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Empoderamento PDF
Empoderamento PDF
e direitos no
combate à pobreza
ORGANIZADORES
Jorge O. Romano
e Marta Antunes
DEZEMBRO 2002
XXXX Empoderamento e direitos no combate
à pobreza. Rio de Janeiro : ActionAid Brasil
116p. 25cm
ISBN 85-XXXXX-XX-X
CDD XXX.XXX
Empoderamento e direitos
no combate à pobreza
COPYRIGHT (C) 2002 BY ACTIONAID BRASIL
ActionAid Brasil
Rua Corcovado, 252 Jardim Botânico
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Tel.: +(21) 2540-5707 Fax: +(21) 2540-5841
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Internet: www.actionaid.org.br
COORDENAÇÃO EDITORIAL
ActionAid Brasil
REVISÃO
Clóvis Moraes
TRADUÇÃO
Glauce Arzua
CAPA
Arte sobre fotos de arquivo da ActionAid Brasil
FOTOLITO
Quadratin Artes Gráficas
IMPRESSÃO
Editora Lidador
TIRAGEM
500 exemplares
O conteúdo desta publicação pode ser reproduzido, desde que citada a fonte.
Sumário
A noção de empoderamento começa a ser utilizada na década dos 70, com os movimentos sociais
e, posteriormente, passa a permear as práticas das ONGs. Nos últimos anos, o conceito e a
abordagem foram gradualmente apropriados pelas agências de cooperação e organizações finan-
ceiras multilaterais (como o Banco Mundial). Nesta apropriação o conceito e a abordagem sofreram
um processo de despolitização ou pasteurização ao ser enfatizada sua dimensão instrumental
e metodológica. Assim, junto com conceitos como capital social e capacidades, o empoderamento
passa a ser um termo em disputa no campo ideológico de desenvolvimento.
Por sua vez, nos últimos anos, percebe-se que um número crescente de instituições da Socie-
dade Civil introduz em sua estratégia a abordagem baseada em direitos, a qual tem sua origem na
luta pelo reconhecimento e promoção do conjunto de direitos humanos (civis, políticos, eco-
nômicos, culturais, etc.). As próprias agências de cooperação e organizações financeiras mul-
tilaterais vêm progressivamente adotando esta nova conceitualização na formulação de suas
políticas e estratégias. Dessa forma a noção de direitos e a abordagem baseada em direitos
passam também a ser motivo de debate e disputa no campo de desenvolvimento, tal como ocorre
no caso de empoderamento.
No Brasil os fundamentos da abordagem baseada em direitos estão muito mais presentes nos
debates sobre desenvolvimento e combate à pobreza, tanto no espaço governamental de políticas
públicas, como entre os movimentos sociais, ONGs e o mundo acadêmico, devido à importância
que têm assumido as análises de luta pela cidadania e de construção de direitos sociais.
Por sua vez, as discussões que têm como enfoque o empoderamento são incipientes, estando
associadas, principalmente, às propostas de agências de cooperação. Entre os movimentos sociais,
ONGs e a academia especializada nestes temas, além de desconhecimento existe, em geral, uma
ampla margem de desconfiança, por conta do uso instrumental da abordagem feito por entidades
como o Banco Mundial.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Dentro do mundo das ONGs, a ActionAid é uma das que têm adotado uma estratégia centrada
no diálogo entre as abordagens de direitos e de empoderamento.3 Atuando no país desde 1999,
em seu trabalho de combate à pobreza a ActionAid Brasil tem colocado a noção de empodera-
mento como elemento central de sua estratégia. Esta tem sido implementada através de projetos
de desenvolvimento local, de campanhas nacionais e do trabalho de advocacy nos níveis nacional,
regional e local.
O empoderamento dos pobres e das comunidades viria a ocorrer pela conquista plena dos direitos
de cidadania. Ou seja, da capacidade de um ator, individual ou coletivo, usar seus recursos econô-
micos, sociais, políticos e culturais para atuar com responsabilidade no espaço público na defesa
de seus direitos, influenciando as ações do Estado na distribuição dos serviços e recursos públicos.
Nos últimos anos a ActionAid tem realizado um esforço de propiciar espaços de reflexão e debate
que permitam o esclarecimento da abordagem de empoderamento e de direitos, que fundam sua
estratégia, visando a ressaltar as possíveis sinergias entre as mesmas.
Um dos espaços criados para essa reflexão e debate foi o seminário internacional Os Enfoques de
Empoderamento e Direitos no Combate à Pobreza, realizado no Rio de Janeiro, nos dias 4 a 6 de
setembro de 2002, e que congregou mais de 30 profissionais da entidade, assim como especialistas
da América Latina, Europa, Ásia e África.5
3 A organização, fundada no Reino Unido em 1972, tem uma longa tradição de trabalho com desenvolvimento, envolvendo
as populações pobres, movimentos sociais e organizações de base, em mais de 30 países na Ásia, na África e na
América Latina e Caribe.
4 ActionAid Brasil. Estratégia Nacional, 2001-2003.
5 O seminário e esta publicações foram possíveis de realizar graças ao apoio da ActionAid UK.
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INTRODUÇÃO AO DEBATE SOBRE EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Assim, uma série de questões foi levantada como desafios para o debate entre os participantes:
Em que medida as práticas das ONGs têm seu foco no empoderamento de indi-
víduos ou de grupos? As ONGs estão colocando as pessoas ou os grupos no
centro do processo? São duas formas distintas? São complementares?
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Para subsidiar o debate no seminário, foi elaborada uma série de textos e comunicações, os quais
fazem parte desta coletânea.
Assim, esta coletânea visa a trazer ao leitor brasileiro trabalhos que apontam para o uso da
abordagem de empoderamento na América Latina e que enfatizam a importância e complexidade
das questões de poder, buscando contribuir para o fortalecimento do diálogo entre esta aborda-
gem e a baseada em direitos. Consideramos que nem a abordagem baseada em direitos nem a
abordagem de empoderamento são suficientes em si mesmas, mas que ambas são necessárias
e complementares. Principalmente quando temos como foco, no combate à pobreza, os proces-
sos de luta pela cidadania e de construção de sujeitos sociais.
