encontrados em qualquer lugar na organização ou instituição e são dotados de
sentidos que permitem compreender a forma como seus agentes compreendem a
instituição e as relações dentro dela. Os analisadores podem ser compreendidos a partir
de alguns princípios.

1) a materialidade expressiva de um analisador é totalmente heterogênea;

2) o analisador contém os elementos para começar o processo de seu próprio


esclarecimento, seja a partir de fora, seja a partir de dentro da organização;

3) o analisador pode ser espontâneo ou construído, ou seja, pode ocorrer ao


acaso, involuntariamente; pode ser produzido pelo analista institucional com o
objetivo de explicitar conflitos ou problemas nas organizações. Para tanto, é
possível se utilizar de qualquer recurso.

A etapa seguinte do processo é a análise da implicação. Este conceito está


relacionado ao conceito de contratransferência freudiano, ou seja, se refere aos
sentimentos do analista em relação ao seu paciente. Contudo, para o institucionalista, a
análise da implicação antecede a relação com as organizações. Pressupõe a auto-análise,
por parte do analista institucional, para compreender suas motivações para desenvolver-se
em tal área e como estas motivações se envolvem com o projeto organizacional no qual
está intervindo. Como o analista institucional não pressupõe uma objetividade na
intervenção, também ele produzirá a partir dos recursos que dispõe, e que portanto,
também devem ser analisados.

Segundo Barbier (1985)1 Entendemos implicação como o "... engajamento pessoal


e coletivo do pesquisador em e por sua práxis científica, em função de sua história
familiar e libidinal, de suas posições passadas e atual nas relações de produção e de
classe, e de seu projeto sócio-político em ato, de tal modo que o investimento que resulte
inevitavelmente de tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de
conhecimento." (Barbier: 1985, p. 120)

1
Barbier, R. (1985). A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.

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Em suma, é possível observar que o institucionalismo considera todos os
elementos envolvidos no processo, ciente de que todos interferem e precisam ser
analisados. Assim, a organização em sua materialidade, em suas expectativas e em seus
princípios; e o institucionalista, em tudo aquilo que venha a provocar e ser provocado.

A partir da análise desses elementos (oferta, demanda, implicação e analisadores),


os institucionalistas irão efetuar um primeiro diagnóstico, um diagnóstico provisório.

O diagnóstico provisório é apenas uma hipótese sobre os problemas apresentados


pela instituição. Sua importância está, justamente, em instituir, organizar, planejar,
antecipar e decidir os passos a serem implementados na análise institucional.

Elaborado este diagnóstico, procede-se à construção de um contrato de


diagnóstico. O contrato é muito similar aos contratos convencionais, versam sobre os
compromissos mútuos, explicitando-se direitos e deveres das partes interessadas, da
duração total e freqüência dos encontros, honorários, delimitações de objetivos e
autorização de acesso aos materiais de investigação, promessa de sigilo quanto à
informação obtida durante a investigação, etc. Não se pode esquecer que a construção do
contrato já é parte do processo de análise e intervenção.

“Este contrato já implica a construção de dispositivos para ouvir a


todas as partes. Porque só ouvimos uma, aquela que fez a demanda
parcial. Só que é bom fazer este novo acordo, porque ele implica que o
diagnóstico já é uma operação de intervenção. Então já tem de ser
autorizado, legalizado e, no caso de existirem honorários, já devem ser
pagos” (BAREMBLITT: 1996, pp.114-5)

É importante lembrar que, até o momento, apenas uma parte da organização foi
ouvida. É preciso saber como os outros setores se posicionam diante dessa demanda, se
há resistência, vasculhar os não-ditos, etc. O diagnóstico permite ao institucionalista
preparar dispositivos, construir analisadores para que essas informações possam ser
provocadas.

Mas tais dispositivos devem ser orientados por princípios que não permitam ao
institucionalista induzir respostas. Deve-se lembrar sempre que o objetivo é produzir um
processo de auto-análise. O dispositivo deve ser um “agitador”, deve provocar a
organização para que novos analisadores possam emergir.

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É a partir do diagnóstico provisório que se pode planejar uma estratégia, preparar
a logística, selecionar as táticas e as técnicas.

Estratégia: sistematiza os grandes objetivos a serem conseguidos (cuja máxima


expressão é a auto-análise e a autogestão) assim como a progressão das manobras e
outras etapas previstas.

Logística: trata-se dos fatores a serem considerados a favor ou contra a


consecução do trabalho.

Táticas: são os pequenos segmentos nos quais se decompõe a estratégia.

Técnicas:são os instrumentos utilizados para operacionalizar as táticas.

Após a aplicação dos dispositivos e a leitura dos analisadores, os institucionalistas


retomam a demanda e o encargo, agora com mais elementos que evidenciam a distância
entre os dois, retomam a análise da implicação – para verificar os efeitos do dispositivo
na relação do institucionalista com a organização – e procede-se ao diagnóstico definitivo
e o planejamento da intervenção. Emerge, portanto, uma nova proposta de intervenção e
um novo contrato.

A única distinção desta proposta e deste contrato é que, nesta fase, propõe à
organização a autogestão do contrato de intervenção. Ou seja, o próprio coletivo será
responsável por determinar o formato, a freqüência, os honorários, o interesse, a
necessidade, etc. do processo de intervenção.

Baremblitt sugere algumas questões para a discussão desse contrato, tais como:

“Como você concebe esse serviço? Quanto tempo você acha que vai
durar? Quanto dinheiro você acha que deve ser pago? E como está
distribuído o pagamento? Quando cada um pensa que deve pagar e
por quê? Quais são os direitos que você nos vai dar para podermos
intervir? Podemos estar aqui todos os dias? Podemos acompanhar o
trabalho hora após hora? Podemos estar nas reuniões reservadas?
Podemos ver os livros contábeis da organização?” (BAREMBLITT:
1996, p. 118)

Após ao acordo entre equipe interventora e a organização procede-se à execução


da intervenção, tal como foi planejada. Alguns momentos são fundamentais: no
planejamento da intervenção devem haver avaliações periódicas; ao final, a equipe

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interventora realiza um prognóstico. É possível, ainda, que seja agendado o
acompanhamento da organização.

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