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Economia: o que

você precisa saber

PAULO GONZAGA MIBIELLI DE CARVALHO


JORGE BRITTO
CARMEM FEIJÓ
FERNANDO CARLOS G. DE CERQUEIRA LIMA
MARCOS TOSTES LAMONICA
ORGANIZAÇÃO
DURVAL CORRÊA MEIRELLES

1ª edição
rio de janeiro  2014
Comitê editorial externo  carmem aparecida do valle costa feijó, fernando carlos greenhalgh
de cerqueira lima e jorge nogueira de paiva britto

Comitê editorial interno  durval corrêa meirelles, paulo gonzaga mibielli de carvalho e ronald
castro paschoal

Organizador do livro  durval corrêa meirelles

Autores dos originais  paulo gonzaga mibielli de carvalho (capítulos 1 e 2), jorge britto
(capítulo 3), carmem feijó (capítulo 4), fernando carlos de cerqueira lima (capítulo 5) e marcos
tostes lamonica (capítulo 6)

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  rodrigo azevedo de oliveira

Projeto gráfico  paulo vitor fernandes bastos

Diagramação  paulo vitor fernandes bastos e andré renato fernandes lage

Supervisão de revisão  aderbal torres bezerra

Redação final e desenho didático  roberto paes

Revisão linguística  pricilla basilio e katia souza

Capa  thiago lopes amaral

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

E17 Economia: o que você precisa saber


Durval Corrêa Meirelles [organizador].
— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013.
160 p

isbn: 978-85-60923-08-3

1. Economia. 2. Macroeconomia. 3. Microeconomia. 4. Desenvolvimento. I. Título.

cdd 330

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
Sumário

Apresentação 7

1. Conceituação Básica 9

A importância de se estudar Economia 10


Mas por que os economistas divergem? 12
O objeto de estudo da Economia 13
Questões econômicas fundamentais: escassez e necessidades 14
Quanto produzir? 15
Como produzir? 15
Para quem produzir? 16
Isso nos leva a outra questão: como definir as necessidades? 16
A curva de possibilidades de produção e custo de oportunidade 18
Bens e serviços 21
Recursos naturais 22
Fatores de produção, agentes econômicos e o fluxo circular 24
Fluxo circular 25
Economia, sociedade e meio ambiente 26
A relação entre economia, sociedade e meio ambiente 26
Próximos capítulos 26

2. Contextualização da Ciência Econômica 29

Uma introdução à História do Pensamento Econômico 30


Os Economistas Clássicos 30
Mão invisível 30
Divisão do trabalho 31
A reação alemã 35
A Economia Neoclássica 37
A Escola Austríaca 38
A economia keynesiana 39
Monetarismo 41
Estruturalismo 42
Economia Capitalista (de mercado) versus Economia Planificada 43
Economia: divisões e relação com as diferentes profissões 45
Economia e sua relação com Administração e Contabilidade 46
Economia e sua relação com Comunicação 46
Economia e sua relação com Direito 46
Economia e sua relação com Geografia 47
Economia e sua relação com História 47

3. A Abordagem microeconômica 49

Método de análise 51
A Teoria do consumidor e da demanda 53
A Teoria da Produção 56
Equilíbrio de mercado e bem-estar 58
Análise de estruturas de mercado 58
Falhas de mercado 63
Da microeconomia tradicional para a organização industrial 65

4. Abordagem macroeconômica 69

O sistema de contas nacionais e os


agregados macroeconômicos — Parte 1 70
Fluxo e estoque 71
Produto Interno Bruto (PIB) 72
Fluxo, Estoque, Produto Interno Bruto e Produto Interno Líquido 73
As diferentes óticas de mensuração do produto da economia 74
Ótica do produto 74
Ótica da renda 75
Ótica da despesa 75
PIB e PIB per capita 76
Renda Nacional Bruta e demais agregados 78
Medindo as transações com o resto do mundo:
Balanço de Pagamentos 81
Os determinantes do nível de produto e emprego
na economia: conceitos de teoria macroeconômica — Parte 2 84
Crescimento no curto prazo: flutuações do PIB 84
Emprego e desemprego 89
O que determina os preços, sua variação,
e sua relação com a moeda 91
O que é moeda, as funções da moeda, moeda e inflação 92
Inflação ou desemprego: o dilema de economias modernas 94
Como medir a inflação 95

5. Políticas Macroeconômicas 97

Política macroeconômica: definição e objetivos 98


Política monetária: definição e objetivos 99
Metas intermediárias 100
Meta intermediária (I): moeda 100
Meta intermediária (II): taxa de juros 104
Meta de inflação 106
Instrumentos de política monetária: introdução 107
Depósito compulsório 107
Taxa de redesconto 108
Operações de mercado aberto (ou open market) 109
Instrumentos diretos de política monetária 109
Política cambial 110
Regimes cambiais: vantagens e desvantagens 111
Taxa de câmbio fixa 111
Taxas de câmbio flutuantes 113
Taxa de câmbio administrada 114
Acumulação de reservas internacionais:
vantagens e desvantagens 115
Política de comércio exterior 116
Política Fiscal 116
Definição e objetivos 117
Déficit primário e déficit nominal 117
Dívida bruta e dívida líquida 118

6. Noções sobre Crescimento e Desenvolvimento Econômico 121

Crescimento econômico versus desenvolvimento econômico 122


Crescimento econômico de longo prazo 123
Acumulação de Capital (K) 124
Crescimento da força de trabalho (L) 125
Nível de desenvolvimento tecnológico (T) 125
Desenvolvimento econômico 126
Os principais indicadores sociais: índice de Gini e
índice de desenvolvimento humano (IDH) 127
Índice de Gini 127
Explicando o índice de Gini 128
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 129
Desenvolvimento sustentável 130
Políticas públicas para a promoção do desenvolvimento 131
Política de incentivo à acumulação de capital 132
Política de incentivo à Educação 134
Política de garantia ao Direito de Propriedade 135
Política de incentivo ao livre comércio 136
Política de incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento 137
Globalização 138
Origem 139
Características da globalização 140
Globalização produtiva 141
Globalização financeira 142

Apêndice — Como fazer e interpretar gráficos e tabelas 145

Como fazer 146


1) Gráficos 146
Cuidados com o gráfico 146
2) Tabelas 147
Cuidados com uma boa tabela 147
Como interpretar 148
O que nos diz esse gráfico? Várias coisas: 150
Apresentação
A maior parte do que uma pessoa necessita na sua vida não é produzida por ela própria, de
modo individual. Algumas das necessidades humanas são satisfeitas no entorno imediato
da família – como a educação não formal e a troca de afeto –, outras, tanto materiais quanto
espirituais, ou de qualquer natureza, são satisfeitas pelo conjunto de indivíduos organiza-
dos em uma sociedade.
Uma questão importante que daí decorre é como cada sociedade supre as necessidades
de seus membros, ou seja, como ela organiza a produção e a distribuição dos bens e serviços
produzidos. Em sociedades menos complexas como, por exemplo, nas tribais, essa organi-
zação ocorre de modo tradicional pela produção coletiva e pela distribuição mais ou menos
igualitária dos bens. Nessas sociedades, embora possamos identificar um local onde eventu-
almente trocas sejam feitas, o que chamaríamos de mercado, este não ocupa um lugar fun-
damental na organização econômica. Mesmo em sociedades onde o comércio assume papel
relevante na geração de riquezas, como ocorreu com a civilização fenícia, na Antiguidade, a
distribuição dos recursos materiais não era inteiramente regulada pelo mercado.
Apenas na sociedade do tipo capitalista, que se desenvolveu a partir do século XVIII,
encontraremos uma economia construída em torno do mercado. Uma economia de mer-
cado pode ser definida como um sistema autorregulável de mercados, isto é, uma econo-
mia onde bens, serviços e fatores de produção (recursos naturais, trabalho e capital) são
distribuídos e alocados, exclusivamente, pela troca. Na verdade, isso não se aplica de modo
absoluto a nenhuma sociedade, pois existem imperfeições em tal sistema que exigem in-
tervenções externas a ele, como, por exemplo, através da ação governamental.
Quando pagamos impostos, esperamos que o Estado os utilize bem, gerando uma con-
trapartida em termos de proteção e de prestação de serviços públicos. Contamos com isso
porque o Estado, por meio dessas atividades, desempenha o papel necessário de organizar
o funcionamento de uma sociedade. Assim, os mercados suprem as necessidades econô-
micas dos indivíduos e das empresas, cabendo ao Estado as múltiplas funções que garan-
tam o melhor desempenho da sociedade como um todo, através das políticas que propi-
ciem as condições de vida ao indivíduo e de desenvolvimento social e econômico ao país.
A compreensão desses aspectos, fundamentais para o nosso dia a dia, são o objeto das
Ciências Econômicas, um conjunto de disciplinas que procuram entender como as socie-
dades organizam a produção e a distribuição da riqueza. As respostas às questões que daí
decorrem – O que e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir? – constituem o
principal objetivo do estudo da Economia.
A finalidade deste livro é propiciar aos alunos de diversos cursos uma visão introdutó-
ria, porém abrangente, dos principais problemas econômicos que nos afetam nos dias de
hoje. Para tal, procuramos abordar de forma simples - mas não excessivamente simplifica-
da, pois aí perderia efetividade - os instrumentos de que a Economia dispõe para entender
e atuar sobre nossa realidade.
Esperamos que a leitura deste livro seja agradável e útil ao leitor, contribuindo como
base efetiva para a sua atuação profissional e de cidadão.

ronald castro paschoal

capítulo 1 •7
1 Conceituação
Básica

paulo gonzaga mibielli de


carvalho
1 COMENTÁRIO
Conceituação Básica

A importância de se estudar Economia


Outras questões É importante estudar Economia para melhor entender o mundo que
Neste livro não vamos abordar todas nos cerca. Conhecer a questão do desemprego é importante, por exem-
essas questões, mas esperamos des- plo, para se entender o que é discutido nos jornais, na televisão e nas
pertar em você o interesse pela Econo- redes, mas também porque isso ajuda o indivíduo em questões tais
mia, possibilitando que continue seus como decidir qual a melhor hora de trocar de emprego e pedir aumen-
estudos da forma que lhe for mais con- to de salário...
veniente, em um curso formal ou não. Outras questões que a Economia estuda, presentes na mídia e que
Uma forma simples de fazer isso é lendo afetam o consumidor, o trabalhador e o empresário, entre outros, são:
a editoria de economia de um jornal de Por que a inflação está alta? Por que a Economia cresce pouco? A crise
grande circulação, pois esses têm a pre- econômica mundial já acabou? A importação de produtos chineses vai
ocupação de explicar os fatos econômi- acabar com a indústria nacional? Paga-se muito imposto no Brasil? É
cos em uma linguagem mais simples. necessária uma reforma na Previdência? A renda no Brasil é muito con-
centrada? O que é desenvolvimento sustentável? O estudo da Economia
nos ajuda a responder a todas essas perguntas.
COMENTÁRIO Apesar dessa relevância, é muito comum ouvir dos estudantes co-
mentários relacionados à dificuldade de se estudar e compreender Eco-
Economista nomia. Sendo assim, vamos levantar os questionamentos mais comuns
Deve-se desconfiar dos economistas e procurar respondê-los de forma prática.
que só conseguem se expressar por
meio de fórmulas matemáticas e não REFLEXÃO
conseguem apresentar suas ideias sem
economês (aquelas palavras difíceis Economia é uma matéria muito complicada, pois exige muito conhecimento
que só os economistas conhecem). de matemática...

Um economista precisa ter uma boa base em Matemática, mas não
é necessário grande conhecimento dela para se entender os princípios
básicos de Economia. Este livro pretende demonstrar isso.

Os economistas só trabalham com modelos, por isso o que eles dizem


é incompreensível.

Nem todos os economistas trabalham com modelos matemáticos, mas


seu uso muitas vezes é imprescindível. Modelos nada mais são do que uma
simplificação da realidade, o que é necessário, já que a realidade é muito
complexa. Por exemplo, um economista pode afirmar que o nível de renda
das pessoas é consequência da sua escolaridade e idade (experiência). Isso é

10 • capítulo 1
uma simplificação da realidade, pois outras variáveis têm impacto sobre o COMENTÁRIO
nível de renda. Mas para que complicar demais? Se o poder explicativo des-
sas duas variáveis (escolaridade e idade) for elevado, podemos ficar por aqui. Simplificação da realidade
Claro que há modelos de difícil compreensão, alguns não podem ser Em uma segunda etapa, podemos sofis-
testados por falta de dados. Diferentes escolas de pensamento econô- ticar um pouco mais e agregar outras va-
mico irão utilizar diferentes modelos para explicar o mesmo fenômeno, riáveis. Portanto, um economista iria criar
mas o uso de modelos é inevitável. uma relação matemática entre essas
variáveis, formulando assim um mode-
EXEMPLO lo econômico, para em seguida testá-lo
com os dados existentes (supondo que
Um bom exemplo de como a simplificação é necessária para a compreensão da não seja um modelo apenas teórico). No
realidade são os mapas. No google maps de uma cidade, todas as ruas transversais capítulo 3 veremos mais sobre a constru-
às grandes avenidas só surgem quando se aplica um bom zoom. Com pouco zoom, ção de modelos teóricos na microecono-
apenas as grandes avenidas são visíveis, mas isso é exatamente o mais relevante. mia e o uso do método lógico-dedutivo e
Se nessa escala aparecessem também as ruas transversais, ficaria difícil visualizar o de hipóteses simplificadoras.
mais importante, que são as avenidas. Detalhe demais atrapalha.

REFLEXÃO
O conhecimento de Economia de pouco adianta no dia a dia.

Conhecimento de Economia é muito útil no dia a dia. É tão útil, que


vários desses conhecimentos você já tem e não se deu conta disso. Veja-
mos um exemplo:

EXEMPLO
Seu time de futebol, que tem uma grande torcida, vai ter um jogo decisivo no sába-
do. Você vai deixar para comprar o ingresso no próprio sábado um pouco antes da
partida? Claro que não. Pois nesse caso você iria comprar de cambista e pagar muito
caro. O cambista vende caro, porque a essa altura não há mais ingresso disponível
nas bilheterias, mas ainda existem pessoas querendo comprar. Dito de outra forma,
há pouca oferta de ingressos – o que tem está com os cambistas – mas há procura
por ingressos. Os cambistas sabem disso e por isso vendem caro. Se você entende
a lógica de situações desse tipo, você conhece os princípios básicos da chamada
lei da oferta e da demanda. Foi a escola da vida que te ensinou, não foi um curso de
Economia. Ensinou e você aprendeu, porque é algo útil no dia a dia.

Mas a escola da vida não ensina tudo, caso contrário, ninguém estu-
daria nem faria faculdade. Vejamos agora um tipo de situação em que o
conhecimento de Economia é importante.

capítulo 1 • 11
COMENTÁRIO EXEMPLO
Divergências Suponha que você queira comprar uma televisão nova e existam duas opções: à vista ou
Veja o caso dos médicos que, no dia a em 24 vezes com juros de 2% ao mês, mas com uma prestação baixa. Suponha também
dia, para todos nós, são mais importan- que a inflação seja de 0,5% ao mês e a caderneta de poupança renda 0,6% ao mês. A
tes que os economistas. Em muitas si- maioria das pessoas optaria por pagar a prazo, afinal a prestação é baixa e cabe bem
tuações, não é incomum consultar três no salário. Essa solução é a mais cômoda, mas não é a melhor. Você estará pagando
médicos sobre uma operação e ter três de juros o equivalente a quatro vezes o valor da inflação, e durante 24 meses! Não é
diagnósticos diferentes: a) não precisa necessário fazer cálculos para confirmar, é evidente que nesse caso o barato sai caro.
operar; b) não precisa operar agora, mas Para chegar a essa conclusão você comparou a taxa de juros com a taxa de inflação
talvez precise operar no futuro; c) tem e rendimento da caderneta de poupança e (implicitamente) confrontou o preço à vista
de operar e tem de ser agora. Se algum com o preço a prazo. Com noções de economia é mais fácil fazer esse tipo de raciocínio.
deles for homeopata ou praticante da
medicina chinesa, as divergências se-
riam ainda maiores. REFLEXÃO

Os economistas não se entendem, cada um diz uma coisa diferente. É tudo muito confuso.

Os economistas têm discordâncias entre si, mas divergências exis-


tem em várias ciências e profissões e são parte da vida. Ainda mais na
Economia, que é uma ciência social e não uma ciência exata. Você con-
corda com todas as ideias de seus pais, de seu filhos, irmãos ou amigos?
Com certeza não, e isso, na maioria das vezes não impede a convivência.

Mas por que os economistas divergem?


Em primeiro lugar existem diferentes escolas de pensamento dentro da
Ciência Econômica. Fazendo uma analogia com a Medicina, um médico
com formação tradicional e outro com formação em Medicina Chinesa
vão olhar o paciente de forma muito diferente e, portanto, o diagnóstico
e, principalmente a terapia, serão divergentes.
Comparando um economista neoliberal e um economista keynesia-
no (mais adiante falaremos mais detidamente dessas correntes de pen-
samento), veremos que o primeiro acredita que a intervenção do Estado
só atrapalha o funcionamento da economia. Já o segundo, acredita que a
economia só vai funcionar adequadamente com intervenção do Estado.

REFLEXÃO
Os economistas vinculados a essas correntes nunca vão se entender, caso se ati-
verem rigidamente a seus princípios, pois partem de premissas e teorias diferentes.
A situação se complica ainda mais se esses economistas estiverem vinculados a
partidos políticos ou associações de classe divergentes.

12 • capítulo 1
Pode haver divergências também porque um dos lados usou de forma inadequada uma
teoria ou um modelo, por exemplo, deixando de lado variáveis importantes. Pode haver tam-
bém divergências de ordem empírica.

EXEMPLO
Por exemplo, se há falta de dados e informações, qualquer avaliação fica muito subjetiva e, portanto, as
divergências são grandes. Se há dados suficientes, pode haver divergência quanto à escolha da base
de dados – por exemplo, a do IBGE ou do Ministério da Agricultura para estimativas de safra – e no
tratamento/uso desses dados.

De que lado ficar em uma polêmica? Há duas alternativas. Pode-se assumir uma postu-
ra sectária (e equivocada) e sempre considerar que estão corretas as posições defendidas
pelos economistas com os quais você simpatiza e que as demais estão erradas. Ou adotar
uma postura aberta e democrática ouvindo o que todos têm a dizer e depois se posicionar.
Essa é a postura correta.

REFLEXÃO
É só assim, com o livre debate de ideias, que o conhecimento avança, não só na Economia como em todas
as áreas do saber. É mais trabalhoso, sem dúvida, mas ser guiado por preconceitos é muito pior.

O objeto de estudo da Economia


Mas afinal, do que trata a Economia? Qual é o seu objeto de estudo? A definição mais tra-
dicional, formulada em 1932 por Lionel Robbins, afirma que “a economia é uma ciência
que estuda o comportamento humano, como uma relação entre meios e fins. Sendo os
meios escassos e com usos alternativos”. Dito de outra forma, a economia estuda como
se usa a racionalidade (do comportamento humano) para solucionar problemas como
orçamento apertado.

EXEMPLO
Por exemplo, temos um fim — pagar as contas, ter algum lazer e, se possível, poupar —, mas o salário é
curto (meio escasso). O dinheiro pode ser utilizado de diferentes formas, pois há várias contas a pagar –─
algumas podem ser adiadas com pouco custo e outras não –, há diferentes tipos de lazer e de aplicações
financeiras. Qual seria a escolha racional a se fazer nessa situação? Essa escolha seria a que daria maior
satisfação (maximizaria o bem-estar).
Tendo as informações necessárias, a teoria econômica indica o caminho a tomar. Situações desse tipo
não ocorrem apenas com consumidores e famílias, mas também com empresas, governos, instituições etc.

Note que essa definição pressupõe que o agente econômico (basicamente famílias e
empresas) aja com racionalidade. Mas a propaganda nos leva a agir com racionalidade?

capítulo 1 • 13
COMENTÁRIO No intuito de obter maiores ganhos, as famílias e empresas agem sem-
pre com racionalidade ou muitas vezes são otimistas em excesso e in-
Otimistas fluenciadas por boatos?
Uma das causas da crise financeira A definição de Robbins também restringe a Economia ao estudo da
internacional de 2008 foi uma combi- Psicologia Humana, quando, na verdade, ela é muito mais do que isso.
nação de endividamento elevado com Não há referência à história ou à sociedade, portanto, a teoria econômi-
otimismo desmesurado sobre ganhos ca daria conta de qualquer situação de meios escassos e fins alternativos
financeiros. que envolvam seres humanos. Mas uma tribo indígena e o homem mo-
derno têm a mesma racionalidade?
Uma definição alternativa seria: A Economia é a ciência social que es-
tuda a produção, distribuição e consumo de bens e serviços. As principais
diferenças frente à definição anterior são a menção da Economia como
ciência social, e não se fazer referência ao comportamento humano.

REFLEXÃO
Cabe destacar dois pontos. Em nenhuma das duas definições há valores éticos ou
morais envolvidos. Portanto, a Economia pode ser utilizada para o bem (exemplo: para
a paz) ou para o mal (exemplo: para a guerra). Os agentes econômicos, porém, no dia
a dia, têm valores éticos e morais e fazem suas escolhas também com base nisso.

Não se falou nada até agora sobre quais seriam os fins. Esses seriam,
pelo enfoque tradicional, tornar máximo (maximizar) o lucro das em-
presas e a satisfação dos indivíduos. Entretanto, os agentes econômicos
(famílias, empresas) procuram fazer o que é melhor para eles individu-
almente, o que não necessariamente é o melhor para a coletividade ou
para o país, como você verá no capítulo 2.

Questões econômicas fundamentais: es-


cassez e necessidades

As questões econômicas fundamentais, do ponto de vista do agente in-


dividual, são:

ATENÇÃO
O que e quanto produzir — quais os produtos a serem produzidos e em
que quantidades;
Como produzir — que tecnologia utilizar;
Para quem produzir — que mercado consumidor se pretende atingir.

Essas questões só existem porque há escassez e necessidades a se-


rem atendidas. Estamos tratando aqui apenas dos bens econômicos,

14 • capítulo 1
que são aqueles relativamente escassos e que precisam ser produzidos, COMENTÁRIO
e, portanto, não são abundantes e oferecidos gratuitamente pela nature-
za, como é o caso dos bens livres. As necessidades vão definir o tamanho Bens livres
do mercado consumidor de um produto. Exemplos de bens livres são o ar, água,
luz solar etc. Como você já deve ter pen-
sado, alguns bens livres, devido ao mau
Quanto produzir? uso feito pelo homem, já estão se tornan-
do escassos, como é o caso da água.
O quanto produzir vai depender do tamanho do mercado e da capaci-
dade da empresa em atendê-lo. Suponha que em um país com 10 mi-
lhões de habitantes, metade deles tenha algum tipo de deficiência visual
(miopia, astigmatismo etc.) e necessitem de óculos. Suponha que todos
tenham recursos para comprar óculos. Nesse caso, o mercado consumi-
dor de óculos seria de 5 milhões de pessoas. Até aqui já estão definidos
para quem produzir (pessoas com deficiência visual), o que produzir
(óculos) e quanto produzir (5 milhões de óculos).

Como produzir?
No exemplo dos óculos, várias empresas vão disputar esse mercado. Ven-
derá mais quem utilizar uma tecnologia que possibilite produzir óculos
de boa qualidade, com um preço atrativo para o consumidor (bom e ba-
rato). Estamos falando, portanto, do como produzir, ou seja, refere-se à
tecnologia utilizada no processo produtivo. A questão da escassez entra
na escolha da tecnologia. As matérias-primas mais escassas são as mais
caras e determinam a escolha da tecnologia. Os empresários vão fugir
da tecnologia que tem altos custos de produção, pois isso significa preço
elevado e poucos consumidores.

REFLEXÃO
Não se pode produzir sem que haja alguém ou alguma máquina trabalhando em
algum lugar. Portanto, precisamos para produzir, pelo menos, de trabalho, capital
e recursos naturais. Esses são os fatores de produção, que são os recursos indis-
pensáveis para viabilizar um processo produtivo. Alguns avaliam que capacidade
empresarial e capacidade tecnológica também devem ser consideradas fatores
de produção. Para simplificar, trabalharemos nesse capítulo apenas com os dois
fatores produtivos mais utilizados pelos economistas nos seus estudos, que são
capital e trabalho.

Há sempre diferentes formas de se produzir um mesmo produto,


a partir de diferentes combinações dos fatores produtivos. Por exem-
plo, no passado as agências bancárias faziam seu serviço de atendi-
mento ao público utilizando muito fator trabalho (muitos caixas hu-

capítulo 1 • 15
COMENTÁRIO manos) e pouco fator capital. Hoje é o inverso, pois predominam os
caixas eletrônicos.
Comprado pelos consumidores
Estamos nos referindo aqui apenas ao
que é produzido com fins de lucro, pois Para quem produzir?
o governo, por exemplo, pode oferecer
serviços gratuitos para a população. As questões econômicas fundamentais não são fáceis de serem respondi-
das. O ponto de partida de tudo é o para quem produzir. Só faz sentido pro-
duzir algo que venha a ser comprado pelos consumidores. Se for um produ-
to ou serviço já estabelecido no mercado, não há muito como errar, mas se
for um produto novo ou substancialmente modificado, como os consumi-
dores vão reagir? Basta a propaganda para solucionar esse problema? Com
propaganda se cria mercado para qualquer produto? Com certeza não.

EXEMPLO
Por exemplo, no início dos anos 1990, no Brasil, houve muito propaganda dos carros
da marca Lada, que eram importados da antiga União Soviética. Essa marca era des-
conhecida aqui, mas com a propaganda muitos carros foram vendidos, até porque
o preço era convidativo. O problema é que em pouco tempo ficou claro que o carro
não era adaptado às ruas, estradas e ao clima brasileiro. As vendas despencaram e
o Lada deixou de ser importado. Moral da história: propaganda não faz milagre; se o
produto é ruim, não vende.

Vejamos o caso do telefone celular. Qualquer pesquisa junto aos


consumidores nos anos 1980 diria que eles não necessitavam desse pro-
duto. O que todos queriam era um telefone fixo em casa, o que não era
fácil de conseguir. Com telefone no trabalho, em casa e cabines telefô-
nicas (orelhões) na rua, qual a necessidade de um telefone portátil? Mas
o produto foi introduzido no mercado e aos poucos foi conquistando
espaço, ainda sem os recursos que existem hoje. Atualmente, para mui-
tos, já é um produto de primeira necessidade. Moral da história: as ne-
cessidades podem ser criadas. Todo produto que torna a vida mais fácil,
por ser mais prático, por exemplo, leva vantagem.

Isso nos leva a outra questão: como defi-


nir as necessidades?

As necessidades individuais podem ser divididas em corporais, espiritu-


ais e de consumo suntuário (de luxo). As necessidades corporais podem
ser biológicas, que são as relativas ao vestuário, alimentação, reprodu-
ção e habitação, e sociais, que são dadas pela vida em sociedade.

16 • capítulo 1
EXEMPLO COMENTÁRIO
Por exemplo, certas empresas exigem que seus funcionários trabalhem de terno, Consumismo
pois isso é uma norma social; logo, é forçoso adquirir esse tipo de roupa. Com certeza você já comprou produtos
que nunca utilizou ou utilizou muito pou-
As necessidades espirituais são as referentes ao conhecimento, cria- co, o que não justificaria a compra. Se
ção artística e a religião. O consumo de luxo tem servido historicamente isso acontece com frequência você é um
para diferenciar classes sociais, pois o preço de seus produtos costuma consumista. Responda com sinceridade:
ser muito elevado. você consegue viver sem consumir pro-
Vivemos em sociedade e, portanto, temos também necessidades cole- dutos supérfluos (não essenciais)? Para
tivas, que são aquelas derivadas da vida em comunidade e que só podem, você é fácil definir o que é um produto
na maioria das vezes, ser atendidas, de forma coletiva. Esse é o caso dos supérfluo? O telefone celular é um pro-
serviços de transporte, habitação, saúde, educação (CANO, 2007). duto supérfluo? Sua resposta se refere
a todos os celulares ou só para alguns
ATENÇÃO tipos de celulares? Essas não são ques-
tões fáceis de serem respondidas.
O atendimento das necessidades básicas depende, em boa parte, dos indivíduos.
Tendo um bom emprego podemos pagar por uma boa alimentação, comprar roupas
etc. Já as necessidades sociais dependem, em boa medida, do governo e suas polí-
ticas públicas, pois é ele que constrói grande parte das estradas, hospitais, escolas e
grandes espaços de lazer (estádios, por exemplo).

As necessidades das pessoas são diferentes (região, classe social,


sexo etc.) e mudam ao longo de tempo. Esse é um grande desafio, se o
objetivo for alcançar o desenvolvimento sustentável, que pode ser de-
finido como o desenvolvimento que visa atender às necessidades da
geração presente, sem comprometer o atendimento das necessidades
das futuras gerações.

ATENÇÃO
Esse já é um problema do presente, nosso planeta não suporta o atendimento de nos-
sas necessidades atuais. Um bom exemplo disso é o problema das mudanças climá-
ticas. A temperatura do nosso planeta tem aumentado, em boa medida, por causa do
aumento do consumo de combustíveis fósseis (exemplos: carvão e derivados do petró-
leo). Em virtude disso, o clima está ficando cada vez mais instável e a altura dos mares
aumentando. Para enfrentarmos esse problema não basta trocarmos combustíveis
fósseis por fontes de energia renováveis (energia hidrelétrica, solar, eólica — ventos
etc.), precisamos mudar nosso padrão de consumo e, portanto, nossas necessidades.

Não é nada fácil, dado o consumismo da sociedade em que vivemos. So-


mos consumistas quando compramos mais do que necessitamos. Todas as
necessidades atuais podem ser atendidas? Com certeza não, pois não ha-
veria recursos naturais suficientes, nem capacidade de absorver os dejetos
gerados pela poluição do ar, da água, de resíduos sólidos (lixo). Se todos os

capítulo 1 • 17
habitantes do planeta tivessem o mesmo padrão de vida de um norte-americano de classe mé-
dia, seria o caos. Só tendo outros planetas para importar matérias-primas e exportar poluição.

Na sociedade em que vivemos, é difícil não ser consumista de alguma forma. O consu-
mismo é algo sobre o qual se deve refletir e não apenas aceitar passivamente.

A curva de possibilidades de produção e custo


de oportunidade

O dilema entre recursos limitados versus fins alternativos é muito bem apresentado na cur-
va de possibilidade de produção (também chamada de curva de fronteira produtiva ou de
transformação da produção). Essa curva, que é uma representação simplificada de uma
economia, é sempre côncava e em cada eixo há um produto. Vejamos:

10

8
Quantidade produzida de Canhões

0
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5
Quantidade produzida de Manteiga

ATENÇÃO
A área delimitada pela curva é a de possibilidades de produção para aquela Economia em relação aos
dois produtos, que são os únicos produzidos, no caso, manteiga (em toneladas) e canhões (quantidade).
Isso significa que qualquer ponto além da curva é impossível de ser alcançado. A produção máxima é
alcançada quando a economia está em algum ponto da borda da curva. Esse é o seu limite, o limite das
possibilidades de produção.

18 • capítulo 1
A área delimitada pela curva é dada pela capacidade produtiva da Economia, que por
sua vez, depende da disponibilidade de fatores produtivos (capital e trabalho). Portanto,
quanto maior a população, o número de máquinas e fábricas no país, ou quanto maior a
produtividade dos operários ou das máquinas, maior a sua capacidade produtiva. Haven-
do maior produtividade ou disponibilidade de fatores, a curva se desloca para a direita
(para fora). Havendo menor produtividade ou disponibilidade, o deslocamento é para a
esquerda — para dentro.

3,5

2,5

2
Produto B

1,5

0,5

0
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5
Produto A

ATENÇÃO
Por exemplo, a curva irá se deslocar para a direita se a população crescer ou se, com o progresso téc-
nico, as máquinas velhas forem substituídas por novas, que são mais produtivas. Se a população do país
diminuir em razão da emigração, queda da taxa de natalidade ou por guerras ou terremotos, a curva irá
se deslocar para a esquerda.

A curva expressa o dilema clássico da Economia. Não há recursos para se produzir tudo
o que se deseja e é necessário fazer escolhas. Para se produzir mais de um produto é neces-
sário, sempre, se produzir menos de outro, até a situação limite, em que toda a capacidade
produtiva da Economia está voltada para a produção de apenas um produto.

capítulo 1 • 19
10
COMENTÁRIO
9
Custo de oportunidade A D
8

Quantidade produzida de Canhões


É o de que se abre mão ao se fazer uma
7
escolha. É o custo de uma escolha. À
medida que se avança na produção de 6
manteiga, o custo de oportunidade au- C B
5
menta. Para mais uma tonelada de man-
teiga, abre-se mão de 5 canhões.
4
O conceito de custo de oportunidade se 3
aplica a várias situações. Em um filme
2
do cineasta Domingos de Oliveira, o per-
sonagem principal — um conquistador
1
inveterado — afirma que o difícil não é 0
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5
escolher uma mulher, o difícil é deixar de
lado todas as outras mulheres do mundo. Quantidade produzida de Manteiga
Nesse caso, o custo de oportunidade são No exemplo dado, 9 é a quantidade máxima que se pode produzir de
todas as outras mulheres do mundo. O canhões; e 3 toneladas, o máximo de manteiga. Suponha que se esteja no
filme se chama Todas as mulheres do ponto A (8 canhões e 1 tonelada de manteiga) e se passe para o ponto B (5
mundo e foi estrelado por Paulo José e canhões e 2 toneladas de manteiga). Nesse caso, a produção de mantei-
Leila Diniz, em 1966. É considerado um ga aumentou de 1 tonelada para 2 toneladas, mas, em compensação, a
clássico do cinema brasileiro. produção de canhões caiu de 8 para 5. Para se produzir 1 tonelada a mais
de manteiga foi necessário abrir mão de 3 canhões. Esses 3 canhões que
deixaram de ser produzidos representam o custo de oportunidade.
COMENTÁRIO Note que o ponto D é impossível de ser atingido. Esse não é o caso
do ponto C. Esse último ponto representa uma situação em que se está
Recursos ociosos produzindo menos do que poderia, pois estamos dentro da curva e não
Um exemplo seria a situação de desem- na sua borda. No ponto C estamos produzindo 1 tonelada de manteiga,
prego. Parte da mão de obra não está mas apenas 5 canhões, quando poderíamos produzir 8. Isso ocorre por-
trabalhando, e, por isso, a produção é que, por algum motivo, não estamos utilizando todos os recursos que
menor do que poderia ser. temos e, portanto, estamos com recursos ociosos.
Em nosso exemplo, os dois produtos selecionados foram canhões e
manteiga para destacar um dilema econômico clássico. Ao se desviar mui-
tos recursos para a guerra (canhões), as necessidades da população (man-
teiga) ficam em segundo plano. Esse é um dos muitos custos de uma guerra.

EXEMPLO
Durante a Segunda Guerra Mundial, a venda de manteiga nos Estados Unidos foi ra-
cionada, havendo um limite máximo de manteiga que as famílias podiam comprar por
mês. A venda de automóveis para civis chegou a ser proibida, exceto em situações
especiais — exemplo: médicos podiam comprar automóveis por ser considerado ne-
cessário para o exercício de sua profissão. As fábricas de automóveis passaram a
fabricar tanques e diversos tipos de armamentos.

20 • capítulo 1
Bens e serviços COMENTÁRIO
Numa Economia são produzidos bens e serviços. Bens são produtos que Bens finais
têm forma física — como ferro, automóvel e sapato, por exemplo — e Os bens finais podem ser de dois tipos:
existem para satisfazer alguma necessidade. Os serviços não têm forma bens de consumo e bens de capital. Os
física — como uma consulta médica, o serviço de um eletricista, uma bens de consumo, como o próprio nome
aula de professor. diz, são os utilizados no consumo das fa-
A produção provém dos três setores que compõem uma Economia: mílias. Por exemplo, o móvel e o sapato.
primário (agricultura e pecuária), secundário (indústria) e terciário (co- São subdivididos em bens duráveis, bens
mércio e serviços). não duráveis e bens semiduráveis. Su-
pondo que sejam utilizados com frequên-
EXEMPLO cia, os bens duráveis duram muitos anos
(exemplos: geladeiras e televisores), os
Quando um país é pobre, é o setor primário o mais importante, quase não existe in- semiduráveis, poucos anos (exemplos:
dústria, e o terciário tem pouco peso. O Brasil era assim até o século XIX. Com o de- roupas) e os não duráveis, menos de um
senvolvimento, a indústria ganha peso e, em seguida, o setor terciário. A economia, ano (exemplos: alimentos e bebidas).
portanto, se diversifica. Em 2013, no Brasil, a agropecuária representava apenas
5,7% da produção do país, a indústria 24,9% e o terciário 69,4% (Fonte: indicadores
do IBGE - Contas Nacionais trimestrais, outubro/dezembro 2013). COMENTÁRIO
Os bens podem ser de dois tipos: bens finais ou bens intermediá- Bens de capital
rios. Os bens intermediários são matérias-primas (insumos) que serão Por exemplo, para produzir automóveis
transformadas em um produto, por meio de um processo produtivo. Por não bastam máquinas, é necessário ter
exemplo: o ferro e carvão transformados em aço; madeira se torna um uma fábrica, que é uma construção. Da
móvel; couro vira um calçado. mesma forma, para produzir transporte
Os bens finais são os que não sofrem transformações e são utilizados na marítimo, não basta ter navios, é necessá-
forma como se apresentam. Por exemplo, você pode sair da sapataria já com rio ter portos e também estradas, sem as
seu sapato novo no pé. O móvel, logo que chegar à sua casa, você irá utilizar. quais a produção não chega até o porto.
Já o ferro, tem apenas um uso, que é ser transformado em outro produto.
Os bens de produção ou bens de capital são aqueles utilizados na
produção de outros bens, como máquinas, equipamentos ou constru-
ções. Máquinas podem, com maior ou menor intervenção humana, pro-
duzir sapatos, refrigerantes, automóveis etc. Também se incluem nos
bens de capital todas as construções e infraestrutura de um país, pois
contribuem para a produção de bens.
Nem sempre é fácil classificar um bem ou serviço nessas diferentes
categorias, pois isso depende do uso que se dá. Por exemplo, para a
maioria das pessoas o automóvel é um bem de consumo durável. Mas
para um taxista é um bem de capital, pois produz um serviço, o trans-
porte de passageiros. Da mesma forma, uma laranja é um bem de con-
sumo não durável quando comprada na feira com o objetivo de fazer
suco de laranja para tomar no café da manhã. Mas é um insumo, se é
uma empresa que compra a laranja com o objetivo produzir suco de
laranja para exportação.

capítulo 1 • 21
COMENTÁRIO Os setores são interdependentes, pois compram e vendem entre si.
Por isso é muito comum quando estudamos a Economia por meio de ca-
Cadeias produtivas deias produtivas e se incorporamos a dimensão ambiental, chegamos
Cadeia produtiva é um conjunto de eta- ao ciclo de vida do produto.
pas consecutivas pelas quais passam e O conceito de cadeia produtiva, incorporando a preocupação am-
vão sendo transformados e transferi- biental, evoluiu para o de ciclo de vida do produto. Nesse caso, se inclui
dos os diversos insumos (PROCHNIK, uma penúltima etapa, que é a do descarte (morte do produto), e a etapa
2002). Por exemplo, o minério de ferro é final é a reciclagem, quando o produto retorna a uma etapa anterior.
extraído da natureza (primeira etapa), em
seguida se transforma em aço (segunda EXEMPLO
etapa), o qual é utilizado na fabricação do
automóvel (terceira etapa). Nesse caso, Por exemplo, sucata de automóvel pode ser utilizada na fabricação de aço. Latas
foram três etapas consecutivas. Entre de cervejas usadas podem ser utilizadas na fabricação de novas latas de cerveja.
elas houve transporte e, em cada uma Outra diferença com relação ao ciclo de produto é que agora há uma preocu-
delas, pagamento de impostos. pação com a mensuração dos impactos ambientais e sociais em cada uma das
etapas. Por exemplo, um automóvel não gera poluição apenas quando é utilizado.
Gera também quando é produzido e quando é descartado de forma inadequada.
De forma indireta, é responsável pela poluição produzida na produção de aço
e ferro e no transporte entre essas etapas. No caso da extração do minério de
ferro, ainda há a questão de se estar diminuindo o estoque de um recurso natural
não renovável.

Recursos naturais
Recursos naturais podem ser definidos como o conjunto de riquezas na-
turais em estado bruto de um país. É portanto, tudo que a natureza for-
nece e dá de suporte à vida humana na terra. Inclui, portanto, recursos
tais como terra, água, ar, minerais, florestas, peixes e demais recursos
marinhos, flora, fauna e clima. Os recursos naturais são tradicional-
mente divididos em renováveis e não renováveis.

COMENTÁRIO
Recursos naturais renováveis são aqueles repostos pela natureza em um curto espa-
ço de tempo, tais como ar e água. Recursos naturais não renováveis são aqueles que
não são repostos pela natureza em um curto espaço de tempo, tais como petróleo e
minério de ferro. O petróleo é produzido pela natureza, mas são necessários milhões
de anos para isso.

A partir das definições anteriores, poderíamos pensar que deverí-


amos nos preocupar apenas com os recursos naturais não renováveis.
Ledo engano. Devemos nos preocupar com ambos. Há recursos naturais

22 • capítulo 1
não renováveis que dificilmente irão se esgotar, pois são pouco utilizados, como o urânio.
Mas o mesmo não se pode dizer do petróleo.
A água é um recurso renovável, mas, na história recente do Brasil, em vários momentos,
o abastecimento de água e o fornecimento de energia elétrica foram motivo de sérias pre-
ocupações, devido à falta de chuvas. Situação que tende a se agravar com as mudanças cli-
máticas. Temos ainda o problema da qualidade da água. No Brasil, a maior parte do esgoto
residencial não é tratada, antes de ser despejada nos rios, lagos, lagoas ou mar. Por sinal,
poucos sabem que o que pagamos de conta de água é basicamente para cobrir os custos
com transporte e limpeza da água. O custo da água em si, é próximo a zero.

Ford versus General Motors e o início da sociedade de consumo


(ou não se fazem bens de consumo duráveis como antigamente)

Muitos pesquisadores consideram a disputa entre a Ford e a General Motors (GM), nos anos 20
do século passado, como o marco inicial da chamada sociedade de consumo, por ter populariza-
do a prática de obsolescência planejada.
Até o início dos anos 1920, a Ford dominava amplamente o mercado de automóveis nos Estados
Unidos, devido ao sucesso do Ford Modelo T. Esse carro era barato e durável. A ideia da Ford era
que fosse um carro para a vida inteira. Mas tinha um inconveniente, era considerado feio pelos
consumidores, devido ao design e, principalmente, por ser preto. A GM, para concorrer, lançou
um carro que tinha muitas das características do Ford Modelo T, mas com duas importantes
diferenças: havia modelos em diferentes cores e, a cada ano, seria lançado um modelo novo — o
carro do ano —, com mudanças em relação ao modelo do ano anterior. Com essa política, no final
dos anos 1920, a GM já vendia mais carros que a Ford. Não houve jeito, a Ford teve que ceder
e passou a lançar novos modelos de carros.
Com essa prática, em apenas um ano, um carro fica velho, pois já é fabricado um modelo novo.
Isso induz o consumidor a trocar de carro todo ano e, portanto, a comprar vários carros ao longo
de sua vida, e não um só, como queria Ford. Isso impulsionou o mercado de carros usados e
gerou um enorme desperdício de recursos naturais e muito lixo, pois são produzidos muito mais
carros do que o necessário. Um produto com obsolescência planejada é elaborado para ter uma
vida curta, levando o consumidor a comprá-lo várias vezes.
Um produto pode ter uma vida curta por vários motivos: saiu um novo modelo com pequenas mudan-
ças; saiu um novo modelo com grandes mudanças, pois houve um salto tecnológico (por exemplo,
TVs com telas LED e LCD); saiu de moda; ou simplesmente não funciona direito e os consertos são
frequentes. Em outras palavras, os bens de consumo duráveis são cada vez menos duráveis.