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Empoderamento:
recuperando a questão
do poder no combate
à pobreza
Jorge O. Romano 1
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Até onde, na grande maioria dos casos como, por exemplo, em projetos de irrigação,
difusão de telefonia ou de fundos de desenvolvimento social não se continua fazendo
em essência, ainda que de outro modo, o que se fazia? Isto é: roupagens novas para
ações velhas... Ou até onde o potencial de mudança das ações novas tem sido limitado
ou anulado pela prática e a cultura política e institucional dominantes na entidade
e nos governos que promovem essas ações? Isto é: ações novas aprisionadas em
roupagens velhas...
Entre as próprias ONGs, até onde a prestação ou promoção de serviços sociais básicos
tem-se transformado, verdadeiramente, num meio de empoderamento e não um fim
em si mesmo? Isto é, até onde, em alguns casos, a cultura institucional, os habitus dos
seus funcionários, a correlação de forças intra-institucionais, os compromissos cristali-
zados com parceiros e comunidades e o peso da forma mais segura de obtenção de
recursos financeiros (sponsorship) e sua dificuldade em consolidar novos produtos
entre outros fatores levam a que se reproduza a prestação e a promoção de serviços
como um fim. E que o empoderamento, perigosamente, fique reduzido a um papel de
legitimação dessa prática assistencialista.
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EMPODERAMENTO: RECUPERANDO A QUESTÃO DO PODER NO COMBATE À POBREZA
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
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EMPODERAMENTO: RECUPERANDO A QUESTÃO DO PODER NO COMBATE À POBREZA
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
2. Enfrentando a
questão do poder
A promoção de um novo modelo de desenvolvimento que permita a expansão das liberdades
substantivas e instrumentais das pessoas (Sen, A. 2001) e que tenha no empoderamento um
caminho principal para a superação da pobreza e da tirania enquanto seus principais obstá-
culos necessita enfrentar a questão do poder.
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EMPODERAMENTO: RECUPERANDO A QUESTÃO DO PODER NO COMBATE À POBREZA
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Quem tem o poder? Ou em termos analíticos mais precisos: quem ocupa a posição
de dominação e quais são os seus aliados no campo em consideração?
No caso do campo do desenvolvimento local, por exemplo:
o governo municipal e as elites locais e suas entidades de representação;
tendo como aliadas as agências do governo estadual ou federal presentes no âmbito local.
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EMPODERAMENTO: RECUPERANDO A QUESTÃO DO PODER NO COMBATE À POBREZA
Como está sendo e como pode vir a ser mudada a situação de dominação?
Isto é:
que condições e oportunidades são necessárias para que essa mudança se efetive ou inten-
sifique? Em particular, que alianças ou redes podem ser construídas?;
quais capacidades das pessoas e das organizações necessitam ser desenvolvidas?
A lista de questões que se acaba de discriminar não pretende ser exaustiva. Ao mesmo
tempo, cabe ressaltar que não estamos sugerindo que todas elas tenham que ser respondidas no
trabalho das ONGs. As ONGs não são instituições de pesquisa. O objetivo da apresentação desta
listagem é o de exemplificar o tipo de aspectos e questões que podem ser formuladas sobre as
relações de poder. A escolha das questões e a linguagem a ser utilizada em sua formulação
dependerão de cada caso.
3. O que entendemos
por empoderamento
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Focalizado: o empoderamento diz respeito aos grupos excluídos e vulneráveis urbanos e rurais.
3 Agradeço a Nelson G. Delgado seus comentários sobre esta definição que levaram a reforçar nela a ênfase na transformação
das relações com o Estado, o mercado e a sociedade civil.
4 As oportunidades se referem às limitações e possibilidades apresentadas pelas condições externas, entre as quais se destacam
as relações de poder e as situações de dominação nas quais as pessoas, os grupos e as organizações estão inseridos.
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EMPODERAMENTO: RECUPERANDO A QUESTÃO DO PODER NO COMBATE À POBREZA
5 As liberdades estão inter-relacionadas e podem se fortalecer umas às outras. As liberdades políticas ajudam a promover a
segurança econômica. As oportunidades sociais facilitam a participação econômica. As facilidades econômicas podem ajudar a
gerar a abundância individual além de recursos públicos para serviços sociais (Sen, 2001).
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
diversas em função do tipo de mediadores por exemplo: movimentos sociais, ONGs, governos,
agências multilaterais que atuam como catalisadores.
No combate à pobreza, o empoderamento dos pobres e de suas organizações se orienta
para a conquista da cidadania, isto é, a conquista da plena capacidade de um ator individual ou
coletivo de usar seus recursos econômicos, sociais, políticos e culturais para atuar com respon-
sabilidade no espaço público na defesa de seus direitos, influenciando as ações dos governos na
distribuição dos serviços e recursos.
Os processos de transformação do Estado e de mudança social orientados para a superação
da pobreza assentam na construção de redes e de amplas alianças dos movimentos sociais e das
organizações populares no campo da sociedade civil. As ONGs vêm tendo um papel fundamental
na construção e no suporte dessas redes e alianças.
Finalmente, a adoção do empoderamento como estratégia central no combate à pobreza
não é gratuita para uma ONG. Além de qualificar e enriquecer a compreensão de sua missão e
valores, a adoção do empoderamento tem conseqüências significativas no campo de sua política
institucional. Por exemplo, a importância do papel das ONGs na construção e suporte de redes e
alianças no combate à pobreza, o fato de que o empoderamento não é um processo neutro e o
reconhecimento do intenso debate ideológico no qual esta abordagem hoje está inserida
obrigam-nos a posicionarmos claramente nossa estratégia de combatermos juntos a pobreza.
Onde ela se situa e constrói alianças: em Davos ou em Porto Alegre?
BIBLIOGRAFIA
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Algumas considerações
sobre estratégias de
empoderamento e de
direitos
Cecília Iorio1
1 Socióloga Brasil.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Esta forma relacional de entender e de analisar a situação das mulheres conduziu a uma
visão sobre o processo de dominação das mulheres que, ao invés de focalizar nos resultados,
focaliza no processo. Aqui as possibilidades de exercício de poder focalizam as relações humanas
e sociais. O movimento Gênero e Desenvolvimento (GAD) começa a abordar não apenas a natureza
dos papéis das mulheres como no WID mas as interações desses papéis com os homens e,
portanto, a dinâmica e estrutura das relações de gênero na sociedade. As mulheres não são donas
de casa no vácuo, mas num contexto onde homens e outras mulheres esperam que ela se
comporte como dona da casa. As relações de gênero passam a ser vistas como centrais aos
processos e organizações sociais e, portanto, ao processo de desenvolvimento.