ATENÇÃO
Algumas perguntas para reflexão. Qual a geladeira mais durável, a sua ou a da sua avó? Qual o critério
que você usa para definir que um conserto vai sair caro e é hora de comprar um produto novo? Há quanto
tempo você tem seu atual telefone celular e o que te levou a fazer a última compra?

capítulo 1 • 23
COMENTÁRIO Fatores de produção, agentes econômi-
Lucros/dividendos
cos e o fluxo circular
Quando se compram ações de uma em-
presa que está na Bolsa de Valores (em- A contrapartida da utilização dos fatores de produção no processo pro-
presa de capital aberto), se tem direito a dutivo é a sua remuneração. No caso do trabalho, a contrapartida são
receber dividendos caso essa empresa os salários e, no caso do capital, são os lucros (considerando apenas o
tenha lucro. Dividendos é parcela do lu- trabalho assalariado e o capital produtivo).
cro que é distribuída aos acionistas.
REFLEXÃO
Supondo-se uma economia onde existam apenas famílias e empresas (retiramos
propositadamente o governo e relações com o exterior), os proprietários dos fatores
de produção são as famílias, que emprestam esses fatores produtivos às empresas,
para que essas viabilizem a produção de bens. Os agentes econômicos são, portanto,
as famílias e as empresas, que são as entidades que viabilizam o processo produtivo.

As famílias e empresas interagem em dois mercados, o de fatores e


o de produtos. No mercado de fatores, as famílias emprestam capital e
trabalho para as empresas utilizarem a produção em troca de uma re-
muneração, no caso, salários e lucros/dividendos.
O valor da remuneração é negociado entre as partes. Atenção! Trata-
se apenas de empréstimo, com regras definidas, dos fatores produtivos,
e não venda desses fatores. Se fosse venda, no caso do trabalho, estaría-
mos no regime de escravidão e não de trabalho assalariado. O trabalha-
dor pode pedir demissão na hora que quiser, e o acionista pode vender
suas ações quando desejar.
No mercado de produtos, as empresas vendem seus produtos às famí-
lias que, para comprá-los, utilizam a renda obtida no mercado de fatores.
Portanto, os dois mercados estão interligados, em um fluxo circular.
Essa vinculação dos mercados mostra que pagar baixos salários, se
por um lado diminui o custo de produção das empresas, por outro lado
diminui seu mercado consumidor, pois as famílias ficam com menos
dinheiro para gastar. Essas relações estão sintetizadas no fluxo circular,
que mostra como, para cada fluxo real, há uma contrapartida monetá-
ria. Afinal, a Economia trata de acompanhar transações que ocorrem em
valores, em moeda.

24 • capítulo 1
Fluxo circular

Bens e serviços comprados Mercado de Bens e serviços vendidos


produtos
Gastos Receitas

FLUXO REAL
Famílias FLUXO MONETÁRIO Empresas
(BENS, SERVIÇOS E FATORES)
(DINHEIRO)

Renda Salários e lucros


Mercado de
Capital e trabalho fatores de produção Empréstimo de capital e trabalho

Ford e o salário de 5 dólares


No início de 1914, a Ford, empresa produtora de automóveis, estava enfrentando um sério pro-
blema. Tinha acabado de introduzir uma técnica produtiva revolucionária, a linha de montagem,
mas a produção não crescia como o desejado. O ritmo mais acelerado do processo produtivo
tinha aumentado a insatisfação entre os trabalhadores. Com isso, a dedicação ao trabalho e a
produtividade eram baixas e, portanto, frequentes as demissões e contratações de substitutos
com consequentes gastos em seleção e treinamento.
Para enfrentar esse problema, a empresa tomou uma decisão inteiramente inusitada para a épo-
ca. Resolveu dobrar o salário dos operários para US$5 ao dia e diminuir a jornada de trabalho
para 8 horas por dia, cinco dias por semana. Parecia uma decisão suicida de um empresário ex-
cessivamente paternalista, e foi um choque na opinião pública e no meio empresarial. Mas fazia
todo sentido, do ponto de vista econômico.
Pagando salários acima da média do mercado, a Ford podia cobrar dedicação dos operários, e
conseguiu isso. Todos queriam trabalhar na Ford e quem estava dentro não queria sair. A rotati-
vidade diminuiu drasticamente. Com maior dedicação, aumentou a produtividade (produção por
operário). Com a jornada de 8 horas, a fábrica podia trabalhar 24 horas com três turnos de 8
horas e sempre com operários descansados. Se fossem dois turnos de 12 horas, isso não seria
possível. A produção por fábrica aumentou. Gastou mais com os operários, mas em compen-
sação, o rendimento por operário e por fábrica aumentou muito e mais do que compensou. Em
outras palavras, o custo por operário aumentou, mas o custo de produção caiu, com isso pode-se
reduzir o preço dos carros e vender mais.
Havia também outro motivo para o aumento dos salários. Ford queria que os operários ganhas-
sem o suficiente para comprar seus automóveis, e conseguiu isso. Ford não via os salários só
como custo de produção, via também como demanda para seus produtos. Portanto, percebia que
o mercado de fatores e o de produtos estavam interligados.

capítulo 1 • 25
Economia, sociedade e meio ambiente
Como vimos, a Economia é uma ciência social, portanto, um pré-requisito para sua exis-
tência é uma sociedade minimamente organizada, ou pelos menos com algumas regras
sociais estabelecidas. Talvez a relação econômica mais antiga seja a troca, e ela pressupõe
que os dois lados confiem na qualidade do produto. Mesmo nos primórdios da raça huma-
na, quando se praticava o escambo, valia o princípio da troca de produtos defeituosos, ou
seja, se a carne que recebi estiver estragada, tenho direito de receber a minha lança de volta.

ATENÇÃO
Os economistas não podem fazer o que querem — embora esse seja o desejo de muitos —, pois tem que
se submeter à sociedade. A economia é limitada pela sociedade, pois está contida nela. Não existiria socie-
dade se não existisse vida na terra, e, para isso, certas condições ambientais foram necessárias. Também
não se pode produzir sem recursos naturais. A sociedade é limitada pelo meio ambiente, do qual faz parte.

Como vimos anteriormente, o fluxo circular deve ser entendido como uma representa-
ção simplificada e limitada da economia, mas não da realidade. A figura a seguir é também
utilizada para representar o desenvolvimento sustentável e a economia ecológica.

A relação entre economia, sociedade e meio ambiente

MEIO AMBIENTE

SOCIEDADE

ECONOMIA

Próximos capítulos
Este livro está estruturado para cobrir os principais conceitos introdutórios da Economia.
Neste capítulo, abordamos o objeto de estudo da Economia e as noções básicas de custo de
oportunidade e fluxo circular. Os próximos capítulos tratarão, em larga medida, de apro-
fundar essas noções.
O capítulo 2 é dedicado aos principais teóricos em Economia, ou seja, procurou-se situ-
ar aqueles cujas contribuições permitiram mudanças qualitativas importantes na maneira

26 • capítulo 1
como a análise econômica passou a ser realizada. Nesse sentido, áreas de conhecimento
dentro da Economia, como a Microeconomia e a Macroeconomia, guardam relação com a
evolução do pensamento econômico. No capítulo 2 também tratamos de apresentar breve-
mente os princípios de organização de dois sistemas econômicos — a Economia de Merca-
do e a Economia Planificada.
O capítulo 3 introduz os conceitos de análise em Microeconomia, cujo objetivo é mos-
trar, através do equilíbrio parcial dos mercados, a tendência da Economia de atingir o es-
tado de bem-estar. Nesse capítulo é feita uma introdução sobre o método de análise em
Economia que supõe agentes racionais maximizadores (famílias e firmas) de suas funções
e objetivo. A partir da caracterização dos agentes econômicos são apresentadas as análises
sobre o equilíbrio nos diferentes tipos de mercado. Noções de organização industrial são
apresentadas ao final do capítulo.
O capítulo 4 apresenta outra perspectiva de análise em Economia, que é a macroeconô-
mica. Inicia-se o capítulo com a descrição das medidas utilizadas em análises agregadas
— os agregados macroeconômicos — para, em seguida, mostrar como a análise do com-
portamento destes agregados ajuda a explicar o desenvolvimento da Economia em curto
prazo. Temas como desemprego e inflação concluem o capítulo.
O capítulo 5 apresenta os instrumentos de política econômica à disposição dos gover-
nos para intervir na Economia. Como economias de mercado são propensas a flutuações,
os governos dispõem de mecanismos de intervenção para contrabalançar os movimentos
de subidas e descidas do produto, do emprego e dos preços, que são percebidos reduzindo
o nível de bem-estar social.
O capítulo 6 é dedicado à análise de longo prazo, contrapondo as noção de desenvol-
vimento econômico e de crescimento econômico. Políticas públicas para a promoção do
desenvolvimento econômico são apresentadas, bem como medidas de desenvolvimento
social. Um tópico sobre globalização conclui o capítulo.
Por fim, o livro apresenta um apêndice sobre como elaborar gráficos e tabelas econômi-
cas. Entende-se que o uso de gráficos e tabelas é recurso bastante difundido, sendo útil o
treinamento do aluno na leitura destas ferramentas estatísticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRESSER-PEREIRA, L. Os dois métodos e o núcleo duro da teoria econômica. Revista de Economia Política, 2009,
vol. 29, nº 2 (114). Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2008/08.06.DoisMetodos-REP.pdf>.
Acesso em: 5 abr. 2014.
CANO, W. Introdução à Economia — uma abordagem crítica. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2007.
PROCHNIK. V. Cadeias produtivas e Complexos Industriais - seção do capítulo Firma, Indústria e Mercados, In:
Hasenclever, L. e Kupfer, D. Organização Industrial, São Paulo: Campus, 2002. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/
cadeiasprodutivas/pdfs/cadeias_produtivas_e_complexos_industriais.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2014.

Leituras Sugeridas:
MAY, PETER (Org.) Economia do Meio Ambiente – Teoria e Prática. São Paulo: Campus, 2010.

capítulo 1 • 27
28 • capítulo 1
2
Contextualização
da Ciência
Econômica

paulo gonzaga mibielli de


carvalho
2 AUTOR
Contextualização da Ciência
Econômica
Uma introdução à História do Pensamen-
Adam Smith
to Econômico

A Economia, como toda ciência, tem uma história e escolas de pensamen-


to. Destacaremos aqui apenas os principais economistas e escolas, com
ênfase no que é mais pertinente para o entendimento do debate atual.

Os Economistas Clássicos
A Economia como uma ciência específica nasce com os economistas de-
nominados clássicos. O primeiro e o mais importante dos economistas
clássicos, e por isso considerado o pai da Economia, foi Adam Smith.
Smith era adepto do pensamento iluminista, que se tornaria a base
intelectual da Revolução Francesa (1789). Portanto, acreditava que para
o conhecimento da realidade e transformação da sociedade, era funda-
mental o uso da razão, e não da tradição ou da religião. Duas ideias de
Riqueza das Nações estão presentes até hoje no debate econômico, a sa-
Adam Smith (Escócia, 1723-1790) é ber: a mão invisível e divisão de trabalho.
considerado o fundador da Ciência Eco-
nômica, pois, até então, a Economia era
parte da Filosofia ou da Política, e não Mão invisível
uma disciplina autônoma. Começou sua
carreira acadêmica como filósofo moral Segundo Smith, somos todos egoístas e procuramos, no mundo econô-
e seu primeiro livro, de 1759, se intitula- mico, sempre o que é melhor para nós. Mas fazendo isso, mesmo que de
va Teoria dos sentimentos morais. Seu forma intencional, como que guiados por uma “mão invisível”, estamos
segundo livro é o clássico Riqueza das realizando o que é o melhor para a sociedade.
Nações, de 1776.
EXEMPLO
Se o padeiro procura produzir o melhor pão pelo melhor preço, o açougueiro, a me-
lhor carne pelo melhor preço, e assim por diante, a sociedade ganha, pois o que
todos nós queremos são produtos bons e baratos. O padeiro e o açougueiro agem
dessa forma devido à pressão da concorrência e porque querem ser bem sucedidos
ter lucro. Esses agentes econômicos estão se relacionando e cooperando entre si
no mercado de produtos e fatores, sem nenhum plano prévio ou orientação externa.

O que vimos no exemplo é o que Smith chamou, metaforicamente,


de mão invisível. Portanto, cada um procurando o melhor para si, chega-

30 • capítulo 2
se a uma situação que é a melhor para a sociedade. Segundo Smith, se COMENTÁRIO
todos agissem por motivos altruístas, visando o bem comum, o resulta-
do seria muito pior. Isso só é possível, segundo Smith, quando há livre Produtividade
concorrência, sem interferência do governo. Como vimos no capítulo anterior, Ford
sabia disso, pois para poder aumentar
COMENTÁRIO sua produção, deu um aumento de salá-
rio aos trabalhadores. O objetivo, que foi
Interferência do governo plenamente conseguido, era aumentar a
Ainda hoje, todos os economistas que defendem pouca intervenção do governo na dedicação dos trabalhadores e, conse-
Economia usam como justificativa a mão invisível de Smith. Costumam dizer: deixe quentemente, sua produtividade.
o mercado em paz, não intervenha governo, pois a mão invisível vai solucionar os
problemas econômicos.
AUTOR
Smith, no entanto, não era a favor de que a atuação do governo na
Economia fosse a menor possível. O governo tinha um papel importan- David Ricardo
te, por exemplo, nas áreas de infraestrutura e educação. Portanto, impli-
citamente, aceitava que a mão invisível não solucionava todos os proble-
mas da sociedade e, para o bem comum, era necessária a intervenção do
Estado em algumas áreas.

Divisão do trabalho
A segunda ideia é a divisão do trabalho, tanto dentro da sociedade —
hoje chamada de divisão social do trabalho —, como dentro da fábrica
— que hoje seria a divisão técnica do trabalho. A divisão do trabalho traz
a especialização, com ela maior produtividade (maior produção por tra-
balhador) e, portanto, barateamento do produto, pois se produz mais
com o mesmo número de trabalhadores. O crescimento do mercado é o
que impulsiona a especialização. David Ricardo (Londres, 1772-1823),
Outro economista clássico evocado aqui é David Ricardo. A maior juntamente com Adam Smith e Thomas
contribuição de Ricardo à Teoria Econômica foi, provavelmente, a teoria Malthus, é considerado um dos funda-
das vantagens comparativas, apresentada no livro Princípios de Econo- dores da escola clássica inglesa de Eco-
mia Política e Tributação, que, até hoje, está na ordem do dia. nomia Política. Sua obra mais consagra-
No que se refere ao comércio internacional, opõe-se à teoria de van- da é Princípios da economia política e
tagens absolutas, de Adam Smith. Segundo essa última teoria, o im- tributação (1817).
portante no comércio internacional é ter menores custos e, portanto,
vender mais barato. Ou seja, países com custos elevados ou muito inefi-
cientes estão fadados ao fracasso nas trocas internacionais.
Para Ricardo, isso não seria verdade, pois no comércio internacio-
nal o importante são as vantagens comparativas, e não as absolutas. Um
país tem vantagem comparativa em um produto, quando o outro, com
quem compete, tem alto custo de oportunidade ao fabricar produto,
mesmo sendo mais eficiente na produção. O país deveria se especializar
no produto que tem maiores vantagens comparativas.

capítulo 2 • 31
COMENTÁRIO EXEMPLO
Economistas liberais à época Com um exemplo fica mais fácil de entender a ideia de Ricardo. Vamos supor que em
Para eles, o Brasil tinha uma vocação uma cidade do interior de Minas Gerais existam apenas duas confeiteiras, a Eloisa e a
agrícola, e, portanto, vantagens compa- Mariana, que fazem apenas dois bolos, de laranja e de chocolate. Eloisa faz os dois bolos
rativas nessa área, e não na indústria. mais baratos, pois seu pai tem uma fazenda de onde vêm a laranja, os ovos e o leite. Além
Mesmo porque a agricultura precisa de disso, foi muito bem treinada no ofício por Ethel, sua mãe. Mariana deve então desistir e
terra e mão-de-obra não qualificada, e mudar de ramo? Claro que não, pois a diferença de preços é grande no bolo de laranja,
tínhamos ambas em abundância, e a in- mas pequena no bolo de chocolate. O motivo é que o chocolate não é produzido em
dústria precisa de capital e mão-de-obra fazenda, mas importado do Rio de Janeiro. Eloy, o pai de Eloisa, experiente empresário,
qualificada, que tínhamos pouco (lembre- percebeu isso. Ele orientou a filha a deixar de lado o bolo de chocolate e ficar só com o
se, falamos da realidade daquela época). de laranja. Pois como esse bolo era bom e barato, podia atender à demanda da cidade e
também das localidades próximas. Não valia a pena perder tempo produzindo o bolo de
chocolate, que não era tão barato e, portanto, não conseguiria vender muito.

REFLEXÃO
Ou seja, o custo de oportunidade para se produzir o bolo de chocolate era grande,
pois quanto mais bolo de chocolate Eloisa fazia, menos tempo e matérias-primas
tinha disponível para produzir o de laranja. Mariana, portanto, pode continuar a pro-
duzir seus bolos de chocolate, que eram comprados inclusive por Eloisa. Segundo
a teoria de Ricardo, Eloisa tinha vantagens comparativas na produção do bolo de
laranja e, portanto, Mariana no bolo de chocolate.

A discussão sobre vantagens comparativas está na ordem do dia no


Brasil desde o pós-guerra, quando a industrialização do país passou a
ser um projeto de vários governos, como de Getúlio Vargas e Juscelino
Kubitschek. Muitos questionaram (e ainda questionam) a opção do Bra-
sil. Os economistas liberais à época de Vargas, Dutra e Juscelino diziam
mais ou menos o seguinte: para que o Brasil deve perder tempo produ-
zindo automóveis, se nunca vamos conseguir competir com os EUA nes-
sa área? É melhor nos concentrarmos na produção de café, onde somos
muito melhores que os americanos.
Nesse debate, de um lado ficaram os economistas liberais e de outro
os desenvolvimentistas, ligados ao pensamento da Comissão Econômi-
ca para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas — Cepal, que
defendiam a industrialização.

ATENÇÃO
Se dependesse da teoria de Ricardo, o Brasil nunca iria se industrializar. Hoje não ven-
demos carros para os EUA, mas vendemos para a Argentina. Para os EUA, vendemos
aviões da Embraer — inclusive para as Forças Armadas —, dentre outros produtos.

32 • capítulo 2
O problema é que a teoria de Ricardo é estática, é uma fotografia de um AUTOR
determinado momento. Mas a realidade é dinâmica, pode mudar. Pen-
sando-se a realidade do Brasil dos anos de 1940 como algo imutável, não Thomas Robert Malthus
faria sentido uma industrialização. Mas considerando a indústria como o
motor de um processo de desenvolvimento, e que, por conta disso, o Bra-
sil seria diferente, décadas à frente, fazia sentido a industrialização. Ou
seja, o pensamento tem de se descolar no presente e se lançar no futuro.

O custo Brasil

O custo Brasil é uma expressão muito utilizada nas discussões econô-


micas do Brasil e que tem como base a teoria das vantagens absolutas.
Segundo essa tese, nosso país seria pouco competitivo no comércio in-
ternacional porque teríamos um custo de produção elevado. O custo de
produção é entendido aqui no sentido amplo, abarcando, além do custo do
salário, matérias-primas e juros, também custos legais (exemplo: encargos
trabalhistas), institucionais (exemplos: burocracia em excesso, deficiências
na educação), tributários (impostos elevados), de infraestrutura (estradas Malthus (1766-1834), um pastor pro-
precárias) e corporativos —sindicatos de trabalhadores resistindo à mo- testante, foi o primeiro economista a dar
dernização (SANDRONI, 2005). destaque ao tema crescimento popula-
Um exemplo do custo Brasil foi um estudo feito pelo Banco Mundial. Essa cional. Sua fama vem até os dias de hoje,
pesquisa ordenou os países segundo a facilidade de se fazer negócios. onde vez por outra, no debate econômico,
Nesse ranking o Brasil ficou na posição 116ª, bem abaixo do Chile (34ª), é usada a expressão ideias malthusianas.
o melhor da América Latina nesse quesito. É considerado o pai da demografia.
Para os defensores dessa tese no Brasil, como a Confederação Nacional
da Indústria (CNI), o país para se tornar competitivo e entrar numa trajetó-
ria sustentável de crescimento, deveria promover profundas reformas nas
áreas que afetam o custo Brasil.

Continuando nosso passeio histórico, evocamos Thomas Robert


Malthus. A tese que ele apresentou, no Ensaio sobre o Princípio da
População, é que a produção de alimentos cresceria em progressão
aritmética (PA), e a população, em progressão geométrica (PG). Em
decorrência disso, se não fossem tomadas medidas cabíveis, a fome
e, no limite, o colapso da sociedade seriam inevitáveis. Malthus era o
que hoje se chama de catastrofista.
A catástrofe não aconteceu, pois tanto a produção agrícola aumen-
tou — devido à incorporação de mais terras e de novas tecnologias —
como a população passou a crescer menos, em razão de mais educação,
urbanização e novos métodos contraceptivos.
A preocupação de Malthus então não faz mais sentido no mundo de
hoje? Faz muito sentido para a China, o país mais populoso do planeta, e

capítulo 2 • 33
AUTOR também a segunda maior economia do mundo, que adota políticas (agora
um pouco menos rígidas) de controle populacional. Faz sentido para vários
Karl Marx países africanos — exatamente os mais pobres — onde a população cresce
Karl Heinrich exponencialmente. Talvez faça sentido para o restante do mundo também.
Marx (1818 -
1883) foi fun- REFLEXÃO
dador da doutri-
na comunista A população do planeta está crescendo menos, mas, segundo alguns analistas, a produ-
moderna, e de- ção de alimentos não está aumentando no ritmo desejado (as mudanças climáticas con-
nomina-se mar- tribuem para isso), e há o risco de termos um descompasso no futuro. A FAO, por exem-
xismo o conjun- plo, tem essa preocupação (agência das Nações Unidas para alimentação e agricultura).
to de ideias e teorias dele, as quais você
verá de forma mais extensa durante Falaremos agora sobre Karl Marx. O nome de Marx é sempre lembra-
este capítulo. do quando as coisas vão mal, ou melhor, quando vão muito mal, como foi
o caso da crise de 1929 e, em menor medida, da crise financeira de 2008.
Marx, de todos os economistas clássicos, foi quem estudou com mais pro-
COMENTÁRIO fundidade o funcionamento de uma economia capitalista, como atesta
sua principal obra, O Capital. Isso se deve, sobretudo, a dois motivos.
Admiração Primeiramente, Marx escreveu no século XIX, quando o capitalismo
No Manifesto do Partido Comunista, che- industrial, já consolidado, caminhava para uma nova fase, com maior
ga a afirmar que a burguesia, durante seu concentração do capital e maior interligação entre capital produtivo e
domínio de classe, apenas secular, criou financeiro. Smith, que viveu um século antes, ainda no início da revolu-
forças produtivas mais numerosas e mais ção industrial, não tinha como analisar esse capitalismo — que é mais
colossais que todas as gerações passa- próximo da nossa realidade atual. Marx pôde se beneficiar do muito que
das em conjunto (Marx e Engels, 1848). foi escrito sobre o funcionamento do capitalismo, inclusive o que os de-
mais economistas clássicos escreveram.
O segundo motivo é a necessidade de se conhecer o adversário se
COMENTÁRIO você quer vencê-lo, e esse era o objetivo de Marx. Com relação ao capita-
lismo, Marx tinha, ao mesmo tempo, admiração e ódio.
Socialismo Para Marx, a burguesia — e, portanto, o capitalismo — era profunda-
Na época de Marx, o socialismo era ne- mente injusta, pois explorava a população, em especial os operários, e
cessariamente revolucionário e incom- por isso deveria ser derrubada. Nesse sistema os ricos ficariam cada vez
patível com o capitalismo. Posterior- mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
mente o movimento socialista se dividiu Derrotado o capitalismo, seria implantada uma economia cujos
entre socialistas revolucionários e não meios de produção seriam propriedade do governo (socialismo). Sendo
revolucionários (reformistas), que luta- bem sucedida a implantação do socialismo, se alcançaria o comunismo,
vam por um regime capitalista com mais que seria uma sociedade igualitária, sem classes e sem governo.
justiça social, incorporando algumas Para Marx, o colapso do capitalismo era inevitável por dois motivos:
ideias socialistas. Essa última corrente, pressão dos operários explorados (luta de classes) e as contradições in-
também chamada de Social Democrata, ternas do funcionamento próprio do capitalismo. Essa é a razão pela
acabou predominando na Europa. qual Marx é sempre lembrado em épocas de grandes crises do capitalis-
mo, como em 1929 e 2008.

34 • capítulo 2
REFLEXÃO COMENTÁRIO
Esses eventos de crise sempre nos recordam de que as economias de mercado (ca- Políticas sociais
pitalismo) não funcionam bem e isso pode acarretar consequências sociais sérias, tal As políticas sociais são as voltadas
como índices elevados de desemprego. para a melhoria das condições de vida
da população. Otto Bismarck, primeiro-
Se as economias de mercado não funcionam adequadamente, os ministro do império alemão no final do
marxistas diriam: não seria o caso de mudar de sistema e implantar o so- século XIX, um político conservador e
cialismo? As economias de mercado têm sobrevivido às suas crises com visionário, adotou uma gama de pro-
base em reformas e intervenção do governo. Por outro lado, as econo- gramas sociais — pensões, aposenta-
mias ditas comunistas e seguidoras das ideias de Marx, fracassaram em dorias, auxílio-desemprego, seguro de
maior ou menor grau. A China é um sucesso econômico, mas pode-se di- acidentes de trabalho, dentre outros
zer que a China é um país comunista? Com certeza não. Apesar de vários — por conta do crescimento dos parti-
países terem se intitulado comunistas — como a antiga União Soviética dos de esquerda, notadamente o Social
—, nunca se alcançou o comunismo conforme concebido por Marx. Democrata.
O maior legado de Marx é pouco associado ao seu nome. Suas pre-
visões fracassaram, mas seus ideais contribuíram para mudar o capita-
lismo ao fortalecer os sindicatos e ao levar à criação de partidos de es- COMENTÁRIO
querda. Como consequência, estas instituições levaram os governos de
diferentes matizes políticas a adotarem políticas sociais. Friedrich List
O chamado Estado de Bem-Estar, no qual as políticas sociais tor- Friedrich List (1789-1846) defendia a
nam-se mais abrangentes e articuladas, surge na Inglaterra depois da tese de que as empresas nacionais não
Segunda Guerra Mundial, por iniciativa do Partido Trabalhista, um conseguiriam se desenvolver se o mer-
partido de esquerda moderado. Esse modelo é atualmente adotado, cado já estivesse ocupado por empresas
em maior ou menor grau, por muitas economias, no Brasil inclusive. de países estrangeiros economicamente
Uma prova de que o capitalismo mudou é o apoio à existência de po- mais avançados. Nessas circunstâncias,
líticas sociais, que é hoje um consenso no espectro político. Pode-se dis- para ele, justificava-se um protecionismo
cutir que tipo de política e qual sua extensão, mas não sua necessidade e educador, com a finalidade de proteger,
importância em distintas áreas. por um período de tempo, o mercado
nacional para assegurar a consolida-
REFLEXÃO ção das indústrias nacionais, ou seja,
para que tivessem condições análogas
Por exemplo, hoje é consenso que a Educação Básica deve ser gratuita, e que o para disputar mercados num ambiente
trabalho de crianças em fábricas deve ser proibido. Essas são duas das propostas de de livre concorrência. List morou mui-
Marx e Engels no Manifesto Comunista. O tempo mostrou que políticas educacionais to tempo nos EUA, e até se naturalizou
e de proteção às crianças eram necessárias, e que não é preciso um governo revolu- americano, onde políticas protecionistas
cionário que queira implantar o comunismo para colocá-las em prática. eram defendidas desde o século XVII por
Alexander Hamilton (Secretário do Te-
souro de George Washington, o primeiro
presidente dos EUA), e começaram a ser
A reação alemã adotadas em 1789.

Friedrich List, jornalista e político, foi um dos críticos das ideias de
Adam Smith na Alemanha. Muitas vezes quando se aborda a história
do pensamento econômico, seu nome não é lembrado. No entanto, List

capítulo 2 • 35
COMENTÁRIO tem especial importância para nós, que vivemos na América Latina, pois
sua principal obra — O Sistema Nacional de Economia Política, de 1841
Grande potência — teve grande influência no pensamento da Cepal — Comissão Econô-
Segundo Ha-Joon Chang (2013), a mica para a América Latina e o Caribe. As ideias de List serviram de base
grande maioria dos países hoje desen- para concepção das Zollvereins — uniões aduaneiras que criaram zonas
volvidos adotaram políticas protecionis- de livre comércio entre os vários reinos independentes da Alemanha.
tas; e políticas de livre mercado raramen-
te fazem os países pobres ficarem ricos. ATENÇÃO

Adam Smith seria inteiramente contra medidas protecionistas, pois representavam
COMENTÁRIO uma intervenção indevida do governo no livre mercado, onde não devia haver favo-
recimento. Que na disputa entre empresas, valha a livre concorrência, e que vença
Câmbio favorável o melhor, sem privilégios para ninguém, diria Smith (e muitos pensam assim hoje).
A política cambial, que trata do valor
das moedas estrangeiras, será tratada A questão é que se não houver algum tipo de proteção, a disputa será
mais adiante neste livro. Neste momen- sempre David e Golias, ou seja, muito desequilibrada. Isso significa que
to basta o entendimento de que câmbio a Inglaterra, que foi o primeiro país a passar por uma revolução indus-
— no nosso caso, dólar — desfavorável trial, tinha uma enorme vantagem sobre seus concorrentes. Os países
à importação significa dólar caro. Inver- deveriam abrir mão de se industrializar e aceitar que produtos manufa-
samente, o dólar caro é favorável para turados deveriam ser comprados da Inglaterra?
quem exporta, pois a receita do exporta- Os EUA responderam negativamente a essa pergunta e adotaram po-
dor é em dólar. líticas protecionistas, sendo esse um dos motivos pelos quais esse país
se tornou uma grande potência. Por sinal, se David Ricardo fosse anali-
sar a economia dos EUA no início do século XIX, diria que o país deveria
COMENTÁRIO se especializar na produção de algodão e outros produtos agrícolas, e
importar manufaturados da Inglaterra.
Zollverein
O Zollverein era claramente protecio- RESUMO
nista e inspirado nas ideias de List, e
seu sucesso levou à criação de outras Políticas protecionistas visam proteger um setor econômico, normalmente a indús-
uniões aduaneiras. O Mercado Comum tria, no caso da América Latina, e, para esse fim, fazem uso de medidas que deses-
Europeu, que depois se transformou em timulam ou impedem a importação de produtos concorrentes. Isso pode ser feito,
União Europeia, teve como ponto de por exemplo, por meio da criação de cotas de importação, impostos elevados sobre
partida a união aduaneira. O Mercosul importados, câmbio desfavorável para a importação.
tem o objetivo de se tornar uma união
aduaneira entre seus países membros. Caso a política do governo vise não só proteger, mas também desen-
volver um setor, serão adotadas medidas de política industrial. Essas
medidas objetivam estimular a produção local, por meio, por exemplo,
de: crédito em condições favoráveis; isenção de impostos; câmbio favo-
rável para importação de insumos e máquinas necessárias para o de-
senvolvimento do setor.
No início do século XIX, o que hoje chamamos de Alemanha não
existia e, em seu lugar, havia um conjunto de pequenos países (reinos).
Foi criada, em 1833, uma união aduaneira (Zollverein) entre esses paí-
ses, que consistia na abolição das tarifas aduaneiras no comércio entre

36 • capítulo 2
eles e criação de tarifas únicas para o comércio com os demais países. AUTOR
O sucesso dessa medida contribuiu de forma decisiva para a unificação
política da Alemanha em 1871. Alfred Marshall

A Economia Neoclássica
Como o objetivo deste capítulo é apresentar apenas os principais eco-
nomistas, optamos por nos restringir a um economista da corrente
neoclássica, também chamada de marginalista — que abarca, a gros-
so modo, o período 1870-1910 —, e escolhemos Alfred Marshall, um
professor de Cambridge (Inglaterra), que costuma ser chamado o pai
da Microeconomia.

ATENÇÃO
A Microeconomia é o ramo da Economia que estuda a interação, no mercado, entre
empresas e consumidores. Vários economistas pesquisaram nessa área (como Je-
vons, Menger, Walras), mas Marshall não só incorporou muito do que seus anteces- Alfred Marshall (Londres, 1842-1924)
sores e contemporâneos escreveram, como deu importantes contribuições próprias. exerceu forte influência na Economia,
No século XX o âmbito da Microeconomia se expandiu passando a abarcar também, em especial pelo livro Princípios de Eco-
por exemplo, a relação entre empresas que concorrem em um mesmo mercado e do nomia (1890), uma compilação em dois
governo com empresas e consumidores. Para maiores informações, veja o capítulo volumes de todo o pensamento econô-
3, que tratará da Microeconomia. mico à época.

A partir de Marshall, a ciência econômica, até então conhecida
como Economia Política, se tornou Economia, que é a denominação COMENTÁRIO
usada até hoje. Seu livro — Princípios de Economia — teve (e ainda
tem, mas de forma indireta) enorme influência e é considerado o pri- Princípios de Economia
meiro livro-texto de Economia. Vários conceitos que são fundamen-
tais na Microeconomia têm como refe-
RESUMO rência o livro Princípios de Economia,
bem como sua formulação matemática
A principal diferença entre os economistas clássicos e os neoclássicos é que os e apresentação gráfica — por exemplo,
primeiros utilizavam a teoria do valor trabalho e, os segundos, a do valor utilidade. utilidade marginal (originalmente for-
Para os clássicos, o preço de um produto tinha como base a quantidade de horas mulado por Jevons), oferta, demanda,
de trabalho necessária para sua fabricação, e para os neoclássicos, a base do preço elasticidade, custos fixos e variáveis. As
é a sua utilidade. Para os neoclássicos não importa quanto trabalho se despendeu duas curvas mais conhecidas da ciência
para a fabricação de um produto, se não conseguir vendê-lo — portanto não sendo econômica — as de oferta e demanda
útil para ninguém — seu preço é zero. O preço da mercadoria, portanto, não é deter- — foram formuladas por Marshall. Não
minado quando a mesma é produzida (valor trabalho), e sim no mercado, quando é vamos aqui nos deter em explicar esses
vendida/consumida (valor utilidade). conceitos, pois os mesmos serão abor-
dados no capítulo seguinte deste livro.

capítulo 2 • 37
AUTOR A Escola Austríaca
Joseph Schumpeter A maioria dos economistas da chamada Escola Austríaca, como Menger
Schumpeter (Morávia, atual República e Böhm-Bawerk, poderia ser classificado como neoclássicos, mas um
Tcheca, 1883 -1950) notabilizou-se pelo deles fugiu à regra e, para muitos, é um estudioso de difícil enquadra-
estudo dos ciclos econômicos e, princi- mento em qualquer categoria, chegou até a dar origem a uma escola de
palmente, do progresso técnico. Foi o pensamento. Esse economista foi Joseph Schumpeter. Seus principais
primeiro economista a dar destaque ao livros foram A Teoria do Desenvolvimento Econômico e Ciclos Econômicos.
tema tecnologia e, ainda hoje, é uma re- Schumpeter criou uma expressão muito presente nas discussões
ferência na área. Vários economistas se econômicas dessa área, que é a destruição criativa, tendo como ponto
consideram seus seguidores, dando ori- de partida os estudos de Marx. Para Schumpeter (e para Marx), o capi-
gem à escola Neo-schumpeteriana. talismo é extremamente dinâmico e, para abrir espaço para o novo, é
necessário destruir o velho. Ao se lançar um novo produto (ou meio de
produção, de transporte etc.) está se substituindo (destruindo) produtos
CONCEITO antigos. Para Schumpeter, os ciclos econômicos são inerentes ao funcio-
namento de uma economia capitalista.
Ciclos econômicos Os ciclos de longa duração, chamados ciclos Kondratieff (em home-
São flutuações da atividade econômica em nagem ao economista russo Nikolai Kondratieff, que foi o primeiro a
que a uma fase de expansão da produção estudar o tema dos ciclos longos), estariam sempre associados a uma
se segue uma de contração, ou uma fase onda de progresso técnico. Segundo os economistas neo-schumpeteria-
de grande expansão é seguida por uma de nos, Freeman e Soete (1997), teriam ocorrido cinco ciclos de Kondratie-
baixo crescimento. Os ciclos poderiam ser ff. Estamos atualmente no ciclo da microeletrônica.
de curta, média ou longa duração.

Ondas sucessivas de progresso técnico
Adaptado de Freeman e Soete (1997) p.19
COMENTÁRIO
Período Ondas de Krondratieff
Desemprego estrutural
Quem trabalhava na indústria de 1780-1840 Revolução industrial
máquinas de escrever perdeu seu 1840-1890 Era da máquina a vapor e das ferrovias
emprego para sempre, pois esse 1890-1940 Era da eletricidade e do aço
produto não é mais fabricado. Foi
1940-1990 Era da produção em massa
substituído pelo computador. Em
1990 - ? Era da microeletrônica
longo prazo, os empregos perdi-
dos são mais do que compensados
pelos empregos criados. Mas, no Schumpeter dá muito destaque ao papel dos empresários no proces-
curto e médio prazo, será difícil en- so de inovação tecnológica. Por conta disso, criou mais tarde a expressão
contrar ocupações para as pessoas “empresário schumpeteriano”, para designar os que são especialmente
desempregadas, e políticas públi- inovadores. Hoje é consenso entre os economistas que o progresso téc-
cas são importantes para minimi- nico é o principal motor do crescimento econômico no longo prazo.
zar esse inevitável custo social. Em contrapartida, o progresso técnico, ao destruir setores econô-
micos e processos produtivos, também destrói seus respectivos pos-
tos de trabalho, gerando o que depois foi chamado de desemprego
estrutural, ou seja, a perda de emprego porque a ocupação corres-
pondente não existe mais.

38 • capítulo 2
AUTOR
Produtos que morrem e renascem
Friedrich Hayek
É interessante notar que alguns produtos dados como mortos acabam por Friedrich Hayek (Viena, Áustria, 1899-
renascer algum tempo depois. Schumpeter nunca deve ter pensado nisso. 1992) foi reverenciado, com medalhas,
Um caso conhecido são os discos de vinil, que sofreram um golpe mortal pelos dois mais importantes políticos
com o aparecimento dos CDs e teriam sido definitivamente enterrados neoliberais, o Presidente Reagan, dos
com o surgimento do MP3, downloads e, por fim, da música alugada por EUA, e a Primeira-Ministra Margaret
streaming. Mas o vinil está de volta, não como produto de massa e, sim, Thatcher, da Inglaterra. Por conta disso,
para um nicho de mercado composto pelos DJs e aficionados. Virou um sua principal obra — O caminho da ser-
produto cult. Muitos fãs de rock consideram a qualidade de som do vinil vidão —, considerada um libelo contra
insuperável — mas há controvérsias se isso é mesmo verdade. Com a volta o socialismo, tem tido sucessivas edi-
do vinil, voltou também o toca-disco. ções. Hayek ganhou o prêmio Nobel de
Um produto que pode voltar é a máquina fotográfica Polaroid, cujas fotos Economia, em 1974, em conjunto com
são reveladas, em papel, na mesma hora. Alguns empresários já percebe- Gunnar Myrdal. O curioso é que ambos
ram que há demanda por fotos em papel e não apenas digitais. têm posições diametralmente opostas.
E você, o que acha? Na sua opinião, este livro vai ser substituído pelo tablet Hayek é um crítico da intervenção do
ou pelo e-reader? governo na Economia e Myrdal um de-
fensor. Alguns interpretaram essa pre-
miação como uma demonstração da fal-
ta de critérios na premiação. No entanto,
Outro economista da escola austríaca que se notabilizou foi Friedri- a maioria dos analistas entendeu que a
ch Hayek, que é considerado o pai do que hoje é chamado neoliberalis- premiação expressava o reconhecimen-
mo. Para Hayek, o sistema de livre mercado é uma ordem espontânea, to da diversidade de pensamento dentro
tão importante para a humanidade quanto o desenvolvimento da lin- da Economia.
guagem. Defende que a sociedade seja organizada em torno do mercado
e que a atuação do governo seja a menor possível. A regulamentação da AUTOR
vida econômica, consequentemente, deveria ser mínima.
Hayek também se opunha a políticas que tivessem como objetivo a Keynes
justiça social, por ser uma interferência indevida nas liberdades indi-
viduais. Mas aceitava algumas exceções à regra de não intervenção do
Estado, pois era favorável a que o governo ajudasse a quem fosse extre-
mamente pobre, por meio da garantia de uma renda mínima, apoiava
a instituição de seguro social para atender a indivíduos doentes ou aci-
dentados, bem como regulamentações na área ambiental.

A economia keynesiana

Se Marshall é o pai da Microeconomia, não há dúvidas de que Keynes é


o criador da Macroeconomia, que é o estudo do comportamento, prin-
cipalmente no curto prazo, do desempenho da Economia de um país John Maynard Keynes (Inglaterra, 1883-
no que se refere à produção, renda, emprego, preços etc. Curiosamente, 1946) opôs-se ao pensamento econô-
Keynes se considerava um seguidor de Marshall, de quem foi discípulo. mico neoclássico. Especialmente após a

capítulo 2 • 39
Segunda Guerra, suas ideias foram ado- Sua principal obra — Teoria geral do emprego, juro e moeda — é uma
tadas por praticamente todos os países crítica radical ao pensamento econômico dominante da época, sinteti-
ocidentais de maior poder econômico. zado na chamada Lei de Say.
Sua influência sofreu declínio a partir de Keynes pensava de forma diametralmente oposta. Para Keynes, o
1970; entretanto, por conta da crise fi- capitalismo é inerentemente instável e, portanto, o pleno emprego é a
nanceira de 2007, renovou-se o interes- exceção e não a regra. Para alcançá-lo só com intervenção do governo, a
se pelas ideias de Keynes e as críticas mão invisível não dará conta dessa tarefa. A queda de salários nunca irá
aos defensores do livre mercado. levar ao pleno emprego, pois o nível de emprego não é determinado no
mercado de trabalho, e sim pela demanda.

CONCEITO REFLEXÃO
Lei de Say Os empresários não contratam mais operários que não precisam simplesmente porque
Formulada pelo economista francês Jean agora os salários estão mais baixos. Eles vão contratar os operários que necessitam
-Baptiste Say, segunda a qual toda oferta, para atender a sua expectativa de demanda (de venda) para seus produtos. Além dis-
ao produzir renda, gera sua demanda. Por- so, seria difícil rebaixar valor dos salários, pois os sindicatos não aceitariam isso.
tanto, desequilíbrios na economia seriam
apenas momentâneos e solucionados Se excluirmos importação e exportação, a demanda da economia é
pelo sistema de preços, e o pleno empre- composta pelo consumo das famílias, o investimento e os gastos do go-
go da mão de obra não seria uma situa- verno. O consumo varia com a renda. O investimento depende da taxa de
ção de exceção e, sim, a regra. O pleno juros — quanto menor, maior o estímulo para investir em máquinas, equi-
emprego seria alcançado, pois se a oferta pamentos e novas fábricas — e da expectativa de lucro dos empresários.
de trabalhadores for superior à demanda, Esse segundo componente, por ser subjetivo, é muito instável. Em épocas
haverá queda de salários e se chegará a de recessão (de queda da produção da economia), a renda cai e, com ela,
uma situação de equilíbrio, com todos em- o consumo. Os empresários não investem, pois a economia vai mal. Cabe,
pregados, porém com salários menores. portanto, ao governo, gerar a demanda através de gastos públicos.
Para Keynes, a concorrência e o funcionamento dos mercados são fun-
damentais em uma economia capitalista, mas na mão invisível não fariam
sentido. Ao contrário, entendia que, em muitos casos, quando as pessoas
buscam o melhor para si mesmos, esse comportamento leva a uma situ-
ação que é a pior para todos. Isso é chamado de falácia da composição.

EXEMPLO
Por exemplo, se há um boato de que um banco está em má situação financeira e vai
quebrar — algo que ninguém deseja —, todos os correntistas irão rapidamente ao
banco para sacar seu dinheiro. Se todos fizerem isso, o banco quebra. Se todos, du-
rante uma crise econômica, resolverem poupar dinheiro para fazer frente a um futuro
incerto, isso vai diminuir ainda mais o consumo e agravar a crise.

Essa terapia para enfrentar a recessão, uma grande novidade na época,


já vinha sendo posta em prática, nos anos 1930, por alguns governos — na
Suécia e nos EUA, com o New Deal do presidente Roosevelt —, para enfren-
tar a depressão causada pela crise de 1929, mas sem uma fundamentação
na teoria econômica. O livro de Keynes, portanto, surgiu na hora certa.

40 • capítulo 2
ATENÇÃO AUTOR
As ideias de Keynes provocaram o que ficou conhecido como revolução keynesiana, Milton Friedman
pois mudaram a forma de se pensar o funcionamento da Economia e seu pensamen-
to foi hegemônico entre os economistas até os anos 1970. Nessa época, a inespe-
rada combinação de baixo crescimento da economia com a inflação — chamada de
estagflação (estagnação da economia com inflação) — colocou em xeque o pen-
samento keynesiano. Até então se achava que a inflação estaria necessariamente
associada a mais emprego e produção.

Monetarismo
Keynes foi o economista mais influente da primeira metade do século
XX, e Milton Friedman fica com esse posto na metade seguinte. Ele re-
presentou a reação do pensamento neoclássico à revolução keynesiana. Milton Friedman (Nova Iorque, 1912-
Friedman advoga que o papel da moeda na Economia é neutro, ou 2006) foi ganhador do prêmio Nobel em
seja, não pode afetar o lado real. Isso quer dizer que governantes podem, 1976, e seu nome é associado à corren-
por motivos eleitoreiros, tentar manipular a taxa de desemprego na Eco- te de pensamento chamada monetarista.
nomia emitindo mais moeda e induzindo a população a gastar mais. As principais obras de Friedman foram
Mesmo que a taxa de desemprego possa diminuir no curto prazo, para Capitalismo e Liberdade e Uma história
os monetaristas o efeito em longo prazo será o de gerar mais inflação Monetária dos Estados Unidos.
(ver capítulos 4 e 5, referência à curva de Phillips).

RESUMO CONCEITO
Friedman defendia ideias próximas às de Hayek, de não intervenção do governo na Eco- Taxa natural de desemprego
nomia e de defesa do livre mercado. Os gastos públicos deveriam se ater ao mínimo. A taxa natural de desemprego é um con-
ceito normativo, ou seja, serve como uma
Para Friedman, existe um limite inferior para o nível da taxa de de- referência para a discussão de política
semprego, chamado de taxa natural de desemprego. Se o desemprego econômica, pois não há como saber, de
ficar abaixo desse nível, irá provocar inflação via elevação dos salários. A fato, qual é a taxa natural para uma Eco-
hipótese da taxa natural de desemprego seria equivalente à taxa de ple- nomia em um determinado momento.
no emprego da Economia, que, como Keynes já havia observado, uma Economistas monetaristas trabalham com
vez atingida, provocaria inflação. a hipótese de que existe uma taxa natural.

ATENÇÃO
A divergência entre Keynes e Friedman estaria no fato de que, para o primeiro, a ten-
dência da economia de mercado era funcionar abaixo do pleno emprego, com ociosi-
dade de fatores de produção (ver capítulo 4); e, para o segundo, economias de merca-
do funcionariam próximas ao pleno emprego, ou seja, à taxa natural de desemprego.

capítulo 2 • 41
AUTOR A persistência do desemprego involuntário, ou seja, a existência de
trabalhadores dispostos a trabalhar por qualquer salário e mesmo as-
Celso Furtado sim não encontrando emprego, diagnosticado por Keynes como uma
Celso Furtado (1920-2004) escreveu possibilidade real em economias descentralizadas (não planificadas,
obras fundamentais, como Formação ver próximo tópico), desaparece na literatura monetarista.
Econômica do Brasil (1959) e De-
senvolvimento e Subdesenvolvimento REFLEXÃO
(1961), e seu nome integra a lista dos
grandes economistas mundiais que, nos Economistas da corrente monetarista sofrem muitas críticas, assim como keynesia-
anos 1940 e 1950, criaram a nova te- nos, nos anos 1970, por não terem previsto a estagflação, ou seja, o movimento de
oria do desenvolvimento. Esta teoria é alta de preços e queda do produto, verificado após o primeiro choque do petróleo, em
conhecida como a teoria estruturalista 1973, em praticamente todas as economias.
do desenvolvimento, e tem os trabalhos
e relatórios desenvolvidos pela CEPAL A partir daí surge uma nova escola de pensamento, a Novo Clás-
— Comissão Econômica para América sica, que tem Robert Lucas, ganhador do prêmio Nobel em 1995,
Latina e Caribe — a sua principal refe- um de seus maiores nomes. A partir da revolução Novo Clássica, o
rência. Ver também capítulo 6. grau de sofisticação técnica em Economia aumenta bastante, com
a incorporação cada vez mais intensa de técnicas econométricas na
construção de modelos.

REFLEXÃO
A escola Novo Clássica atualmente encontra-se com menos prestígio, porém o lega-
do técnico foi incorporado pela corrente mais atual, a chamada escola Novo Keyne-
siana, que busca uma nova síntese do pensamento macroeconômico, como a que
prevaleceu após a revolução keynesiana.

Estruturalismo
A contribuição mais expressiva da América Latina (portanto também
do Brasil) à história do pensamento econômico deu-se por meio da cor-
rente estruturalista da Cepal, da qual Celso Furtado foi uma das figuras
mais proeminentes.
Essa escola de pensamento surgiu na Cepal inspirada pelos traba-
lhos de Raul Prebisch, seu primeiro presidente. Segundo essa escola, o
desenvolvimento econômico da América Latina dependia da industria-
lização. O modelo de crescimento, até então vigente na região — base-
ado na exportação de produtos primários (café, cobre, carne etc.) e cha-
mado de primário-exportador — estava fadado ao fracasso devido aos
preços desfavoráveis desses produtos no mercado internacional, em
relação aos preços dos produtos importados. Em pouco tempo nossas
exportações não teriam como gerar as divisas (dólares) necessárias para
cobrir nossas importações, e a Economia entraria em colapso.

42 • capítulo 2
REFLEXÃO COMENTÁRIO
A saída seria a industrialização e para isso seria necessária a adoção de políticas Contabilidade
protecionistas e industriais, o que ficou conhecido como modelo de substituição de Sem preços seria impossível calcular o
importações. O objetivo seria o de mudar a estrutura da Economia, alterando o eixo valor da produção, pois esse pressupõe
dinâmico, da agricultura para a indústria. a existência de preço e quantidade para
cada produto.
Esse modelo predominou na América Latina até os anos 1980, quan-
do a crise econômica e o pensamento neoliberal levaram à mudança
para um modelo de economia aberta tanto para importações quanto COMENTÁRIO
para exportações.
Acesso aos produtos
No primeiro momento, no início da im-
Economia Capitalista (de mercado) ver- plantação do socialismo, o critério da

sus Economia Planificada distribuição de produtos seria para cada


um, segundo sua contribuição à produ-
ção da sociedade. No segundo momen-
Uma Economia capitalista se estrutura a partir do mercado, que é o res- to, com o socialismo já implantado, o cri-
ponsável pela alocação dos recursos e distribuição da renda, via merca- tério seria para cada um, segundo suas
do de produtos e fatores. Em uma Economia planificada (comunista), necessidades.
esse papel cabe ao governo, que é quem detém os meios de produção.
Ele é quem define o que, quanto, como e para quem vai ser produzido.

EXEMPLO
Em uma Economia capitalista, por exemplo, se há muita procura por determinado
tipo de telefone celular, seu preço vai aumentar e, com isso, vai sinalizar ao produtor
que a produção precisa aumentar. Na Economia planificada, por meio de um estudo,
o governo define quais e quantas pessoas devem ter telefone celular e produz o
necessário para atender a essa meta fixada. Em uma Economia capitalista, o con-
sumidor vai a uma loja para comprar um produto. Em uma Economia planificada, vai
para receber o produto a que tem direito, mostrando sua caderneta. Esta relaciona
que produtos tem direito a receber, e o que já foi retirado da loja.

Em uma Economia planificada continuam existindo preços e pagamen-


to de salários. Mas os preços têm valores arbitrários e servem, basicamente,
para viabilizar a contabilidade. Os salários são muito baixos, pois os produtos
não são comprados e sim distribuídos pelo governo. Os salários servem para
gastar no restrito mercado livre, muitas vezes ilegal, onde tudo é muito caro.
Do ponto de vista social, supondo que o planejamento seja feito corre-
tamente, o sistema de planejamento centralizado é o mais justo, pois todos
vão ter acesso aos produtos que necessitam — segundo a avaliação do go-
verno. Em uma Economia de mercado (capitalista), só tem acesso a merca-
dorias, do feijão ao celular, quem pode pagar por elas. Portanto, quem tem
renda baixa, pode consumir muito pouco e passar necessidades.

capítulo 2 • 43
CONCEITO O grande problema da economia planificada é que ela fracassou
nos diferentes países que a adotaram. Milhões de pessoas morreram
Planejamento indicativo de fome na União Soviética e China, por exemplo, em razão de políticas
Por meio de uma série de instrumentos equivocadas que adotaram o planejamento centralizado.
fiscais, creditícios, compras públicas
etc., bem como negociações com o em-
presariado, o governo procura que suas Vários são os motivos para esse fracasso, destacamos alguns:
metas de produção sejam cumpridas 1) Sempre foi posto em prática por regimes autoritários, portanto eram ar-
pelo setor privado. bitrárias, em maior ou menor grau, as escolhas sobre o que, quanto, como
e para quem produzir;
2) É muito difícil para o governo ter todas as detalhadas informações necessá-
rias para viabilizar adequadamente o planejamento. O processo dessas informa-
ções é extremamente trabalhoso e complexo;
3) Não há concorrência entre empresas, portanto não há estímulo para se
aperfeiçoar ou baratear os produtos, bem como gerar novos produtos e
processos. O progresso técnico — principal motor do crescimento a longo
prazo — fica, portanto, comprometido;
4) A maioria da população não aceita receber apenas o que o governo
considera que é o justo e quer ter acesso a mais produtos, alguns tidos
como supérfluos.

Por conta disso, quando os países do leste europeu se democratiza-


ram, na mesma hora, abandonaram o regime vigente para abraçar o ca-
pitalismo. A Rússia, que tinha um parque industrial muito diversificado
na época da antiga União Soviética, agora se concentra na produção e
exportação de petróleo e gás. Boa parte de sua indústria não suportou a
concorrência com as mercadorias importadas. As economias de merca-
do podem ser socialmente injustas, mas isso pode ser minimizado por
meio de políticas sociais.

EXEMPLO
Hoje o planejamento central puro é adotado apenas pela Coréia do Norte. Cuba, Laos
e a China, em especial, combinam planejamento central com economia de mercado.

Os governos das economias capitalistas podem ter planos de desen-


volvimento e fazer planejamento. Mas é o planejamento indicativo. No
Brasil, por exemplo, tivemos o II Plano Nacional de Desenvolvimento
Econômico (II PND), durante o Governo Geisel. A Europa teve um ambi-
cioso plano de reconstrução depois da Segunda Guerra Mundial (Plano
Marshall). O governo dos EUA praticou planejamento durante a Segun-
da Guerra Mundial, pois era necessário administrar bem os recursos do
país para dar conta das necessidades advindas de um conflito mundial,
e, ao mesmo tempo, atender ao mercado interno.

44 • capítulo 2
Capitalismo x Comunismo – a corrida espacial

Durante o período da Guerra Fria (1947-1989), quando em vários momentos pareceu iminente
uma guerra nuclear entre EUA e União Soviética (URSS), houve uma disputa que foi apenas
tecnológica — a corrida espacial (1955-1972). Era disputa (não declarada oficialmente) de
quem levaria o primeiro homem à Lua. A URSS saiu na frente com o primeiro satélite a orbitar
a Terra (Sputnik), seguido do primeiro astronauta (Yuri Gagarin) e da primeira nave espacial,
não tripulada, a pousar na Lua (Lunik 9). Mas os EUA recuperaram o atraso ao colocarem o
primeiro homem na Lua com a missão Apollo 11, e, com isso, venceram a corrida. Em 1972, os
dois países resolveram não mais concorrer e iniciaram a cooperação na área espacial. A corrida
espacial mostrou de forma inconteste a superioridade tecnológica dos EUA em relação à URSS.
Esse evento deixou um legado que vem até hoje, como o desenvolvimento da tecnologia da
comunicação por satélites, da robótica e da energia solar. O país que mais se beneficiou desse
progresso tecnológico foi os EUA.

Economia: divisões e relação com as diferentes profissões


Em linhas gerais, a Economia se divide em Microeconomia, Macroeconomia, História Eco-
nômica e Econometria — que trata do teste de modelos econômicos por meio do instru-
mental estatístico. Como vimos anteriormente, a Microeconomia trata do funcionamento
dos mercados e a Macroeconomia, da Economia como um todo. Tanto a Macroeconomia
quanto a Microeconomia podem se subdividir em várias subáreas.

RESUMO
Principais subáreas da Economia
- Economia internacional, que trata das relações econômicas com o exterior;
- Economia do setor público, que estuda o papel do Estado na Economia, a evolução e composição das
receitas e despesas do governo, bem como as principais políticas públicas;
- Economia monetária e financeira, que estuda a oferta de moeda na Economia e o funcionamento do
setor financeiro;
- Economia do trabalho, que trata do mercado de trabalho e suas instituições;
- Economia regional e urbana, que investiga como as atividades produtivas se distribuem e se relacionam
no espaço;
- Desenvolvimento econômico, que estuda os modelos de crescimento e como as economias se desenvolvem;
- Economia do meio ambiente, que estuda as relações entre Economia e o meio ambiente e o desenvolvi-
mento sustentável;
- Economia do bem-estar, que trata das políticas públicas voltadas para o bem-estar da população, tais
como política de saúde, educacional, previdenciária.

capítulo 2 • 45
CONCEITO Economia e sua relação com
Esportes
Administração e Contabilidade
Muitas vezes um clube de futebol tem
um mau desempenho no campeonato, Administração e Contabilidade são profissões muito próximas da Eco-
porque teve que vender seus melhores nomia, pois há muitas cadeiras em comum entre os cursos, em espe-
jogadores para pagar dívidas. cial com o de Administração. Não se pode analisar um balanço de uma
empresa sem levar em conta a situação econômica do mercado em que
atua, bem como do país (e do mundo). O mesmo vale para a gestão de
uma empresa, nas suas diferentes áreas. Mais ainda, a análise financei-
ra das empresas apresenta muitas interfaces com a Economia.

REFLEXÃO
Deve-se mencionar ainda que uma das áreas que mais tem ganhado espaço nas últi-
mas décadas, com o avanço da globalização econômica e financeira, é a de finanças,
que reúne economistas e administradores especializados em mercado financeiro.

Economia e sua relação com Comunicação


O jornalista necessita de conhecimentos de Economia, não só o jornalista
econômico. Pode-se entender a política, sem entender de Economia? Com
certeza não. Muitos analistas consideram que o desempenho da Economia é
uma variável decisiva nas eleições majoritárias (para presidente, governador
e senador). A Economia é importante, inclusive, para entender os esportes.
A relação com Economia é também muito estreita nas áreas de pu-
blicidade, propaganda e marketing, e produção cultural, de modo ge-
ral, pois envolvem estudos de mercado, preferências dos consumidores,
captação de recursos etc.

EXEMPLO
Na elaboração de um estudo de comunicação para um empreendimento imobiliário,
por exemplo, é inevitável fazer uso de variáveis econômicas, tais como referenciais
para financiamento (como índice da inflação, taxa de juros, taxa de câmbio), analisar
o valor do salário mínimo frente ao público-alvo, entre outros.

Economia e sua relação com Direito


O conhecimento de Economia é útil para os advogados porque a ativida-
de econômica é regida por contratos monetários com amparo em leis.

46 • capítulo 2
Muitas leis têm implicações econômicas, como a defesa do consumidor e da concorrência,
direito de propriedade, dentre outras.

EXEMPLO
A relação entre Direito e Economia é estreita em várias áreas tais como o Direito do Trabalho (indenizações
trabalhistas, por exemplo), Direito Tributário (valor e cobrança de impostos), Direito Comercial (fusões e
aquisições de empresas).

Economia e sua relação com Geografia


Há uma relação direta com a Geografia Econômica e com vários ramos da Economia: Plane-
jamento Urbano e Regional, Economia dos Transportes, Economia do Meio Ambiente etc.

EXEMPLO
A Geografia foi muito importante, por exemplo, para o desenvolvimento das cidades de Salvador e Rio
de Janeiro. Se esses locais não oferecessem boas condições naturais favoráveis para a instalação de
um porto, nunca teriam sido capitais do Brasil. Brasília foi escolhida para a nova capital em razão da sua
localização, no centro do país.

Vale mencionar aqui o nome de Paul Krugman, ganhador do prêmio Nobel em 2008, por
sua contribuição em estudos sobre padrões de comércio e a localização da atividade econômica.

Economia e sua relação com História


A História Econômica é uma das bases do curso de Economia. Não se pode entender a His-
tória sem entender a Economia, da mesma forma que não se pode entender a Economia
sem entender a História, pois a História é o laboratório da Economia.
Não é possível entender momentos decisivos da humanidade, como a Revolução Fran-
cesa, Revolução Russa e a Segunda Guerra Mundial, sem levar em conta as condições eco-
nômicas vigentes na época.

EXEMPLO
O Plano Real, de 1994, não teria sido bem-sucedido se seus formuladores não tivessem estudado tanto
as experiências fracassadas dos planos de controle da inflação adotados no Brasil nos anos 1980, quanto
as experiências exitosas de combate à hiperinflação, como a da Alemanha nos anos 1920. O economista
Gustavo Franco, um dos formuladores do Plano Real, havia estudado profundamente a hiperinflação alemã
dos anos 1920, por exemplo.

capítulo 2 • 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHANG, H. 23 coisas que não nos contam sobre o capitalismo. São Paulo: Cultrix, 2013.
DANA. S. Entenda o que compõe o chamado custo Brasil. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 nov. 2013.
FREEMAN, C. e SOETE, L. The economics of industrial innovation. Londres: Third Edition Pinter, 1997.
SANDRONI, P. Dicionário de economia do século XXI. São Paulo: Record, 2005.

Leituras Sugeridas:
HEILBRONER, R. A História do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
HUNT, E. e SHERMAN, H. História do pensamento econômico. Petrópolis: Vozes, 1977.
HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. São Paulo: LTC, 2011.

48 • capítulo 2
3 A Abordagem
Microeconômica

jorge nogueira de paiva britto


3 A Abordagem Microeconômica

O objetivo deste capítulo é apresentar os conceitos básicos de análise a nível microeco-


nômico. O surgimento da Microeconomia como ramo autônomo da Ciência Econômica
remonta ao último quarto do século XIX, refletindo uma mudança na definição dos pro-
blemas econômicos fundamentais, que se desloca da determinação geral das causas do
desenvolvimento da riqueza, como em Adam Smith (ver capítulo 2), no sentido de um en-
foque utilitarista que privilegia a discussão do processo de alocação dos recursos escassos
entre usos alternativos, com o fim de maximizar determinados objetivos dos agentes envol-
vidos no processo, basicamente consumidores e produtores.
Na Microeconomia as análises são elaboradas a partir do estudo das escolhas e decisões
realizadas por famílias, firmas e governos, e de como essas escolhas afetam os diferentes
mercados de produtos e serviços. Assim, a Microeconomia estrutura-se como um corpo
teórico integrado, que procura descrever quatro fenômenos fundamentais:

1) a forma como os indivíduos ou as famílias determinam sua procura de bens e serviços, que
resulta na elaboração de uma Teoria da Demanda ou Teoria da Procura;
2) a forma como as empresas decidem o que e quantos bens e serviços produzirão, e qual a
combinação de fatores de produção a ser utilizada, que resulta na elaboração de uma Teoria
da Oferta, e abrange a Teoria da Produção, que estuda o processo de produção em uma
perspectiva econômica, a Teoria dos Custos de Produção, que classifica e analisa os custos e
tomada de decisões de produzir baseada em princípios de maximização de lucro;
3) a forma como os mercados determinam o preço e quantidade de equilíbrio, a partir da
articulação entre a oferta e a procura, discutida com base na caracterização de estruturas de
mercado e da análise dos impactos da sua operação sobre os níveis de eficiência econômica
e bem-estar;
4) a forma como as articulações existentes entre diferentes mercados influenciam o processo
de alocação de recursos, que resulta na elaboração de uma Teoria do Equilíbrio Geral e do
Bem-Estar, que estuda a interação de todos os mercados, simultaneamente, e seu impacto em
todos os agentes.

A consolidação da Microeconomia como campo autônomo da Ciência Econômica re-


flete a contribuição de diversos autores fundamentais. Destacamos Karl Menger, que, em
1871, formulou uma teoria do valor de troca baseada no princípio da utilidade decrescente,
simultaneamente com o inglês Stanley Jevons (1871) e o francês Léon Walras (1874).
Como vimos, a contribuição de Alfred Marshall avança no sentido da explicação de
como os preços de bens e fatores são determinados em mercados considerados isolada-
mente, possibilitando a utilização do referencial no esclarecimento de problemas práticos,
através de uma análise elaborada de forma simples, por meio da redução do número de

50 • capítulo 3
variáveis e da criação de um método dedutivo de análise do comporta- COMENTÁRIO
mento dos agentes, baseado em motivações objetivas e mensuráveis.
Por outro lado, a contribuição de Leon Walras vai a uma direção dis- Escassez
tinta, desenvolvendo uma análise do equilíbrio geral para o problema de Por causa da escassez, os indivíduos e
determinação dos preços, elaborando um sistema matemático sofistica- a sociedade devem fazer escolhas difí-
do que indica a interdependência das unidades de produção e consumo ceis, que implicam privilegiar uma ne-
no interior do sistema econômico. cessidade e a alocação de recursos a
ela vinculada, em detrimento de outras.
ATENÇÃO Como visto no capítulo 1, o conceito
de custo de oportunidade é designado
A Microeconomia desenvolve uma visão microscópica dos fenômenos econômicos, para representar a melhor alternativa na
direcionando-se ao estudo do comportamento das unidades individuais responsáveis escolha da alocação ótima de recursos.
por decisões no plano do consumo e produção, distinguindo-se da Macroeconomia
na medida em que esta se interessa pelo estudo de agregados, como a produção, o
consumo e a renda da população como um todo. A Microeconomia preocupa-se em CONCEITO
explicar como se determina o preço dos diferentes bens e serviços, bem como dos
fatores de produção. Método lógico-dedutivo
O caráter dedutivo é realçado pelo fato
O problema básico analisado pela Microeconomia refere-se ao fe- de que muitas das variáveis considera-
nômeno da escassez, associado à dotação de recursos disponíveis em das pela Microeconomia não podem ser
cada sociedade, e que acaba por gerar um problema de disponibilidade observadas ou mensuradas, como, por
limitada de bens, que se tornam bens econômicos justamente em função exemplo, o grau de utilidade que os con-
dessa característica. sumidores auferem ao dispor de certos
bens ou serviços. Nessa perspectiva
metodológica, a partir de uma situação
Método de análise do mundo real, são selecionadas as va-
riáveis mais relevantes para compreen-
O desenvolvimento da Microeconomia implicou no desenvolvimento der o fenômeno analisado, o que permi-
de um método particular para tratar do problema da alocação de recur- te reduzir e manusear as complexidades
sos em um contexto de escassez. Esse método é desenvolvido a partir de do mundo real. Desenvolve-se, assim,
uma concepção utilitarista da ciência econômica, que deveria fornecer um modelo lógico, a partir do qual são
um instrumental prático para a alocação daqueles recursos da forma inferidas conclusões de natureza abs-
mais eficiente possível. trata, as quais, convenientemente inter-
De modo a atingir esse objetivo, a Microeconomia desenvolve suas pretadas, tornam possível o retorno ao
análises a partir de um método lógico-dedutivo, no qual procura tratar a mundo real.
complexidade e entrelaçamento de influências subjacentes às situações
reais que são objeto de seu estudo.
A forma de desenvolvimento de análises a partir de uma perspectiva
lógico-dedutiva no campo da Microeconomia se dá através da constru-
ção de modelos, concebidos como construções compostas por uma série
de hipóteses, a partir das quais as conclusões são extrapoladas.
Nesses modelos, são selecionadas variáveis mais significativas para
a compreensão de fenômenos associados ao mundo real, permitindo
que a complexidade desse mundo real seja manipulada. A ênfase na
construção de modelos matemáticos é particularmente comum na Mi-

capítulo 3 • 51
COMENTÁRIO croeconomia, resultando na identificação de funções que estabelecem
relações entre variáveis dependentes e independentes, e que recorrem,
Pressupostos comportamentais de forma sistemática, a representações algébricas e gráficas.
Define-se, assim, um homem econômi-
co essencialmente utilitarista, dotado ATENÇÃO
de desejos e vontades, cujo compor-
tamento poderia ser explicado por au- Na construção de modelos de análise, a Microeconomia se vale de forma recorrente
tointeresses sujeitos às leis empíricas. à hipótese de que tudo o mais permanece constante (em latim, coeteris paribus).
O indivíduo maximizador é caracteri- O foco de estudo é dirigido apenas à determinada variável cujo efeito se pretende
zado como unidade básica do sistema investigar, supondo-se que outras variáveis interfiram muito pouco no fenômeno, ou
econômico, de tal forma que os pressu- que não interfiram de maneira absoluta no período considerado.
postos relativos aos comportamentos
individuais seriam capazes de explicar Adotando-se essa hipótese, torna-se possível o estudo de um deter-
os fenômenos econômicos e sociais minado fenômeno, selecionando-se apenas as variáveis que influen-
gerais, evidenciando uma perspectiva ciam mais diretamente o comportamento do mercado, o que envolve,
assentada na noção de individualismo em algum grau, uma hierarquização da importância das variáveis uti-
metodológico. lizadas no modelo. Como exemplo, é possível mencionar situações nas
quais a procura de uma mercadoria é normalmente mais afetada por
seu preço e pela renda dos consumidores.
Outro princípio metodológico geral importante no campo da Mi-
croeconomia refere-se a pressupostos comportamentais baseados em
uma racionalidade estritamente maximizadora por parte dos agentes.
Esse homem econômico maximizador não é real, mas necessário para a
construção lógica de um modelo de análise. A concepção do homem
econômico como agente racional maximizador é elaborada de modo a
oferecer uma solução para o problema de alocação de recursos em uma
perspectiva essencialmente estática.
Por outro lado, esse tipo de procedimento também envolve uma sim-
plificação da racionalidade e dos padrões de conduta dos agentes. No
caso das firmas, por exemplo, assume-se que a firma sempre busca a
maximização do lucro total, otimizando a utilização dos recursos de que
dispõe. Em contraste, é possível considerar correntes alternativas, ela-
boradas como crítica à Microeconomia tradicional, que assumem que
a racionalidade dos agentes pode ser essencialmente complexa, envol-
vendo múltiplos objetivos e restrições de diversos tipos.
Outra característica importante da Microeconomia é sua natureza está-
tico-comparativa, através da qual ela tende a confrontar duas ou mais situa-
ções de equilíbrio, sem se preocupar com o período intermediário entre as
situações inicial e final. Desse modo, não são considerados os ajustamen-
tos entre ambas situações nem a extensão do período de tempo em si.

EXEMPLO
Como exemplo, é possível considerar o impacto do lançamento de um tributo,
comparando-se a situação de equilíbrio presente antes da decisão governamen-

52 • capítulo 3
tal de lançar o tributo e aquela situação de equilíbrio após o tributo haver surtido COMENTÁRIO
todos os seus efeitos.
Análises de equilíbrio parcial
Do ponto de vista da representação gráfica dos modelos, essa ênfase Uma análise de equilíbrio parcial, con-
em análises de natureza estático-comparativa reflete-se, por exemplo, trariamente a uma de equilíbrio geral,
na comparação entre duas situações de equilíbrio definidas em função pressupõe a abordagem de fenôme-
do posicionamento das curvas que representam as forças que influen- nos econômicos de forma isolada ou
ciam o fenômeno investigado (oferta e demanda, por exemplo). individual; considerando que os ajusta-
Por fim, uma característica importante das formulações no campo mentos que ocorrem no interior de um
da Microeconomia refere-se à ênfase em análises de equilíbrio parcial. mercado específico podem ser com-
Apesar do caráter simplificador desse tipo de procedimento, ele apre- preendidos isolando esse mercado em
senta uma série de vantagens, pois exige uma menor disponibilidade relação aos demais.
de informações do que uma análise de equilíbrio geral, possibilitando
o desenvolvimento de uma análise que, apesar de menos complexa, é
mais didática e mais fácil de ser compreendida.
Além disso, esse tipo de abordagem é operacionalmente mais exe-
quível do que a análise de equilíbrio geral, cujo desenvolvimento quase
sempre requer a utilização de um instrumental matemático complexo,
dada a quase total impossibilidade de conduzi-la graficamente.

A Teoria do consumidor e da demanda


Os agentes da demanda — os consumidores — são aqueles que se diri-
gem ao mercado com o intuito de adquirir um conjunto de bens e ser-
viços. Ao explicar o comportamento do consumidor, a Microeconomia
baseia-se na premissa fundamental de que as pessoas escolhem bens e
serviços e lhes atribuem mais valor em função da utilidade proporciona-
da pelos bens.

REFLEXÃO
A noção de utilidade articula-se ao conhecimento dos consumidores acerca da sa-
tisfação subjetiva proporcionada pelo consumo, que lhes permite hierarquizar bens
e conjuntos de bens (cestas de consumo). Apesar dessa utilidade não necessaria-
mente poder ser medida de forma absoluta, ao comparar e hierarquizar alternativas
de consumo, visando maximizar a sua utilidade, o consumidor estaria escolhendo o
conjunto de bens de consumo que mais lhe agrada.

Definindo-se aprioristicamente um intervalo qualquer para o perí-


odo de consumo, é possível perceber que, ao aumentar-se progressiva-
mente o consumo do bem naquele intervalo, o aumento da satisfação
proporcionada pelo consumo tende a ser progressivamente menor. Isso
significa que a utilidade total derivada do consumo do bem cresce na
medida em que se eleva a quantidade consumida, mas que o valor acres-

capítulo 3 • 53
COMENTÁRIO cido à utilidade total pela última unidade de bem consumida é tão me-
nor quanto maior for o total consumido de bens.
Utilidade marginal A utilidade que a última unidade consumida acrescenta à utilidade
Do ponto de vista formal, a utilidade mar- total é denominada de utilidade marginal. Estabelece-se assim, a Lei da
ginal do consumo de um bem corres- utilidade marginal decrescente. Na Teoria do Consumidor, o preço máxi-
ponde ao crescimento da utilidade total mo que um consumidor está disposto a pagar por uma unidade adicio-
decorrente do consumo de uma unida- nal de um bem corresponde ao preço marginal de reserva.
de adicional desse bem. De uma forma Como o preço marginal de reserva é maior quanto maior for a utilidade
geral, a utilidade marginal de um bem di- acrescentada por uma unidade adicional do bem, ou seja, quanto maior for
minui na medida em que aumenta o seu a utilidade marginal, conclui-se que o preço marginal de reserva correspon-
consumo. Estabelece-se assim, a lei da de a uma medida da utilidade marginal. O fato de o preço marginal de reser-
utilidade marginal decrescente. va ser decrescente decorre da lei da utilidade marginal decrescente.
Uma abordagem complementar à descrita envolve a tentativa de re-
presentar as características da utilidade do consumidor através de um
COMENTÁRIO modelo passível de representação matemática ou gráfica.
Do ponto de vista matemático, esse esforço de modelização implica
Demanda individual na definição de uma função utilidade que relaciona uma medida qual-
Basicamente, corresponde a um con- quer de utilidade com a quantidade consumida dos diferentes bens. As
junto de escolhas do consumidor no propriedades dessa função refletem as características do comportamen-
intuito de maximizar a sua utilidade, ou to do consumidor anteriormente descritas, com a utilidade marginal de
satisfação, quando ocorrem variações cada bem estando associada à variação da utilidade total gerada por va-
autônomas do preço de um bem parti- riações nas quantidades consumidas do bem respectivo.
cular. Assim, a demanda individual cor- Do ponto de vista das escolhas do consumidor, estas se baseiam em
responde a um desejo, ou a um plano, um esforço para maximizar a função utilidade sujeita a restrições defini-
representando o máximo a que o consu- das pela renda disponível e pelos preços dos bens a serem adquiridos.
midor pode aspirar em termos da aqui-
sição de um bem, quando confrontado EXEMPLO
com um nível particular do preço daque-
le bem, dada sua renda e os preços dos Um exemplo simples é o de uma família decidindo sobre seus gastos em um perío-
demais bens. do de tempo. Definem-se, assim, escolhas de equilíbrio, referentes à composição da
cesta de consumo com os diversos bens, baseadas na hipótese de que esse equilíbrio
requer que o acréscimo de utilidade por unidade monetária direcionada à aquisição
de cada bem seja equivalente para todos os bens.

No processo de escolha, o consumidor confronta e compatibiliza a


taxa pela qual deseja substituir bens, de forma a obter maior satisfação
do consumo, com a taxa pela qual ele efetivamente pode substituir esses
bens no processo de aquisição dos bens, dados os respectivos preços e
a sua limitação de renda. Os fatores descritos permitem identificar os
elementos que interferem na construção da demanda individual.
Desse modo, a função demanda corresponde a uma relação entre quan-
tidades desejadas e diferentes níveis de preço de um determinado bem,
considerando outros elementos que poderiam afetar aquelas decisões.

54 • capítulo 3
REFLEXÃO CONCEITO
Em particular, a demanda pode ser associada a um conjunto mais amplo de fatores Elasticidade
ou variáveis que influenciam a decisão de consumo de um bem particular, tais como: O estudo da elasticidade é amplamen-
o nível de riqueza do consumidor (relativamente independente de sua renda nomi- te utilizado na Microeconomia, pro-
nal), a sua renda nominal, o preço dos outros bens, fatores climáticos e sazonais, a curando quantificar as relações entre
intensidade da propaganda e disponibilidade de informações sobre o bem, os hábi- duas variáveis. Especificamente, esse
tos, gostos, preferências dos consumidores, expectativas sobre o futuro que afetam estudo envolve a relação entre as va-
as decisões de consumo e facilidades de crédito. riações proporcionais (ou percentuais)
das variáveis investigadas. Dentre es-
A análise da demanda individual baseia-se na hipótese de que ocor- sas aplicações destaca-se a noção de
rem variações no preço do bem em questão e que os demais fatores elasticidade-preço da demanda, que
permanecem constantes. A função (ou curva) de demanda individual tem um papel importante na análise da
é construída a partir da identificação das escolhas realizadas pelo con- demanda do consumidor e das deci-
sumidor para cada nível de preços do bem, considerando a hipótese de sões empresariais.
que esse consumidor busca maximizar a satisfação ou utilidade propor-
cionada pelo consumo.
Desse modo, os impactos de variações do preço do bem são capta-
dos por deslocamentos ao longo da curva de demanda. Por outro lado,
os impactos de variações dos outros fatores considerados constantes na
análise (preços dos demais bens, renda do consumidor e gostos e prefe-
rências) são captados através de deslocamentos da curva de demanda.

ATENÇÃO
Cada consumidor tem uma curva de demanda ao longo da qual a quantidade deman-
dada pode ser relacionada com o preço, que apresenta uma inclinação para baixo e
para a direita. A curva da demanda de um bem para a totalidade do mercado, por sua
vez, é obtida pela soma das quantidades demandadas por todos os consumidores.

Para obter uma medida quantitativa dos efeitos de variações de pre-


ços e rendimento sobre as decisões de consumo, é usual avaliar-se a
elasticidade da demanda de um bem.
A elasticidade-preço da demanda mede a variação proporcional da
quantidade demandada de um bem quando o seu preço varia. Uma de-
finição precisa dessa elasticidade é dada pela variação percentual da
quantidade demandada dividida pela variação percentual do preço. As
elasticidades-preço dos bens, que refletem a sua sensibilidade em rela-
ção às variações do preço, são muito diversificadas.

ATENÇÃO
Quando a elasticidade-preço de um bem é elevada, dizemos que o bem tem uma
procura elástica, o que significa que a quantidade da sua procura responde for-
temente às variações do preço. Quando a elasticidade de um bem é fraca, diz-se

capítulo 3 • 55
CONCEITO que a demanda é inelástica, pois a quantidade demandada responde fracamente
às variações do preço.
Empresa ou firma
Basicamente, a concepção de firma da Na análise do comportamento do consumidor é importante conside-
Microeconomia tradicional é elaborada rar os fatores que influenciam a elasticidade-preço da procura. Um primei-
a partir de uma perspectiva funcional do ro fator refere-se à essencialidade do consumo do bem. Neste sentido, ob-
processo de alocação de recursos. A fir- serva-se que a procura de bens de primeira necessidade como alimentos
ma é vista como uma instância interme- básicos, energia e medicamentos, tende a ser rígida, e, portanto, inelás-
diária que compra insumos (inputs, fato- tica, pois não se pode facilmente prescindir deles quando os seus preços
res de produção), combina-os segundo aumentam. Por outro lado, outros bens podem substituir artigos de luxo
um processo de produção escolhido, e não essenciais, quando estes sobem de preço, o que torna a sua demanda
vende produtos (outputs) no mercado, mais elástica. Além disso, os bens que têm substitutos imediatos tendem
procurando maximizar seus resultados a ter demandas mais elásticas do que os que não têm substitutos.
em termos de produção e lucro.
EXEMPLO
Por exemplo, a gasolina é um bem com demanda inelástica, pois é difícil ser substi-
tuída, principalmente no curto prazo.

A Teoria da Produção
O desenvolvimento da Teoria da Produção requer, de início, a especifi-
cação de alguns conceitos fundamentais que lhe dão sustentação. Um
primeiro conceito básico refere-se à concepção de empresa ou firma.
Na Teoria da Produção, as formas como os insumos são combinados
constituem os métodos ou técnicas de produção, que podem ser inten-
sivos em mão de obra (utilizam mais mão de obra em relação a outros
insumos), intensivos em capital ou intensivo em recursos naturais, de-
pendendo do fator de produção utilizado em maior quantidade, relati-
vamente aos demais.

ATENÇÃO
No âmbito da teoria da produção, é possível distinguir também os conceitos de tecnolo-
gia e de método de produção. A tecnologia corresponde a um inventário dos métodos de
produção conhecidos, representando o estado das artes em termos de conhecimentos
na esfera da produção. Em geral, supõe-se tecnologia dada e possível de ser acessada
pelos diversos produtores. Já os Métodos ou Técnicas de Produção envolvem diferentes
combinações dos fatores de produção, a um dado nível de tecnologia.

A escolha do método ou processo de produção depende de sua efici-


ência, que pode ser analisada tanto do ponto de vista técnico ou tecno-
lógico, como do ponto de vista econômico. Um método é tecnicamente

56 • capítulo 3
eficiente quando, comparado com outros métodos, utiliza menor quanti- CONCEITO
dade de insumos para produzir uma quantidade equivalente do produto.
Excedente do produtor
REFLEXÃO Do ponto de vista formal, o excedente
do produtor equivale à diferença entre
Na análise microeconômica padrão, assume-se que é sempre possível, ao produtor, a receita total obtida com a produção e
utilizar a maneira mais eficiente de combinar os fatores e, consequentemente, obter os custos variáveis totais em que a firma
a maior quantidade produzida do produto. incorre para viabilizar a produção.

Na órbita da produção, o produtor tem como objetivo a minimização do
custo da contratação de fatores, dada a restrição técnica da função de pro-
dução, ou a maximização da produção, dada a restrição dos preços dos fato-
res. Ao contratar fatores, o produtor deve confrontar as alternativas técnicas
de produção com os preços efetivamente praticados nessa contratação.
Uma vez definidas as quantidades contratadas de fatores, definem-se os
custos de produção que irão orientar as decisões empresariais. A relevância
da análise dos custos decorre da influência que os mesmos exercem nas de-
cisões empresariais relativas a preços, níveis de produção e lucro.

REFLEXÃO
Nesse sentido, é importante considerar que os economistas e contadores têm for-
mas diferentes de considerar os custos. No plano contábil, os custos referem-se às
despesas correntes somadas às despesas ocasionadas pela depreciação dos equi-
pamentos de capital. Já os custos econômicos têm como referência o contexto de
escassez, que faz com que, ao alocar recursos de uma determinada maneira, se es-
teja abrindo mão de alocações alternativas que poderiam, eventualmente, apresentar
um rendimento superior. Desse modo, os custos econômicos devem levar em conta
os custos de oportunidade que estão associados às oportunidades que são deixadas
de lado, caso a empresa não empregue seus recursos da maneira mais rentável.

A empresa retratada pela Microeconomia é uma organização que


combina e organiza os recursos com a finalidade de produção de bens ou
serviços. A teoria da firma baseia-se na suposição de que as decisões pro-
dutivas da firma estão baseadas em princípios de maximização de lucro.
Os ganhos do produtor se originam porque o valor mínimo que eles
exigiriam para ofertar esse produto pode ser menor do que o valor efetiva-
mente obtido no mercado (isto é, o preço do produto). Define-se, assim, a
noção de excedente do produtor, dado pela diferença entre o preço míni-
mo que o produtor requer para produzir uma determinada quantidade de
produto e o que ele efetivamente recebe pelo venda do mesmo.
O excedente verifica-se quando o produtor recebe mais do que gasta
com fatores variáveis, representando o comprometimento direto de re-
cursos com a produção.

capítulo 3 • 57
Equilíbrio de mercado e bem-estar
As interações entre demanda e oferta de mercado definem o equilíbrio de mercado para um bem
ou serviço particular, demonstrando que a quantidade que os consumidores desejam comprar
é exatamente igual à quantidade que os produtores desejam vender. Desse modo, a noção de
equilíbrio de mercado corresponde à coincidência de desejos entre consumidores e produto-
res, evidenciando uma situação onde não há excesso ou escassez de oferta ou de demanda.
Esse equilíbrio pode ser caracterizado como estável, pois, supondo uma economia de
mercado, o mecanismo de preços leva automaticamente ao equilíbrio. No entanto, quando
ocorre excesso de oferta, os vendedores com estoques não planejados terão que diminuir
seus preços, concorrendo pelos escassos consumidores. Já quando ocorre um excesso de
demanda, os consumidores estarão dispostos a pagar mais pelos produtos escassos. Essas
ações resultam em ajustes de preços.

ATENÇÃO
A igualação entre demanda e oferta de mercado, de modo a definir o equilíbrio de mercado para um
bem ou serviço particular, representa um retrato estático do mercado em um determinado intervalo, su-
postamente abstrato, de tempo. Na realidade, os mercados são dinâmicos e sofrem tanto a influência de
mudanças de parâmetros e fatores supostamente constantes, que afetam as funções (curvas) demanda e
oferta, como uma série de influências do ambiente externo, decorrentes de ações do governo, mudanças
em outros mercados, e, também, de eventos fortuitos e imprevisíveis, como uma geada, uma guerra etc.

Algumas possíveis perturbações podem ser consideradas para entender esses impac-
tos no equilíbrio. Uma elevação da renda real (aumento do poder aquisitivo) dos consumi-
dores, por exemplo. Em função do aumento de preços, gera-se um excesso de demanda
que vai progressivamente se reduzir em função do aumento de preços, até acabar, no
novo equilíbrio.
Também serve de exemplo a diminuição dos preços das matérias-primas usadas na pro-
dução do bem. De forma análoga à situação anterior, é gerado um excesso de oferta ao pre-
ço anterior e uma tendência à redução do preço, até que se atinja um novo ponto de equilí-
brio a preço inferior e em uma quantidade maior.

Análise de estruturas de mercado


A análise microeconômica padrão do equilíbrio de mercado é elaborada em um contexto
de forte atomização do número de produtores e consumidores, que caracteriza a denomi-
nada situação de concorrência perfeita ou de mercados competitivos.
A estrutura de mercado caracterizada por concorrência perfeita é uma concepção ideal
(ou abstração), pois os mercados altamente concorrenciais existentes, na realidade, são
apenas aproximações desse modelo.