Resumindo, a perspectiva do WID vê o empoderamento como um meio que deve levar as
mulheres às posições de poder, revertendo em benefícios sociais, econômicos e políticos para as
mulheres. A perspectiva do GAD está mais vinculada a processos de mudança mais amplos, uma
vez que entende que a mudança na situação subordinada das mulheres está vinculada a contextos
mais amplos e requer mudanças econômicas, políticas e culturais. É importante salientar que as
perspectivas de empoderamento acima descritas, embora façam parte da importante história do
movimento feminista, são hoje de interesse de um amplo leque de movimentos sociais, organizações
não-governamentais e outros atores do campo do desenvolvimento.
2. Uma proposta
de empoderamento
Sumariamente descrevemos algumas conceitualizações e suas conseqüências práticas sobre
poder que têm relevância no debate sobre empoderamento não apenas dentro do campo feminista.
Mas a questão que permanece ainda é: são na verdade conceitualizações mutuamente excludentes?
Colocando a questão em outros termos: é o poder sobre recursos (físicos, humanos, finan-
ceiros) ou sobre ideologias (crenças, valores e atitudes) o que empodera, ou é o poder para ou
de dentro, como habilidade, capacidade de ser ou de se expressar por si mesmo que conduz ao
acesso e controle de meios necessários à existência? Ou seja, é o controle e poder sobre recursos
externos ou é o processo de transformação interna que leva ao empoderamento das pessoas
vivendo na pobreza?
Parece-nos que as perspectivas, antes que excludentes, se reforçam mutuamente e estão
intrinsecamente vinculadas (Gita Sen). O controle sobre recursos externos pode possibilitar a
expressão (self-expression) e a ação das pessoas vivendo na pobreza, por outro lado, maior auto-
estima e autoconfiança (transformação interna) podem levar a vencer as barreiras externas no
acesso aos recursos. Não há garantia de que um processo leve inevitavelmente ao outro, mas
existem numerosos exemplos, em diferentes partes do mundo, que apresentam resultados em
ambas as direções. Qualquer que seja o processo, um verdadeiro processo de empoderamento
deve envolver os dois elementos, uma vez que dificilmente um será sustentável sem o outro.
Resgatando ambas as dimensões, empoderamento das pessoas vivendo na pobreza é um
processo de obter acesso e controle sobre si e sobre os meios necessários para a sua existência.
Assim sendo, o empoderamento é raramente um processo neutro. Precisamente porque a
situação de pobreza e dominação vivenciada por milhões de pessoas tem base no poder de
poucos sobre recursos e sobre as possibilidades de existência social de outros. O empoderamento
deve implicar uma mudança nas relações de poder em favor das pessoas vivendo na pobreza.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
reclamam salários atrasados ou a correta medição da cana cortada sofrem ameaças e até morte),
passando pelas lideranças urbanas de favelas, que acabam constantemente ameaçadas pela
polícia e por grupos de traficantes.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
Os agentes externos podem contribuir de maneira fundamental para dar corpo a este processo,
tornando acessíveis instituições e níveis de decisão política que na maioria dos casos estão inacessíveis
a estes grupos, compartindo informações qualificadas, construindo alianças, apoiando a inter-
venção destes grupos, facilitando a sua presença em fóruns e redes, contribuindo para a construção
da identidade e da representação política destes grupos e construindo uma visão compartilhada
sobre o desenvolvimento. Além destas possibilidades e oportunidades de ação, o agente externo
tem particular responsabilidade de construir uma relação e uma forma respeitosa de trabalhar
com os grupos vivendo na pobreza. Abandonar o top-down approach, as soluções pensadas
pelos experts conhecedores dos problemas sociais mundiais e se acercar à realidade do contexto
local conhecendo os mecanismos locais de perpetuação da pobreza e da exclusão e vinculando-os
com os mecanismos em nível macro são exigências para um efetivo trabalho de empoderamento.
Algumas ONGs estão em excelente posição para liderar este processo.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
A descentralização de governos centrais pode pavimentar o caminho para uma maior parti-
cipação de grupos sociais no nível local e, nesse sentido, atender melhor às necessidades dos
excluídos. Mas o processo de descentralização pode também ser feito sem o empoderamento dos
excluídos. Isto é particularmente verdade em lugares onde existem oligarquias ou famílias com
forte controle do poder local. Nestes casos, o processo de descentralização pode desempoderar
ainda mais os excluídos.
É importante analisar cuidadosamente a relação existente entre empoderamento e descen-
tralização. Descentralização é um meio que serve a várias finalidades. Embora possam estar rela-
cionados, empoderamento e descentralização não são sinônimos. A contribuição que um processo
de descentralização pode fazer ao empoderamento de grupos e pessoas depende do contexto,
das questões envolvidas (etnia, gênero, religião) na manutenção de processos de
desempoderamento e de exclusão.
No campo da informação
Uma outra política em direção a remover barreiras e a viabilizar processos de empoderamento
é promover o acesso à informação para as pessoas vivendo na pobreza. Informação é freqüente-
mente um dos recursos mais guardados e controlados em programas de desenvolvimento.
Como é de conhecimento geral, o controle de informação ou a falta de transparência é o meca-
nismo mais usado pela corrupção. Ter controle sobre informações é um elemento fundamental
para o empoderamento. Com informações as pessoas, os grupos, têm uma oportunidade de sair
da condição de beneficiário para ser um agente ativo do processo.
O controle sobre o conhecimento e a informação pode levar à mudança nas relações de poder
e, portanto, estratégias de geração de conhecimentos e difusão de informações sobre os níveis
locais, regionais e globais são fundamentais como mecanismos de empoderamento. Entretanto,
conhecimento não é como uma laranja a ser colhida de uma árvore. Pelo contrário: é um elemento
embebido no contexto social e ligado às diferentes posições de poder. Metodologias de participação
que têm como objetivo o empoderamento não devem assumir que os pobres e excluídos possuam
a priori conhecimentos e capacidades analíticas de interpretação e análise da informação, inde-
pendente do grau de educação ou capacitação, ou do lugar que ocupam na estrutura social local.
Se bem que estas capacidades são fortalecidas pelo método participativo, a promoção de capaci-
dades analíticas e de planejamento é um elemento fundamental dentro deste processo.
Governos, agências multilaterais e ONGs, ao mesmo tempo em que podem disponibilizar e
viabilizar o acesso livre à informação de variadas naturezas (sobre programas, gerenciamento,
direitos, economia etc.) que têm impacto sobre a pobreza, tem também como tarefa fundamental
investir na construção de capacidades em nível local.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
5 A participação aparece como um tema prioritário de pesquisa em instituições como IDS, University of Sussex , Centre for
Development Studies, SWANSEA, University of Wales e Intrac.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
Este elenco de questões aqui apresentado tem sido debatido por muitos pesquisadores e
practitioners que buscam tanto entender melhor estes processos quanto aperfeiçoar as metodo-
logias participativas. Aprofundar a análise sobre poder parece ser um caminho. Para alguns
estudiosos, no marco atual das metodologias participativas, é fácil entender por que hoje elas,
as abordagens participativas, são tão amplamente aceitáveis para tão variadas, diferentes e
conflitantes organizações.
Essas questões sobre participação servem de alerta para processos de empoderamento.
Entretanto, é preciso ter claro que são conceitos diferentes. Enquanto empoderamento pode ser
considerado um fim em si mesmo, participação é um meio para se atingir fins e esse fim pode ou não
ser o empoderamento das pessoas excluídas e vivendo na pobreza. Se as metodologias participativas
não ficarem limitadas ao nível micro e forem capazes de romper o isolamento de alguns grupos
sociais, poderão impulsar processos de empoderamento fundamentais para mudar relações sociais,
políticas e econômicas e criar identidades positivas para as pessoas que vivem na pobreza.
Uma sociedade mais eqüitativa em termos de distribuição de poder na estrutura social é
condição fundamental nas estratégias de combate à pobreza e à exclusão nas sociedades latino-
americanas. Diferentemente de alguns outros países na Ásia ou na África, nos países da América
Latina com poucas exceções há recursos econômicos que podem ser redistribuídos e apropriados
por grupos sociais hoje submergidos na pobreza e na exclusão, há processos de democratização
que precisam ser aprofundados e há movimentos sociais que precisam ser ampliados e fortalecidos.
Neste contexto, as estratégias de empoderamento são cruciais na luta pela inclusão social e
econômica e para a cidadania na região.
6 Mesmo no campo da relação entre ONGs do Norte e seus parceiros do Sul, o empoderamento dos parceiros deve ter efeitos.
Os parceiros devem ser empoderados de forma que possam ser capazes de propor políticas, dialogar com os níveis de tomadas
de decisão sobre suas perspectivas e necessidades. Deve haver a possibilidade de construção de uma visão compartilhada sobre
métodos de trabalho, sobre prioridades, sobre políticas. Não havendo esta possibilidade, corremos o risco de repetir
comportamentos que estamos cansados de criticar na cooperação oficial e multilateral.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Custos
Uma primeira crítica levantada é sobre o custo da perspectiva de empoderamento. Para alguns
ela é muito custosa em termos de tempo e recursos. Sen rebate esta crítica lembrando que os
programas tradicionais de erradicação da pobreza são conhecidos pela sua ineficiência e desper-
dício de recursos precisamente porque as pessoas pobres não têm poder para exigir de burocratas,
oficiais do governo ou dos políticos uma prestação de contas dos fundos e recursos gastos em
nome dos pobres. Estes desperdícios e ineficiência dos milhões de recursos aplicados nestes
programas são fortes razões instrumentais para se adotar a perspectiva de empoderamento que,
se não é barata, leva a que os milhões de recursos destinados aos pobres, as políticas sociais,
não sejam mal-empregados ou embolsados pela corrupção.7
Metodologia
Uma segunda preocupação é sobre a metodologia. Para muitos as metodologias de empode-
ramento parecem muito complicadas para programas de larga escala. Exemplos também mostram
que estas metodologias obtêm sucesso em programas grandes e se mostram efetivos. A questão
da metodologia, na opinião de Sen, está mais ligada à questão de se mudar os paradigmas dos
grandes programas. Ainda se observa que a orientação nestes projetos segue a lógica top-down,
da expertise do corpo técnico.
A questão não é que uma metodologia seja mais ou menos complicada que a outra. As dificul-
dades estão em ambos os lados e se trata de fazer uma escolha: fazer os grupos e comunidades
entenderem a lógica dos técnicos ou fazer os técnicos entenderem a lógica das comunidades.
Parece-nos que até por uma questão de escala deveria ser mais fácil fazer um grupo de técnicos
entenderem as necessidades e aspirações das comunidades. A não ser que a questão em jogo não
seja a de metodologias, mas sim de poder. Ao se decidir por valorizar o conhecimento, por
considerar a multidimensionalidade das necessidades das pessoas vivendo na pobreza, assim como
suas capacidades, estaremos enfrentando metodologicamente os reais problemas, os reais desafios.
Mensuração
Uma terceira questão muito freqüente é: pode o empoderamento ser acuradamente mensurável
de forma que programas com esta perspectiva possam ser avaliados? Para Sen esta questão não é mais
ou menos complexa que a que se pode fazer a qualquer outro indicador qualitativo. Indicadores
objetivos como subjetivos têm sido usados por programas que adotam a perspectiva de empodera-
mento. Se os programas têm objetivos específicos como educação, crédito, saúde ou geração de
renda, os standards padrões usuais de mensuração podem ser usados. Entretanto, estas medidas
podem ser somente aproximações com relação à mensuração de processos de empoderamento de
natureza mais qualitativa. É de particular importância que métodos de avaliação sejam construídos
onde as respostas e o feedback sobre as preocupações das pessoas e das comunidades sejam avaliados.