58 • capítulo 3
ATENÇÃO COMENTÁRIO
Hipóteses básicas de um mercado que opere em regime de concor- Concepção ideal
rência perfeita: Do ponto de vista metodológico é
1) existência de um grande número de compradores e vendedores, refletindo uma mais útil construir inicialmente mode-
situação de mercado atomizado; los simples, e depois incorporar novos
2) produtos homogêneos, ou seja, substitutos perfeitos entre si, fazendo com que detalhes, do que construir diretamente
não possa haver preços diferentes no mercado; modelos com todos os detalhes da rea-
3) completa informação e conhecimento sobre o preço do produto, refletindo uma lidade, que é muito complexa, que pode
situação de transparência do mercado; encobrir algumas relações básicas.
4) livre entrada e saída de firmas no mercado, refletindo uma situação de ausên-
cia de barreiras possibilitando uma livre mobilidade, que permite às firmas menos
eficientes saírem do mercado, e que as firmas mais eficientes se desloquem para
o mesmo;
5) racionalidade forte (ou substantiva) por parte dos agentes, que faz com que as
empresas sempre maximizem o seu lucro e os consumidores maximizem a satisfa-
ção ou utilidade derivada do consumo de um bem.

Em condições de concorrência perfeita, os agentes operam, funda-


mentalmente, como tomadores de preço (price-takers). Em outros termos,
o preço de mercado é um dado fixado para empresas e consumidores.
Uma empresa perfeitamente concorrencial vende um produto homogê-
neo, e é tão pequena em relação ao seu mercado, que não pode influenciar
o preço de mercado; apenas pode aceitar este preço como um dado.

ATENÇÃO
Essas hipóteses ideais refletem um mercado sem barreiras, sem interferências e
sem poder de mercado, sendo, de certo modo, pouco realistas. Quando algumas
dessas condições não são verificadas, observamos outras estruturas de mercado
(monopólio, oligopólio, entre outras), e as decisões de empresas e consumidores
tornam-se mais complexas.

Outro aspecto importante refere-se aos níveis de eficiência e bem-es-


tar proporcionados por um setor que opere em condições de concorrên-
cia perfeita. Nesse sentido, uma das principais conclusões de análise
microeconômica tradicional é que a alocação de recursos em mercados
perfeitamente concorrenciais é eficiente.

REFLEXÃO
Assume-se que qualquer sociedade ou organização alcançará uma melhor alocação (ou
o máximo de eficiência) de seus recursos, na medida em que o preço se iguale ao custo
marginal, operando, nesse caso, na fronteira das possibilidades de produção.

capítulo 3 • 59
CONCEITO A análise de outros tipos de estruturas de mercado, na Microecono-
mia tradicional, é realizada, inicialmente, contrapondo-se à situação de
Monopólio concorrência perfeita ao seu oposto, a situação de monopólio.
O monopólio, por si só, corresponde à Uma hipótese implícita no comportamento do monopolista é que
situação na qual uma empresa detém ele não acredita que os lucros elevados que obtém no curto prazo
100% das vendas de um determinado possam atrair concorrentes, ou que os preços elevados possam afu-
mercado. Na condição de único produtor, gentar os consumidores (na medida em que oferta um produto sem
o monopolista encontra-se em posição substitutos próximos).
privilegiada, pois não concorre com ou- Contudo, isto não significa que o monopolista possa cobrar o pre-
tras firmas e absorve todo o mercado. O ço que desejar pelo seu produto, pois esse preço encontra-se limitado
monopólio puro também é uma situação pela sua demanda (que corresponde à própria demanda do mercado)
de mercado dificilmente encontrada no ou, mais especificamente, pela elasticidade-preço dessa demanda. As-
mundo real, particularmente no caso de sim, se o monopolista resolver oferecer mais, o preço cairá, e se produzir
mercados rentáveis operados pela ini- menos, o preço subirá.
ciativa privada. Situações de monopólio Alguns fatores podem ser destacados como razões para o surgimen-
puro tendem a ser mais comuns no setor to e a manutenção de monopólios. Essencialmente, trabalharemos no
público, principalmente em setores de quadro a seguir com três deles, e na continuação com o quarto fator:
serviços básicos de infraestrutura.

Causa Descrição
CONCEITO
Pode conferir a uma determinada firma uma
Monopólio natural PATENTE posição monopolista, dependendo do tempo de
Corresponde à situação na qual uma duração da patente no mercado em que opera.
única empresa pode produzir e ofertar
para todo o mercado, com um custo
médio inferior ao que existiria em uma O acesso exclusivo a determinada matéria-prima
ACESSO EXCLUSIVO
situação em que houvesse duas ou mais essencial confere à firma uma posição de monopó-
À MATÉRIA-PRIMA
empresas. Nessas condições, é mais lio no processo de fabricação.

eficiente e melhor para a sociedade dei-


xar que a empresa atenda ao mercado Pode levar à consolidação de posições de mono-
sozinha do que deixar outras empresas EXPERIÊNCIA DA pólio, devido à dificuldade que novos produtores
entrarem no mercado para competir. EMPRESA teriam para convencer os consumidores a adquirir
os seus produtos

Por fim, a causa mais comum de monopólio refere-se às situações ca-


racterizadas como monopólio natural. Ele surge onde as economias de es-
cala são importantes, como, por exemplo, no caso das empresas de trans-
missão de energia elétrica e, principalmente, quando essas economias se
combinam com um mercado de dimensões limitadas.
Os resultados do monopólio são preços maiores e menores quanti-
dades para os consumidores, o que significa que o monopólio é uma es-
trutura de mercado ineficiente para a sociedade. Neste sentido, a teoria
microeconômica tradicional argumenta que a presença de uma estrutura

60 • capítulo 3
monopolista impõe custos sociais. Desse modo, supondo que um setor CONCEITO
operando em regime de concorrência perfeita fosse monopolizado, o efei-
to direto seria a elevação do preço e a redução da produção. Oligopólio
O termo oligopólio significa poucos pro-
REFLEXÃO dutores, mas esse número pode ser va-
riável. O reduzido número de produtores
A eficiência econômica sob monopólio não é máxima, porque o monopolista não faz com que as ações de uma empresa
utiliza necessariamente uma planta de produção ótima ou não produz a quantidade afetem diretamente as demais, carac-
ótima, dada a escala de planta existente. Por outro lado, em termos do nível de bem terizando uma situação de interdepen-
-estar, é possível demonstrar que o efeito líquido do aumento do preço e da redução dência estratégica entre os produtores.
da quantidade produzida, na passagem de uma situação competitiva para uma situ- Como todos os produtores são impor-
ação de monopólio, é a redução do nível geral de excedente econômico, repartido tantes, ou possuem uma parcela de
entre excedente do consumidor e excedente do produtor. mercado (market share) significativa, as
decisões sobre o preço e a produção de
As duas situações distintas de estruturas de mercado discutidas até equilíbrio são interdependentes.
o momento — concorrência perfeita e monopólio — apresentam-se ex-
cessivamente estilizadas, constituindo um quadro de referência geral
que pode ser utilizado para auxiliar o estudo de estruturas de mercado COMENTÁRIO
mais próximas da realidade.
O oligopólio é uma estrutura de mercado intermediária entre a con- Interdependência estratégica
corrência pura e o monopólio puro, caracterizado pela existência de um A interação estratégica característica
reduzido número de produtores e vendedores, produzindo produtos do oligopólio inspirou o desenvolvimen-
que são substitutos próximos entre si. to da teoria dos jogos, uma forma de
Os setores oligopolistas são bastante comuns na Economia, abran- representação das decisões das firmas
gendo desde bens de consumo duráveis, como os eletrodomésticos em na qual a estratégia de cada empresa,
geral e os automóveis, até bens de consumo não duráveis, estando parti- e o retorno proporcionado, depende do
cularmente vinculados à marca do produto. comportamento dos concorrentes.
A interdependência estratégica entre as decisões das firmas atuan-
tes em oligopólio faz com que a ação de uma empresa possa produzir
efeitos diretos, e muitas vezes deletérios, sobre as empresas concor-
rentes, resultando em uma possibilidade de concorrência, em algum
grau, predatória entre elas. Por outro lado, há momentos nos quais duas
empresas podem optar por não competir e, sim, cooperar, visando, por
exemplo, evitar uma guerra de preços entre elas.
Em particular, quando operam poucas empresas em um mercado,
as mesmas tendem a reconhecer a interdependência estratégica e a
buscar algum tipo de coordenação das suas decisões, visando minimi-
zar a competição.

ATENÇÃO
A noção de conluio em oligopólio corresponde a uma situação em que duas ou mais
empresas estabelecem em conjunto os seus preços ou as quantidades produzidas,
repartindo entre si o mercado ou tomando em conjunto outras decisões produtivas.
Quando as empresas estabelecem algum tipo de conluio, em geral, elas tendem a fixar

capítulo 3 • 61
CONCEITO preços idênticos elevados, aumentando os lucros e diminuindo o risco da atividade.
Em geral, as empresas de um oligopólio tendem a estabelecer conluios no intuito de
Poder de mercado estabelecer um preço que maximize o conjunto dos seus lucros. Na literatura microe-
Pode ser definido como o poder de uma conômica costuma-se atribuir a denominação de cartel a esse tipo de conluio.
empresa de fixar preços, significativa e
persistentemente, acima do nível com- Outros tipos de estruturas de mercado estão mais diretamente asso-
petitivo, com efeito lucrativo. Os consu- ciados à organização dos mercados de fatores. No caso do monopsônio,
midores compram menos produtos do a estrutura de mercado é caracterizada pela existência de muitos ven-
que fariam em concorrência, pelo que a dedores e um único comprador. No caso da organização do mercado de
satisfação do consumidor é diminuída. trabalho, por exemplo, ou os trabalhadores empregam-se no monopsô-
nio, ou precisam trabalhar em outra atividade.
É possível também caracterizar uma situação de oligopsônio, na
qual se observa um pequeno número de firmas compradoras de um de-
terminado produto, como, por exemplo, no caso da compra de autope-
ças pelo setor automobilístico.
Já a situação de monopólio bilateral corresponde àquela na qual se
defrontam no mercado um único produtor (monopolista) e um único
comprador (monopsonista). Nessas condições, o monopolista deseja
vender uma dada quantidade de produto por um preço relativamente
alto, e o monopsonista pretende comprar a mesma quantidade por um
preço o mais baixo possível. Como ambas as posições são conflitantes,
somente a negociação recíproca permite a definição do preço. Desse
modo, o preço final dependerá do poder de barganha e negociação de
cada um dos oponentes.
Se uma empresa pode influenciar o preço de mercado dos bens que
produz, então a empresa é classificada como um concorrente imperfeito.
Uma característica básica da concorrência imperfeita é a presença de al-
gum poder de mercado por parte dos produtores, relacionado ao grau de
controle que uma única empresa ou um pequeno número de empresas
têm sobre um preço e as decisões de produção de um ramo de atividade.
No entanto, deve-se considerar, também, que o poder de mercado
pode representar um estímulo para que as grandes empresas venham a
explorar economias de escala e a intensificar a introdução de inovações
no mercado, podendo gerar ganhos de produtividade que impulsionam
o crescimento econômico no longo prazo.

REFLEXÃO
Nesse sentido, uma das principais justificativas para se aceitar algum grau de con-
corrência imperfeita refere-se à constatação de que as grandes empresas são
responsáveis por grande parte dos esforços em pesquisa, desenvolvimento e inova-
ção em uma Economia moderna. Por outro lado, a concorrência imperfeita, em geral,
conduz a preços que estão acima dos custos marginais.

62 • capítulo 3
Além disso, às vezes, sem o incentivo da concorrência, a qualidade do CONCEITO
produto e serviço tende a se deteriorar e, tanto o preço elevado como a fra-
ca qualidade, são resultados indesejados. Cabe destacar, também, que o Falhas de mercado
exercício do poder de mercado não se limita à elevação de preços, poden- Essas falhas ocorrem quando o merca-
do envolver, do ponto de vista jurídico, o abuso da posição dominante da do, por si mesmo, fracassa em alocar
firma no mercado (contra consumidores, empresas menores etc.), através recursos de forma eficiente e os preços
de condutas consideradas anticompetitivas de diversos tipos. podem não estar refletindo os reais inte-
resses da sociedade. Quando o merca-
ATENÇÃO do falha, o governo pode intervir a fim de
promover eficiência e o bem-estar geral.
Essas características estimulam o monitoramento dessas estruturas pela política go-
vernamental, de modo a evitar possíveis efeitos danosos sobre os níveis de eficiência
e bem-estar, através da denominada política de defesa da concorrência.

Falhas de mercado
As análises da Microeconomia tradicional são elaboradas, inicialmente,
em um contexto onde não há imperfeição nos mercados, caracterizados
de forma bastante estilizada. No entanto, essas análises também avan-
çam no sentido da identificação de algumas falhas de mercado que re-
querem qualificações daquelas análises.
Além da concorrência imperfeita, caracterizada ela própria como
falha de mercado, é possível destacar três tipos tradicionais de falhas:
externalidades, bens públicos e assimetrias de informações.
As externalidades (ou economias externas) representam influências de
fatores externos nos custos das firmas e na satisfação dos consumidores.

EXEMPLO
Por exemplo, uma empresa industrial pode emitir poluentes, causando prejuízo em
moradias da vizinhança e prejudicando a saúde das pessoas. Se a empresa não
paga por esses impactos prejudiciais, a poluição será ineficientemente elevada e o
bem-estar dos consumidores prejudicado.

Observa-se também que nem todas as externalidades são prejudi-


ciais. Algumas são benéficas, como as que derivam de programas edu-
cacionais, da atividade de desenvolvimento científico ou de programas
de saúde pública. A educação se destaca como caso de geração de exter-
nalidades positivas, pois não traz benefícios somente para aqueles indi-
víduos que a recebem diretamente, mas para toda a coletividade, pois
indivíduos mais educados cuidam melhor da saúde, dirigem com mais
cuidado, são mais produtivos etc.

capítulo 3 • 63
CONCEITO ATENÇÃO
Assimetria de informações De uma forma geral, na presença de externalidades negativas, o governo deverá agir
A assimetria de informações reflete os de modo a provocar desestímulos às atividades causadoras de perda de bem-estar.
diferentes graus de conhecimento entre Já no caso de externalidades positivas, o governo deverá agir no sentido de estimu-
compradores e vendedores, que pode lar a atividade produtora de melhorias de bem-estar.
resultar em um maior benefício para
uma das partes envolvidas em uma tran- Um segundo tipo de falha de mercado refere-se à provisão de bens
sação ou um contrato, em detrimento da públicos. Essa provisão é considerada uma falha de mercado por envol-
outra. Quando isso ocorre, identifica-se ver uma classe de bens que não pode ser garantida pelo mercado, em
a possibilidade de perdas de eficiência. função de determinadas características, tornando sua oferta possível
somente pelo Estado. Nesse sentido, duas características dos bens pú-
blicos podem ser destacadas:

1) o seu caráter não exclusivo


Identificado quando seu consumo não pode ser impedido, mesmo para
aqueles indivíduos que eventualmente não pagaram por ele, como no
caso da segurança, justiça e iluminação pública.

2) o seu caráter não disputável (ou não rival)


Identificado quando o seu consumo não repercute na indisponibilidade
do mesmo bem para outras pessoas, possibilitando que o mesmo seja
consumido por vários indivíduos simultaneamente, como também ocorre
nos casos da iluminação pública e da segurança.

Nessas condições, torna-se impraticável qualquer tentativa de impe-


dir que determinadas pessoas não usufruam o bem ou serviço em ques-
tão, pois o custo de exclusão do não pagante seria extremamente eleva-
do. Por outro lado, a principal dificuldade encontrada pelo mercado na
provisão de bens públicos refere-se ao problema do free rider (carona),
identificado como um indivíduo que usufrui um bem de forma descon-
trolada, mesmo não tendo pago por ele, cuja exclusão do mercado se
mostra extremamente difícil e onerosa, o que desestimula o provimento
desses bens pelo setor privado e justifica seu fornecimento pelo Estado.
Um terceiro tipo de falha de mercado refere-se a um contexto de infor-
mação imperfeita, que se contrapõe à visão tradicional de que os compra-
dores e vendedores têm informação completa acerca dos bens e serviços
que compram e vendem. Em particular, a assimetria de informações cons-
titui em uma violação da hipótese de que todos os agentes econômicos
possuem pleno conhecimento do mercado (ou informações simétricas).
Nesses casos, uma das funções do governo é identificar aquelas áreas em
que as deficiências de informação são economicamente significativas - como
no caso de medicamentos e seguro-saúde - e encontrar soluções apropriadas.

64 • capítulo 3
Da Microeconomia tradicional para a organização
industrial

A Organização Industrial estrutura-se como desdobramento da Microeconomia tradicio-


nal, tendo como foco a análise das estruturas de mercados a partir de um forte embasa-
mento empírico e da tentativa de captar de forma mais fidedigna a complexidade das deci-
sões empresariais e as condições concretas da concorrência que vigoram em cada contexto.
Nesse sentido, ela pode ser definida como a aplicação da Microeconomia à análise das fir-
mas, mercados e indústrias.

ATENÇÃO
Envolve, portanto, o estudo dos fatores determinantes da formação de diferentes estruturas industriais e
de suas transformações ao longo do tempo, bem como o estudo das decisões e estratégias empresariais,
em um ambiente caracterizado por incerteza e informação imperfeita (limitada).

Um aspecto central desse tipo de abordagem refere-se à base empírica da teoria, discu-
tindo-se como o comportamento e a performance das firmas e mercados podem ser expli-
cados e previstos com base em dados observados. Em particular, as análises nesse campo
buscam aplicar a teoria microeconômica e o instrumental econométrico para analisar fir-
mas e mercados, assumindo que as formulações teóricas e o trabalho empírico são igual-
mente importantes para gerar resultados relevantes. Observa-se também uma preocupação
particular com a forma como a intervenção governamental influencia o comportamento da
firma e a performance do mercado.

REFLEXÃO
Em termos do objeto e escopo da Organização Industrial, verifica-se uma ampliação do foco em
relação à Microeconomia tradicional, abandonando-se a ênfase em mercados de competição pura
e voltando-se para o estudo de situações onde os mercados apresentam falhas relativamente gene-
ralizadas, em um contexto no qual os mercados oligopolizados constituem a regra e não a exceção.
Além disso, como os oligopólios variam substancialmente, seria importante considerar e descrever as
características estruturais dessas indústrias.

Nessas análises, as firmas apresentam-se heterogêneas entre si, não apenas em termos
de tamanho e rentabilidade, como também em termos de diversas outras dimensões, como
tipos de produtos, processos produtivos, formas organizacionais, marcas, localização, redes
de distribuição etc. Além disso, observa-se que determinadas firmas são capazes de sustentar
lucros acima da média da indústria, apresentando uma vantagem competitiva em relação aos
concorrentes, cuja fonte é tipicamente algum recurso ou competência difícil de imitar (tec-
nologias particulares, segredos de mercados, marcas etc.).
A elaboração de análises que utilizam como referência geral o denominado modelo Es-
trutura-Conduta-Desempenho é bastante comum no campo da Organização Industrial.
A estrutura de mercado depende, incialmente, das condições essenciais da demanda

capítulo 3 • 65
COMENTÁRIO e da oferta. No caso das condições da demanda, destacam-se a elasti-
cidade-preço, as elasticidades cruzadas e a tendência de crescimento
Barreiras à entrada do mercado, entre outros. No caso da oferta, é possível destacar a lo-
Essas barreiras são relacionadas a fa- calização e posse de fontes de matérias-primas, as características da
tores que dificultam a entrada de novas tecnologia, a ação dos sindicatos, e aspectos legais, políticos e éticos
empresas em uma determinada indús- vinculados à produção.
tria. Quando essas barreiras são eleva-
das, uma indústria tende a ter um núme- ATENÇÃO
ro pequeno de empresas e uma pressão
reduzida para competirem. A presença Na análise estrutural de um mercado, particular ênfase é atribuída ao grau de
de barreiras à entrada de concorrentes concentração da oferta, ao grau de diferenciação do produto e à natureza das
potenciais em um mercado oligopolista barreiras à entrada.
permite às empresas mais bem situadas
praticarem preços acima do nível com- No tocante à conduta dos agentes, procura-se discutir como os preços são
petitivo, embora, em geral, abaixo do ní- fixados, a estratégia de desenvolvimento do produto e marketing, o compor-
vel de maximização de monopólio. tamento legal das empresas e suas estratégias de crescimento, inclusive no
que se refere à expansão para novos mercados, via diversificação.
Em termos do desempenho, a preocupação recai na análise da efici-
ência, equidade, criação de empregos e qualidade do produto.
Em especial, as análises desenvolvidas no campo da Organização Indus-
trial atribuem particular importância ao impacto da presença de barreiras
à entrada sobre as condições efetivas da concorrência em cada mercado.

ATENÇÃO
As principais fontes de barreiras à entrada, de natureza estrutural, mencionadas pela
literatura são as seguintes:
1) economias de escala de natureza técnica ou pecuniária;
2) vantagens absolutas de custos;
3) vantagens de diferenciação de produtos;
4) requisitos mínimos de capital;
5) economias de escopo.

Por outro lado, além das barreiras estruturais, relacionadas às condi-


ções objetivas da produção em determinada indústria, comparativamen-
te às firmas entrantes, é possível mencionar também barreiras à entrada
de natureza estratégica, baseadas principalmente em sinalizações das
firmas estabelecidas no tocante ao seu padrão de resposta, ou reação, à
possibilidade de entrada de novas firmas no mercado em que operam.
No âmbito da Organização Industrial, a análise do processo de to-
mada de decisões da firma, em mercados oligopolistas, recai, neces-
sariamente, na discussão do ambiente em que ela se insere, pois a sua
interpretação desse ambiente, e de seus concorrentes, condiciona o seu
processo de tomada de decisões.

66 • capítulo 3
ATENÇÃO
Dependendo do modelo de análise, o ambiente econômico em que ocorre o processo de tomada de
decisões pode ser considerado como uma variável endógena, na medida em que uma decisão da firma
poderá resultar em mudanças nesse ambiente em que atua.

Aspectos políticos, institucionais, legais e sociais se somam às características específi-


cas do mercado de forma a delimitar o ambiente concorrencial no qual a firma opera. Desse
modo, o ambiente concorrencial é constituído historicamente a partir das interações entre
agentes e da mediação de instituições, validando as decisões tomadas no presente e propor-
cionando uma base para a formação de expectativa quanto ao futuro.
Nesse contexto, as decisões das empresas, ao contrário do proposto pela Microecono-
mia tradicional, não são uniformes, baseando-se em uma racionalidade essencialmente
complexa, que lhes permita identificar, hierarquizar e interpretar o ambiente competitivo
em que operam, com base nas suas expectativas e considerando as incertezas inerentes ao
processo concorrencial.

REFLEXÃO
A empresa traduz esse processo na sua estratégia, procurando, a partir da mesma, se posicionar no ambiente
em que opera, visando explorar oportunidades que surgem em função de mutações econômicas. Desse
modo, a estratégia competitiva da firma pode ser definida como a sua capacidade de estabelecer formas de
ações planejadas e deliberadas a partir da compreensão do seu objetivo e de suas características, aliada à
flexibilidade para compreender o ambiente e a sua estrutura de mercado.

Nessa perspectiva, a estratégia competitiva não é um conceito estanque, alterando-se e


adaptando-se ao ambiente e variando de empresa para empresa, em função de suas capa-
citações e competências. A capacitação da firma é entendida como um conceito absoluto,
estando associada às habilidades para produzir um produto. Já a noção de competência
considera as habilidades como algo relativo, sendo determinada a partir de um padrão par-
ticular de produção de mercado.

capítulo 3 • 67
4 A Abordagem
Macroeconômica

carmem aparecida feijó


4 CONCEITO
Abordagem macroeconômica

Por que precisamos de uma teoria macroeconômica? A ideia intuitiva é


simples: resultados agregados, ou seja, para toda a Economia, nem sempre
Sistema de contabilidade correspondem àquilo que agentes econômicos individuais planejaram.
nacional Justamente porque desapontamentos em relação ao que seria espe-
O SCN é, como o próprio nome sugere, rado ocorrem, a teoria econômica identifica a Macroeconomia como
um sistema contábil que apresenta uma um campo de estudo próprio, cujo objeto é explicar como os desdobra-
espécie de fotografia bem detalhada da mentos de decisões individuais no agregado resultam em flutuações do
Economia em um determinado período nível de produto, preços e emprego no curto prazo.
de tempo. Esse sistema é elaborado, em
geral, pelo órgão central de estatística ATENÇÃO
dos países, no caso do Brasil, o IBGE.
Entende-se que flutuações reduzem o bem-estar da população; portanto, devem ser
evitadas ou, no mínimo, suavizadas.

Neste capítulo, vamos apresentar os principais conceitos e relações


para entender o funcionamento de uma Economia de mercado no curto
prazo. Como o mecanismo de funcionamento dessas economias apresen-
ta imperfeições, há espaço para governos atuarem no sentido de promo-
ver o crescimento com estabilidade de preços e com geração de emprego e
renda. No capítulo 5 serão discutidas políticas macroeconômicas.
Este capítulo está organizado em duas partes. Iniciamos com a apre-
sentação das principais estatísticas das contas nacionais, ou seja, os
agregados macroeconômicos, incluindo os registros da Economia na-
cional com o resto do mundo. Na segunda parte tratamos teoricamente
dos principais temas da teoria macroeconômica: o que determina o ní-
vel de produto, emprego e inflação.

O sistema de contas nacionais e os


agregados macroeconômicos — Parte 1

Para o estudo da Macroeconomia é necessário construir estatísticas


que agreguem informações sobre variáveis de interesse. Essas esta-
tísticas são obtidas, em grande parte, através do sistema de contabi-
lidade nacional (SCN).
Como uma fotografia, o SCN permite que se analise o objeto retrata-
do sob vários ângulos e em vários graus de detalhamento. Um ângulo de
análise bastante usual é a comparação de desempenho de grandes seto-
res de atividade, como agropecuária, indústria e serviços, por exemplo.

70 • capítulo 4
ATENÇÃO COMENTÁRIO
Em termos de detalhe, neste ângulo é possível comparar, dentro de cada setor de Setores institucionais
atividade, ramos produtivos específicos, como a produção de algodão, o refino de Por exemplo, famílias, governo, empre-
petróleo etc. sas e setor externo.

Outro ângulo de análise importante é a comparação do desempenho
de grupos de agentes econômicos denominados setores institucionais (em
contraposição a setores de atividade), para identificar qual é o que mais
contribui para o crescimento em determinado período de tempo. Em ter-
mos de detalhe, nesse caso, é possível saber quanto as famílias recebem de
salário, quanto transferem na forma de impostos para o governo etc.

Fluxo e estoque

Os registros contábeis das contas nacionais acompanham variáveis (por


exemplo: salários pagos, receitas auferidas, riqueza, dentre inúmeras
outras) que podem ser de fluxo ou de estoque.
Para entender a distinção entre ambas basta considerar que vari-
áveis de estoque são aquelas referenciadas a um ponto no tempo, por
exemplo, em 31 de dezembro. Alterações em variáveis de estoque entre
um período e outro ocorrem por variáveis de fluxo.

EXEMPLO
Por exemplo, a renda que uma pessoa (economistas referem-se a agentes econô-
micos) recebe, como a remuneração por seu trabalho, corresponde a um fluxo. Se
o fluxo de renda ao longo do período é maior do que os seus gastos, então é de se
esperar que o seu estoque de riqueza (patrimônio) em uma data ao final do período,
quando comparado com a data de final do período anterior, aumente.

Outro exemplo é a variação no fluxo de investimento produtivo em


um período, por uma empresa, pela compra de novas máquinas e equipa-
mentos. O fluxo de investimento produtivo ao longo do tempo deve impli-
car, ao final de um período, uma variação no seu estoque de capital.

ATENÇÃO
A importância da distinção entre variável de fluxo e de estoque ficará clara quando
entendermos que o Produto Interno Bruto, o principal agregado macroeconômico, é
uma medida de fluxo.

capítulo 4 • 71
CONCEITO Produto Interno Bruto (PIB)

Produto Interno Bruto A principal medida estatística derivada do SCN é o Produto Interno Bruto
O PIB de um país ou região representa (PIB). Esta definição, mesmo resultando na forma mais completa e abran-
a produção de todas as unidades pro- gente de se medir o porte de uma Economia, exclui do cálculo do produto
dutoras da economia (empresas públi- agregado, pelo menos, os seguintes aspectos da atividade econômica:
cas e privadas produtoras de bens e
prestadoras de serviços, trabalhadores ATENÇÃO
autônomos, governo etc.), em um dado
período (ano ou trimestre, em geral), a Aspectos da atividade econômica excluídos do cálculo
preços de mercado. a) produção de bens e serviços para consumo próprio, pois não se atribui valor de
mercado a ela (por exemplo, se um agente faz suas refeições em casa, não entra no
cálculo do PIB; porém, se faz em um restaurante, entra);
b) transações de compra e venda envolvendo a transferência de bens produzidos em
períodos anteriores, como, por exemplo, a venda de bens de segunda mão, pois não
agregam valor no período;
c) esgotamento de recursos naturais não renováveis, que são utilizados na produção
de bens, ou seja, não se considera a produção de recursos naturais dentro da fron-
teira de produção (ver Capítulo 1).

As contas nacionais também apresentam informações sobre estatísticas


econômicas a preços constantes. Isso é necessário porque, de um período
a outro, não só as quantidades produzidas variam, mas também os preços.

REFLEXÃO
Quando se faz comparação entre períodos de tempo, por exemplo, o aumento do
PIB em 2013 em relação a 2012, o interesse maior é pelo aumento em termos de
quantidades (na expressão das contas nacionais, em volume). Ou seja, o efeito da
variação dos preços deve ser descontado.

Dada a definição de PIB, devemos comparar esta medida com o conceito


de riqueza. Será que um aumento no PIB (desconsiderando a inflação) sem-
pre representa um avanço da Economia no sentido de torná-la mais rica?
Observe que, pela forma como o PIB é medido, nem sempre um au-
mento nessa medida implica que a Economia tenha de fato progredido
no período. Para que um aumento no PIB, uma variável de fluxo, repre-
sente um aumento de riqueza do país, sendo a riqueza uma variável de
estoque, é necessário que o estoque também aumente em relação ao pe-
ríodo anterior. Nem sempre isso ocorre.

EXEMPLO
Suponha que ocorra uma catástrofe natural na Economia, como um terremoto de
grandes proporções. O PIB no período deverá aumentar pelo aumento das obras de

72 • capítulo 4
reconstrução, dos serviços gerados pelo apoio e reconstrução etc. Esses registros correspondem a um
aumento no fluxo de produção de bens e serviços para atender a uma demanda atípica, gerada em conse-
quência do terremoto. No entanto, no caso do terremoto, o estoque de riqueza terá diminuído em relação
ao período anterior, pela destruição causada em construções já existentes, por exemplo.

Outro exemplo pode ser dado em relação ao estoque das riquezas naturais. Neste caso,
como o PIB não considera a exaustão de recursos não renováveis (por exemplo, exaustão
das minas de um recurso mineral ou a extração não manejada de madeira em florestas na-
tivas), a Economia de um país pode crescer porque aumenta a exploração desses recursos.
Porém, como o estoque dessa riqueza está diminuindo, o crescimento futuro da Economia
está ameaçado (ver Capítulo 6 para o conceito de desenvolvimento sustentável).

RESUMO
Em resumo, as transações econômicas, objeto de acompanhamento sistemático para a construção da con-
tabilidade de um país ou região (as contas nacionais), são as que têm origem na atividade de produção de
bens e serviços em um período de observação aos quais se possa atribuir um valor monetário (um preço).

Fluxo, Estoque, Produto Interno Bruto e Produto Interno Líquido

Na mensuração do Produto Interno Bruto não se considera o desgaste do estoque de


riqueza da Economia. Quando definimos a medida do PIB, incluímos todos os bens e
serviços produzidos em um período. No entanto, há bens, como as máquinas, os equi-
pamentos, em resumo, os chamados bens de capital, que têm uma durabilidade maior
do que o período de observação.

RESUMO
Ou seja, são utilizados no processo de produção hoje, mas foram produzidos em períodos anteriores e
continuarão sendo usados em períodos futuros.

Nesses casos, apenas uma parte desses bens é passada ao produto final, que representa
o seu desgaste pelo uso. Esse desgaste reduz o valor do bem de capital e, portanto, o esto-
que de riqueza do seu proprietário.
Assim, o melhor conceito para se avaliar o desempenho da Economia em um período
é o produto agregado líquido, que leva em conta o desgaste físico do estoque de capital e,
também, a obsolescência das máquinas e equipamentos.

ATENÇÃO
Assim, os estoques de bens acumulados ao final de um determinado período só podem ser conside-
rados como adição de riqueza à Economia como um todo, quando tratados em termos de variações
líquidas em relação ao período anterior. Se ocorre uma variação negativa nos estoques, ou seja, o

capítulo 4 • 73
que houve de desgaste foi superior à adição de novos bens de capital, é porque houve uma perda de
riqueza, diminuindo a renda da Economia no período.

As diferentes óticas de mensuração do produto da Economia

Pela enorme dificuldade em se calcular o desgaste do estoque de capital da Economia, a


medida padrão para se acompanhar a evolução da Economia (e para comparações interna-
cionais) é o PIB. O PIB, por ser derivado de um sistema contábil, pode ser medido por três
óticas diferentes: ótica do produto, ótica da renda e ótica da despesa.

Ótica do produto
O PIB, pela ótica do produto, mede o valor agregado, ou valor adicionado, em cada etapa do
processo de produção de bens e serviços. Pela natureza da medida, as informações extraí-
das para a construção desse agregado vêm das unidades produtoras (firmas). Entretanto,
o valor adicionado não é uma medida observada diretamente da contabilidade das firmas.
Para entender a medida do valor agregado, ou adicionado, vamos dar um exemplo.

Cenário
Considere a produção de massas alimentícias por uma firma industrial. A quantidade de massa
produzida em um ano, multiplicada pelo preço de venda de mercado, fornece a medida do valor da
produção da firma no ano.
Situação
Suponha que a firma produziu 500 quilos de massas no ano, ao preço médio de R$2,00 o quilo.
Logo, o valor da produção da firma no ano será de (500*R$2,00) R$1.000,00.
Problema
Como medir a contribuição da firma para o PIB do país? Se considerarmos a medida de valor da
produção (R$1.000,00), ao somarmos os resultados do valor de produção de todas as firmas,
estaremos incorrendo em dupla contagem. A razão é simples: na produção de bens são utilizados
insumos, ou seja, bens que são produzidos por outras firmas para serem processados na fabrica-
ção de outros bens.
Explicação do problema
Por exemplo, para produzir massas alimentícias, utiliza-se farinha de trigo, dentre outros insumos
que devem ser adquiridos de outra firma. Assim, se simplesmente somarmos o valor de produção de
todas as firmas na economia (no exemplo, produtora de massas e produtora de farinha de trigo) para
se estimar o quanto foi produzido em um período, a produção total do país estará superestimada.

Para chegarmos à real contribuição de cada firma no PIB da Economia, devemos des-
contar do valor da produção de cada firma o que foi adquirido de outras firmas, ou seja, o
consumo intermediário. Dessa forma, estaremos considerando aquilo que cada firma agre-
ga de valor durante o seu processo de produção.

74 • capítulo 4
EXEMPLO
Prosseguindo no exemplo, suponha que a firma compre o equivalente a R$300,00 de farinha de trigo
para produzir os 500 quilos de massa. Logo, o valor adicionado (ou agregado) da firma produtora de
massas alimentícias no ano terá sido de R$700,00 (R$1000,00 menos R$300,00). Essa é a sua
contribuição ao PIB, e não R$1.000,00.

Chegamos então a uma conclusão importante: a medida relevante para avaliar o esforço
produtivo de um país em um período é a soma do valor adicionado ou valor agregado das
firmas, ou seja, a soma do que cada firma agrega de valor no seu processo de produção. As-
sim, para a Economia como um todo, a soma dos valores adicionados de cada firma totaliza
o agregado PIB pela ótica do produto.

RESUMO
VALOR DOS CONSUMOS
ÓTICA DO PRODUTO VALOR DA PRODUÇÃO
INTERMEDIÁRIOS

Ótica da renda
Como toda produção emprega recursos produtivos (simplificadamente, podemos citar capi-
tal e trabalho), esses recursos devem ser remunerados. Se somarmos todos os pagamentos
efetuados a título de remuneração dos fatores de produção na Economia, chegamos também
a uma medida do esforço de produção da Economia em um período pela ótica da renda.

RESUMO
Ou seja, a medida do PIB, pela ótica da renda, consiste em somar todos os pagamentos efetuados, como
lucro (remuneração ao capital de risco), juros (remuneração ao capital de empréstimo), aluguéis (remune-
ração pela propriedade) e salários (remuneração pelo trabalho).

Dito de outra forma, por esta ótica é possível ver como se dá a repartição do produto em
um período, entre os participantes do processo de produção. Por exemplo, qual a parcela
apropriada pelos trabalhadores com salários, pelos empresários com lucros etc.

RESUMO

ÓTICA DA RENDA SOMA DAS REMUNERAÇÕES DOS FATORES DE PRODUÇÃO

Ótica da despesa
Por fim, a mensuração do PIB pela ótica da despesa considera que, em contas nacionais,

capítulo 4 • 75
CONCEITO toda produção de bens e serviços é destinada para gasto corrente (con-
sumo) ou gasto em formação de capital (investimento).
PIB per capita A medida de PIB pode ser obtida, então, pela soma total dos gastos dos
É uma medida de renda média da po- agentes econômicos em consumo de bens e serviços e em investimento
pulação, bastante utilizada em compa- para ampliação de capacidade produtiva ou manutenção do equipamento.
rações entre países e regiões para se
classificar as economias segundo o RESUMO
grau de desenvolvimento. Também é
muito utilizada para avaliar o progresso
SOMA DOS GASTOS COM BENS DE
dos países ao longo do tempo. ÓTICA DA DESPESA CONSUMO FINAL E BENS DE INVESTIMENTO EM CAPITAL

Com base nesta primeira apresentação, podemos concluir que, em


contas nacionais:

RESUMO

PRODUTO RENDA DESPESA

A rigor, para que isso seja observado na prática, é necessário que a men-
suração pelas 3 óticas seja feita aos mesmos preços. Considere a ótica da
renda, que é a soma das remunerações. Sobre estas incidem impostos dife-
rentes dos que incidem sobre os bens e serviços transacionados no merca-
do. Assim, é necessário que ajustes em termos dos impostos sejam conside-
rados para se obter o mesmo valor do PIB por cada uma das 3 óticas.

PIB e PIB per capita

Uma das formas de se inferir sobre o padrão de vida da população de


um país é por meio do PIB per capita, obtido quando dividido o PIB
do ano pela população residente no mesmo período (considera-se a
população em 1 de julho).
Apesar de bastante divulgada, essa medida pode não ser considera-
da uma representação satis-
Será que um aumento no fatória do nível de qualida-
PIB (desconsiderando a de de vida, pois o conceito
inflação) implica que os de PIB, sendo uma medida
habitantes da Economia de valor agregado que resul-
ta da atividade produtiva,
estão mais ricos?
desconsidera, por exemplo,
o tempo gasto com o lazer. Assim, se as horas de lazer se reduzem, o
PIB pode aumentar, mas a qualidade de vida não.

76 • capítulo 4
EXEMPLO
Outra razão está ligada à medida estatística que o PIB per capita representa. O PIB per capita mede a ren-
da média da população. Por exemplo, suponha a população de um país composta por uma pessoa ganhan-
do R$2000,00 por ano, e nove ganhando R$100,00 por ano, que corresponde ao salário mínimo do país.
Observe que a renda média neste caso é de R$290,00 (R$2000,00+9*R$900,00)/10) e está bem acima
do salário mínimo, portanto, pode ser considerada elevada. Porém, claramente, a renda média está longe
de revelar alguma coisa sobre as condições de vida da maioria da população dessa Economia hipotética.

A Economia brasileira apresenta uma distribuição de renda muito concentrada, e, por-


tanto, o PIB per capita está longe de representar um padrão de vida típico do brasileiro. Isto
quer dizer, por exemplo, que países com rendas per capita piores do que a do Brasil podem
oferecer um padrão de vida melhor para sua população, se a sua distribuição de renda for
menos desigual. Esse tema será retomado no capítulo 6, com a apresentação do índice de
Gini e o índice de desenvolvimento humano (IDH).

REFLEXÃO
Mesmo com as limitações conceituais apontadas anteriormente, a taxa de crescimento do PIB per capita
é uma medida importante para qualificar o crescimento do PIB ao longo do tempo.

Observe na Tabela a seguir que a taxa de crescimento do PIB pode ser positiva, mas a
taxa de crescimento do PIB per capita, negativa, se o crescimento do produto da Economia
for inferior ao crescimento da população no ano.

Brasil: Taxa de crescimento real do PIB, população residente e PIB per capita %
PIB Pop. Residente PIB per capita
2001 1,3 1,5 -0,2
2002 2,7 1,5 1,2
2003 1,1 1,5 -0,3
2004 5,7 1,5 4,2
2005 2,9 1,4 1,5
2006 4,0 1,2 2,7
2007 6,1 1,1 4,9
2008 5,2 1,1 4,1
2009 (-)0,3 1,0 -1,3
Fonte: IBGE, Contas Nacionais, 2011.
Essa situação indica, possivelmente, que a taxa de desemprego aumentou ao longo
do período. Assim, sucessivos períodos de baixo crescimento do PIB podem significar
um empobrecimento da população de um país ou região. Observe também que o PIB de
um país pode cair e o PIB per capita aumentar, se a população estiver decrescendo mais
rápido do que a queda no PIB.

capítulo 4 • 77
CONCEITO Renda Nacional Bruta e demais agregados

Residência O PIB, como vimos, mede o esforço de produção em um país em deter-


Em linhas muito gerais, são conside- minado período de tempo. No entanto, a remuneração aos fatores de
rados residentes aqueles que têm seu produção correspondente ao esforço de produção (medida do PIB pela
foco de interesse econômico em um ótica da renda) pode não ficar no país, se a propriedade dos recursos
país ou região. Na prática, isto impli- produtivos for de não residentes.
ca que a produção de estrangeiros no Além do PIB e do PIB per capita, outro agregado de grande interesse é
Brasil conta no PIB, mas não na RNB. a Renda Nacional Bruta (RNB). Assim, o PIB de um país considera toda
A produção de brasileiros no exterior a produção em um território, independente da origem do recurso, e a
conta como PIB do país estrangeiro e RNB considera a remuneração à produção apenas aos residentes. Dessa
na Renda Nacional do Brasil. forma, para distinguir o conceito de PIB do de RNB, é necessário intro-
duzir a noção de residência.

CONCEITO EXEMPLO
Renda Disponível Bruta Por exemplo, suponha uma firma de engenharia brasileira que realize uma obra em
É a RDB que informa quanto os residen- país estrangeiro. Os pagamentos de rendas a brasileiros (salários, lucros) dessa firma
tes do país ou região, de fato, dispõem no exterior são contabilizados na conta da RNB do Brasil, porém não no PIB do Brasil.
para gastar em consumo final (conceito
importante para o modelo teórico ma- A regra para do PIB se chegar à RNB de um país é, primeiro, calcular
croeconômico, a ser visto mais adiante), a diferença, ou seja, o saldo entre os pagamentos de rendas recebidas do
no final de um período. exterior e o pagamento das rendas enviadas ao exterior. Em seguida, pro-
ceder ao ajuste da seguinte forma: se o saldo for positivo, ou seja, se o
país recebe mais recursos como renda do que paga, então se soma ao
PIB para se obter a RNB; se o saldo for negativo, ou seja, o país envia ao
exterior mais recursos como renda do que recebe, então subtrai-se do
PIB, e, neste caso, a RNB será menor do que o PIB.

REFLEXÃO
Esse é o caso do Brasil em quase toda sua história, assim como da larga maioria dos
países em desenvolvimento. Economias desenvolvidas, como a americana, ao con-
trário, apresentam RNB maior do que o PIB, pois o saldo das rendas líquidas (rendas
recebidas menos rendas enviadas) é positivo.