7 A perspectiva do empoderamento é importante em diferentes contextos políticos. Nos países latino-americanos, onde a
democracia foi restabelecida combinando mobilização social com processo orquestrado pelas elites, a chamada transição por
cima, é fundamental assegurar o fortalecimento da sociedade civil para que haja governabilidade, para que a cidadania e a
democracia finquem raízes sólidas. Tomar os processos políticos existentes nestes países como completos, acabados, é um erro
não só de julgamento, mas sobretudo de análise. As situações da Argentina, Venezuela e Colômbia não deixam dúvida quanto
às fragilidades existentes na região.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
5. Aproximações e distanciamentos
com a abordagem baseada em direitos
Entre as abordagens no campo do desenvolvimento percebe-se, nos últimos anos, que um
número cada vez maior de instituições começa a utilizar a perspectiva baseada em direitos (based
rights approach). Os direitos humanos, tais como são conhecidos hoje, são o resultado de um
processo longo de lutas e acordos sobre princípios e padrões legais e morais. No entanto, um
momento fundamental em matéria de afirmação de direitos em nível global é a Conferencia
Mundial da ONU realizada em Viena em 1993. Nela se afirmam a indivisibilidade e universalidade dos
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dentro do conjunto dos direitos humanos.
É também de particular importância o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações
Unidas de 2000, que explora esta abordagem apontando que a perspectiva de desenvolvimento
humano deve ter como base os direitos que são, antes de tudo, complementares. O Banco Mundial
parece estar também avançando nessa linha como estratégia para suas políticas, como indicam
alguns de seus documentos mais recentes (setembro de 2000). Várias ONGs européias também
estão trabalhando dentro desta perspectiva: na Inglaterra, Oxfam GB, Cafod, Christian Aid e Save
the Children; na Alemanha, EED e PPM; na Holanda, Icco, Novib e Cordaid; e também grandes
alianças como Oxfam Internacional e Save the Children Alliance (ver no anexo da p.41 a perspectiva
da Oxfam Internacional).
8 Apesar de existirem variações na conceitualização da perspectiva baseada em direitos, de maneira geral todos estes atores
reconhecem o ser humano como o centro do processo de desenvolvimento. Na definição de Amartya Sen, a perspectiva dos
direitos humanos engloba três importantes aspectos: 1. a intrínseca importância dos seres humanos; 2. o seu papel
conseqüência no desenvolvimento econômico; e 3. o seu papel construtivo, na gênese de valores e prioridades. Direitos
humanos têm valor intrínseco e também instrumental para o desenvolvimento. Desenvolvimento humano requer direitos
humanos no sentido de reconhecimento legal e político da liberdade das pessoas, bem como de seus direitos fundamentais.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
9 Os exemplos na história recente de América Latina, onde os governos militares que aboliram direitos civis e políticos entre
outros com base em argumentos de ordem e crescimento econômico, parecem não combinar com esta argumentação, nem
tampouco os programas de ajuste propostos pelo FMI à Argentina e outros países da região.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
Todavia, há que se ressaltar que esta permanente tentativa de acomodar todos os elementos
(antes particulares às visões alternativas de desenvolvimento) produzindo uma visão de consenso
sobre o desenvolvimento tem dificultado a emergência de discussões sobre as relações de poder
que perpetuam a pobreza. Discutir poder e desenvolvimento está cada vez mais fora de questão.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Como afirma Fortman, o mundo inteiro parece ter a boca cheia de direitos humanos, mas
em termos de implementação se pode dizer que ainda persiste uma crise. Apesar da retórica e da
euforia (em torno dos direitos humanos), o que vemos é um grande déficit.
Os sinais desta fragilidade de implementação estão por todos os lados. Os exemplos da
dificuldade de se punir governos que perpetram violência a direitos civis e direitos contra seus
habitantes e de Estados que suprimem pela força e violência direitos de outros povos e minorias
lotam os noticiários internacionais.
Uma outra fragilidade é a própria linguagem. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por
exemplo, reflete um discurso cuja base moral e ética é forte, mas a linguagem é fraca. Por exemplo,
avançar na dignidade... dos indivíduos, ao invés de proteger a dignidade dos indivíduos; a
idéia que outros têm responsabilidades de facilitar e fortalecer o desenvolvimento humano e não
que outros têm a obrigação de implementar e assegurar o desenvolvimento humano; direito a
pedir a ajuda de outros ao invés de direito a reclamar de outros a responsabilidade/obrigação de
garantir os direitos.10
Um outro aspecto importante diz respeito à falta de estratégias para combater a violação de
direito nas esferas privadas, situação que afeta particularmente as mulheres em todos os
países e continente.
A fragilidade dos direitos humanos se estabelece quando se conectam os direitos à realidade
(tanto em nível nacional como internacional). Idealmente, o direito tem poder e status para
proteger através de mecanismos de justiça, mas a realidade mostra que a força para sua imple-
mentação depende igualmente de os direitos serem social e politicamente reconhecidos.
A idéia de direitos humanos assenta sobre o princípio de que toda violação deverá ser evitada
e reparada por ações que recuperem os direitos. Todavia, a falha existente tanto na prevenção
como na reparação parece ainda não ter encontrado uma solução. Esta falha está vinculada a dois
fatores cruciais: primeiro se verifica, de modo geral, uma permanente inadequação da legislação
enquanto um mecanismo de controle do poder; e segundo, uma defasagem da percepção destes
direitos em muitos contextos culturais e políticos (e aqui não estamos tratando das diferenças
culturais que os ocidentais consideram extravagantes, como a de alguns grupos na África, Ásia,
América do Sul e Central). Como resultado destes dois fatores, é visível que os direitos humanos
como estão colocados em tratados e declarações, entre outros formatos, sofrem de uma funda-
mental falta de integração com a vida cotidiana e com o uso do poder em todas as sociedades.
Como Fortman nota, a idéia de que no centro estão os direitos e que violação é algo marginal é
amplamente contestada pela realidade. Freqüentemente o que vemos é diferente: no centro
estão as violações e na margem, os direitos.11
Na situação que vivemos hoje, os direitos têm sido subordinados ao poder econômico, que
se manifesta na distância entre a integração destes direitos com o cotidiano de tomada de decisões
políticas. Isso se reflete, por exemplo, na própria estrutura da ONU, que separa em três instâncias
os componentes de um único sistema de direitos. Direitos humanos ficam a cargo da Ecosoc,
desenvolvimento econômico fica com as poderosas agências de Bretton Woods e segurança, com
o Conselho de Segurança.
10 Estes exemplos são do texto Rigths-based approaches: any new thing under the sun, de Bas de Gaasy Fortman.
11 Esta constatação é reconhecida por alguns atores. Atualmente Kofi Annan vem liderando uma campanha chamada
Mainstreaming Human Rights.
38
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
12 Este ponto nos sugere que a perspectiva de empoderamento devia precedência à dos direitos.
39
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
para não mencionar trabalhadores que estão reduzidos à situação de escravidão por dívida em
fazendas espalhadas pelo interior do Brasil ou mesmo em cidades grandes como São Paulo, onde
imigrantes ilegais [bolivianos, coreanos] estão trabalhando em oficinas de fundo de quintal sem
acesso a direitos mínimos).
Um outro problema que se pode mencionar diz respeito ao déficit de instrumentos que possam
assegurar a implantação dos direitos. Apesar do avanço do relatório em estabelecer indicadores e
demonstrar os efeitos que têm a negação dos direitos, parece-nos que a questão maior não reside
nos indicadores, Aliás, os indicadores até se tornam pouco efetivos se não existem instrumentos
que os conectem com mecanismos/instrumentos que possam ser empregados em ações concretas
para implementação dos direitos. Neste ponto reside um dos maiores desafios da perspectiva
baseada em direitos.
Por outro lado, é o governo o primeiro responsável pela implementação de direitos. Aqui surge
outro problema: os governos muitas vezes representam interesses econômicos contrários à imple-
mentação dos direitos mais básicos.
É possível perceber hoje um aumento de importância da lei entre as pessoas. Mais pessoas
recorrem à lei tentando solucionar problemas, todavia a eficácia destas ações legais está condicionada
à existência de um ambiente favorável. Em ambientes adversos onde o Estado e a economia vivem
em permanentes crises, a realização dos direitos através de ações judiciais mostra pouco efeito.
O que não significa dizer que os direitos não tenham sentido nestes ambientes, mas há que se
construir um patamar de legitimidade dos direitos, e não já pressupor sua existência. Este ponto
recoloca uma séria questão para os direitos: a da legalidade e da legitimidade.
6. À guisa de conclusão
A luta contra a pobreza e a exclusão social tem passado por diferentes fases ao longo das últimas
décadas. Nos anos 1950 pensava-se que as dificuldades para o desenvolvimento, e a conseqüente
eliminação da pobreza, se encontravam na carência de infra-estrutura. Atores globais, o Banco Mundial
entre outros, passaram a apoiar obras de infra-estrutura. Pouco depois se percebeu que o desen-
volvimento não acontecia como resultado da mudança em condições materiais. Era necessário
investir nas pessoas. Saúde e educação passaram a receber quantias volumosas de recursos.
Nem toda a comunidade internacional apostou no welfare state. Muitas energias e recursos
apostaram em processos de mudança mais radicais.
As décadas passaram e a distância entre ricos e pobres, excluídos ou incluídos tem aumentado
em proporções alarmantes. Ao mesmo tempo, nunca a humanidade produziu tanta riqueza e a
ideologia neoliberal ganhou tanta hegemonia em todo o planeta.
Talvez possamos dizer que aprendemos muitas lições das experiências tão ricas que passamos
nos últimos anos no campo da cooperação. Hoje vemos as bandeiras e discursos alternativos
sendo incorporados por um amplo leque de atores. Estratégias de empoderamento ficaram na
moda e, mais recentemente, a baseada em direitos.
Uma é mais efetiva que a outra? São ambas estratégias mutuamente excludentes?
Não parece haver uma só resposta para essas perguntas.
É evidente, no entanto, que qualquer estratégia de luta por um mundo melhor dificilmente
será uma receita que possa ser aplicada em qualquer realidade, independentemente do contexto
em que seja utilizada.
40
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
Anexos
A abordagem da Oxfam13
A Oxfam GB tem trabalhado por muitos anos dentro de uma abordagem baseada
em direitos como estratégia de combate à pobreza, entendendo pobreza como
um processo complexo e multidimensional.
Baseada na Conferência Mundial da ONU, realizada em Viena, em 1993, a
Oxfam desenvolveu uma carta global de direitos básicos, onde retoma os pontos
da declaração da conferência, segundo a qual toda pessoa tem o direito a um lar,
água limpa, comida suficiente, educação etc. Contudo, a Oxfam entende que no
presente momento a melhor forma de contribuir para a realização dos direitos
humanos, em face também das atividades e da experiência de outras organizações, é,
dentro do continuum que são os direitos humanos, focalizar suas energias e recursos
nos direitos sociais e econômicos, incluídos aqui os humanitários. Esta perspectiva
envolve também a análise e aprofundamento dos vínculos existentes entre direitos
sociais, econômicos e culturais com os civis e políticos.
A partir de 1998, a Oxfam focalizou seu trabalho em cinco direitos básicos
vinculados a objetivos específicos de intervenção. A Oxfam Internacional, confe-
deração de 11 Oxfams que inclui a Novib e a Intermon, se envolve neste processo
desde 1999. De tal forma, o plano de trabalho do conjunto das Oxfams para 2001-
2004 tem como base o esquema de direitos Right-based framework. A Oxfam
Internacional focaliza na realização de direitos econômicos e sociais. Estes cinco
direitos, que estão assegurados em convênios e acordos internacionais, funda-
mentam o planejamento estratégico da Oxfam Internacional e são:
a. O direito a meios de vida sustentáveis (eqüidade econômica e ambiental e
meios de vida para as gerações futuras).
13 Baseado no documento Oxfam GB conference paper on Social and Economic Rights, de Chris Roche
e Caroline Roseveare.
41
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
A estratégia de combate à
pobreza do Banco Mundial
Para o Banco, pobreza é o resultado de processos sociais, econômicos e polí-
ticos que interatuam e freqüentemente se reforçam mutuamente, de forma a
exacerbar o processo de exclusão em que vivem os pobres. Bens escassos, falta de
acesso a mercados e escassez de emprego prendem as pessoas no círculo da
pobreza material. Por tal motivo, estimular o crescimento econômico, fazer os
mercados trabalhar para os pobres e incrementar seus bens é fundamental para
reduzir a pobreza. Mas essa é apenas uma parte da história. Num mundo onde
a distribuição de poder acompanha a distribuição de riqueza, o modo como os
Estados funcionam pode ser particularmente desfavorável aos pobres. Por exemplo:
os pobres raramente recebem os benefícios dos investimentos públicos em edu-
cação ou saúde. E ainda são freqüentemente vítimas da corrupção e das arbitra-
riedades dos órgãos públicos.