O agregado da renda nacional deve sofrer mais um ajuste para se de-


duzir a Renda Disponível Bruta (RDB). Assim, depois de feito o ajuste
no PIB para se obter a RNB, é necessário ainda considerar recebimentos
e pagamentos realizados a título de transferências unilaterais correntes,
entre residentes e não residentes, para se chegar à RDB.
São consideradas transferências correntes toda movimentação de
recursos entre pessoas (agentes econômicos) e países, sem contraparti-
da com o processo de produção (por exemplo, remessa e recebimento de
recursos entre governos e residentes, remessa de imigrantes para suas

78 • capítulo 4
famílias no país, doações, heranças etc.). Países ou regiões muito pobres CONCEITO
recebem muitas transferências, sendo, muitas vezes, esse fluxo monetá-
rio que movimenta a Economia local. Poupança Bruta
O conceito de Poupança Bruta revela
EXEMPLO o quanto da renda gerada pelo esfor-
ço produtivo da economia em um dado
Para dar um exemplo em relação ao efeito de transferências de renda em uma período não foi consumido imedia-
região, considere um município brasileiro muito pobre cuja maioria da população tamente, ou seja, não foi destinado a
receba transferência de renda do governo pelo programa Bolsa Família. Muito pro- gastos correntes.
vavelmente, os gastos de consumo das famílias nesse município, ou seja, o que mo-
vimenta a atividade de comércio, serão realizados em maior escala com os recursos
do Bolsa Família, e não com recursos gerados pela atividade produtiva da região.

Para dar outro exemplo, considere uma Economia ou região muito po-
bre, onde os jovens se achem sem perspectivas e decidam buscar melho-
res oportunidades em outro lugar, ou seja, que emigrem. Suponha ainda
que, uma vez estabelecidos em regiões mais ricas, comecem a ajudar suas
famílias que ficaram na região de origem (transferências entre pessoas). Da
mesma forma que no exemplo anterior, as ajudas financeiras enviadas cor-
respondem a transferências de renda, que irão influir no nível de consumo
das famílias recebedoras e nas despesas de consumo efetuadas na região.
Conhecidos os principais agregados de produto e renda, o SCN per-
mite calcular a Poupança Bruta da Economia no período. A Poupança
Bruta é obtida pela diferença entre a RDB e o Consumo Final. O resulta-
do dessa sequência de agregados, considerando a Economia de um país,
é chegar na medida da poupança como um resíduo, que é o que sobra
da renda disponível depois de descontados os gastos com o consumo.

RESUMO
Para fixar os conceitos vistos até agora, podemos escrever considerando a Econo-
mia de um país:

Valor dos consumos


PIB Valor da produção
intermediários

Soma das remunerações dos


RNB
fatores de produção pagas a residentes
Recursos disponíveis
Transferências para consumo final
RDB RNB
correntes (Famílias e
Administrações Públicas)

POUPANÇA
RDB menos Consumo (Famílias e Administrações Públicas)
BRUTA

capítulo 4 • 79
COMENTÁRIO A Poupança Bruta deve, por fim, ser comparada com o que foi gasto
para ampliar a capacidade de produção no futuro próximo, ou seja, com
Formação Bruta de Capital (FBC) a Formação Bruta de Capital (FBC).
A FBC é uma medida que expressa o Caso a Poupança Bruta seja maior do que a FBC, diz-se que a Eco-
montante de investimento em capital nomia é credora líquida em relação ao resto do mundo, pois gerou um
físico na economia. O montante da pou- excedente que pode emprestar a outras economias. Nesse caso, a Eco-
pança pode se situar acima ou abaixo nomia apresenta uma Capacidade Líquida de Financiamento. Caso con-
do montante da FBC. trário, Poupança Bruta menor que a FBC, a Economia deve absorver
poupança do resto do mundo, isto é, poupança externa, e diz-se que tem
uma Necessidade Líquida de Financiamento, estando, portanto, em uma
COMENTÁRIO posição de devedora líquida em relação ao resto do mundo.

Momentos de estabilidade RESUMO


No entanto, em momentos de turbulên-
cia nos mercados financeiros interna- Assim, podemos escrever:
cionais (como na crise financeira inter-
nacional de 2008), ou em momentos POUPANÇA CAPACIDADE DE
FBC
de instabilidade interna, a obtenção de BRUTA FINANCIAMENTO LÍQUIDO
financiamento externo pode vir condi-
POUPANÇA NECESSIDADE DE
cionada a exigências que implicam de- FBC
BRUTA FINANCIAMENTO LÍQUIDO
saceleração no crescimento e aumento
do desemprego.
A igualdade contábil entre poupança (interna + externa) e investi-
mento (FBC), considerando a origem da poupança, é especialmente im-
portante para a análise macroeconômica, pois revela a posição da Eco-
nomia em relação às demais do resto do mundo.
Economias que sistematicamente apresentam necessidade de ab-
sorver poupança externa (Necessidade de Financiamento Líquido), em
algum momento terão de empreender esforços adicionais no sentido
de gerar recursos na moeda do credor internacional para saldar seus
compromissos. Em momentos de estabilidade no cenário financeiro in-
ternacional, Economias com bom potencial de crescimento não devem
enfrentar dificuldades para honrar seus compromissos externos.
Em geral, durante crises ou turbulências, o país deve recorrer a organis-
mos financeiros internacionais. O mais importante deles é o Fundo Mone-
tário Internacional (FMI), que estabelece um programa de provimento de
recursos financeiros para a restauração do equilíbrio da Economia, mas
mediante a submissão do país a ajustes macroeconômicos rigorosos.

REFLEXÃO
Vale lembrar que países da América Latina, o Brasil inclusive, viveram, na década de
1980, experiências de elevado constrangimento externo que limitaram o seu cresci-
mento, e geraram profundos desequilíbrios manifestados em descontrole inflacionário.

80 • capítulo 4
Medindo as transações com o resto do mundo: Balanço de Pagamentos

Da mesma forma que as contas nacionais descrevem a Economia em determinado período,


os registros do Balanço de Pagamentos (BP) também permitem que se analise a dinâmica
da Economia. Isto porque, como já dissemos, a forma como a Economia se relaciona com
as demais Economias revela como se insere na Economia mundial.
Economias muito dependentes de poucos produtos de exportação e de produtos pri-
mários, por exemplo, são sujeitas a apresentar maior variação no crescimento do seu PIB,
pois o desempenho de sua Economia irá depender da demanda externa por seus produ-
tos, variável que foge ao seu controle.
Economias mais diversificadas e especializadas na exportação de bens de alto valor
agregado, exportadoras de tecnologia, são Economias que apresentam grau de desenvol-
vimento mais elevado, com uma população com melhor grau de escolaridade e, provavel-
mente, tendem a apresentar trajetória de crescimento mais estável, pois os ganhos gerados
pelo setor exportador tendem a ser maiores e menos instáveis.

RESUMO
Em poucas palavras, Economias ditas em desenvolvimento apresentam tendência a absorver poupança
externa, ou seja, uma contribuição do resto do mundo ao seu crescimento.

As contas do Balanço de Pagamentos são divididas em duas partes principais: Ba-


lanço de Transações Correntes e Conta Capital e Financeira, que são subdivididas em vá-
rias contas. Cada parte do Balanço de Pagamentos, assim como cada conta, pode apre-
sentar resultado positivo ou negativo. O importante é que, a cada período, no cômputo
geral dos registros do Balanço de Pagamentos, o país tenha gerado recursos suficien-
tes em moeda estrangeira para pagar seus próprios compromissos, e se gerou recursos
além do necessário para suas necessidades, pode emprestar a devedores internacionais
e/ou aumentar suas reservas internacionais.

ATENÇÃO
A primeira parte do BP é o Balanço em Transações Correntes, que apresenta todos os registros (fluxos)
que afetam diretamente a geração do produto (PIB) e da renda nacional (RNB) no período. Associado
como um fenômeno macroeconômico, o Balanço em Transações Correntes guarda uma relação estreita
com os grandes agregados das contas nacionais.

No Balanço de Transações Correntes destacamos três contas principais. As primei-


ras duas são: Balanço Comercial – o registro de exportações (vendas externas) e impor-
tações (compras externas) de bens e serviços; o Balanço de Rendas – corresponde ao
fluxo de pagamento de rendas de propriedade entre residentes (entradas de recursos,
ou seja, as rendas recebidas do exterior) e não residentes (saída de recursos, ou seja, as
rendas enviadas ao exterior).

capítulo 4 • 81
COMENTÁRIO EXEMPLO
Investimento direto Lembrando o exemplo citado previamente, se uma firma de engenharia brasileira
Essa modalidade de investimento im- presta serviço em outro país, o lucro auferido no empreendimento ao ser repa-
plica uma demonstração de interesse triado é lançado como uma entrada no Balanço de Rendas. Da mesma forma,
por parte do investidor em permanecer se uma empresa estrangeira envia para sua matriz o lucro auferido em território
no país por um período considerado nacional, é registrado como uma saída de recursos. Tradicionalmente, esta conta
longo. As demais rubricas de investi- é negativa no BP do Brasil.
mento registram o movimento financei-
ro de capitais de curto prazo, ou seja, Por fim, há a conta de Transferências Unilaterais Correntes, onde são
que não caracterizam um interesse de registradas todas as entradas e saídas de recursos sem contrapartida em
longo prazo entre o investidor e o tipo termos de produção no país.
de investimento realizado (ativo).
EXEMPLO
COMENTÁRIO Exemplo: remessa de imigrantes para suas famílias no país, ajudas governamentais
ou privadas na forma de doações a países que enfrentam uma catástrofe natural,
Capitais autônomos doações de instituições privadas e governos para causas humanitárias etc.
Os capitais autônomos são também
identificados com investimento de por- A Conta Capital e Financeira é subdividida em duas partes: a Con-
tfólio, ou seja, o investimento em títulos ta Capital, onde são registradas Transferências Unilaterais de Capital
e ações negociados no país. O fluxo (observe que se separam transferências correntes, registradas no Ba-
desses capitais no curto prazo, quando lanço de Transações Correntes, de transferências de capital, ou seja,
muito acentuado, pode fazer variar a de ativos de capital) e a Conta Financeira, que registra todo o fluxo
taxa de câmbio dos países (ver capítulo financeiro entre os países.
5 sobre a taxa de câmbio). Na Conta Financeira estão os registros de Investimento Direto
(capital de risco), como a abertura de filiais de empresas estrangei-
ras, por exemplo, ou aquisição de firmas já existentes, tanto por re-
sidentes (saída de recursos) como por não residentes (entrada de re-
cursos). Destacam-se nesta rubrica os investimentos em carteira, que
são investimentos em ações e outros títulos de renda fixa ou variável,
por exemplo.
Do conjunto de recursos financeiros registrados em um período
no BP, devem-se distinguir aqueles que são caracterizados como ca-
pitais autônomos, ou voluntários, isto é, entram no país, pois acham
o investimento atrativo financeiramente; os capitais compensatórios,
ou de regularização, sendo estes últimos constituídos pelas transa-
ções conduzidas pelos governos nacionais, com a finalidade de fazer
o acerto final do BP.
Na Tabela a seguir estão casos hipotéticos e simplificados para fixar
os conceitos. O objetivo é retratar situações diferentes das contas exter-
nas que devem levar a medidas de política econômica diferentes.

82 • capítulo 4
Principais contas do Balanço de Pagamentos (em US$ bilhões, em um período)
Caso I Caso II Caso III

Balanço Comercial (BC= X-M) 30 5 -10

•  Exportações de Bens e Serviços (X) 150 60 50

•  Importações de Bens e Serviços (M) (-)120 (-)55 (-)60

Transferências Unilaterais Correntes (TUR) (-)10 1 2

A. Balanço de Transações Correntes (BC + TUR) 20 6 -8

B. Conta Capital e Conta Financeira (TUC+ID+IC) 10 50 6

•  Transferências Unilaterais de Capitais (TUC) 0 1 0

•  Investimento Direto (ID) (-)25 25 2

•  Investimentos em carteira e demais (IC) 35 24 4

Saldo do Balanço de Pagamentos (A+B) 30 56 (-)2

O caso hipotético I apresenta uma Economia na qual o Balanço de Transações Correntes é


positivo em U$$20 bilhões. Esse resultado é obtido pelo saldo positivo do Balanço Comercial
(US$30 bilhões) e o saldo das Transferências Unilaterais Correntes negativo (US$10 bilhões).
Nesse caso, o país transfere mais recursos para o exterior (realizou muitas doações no
período, por exemplo) do que recebeu. A segunda parte do BP mostra que o país atrai capi-
tal de curto prazo (US$35 bilhões) e é um investidor líquido no exterior (saldo negativo de
US$25 bilhões). O resultado do BP, última linha, é positivo em US$30 bilhões, sinalizando
que o país acumulou reservas internacionais neste montante no período.

REFLEXÃO
Os registros do caso I apontam para uma Economia com uma posição folgada em termos das contas
externas, pois é capaz de gerar um saldo comercial expressivo e ainda atrair capital internacional. O saldo
positivo em transações correntes implica que esta Economia hipotética é uma credora internacional, ou
seja, é emprestadora de recursos a outras Economias.

O caso hipotético II apresenta uma Economia com saldo, em transações correntes, relativa-
mente baixo, comparado ao caso I (US$6 bilhões), porém a conta Capital e Financeira apresen-
ta expressivo saldo positivo (US$50 bilhões), pois a Economia atrai tanto capital de risco (Inves-
timento Direto no montante de US$25 bilhões) como capital de curto prazo (US$24 bilhões).

REFLEXÃO
Essa Economia exibe um resultado positivo de US$56 bilhões, aumentando o volume de reservas inter-
nacionais. Esta Economia é um caso intermediário em relação ao primeiro, pois acumula reservas interna-
cionais, mas às custas do capital de portfólio, isto é, de curto prazo, que pode deixar o país rapidamente,
podendo reverter a posição relativamente confortável do país.

capítulo 4 • 83
O caso hipotético III é o de uma Economia que no período registra saldo comercial ne-
gativo (- US$10 bilhões) e, mesmo com o maior saldo em termos de Transferências Unila-
terais Correntes em relação aos outros dois casos, tem um saldo negativo em transações
correntes (- US$8 bilhões).

REFLEXÃO
Nesse caso, a Economia deve financiar esse saldo com os movimentos financeiros da Conta Capital e Fi-
nanceira. Em comparação com o caso II, esta Economia atrai menos capital, relativamente, e assim, o saldo
do BP é negativo. Nesta situação, em que a saída de recursos externos no período foi superior à entrada,
a Economia deve desacumular reservas internacionais.

Tendo visto os dois principais sistemas contábeis de registro de estatísticas econômi-


cas, nosso próximo passo é introduzir conceitos teóricos de Macroeconomia que permitam
interpretar as informações estatísticas disponíveis.

Os determinantes do nível de produto e emprego


na Economia: conceitos de teoria macroeconômica
— Parte 2
A contabilidade nacional, assim como as demais estatísticas econômicas, oferece o insumo
principal para os especialistas analisarem uma Economia. Porém as estatísticas agregadas
não explicam como a Economia se move no curto prazo, apenas informam sobre o desem-
penho dos agregados. É necessário recorrer à teoria macroeconômica para entendermos
como variam os agregados macroeconômicos.
A primeira pergunta que fazemos é: o que determina o nível de produto (PIB) e sua varia-
ção no curto prazo (a taxa de crescimento do PIB, ou seja, flutuações de curto prazo)? Ou seja,
por que a Economia apresenta períodos em que cresce mais e outros em que cresce menos?
O que o crescimento do produto tem a ver com o crescimento do emprego? E da inflação?

Crescimento no curto prazo: flutuações do PIB

A Macroeconomia surge, nos anos 1930, como um ramo da Economia após a obra seminal
do economista inglês John Maynard Keynes, Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda,
como visto no capítulo 2. Nessa obra, Keynes apresenta o argumento de que Economias de
mercado não operam necessariamente no seu nível máximo todo o tempo, ou seja, podem
funcionar durante largos períodos de tempo em uma posição na qual recursos produtivos
são deixados ociosos, dentre eles, a mão de obra.

84 • capítulo 4
REFLEXÃO
A partir desta constatação, Keynes observou que o comportamento da Economia, para ser bem entendido,
necessitava de um instrumental analítico distinto da teoria microeconômica, o que ele se propôs a desenvolver.

Quando Keynes escreveu sua obra maior, o desemprego nas Economias desenvolvidas
era elevado e persistente, o que colocava um problema social grave, pois recursos produti-
vos ociosos sinalizam perda de bem-estar para a população. Por que um trabalhador, dis-
posto a trabalhar por qualquer remuneração, não encontra ocupação?

REFLEXÃO
A explicação oferecida por Keynes para a persistência do desemprego, e que responde a pergunta inicial, é
que o produto gerado em uma Economia de mercado em um período de tempo é determinado pelos gastos
que os agentes econômicos estão dispostos a fazer.

Quando empresas contratam, compram insumos, contraem empréstimos junto ao ban-


co para capital giro, em suma, iniciam o processo de produção, o fazem com uma expectativa
de atender a uma demanda e de auferir um lucro monetário. Em geral, as empresas acertam
em suas expectativas, mas podem também se desapontar, pois o resultado esperado depende
de muitas variáveis, que fogem ao controle de uma empresa ou agente individual.

ATENÇÃO
São os desencontros entre o que é esperado por agentes individuais e o que é realizado no agregado que
levam a flutuações no curto prazo na Economia.

Assim, Keynes colocou o foco da explicação da determinação do montante do PIB e de


sua variação no curto prazo na demanda agregada. A demanda agregada da Economia cor-
responde ao PIB medido pela ótica da despesa. Como vimos, pela ótica de despesa em con-
tas nacionais, podemos escrever:

PIB

GASTOS CORRENTES (DAS FAMÍLIAS E DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS COM CUSTEIO)

INVESTIMENTO (FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL PELAS EMPRESAS PÚBLICAS E PRIVADAS E ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS)

VENDAS PARA O EXTERIOR DE BENS E SERVIÇOS (EXPORTAÇÃO) MENOS AS COMPRAS DO EXTERIOR DE BENS E SERVIÇOS (IMPORTAÇÃO).

Aceitando-se essa explicação sobre a determinação do PIB de uma Economia, a próxima


questão de interesse é conhecer como se comportam os componentes da demanda agregada.

capítulo 4 • 85
COMENTÁRIO REFLEXÃO
Consumo das Famílias Lembre que este é o objeto de estudo da Macroeconomia — explicar flutuações de
Em teoria, o consumo das famílias de- curto prazo — e, ao se observar que nem sempre a Economia é capaz de ocupar seus
pende, dentre outros fatores, da renda recursos produtivos permanentemente, cabe aos gestores de política econômica in-
disponível. Lembre-se que já vimos que, tervir para promover ajustes que levem a um crescimento forte e sustentável, com
pelas contas nacionais, a Poupança Bru- vistas a aumentar o bem-estar da população.
ta é obtida subtraindo-se do agregado
RDB os gastos com consumo corrente Vamos observar o quadro a seguir, que apresenta a distribuição em
(Famílias e Administrações Públicas). percentual dos dados da demanda agregada, segundo as contas nacio-
nais do Brasil para três anos. As informações exibem o quanto cada
componente da demanda agregada contribuiu para o PIB.
COMENTÁRIO
Brasil: Participação percentual dos componentes da demanda agregada no PIB
Administrações Públicas (2010-2012)
O Consumo das Administrações Públi-
Anos 2010 2011 2013
cas corresponde à produção de bens e
serviços que são disponibilizados para Consumo das Famílias 59.6 60.3 62.6

a população pelo governo, como ser- Consumo das Administrações


21.1 20.7 21.3
viços de educação, saúde, segurança Públicas
pública, defesa, justiça etc. Para dar Formação Bruta de Capital 20.2 19.7 17.5
conta destas despesas, o governo ar-
Exportações Líquidas (Exportações
recada impostos. Os impostos reduzem -1.0 -0.7 -1.4
menos Importações
a renda disponível das famílias e em-
PIB 100.0 100.0 100.0
presas para gasto.
Fonte: IBGE, Contas Trimestrais.
O Consumo das Famílias é sempre a parcela de maior peso da de-
manda agregada dos países. No caso do Brasil, no período observado,
esteve em torno de 60%. As exportações líquidas no período (penúltima
linha) tiveram uma contribuição negativa na formação da demanda
agregada, pois as importações foram maiores do que as exportações.
O peso desta parcela no PIB brasileiro não é muito alto (importa-
ções). O Brasil, com sua extensão continental, tem no mercado interno,
em contraposição ao mercado externo, sua principal fonte de demanda
agregada. Isto não quer dizer que a demanda externa não seja importan-
te, pois como vimos na seção sobre Balanço de Pagamentos, é do setor
externo que o país obtém recursos em moeda estrangeira para honrar
compromissos em moeda externa. Porém, no caso do Brasil, não é a de-
manda externa que puxa o crescimento na maior parte do tempo.
O percentual das Administrações Públicas permaneceu relativamen-
te estável, em torno de 20% no período. Por fim, a Formação Bruta de
Capital, que representa o investimento em acumulação de capital na
Economia, na média, ficou abaixo de 20%.
Mesmo o Consumo das Famílias sendo o componente de maior
peso, não é ele quem mais explica as flutuações do PIB no curto prazo.

86 • capítulo 4
A variável chave neste caso é a Formação Bruta de Capital, associada ao investimento em
estoque de capital.

ATENÇÃO
Esse componente da demanda agregada corresponde a um tipo de gasto que é mais sensível às expecta-
tivas dos agentes (firmas, bancos e instituições financeiras em geral, e o público), pois pode ser adiado ou
antecipado, de acordo com as perspectivas percebidas sobre o futuro desempenho da Economia. Esta ca-
racterística o difere dos gastos de consumo, por exemplo, que podem flutuar, mas tendem a ser mais rígidos.

O gráfico a seguir mostra como as variações do PIB de um ano para outro acompa-
nham de perto as variações na Formação Bruta de Capital. Mais do que isso, observe que
quando a evolução da Formação Bruta de Capital é positiva (acima da linha do zero), a
variação do PIB é sempre positiva. O inverso nem sempre é verdadeiro, pois os outros
componentes podem segurar a variação positiva do PIB, quando a Formação Bruta de
Capital fica abaixo da linha do zero.

Brasil: Taxa de variação do PIB e da Formação Bruta de Capital (FBC) – 1971-2012

PIB FBC

Fonte: IBGE, Contas Nacionais, Apud, Ipeadata.

REFLEXÃO
Na década de 1970, o PIB brasileiro cresceu muito, impulsionado pelo investimento. Compare com os
anos 2000, quando a variação da Formação Bruta de Capital apresenta resultados negativos (abaixo
de zero) em muitos anos, e a variação do PIB registra percentuais de crescimento mais baixos, com-
parativamente aos anos 1970.

Assim, as informações anteriores oferecem uma pista para entender o comportamento


dos componentes da demanda agregada: os gastos em consumo, apesar de serem os de
maior peso, não são os que tendem a apresentar maior variação. O investimento, medido
pela Formação Bruta de Capital, por sua vez, confere dinamismo ao PIB no curto prazo.

RESUMO
Conclusão: como o investimento é sensível em relação às expectativas sobre oportunidades de lucro dos
investidores, se as perspectivas de crescimento da Economia são percebidas como boas, então as empre-
sas investem mais, os bancos disponibilizam mais crédito, o país atrai mais capital externo para investimen-
to, e mais emprego é criado, gerando o pagamento de mais salários, o que impacta, consequentemente

capítulo 4 • 87
COMENTÁRIO em mais gastos de consumo. Enquanto a Economia mantiver o clima de otimismo, a
expansão do PIB se sucede a cada período. É o investimento que dá o impulso para
Exportações o crescimento, e o consumo propaga o impulso inicial pela Economia como um todo.
As exportações têm também a impor-
tante função de gerar divisas externas, É possível que, em determinado momento, uma Economia com um
necessárias para cobrir os gastos com baixo crescimento e ociosidade de recursos produtivos venha a ter um im-
importações e para saldar compromissos pulso inicial para crescer, provocado pelo aumento do consumo (por exem-
em moeda externa, como já mencionado. plo, uma política de crédito ao consumo a taxas de juros mais baixas, e/ou
um aumento do salário mínimo mais generoso) acima do investimento.
Contudo, para a dinâmica do crescimento ser sustentável ao longo
do tempo, em algum momento no futuro próximo, a formação de capital
tem de se expandir mais para atender à demanda maior por consumo.

EXEMPLO
Veja o exemplo da Economia brasileira depois da crise financeira internacional de
2008, quando em 2009, o PIB registrou queda de (-) 0,3% e em 2010, por força de
fortes incentivos do governo para a população gastar e o próprio governo expandir
seus gastos, a Economia cresceu 7,5%. No entanto, nos anos seguintes, como o
investimento não respondeu positivamente, as taxas de crescimento do PIB foram
pífias (2,7% em 2011; 0,9% em 2012%; 2,3% em 2013).

Observe que as exportações também têm a função de indutora do


crescimento. Isso porque a demanda do resto do mundo por bens e
serviços produzidos por um país também cria oportunidades novas
de expansão dos negócios, o que abre a perspectiva de criação de
novos empregos, geração de mais renda, e consequentemente mais
consumo, e assim por diante.
Resta comentar sobre os gastos de consumo das administrações
públicas. Os bens e serviços ofertados pelo governo, por definição, não
são produzidos com o objetivo de auferir lucro. Assim, bens e serviços
públicos não são vendidos no mercado. Para cobrir as despesas com a
produção dos bens e serviços públicos, o governo arrecada impostos da
população. Dentro da lógica da demanda agregada, a atuação do gover-
no implica dois movimentos em sentidos contrários.

REFLEXÃO
Quanto mais o governo gastar, ou seja, empregar trabalhadores, comprar insumos,
contratar serviços de terceiros, mais recursos estará injetando na Economia, e, as-
sim, produzindo um impulso para o PIB crescer. Quanto mais o governo arrecadar
de impostos, mais estará retirando do setor privado, e, se não destinar os recursos
arrecadados para gastos na mesma proporção, sua atuação estará sendo no sentido
de reduzir a demanda agregada.

88 • capítulo 4
A recomendação da Macroeconomia keynesiana é de que o governo COMENTÁRIO
administre seus gastos acompanhando o que acontece no setor privado
da Economia. Se a Economia está muito aquecida, crescendo muito rá- Desemprego
pido, a recomendação é que o governo seja mais comedido em suas des- Há uma vasta literatura que estuda o de-
pesas para não superaquecer a Economia, que, como veremos no último semprego do ponto de vista microeconô-
item deste capítulo, tem consequências sérias sobre o nível de preços. mico, ou seja, no âmbito do mercado de
O volume de arrecadação de impostos deve aumentar em uma con- trabalho. Em Keynes, o mercado de tra-
juntura de crescimento rápido. Se a Economia está com excesso de re- balho não se equilibra como o mercado
cursos ociosos, com baixo crescimento, o governo deve aumentar seus de produto. Para uma discussão sobre o
gastos e reduzir os impostos para dar um impulso ao crescimento. equilíbrio em mercado de concorrência,
ver capítulo 3.
RESUMO

Em suma, a atuação do governo deve ser para contrabalançar, compensar tendências


de mercado no curto prazo. Acredita-se que suavizando as flutuações econômicas, o
governo estará contribuindo para aumentar o bem-estar da população (ver capítulo 5).

Ao introduzirmos a atuação do governo, devemos chamar a atenção


para o fato de que a gestão das contas públicas, assim como da moeda e da
inflação, mexem com as expectativas dos investidores, e, portanto, é uma
área sensível da administração da política econômica. Como já dissemos, o
investimento, parcela mais importante a explicar a flutuação do PIB, é mui-
to sensível às expectativas sobre o futuro desempenho da Economia.

Emprego e desemprego

A análise da Macroeconomia pela ótica da demanda agregada, como


explanado acima, estabelece uma relação clara entre a geração de pro-
duto e renda e a criação de emprego. O produto para crescer, em algum
momento, irá aumentar a demanda por mão de obra. Ressaltamos o em
algum momento, pois o ajuste do emprego passa também pelo ajuste das
horas trabalhadas.
Contudo, é claro perceber que há um limite superior para o aumento
das horas trabalhadas.

RESUMO
Assim, dado esse ajuste, o aumento do produto deve se manifestar em aumento de
emprego. Por sua vez, a queda no produto, dado um ajuste das horas trabalhadas,
deve se refletir em queda no emprego.

Feita esta ressalva, identificamos que o problema do desemprego na


Economia pode ser entendido como um problema macroeconômico, ou
seja, um problema de insuficiência de demanda agregada.

capítulo 4 • 89
CONCEITO Como se mede o desemprego? Para se chegar a uma medida de de-
semprego é necessário calcular primeiro a população em idade de tra-
Força de trabalho balhar, ou seja, do total da população exclui-se quem não está em idade
Define-se como força de trabalho de de formação escolar básica (abaixo de 14 anos, pela nova pesquisa do
uma economia o contingente de pes- IBGE), os idosos, incapacitados ao trabalho etc. Desse conjunto retira-se
soas em idade de trabalhar e disponível a força de trabalho (FT).
para o trabalho. Da FT, então, calcula-se A medida da taxa de desemprego, ou taxa de desocupação, é a pro-
quantos estão efetivamente trabalhando porção das pessoas que não estavam ocupadas (mas que procuraram
em uma data (pessoas com ocupação — emprego nos últimos 30 dias em relação à data da entrevista) sobre o
PO) e quantos desejam trabalhar, mas total da FT. A grosso modo, podemos afirmar que a população ocupa-
não encontram ocupação (pessoas de- da dá uma medida da demanda por trabalho e a FT, uma medida da
socupadas — PD). Até a reformulação oferta de trabalho.
recente das pesquisas de emprego iden-
tificava-se força de trabalho como popu- RESUMO
lação economicamente ativa (PEA).

(PESSOAS DESOCUPADAS/PESSOAS
TAXA DE DESOCUPAÇÃO (%)
NA FORÇA DE TRABALHO)*100

As pesquisas empíricas sobre o comportamento do mercado de tra-


balho classificam vários tipos de desemprego, sendo a taxa de desocu-
pação a de maior interesse, pois revela quantos estavam procurando
emprego em um determinado período e não encontraram colocação,
mesmo aceitando uma remuneração menor.
Observe que, ao falarmos em taxa de desemprego ou de desocupação,
nada dissemos sobre a qualidade do emprego, ou seja, se com ou sem car-
teira assinada, por exemplo, ou quanto ao número de horas trabalhadas.

REFLEXÃO
Assim, um trabalhador que não seja formalizado, mas se declare trabalhando,
mesmo que poucas horas por semana, não é considerado desempregado, apesar
de estar em uma posição precária de trabalho e, possivelmente, com uma remu-
neração mais baixa do que um trabalhador formal (com carteira assinada), com
os direitos trabalhistas assegurados.

A análise da evolução da taxa de ocupação e desocupação deve levar


em conta também a evolução da remuneração média da população em-
pregada. Considere que a taxa de desocupação esteja caindo e a evolu-
ção do rendimento médio da população empregada não esteja subindo
muito. É possível que o tipo de emprego que esteja aumentando seja o
de pior qualidade em termos de proteção social. Outra situação pode ser
a de que o aumento no emprego esteja ocorrendo mais entre jovens, que
por terem menor experiência, entram no mercado de trabalho receben-
do uma remuneração mais baixa.

90 • capítulo 4
Na visão da Macroeconomia, os movimentos no mercado de traba- COMENTÁRIO
lho afetam os agregados macroeconômicos de várias maneiras. Por um
lado, o nível de emprego está associado a um nível de renda, que é im- Crescimento da Economia
portante para explicar o comportamento do consumo das famílias, um Há muitas outras fontes de restrições
dos componentes da demanda agregada. Logo, podemos dizer que em- de crescimento no curto prazo. Uma
prego gera renda, que gera demanda agregada. Por outro lado, o nível bastante importante, que não será trata-
de emprego também explica o quanto da força de trabalho está sendo da aqui, refere-se à restrição de Balanço
ocupada, e quanto mais perto da ocupação plena, maior deve ser a pres- de Pagamentos.
são por aumento de salários.
Uma consequência do nível de ocupação estar perto do limite do ple-
no emprego é que gera pressão de custo de produção. Desta forma, o COMENTÁRIO
esgotamento da oferta de trabalho, se por um lado aquece a demanda
agregada, também coloca uma pressão sobre o crescimento da Economia, Inflação
que é a escassez de recursos no curto prazo. Em geral esta pressão se Ela se torna um problema não só prá-
transforma em aumento no nível de preços, ou seja, inflação, nosso últi- tico, sentido por toda a população, que
mo tópico neste capítulo. vê, no dia a dia seu poder de compra
diminuir, mas também um problema te-
órico, na medida em que a teoria eco-
O que determina os preços, sua variação, e sua relação nômica entende que preços traduzem o
com a moeda valor de troca entre os bens e serviços,
ou seja, os valores relativos das merca-
A inflação é definida como sendo um aumento contínuo, generalizado dorias e serviços.
e desigual do nível geral de preços, ou seja, uma perda progressiva do
poder de compra da moeda (é este o sentido de imposto inflacionário).
Em uma Economia com inflação é necessário cada vez mais moeda para
se comprar a mesma quantidade de bens e serviços.
Como dito no início da seção, na inflação o processo de subida de
preços não se verifica em todos os bens e serviços ao mesmo tempo
nem na mesma proporção. Em determinado momento, alguns preços
podem ter subido, mas outros ainda não. Com isso, a relação entre os
preços, que é a fonte de informação mais relevante para o cálculo eco-
nômico em uma Economia de mercado, fica completamente distorcida.
Como saber que uma cadeira deve custar menos que uma mesa
feita do mesmo material, no mesmo período, se o preço da cadeira ti-
ver subido antes do preço da mesa? Essa distorção atrapalha o cálculo
econômico dos agentes, interferindo em suas decisões sobre o quanto
produzir, o quanto cobrar por um produto, o quanto exigir de remune-
ração, o quanto gastar etc.

ATENÇÃO
Mais problemáticas ainda são as decisões de investimento, que por envolver maior
planejamento, com um horizonte de tempo mais longo, podem ter o cálculo de viabi-
lidade econômica muito prejudicado.

capítulo 4 • 91
COMENTÁRIO Enfim, a inflação persistente é um problema grave em Economias
de mercado, e na medida em que corrói o poder de compra das pessoas,
Moeda impõe custos sociais elevados, principalmente à população mais caren-
Define-se moeda como qualquer coisa te. Não raro, quando a inflação atinge patamares muito elevados e não
aceita generalizadamente para interme- retrocede, um período de convulsão social pode eclodir. A história eco-
diar as trocas. A moeda é uma conven- nômica registra vários casos.
ção social, ou seja, aceita-se moeda em
troca do que se produz porque se acre-
dita que os demais membros da socie- O que é moeda, as funções da moeda, moeda e inflação
dade a aceitarão também em troca dos
seus bens e serviços. Como a inflação é um fenômeno monetário, é importante esclarecer o
que é a moeda e quais as suas funções. Define-se moeda como qualquer
coisa aceita generalizadamente para intermediar as trocas.
CONCEITO A moeda cumpre, basicamente, três funções: unidade de medi-
da (ou de conta), meio de troca (ou de pagamento) e reserva de valor.
Teoria quantitativa da moeda Como unidade de medida, a moeda, sendo um referencial comum
A TQM estabelece uma relação entre o para o estabelecimento do valor dos bens e serviços, permite a avalia-
lado monetário da Economia (poder de ção do valor relativo de uns em relação aos outros (preços relativos).
compra) e o lado real da Economia (dis- Como meio ou intermediário de trocas, a moeda é um facilitador para
ponibilidade de bens e serviços). Trata- as trocas. Por fim, como reserva de valor, a moeda, ao separar a ope-
se de uma equivalência entre o fluxo de ração de venda da operação de compra, dá ao seu detentor um direito
bens e serviços produzidos em um de- sobre a posse futura de bens e serviços.
terminado período de tempo (PIB a pre-
ços de mercado) e o montante de recur- REFLEXÃO
sos monetários disponível (quantidade
de moeda em circulação na Economia). Em processos inflacionários crônicos, os agentes procuram se livrar rapidamente da
posse da moeda, exatamente porque ela deixa de cumprir, inicialmente, as funções
de reserva de valor e de unidade de conta; em casos mais graves, de meio de troca.

Em hiperinflação, quando há fuga da moeda, o registro histórico é o


de que os agentes econômicos passam a usar outra moeda, seja para de-
nominar o valor dos bens e serviços ou para fazer transações; ou trocam,
imediatamente, moeda por mercadoria ou por outra moeda (estrangei-
ra ou indexada), como forma de reter valor.
A teoria mais antiga sobre a causa da inflação atribui a alta con-
tínua de preços a um excesso de moeda em circulação na Economia.
Esta teoria é conhecida como teoria quantitativa da moeda — TQM
(ver também capítulo 5), e tem sua origem mais formalizada desenvol-
vida no século XVIII.
O que a teoria estabelece é que, para a expansão da moeda de paga-
mentos ser a causa da inflação, supõe-se que a Economia está produzin-
do no seu limite máximo, ou seja, a geração do PIB impõe o uso de to-
dos os recursos produtivos disponíveis (ou algo próximo a isso). Se isso
é verdade, então um aumento de moeda em circulação, que é atribuição
do governo, deve ser destinado à compra de bens e serviços (aumento da

92 • capítulo 4
demanda agregada), que, na impossibilidade de ser expandida no curto COMENTÁRIO
prazo, provoca alta nos preços.
Uma decorrência lógica do raciocínio anterior é que a expansão Moeda é neutra
monetária não tem nenhuma influência sobre o nível de produto em Nesse caso, a moeda teria apenas a fun-
volume da Economia (PIB a preços constantes). Se o aumento na oferta ção de facilitar as trocas e de servir para
de moeda levasse a um aumento proporcional do PIB em volume, não se fixarem os preços em uma unidade
haveria inflação, supondo que os preços podem se ajustar livremente. comum de valor. Esta hipótese é asso-
Só haverá inflação se o aumento da demanda agregada, oriundo de um ciada à escola de pensamento macroe-
aumento na quantidade de moeda em circulação, prevalecer sobre o conômico conhecida como monetarista,
aumento do produto. e tem em Milton Friedman seu maior ex-
O controle da quantidade de moeda em circulação é responsabilidade poente, como visto no capítulo 2.
do governo, através de suas instituições, sendo a mais importante o Banco
Central. O Banco Central dispõe de diversos instrumentos de política mo-
netária para injetar e retirar moeda de circulação (ver capítulo 5).

REFLEXÃO
Aqui vale uma menção ao que já foi dito no item de equilíbrio fiscal: como o governo
pode se endividar junto ao público e é também emissor de moeda, é importante
que seu endividamento não provoque pressão inflacionária (emitir moeda para cobrir
despesas públicas). Neste sentido, o endividamento deve ser financiado através da
emissão de títulos da dívida pública.

Se a única consequência do aumento da oferta de moeda for a eleva-


ção dos preços, não havendo nenhum efeito sobre o lado real da Econo-
mia (produção de bens e serviços), diz-se que a moeda é neutra.
Entretanto, se supusermos que a Economia pode funcionar com
recursos ociosos, como é a hipótese de Keynes, os efeitos de uma ex-
pansão da moeda na Economia podem ter impacto no lado produti-
vo, pois pode dinamizar a demanda agregada, que, como vimos, pro-
move a contratação de mão de obra e, consequentemente, aumenta a
oferta de bens e serviços.
Indo mais além, Keynes viu também que os agentes econômicos,
para se defenderem em relação ao futuro desconhecido, podem reter
moeda (e não gastá-la), o que reduz a demanda agregada da Economia.
Esta possibilidade amplia muito os efeitos da moeda sobre a Economia,
e neste caso ela é considerada não neutra.

RESUMO
Em resumo, deve ficar claro que a inflação é um fenômeno monetário. Aumentos
na oferta de moeda acabam por elevar os preços. Porém, a oferta de moeda é
causa ou consequência da inflação? Não há consenso sobre este ponto entre os
economistas. Entretanto, em relação aos efeitos da inflação, o entendimento hoje
entre analistas econômicos é que há também sobre o lado real da Economia, ou

capítulo 4 • 93
seja, o aumento da oferta de moeda pode estimular a atividade econômica, podendo provocar ao mesmo
tempo, crescimento e inflação.

Inflação ou desemprego: o dilema de Economias modernas

As relações entre a taxa de crescimento dos preços e a taxa de ocupação de mão de obra
(que se relaciona com o nível de atividade da Economia, ou seja, com o nível de produto,
conforme mencionado no início do item sobre emprego e desemprego) sempre foram ob-
jeto de muita discussão, isso porque nem sempre são conciliáveis os objetivos de controle
inflacionário e manutenção de elevado nível de emprego.
Na década de 1950, em um trabalho empírico desenvolvido para verificar as relações
historicamente observáveis entre taxa de desemprego e taxa de inflação, na Inglaterra, ob-
servou-se o que ficou posteriormente denominado de Curva de Phillips, ou seja, uma rela-
ção inversa entre taxa de inflação e taxa de desemprego.
Isso significa que taxas mais altas de inflação estavam associadas a taxas menores de
desemprego, e taxas mais baixas de inflação, a maior volume de desemprego. Muitas inter-
pretações foram apresentadas para explicar esse fenômeno.
Uma interpretação, ligada aos monetaristas, coloca ênfase na pressão de demanda que
aumentos salariais impõem no curto prazo. Na inflação de demanda, os preços sobem
quando o poder de compra (demanda) é maior do que a disponibilidade de bens e serviços.

REFLEXÃO
Fatores que podem fazer aumentar a demanda agregada incluem excesso de moeda em circulação, re-
dução de impostos, aumento de gastos públicos e aumento de empréstimos aos consumidores. A proba-
bilidade de inflação de demanda aumenta quanto mais próxima do pleno emprego a Economia estiver,
porque não se pode aumentar substancialmente a oferta de bens e serviços a curto prazo.

Uma interpretação mais ligada à escola keynesiana coloca ênfase nas pressões dos di-
versos tipos de custos de produção, dentre eles, o custo do salário. Assim, no caso da infla-
ção de custo, os preços sobem pelos seguintes motivos: aumentos salariais acima da produ-
tividade, resultantes de escassez de mão de obra ou pressão de sindicatos fortes, aumento
de custo das matérias-primas (encarecimento das importações em razão da desvalorização
da moeda ou um aumento nos preços das commodities) etc.

REFLEXÃO
A inflação de custos tem como causas as condições de oferta de bens e serviços na Economia, ou seja,
o nível de demanda permanece o mesmo, mas os custos de certos insumos importantes aumentam e eles
são repassados aos preços dos produtos.

Vemos assim que o processo inflacionário, independente de sua origem, resulta em


um conflito distributivo, ou seja, resulta de pressões dos vários grupos de agentes eco-

94 • capítulo 4
nômicos atuando na Economia para garantir seu poder de compra. Aqueles grupos que,
por sua inserção na estrutura produtiva, têm maior poder de barganha, conseguem ga-
rantir um poder de compra em termos de bens e serviços maior do que aqueles com
menor poder de barganha.

EXEMPLO
Veja, por exemplo, o caso de uma empresa que seja a única fornecedora de um produto essencial. O seu
poder de mercado lhe permite reajustar o preço de seu produto acima dos seus custos de produção, por
exemplo, e com isso ela consegue auferir uma margem de lucro maior. O mesmo ocorre com categorias de
trabalhadores mais bem organizadas do que outras, só para citar poucos exemplos.

Na prática se reconhece que múltiplas causas atuam ao mesmo tempo para gerar o pro-
cesso inflacionário da Economia a cada momento.

Como medir a inflação

Como mencionado na parte um deste capítulo, se existe inflação, precisa-se fazer uma
distinção fundamental entre valores nominais (ou a preços correntes) e valores reais
(ou a preços constantes). Isso porque, para se acompanhar estatísticas econômicas ao
longo do tempo, é importante distinguir os efeitos da inflação e as mudanças no nível
real da atividade econômica.
Valores a preços de mercado, ou preços correntes, ou ainda na denominação preços
nominais, incluem o efeito da inflação. Estatísticas em volume, preços constantes ou ainda
na denominação de preços reais, excluem as influências inflacionárias. Como isso é feito?

ATENÇÃO
A prática de deflacionamento, ou seja, excluir a variação de preços, implica se dispor de um índice de
preços que permita se descontar a variação dos preços da estatística em valores correntes. Os índices de
preço mais utilizados pelos países são os índices de preço ao consumidor. No Brasil, a inflação oficial é
medida pelo IPCA — Índice de Preço ao Consumidor Ampliado, divulgado mensalmente pelo IBGE.

Muito sucintamente, pode-se descrever um índice de preço ao consumidor como sendo


um índice que revela a evolução média de preços de um conjunto de bens típicos de con-
sumo de uma família representativa de uma localidade. Para se chegar à construção desse
índice, muitas etapas devem ser percorridas.
Inicialmente, é necessário um levantamento periódico junto às famílias para se coletar
informação sobre sua cesta de consumo; em seguida, investigam-se os locais de compra e,
por fim, procede-se ao levantamento mensal dos preços dos bens da cesta de consumo nos
locais de consumo selecionados.
Para finalizar este capítulo, selecionamos uma leitura e uma provocação ao final, para
você aplicar alguns dos conhecimentos obtidos aqui.

capítulo 4 • 95
ATIVIDADE
Como calcular a sua inflação
Cada pessoa pode calcular sua própria inflação comparando o quanto os preços de sua cesta de consumo
variam, em média, ao longo do tempo. O primeiro passo é listar os gastos com todos os bens e serviços
consumidos (especificando as quantidades) em um período de tempo de referência. Some o que foi gasto
neste período e calcule a participação percentual de cada item no total de gastos. Assim, obtém-se o peso
de cada item de consumo que representa a sua importância relativa em relação aos demais. A cada mês,
acompanhe como tem variado o gasto (supondo a mesma quantidade consumida) de cada item. Por exem-
plo, suponha que seus gastos se dividam em aluguel (50% das despesas), alimentação (30%) e despesas
diversas (20%). Suponha agora que o aluguel aumente 10% e os itens de alimentação também aumentem
10%. O que pesa mais no seu bolso? Claro que é o item de aluguel, pois é o de maior peso. De quanto
aumentou sua inflação, supondo que o item de despesas diversas não sofreu aumento? Basta multiplicar a
variação de preço de cada item pelo peso correspondente e somar: 0.5*0.1+0.1*0.1+0.1*0=0.06, ou 6%.

Compare esse resultado com o aumento da sua renda e avalie se você está tendo ganho ou perda
de poder de compra em relação ao período de referência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FEIJO; RAMOS (org). Contabilidade social: a nova referência das contas nacionais do Brasil, 4ª ed. São Paulo:
Campus-Elsevier, s/d.

96 • capítulo 4
5 Políticas
Macroeconômicas

fernando carlos lima


5 COMENTÁRIO
Políticas Macroeconômicas

Política macroeconômica: definição e


Objetivo
objetivos
Os objetivos finais das políticas ma-
croeconômicas incluem a obtenção de Políticas macroeconômicas são medidas adotadas pelo governo com
taxas de crescimento econômico ele- o objetivo de atingir determinadas metas conjunturais, relacionadas a
vadas, baixas taxas de inflação, baixo agregados macroeconômicos como a renda nacional, taxa de inflação,
nível de desemprego, balanço de pa- nível de desemprego, balanço de pagamentos, entre outros.
gamento equilibrado, contas públicas Os meios utilizados para atingir tais objetivos são, principalmente,
equilibradas etc. alterações em variáveis macroeconômicas, como taxa de juros (política
monetária), taxa de câmbio (política cambial) e gastos públicos (política
fiscal). Através dessas alterações, as autoridades esperam reduzir as flu-
tuações cíclicas que são típicas das economias capitalistas.

REFLEXÃO
Nesse sentido, as políticas macroeconômicas analisadas neste capítulo são distintas
das políticas econômicas de caráter setorial (política industrial, política agrícola, po-
lítica salarial etc.) e daquelas de caráter regional, cujos horizontes temporais são de
prazo mais longo, como você verá no Capítulo 6.

Os economistas acreditam que, quando a Economia está crescendo


a taxas consideradas excessivamente elevadas, crescem as pressões in-
flacionárias, entre outras razões, porque aumenta o nível de emprego,
como explica a curva de Philips (Cap.4); nesses momentos, o governo
adota políticas macroeconômicas contracionistas.
Por outro lado, quando a Economia encontra-se em recessão, ou
mesmo com ritmo de crescimento abaixo daquele considerado adequa-
do — e, portanto, quando o nível de emprego cai —, o governo adota
políticas macroeconômicas expansionistas.
Destacaremos três tipos de política macroeconômica adotados em
economias como a brasileira: política monetária, política cambial e po-
lítica fiscal. Em cada uma delas dois aspectos serão realçados:

ATENÇÃO
Aspecto 1 – A impossibilidade de atingir todos os objetivos finais ao
mesmo tempo
De fato, os objetivos podem ser contraditórios. Talvez o exemplo mais discutido no
Brasil seja o da determinação da taxa de juros: a autoridade monetária eleva a taxa

98 • capítulo 5
de juros quando entende que deve conter pressões inflacionárias; por outro lado, quando reduz a taxa de
juros, alguns analistas econômicos apontam para o impacto positivo da medida em termos de crescimento
da Economia e melhoria do nível de emprego, enquanto outros economistas mostram preocupação com o
futuro comportamento da inflação.

Portanto, em linhas gerais, os economistas concordam com a ideia de que uma elevação
da taxa de juros ajuda no combate à inflação, mas representa um entrave ao crescimento
econômico e vice-versa. Como veremos neste capítulo, o mesmo tipo de discussão se aplica
a mudanças na taxa de câmbio e nos gastos do governo.

ATENÇÃO
Aspecto 2 – Interdependência entre as políticas macroeconômicas em razão dos efeitos
de um tipo de política sobre mais de uma variável
Um caso clássico é o da escolha de regime cambial e a política monetária adotada pelo Banco Central
(BC). Por exemplo, a opção por um regime de taxa de câmbio fixo semelhante ao adotado no Brasil, duran-
te a primeira fase do Plano Real (1994-1998), significa atrelar a política monetária — isto é, as decisões
quanto à determinação da taxa de juros básica — ao comportamento do mercado de câmbio, como será
explicado mais adiante neste capítulo.

Política monetária: definição e objetivos


Política monetária é o conjunto de medidas que podem ser adotadas pelas autoridades
monetárias (geralmente, o Banco Central) com objetivo imediato de controlar a oferta
de moeda, de alterar a taxa de juros praticada no mercado financeiro e de restringir ou
expandir o crédito bancário.

ATENÇÃO
O aumento da oferta de moeda, a redução da taxa de juros e a expansão do crédito, que geralmente
ocorrem concomitantemente, representam um aumento da liquidez, ou seja, uma política monetária expan-
sionista. Por outro lado, o aperto de liquidez ocorre quando o Banco Central atua no sentido de reduzir a
oferta de moeda, elevar a taxa de juros e restringir o acesso ao crédito bancário, significando uma política
monetária contracionista.

Essas medidas visam atingir em particular dois objetivos últimos: crescimento econô-
mico mais acelerado e taxa de inflação mais baixa. Entretanto, como mencionado anterior-
mente, considera-se que tais objetivos sejam conflitantes, ou seja, que a política monetária
deva ser orientada no sentido de obter maior crescimento ou menor taxa de inflação, de
acordo com as oscilações da conjuntura econômica.

capítulo 5 • 99
COMENTÁRIO Metas intermediárias

Mecanismos de transmissão Diferentes correntes de economistas têm discutido a maneira como o


Os dois mecanismos de transmissão comportamento da oferta de moeda, da taxa de juros e da oferta de cré­
tradicionalmente mais mencionados dito bancário, ou seja, os chamados me­canismos de transmissão da po-
na literatura são o da moeda e o do lítica monetária, afeta a atividade econômica.
crédito bancário. Caso considere que o mecanismo de transmissão seja a oferta de
moeda, o Banco Central deve estabelecer metas de controle da quanti-
dade de moeda ofertada. Caso considere que seja o crédito bancário, o
COMENTÁRIO Banco Central pode tentar influenciar a atividade dos bancos através da
administração do preço da moeda, isto é, da taxa de juros.
Teoria Quantitativa da Moeda
A TQM considera que V e Q sejam Meta intermediária (I): moeda
estáveis e que as variações em M de- A importância do conceito de oferta de moeda está associada à capa-
terminam as variações, na mesma pro- cidade de consumo que representa: quanto mais dinheiro possuímos,
porção, de P. maior é nossa capacidade de adquirir bens e serviços.
Vimos no capítulo anterior que a Teoria Quantitativa da Moeda
(TQM) prevê que um aumento da oferta de moeda acarreta um aumento
do nível geral de preços, ou seja, da inflação. A formulação mais tradi-
cional da TQM é:

FÓRMULA

MV = PQ
M é quantidade de moeda

V é a velocidade de circulação da moeda (o número de vezes que a moeda


troca de mãos)

P é o nível geral de preços

Q a quantidade de bens e serviços transacionados

Segundo a TQM, adotada pelos economistas monetaristas, se o sal-


do de meios de pagamento aumenta e a quantidade de bens e serviços
disponíveis na Economia permanece constante, os preços dos bens e
serviços tendem a aumentar, gerando, portanto, inflação. Ainda, quanto
maior o crescimento da oferta da moeda, maior a inflação, já que, segun-
do os monetaristas, a oferta de bens e serviços não pode crescer no curto
prazo. Segue-se que a única forma de debelar a inflação seria restringir
o aumento da oferta de moeda, sendo este o papel mais importante que
deve desempenhar o Banco Central.

REFLEXÃO
Outra maneira de interpretar o mecanismo pelo qual um aumento da oferta de mo-
eda é transmitido aos preços é a seguinte: mais moeda em circulação implica maior

100 • capítulo 5
liquidez, ou seja, a moeda é mais facilmente negociada. Com isso, o preço da mo- COMENTÁRIO
eda, que é a taxa de juros, se reduz. A menor taxa de juros induz os empresários
a aumentarem os investimentos produtivos e a contratarem mais mão de obra; os Controle de oferta da moeda
consumidores aumentarão suas compras, porque haverá menor incentivo a manter o Milton Friedman propunha que um
dinheiro em aplicações financeiras etc. determinado percentual de aumento
anual da oferta de moeda deveria ser
Tudo isso fará aumentar a demanda agregada e, supondo que a oferta matéria constitucional.
de bens e serviços não aumente de imediato, os preços tenderão a subir.
O esquema a seguir mostra o efeito de uma política monetária expansiva.
Assim, se considera que o COMENTÁRIO
AUMENTO DA OFERTA DE MOEDA mecanismo de transmissão é
a moeda, a autoridade mone- Papel-moeda emitido
REDUÇÃO DA TAXA DE JUROS tária tem como meta interme- A diferença, portanto, entre M1 e base
diária o controle da oferta de monetária é que M1 inclui o saldo dos
AUMENTO DO INVESTIMENTO E DO CONSUMO moeda. Em outras palavras, depósitos à vista, enquanto a base
se a inflação é causada pelo monetária inclui o saldo das reservas
MAIOR DEMANDA AGREGADA aumento da oferta de moeda, bancárias. O Banco Central só é capaz
a política monetária deve ser de controlar diretamente as reservas
AUMENTO DO NÍVEL GERAL DE PREÇOS exercida através do controle da bancárias, já que é ele quem as emite;
oferta de moeda. mas só controla indiretamente os de-
Um dos problemas apontados pelos economistas críticos da visão pósitos à vista. Como veremos a seguir,
monetarista é como se deve mensurar oferta de moeda, que é a variável este controle de M1 é feito através das
a ser controlada. Entretanto, oferta de moeda é um conceito controverso. variações nas reservas bancárias.
Como é possível mensurar moeda?

ATENÇÃO
Tradicionalmente, a oferta de moeda está associada ao conceito mais restrito de
meios de pagamento (M1), que é composto pelo saldo de papel-moeda em poder do
público, emitido pelo Banco Central, mais o saldo dos depósitos à vista (ou depósitos
em conta-corrente) emitidos pelos bancos comerciais. Estes seriam os dois ativos
financeiros que possuem maior liquidez e são aceitos, legalmente, em pagamentos.

Para entender como o Banco Central exerce controle sobre a oferta


de moeda — definida como M1 — é preciso distinguir, inicialmente, ou-
tra forma de moeda. A moeda emitida diretamente pelo Banco Central
é chamada de base monetária (M0), que é constituída pelo somatório
do papel-moeda emitido — que faz parte do conceito de M1 — e das re-
servas bancárias, que são uma espécie de conta-corrente que os bancos
mantêm, até mesmo por obrigação legal, no Banco Central.

FÓRMULA
M0 = papel-moeda em poder do público + reservas bancárias

M1 = papel-moeda emitido + depósitos à vista

capítulo 5 • 101
COMENTÁRIO Antes, porém, vale realçar o fato de que o papel-moeda (as notas de
real e as moedinhas que usamos no dia a dia) é emitido apenas para
Necessidades de pagamentos atender nossas necessidades de pagamentos, geralmente, de pequeno
A tendência é que, com o uso cres- valor, e essa emissão não tem qualquer importância para a política mo-
cente de cartões de crédito e de débi- netária, já que depende inteiramente da demanda por papel-moeda:
to em operações de pequeno valor, o não se concebe que as pessoas tenham este direito negado no caixa dos
uso de papel-moeda seja gradualmen- bancos, pois se tal fato ocorresse haveria uma crise financeira.
te reduzido. A tabela a seguir mostra que o saldo do papel-moeda emitido tem se
expandido todos os anos, o que se justifica pela crescente demanda do
público por papel-moeda em termos absolutos.
COMENTÁRIO
Brasil: Base Monetária. Saldos em final do período (R$ bilhões)
Multiplicar
Papel-moeda Reservas
Esse mecanismo é chamado de multipli- Período Total
emitido bancárias
cador de moeda bancária, que parte do
2009 131,9 34,2 166,1
princípio de que apenas parte dos depó-
sitos à vista é sacada na forma de papel- 2010 151,1 55,7 206,8
moeda pelos correntistas dos bancos. 2011 162,8 51,5 214,3

2012 187,4 45,9 233,4

Fonte: Banco Central do Brasil


A forma como o Banco Central tenta controlar a oferta de moeda é
através do controle das reservas bancárias, cujo saldo varia ano a ano
(como você observa na tabela). O Banco Central aumenta a oferta de re-
servas bancárias creditando na conta dos bancos o valor corresponden-
te do ativo que adquiriu dos bancos.

EXEMPLO
Por exemplo, quando compra dólares que estejam em poder de um banco, o Banco
Central deposita o equivalente em reais na conta reserva bancária deste banco. Nes-
se sentido, é um mecanismo semelhante ao utilizado pelos bancos ao concederem
empréstimos a seus clientes: o banco deposita o dinheiro emprestado na conta-cor-
rente do cliente. Por outro lado, quando quer reduzir o montante de reservas bancá-
rias disponível para os bancos, o BC vende um ativo (dólares, títulos do governo etc.)
para os bancos, que pagam ao BC sacando sobre sua conta de reservas bancárias.

Ao provocar um aumento ou uma redução das reservas bancárias, o


Banco Central espera aumentar ou reduzir o montante de depósitos à
vista nos bancos. Isto porque os bancos podem multiplicar, na forma
de depósitos à vista, a moeda criada pelo Banco Central — ou seja, as
reservas bancárias.
Suponhamos que o Banco Central aumente a oferta de reservas ban-
cárias dos bancos, por exemplo, ao comprar títulos públicos que este-
jam em poder desses bancos. Os bancos podem emprestar parte dessas

102 • capítulo 5
reservas a seus clientes. Ao fazê-lo, os bancos criam depósitos à vista. COMENTÁRIO
Qual a proporção das reservas bancárias que os bancos irão emprestar?
Depósito compulsório
EXEMPLO Ainda no mesmo exemplo, se o Banco
Central determina, por exemplo, que
Vamos novamente supor que os bancos, por conta própria ou por decisão do Ban- os bancos devam manter em reserva
co Central, decidam manter 20% do saldo em conta-corrente de seus clientes (ou bancária o equivalente a 50% dos de-
seja, dos depósitos à vista) em seu caixa (ou seja, como reserva bancária). Se agora pósitos à vista de seus clientes, eles
eles têm mais 100 unidades monetárias nas suas reservas (o que pode ocorrer, só poderão emprestar 200 unidades
por exemplo, quando o Banco Central compra dólares que estejam em poder dos monetárias e, portanto, só poderão
bancos), eles podem emprestar um total de 500 unidades monetárias a mais, o que emitir 200 unidades monetárias adi-
fazem depositando esta quantia na conta-corrente dos tomadores de empréstimo. cionais de depósitos à vista para seus
clientes a partir da um aumento de
100 unidades monetárias de suas re-
RESUMO servas bancárias. Neste caso o multi-
plicador bancário é igual a 2.
Dessa forma, os bancos estarão emitindo 500 em depósitos à vista, mas mantendo
100 em reservas (20% dos depósitos à vista são mantidos em suas reservas), ou
seja, os bancos terão multiplicado as reservas bancárias por 5 ao criarem 500 uni-
dades monetárias na forma de depósito à vista.

Esse mecanismo do multiplicador bancário ajuda a entender um


dos instrumentos de política monetária à disposição do Banco Central,
que é o depósito compulsório.
Um dos principais problemas de usar o controle da oferta de moe-
da como meta intermediária de política monetária é que, nas últimas
décadas, os bancos criaram diversas formas de captação de recursos
alternativas ao depósito à vista, como os fundos de investimento de
curto prazo, depósitos de poupança, depósitos a prazo etc., depósitos
estes que possuíam liquidez semelhante à dos depósitos em conta-cor-
rente. Com isso, em todos os países que possuem um sistema financei-
ro desenvolvido, como é o caso do Brasil, a participação de M1 no total
dos meios de pagamento diminuiu.

REFLEXÃO
Essa talvez seja uma das principais razões que expliquem o fato de os bancos cen-
trais não mais estabelecerem metas de expansão monetária como faziam nas déca-
das de 1970 e 1980. Desde então, estudos elaborados por diversos bancos centrais
e economistas acadêmicos mostravam que não havia relação entre o aumento da
oferta de moeda (M1) e o comportamento da inflação.

De fato, no Brasil, a caderneta de poupança é um exemplo de ativo


financeiro com grau de liquidez quase igual à dos depósitos em conta-
corrente. O mesmo se pode dizer dos recursos aplicados em fundos de

capítulo 5 • 103
COMENTÁRIO investimento: a qualquer momento, esses recursos podem ser sacados e
transferidos para os depósitos à vista.
Taxa de juros de curto prazo Assim, se o Banco Central desejasse controlar a oferta de moeda, ele
A taxa de juros que pode ser adminis- teria de ser capaz de controlar também os depósitos de poupança, o sal-
trada diretamente pelo Banco Central do das aplicações em fundos de investimento etc. E isso nenhum banco
é a taxa de juros praticada no mercado central é capaz de fazer, direta ou indiretamente, assim como não há
de reservas bancárias — a taxa de juros evidências de que o comportamento desses outros componentes dos
básica. Como vimos anteriormente, as meios de pagamento tenha relação com as variações de M1.
reservas bancárias são depósitos que A tabela a seguir registra diferentes maneiras como o Banco Central
os bancos mantêm no Banco Central. do Brasil contabiliza o saldo dos meios de pagamento, ou seja, a oferta
de moeda. A tabela revela que o saldo de M1, sobre o qual o Banco Cen-
tral tem algum controle, é menos de um décimo do total de meios de
pagamento em um sentido mais amplo (M4), e que as outras formas de
moeda têm aumentado mais rapidamente que o tradicional M1.

Brasil: Haveres Financeiros. Saldos em final do período (R$ bilhões)

Período M1 M2 M3 M4
2009 248,1 1164,9 2203,8 2602,3

2010 280,1 1347,3 2535,9 3055,3

2011 285,4 1617,5 3030,3 3550,2

2012 324,5 1763,9 3518,2 4103,2

M2 = M1 + Depósitos de poupança e depósitos a prazo

M3 = M2 + Quotas de fundos de investimento

M4 = M3 + Títulos públicos

Fonte: Banco Central do Brasil


Em resumo, a oferta de moeda é uma variável extremamente di-
fícil de controlar (quando não impossível). Portanto, desde a década
de 1990, os bancos centrais abandonaram o controle da quantidade
de moeda em circulação e passaram a controlar o preço da moeda, ou
seja, a taxa de juros. Ainda nesse caso, como veremos a seguir, a taxa
de juros sobre a qual o Banco Central tem influência direta é apenas
a taxa de juros do mercado da moeda que ele, Banco Central, emite,
que são as reservas bancárias.

Meta intermediária (II): taxa de juros


Desde meados dos anos 1980, os bancos centrais deixaram de estabele-
cer metas de oferta de moeda, e passaram a usar as variações da taxa de
juros de curto prazo como principal meio de exercer influência sobre o
ritmo da atividade econômica e, consequentemente, sobre o comporta-
mento da taxa de inflação.

104 • capítulo 5
RESUMO COMENTÁRIO
As reservas bancárias são, na prática, a moeda utilizada pelos bancos quando fazem Taxa Selic
negócios entre eles. Suponhamos dois bancos, Banco A e Banco B. Quando o clien- Selic é sigla de Sistema Especial de
te do Banco A deposita no seu banco o cheque de um cliente do Banco B, o Banco Liquidação e Custódia, um sistema
B transfere ao Banco A o equivalente em reservas bancárias. Reservas bancárias administrado pelo Banco Central, que
são também a moeda usada pelos bancos comerciais nas suas transações com o registra as negociações com títulos do
Banco Central. Por exemplo, quando compra dólares que estão em poder de um ban- Tesouro Nacional.
co comercial, o Banco Central faz o pagamento depositando os reais equivalentes
na conta reservas bancárias do banco comercial. Se o Banco Central quer diminuir
o saldo de reservas bancárias dos bancos, ele geralmente o faz vendendo títulos do
Tesouro Nacional para os bancos, que pagam ao Banco Central com reservas ban-
cárias, ou seja, reduzindo seu saldo naquela conta.

Portanto, os bancos estão a todo o momento demandando ou ofertan-


do reservas bancárias. Nesse mercado, conhecido como interbancário, as
reservas bancárias têm um preço, que é a taxa de juros — no Brasil é a taxa
Selic. A cada 45 dias, o Comitê de Política Monetária (COPOM) se reúne
para decidir qual será a meta desejada.
O Banco Central utiliza seus instrumentos de política monetária para
fazer com que a taxa de juros efetivamente praticada no mercado inter-
bancário seja a mais próxima possível da meta por ele estabelecida. A
determinação, pelo Banco Central, de uma meta para a taxa Selic é, por-
tanto, o ponto central da política monetária. Veja o quadro a seguir no
qual há um comparativo de variação da taxa:

Taxa Selic (1996 - 2013)

50
45
% a.a.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
26/06/96
26/06/97
26/06/98
26/06/99
26/06/00
26/06/01
26/06/02
26/06/03
26/06/04
26/06/05
26/06/06
26/06/07
26/06/08
26/06/09
26/06/10
26/06/11
26/06/12
26/06/13

Fonte: Banco Central do Brasil


A taxa Selic é a taxa mínima de captação dos bancos. Quando aumen-
ta a meta para a taxa Selic, o Banco Central está executando uma política
monetária contracionista, pois as taxas de outros títulos financeiros (por
exemplo, Certificados de Depósito Bancário, que são depósitos a prazo)
também devem subir, ou seja, o dinheiro fica mais caro para os bancos.

capítulo 5 • 105
COMENTÁRIO ATENÇÃO
Demanda agregada A expectativa da autoridade monetária é de que os bancos, para poderem manter
Como veremos mais adiante, a eleva- seus ganhos com a intermediação financeira, elevem os juros cobrados nos emprés-
ção da taxa de juros também é uma timos a seus clientes.
forma de influenciar o comportamento
da taxa de câmbio, porque pode atrair Esse aumento da taxa de juros reduz a demanda por empréstimos,
dólares do exterior para serem aplica- tanto para investimentos produtivos como para o consumo, levando a
dos no mercado financeiro brasileiro. uma retração da atividade econômica (ou do ritmo de crescimento da
demanda agregada). O objetivo último de tal medida é reduzir pressões
inflacionárias que sejam entendidas como provenientes de um excesso
COMENTÁRIO de demanda agregada.
O esquema a seguir retrata, resumidamente, um exemplo de polí-
Metas de inflação tica monetária expansionista. O objetivo último é estimular o cresci-
A meta de inflação é definida pelo mento econômico.
Conselho Monetário Nacional, com-
posto pelos ministros da Fazenda e do REDUÇÃO DA TAXA DE JUROS DO MERCADO INTERBANCÁRIO
Planejamento, além do presidente do
Banco Central.
AUMENTO DOS EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS

AUMENTO DA DEMANDA AGREGADA

AUMENTO DA ATIVIDADE ECONÔMICA

Meta de inflação
No Brasil, a partir de 1999, foi adotado o regime de metas de inflação,
que substituiu a meta cambial estabelecida durante a primeira fase do
Plano Real. Em 2013, o centro da meta de inflação era de 4,5%, com in-
tervalo de tolerância de 2,0 (ver tabela a seguir).

Histórico de Metas para a Inflação no Brasil


Limites Inferior Inflação Efetiva
Ano Meta(%) Banda (p.p.)
e Superior (%) (IPCA % a.a.)
1999 8 2 6-10 8,94

2000 6 2 4-8 5,97

2001 4 2 2-6 7,67

2002 3,5 2 1,5-5,5 12,52

2003 4 2,5 1,5-6,5 9,30

2004 5,5 2,5 3-8 9,60

2005 4,5 2,5 2-7 5,69

106 • capítulo 5
Ano Meta(%) Banda (p.p.)
Limites Inferior Inflação Efetiva COMENTÁRIO
e Superior (%) (IPCA % a.a.)
2006 4,5 3,5 2-7 3,14 Bancos comerciais
Bancos autorizados a emitir depósito
2007 4,5 2 2,5-6,5 4,46
à vista.
2008 4,5 2 2,5-6,5 5,90
2009 4,5 2 2,5-6,5 4,31

2010 4,5 2 2,5-6,5 5,91

2011 4,5 2 2,5-6,5 6,50

2012 4,5 2 2,5-6,5 5,84

2013 4,5 2 2,5-6,5 5,91

Fonte: Banco Central do Brasil

RESUMO
Ao predeterminar limites toleráveis para a inflação, o governo procura mostrar para
a sociedade que prioriza o combate à inflação, e sinaliza como o Banco Central deve
executar a política monetária. Se a taxa de inflação se aproxima do limite superior, o
Banco Central deve executar uma política monetária contracionista, elevando a taxa
de juros. Caso a taxa de inflação esteja próxima ao limite inferior, isto significaria
maior espaço para executar uma política monetária expansionista.

Instrumentos de política monetária: introdução

Os instrumentos de política monetária podem ser acionados tanto para


estimular a concessão de crédito (política monetária expansionista),
como para reduzir o ritmo da atividade bancária (política monetária
contracionista). Os instrumentos clássicos de política são o depósito
compulsório, a taxa de redesconto e as operações de mercado aberto.

Depósito compulsório
Como vimos, todos os bancos mantêm uma conta de reservas bancárias
no Banco Central, através da qual o sistema bancário (inclusive o Banco
Central) faz suas movimentações financeiras. Todos os bancos comer-
ciais (que são aqueles autorizados a emitir depósito à vista) são obriga-
dos a manter um saldo mínimo nesta conta, que é uma proporção do
saldo de depósitos à vista dos seus clientes.
Esta proporção mínima é chamada de depósito compulsório, tendo
duas funções. A primeira é garantir que os bancos tenham recursos
para satisfazer às demandas de seus clientes que queiram sacar papel-
moeda nos caixas ou transferir recursos de sua conta para outro banco.

capítulo 5 • 107
A segunda função é regular a capacidade dos bancos de conceder empréstimos: quanto
maior a proporção de reservas bancárias em relação aos depósitos à vista, ou seja, quanto
maior o depósito compulsório, menor a capacidade dos bancos de emprestar para seus
clientes através do multiplicador bancário.

RESUMO
Portanto, quando eleva o percentual de depósito compulsório, o Banco Central está adotando uma política
monetária contracionista; e vice-versa, se reduz a obrigatoriedade de manter reservas dos bancos, está
praticando uma política monetária expansionista.

AUMENTO DA ALÍQUOTA DO DEPÓSITO COMPULSÓRIO

DIMINUIÇÃO DO MULTIPLICADOR BANCÁRIO

REDUÇÃO DO CRESCIMENTO DOS EMPRÉSTIMOS E DOS DEPÓSITOS À VISTA

MENOR LIQUIDEZ

AUMENTO DA TAXA DE JUROS

Taxa de redesconto
Uma das funções mais importantes de qualquer banco central é a de ser um empresta-
dor de última instância para os bancos. Ao longo da história, esse tem sido um papel
fundamental desempenhado pelos bancos centrais, que tradicionalmente emprestam
recursos para bancos com problemas de liquidez, e fazem isso creditando na conta re-
servas bancárias (mencionada anteriormente). Esse tipo de empréstimo é o redesconto ou
assistência financeira de liquidez.

ATENÇÃO
O Banco Central cobra juros nesses empréstimos. Alterar a taxa de juros das operações de redesconto é
uma forma de influenciar a atuação dos bancos, ou seja, é um instrumento de política monetária.

Se o Banco Central aumenta a taxa de redes- REDUÇÃO DA TAXA DE REDESCONTO


conto, os bancos devem atuar mais comedida-
mente na concessão de crédito, porque pagarão EXPANSÃO DO CRÉDITO BANCÁRIO
mais caro para obter reservas bancárias, caso ne-
cessitem. Por outro lado, quando reduz a taxa de REDUÇÃO DA TAXA DE JUROS
redesconto, o Banco Central está sinalizando que
os bancos podem aumentar os empréstimos con- AUMENTO DA LIQUIDEZ
cedidos a seus clientes.

108 • capítulo 5
Operações de mercado aberto (ou open market) CONCEITO
O instrumento de política monetária mais utilizado são as operações
de mercado aberto, através das quais o Banco Central compra ou vende Afrouxamento monetário
títulos da dívida pública para os bancos com o objetivo de, respectiva- É um programa de compras de ativos
mente, aumentar ou reduzir a liquidez do mercado interbancário. que, entre setembro de 2008 e feverei-
ro de 2013, elevou o saldo de reservas
RESUMO bancárias (cerca de US$40 bilhões),
que vinha sendo mantido nesse ní-
O interbancário, como mencionado antes, é o mercado onde os bancos negociam vel durante muitos anos, para mais de
reservas bancárias entre eles, e em que o Banco Central atua comprando (venden- US$2 trilhões. O Banco da Inglaterra
do) títulos do TN para aumentar (diminuir) o saldo de reservas bancárias e, com isso, e, em menor medida, o Banco Europeu,
influindo na taxa de juros desse mercado (basicamente, a taxa Selic). têm adotado mecanismo semelhante.
Em todos esses países, nem mesmo es-
Quando a demanda por reservas bancárias é maior que a oferta, a taxa ses instrumentos de intervenção direta
Selic tende a se elevar acima da meta. Nesse momento, o Banco Central surtiram os efeitos desejados.
pode comprar títulos que estejam em poder dos bancos, o que provoca
uma imediata elevação do saldo de reservas bancárias e, portanto, uma
tendência à queda da taxa Selic em direção à meta. Por outro lado, se é
identificado um excesso de liquidez no mercado de reservas bancárias —
o que pode fazer com que a taxa Selic praticada fique abaixo da meta —, o
Banco Central vende títulos da dívida pública para os bancos, reduzindo,
dessa maneira, as reservas bancárias disponíveis para os bancos.

BANCO CENTRAL COMPRA TÍTULOS DO TN EM PODER DOS BANCOS

AUMENTAM AS RESERVAS BANCÁRIAS

AUMENTO DA LIQUIDEZ

DIMINUI A TAXA DE JUROS DO MERCADO DE RESERVAS BANCÁRIAS (TAXA SELIC)

Instrumentos diretos de política monetária

A eficácia da política monetária tem se mostrado reduzida desde a eclosão


da crise financeira em 2008. Nos EUA, por exemplo, a taxa de juros do mer-
cado de reservas bancárias — a chamada FED funds — foi reduzida para
0,25% ao ano, mas não se verificou uma elevação dos empréstimos ban-
cários. O banco central americano passou então a utilizar um novo instru-
mento, não tradicional, chamado afrouxamento monetário (quantitative
easing). O Banco da Inglaterra e, em menor medida, o Banco Europeu, têm
adotado mecanismo semelhante. Em todos esses países, nem mesmo es-
ses instrumentos de intervenção direta surtiram os efeitos desejados.
Também no Brasil o governo adotou políticas monetárias não
convencionais como forma de enfrentar a crise. Em particular, foram

capítulo 5 • 109
usados os bancos públicos — Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômico e Social — para incrementar os empréstimos bancários, o que
forçou os bancos privados a seguirem o exemplo, para não perderem mercado. Consequen-
temente, contrastando com a experiência de outros países, foi registrado forte crescimento
do crédito — entre 2008 e 2012, o saldo dos empréstimos bancários como proporção do PIB
elevou-se de 40,5% para 53,8%.

Política monetária e preço de ativos

Desde a crise financeira de 2007-2008, tem aumentado a preocupação dos economistas com as
oscilações dos preços dos ativos em geral. Quando o Banco Central mantém por muito tempo uma
política monetária expansionista, por exemplo, para incentivar o crescimento econômico, a taxa de ju-
ros dos ativos financeiros de renda fixa torna-os pouco atraentes para os investidores, que passam a
preferir assumir riscos adquirindo ativos de renda variável (tipicamente ações de empresas) e também
imóveis residenciais e comerciais. Tem lugar, portanto, uma inflação de ativos, isto é, uma elevação do
valor das ações (mercado de capitais) e dos imóveis (mercado imobiliário). O aumento excessivo dos
valores praticados nesses dois mercados pode configurar a formação de uma bolha especulativa, que
pode ser definida como uma elevação anormal (ou, como preferem alguns economistas, irracional) do
preço de um ativo. A capacidade do Banco Central de atuar nessa situação tem sido muito discutida:
se o Banco Central não intervém furando a bolha (isto é, aumentando a taxa de juros), pode levar a
uma contaminação da inflação de ativos para o resto da Economia; por outro lado, se fura a bolha, pode
ocasionar uma súbita reversão dos preços e, portanto, precipitar uma crise financeira.

Política cambial
Política cambial pode ser definida como o conjunto de medidas governamentais visan-
do influenciar o comportamento da taxa de câmbio, isto é, o preço da moeda nacional
em relação às moedas estrangeiras mais utilizadas no comércio internacional — no
caso do Brasil, o dólar americano.

ATENÇÃO
A política cambial inclui a escolha, pelo governo, da forma como é determinada a taxa de câmbio oficial
— se a taxa de câmbio é fixada pelo governo ou livremente pelo mercado, ou uma solução intermediária.

A taxa de câmbio nominal é o valor da moeda nacional medido em outra moeda. No


Brasil, a taxa de câmbio nominal divulgada diariamente pelo Banco Central é a relação do
real com o dólar americano.

EXEMPLO
Por exemplo, em 17 de março de 2014, a cotação do dólar no mercado doméstico de câmbio no fecha-
mento do dia era de R$2,3513 (compra) e de R$2,3528 (venda). Quando a moeda nacional se desvaloriza,
ou seja, quando se verifica uma subida no câmbio, o valor da moeda de referência medido em moeda na-

110 • capítulo 5
cional aumenta. Assim, se o valor do dólar passa de R$2,00 para R$2,20, diz-se que COMENTÁRIO
o real se desvalorizou (neste caso, em 10%). Por outro lado, se a cotação do dólar
diminui, diz-se que há uma valorização do real. Balanço comercial
No capítulo anterior, através do caso
Em países que não emitem moeda de ampla aceitação internacional, a hipotético III sobre o Balanço de Pa-
taxa de câmbio é uma variável fundamental. Esses países têm uma restri- gamentos, vimos que, se déficits co-
ção externa: para adquirir bens e serviços no exterior, necessitam de moe- merciais não forem financiados pela
da forte (dólares, euros, ienes etc.). Um país como o Brasil não pode gastar Conta de Capital e Financeira, haverá
mais moeda estrangeira do que recebe com suas exportações, ou seja, não perda de reservas internacionais.
pode manter um balanço comercial deficitário por períodos prolongados.

COMENTÁRIO
Regimes cambiais: vantagens e desvantagens
Ao longo da história
Por regime (ou padrão) cambial entende-se a forma como é determinada Até o início da década de 1930, quan-
a taxa de câmbio: taxas de câmbio flutuantes, taxa de câmbio fixa ou taxa do se iniciou a Grande Depressão, a
de câmbio administrada. Cada um desses regimes tem suas vantagens maioria dos países (inclusive o Brasil)
e desvantagens, e os economistas se dividem quanto à melhor opção. adotava o padrão-ouro: a emissão de
moeda estava lastreada em ouro e
a taxa de câmbio era fixa. Os países
Taxa de câmbio fixa desenvolvidos voltaram a adotar um
regime de taxa de câmbio fixa a partir
Em um extremo, temos o sistema de taxa de câmbio fixa, em que o go- do fim da Segunda Guerra Mundial (o
verno se compromete a comprar e vender dólar a um valor por ele pré chamado Sistema de Bretton-Woods),
-estabelecido, o qual deve permanecer constante por longos períodos. que admitia que a taxa de câmbio, em
Ao longo da história, foi o regime cambial mais utilizado. determinadas situações, pudesse ser
O Sistema de Bretton-Woods (taxa fixa) foi dissolvido em 1971, alterada pontualmente.
quando os EUA abandonaram a conversibilidade do ouro com dólar.
Desde então, os países centrais adotam, oficialmente, o regime de
taxas de câmbio flutuantes.

REFLEXÃO
Nos anos 1980 e 1990, muitos países emergentes seguiram um regime de taxas de
câmbio fixas, ou quase fixas. A Argentina foi um exemplo clássico, tendo adotado,
entre 1989 e 2002, a conversibilidade do peso em relação ao dólar, mantendo fixa a
paridade de um dólar igual a um peso. O Brasil, na primeira fase do Plano Real, esta-
beleceu um regime cambial que mantinha o dólar dentro de uma variação estreita (a
chamada banda cambial) e, nesse sentido, seu regime cambial possuía as vantagens
e desvantagens atribuídas a um regime de taxa de câmbio fixa.

Para países com histórico de taxas de inflação elevadas, a fixação da


taxa de câmbio contribui para o combate à inflação e, por essa razão,
é considerada uma âncora cambial. De fato, a estabilidade da taxa de
câmbio pode realmente ajudar a debelar a inflação.

capítulo 5 • 111
EXEMPLO
Suponhamos que o governo fixe o valor do dólar em R$2,00 (desconsiderando impostos e tarifas). Se um
produto custa US$1,00, ele poderá ser importado por R$2,00. Como a inflação nos EUA é muito baixa,
daqui a um ano esse produto poderá estar custando o mesmo em dólar. Se a taxa de câmbio permanecer
US$1,00 = R$2,00, o produto continuará sendo importado pelos mesmos R$2,00, e ninguém conseguirá
vender tal produto acima desse valor no país. Note-se que, para que esse raciocínio faça sentido, é preciso
que haja plena liberdade de importação (abertura comercial).

Entretanto, a escolha do regime cambial influencia as decisões sobre política monetá-


ria. A adoção de um regime de taxa de câmbio fixa tende a restringir a capacidade do gover-
no de gerir a taxa de juros e seus gastos com o objetivo de estimular a atividade econômica.
Suponhamos que o valor da moeda americana seja fixado em R$2,00. Neste caso, o
Banco Central assume o compromisso de comprar qualquer quantidade de dólar por esse
valor. Se ocorre uma crise financeira internacional, as condições do mercado cambial se
deterioram, porque nesses momentos os investidores estrangeiros procuram retirar seus
recursos do país; para isso, compram dólares no mercado de câmbio, levando a uma ten-
dência à valorização da moeda americana.

REFLEXÃO
Para impedir que o valor do dólar suba, o Banco Central seria então forçado a vender dólares, sempre a
R$2,00. A capacidade do banco central brasileiro de vender dólares está limitada à quantidade de divisas
acumuladas (ou seja, das reservas internacionais).

Na medida em que vende dólares, as reservas internacionais diminuem, o que provavel-


mente levará os investidores a demandarem ainda mais dólares. Nessa situação, o Banco
Central se vê obrigado a praticar uma política monetária contracionista, elevando a taxa
de juros, com o objetivo de atrair dólares do exterior e de tentar convencer os investidores
estrangeiros a manterem seus dólares no país.
Nesse exemplo, a elevação da taxa de juros não estaria explicada por uma percepção de
que haveria algum tipo de pressão inflacionária, mas sim com o objetivo de manter a pari-
dade cambial pré-estabelecida. Pelo mesmo raciocínio, o BC não poderia reduzir a taxa de
juros para estimular a atividade econômica, se entendesse que essa redução levaria a uma
pressão sobre a taxa de câmbio.

RESUMO
A elevação da taxa de juros visando manter o equilíbrio do mercado cambial acaba refletindo também
na política fiscal. O aumento dos juros, como vimos, provoca uma elevação do déficit nominal. Para
mostrar aos investidores sua capacidade de honrar o pagamento dos juros da dívida pública, o governo
se veria forçado a praticar uma política fiscal contracionista, independentemente da situação em que
se encontrasse a Economia.

112 • capítulo 5
Portanto, uma grande desvantagem do regime de taxa de câmbio COMENTÁRIO
fixa é quando ocorre uma crise internacional, como as que ocorreram
no México (1994-1995), na Ásia (1997) e na Rússia (1998), quando se veri- Países como o Brasil
ficou uma fuga de capitais, ou seja, os investidores estrangeiros retiram Por ocasião das crises acima mencio-
seus dólares de países como o Brasil. nadas, a taxa de juros do mercado de
A fixação da taxa de câmbio pode também ser considerada prejudi- reservas bancárias no Brasil chegou a
cial por outro motivo. No exemplo citado anteriormente, um determina- alcançar 50% ao ano, em uma época
do produto não pode custar mais de R$2,00 no Brasil. Mas e se nenhum em que a inflação era muito baixa, o
produtor nacional puder produzir tal produto por esse valor? Nesse que contribuiu para reduzir o ritmo da
caso, o concorrente externo poderá eliminar o produtor brasileiro, o que atividade econômica.
geraria desemprego entre nós.

Taxas de câmbio flutuantes

Muitos economistas acreditam que, em um regime de taxa de câmbio


flutuante, a taxa de câmbio praticada pelo mercado será aquela que pro-
moverá o equilíbrio das contas externas. Se houver déficit nas transa-
ções correntes, a moeda nacional irá se desvalorizar (o valor do dólar vai
aumentar) porque haverá menos dólares disponíveis no mercado cam-
bial (ver capítulo 4). Consequentemente, as exportações aumentarão e
as importações cairão, restabelecendo-se assim o equilíbrio. A grande
desvantagem é que a desvalorização poderá ter efeitos inflacionários,
porque encarecerá os preços dos produtos importados.

EXEMPLO
A desvalorização da moeda aumenta a competitividade dos produtores nacionais.
Suponhamos que uma empresa brasileira possa produzir um determinado produto
por R$10,00, e que o preço internacional deste produto seja US$5,00. Se a taxa de
câmbio for US$1,00 = R$2,00, este produtor não terá lucro ao exportar. Entretanto,
se o real se desvalorizar para US$1,00 = R$4,00, o produtor receberá R$20,00 pelo
produto exportado. Alternativamente, poderá se tornar mais competitivo ao oferecer
o produto por US$4,00, e ainda assim obter lucro.

No caso contrário, ou seja, de que um superávit das contas externas


promova uma valorização cambial (o preço do dólar cai), a vantagem será
uma redução na pressão sobre a inflação; entretanto, a valorização signi-
ficará uma redução das exportações, menor nível da atividade econômica.
Uma vantagem adicional do regime de taxa de câmbio flutuante é que
ele oferece ao Banco Central a oportunidade de executar políticas monetá-
rias visando, exclusivamente, reduzir as flutuações econômicas, sem se im-
portar com nenhuma meta cambial; assim, quando ocorre uma crise finan-
ceira internacional que provoca saída de divisas e, portanto, desvalorização
da moeda nacional, o Banco Central não é obrigado a elevar a taxa de juros.

capítulo 5 • 113
EXEMPLO
Por exemplo, por ocasião da crise financeira de 2008, diferentemente do que ocorreu nas crises verifica-
das na década de 1990, o Banco Central pôde atuar de maneira a reduzir os impactos negativos da crise
internacional sobre o nível da atividade econômica no Brasil, o que não teria sido possível caso tivesse
como missão a manutenção de uma taxa de câmbio predeterminada.

Nos períodos de crise internacional a desvalorização não necessariamente representa


uma ameaça às metas de inflação, porque a atividade econômica tende a se contrair.