A pobreza é também muito afetada por normas, valores sociais e praticas
tradicionais que dentro da família, da comunidade ou do mercado levam a
processos de exclusão social de mulheres, grupos étnicos ou grupos socialmente
desempoderados.
É por isso que facilitar o empoderamento dos pobres, fazendo com que o
Estado e as instituições sociais atendam mais a eles, é também fundamental para
combater a pobreza.
Vulnerabilidade a eventos externos e fora de controle, epidemias, violência e
choques econômicos reforçam o senso de dificuldade, de pobreza material e
debilidade para barganhar suas posições. É importante aumentar a segurança
reduzindo os riscos a eventos externos para combater a pobreza.
42
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO E DE DIREITOS
A estratégia
A abordagem para combate à pobreza do Banco Mundial a partir do ano
2000, em face do contexto de globalização, efetiva-se através de três elementos:
43
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
BIBLIOGRAFIA
BROCK, K.; CORNWALL, A. & GAVENTA, J. Power, knowledge and political spaces in the framing
of poverty policy. Working paper IDS, October 2001.
CORNWALL, A. & GAVENTA, J. Bridging the gap: citizenship, participation and accountability.
PLA Notes 40 IDS. Feb 2001.
FORTMAN, Bas de Gaay. Rights based approaches: any new thing under the sun?
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ROCHE, Chris & Roserveare, C. Oxfam GB Conference Paper on Social and Economic Rights.
March 2002.
ROWLANDS, Jo. A word of the times, but what does it mean? Empowerment in the Discourse
and Practice of Development.
SEN, Gita. Empowerment as an approach to poverty. Working Paper Series, number 97.07. Indiam
Institute of Management. Background paper to the Human Development Report 1997,
Dec. 1997 .
The World Bank 2000. Voices of the poor. Can anyone hear us? Deepa Narayan [et alii],
Oxford University Press for WB, 2000.
SITES VISITADOS
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Economics, Action Aid UK, Oxfam GB, The Save the Children Fund, Christian Aid, Cafod, Bond UK,
Novib, Icco, PPM, EED e
http://www.empowermentresources.com/
http://www.stanford.edu/~davidf/empowermentevaluation.html
http://www.angelfire.com/mi3/empowerment/
http://www.ids.ac.uk/ids/particip/index.html
44
Metodologias e ferramentas
para implementar
estratégias
de empoderamento
Alberto Enríquez Villacorta1
e Marcos Rodríguez2
O presente documento foi feito com base nos termos de referência estabelecidos
pela ActionAid a fim de gerar mais e melhores insumos à reflexão e ao debate abertos dentro da
organização a respeito das decisões e projeções impulsionadas, por um lado, na África e Ásia, e
por outro, na América Latina e Caribe, que mudaram o enfoque do trabalho institucional.
No caso da África e da Ásia, os programas começaram a dar mais enfoque a um desenvolvi-
mento baseado em direitos, enquanto no caso da América Latina e do Caribe, tanto a estratégia
regional como a de cada país individualmente se baseiam num enfoque de empoderamento.
Neste marco, a ActionAid precisa aprofundar a análise com o propósito de determinar qual
dos dois enfoques tem mais consistência, poderá gerar melhores resultados e alcançar maiores
índices de sustentabilidade.
Com o fim de contribuir para esta análise, o presente documento se estruturou em três partes.
Na primeira se estabelece o conceito de empoderamento e o marco para desenhar estratégias que
o tornem possível, assinalando, ao mesmo tempo, as principais semelhanças e diferenças com o
enfoque de desenvolvimento baseado em direitos.
Na segunda parte, se faz uma espécie de balanço crítico de estratégias, metodologias e
ferramentas utilizadas na América Latina para implementar processos de empoderamento.
Finalmente, na terceira parte, se fazem algumas recomendações à ActionAid, visando à
análise e ao desenvolvimento de metodologias que permitam formular e implementar estratégias
de empoderamento.
45
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
46
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
O empoderamento:
Parte do entendimento de que a situação de pobreza e dominação experimentada por
milhões de pessoas, não só na América Latina, mas também no resto do mundo, é um
impedimento ao desenvolvimento que tem em sua base o poder de uns poucos sobre os
recursos e sobre as possibilidades de existência social de outros.
É o processo de obter acesso e controle sobre si mesmo e sobre os meios necessários para
sua existência.
É um processo de construção e/ou ampliação das capacidades que têm as pessoas e grupos
pobres e excluídos para:
Assumir o controle de seus próprios assuntos;
Produzir, criar, gerar novas alternativas;
Mobilizar suas energias para o respeito a seus direitos;
Mudar as relações de poder;
Obter controle sobre os recursos (físicos, humanos e financeiros) e também sobre a ideo-
logia (crenças, valores, atitudes);
Poder discernir como escolher;
Levar a cabo suas próprias opções.
Tudo isso com o propósito de se converter em sujeitos do desenvolvimento sustentável.
É pessoal e organizacional. Não pode ser feito de fora pra dentro, mas pode ser facilitado
através de ações estimulantes e criando um ambiente amistoso, favorável. Implica ações
simultâneas e complementares de cima para baixo e de baixo para cima.
47
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Não é um processo neutro, pois deve implicar necessariamente mudanças nas relações de
poder a favor dos que vivem na pobreza ou são excluídos. Deve gerar processos de mudança
no nível individual e coletivo, tanto em termos de controle de recursos, como em termos de
uma maior autonomia e autoridade sobre as decisões que têm influência na sua própria vida.
Também não é um processo natural. É induzido. Não nasce por geração espontânea, mas é
impulsionado intencionalmente. É socialmente construído.
É um processo através do qual grupos que têm sido excluídos e marginalizados por causas
econômicas, sociais, políticas, de gênero etc., buscam mudar essa situação e se incorporar na
determinação do rumo que suas localidades, países, regiões e o mundo devem tomar. Por isso, as
estratégias de empoderamento são caminhos para sociedades locais ou nacionais mais democrá-
ticas, via pela qual grupos, atores e setores mais excluídos entram nos processos onde se
decide o rumo daquelas.
48
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
Como resultado desses dois fatores, é claro que os direitos humanos tal como estão nos
tratados, declarações e outros formatos sofrem de uma falta fundamental de integração com a
vida cotidiana e com os modos do uso ou exercício do poder em todas as sociedades.