Taxa de câmbio administrada

Em nenhum país as autoridades monetárias deixam de atuar para evitar flutuações considera-
das excessivas na taxa de câmbio. Nesse sentido, embora o regime cambial seja, em tese, o de
taxa de câmbio flutuante, na prática, o regime cambial é de taxa de câmbio administrada (tam-
bém chamado de flutuação suja). Quando considera necessário, o Banco Central adota medi-
das visando influenciar o comportamento do mercado de câmbio, que é onde são realizadas as
operações de compra e venda de moeda estrangeira (dólares, euros, ienes, libras esterlinas etc.).

REFLEXÃO
Se as autoridades consideram que o câmbio está desvalorizado, ou seja, que o valor do dólar está acima do
que seria ideal — o que poderia estar dificultando o combate à inflação —, o Banco Central pode atuar no
sentido de induzir uma redução da cotação do dólar no mercado de câmbio.

O Banco Central pode intervir diretamente, vendendo dólares de suas reservas interna-
cionais, aumentando assim a oferta de dólares no mercado, o que tende a resultar em que-
da do valor do dólar. O impacto sobre as reservas bancárias da venda de dólares pelo Banco
Central será idêntico ao da venda de títulos públicos em uma operação de mercado aberto,
isto é, reduzirá o saldo de reservas bancárias.
A política monetária também influencia o comportamento do mercado de câmbio. Por
exemplo, quando o Banco Central pratica uma política monetária contracionista, elevando a
taxa de juros, aumenta o número de investidores estrangeiros interessados em aplicar dinheiro
em títulos públicos no Brasil, e diminui o interesse dos investidores brasileiros em aplicar seus
recursos no exterior. Por outro lado, aumenta o interesse de bancos e empresas sediados no
Brasil em tomar dinheiro emprestado no exterior e aplicá-los no Brasil (é o chamado ganho de
arbitragem). Com isso, aumenta a entrada de moeda estrangeira no Brasil e, portanto, a liqui-
dez no mercado de câmbio, provocando pressão pela valorização da moeda nacional.

ATENÇÃO
Se o Banco Central não intervém no mercado de câmbio comprando o excesso de dólares, o preço da
moeda americana, de fato, se reduz. Como vimos, essa redução (que significa a valorização do real) con-
tribui para reduzir o preço dos produtos importados e, portanto, a taxa de inflação. Mas, por outro lado,

114 • capítulo 5
incentiva o aumento das importações e diminui a capacidade de exportação das COMENTÁRIO
empresas brasileiras, o que tende a levar a uma deterioração da balança comercial.
Atraindo recursos
Portanto, outra forma de tentar evitar desvalorizações cambiais é Exemplificando, um investidor pode
elevar a taxa de juros, atraindo recursos (dólares) para serem investidos tomar um empréstimo no exterior pa-
no país em títulos da dívida pública. Por ocasião das crises do México gando 5% de juros e aplicá-los no país
(1995) e da Ásia (1997), o Banco Central elevou a taxa Selic para cerca de recebendo 10% — são os chamados
45% ao ano, para evitar a desvalorização do real (veja novamente o gráfi- ganhos de arbitragem. Se não houver
co contido na seção “taxa Selic”). desvalorização superior a 5%, o inves-
tidor obterá lucro.
POLÍTICA MONETÁRIA
AUMENTO DA TAXA DE JUROS QUEDA DO VALOR DO DÓLAR
RESTRITIVA

QUEDA NO PREÇO MENOR PRESSÃO


VALORIZAÇÃO DO REAL
DOS PRODUTOS IMPORTADOS INFLACIONÁRIA

AUMENTO DAS IMPORTAÇÕES DETERIORAÇÃO DA


VALORIZAÇÃO DO REAL
E DIMINUIÇÃO DAS EXPORTAÇÕES BALANÇA COMERCIAL

Acumulação de reservas internacionais:


vantagens e desvantagens

Desde que abandonou o regime de âncora cambial, no início de 1999, o


Banco Central deixou de ter a obrigação de acumular reservas interna-
cionais, já que, com a adoção do regime de livre flutuação cambial, não
teria mais razão, em tese, para intervir no mercado de câmbio.

REFLEXÃO
Nos últimos anos, o Brasil, assim como diversos países emergentes, acumulou reser-
vas internacionais em ritmo acelerado. Parte desse acúmulo foi proposital: manter
um elevado saldo de moeda estrangeira representa uma proteção na eventualidade
de uma crise financeira internacional.

Brasil: Reservas Internacionais e Dívida Externa


Saldos em fim de período (em US$ bilhões)

Ano Reservas Internacionais Dívida Externa Bruta


2002 37,8 227,7

2004 52,9 220,2

2006 85,8 199,4

2008 193,8 262,9

2010 288,6 351,9

Fonte: Banco Central do Brasil

capítulo 5 • 115
COMENTÁRIO A crise de 2008-2009, embora considerada a mais grave desde a de
1929, não afetou tão profundamente os países emergentes por essa ra-
Importações zão, em contraste com o que ocorrera por ocasião das crises de menor
Do lado das importações, o governo intensidade dos anos 1990 (México, Ásia e Rússia).
pode impor barreiras protecionistas Entretanto, parte do acúmulo de reservas se deve à política cambial
através da elevação das alíquotas e do dos governos (por exemplo, do Brasil e da China), que adquiriram reser-
estabelecimento de quotas para limitar vas para impedir uma valorização excessiva de suas moedas.
a importação de determinados produtos.
ATENÇÃO
A manutenção de elevados níveis de reservas internacionais representa um custo fi-
nanceiro para o governo. Ao adquirir dólares, o BC emite reservas bancárias, aumen-
tando a liquidez do mercado monetário. Para impedir que esse aumento de liquidez
acarrete uma diminuição da taxa Selic, o BC vende títulos do TN, aumentando assim
a dívida pública. O governo paga juros da dívida em volume superior ao que recebe,
aplicando os dólares que compra. O custo de manutenção das reservas internacionais
é, portanto, maior quanto mais elevada for a taxa de juros dos títulos da dívida pública.

Política de comércio exterior

Como vimos, as alterações na taxa de câmbio, embora visem primordial-


mente equilibrar as contas externas, tendem a trazer repercussões sobre
outras variáveis. Assim, para obter resultados desejados em relação à
balança comercial, os governos tradicionalmente adotam políticas para
incentivar as exportações e reduzir as importações, independentemente
das variações que venham a ocorrer na taxa de câmbio.
No Brasil, tais medidas incluem a concessão de financiamentos
subsidiados através dos bancos oficiais e de incentivos fiscais. Tais
medidas devem ser entendidas como parte da política industrial, isto
é, no contexto da discussão mais geral sobre desenvolvimento econô-
mico, como destacado no capítulo 6.

Política Fiscal
No capítulo 4, vimos como os gastos do governo e a arrecadação de
impostos influenciam a demanda agregada e a renda. Esta seção
apresenta uma breve discussão sobre política fiscal e sua relação com
as políticas monetária e cambial.

116 • capítulo 5
Definição e objetivos COMENTÁRIO
A política fiscal é realizada pelo governo ao administrar seus gastos e ao Investidores
decidir como vai financiar tais gastos. Idealmente, nos períodos em que No Brasil, a aquisição de títulos públi-
a Economia está se expandindo de maneira sustentável, o governo deve cos está disponível também para pes-
cobrir seus gastos através da cobrança de impostos e tarifas. soas físicas, através do Tesouro Direto.

ATENÇÃO
Quando o total de gastos é igual ao da receita com impostos, temos um orçamento
equilibrado. Entretanto, quando a receita supera os gastos, temos superávit orçamen-
tário. Quando as despesas do governo superam suas receitas (quando há déficit públi-
co ou orçamentário), a diferença pode ser financiada através do lançamento de títulos
de dívida. Pode ainda financiar seus gastos emitindo títulos de dívida. Por fim, pode sim-
plesmente emitir dinheiro, prática muito comum ao longo da história. Desde a Constitui-
ção de 1988, o Banco Central do Brasil está proibido de financiar diretamente o governo.

O aumento dos gastos do governo contribui para elevar a demanda


agregada da Economia e, portanto, representa um estímulo à atividade
econômica. O corte (a contenção) dos gastos, por sua vez, acarreta efeito
oposto, reduzindo a demanda agregada.
O uso da política fiscal como instrumento de administração do
nível da atividade econômica é aconselhado principalmente por eco-
nomistas keynesianos, que advogam a ideia de que, em momentos de
crise econômica e aumento do desemprego, o governo deve lançar
mão dos gastos públicos como maneira de compensar a redução dos
investimentos privados.

Déficit primário e déficit nominal

Como mencionado no capítulo anterior, a expressão déficit público com-


preende dois conceitos. O primeiro é o de déficit primário, que se verifi-
ca quando a arrecadação do governo através da cobrança de impostos
e contribuições não é suficiente para cobrir seus gastos correntes (no
pagamento dos salários dos seus funcionários, nos gastos com obras
públicas, manutenção de escolas e hospitais etc.).

ATENÇÃO
Como o governo não deve mais emitir dinheiro, ele só pode gastar mais do que ar-
recada, se endividando.

Para isso, o governo emite títulos de dívida, que são comprados por in-
vestidores institucionais, bancos etc., e que gera a dívida pública. O governo

capítulo 5 • 117
COMENTÁRIO paga juros por essa dívida (os famosos juros da dívida pública), sendo que o
total pago de juros é fortemente influenciado pela taxa de juros dos títulos da
Superávits primários dívida pública. Esta, por sua vez, está em grande parte vinculada à taxa Selic.
O montante de recursos obtidos com o O somatório do déficit primário com o total pago dos juros da dívi-
superávit primário reduz a necessidade da pública é o déficit nominal. Nas estatísticas do governo, este déficit é
de financiamento do governo; por isso, chamado de necessidade de financiamento do setor público (NFSP). Parte
aparece com sinal negativo na tabela. do crescimento da dívida mobiliária da União tem sido causada pela ne-
cessidade de rolagem da dívida pública, ou seja, o governo precisa de
recursos para pagar os juros da dívida.
Exemplificando, a tabela a seguir mostra que, em 2011 e 2012, o gover-
no obteve superávits primários equivalentes a 3,1% e 2,4% do PIB, respec-
tivamente. Entretanto, o custo de rolagem da dívida — os juros da dívida
— foram superiores a esses superávits, levando a um déficit nominal.

Brasil: Necessidades de Financiamento do Setor Público

2011 2012
Discriminação
R$ bilhões % PIB R$ bilhões % PIB

Primário -128,7 -3,1 -105,0 -2,4

Juros 236,7 5,7 213,9 4,8

Nominal 108,0 2,6 108,9 2,4

Fonte: Banco Central do Brasil

Dívida bruta e dívida líquida

O financiamento do déficit nominal se dá, portanto, através da coloca-


ção de mais títulos públicos no mercado, elevando, dessa maneira, a dí-
vida pública. A dívida pública pode ser mensurada de diversas maneiras.
A tabela a seguir apresenta três tipos de dados: a dívida pública bruta,
que inclui a dívida interna e externa; a dívida pública líquida, que é igual
à dívida bruta menos os créditos do governo, o que inclui as reservas in-
ternacionais do Banco Central; e o saldo total dos títulos do governo em
poder do mercado, que é a dívida mobiliária.

Brasil: Dívida pública (em % do PIB)

2010 2011 2012


Dívida líquida do Setor Público -128,7 -3,1 -105,0

Dívida pública mobiliária do


236,7 5,7 213,9
Governo Federal
Dívida bruta do Governo Geral 108,0 2,6 108,9

Fonte: Banco Central do Brasil, Relatório Anual

118 • capítulo 5
É importante notar que o comportamento da taxa de câmbio pode afetar a situação das
contas públicas. Uma desvalorização do câmbio, por exemplo, impacta negativamente nas
contas do governo ao elevar o valor dos títulos da dívida pública indexados ao dólar, ou à
outra moeda estrangeira. Todavia, a desvalorização aumenta o valor das reservas interna-
cionais medido em reais, reduzindo, assim, o saldo da dívida líquida do setor público.
O fato de o Brasil ter registrado expressivo crescimento de suas reservas internacionais
nos últimos anos e, desde 2011, a moeda nacional ter se desvalorizado, tem contribuído
para a redução da dívida líquida, embora a dívida mobiliária, isto é, o saldo total de títulos
do governo em poder do público, tenha se elevado.

Determinação da taxa de juros, déficits e dívida pública

Haveria uma relação entre a dívida pública e a taxa de juros dos títulos do governo? Este é um
tema que tem sido muito debatido no Brasil desde os anos 1980, e mais recentemente a partir da
chamada crise do Euro. Alguns economistas afirmam que quando a dívida pública é considerada
elevada, os agentes econômicos desconfiam da capacidade do governo de honrar seus compro-
missos financeiros, e por isso exigem um prêmio de risco, ou seja, juros mais altos para compen-
sá-los pelo risco de calote do governo. A solução seria o governo cortar seus gastos para produzir
um superávit nominal, para, aos poucos, ir reduzindo o saldo da dívida pública.

Outros economistas argumentam não haver uma relação direta entre a dívida e os juros. No caso do
Brasil, por exemplo, nossa situação fiscal não seria pior que a de outros países onde a taxa de juros
é consideravelmente mais baixa. No Brasil, a política adequada seria reduzir a taxa de juros, o que
naturalmente reduziria a NFSP e permitiria maior crescimento econômico. O aumento da atividade
econômica eleva a capacidade de arrecadação de impostos e reduz a relação dívida/PIB. Nos países
da periferia europeia mais afetados pela crise, como Grécia, Espanha e Portugal, a solução incluiria
um aumento dos gastos públicos para permitir o crescimento econômico no curto prazo.

ATIVIDADE
Quer explorar o assunto visto neste capítulo? Recomendamos uma visita ao site do Banco Central do
Brasil, em especial nas seções:
•  Glossário
•  O que é o COPOM
•  Perguntas frequentes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FEIJÓ, Carmem (et al.). Para entender a conjuntura econômica. Capítulos 7 e 8. Barueri, São Paulo: Manole, 2008.

capítulo 5 • 119
Noções sobre

6 Crescimento e
Desenvolvimento
Econômico

marcos tostes lamonica


6 COMENTÁRIO
Noções sobre Crescimento e
Desenvolvimento Econômico
Como vimos no capítulo 4, sobre Macroeconomia, o estudo do cresci-
mento e do desenvolvimento econômico é feito em termos agregados.
Disparidades Enquanto os capítulos 4 e 5 são dedicados à interpretação macroeconô-
Uma pequena parcela da população vi- mica de curto prazo, este capítulo se ocupa do longo prazo.
vendo realmente muito bem, e a maio- Neste capítulo aprenderemos noções sobre o crescimento e o de-
ria com níveis de renda bem abaixo do senvolvimento, que envolvem estratégias de longo prazo para que o
nível de renda média. desempenho de ambos seja consistente e duradouro. Ao possuir tais
noções, seremos capazes de intuir sobre as causas das diferenças de
renda e de nível de desenvolvimento entre as nações e sobre a existên-
cia de disparidades na distribuição de renda e riqueza.
Na Economia, crescimento e desenvolvimento não têm o mesmo sig-
nificado, embora um possa estar sempre associado ao outro.

ATENÇÃO
Crescimento econômico é o aumento contínuo da renda ou PIB, em termos ab-
solutos, descontada a inflação, e per capita, ao longo do tempo. Já o conceito de
desenvolvimento econômico, é mais amplo: é o aumento contínuo do bem-estar.

O desenvolvimento leva em conta as alterações da composição do


produto e da alocação dos recursos pelos diferentes setores da eco-
nomia, de forma a melhorar o bem-estar econômico e social. Ou seja,
além dos indicadores econômicos de curto prazo, ele inclui também
indicadores sociais, tais como os níveis de pobreza, desigualdade e
indicadores de qualidade de vida, como acesso a serviços de saúde e
educação, moradia decente etc.
Agora vamos nos aprofundar um pouco mais sobre essa distinção
entre crescimento, desenvolvimento e as variáveis que contribuem
para o aumento da riqueza e da melhoria da qualidade de vida dos
habitantes de uma nação.

Crescimento econômico versus desenvol-


vimento econômico

No campo da Economia, o crescimento e o desenvolvimento econô-


mico podem aparecer frequentemente associados, mas ambos têm
significados e implicações diferentes. Por exemplo, pode haver cresci-
mento econômico sem, necessariamente, ocorrer o desenvolvimento.

122 • capítulo 6
Nesse caso, o crescimento estaria ocorrendo, mas sem promover mudanças nos proces-
sos de produção e na distribuição da renda que levassem a uma maior inclusão social e
redução das desigualdades de renda e riqueza.

REFLEXÃO
O inverso é menos comum, mas também pode ocorrer, ou seja, uma Economia que promova melhoria no
bem-estar da população sem, contudo, apresentar evolução positiva nos indicadores de crescimento. Neste
caso, a riqueza acumulada estaria sendo mais bem distribuída, sem que a riqueza futura esteja aumentando.

É claro que o ideal seria que os dois movimentos ocorressem na mesma direção: cresci-
mento de curto prazo associado à melhoria na alocação de recursos, que leve a uma melho-
ria na distribuição de renda e riqueza, e, mais ainda, que este processo seja cumulativo, ou
seja, mais crescimento gerando mais desenvolvimento.
Assim, podemos entender que o crescimento econômico ocorre através do aumento
contínuo do Produto Interno Bruto (PIB) em termos absolutos, descontada a inflação, ou
por habitante (per capita), ao longo do tempo. Já o desenvolvimento econômico refere-se a
um estágio econômico, social e político da sociedade, representado, dentre outros indica-
dores, pelo nível de produtividade (produto por trabalhador), pela evolução da distribuição
de renda, pelo nível de escolaridade etc. Vejamos a seguir como os economistas interpre-
tam distintamente o crescimento e o desenvolvimento econômico.

Crescimento econômico de longo prazo


Diferentemente dos dois capítulos anteriores, a interpretação do desempenho econômico
ao longo de muitos anos, por exemplo, 10, 20, 50 anos, nos mostra que as flutuações da pro-
dução e do emprego que ocorrem no curto prazo perdem sua importância relativa.

ATENÇÃO
É o crescimento econômico que se sobressai, isto é, o aumento contínuo da produção real nacional, em
termos absolutos e per capita, ao longo do tempo.

Agora, podemos nos perguntar: o que explica o crescimento da produção no longo prazo?
A teoria econômica inicia essa explicação apresentando uma função de produção agregada,
que pode ser representada da seguinte forma:

FÓRMULA

Y = f(K, L, T)
K – estoque de capital

L – quantidade de mão de obra

T – conhecimento tecnológico disponível

capítulo 6 • 123
COMENTÁRIO O estoque de capital representa a capacidade produtiva de uma
Economia, isto é, a quantidade de bens e serviços que ela pode pro-
Fluxo de investimento duzir a cada período de tempo. A variação do estoque de capital é
Como visto no capítulo 4, o investimen- determinada pelo fluxo de investimento, ou seja, para se acumular
to a cada período é um dos componen- capital (para o estoque de capital de uma Economia aumentar) é pre-
tes da demanda agregada da Econo- ciso investir.
mia. Como componente da demanda, Paralelamente, a força de trabalho é determinada pelo crescimento
explica em grande parte a flutuação da população. Quanto maior a população, maior a força de trabalho. O
na produção no curto prazo. Mas, em nível de conhecimento tecnológico disponível depende de todo progres-
longo prazo, ou seja, quando o fluxo so técnico disponível até os dias de hoje. No entanto, quanto mais nos
de investimento novo é incorporado ao dedicarmos à pesquisa científica, mais rápido surgirão novas tecnolo-
estoque de capital já existente, o inves- gias que, empregadas na produção, irão aumentar a quantidade de pro-
timento torna-se acréscimo de capaci- duto final por fator adicionado.
dade de produção. Ou seja, em longo
prazo, o investimento vai influenciar a ATENÇÃO
produção pelo lado da oferta.
Assim, quanto maior for o volume de capital e trabalho que uma Economia possuir, e
quanto mais rápido se der o desenvolvimento do progresso tecnológico que a mes-
COMENTÁRIO ma possa empregar na produção ao longo do tempo, tanto maior será o crescimento
da produção e, consequentemente, da renda e da renda per capita.
Novas tecnologias
Repare que o principal atributo da nova Contudo, é fundamental que tanto as firmas quanto o governo sai-
tecnologia é o aumento da produtivida- bam planejar os acréscimos de capital e trabalho na Economia, bem
de agregada (produto por trabalhador como estimular o progresso técnico, para que o crescimento seja con-
mais produto por capital). tínuo. O planejamento do crescimento em longo prazo evita desequi-
líbrios no emprego dos fatores de produção, bem como a redução do
crescimento (ou decrescimento, ou estagnação).
COMENTÁRIO
REFLEXÃO
Estoque de capital
O estoque de capital físico é formado Já sabemos que o crescimento econômico a longo prazo ocorre devido ao aumento
pela existência de máquinas, equipa- contínuo dos fatores de produção: capital, trabalho e tecnologia. Agora, vamos en-
mentos, instrumentos e edificações. tender um pouco mais sobre esses fatores de produção.

Acumulação de Capital (K)

A acumulação de capital físico, assim como a mão de obra, é essencial


para o crescimento. A acumulação de capital representa adições de ca-
pital físico ao estoque de capital, fazendo com que este aumente. Assim,
a acumulação de plantas industriais, de obras de infraestrutura (tais
como em estradas e energia elétrica), do investimento em recursos hu-
manos, e a melhor preparação de mão de obra, entre outros, irão contri-
buir para um crescimento econômico consistente e duradouro.

124 • capítulo 6
A qualificação da mão de obra pode ser atribuída à acumulação de COMENTÁRIO
capital humano, que conjuntamente com a acumulação de capital físi-
co, é indispensável ao crescimento econômico. Capital humano
O capital humano é o conjunto de co-
nhecimentos e habilidades que os tra-
Crescimento da força de trabalho (L) balhadores adquirem por meio da edu-
cação, treinamento e experiência.
O crescimento da força de trabalho é dado pelo crescimento populacio-
nal. Se, por um lado, a força de trabalho cresce à medida que a popula-
ção aumenta, por outro, o consumo agregado também, implicando uma COMENTÁRIO
maior demanda por bens e serviços.
Taxa de crescimento do PIB
REFLEXÃO Inversamente, se a taxa de cresci-
mento do PIB for menor que a taxa de
Uma medida para saber o quanto a população contribui para a geração de riqueza é crescimento da população, o produto
o produto por habitante (per capita), que é a relação entre o Produto Interno Bruto per capita reduzirá, representando uma
(PIB) e o total de habitantes a cada período de tempo. perda de eficiência na produção, ou
seja, mais habitantes produziram me-
Se, em um determinado período, a taxa de crescimento do PIB nos bens e serviços.
for maior que a taxa de crescimento da população, o PIB per capita
crescerá. Isso significa que neste período a população ou, mais es-
pecificamente, seus trabalhadores conseguiram produzir de forma COMENTÁRIO
eficiente mais bens e serviços.
Portanto, nesses termos, para que a renda per capita suba, é preciso Progresso tecnológico
que ocorra uma melhoria na qualidade da mão de obra (obtida através É a tecnologia disponível, incorporada
da melhoria nos níveis educacionais, de treinamento e especialização), aos fatores de produção, que permite
melhoria tecnológica (através do aumento da eficiência na utilização do significativas mudanças de processos
estoque de capital) e eficiência organizacional (maximização na utiliza- e técnicas que resultam em uma pro-
ção dos recursos disponíveis). (PASSOS e NOGAMI, 2003, p. 544). dução mais eficiente.

Nível de desenvolvimento tecnológico (T) COMENTÁRIO


O nível de desenvolvimento tecnológico é um conceito interpretado Poupador de capital
pelos economistas como um estágio de progresso tecnológico, o qual Segundo Gremaud (et al. 2006), os
se expressa na modernidade do estoque de capital e na qualificação países em desenvolvimento, como têm
da mão de obra. o fator trabalho em abundância, devem
O progresso tecnológico poderá ser considerado como neutro quando enfatizar um processo produtivo pou-
não altera a relação entre trabalhadores e máquinas. Poderá ser poupador pador de capital, que é o fator escasso.
de capital, quando o conhecimento técnico for empregado de forma a uti- O contrário acontece nos países de-
lizar mais trabalho que capital na produção, caso o capital seja o fator es- senvolvidos (op.cit., pág. 484).
casso. E será poupador de trabalho quando o capital for o fator abundante.
Os países desenvolvidos têm uma taxa de crescimento da popula-
ção relativamente mais baixa, seus trabalhadores são mais instruídos
e os salários são mais altos. Isso faz com que os países desenvolvidos

capítulo 6 • 125
se preocupem em investir mais recursos no desenvolvimento de máquinas e equipamen-
tos, do que em poupar mão de obra.

Crescimento de curto prazo e o equilíbrio macroeconômico

As escolhas que governantes enfrentam ao estabelecer estratégias de crescimento e desenvolvi-


mento para suas economias, obviamente, não são simples. Se o crescimento econômico alcançado
por determinada Economia é compatível com sua capacidade produtiva, ou seja, se o padrão de
consumo de sua população pode ser adequadamente satisfeito pela sua estrutura produtiva, o país
em questão pode crescer sem incorrer em desequilíbrios, tanto externos quanto internos, como por
exemplo, excesso de endividamento público. No entanto, se um país apresenta baixa taxa de investi-
mento e decide acelerar seu crescimento, apoiado no crescimento do consumo privado ou no gasto
público, por exemplo, incorrerá, no médio prazo, em desequilíbrios orçamentários e, possivelmente, no
setor externo (como visto no capítulo 4), os quais acabarão interrompendo tal modo de crescimento.
Logo, o crescimento é macroeconomicamente sustentável quando não se incorre em desequilíbrios
progressivos (inflação, déficit público ou déficit externo).

Desenvolvimento econômico
O principal objetivo do desenvolvimento econômico é atender a uma demanda fundamen-
tal das sociedades modernas, isto é, o bem-estar. Para tal, o sistema econômico e o governo
devem perseguir basicamente quatro objetivos para satisfazer a demanda por bem-estar de
uma sociedade, a saber: segurança, justiça social, liberdade e preservação do meio ambiente.
O desenvolvimento econômico vai além de um aumento na quantidade de bens e ser-
viços produzidos, em temos absolutos ou per capita, em um determinado período. Por-
tanto, na análise do desenvolvimento econômico, incluem-se as mudanças de caráter
quantitativo e qualitativo.

ATENÇÃO
De acordo com Gremaud (op.cit., 2006), para ocorrer o desenvolvimento econômico devemos observar se
o crescimento econômico que acontece ao longo do tempo está provendo:
a) crescimento do produto por habitante;
b) redução dos níveis de pobreza, desemprego e desigualdade social;
c) melhoria nas condições de vida, tais como: saúde, nutrição, educação, moradia e transporte.

Por essa razão, ressaltam Passos e Nogami (2003), o desenvolvimento econômico não
deve ser analisado ao tomar-se por base só os indicadores de crescimento econômico,
como a taxa de crescimento do PIB e do PIB per capita, mas por outros indicadores que
reflitam mudanças na qualidade de vida da população de uma Economia (op. cit., p. 545).
Em meados do século XX, muitos governos, inclusive latino-americanos, viam no de-
senvolvimento econômico um processo de transformação da estrutura produtiva, como
um meio de superar o atraso histórico em que se encontravam os países subdesenvolvi-
dos e alcançar rapidamente o nível de bem-estar dos países considerados desenvolvidos.

126 • capítulo 6
Nesse processo, muitos países adotaram políticas que incentivavam o COMENTÁRIO
avanço da industrialização como política de aumento de emprego e
renda, trazendo a reboque a melhoria da qualidade de vida. Avanço da industrialização
O processo de desenvolvimento das nações não é recente, e, mesmo No pós-guerra, os vários países que
assim, nem todos os países possuem nos dias de hoje um padrão de vida promoveram um processo de indus-
comparado ao do europeu, norte-americano ou japonês. Assim, o estu- trialização acelerada como forma de
do sobre desenvolvimento econômico, no âmbito econômico e social, é superar o atraso econômico e social
importante, haja vista as diferenças existentes entre as economias de- perseguiram estratégias diferentes.
senvolvidas e as em desenvolvimento. Por exemplo, no Brasil, a industrializa-
ção teve como foco maior atender o
mercado interno. Em países asiáticos,
Os principais indicadores sociais: índice como a Coreia do Sul, o processo de

de Gini e índice de desenvolvimento industrialização teve como foco aten-


der à demanda externa.
humano (IDH)

Os índices de Gini e IDH são comumente utilizados para medir e ava- COMENTÁRIO
liar a evolução da qualidade de vida da população em função do cres-
cimento econômico. Avalia então, se o crescimento da produção, da ri- Em desenvolvimento
queza e da população está sendo acompanhado pelo desenvolvimento São atualmente classificadas como
econômico — isto é, da melhoria na qualidade de vida, melhor distri- economias de renda baixa (que con-
buição de renda, entre outros, que são os indicadores mais utilizados tinuam muito atrasadas em relação
como instrumentos para essa avaliação. às desenvolvidas) e as de renda mé-
dia (chamadas também de economias
RESUMO emergentes, pois estão em vias de
convergir com as desenvolvidas).
O aumento da renda per capita não é, como já mencionado no capítulo 4, a melhor
tradução da melhoria do bem-estar da população. O índice de Gini mede o nível de
concentração de renda, e o IDH mede o nível de desenvolvimento. COMENTÁRIO
Índice de Gini
Leva o nome de seu criador, o estatísti-
Índice de Gini co italiano Corrado Gini (1884-1965),
e foi desenvolvido com o objetivo de
O índice de Gini é o instrumento comumente utilizado para medir o medir a desigualdade de renda em uma
grau de concentração de renda de um país. Por meio dele, podemos sociedade. Gini também realizou impor-
comparar os diferentes graus de concentração de renda entre países já tantes trabalhos no campo da Demo-
reconhecidamente ricos (Estados Unidos, Japão, Alemanha etc.), em grafia e da Sociologia.
desenvolvimento (Brasil, Rússia, China etc.) e os reconhecidamente po-
bres (Etiópia, Nigéria, El Salvador etc.).
O índice de Gini mostra a diferença entre a renda dos mais pobres
e dos mais ricos de um mesmo país e varia em uma escala de zero a
um. O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos
têm a mesma renda. O valor um está no extremo oposto, isto é, uma
só pessoa detém toda riqueza.

capítulo 6 • 127
Dessa forma, quanto mais próximo de zero menor será a concentração de renda e desi-
gualdade. E quanto mais próximo da unidade, maior será a concentração de renda, mos-
trando que tal país tem uma desigualdade de renda muito elevada. Quando um país se en-
contra nesta última situação, a maior parte da população recebe a menor parte da renda.

REFLEXÃO
Países com uma alta concentração de renda têm uma classe média reduzida e salários médios muito bai-
xos. É amplamente reconhecido que países com uma desigualdade de renda muito alta são considerados
países pobres, menos desenvolvidos.

O índice de Gini é uma medida utilizada para orientar a elaboração de políticas públicas,
mostrando em quais extratos de renda está a fração da população que precisa receber subsí-
dios, políticas de redistribuição de renda e uma maior oferta de serviços públicos, com o in-
tuito de aumentar a participação dessa parte da população na apropriação da renda nacional.

Explicando o índice de Gini


O índice de Gini se baseia na curva de Lorenz (veremos um exemplo a seguir), que mos-
tra a proporção de renda nacional recebida por uma dada porcentagem da população.
Essas proporções são cumulativas, das famílias mais pobres para as mais ricas. A área
resultante da diferença entre as duas curvas, dividida por toda a área à direita da linha
diagonal, é o índice de Gini.
A linha diagonal (com ângulo de 45º) denota a linha de igualdade perfeita. Quando
a curva de Lorenz, que retrata a distribuição de renda real, é igual à linha diagonal, não
há concentração de renda. Por outro lado, quanto mais a curva de Lorenz estiver afastada
(para direita) da linha diagonal, mais desigual e concentrada é a distribuição de renda do
país. Vejamos um exemplo:
RENDA
100%

QUARTO 25%
PERFEITA TEM 70% DA RENDA
NACIONAL
DISTRIBUIÇÃO
DE RENDA

TERCEIRO 25%
TEM 15% DA RENDA
NACIONAL

SEGUNDO 25%
TEM 10% DA RENDA
PRIMEIRO 25% NACIONAL CURVA DE
TEM 5% DA RENDA
NACIONAL
LORENZ

0% 100%
POPULAÇÃO
128 • capítulo 6
EXEMPLO COMENTÁRIO
A figura apresenta um cenário de elevada concentração de renda. Os 25% mais Crescimento puramente
pobres ficam com apenas 5% da renda, enquanto os 25% mais ricos apropriam-se econômico
de 70% da renda. A partir desse panorama, um governo preocupado em diminuir Avalia a evolução do bem-estar de uma
a desigualdade, pode elaborar políticas públicas apropriadas para essa faixa da população somente através dos recursos
população. Por exemplo, pode implantar um programa de transferência de renda à que ela possui, pela renda ou riqueza que
população mais carente, para elevar seu padrão de vida, oferecendo maiores opor- ela pode gerar.
tunidades para o desenvolvimento humano (como o Bolsa Família, por exemplo);
pode aumentar a oferta e o acesso à educação e serviços de saúde de qualidade;
pode reduzir a carga de impostos de produtos de primeira necessidade (de maior COMENTÁRIO
consumo das populações mais carentes); pode subsidiar moradia etc.
IDH
Elaborado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 1990. Seu desenvolvimento do IDH
está associado ao nome do economista
Diferentemente da perspectiva do crescimento puramente econômico, Amartya Sen, ganhador do prêmio Nobel
a abordagem do desenvolvimento humano procura olhar direta- de Economia em 1998.
mente para o potencial de desenvolvimento das pessoas, aumen-
tando o acesso aos recursos necessários para se obter um padrão de
vida melhor, considerando uma vida longa e saudável, com acesso COMENTÁRIO
a educação de qualidade e com a preocupação de preservação das
gerações futuras. Desenvolvimento humano
O IDH é um indicador socioeconômico com o objetivo de medir o De acordo com Passos e Nogami
grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à (2003), o desenvolvimento humano pro-
população de quase todos os países do mundo. Assim é diretamente cura aumentar as opções das pessoas,
empregado para comparar o nível de desenvolvimento entre os países. não apenas aumentando a capacidade
Esse programa partiu do pressuposto de que, para conhecer e aferir de consumir bens e serviços, mas as op-
o avanço na qualidade de vida de uma população, seria necessário um ções criadas para aumentar a capacida-
indicador que avaliasse progressos sociais, ou seja, um indicador que de ou condição humana.
avaliasse o desenvolvimento das capacidades humanas de progresso.
Assim o IDH considera, além da renda per capita, outras características
que influenciam a qualidade de vida.

REFLEXÃO
Segundo o PNUD, a renda é uma variável importante, mas como um meio para
alcançar o desenvolvimento, e não o seu fim. Ao introduzir a ideia de desenvolvi-
mento humano na perspectiva do desenvolvimento econômico, o foco é transferido
da renda para o ser humano.

O conceito de desenvolvimento humano difundido pelo PNUD pres-


supõe um processo de ampliação das escolhas das pessoas, para que te-
nham capacidade e oportunidade para ser o que desejarem.

capítulo 6 • 129
O IDH é calculado pelo PNUD, que avalia 3 dimensões do desenvolvimento humano:
renda, longevidade e educação. Assim, é obtido com base em dados econômicos e sociais,
a saber: PIB per capita, expectativa de vida, anos de estudo e anos esperados de estudo.
O IDH varia em uma escala de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um (desen-
volvimento humano total). Assim, inversamente ao índice de Gini, o país é mais desenvol-
vido quando seu IDH é mais próximo de 1 (a metodologia deste índice também é utilizada
para aferir o desenvolvimento de cidades, estados e regiões). Vejamos uma tabela:

IDH 2012 (países selecionados)

Ranking País IDH Ranking País IDH


1º Noruega 0,955 20º França 0,893

2º Austrália 0,938 26º Reino Unido 0,875

3º Estados Unidos 0,937 40º Chile 0,819

4º Holanda 0,921 45º Argentina 0,811

5º Alemanha 0,920 51º Uruguai 0,792

6º Nova Zelândia 0,919 61º México 0,775

7º Irlanda 0,916 85º Brasil 0,730

8º Suécia 0,916 91º Colômbia 0,719

9º Suíça 0,913 173º Etiópia 0,388

10º Japão 0,912 185º Moçambique 0,327

Fonte: PNUD
Apesar dos avanços recentes, podemos ver na tabela que o Brasil se encontra em
uma posição intermediária em relação aos países do globo. Segundo o PNUD (2013),
o Brasil saltou de um IDH de 0,522 em 1982, para 0,730 em 2012. No índice de Gini,
passou de 0,6356, em 1989, para 0,5299 em 2012. Isto pode ser interpretado como um
processo de convergência, ainda que lento, aos níveis de renda e qualidade de vida dos
países desenvolvidos.

REFLEXÃO
Contudo, vale ressaltar que outros países latino-americanos, como Chile, Argentina, Uruguai e México,
embora tenham uma geração de riqueza absoluta inferior à brasileira, possuem, segundo o PNUD de 2012,
um desenvolvimento humano melhor que o do Brasil.

Desenvolvimento sustentável
A questão da sustentabilidade do desenvolvimento econômico foi o tema de debate na famo-
sa Conferência das Nações Unidas de 1972, em Estocolmo. O conceito de desenvolvimento
sustentável passou a ser disseminado após o relatório da Brundtland Commission, de 1987.

130 • capítulo 6
ATENÇÃO COMENTÁRIO
Esse conceito define como sustentável o desenvolvimento econômico que atenda Conservação do meio ambiente
às necessidades da geração corrente sem comprometer a capacidade das gera- Recursos naturais e ambientais são
ções seguintes atenderem suas próprias necessidades. Dessa forma, o cresci- empregados ao longo do processo de
mento e o desenvolvimento econômico deveriam ser perseguidos levando-se em crescimento econômico, mas devem ser
conta o equilíbrio entre o que é socialmente desejável, economicamente viável e usados com consciência para evitar a
sem danos irreversíveis ou não ao meio ambiente. exaustão acelerada de recursos não re-
nováveis, a degradação do meio ambien-
Dessa forma, para o desenvolvimento ser sustentável é necessário te e a poluição. Caso contrário, o cresci-
que o crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida ocor- mento e o próprio desenvolvimento não
ram respeitando a conservação do meio ambiente. serão sustentáveis.
A acumulação de lixo não orgânico, poluição dos recursos hídricos e do
ar, bem como a utilização eficiente de recursos naturais finitos, expõem o
desafio, para as gerações atuais e seguintes, quanto à manutenção do atual COMENTÁRIO
ritmo de crescimento da produção e consumo, à medida que a melhoria de
vida em muitas sociedades permite um aumento no padrão de consumo. Ecologicamente possível
O desenvolvimento sustentável, do ponto de vista ambiental, requer Novas tecnologias devem ser persegui-
o equilíbrio entre proteção do meio ambiente e seus recursos, e o uso das para que o uso dos recursos ambien-
destes recursos de forma a garantir uma qualidade de vida aceitável (de- tais pelo progresso econômico não de-
senvolvimento humano) para os habitantes não só de algumas nações, gradem o meio ambiente, prejudicando
mas para todo planeta. Portanto, o crescimento e o desenvolvimento o desenvolvimento e a qualidade de vida
econômico devem ocorrer dentro dos limites do que é ecologicamente das gerações futuras.
possível, e promover o acesso a recursos e oportunidades para o aumen-
to da prosperidade a todos.

Políticas públicas para a promoção do


desenvolvimento

Vimos que o padrão de vida da sociedade depende de sua capacidade


de produzir bens e serviços, e que sua produtividade depende do capi-
tal físico, do capital humano, dos recursos naturais e do conhecimento
tecnológico. Mas o que os formuladores de política podem fazer para
estimular o aumento do produto por trabalho, que traz efeitos positivos
sobre a renda e a contínua melhoria do padrão de vida da sociedade?

REFLEXÃO
Nesta seção destacaremos algumas políticas públicas que os governos têm implementado
para promover o desenvolvimento econômico nos países. Primeiramente, trataremos do
incentivo à Acumulação de Capital; em seguida, da Educação e do Direito de Propriedade;
depois do Livre Comércio, e, finalmente, dos estímulos à Pesquisa e Desenvolvimento.

capítulo 6 • 131
COMENTÁRIO Política de incentivo à acumulação de capital

Forte correlação O incentivo à acumulação de capital produtivo consiste em estimular o in-


Como o consumo das famílias e a arre- vestimento na formação de capital fixo. Isso pode ser feito por meio de es-
cadação tributária aumentam, podendo tímulos à expansão de uma indústria de bens de capital, a qual venha pro-
induzir a um aumento nos gastos do duzir bens de capital mais avançados, contribuindo para o aumento do
governo, as firmas, em um clima de ex- produto da economia e da renda por trabalhador. Investir mais recursos
pectativas otimistas, podem elevar seus na produção de bens de capital proporcionará um aumento no estoque
investimentos para ampliar a capacidade de capital do país, permitindo ao mesmo produzir mais bens e serviços.
produtiva e, com isso, satisfazer a de-
manda crescente devida ao crescimento EXEMPLO
da renda nacional.
Suponha que o Congresso Nacional aprove uma mudança tributária que tenha por
objetivo tornar o investimento mais atraente, através da criação de uma espécie de
crédito tributário para o investimento. Essa política concederia uma vantagem tribu-
tária — uma dedução do imposto devido — a qualquer empresa que construa uma
nova fábrica ou compre um novo equipamento, com impacto positivo na geração de
novos postos de trabalho. Isso, na prática, representaria uma recompensa às empre-
sas que tomam empréstimos e investem em novo capital, alterando o investimento
para qualquer nível da taxa de juros.

A relação entre crescimento e investimento é forte, embora não seja


perfeita. Os países que dedicam sistematicamente uma grande parcela
do seu PIB ao investimento, tendem a ter altas taxas de crescimento do
PIB no longo prazo. Os que dedicam parcelas pequenas do PIB ao inves-
timento, ou apresentam um comportamento do investimento evoluin-
do de forma muito volátil (ora o investimento se expande muito rápido,
ora muito devagar), tendem a ter baixas taxas de crescimento no longo
prazo, quando comparado ao primeiro caso.
No entanto, à medida que a renda agregada aumenta, o investimento
também aumenta, conotando uma forte correlação entre estas duas va-
riáveis. Como vimos no capítulo 4, o investimento expande a demanda,
que por sua vez, expande a produção, o emprego e a renda.

O financiamento do investimento em capital fixo e a poupança

Para a expansão da acumulação de capital, é essencial o desenvolvimento


de um sistema de financiamento (concessão de empréstimos bancários em
prazos e condições razoáveis ou o desenvolvimento de um mercado de títu-
los) que viabilize projetos de imobilização de capital, envolvendo longo perío-
do de tempo para gerar fluxos de renda que permitam saldar dívidas contra-
ídas. Na ausência de um sistema financeiro que atenda a esta necessidade,
o governo pode adotar, por exemplo, políticas que aumentem a taxa de pou-
pança da nação, reduzindo o consumo privado. Esta política, no entanto,

132 • capítulo 6
só será bem sucedida se a poupança aumentada significar que haverá mais recursos disponíveis
para produzir bens de capital. Caso a poupança aumentada seja dirigida à especulação financeira,
diz-se que ocorre um vazamento de recursos que não ampliam a demanda agregada.
O governo também poderá estimular o investimento em capital produtivo através das operações
dos bancos públicos de desenvolvimento, que visam financiar o investimento de longo prazo. Os
bancos públicos têm um papel distinto dos bancos privados. O papel dos bancos públicos é basi-
camente atender à demanda de crédito não suprida pelo setor financeiro privado. Eles concedem
crédito para grandes, médios e pequenos produtores e empreendedores, projetos de infraestrutura
e investimentos que têm por objetivo o desenvolvimento regional, por exemplo, que é relevante no
desenvolvimento econômico.
Devido à natureza do investimento que envolve sempre um horizonte de longo prazo — no qual o
risco, a incerteza, o volume de recursos solicitados e os prazos de financiamento são maiores —,
em muitos casos, o banco privado pode não ter interesse em financiá-lo. Além disso, em países
em desenvolvimento, o mercado de títulos é geralmente insuficiente para atender ao volume de
demanda de recursos das empresas para financiamento de longo prazo. Portanto, a escassez de
financiamento desse investimento produtivo pode ser abreviada pela atuação dos bancos públicos
de desenvolvimento.
No caso do Brasil, entre os bancos públicos, destacamos o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), o qual financia investimentos que contribuem para o crescimento
econômico do país, concedendo empréstimo de longo prazo com taxa de juros abaixo das taxas de
mercado. Entre os projetos que requerem um grande volume de recursos, o BNDES tem financiado
investimentos nas áreas de petróleo e gás, energia elétrica, logística, agronegócio etc. Entre os princi-
pais objetivos do BNDES, está a promoção das potencialidades produtiva e inovadora, com impactos
na exportação de bens e serviços, na geração de emprego e renda, e qualidade de vida (através dos
financiamentos a investimentos em infraestrutura, transporte, saúde, educação, cultura e lazer).

O aumento da capacidade produtiva pode ocorrer pelo investimento dos residentes e


dos não residentes, ou seja, o investimento estrangeiro. O investimento estrangeiro pode
assumir várias formas. Por exemplo, a montadora Hyundai poderia construir uma fábrica
de carros no Brasil. Como esse investimento seria diretamente na produção, ele é chamado
de investimento estrangeiro direto.
Alternativamente, se um não residente adquirir ações de uma empresa brasileira (com-
prar uma participação na propriedade da empresa), ele poderia usar os recursos obtidos
com a venda de ações para construir uma nova fábrica. No entanto, o investimento estran-
geiro indireto só ocorre com a primeira venda da ação.

ATENÇÃO
Um investimento financiado com dinheiro de não residentes, mas operado por residentes, é chamado de
investimento estrangeiro indireto. Dessa forma, o resto do mundo poderá proporcionar os recursos neces-
sários (poupança) para aumentar o estoque de capital da Economia nacional.

Os economistas acreditam que o investimento estrangeiro pode trazer uma grande con-
tribuição para o crescimento e o desenvolvimento econômico dos países. Mesmo que parte

capítulo 6 • 133
COMENTÁRIO dos benefícios desse investimento retorne ao proprietário estrangeiro,
o investimento aumenta o estoque de capital da Economia, gerando
Capital humano maior produtividade e maiores salários. Além disso, o investimento
Em países em vias de desenvolvimento, estrangeiro é uma maneira pela qual os países pobres podem absorver
especialmente onde o capital humano é parte das tecnologias avançadas usadas pelos países ricos.
mais escasso, a diferença entre os salá-
rios dos trabalhadores instruídos e não Banco de desenvolvimento internacional e
instruídos é muito elevada. O baixo nível o desenvolvimento econômico
de instrução e qualificação é uma das
fontes da concentração de renda. O Banco Mundial é uma organização que procura incentivar o fluxo de capital
para os países pobres ou em desenvolvimento, como Brasil, Chile, Panamá, Áfri-
ca do Sul etc. Essa organização internacional capta recursos dos países avan-
COMENTÁRIO çados, como os Estados Unidos, Alemanha e Suíça, e os utiliza para conceder
empréstimos a países menos desenvolvidos, de forma que eles possam investir
Investimento em capital humano em estradas, saneamento básico, escolas e outros tipos de capital que possam
Quando os estudantes estão na escola, promover o desenvolvimento econômico e a melhoria do padrão de vida, princi-
abrem mão dos salários que podem ga- palmente das camadas mais carentes da população. O Banco Mundial também
nhar. Em países menos desenvolvidos, oferece a esses países assessoria para auxiliar os países que estão em vias de
as crianças frequentemente abando- desenvolvimento a empregar melhor os recursos disponíveis na nação.
nam as escolas muito jovens, ainda que
o benefício da educação seja muito alto,
simplesmente porque seu trabalho é ne- Política de incentivo à Educação
cessário para ajudar a manter a sua fa-
mília. É nessa situação que as bolsas de Outro meio fundamental para o desenvolvimento de um país são as po-
estudos governamentais têm um papel líticas públicas que elevam o nível de educação da população. O gasto
essencial e fundamental no desenvolvi- público em educação representa investimento em capital humano. Para
mento socioeconômico da nação. um país crescer e se desenvolver ao longo do tempo não basta acumular
capital físico, mas também capital humano.
Assim, a política de governo pode aumentar o padrão de vida de sua
população oferecendo boas escolas e incentivando a sua plena utiliza-
ção. O governo pode oferecer bolsas de estudos a alunos (ou à sua famí-
lia), para mantê-lo na escola, e assim evitar a evasão escolar, que ainda é
alta nos países menos desenvolvidos.
O investimento em capital humano implica deixar de trabalhar (para
auferir uma renda) e se dedicar a um estudo: profissionalizante, espe-
cialização ou de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias ou
conhecimento. Portanto, assim como o investimento em capital físico,
o investimento em capital humano tem um custo de oportunidade.

Investimento em capital humano

Para os economistas estudiosos do crescimento de longo prazo, o investi-


mento em capital humano é particularmente importante, pois propaga exter-
nalidades positivas. Uma externalidade é o efeito das ações de uma pessoa

134 • capítulo 6
CONCEITO
sobre o bem-estar de outra pessoa. A externalidade pode também ser cau-
sada pelas empresas e pode afetar quem está perto ou longe dela. Uma pes- Direito de propriedade
soa instruída, por exemplo, poderia gerar novas ideias sobre a melhor forma O direito de propriedade refere-se à
de produzir bens e serviços. Se estas ideias entrarem para o conjunto de capacidade das pessoas de exerce-
conhecimento de uma sociedade, de modo que todos possam usá-las, então rem autoridade sobre os recursos que
essas ideias serão uma externalidade da educação. Nesse caso, o retorno possuem.
da instrução para a sociedade é maior do que o retorno para o individuo.
Esse argumento justificaria grandes subsídios ao investimento em capital
humano que observamos sob a forma de educação pública. COMENTÁRIO
Mankiw (2005) chama a atenção para a fuga de cérebros. Muitos países en-
frentam a emigração de muitos trabalhadores mais instruídos para países ricos Tribunais de justiça
e desenvolvidos, onde eles podem desfrutar de um padrão de vida mais eleva- O Estado deve garantir o direito de pro-
do. Como o capital humano gera externalidade positiva, essa fuga de cérebros priedade. Os tribunais fazem com que os
deixaria as pessoas que permanecem, no país, ainda mais pobres do que antes. direitos de propriedade sejam cumpri-
Esse problema cria um dilema para os formuladores de política. Os países ricos dos. Por meio da justiça penal, os tribu-
têm os melhores sistemas de educação superior, sendo natural que os países nais desencorajam o roubo. Além disso,
pobres enviassem seus melhores alunos para o exterior a fim de melhorar sua por meio da justiça civil, os tribunais ga-
instrução. No entanto, esses alunos que passaram algum tempo fora podem rantem que compradores e vendedores
decidir não voltar para seus países de origem, e essa fuga de cérebros reduziria respeitem os contratos.
ainda mais o estoque de capital humano. (MANKIW, 2005, p. 374).

Política de garantia ao Direito de Propriedade

Um produto de consumo das famílias, assim como muitos insumos em-


pregados no processo de produção, passa por várias etapas de produção
até que fiquem prontos para serem consumidos. Essa divisão de produ-
ção entre muitas empresas permite que fatores de produção da Econo-
mia sejam usados da maneira mais eficaz possível.

RESUMO
Como vimos no capítulo 3, as economias de mercado se auto ajustam por meio dos
preços de mercado, o que equilibra a oferta e a demanda.

Mas para o sistema de preços funcionar, é necessário um respeito


amplo na Economia pelo direito de propriedade. Uma empresa do ramo
do agronegócio não irá investir na produção de grãos se o direito a sua
propriedade não for garantido, ou seja, não irá investir se ela acreditar
que sua propriedade pode ser confiscada pelo próprio governo ou apro-
priada indevidamente por outros indivíduos.
Ela só irá operar se tiver certeza de que se beneficiará da venda subse-
quente de sua produção. Por isso, os tribunais de justiça desempenham
um papel importante nas economias de mercado.

capítulo 6 • 135
COMENTÁRIO A política de governo deve promover a eliminação dos obstáculos ao
bom funcionamento do mercado, como garantir os direitos de proprie-
Políticas econômicas de livre dade de todos os residentes e não residentes no país. A ineficiência do
comércio sistema de justiça, por exemplo, poderia desestimular a geração de in-
Os governos podem retirar obstáculos vestimento doméstico e estrangeiro.
ao livre comércio, tais como tarifas so-
bre os produtos importados ou exigên- REFLEXÃO
cia de cotas de importação.
Sem os direitos de propriedade, o país não cresce nem se desenvolve, principalmen-
te, porque isso desestimularia o investimento privado.
COMENTÁRIO
Política voltada para dentro
Tem por objetivo aumentar a produtivida- Política de incentivo ao livre comércio
de e os padrões de vida dentro do país,
evitando que os bens produzidos inter- As políticas econômicas que permitem o livre comércio da Economia
namente entrem em competição com com as demais nações são vistas como um meio de desenvolvimento
os estrangeiros no mercado doméstico. econômico. Segundo seus defensores, permitem que o país empregue
Opõe-se à política voltada para fora. seus recursos disponíveis na produção daquilo em que é mais eficiente,
e troque-os, por meio das exportações, pelos bens sobre os quais não
temos conhecimento ou tecnologia para fazê-los.
AUTOR Entre o final dos anos 1940 e início dos anos 1980, muitos países em
desenvolvimento, inclusive o Brasil, adotaram uma política que inibia o
Celso Furtado livre comércio como medida de estímulo à industrialização nacional.
Celso Furtado (1920-2004) é uma re-
ferência no pensamento econômico REFLEXÃO
brasileiro, além de ter sido um renoma-
do intelectual, imortalizado pela Acade- Como os países pobres tinham poucas indústrias, o livre comércio naquele momento
mia Brasileira de Letras em 1997. poderia impedir que muitos setores industriais nascessem e progredissem. Nesse ce-
nário, os países ricos e industrializados exportariam bens mais sofisticados para os pa-
íses mais pobres e estes exportariam produtos básicos e primários para os primeiros.

Essa política de industrialização acelerada com base em proteção ta-


rifária e não tarifária, que propiciou um rápido crescimento em muitas
economias menos desenvolvidas no pós-guerra, até os anos 1980, é co-
nhecida como política voltada para dentro.
Essa abordagem obtém o apoio de algumas empresas locais que rei-
vindicam proteção contra concorrentes estrangeiros para competir e
crescer. O Brasil foi um país que perseguiu a política de industrialização
acelerada como forma de reduzir sua distância em relação às economias
desenvolvidas. Muitos economistas de renome contribuíram para esta
estratégia, devendo-se mencionar o nome de Celso Furtado.
A partir dos anos 1990, a corrente que propõe o livre comércio
como meio de desenvolvimento passou a predominar. Essa política in-
centivou as empresas instaladas em território nacional a serem mais

136 • capítulo 6
eficientes e competitivas em relação àquelas instaladas no resto do COMENTÁRIO
mundo; isso porque as empresas domésticas — sejam elas de residen-
tes ou não residentes — concorrem com as estrangeiras tanto no mer- Bem público
cado interno quanto externo. A disseminação desse conhecimento
livre é que vai tornar possível a criação
REFLEXÃO de novas tecnologias que serão aplica-
das tanto no crescimento da produção
Para o livre comércio cooperar com o desenvolvimento econômico de um país ou re- quanto na melhoria da qualidade de vida.
gião em desenvolvimento, é preciso que a tecnologia (ou know-how) disponível seja A evolução da internet é um exemplo.
igualmente acessível a todos os países. Caso contrário, os países mais avançados
tecnologicamente sempre estarão em vantagem sobre os países menos avançados
no comércio internacional.

Desse modo, o livre comércio estaria contribuindo para a melhoria


da qualidade e aumentando a quantidade de produto nacional, gerando
mais emprego e renda para seus habitantes, bem como o comércio in-
ternacional pode melhorar o bem-estar dos cidadãos de um país.

Política de incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento

Outra política pública é o apoio à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O


avanço do conhecimento técnico ao longo do tempo pode ser considera-
do a principal razão para a evolução da qualidade de vida em relação aos
padrões de 20, 50 ou 100 anos atrás.

EXEMPLO
O telefone, a penicilina, o motor elétrico, os computadores e o laser estão entre as
inovações que no último século contribuíram para melhorar a capacidade de produzir
bens e serviços, e também o padrão de vida.

Assim, o governo poderá adotar políticas que estimulem o desen-


volvimento tecnológico, não só criando incentivos para que a inicia-
tiva privada (empresas e universidades privadas) incremente as pes-
quisas, como também estimulando o desenvolvimento tecnológico
por meio das instituições públicas (como os institutos de pesquisa e
as universidades públicas).
Toda pesquisa tem o objetivo de desenvolver conhecimento aplica-
do ou científico. E, de modo geral, o conhecimento é um bem público,
isto é, toda vez que alguém tem ou desenvolve uma ideia, ela entra para
o conjunto de conhecimento da sociedade e, assim, outras pessoas po-
dem fazer livre uso dela.
Um grande estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tec-
nologias é o sistema de patentes propiciado pelo governo. Por exemplo,

capítulo 6 • 137
quando um inventor ou empresa desenvolve um novo produto, como um circuito eletrô-
nico (chip), por exemplo, seu inventor solicita uma patente. Se o produto for considerado
realmente original, o governo concede a patente, dando ao inventor direito exclusivo de
fabricação do produto por um determinado período de anos, que pode chegar ao máximo
de 20 ou 25 anos, dependendo da especificidade do produto.

RESUMO
Na prática, a patente dá ao seu inventor o direito de propriedade sobre sua invenção. A patente concede
um direito de monopólio sobre o qual, durante o seu período de vigência, o proprietário poderá explorá-lo lu-
crativamente, inclusive como meio de ressarcimento dos custos envolvidos na pesquisa que gerou o invento.

Ao permitir que os investidores lucrem com seus inventos, mesmo que seja por um pu-
nhado de anos, o sistema de patentes aumenta o incentivo para que indivíduos e empresas
se dediquem à pesquisa. Assim, a pesquisa e o desenvolvimento de novos conhecimentos e
tecnologias vão aumentando a capacidade das firmas e das famílias de elevarem sua rique-
za e qualidade de vida, utilizando mais eficientemente os recursos escassos e degradando
cada vez menos o meio ambiente.

Gastos do governo em Pesquisa e Desenvolvimento

O governo dos Estados Unidos, há algum tempo, desempenha um papel importante na criação e
disseminação do conhecimento tecnológico. Há mais de um século, o governo americano vem pa-
trocinando pesquisas de métodos de produção agrícola, bem como aconselhando os agricultores
sobre como usar a terra de forma mais produtiva. Mais recentemente, por meio do seu departa-
mento de defesa e da NASA (Administração Nacional de Aeronáutica e do Espaço), tem financia-
do a pesquisa aeroespacial; como resultado, os Estados Unidos tornaram-se líderes na produção
de foguetes e aviões. O governo continua a incentivar o avanço do conhecimento com bolsas de
pesquisa através da Fundação Nacional de Ciência e do Instituto Nacional da Saúde, além das de-
duções de impostos para as empresas que se dedicam à pesquisa e ao desenvolvimento científico
(cf. MANKIW, 2005, p. 376).
As guerras também influenciam a Pesquisa e Desenvolvimento. O departamento de defesa nacio-
nal americano, assim como aqueles de outros países, estimula o desenvolvimento tecnológico e
científico com objetivos de defesa. Mas essa tecnologia acaba transbordando para a sociedade na
forma de bens e serviços de uso civil, em tempo de paz. A difusão do transporte aéreo comercial
intercontinental, o desenvolvimento de radares sofisticados e das telecomunicações, são alguns
exemplos de subprodutos das políticas voltadas para o desenvolvimento tecnológico e científico
em prol da defesa nacional.

Globalização
Do ponto de vista econômico, a globalização pode ser entendida como uma integração glo-
bal das relações econômicas e financeiras. Isto é, as economias tornam seus mercados de
bens, serviços e financeiros integrados às demais economias, criando um único mercado

138 • capítulo 6
global. Nesse processo, as empresas perdem sua característica nacional COMENTÁRIO
ou multinacional para assumir uma postura global. Por exemplo, um
mesmo produto pode ser produzido em escala mundial. Expansão marítima europeia
O início das grandes navegações e a
REFLEXÃO descoberta da América, em 1492, pro-
piciou um intercâmbio cultural e mer-
Segundo a teoria econômica, ao longo da globalização, o sistema capitalista de pro- cantil entre os mercados então conhe-
dução desenvolveu-se em escala mundial, isto é, o mercado, as forças produtivas, a cidos: Europa, Ásia e América. Com a
nova divisão internacional do trabalho e a reprodução ampliada do capital expandi- organização mercantilista dessa época,
ram suas fronteiras globalmente. surgiram novas rotas comerciais que
expandiram as trocas entre os países,
gerando um maior crescimento e de-
senvolvimento de suas economias.
Origem

Muitos economistas, ao explicar as origens do processo de globalização COMENTÁRIO


(que teve início no fim dos anos 1980), reportam que esse processo é de-
corrente de um fenômeno econômico do século XV, devido à expansão Meios de comunicação
marítima europeia. Sua rápida expansão, a partir dos anos
A acumulação de riqueza com as trocas ultramarinas criou con- de 1950, com a popularização do telefo-
dições para outro fenômeno econômico: a Revolução Industrial, em ne, do rádio e do telégrafo, foi o alicerce
meados do século XVIII, que trouxe desenvolvimento econômico e para a nova fase da globalização que se
principalmente tecnológico. inicia ainda nos anos 1980.

REFLEXÃO
A produção aumentou e, com isso, as exportações. Agora, os países poderiam
comprar produtos que não fabricavam de outros países e se especializar na pro-
dução daqueles em que são mais eficientes, ou seja, aqueles que fabricam a um
custo mais baixo.

No século XX, o mundo sofreu outra mudança com a criação das


corporações multinacionais (uma empresa com sedes e fábricas espa-
lhadas pelo mundo), criando uma nova fase do capitalismo e promo-
vendo uma expansão da produção em escala mundial ainda não vis-
ta. Nesse mesmo século, o progresso tecnológico cria e desenvolve os
meios de comunicação.
Através da ascensão das ideias neoliberais dos anos 1980, houve
uma onda de desregulamentação das atividades financeiras, que já se
observava nos países desenvolvidos desde 1970. Assim, o capital finan-
ceiro poderia livremente fluir para outros mercados em busca de uma
rentabilidade maior. Isso corroborado pelo progresso tecnológico as-
sociado à evolução da informática e das telecomunicações. O resulta-
do foi a extraordinária redução dos custos operacionais e dos custos de
transação em escala global.

capítulo 6 • 139
REFLEXÃO
Assim, as operações financeiras tornaram-se significativamente mais baratas, ao mesmo tempo em
que se reduziram os custos de coleta de informações e de monitoramento dos mercados financeiros
espalhados pelo mundo.

Uma consequência disso foi o aumento do fluxo de capital, tanto produtivo quan-
to financeiro, para países em desenvolvimento (principalmente o financeiro). Os paí-
ses da América Latina e da Ásia foram os que mais receberam esses fluxos de capital,
embora não tenham ainda atingido o nível de renda per capita e bem-estar social dos
países desenvolvidos.
Se a liberalização econômica trouxe benefícios pela expansão do comércio, também
tornou as economias mais sujeitas a crises. Nos anos 1990, as economias asiáticas e
latino-americanas sofreram grande volatilidade nas contas externas, levando o regime
de câmbio fixo ao abandono em quase todo o mundo. A crise nos países desenvolvidos,
entre 2005 e 2010, é largamente atribuída à desregulamentação dos mercados financei-
ros promovida pela liberalização econômica.

Liberalismo e globalização

Segundo Gonçalves (2002), a ascensão das ideias neoliberais foi um determinante da globa-
lização. A liberalização representou a redução das barreiras comerciais de acesso aos mer-
cados nacionais. A desregulamentação envolveu a eliminação ou afrouxamento das normas
reguladoras da atividade econômica. Em outras palavras, o Estado, através do seu governo,
passou a ser orientado pela política neoliberal, a qual objetiva diminuir a intervenção e a influ-
ência do Estado na Economia. Assim, a intervenção estatal nos mercados, como planejador e
regulador, dá lugar às decisões da iniciativa privada, pois as decisões de mercado seriam as
melhores para alocar os recursos na Economia; no lugar das barreiras comerciais para pro-
teger a produção nacional está a liberalização da importação de bens e serviços, mesmo que
isso signifique perda de postos de trabalho e diminuição da renda como contrapartida de pre-
ços mais baratos; e o controle do fluxo de capital externo dando lugar à abertura do mercado
doméstico, visto como meio de atingir um crescimento econômico maior do que poderíamos
ter, caso não pudéssemos contar com o investimento financeiro externo. A crise financeira
internacional de 2007 tem colocado em cheque estas ideias.

Características da globalização

O processo de globalização econômica atual representa uma mudança nas estratégias


dos investidores institucionais (bancos, fundos de investimentos, fundos de pensão
etc.) e das empresas transnacionais que operam em escala global. Dessa forma, uma
das características da globalização é uma maior dispersão geográfica dos recursos fi-
nanceiros e produtivos, ao mesmo tempo em que os mercados, onde se operam esses
recursos, tornaram-se mais integrados.

140 • capítulo 6
RESUMO CONCEITO
Seguindo essa lógica, a globalização econômica aconteceu porque ocorreu simul- Investimento externo direto
taneamente: um crescimento extraordinário dos fluxos internacionais de produtos O IED é todo fluxo de capital com o intui-
e capital entre países; um aumento da concorrência internacional; um avanço na to de controlar a empresa receptora do
internacionalização da produção e maior integração entre as estruturas produtivas. investimento. O principal agente de reali-
Essas são as principais características da globalização. zação do IED é a empresa transnacional
empresa de grande porte que controla
Para um melhor entendimento, separamos a globalização em pro- ativos em pelo menos dois países. Essas
dutiva (que aborda os aspectos envolvendo a produção e o fluxo de bens empresas têm, geralmente, a sua matriz
e serviços) e financeira (que envolve o fluxo de moeda e obrigações finan- localizada nos países desenvolvidos e,
ceiras entre os países). por meio do investimento externo direto,
elas controlam subsidiárias e filiais em
outros países.
Globalização produtiva

A internacionalização da produção ocorre sempre que residentes de um


país podem adquirir bens e serviços (incluindo operações financeiras)
com origem estrangeira: isso significa a existência de fluxos internacio-
nais de bens, serviços e capital financeiro. Há três formas básicas de in-
ternacionalização da produção: comércio, investimento externo direto
e relações contratuais.
Os serviços, de modo geral, são produtos intangíveis e não armaze-
náveis e, portanto, o comércio internacional de serviços exige o deslo-
camento do consumidor (turismo, por exemplo) ou do produtor com a
presença de pessoa física (consultoria, por exemplo).
No entanto, a principal forma de internacionalização da produção
de serviços é a presença comercial estrangeira no país (na forma de pes-
soas jurídicas). Nesse caso, ocorre o estabelecimento de subsidiárias e
filiais por meio do investimento externo direto (IED). Este último é o in-
vestimento que as empresas estrangeiras fazem somente no setor pro-
dutivo da economia doméstica.
A internacionalização da produção também pode ocorrer por meio
de relações contratuais, pelas quais os residentes de um país (A) transfe-
rem, para residentes de um país (B), um conjunto de ativos específicos
de sua propriedade (tecnologia, capacidade gerencial, organizacional e
mercadológica), que viabilizam a produção de bens ou serviços no país
(B), por uma empresa de origem do país (A).

RESUMO
Trata-se, então, da transferência de know-how (tecnologias de processo, tecnolo-
gias de produto, assistência técnica etc.) ou de direitos de propriedade (marcas,
patentes, copyrights, franquias etc.), por meio de relações contratuais.

capítulo 6 • 141
IMAGEM A rede de fast food McDonald’s é, entre muitos, considerada uma
marca símbolo da globalização. Sua produção de sanduíches em série,
McDonald's por meio de processos rigidamente padronizados, está instalada nos
quatro cantos do planeta, rompendo barreiras culturais. O processo de
multiplicação da rede McDonald’s nos países se dá basicamente pela
compra de franquias pelo residente.
Nesse processo de globalização, o mercado local passou a fazer parte
de um mercado global, contribuindo para um aumento da concorrência
entre empresas no mercado mundial. Nesse novo cenário, um aumento
das exportações dependeria da estratégia de vendas no exterior, além de
Loja McDonalds em Setagaya-ku, uma taxa de câmbio favorável e de uma renda mundial crescente.
Tokyo, Japão. Outro fato é que os governos nacionais conferem estímulos e incen-
tivos fiscais às empresas domésticas para que estas aumentem cada vez
mais as suas exportações.
COMENTÁRIO
REFLEXÃO
Desenvolvimento
O governo, com uma maior arrecada- Do ponto de vista da nação, a política de estímulo e incentivo pode contribuir, inicialmen-
ção devido ao aumento da renda, po- te, para o aumento do emprego, da produção e da renda; posteriormente, para a melhoria
derá aumentar o investimento público do bem-estar social, se este crescimento, derivado do aumento do comércio exterior, for
(escolas, hospitais, segurança, justiça, acompanhado do desenvolvimento econômico, conforme discutido anteriormente.
defesa etc.) e a quantidade e quali-
dade dos serviços públicos, trazendo Vale notar ainda que o desenvolvimento do e-commerce e da logística
efeito positivo sobre a qualidade de global tem tornado possível a importação de bens de consumo pelo pró-
vida da população. prio consumidor, através de sites internacionais como Ebay e Amazon,
para mencionar alguns.

Globalização financeira

A dimensão financeira abrange os fluxos internacionais de capital de


empréstimo, financiamento e investimento externo indireto, também
conhecido como investimento de carteira. Com essa transação, o agen-
te pode comprar ativos financeiros, tais como ações, quotas de empre-
sas ou de fundos de investimento, títulos de dívida do governo, títulos
de dívida privados, entre as principais formas, que dispensam o contro-
le sobre o agente econômico que está recebendo esse investimento.
Agora podemos imaginar o quanto uma entrada abundante de capital
em uma Economia em desenvolvimento pode se traduzir em crescimento
e, principalmente, desenvolvimento econômico. É por meio do aumento
do investimento, do emprego e do PIB que sentimos os efeitos iniciais.
Mas a entrada de capitais financeiros externos, incluindo o investimen-
to externo diretamente na produção, representa um passivo para o país na
forma de pagamento de juros, lucros e amortizações aos investidores inter-
nacionais. Se as condições no mercado financeiro internacional forem favo-

142 • capítulo 6
ráveis, o país poderá continuar tomando empréstimos e recebendo capital financeiro, através
do investimento externo direto e indireto, para financiar seu crescimento e desenvolvimento.

REFLEXÃO
Mas se as condições deteriorarem, como ocorreu na crise financeira internacional de 2008, o país sofrerá
uma saída de recursos financeiros em massa de forma muito rápida. Os agentes financeiros, em um mer-
cado globalizado, começam a vender rapidamente seus ativos mais arriscados, por exemplo, os títulos de
dívida e ações nominados em moedas de países em desenvolvimento, para adquirirem os mesmos ativos
em moedas fortes como o Euro e o Dólar.

Caso as reservas internacionais domésticas não sejam suficientes para fazer frente a
essa elevada demanda por moeda externa, o governo deverá promover ajustes macroeconô-
micos para reduzir o gasto agregado e aumentar a poupança, gerando recursos para pagar
os compromissos internacionais. Isso trará redução do ritmo de geração de emprego e uma
redução no ritmo com que a qualidade de vida melhorava.
Portanto, se a entrada de capital financeiro permite uma maior disponibilidade de
recurso, o que equivale a uma poupança maior (que permite um investimento agregado
maior), gera aquilo que os economistas chamam de vulnerabilidade externa, que repre-
senta a baixa capacidade da Economia de resistir a mudanças nas condições de finan-
ciamento devido à crise ou fatores desestabilizadores provenientes tanto da Economia
doméstica quanto externa.

EXEMPLO
No setor produtivo, podemos dar o exemplo da cidade de Macaé, no estado do Rio de Janeiro. Essa cidade
é uma espécie de base das operações de petróleo da Bacia de Campos. Além da Petrobras e de algumas
empresas nacionais, a extração de petróleo atraiu também empresas estrangeiras, que investiram seu ca-
pital na cidade. Isso permitiu que o investimento no setor fosse maior, trazendo, tanto para a cidade quanto
para o estado, mais emprego, geração de renda e tributação. Mas os lucros das empresas estrangeiras,
não investidos, poderão ser enviados para suas matrizes no exterior, já que seus proprietários são não re-
sidentes (vide capítulo 4). Em algum momento, as mesmas empresas poderão remeter o capital investido,
produzindo uma saída desse capital.

Portanto, a despeito dos benefícios da entrada de capital financeiro, seja para investir
no mercado financeiro ou no setor produtivo, gerando crescimento e até mesmo desen-
volvimento econômico, é necessário o conhecimento das políticas macroeconômicas para
administrar as entradas e as saídas de capital. Essa política teria como objetivo evitar dese-
quilíbrios macroeconômicos que viessem a reduzir, ou mesmo interromper, o processo de
crescimento e desenvolvimento pelo qual o país estivesse passando (vide capítulo 5).

capítulo 6 • 143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMANN, R. CANUTO, O. GONÇALVES, R. Economia Internacional: teoria e experiência brasileira. São Paulo:
Elsevier, 2004.
GREMAUD, A.P. et all. Manual de Economia. Org: Pinho, D.B., Vanconcelos, M.A.S. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
GONÇALVES, R. Globalização Econômica, In: O Nó Econômico, primeiro capítulo. São Paulo: Record, 2002.
MANKIW, N.G. Introdução à Economia: edição compacta. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
PASSOS, C.R.M. e NOGAMI, O. Princípios de Economia, 4ª ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Relatório de Desenvolvimento Humano. 2013. Disponível em:
<www.pnud.org.br>. Data de acesso: 03/06/2014

IMAGENS DO CAPÍTULO
p. 74 McDonald's
Paul Vlaar · Wikimedia . gnu

144 • capítulo 6
Apêndice

Como fazer e interpretar


gráficos e tabelas
Como fazer e interpretar
gráficos e tabelas

CURIOSIDADE Como fazer


Gráficos de pizza
Na língua inglesa o gráfico de pizza é 1) Gráficos
chamado de gráfico de torta (pie chart).
Os gráficos são representações visuais de relações entre variáveis. Uma
variável é uma medida de algo que assume diferentes valores ou cate-
gorias. Portanto, as variáveis podem ser numéricas ou categóricas. Por
exemplo, renda é uma variável numérica e sexo é categórica, pois só exis-
te sexo masculino e feminino.
Podem-se fazer gráficos com vários propósitos; trataremos aqui ape-
nas dos que visam apresentar resultados. Os gráficos mais utilizados são
de linhas, colunas e pizzas.
Os gráficos de linha são usados principalmente para mostrar a evo-
lução de uma variável ao longo do tempo. Os gráficos de barra também
são usados para mostrar a evolução de uma variável ao longo do tem-
po, mas, nesse caso, o período tem que ser curto. Por exemplo, para
representar a evolução do emprego ao longo de um ano, deve-se usar o
gráfico de linha. Para representar a evolução do emprego ao longo de
seis meses, deve-se usar o gráfico de barras.
Os gráficos de barras são muito usados também para comparar catego-
rias. Por exemplo, o nível salarial dos homens versus o das mulheres ou vo-
tos recebidos pelos candidatos em uma eleição presidencial. Não devem ser
usadas muitas categorias, caso contrário, a visualização fica prejudicada.
Os gráficos de barras podem ser justapostos ou não justapostos.
No último caso, o mais comum, haveria, por exemplo, uma coluna
para homens e outra para mulheres. No justaposto haveria uma co-
luna só, dividida em duas partes, uma para representar o número de
homens e outra o número de mulheres.
Os gráficos de pizza são partições de uma variável. Por exemplo,
como o seu orçamento doméstico se divide em diferentes tipos de gas-
tos: alimentação, transporte, habitação etc.

Cuidados com o gráfico


1)  Todo gráfico tem que ter um título. O título vai dizer do que trata
o gráfico, deixando clara a variável, como a mesma é mensurada, o
período de tempo, as categorias e o recorte geográfico — exemplo:
evolução da renda (R$) de homens e mulheres, de 1990 a 2012, na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro;

146
2)  Todo gráfico tem que ter uma fonte, que é de onde foram obtidos os dados — exemplo:
Fonte: IBGE — Pesquisa Mensal de Emprego;

3)  Se o gráfico trabalha com categorias, deve haver uma legenda para cada uma delas,
identificando qual a curva ou coluna que, por exemplo, é a relativa a homens e qual é a
relativa a mulheres;

4)  Se o gráfico tratar da evolução de variáveis ao longo do tempo, a escala temporal (anos,
meses, trimestres etc.) deve estar no eixo vertical;

5)  Gráficos com muitas curvas devem ser evitados. Quanto maior o número de curvas,
maior a chance de o gráfico ficar incompreensível. É muito comum isso acontecer quando
se trabalha com mais de três curvas;

6)  Gráficos em três dimensões devem ser evitados. Podem ser muito bonitos, mas são pou-
co práticos, pois dificultam a compreensão;

7)  Se a série for de dados com intervalo temporal de menos de um ano — série mensal,
trimestral etc. —, é importante ficar atento para a questão da sazonalidade. Esse ponto será
detalhado mais adiante;

8)  Regra básica: um bom gráfico é como uma boa piada; entende-se na mesma hora. Gráfico
que exige muitas explicações perde em comunicação.

2) Tabelas

A tabela é uma forma de apresentar dados em linhas e colunas. A interseção de uma linha
com uma coluna é chamada de célula. Por exemplo, uma tabela com 2 linhas e 2 colunas
terá 4 células.

Cuidados com uma boa tabela


1)  Toda tabela tem que ter um título. O título vai dizer do que trata a tabela, deixando clara(s)
a(s) variável(eis) apresentada(s), como é(são) mensurada(s), o período de tempo, as catego-
rias e o recorte geográfico — exemplo: evolução da renda e do nível de emprego (R$) de ho-
mens e mulheres, de 1990 a 2012, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro;

2)  Toda tabela deve ter uma fonte, que é de onde foram obtidos os dados — exemplo: Fon-
te: IBGE — Pesquisa Mensal de Emprego;

3)  As colunas e linhas da tabela devem estar identificadas;

4)  Quanto maior o número de linhas e colunas, mais difícil será o entendimento do
conteúdo da tabela;

147
5)  Se os dados forem numéricos:
a. não use mais de uma casa decimal;
b. utilize ponto (.) para separar os milhares — exemplo: 1.230,5;
c. mude a escala se o número tiver mais de 5 dígitos — exemplo: 1.230.523 se torna
1.230,5 mil;
d. a escala deve estar indicada no título da tabela e, se for o caso, também no título
da linha ou coluna;

6)  Se houver totais, os mesmos devem estar em negrito para destacar;

7)  Os títulos das colunas e linhas devem estar, de preferência, em negrito para destacar;

8)  Não confundir tabelas com quadros. Nesse último, o conteúdo das células é constituído
apenas de texto, sem números. Por exemplo, nomes de alunos de acordo com as turmas.

Como interpretar
Todo gráfico e tabela permite duas leituras. A primeira é a do todo e a segunda é a das partes¹.
Portanto, a correta análise exige atenção. Vejamos o exemplo a seguir.

Gráfico 1 - Produção Industrial - Índice de base fixa com ajuste sazonal (base: média de 2002=100) - Brasil 1994-2014

140
130
120
110
100
90
80
jan/94
jan/95
jan/96
jan/97
jan/98
jan/99
jan/00
jan/01
jan/02
jan/03
jan/04
jan/05
jan/06
jan/07
jan/08
jan/09
jan/10
jan/11
jan/12
jan/13

Fonte: IBGE – Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF)


O que primeiro chama a atenção no gráfico 1 é a trajetória ascendente da produção indus-
trial no período. Se olharmos com mais atenção veremos que podemos dividir essa trajetó-
ria em quatro fases:
1)  De 1994 a 1999, o crescimento da indústria foi pequeno;
2)  De 1999 a meados de 2008 o aumento da produção industrial foi grande, quase exponencial;
3)  De meados de 2008 a 2009 há uma brusca queda da produção e uma recuperação. Se
¹ Essa é uma olharmos com atenção, veremos que a queda foi mais rápida que a recuperação;
regra que vale 4)  De 2009 a 2013, a produção industrial está em uma trajetória de queda. O último perí-
também para odo é muito irregular. Há de início estagnação, depois decréscimo da produção, segue-se
analisar obras de uma recuperação parcial e, por fim, nova contração.
arte. Com as fases delimitadas fica mais fácil encontrar uma explicação para o que houve.

148
Não é necessário pesquisar muito para descobrir que, em linhas gerais, a fase 1 correspon-
de ao período do Plano Real, a fase 2 ao governo Lula, e a fase 3 é o período de auge da crise
financeira internacional, que teve impacto no Brasil e em todos os países do mundo, ainda
durante o governo Lula. A última fase corresponde ao governo Dilma.
O passo seguinte será analisar o contexto econômico nacional e internacional, bem
como a política econômica de cada governo, para entender as diferenças. Isso, no entanto,
extrapola os propósitos desse apêndice, mesmo porque esse tipo de análise requer um co-
nhecimento maior de Economia. O importante aqui é destacar como uma análise atenta de
um gráfico nos traz muita informação sobre a Economia.

Valor de referência

Toda vez que se qualifica uma comparação — exemplo: cresceu muito, percentual elevado —, é
importante ter um valor de referência. Por exemplo, ao se afirmar que o crescimento da Economia
foi elevado, pois foi acima da média dos últimos cinco anos, o uso da qualificação elevado está
correto, pois há uma justificativa: foi acima da média dos últimos cinco anos, que é o valor de refe-
rência, nesse caso, dado pelas taxas de crescimento alcançadas no passado.
Muitas vezes a valor de referência é dado pela literatura internacional sobre o tema ou por uma
meta de política pública. No caso da taxa de mortalidade infantil (a cada 1.000 nascimentos, quan-
tas crianças morrem antes de completar um ano de idade), a Organização Mundial de Saúde (OMS)
tem parâmetros que são amplamente utilizados. Segundo a OMS, a mortalidade infantil é considera
alta se morrem 50 crianças ou mais por cada 1.000 nascidas vivas; média, se for de 20 a 49 por
mil; e baixa se for menor que 20 por mil. Com base nesses parâmetros, pode-se afirmar que, em
2010, a mortalidade infantil em nosso país era baixa, pois nosso índice era de 15,6 por mil.
Digamos que o governo fixe como meta reduzir a mortalidade infantil ao nível da do Canadá (5
por mil) ². Com base nesse novo parâmetro, nossa mortalidade infantil está elevada, pois estamos
muito acima da meta fixada pelo governo.
No caso da inflação, no Brasil, utiliza-se como parâmetro a meta de inflação fixada pelo governo.
Se o governo estabelece que a inflação não possa ultrapassar a 6,0%, e o índice alcançado foi de
7,0%, pode-se afirmar que inflação está elevada.

Vejamos agora um exemplo de gráficos de barra. Esse caso é uma situação hipotética,
trata-se do número de downloads de músicas de quatro duplas sertanejas.
² Os parâmetros
Gráfico 2 - Número de downloads de músicas, segundo dupla sertaneja - Janeiro-Junho - 2013
da OMS e as
2500 estatísticas sobre

2000
mortalidade
Mário e Mariano
infantil foram
1500 Alberto e Roberto obtidas da
1000 Pedro e Paulo publicação
Júlio e Juliano do IBGE
500
Indicadores de
0 Desenvolvimento
Jan Fev Mar Abr Mai Jun
Sustentável
Fonte: Associação de cantores de duplas sertanejas com nomes parecidos 2012.

149
O que nos diz esse gráfico? Várias coisas:

1)  Mario e Mariano e Alberto e Roberto estão presentes em todos os meses. As demais du-
plas só a partir de fevereiro;

2)  Mario e Mariano é a dupla que mais vende. Supera as demais duplas em todos os meses,
exceto em maio, quanto empata com Pedro e Paulo;

3)  Júlio e Juliano e Pedro e Paulo estão em trajetória ascendente. A cada mês que passa,
vendem mais;

4)  A dupla Alberto e Roberto está quase na situação inversa. Crescem os downloads de ja-
neiro para fevereiro, mas depois é só ladeira abaixo. Em junho já estão em último lugar;

5)  A disputa pelo primeiro lugar parece ser entre Mário e Mariano e Pedro e Paulo, com
vantagem para os últimos, pois estão em ascensão, enquanto Mario e Mariano estão para-
dos na faixa de 1700 a 2100 downloads.

No gráfico 2, diferentemente dos seguintes, optou-se por não se inserir rótulos com os
valores das variáveis, pois os números iriam ficar muito próximos, o que dificultaria a leitura.
O gráfico de barras nesse caso, dado o curto período de tempo e o número restrito de
categorias, foi o mais indicado. Para analisar a evolução de downloads por dupla sertaneja,
o gráfico 2 é o ideal; para se visualizar a mudança da composição do mercado, o gráfico 3,
de colunas empilhadas, é o mais adequado, como vemos abaixo.

Gráfico 3 - Distribuição de downloads de músicas, segundo dupla sertaneja - Janeiro-junho - 2013

Jun 37,6 12,8 33,0 16,5

Mai 34,3 20,2 34,3 11,1


Mário e Mariano
Abr 35,0 24,3 31,1 9,7
Alberto e Roberto
Mar 39,2 30,4 25,5 4,9 Pedro e Paulo

Fev 48,2 43,5 5,9 2,4 Júlio e Juliano

Jan 55,3 44,7

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Fonte: Associação de cantores de duplas sertanejas com nomes parecidos

Vejamos a apresentação dos mesmos dados na forma de uma tabela (tabela 1). A vanta-
gem é que agora sabemos, com precisão, o número de downloads, e a desvantagem, que é
considerável, é que perdemos em termos do rápido entendimento. É muito mais fácil perce-
ber o que está acontecendo no mercado de downloads de música sertaneja por meio de um
gráfico (adequado) do que por meio de uma tabela. Pois um bom gráfico vale por mil palavras.

150
Tabela 1 - Número de downloads de músicas, segundo dupla sertaneja - Janeiro-Junho - 2013

Meses Mário e Mariano Alberto e Roberto Pedro e Paulo Júlio e Juliano


jan 2100 1700

Fev 2050 1850 250 100

Mar 2000 1550 1300 250

Abr 1800 1250 1600 500

Mai 1700 1000 1700 550

Jun 2050 700 1800 900

Fonte: Associação de cantores de duplas sertanejas com nomes parecidos

O uso de gráficos de barras sobrepostas é indicado para comparar grandezas que


têm o mesmo total, como é o caso de percentuais, cuja soma é sempre 100%. Por exem-
plo, no gráfico 4 comparamos como se distribui a população brasileira entre áreas ur-
banas e rurais em 2010.
Como toda comparação deve ter um parâmetro, utilizaremos, para isso, a média
brasileira. Comparando os estados de Piauí e do Rio de Janeiro em relação à média
nacional, fica evidente que o Piauí tem uma baixa proporção da população vivendo em
áreas urbanas, próximo de 65%, contra 85% da média brasileira. Já no estado do Rio de
Janeiro, ao contrário, é quase totalmente urbanizado. Tem uma elevada proporção da
população vivendo em áreas urbanas.

Gráfico 4 - Percentual de população que vive em áreas urbanas e rurais - Piauí, Rio de Janeiro e Brasil - 2010

100% 3,3
90% 15,6
80% 34,2
70%
60%
50% 96,7
40% 84,4
30% 65,8
20%
10%
0%
Brasil Piauí Rio de Janeiro
população urbana população rural

Fonte: IBGE – Sinopse do Censo Demográfico de 2010

151
O gráfico 5 mostra a coluna Brasil apresentada como gráfico de pizza. Em termos visuais,
a apresentação fica melhor, mas a comparação é mais direta com as colunas sobrepostas.

Gráfico 5 - Percentual de população que vive em áreas urbanas e rurais - Piauí, Rio de Janeiro e Brasil - 2010

Brasil Piauí Rio de Janeiro

3,3

15,6
34,2

65,8
84,4
96,7

população urbana população urbana população urbana

população rural população rural população rural

Fonte: IBGE – Sinopse do Censo Demográfico de 2010

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ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES











































ANOTAÇÕES

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