Se uma perspectiva baseada em direitos coloca a força no direito mesmo, em sua base ética
e moral, a perspectiva de empoderamento, por seu lado, põe a força naqueles que têm sido
excluídos, nos pobres, nos desempoderados.
A partir da perspectiva do empoderamento, a violação dos direitos humanos sucede porque
os setores desfavorecidos socialmente carecem do poder suficiente para garantir o respeito a seus
direitos ou para exigir a reparação quando estes são violados.
49
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Não obstante, um enfoque excessivamente centrado na questão do poder, que não leve em
conta os direitos inerentes a todas as pessoas humanas, pode conduzir, como já sucedeu ao
longo da história, a caminhos autoritários que não resolvem o problema das desigualdades e do
desenvolvimento humano.
Daí que o enfoque de direitos pode ser visto como complementar ao enfoque de empodera-
mento. Isto começou a se evidenciar com o recente surgimento de interpretações que sustentam
a presença e importância do empoderamento dentro dos direitos humanos. Tais interpretações
vêm ganhando força e buscam articular, e não dissociar, os direitos civis e políticos (direito a ter
voz e direito a ser escutado) com os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Em suma, não há dúvida de que desencadear processos de desenvolvimento sustentável que
incluam o combate à pobreza e à exclusão requer atores que tenham a capacidade e o poder
suficiente para produzir mudanças profundas na correlação de forças tanto nos níveis locais e
microrregionais, como nos nacionais e mundiais.
Por isso, o empoderamento daquelas pessoas, grupos e setores que vivem na pobreza ou
são excluídos e marginalizados é fundamental e se caracteriza por ser um processo essencial-
mente político. Porém, isto não significa que não existam outros enfoques que o possam
enriquecer e complementar, ainda que jamais devam substitui-lo. Um desses é, sem dúvida, o
enfoque baseado em direitos.
50
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
como a construção de capacidades, tanto pessoais como coletivas, são próprias e singulares, de
maneira que ninguém as pode conseguir em nome de outrem.
Por isso, como afirma um analista nicaragüense, fazendo alusão à sua própria experiência
nacional, existem diversos exemplos de projetos e, inclusive, processos políticos que, apoiando-se
principalmente em fatores externos, realizaram ações que pareciam demonstrar empoderamento,
com o aparente beneplácito dos empoderados, mas cujos resultados se reverteram tão rápido
quanto desapareceram aqueles fatores externos que os motivaram. Disso conclui que nestas situ-
ações só houve um empoderamento não muito avançado ou definitivamente aparente. 5
As estratégias de empoderamento, portanto, só as são de fato se situam como sujeito do
empoderamento as pessoas e grupos ou setores desfavorecidos, pobres e excluídos.
Porém, isto não significa que o empoderamento seja uma questão exclusiva dos setores
sociais desfavorecidos. Ao contrário. Devemos recordar que estamos situados no campo do desenvol-
vimento e que se trata de que os grupos ou setores empoderados exercitem o poder adquirido
incidindo positivamente nas dinâmicas de desenvolvimento. Isto só é possível com a intervenção de
outros atores que contribuam na criação de um ambiente que seja favorável para que isso acon-
teça. A mesma situação de desvantagem que os setores pobres e excluídos têm na sociedade evidencia
a necessidade de estabelecer vínculos e alianças com outros agentes que contribuam com estímulos
e ações positivas para a criação de um ambiente que favoreça os processos de empoderamento.
Isto permite situar adequadamente a dimensão e a importância do papel e a contribuição de
agentes externos como catalisadores de processos de empoderamento. Os agentes externos
nunca podem substituir o sujeito da estratégia, mas podem definitivamente contribuir de maneira
fundamental para a construção destes processos.
É, portanto, necessária a ação de outros atores, como governos centrais, governos locais,
organizações da sociedade civil, ONGs e cooperação internacional, que são atores indiscutíveis no
campo do desenvolvimento e que assim como podem favorecer os processos de empoderamento,
também podem obstruí-los e bloqueá-los.
Em outras palavras, uma estratégia de empoderamento deve contemplar a construção de
alianças do sujeito das mesmas, os pobres e excluídos, com a mais diversa gama de atores no
campo do desenvolvimento com o propósito de transformar o meio a sua volta e abrir caminho
aos processos de empoderamento.
Aqui entra, portanto, que um componente fundamental das estratégias de empoderamento
é a participação. A participação não é um componente secundário, mas um elemento constitutivo
das estratégias de empoderamento.
É por isso que muitas análises e investigações de campo relacionam os temas participação,
cidadania e poder com políticas de combate à pobreza. 6
São muitas e muito diversas as experiências na América Latina e em outras partes do mundo
que vêm mostrando que os processos de participação possibilitam processos de empoderamento
e favorecem o estímulo de políticas e práticas de desenvolvimento que contemplam as necessida-
des das pessoas e grupos pobres e excluídos. Isto será abordado detidamente mais adiante.
Neste sentido, experiências como a aprovação e implementação da Lei de Participação Popular na
Bolívia, a concordância governamental para colaborar com o Serviço de Informação de Orçamento
51
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
para a Democracia na África do Sul e o papel desempenhado pela autoridade federal durante o
governo de Kennedy para romper a oposição local à votação dos afro-americanos no sul dos
Estados Unidos demonstram a importância que pode ter a ação do governo nacional na criação
de condições no meio à sua volta que favoreçam processos de empoderamento.
Da mesma forma, o partido político e o governo local têm tido um papel-chave como um
agente facilitador de empoderamento no caso do Orçamento Participativo no sul do Brasil.
Além disso, existem inúmeras experiências de ONGs que, apoiadas por agências de cooperação
internacional, facilitaram processos inovadores e flexíveis de empoderamento que serviram de
base para sua posterior adoção por entidades governamentais e internacionais.
A família
É o menor espaço de organização social e mostra-se fundamental no estabelecimento de relações
de poder entre gêneros, assim como entre pais e filhos. Daí que as estratégias orientadas à
eqüidade de gêneros, ao apoio à infância e à adolescência e à diminuição da violência intrafamiliar
devem considerar incidir de alguma forma neste espaço social.
A comunidade
É um espaço social mais complexo que a família, mas ainda relativamente homogêneo, no qual
primam as relações estabelecidas pela proximidade física e o fato de que as pessoas compartilham, em
geral, uma situação similar no que se refere ao acesso a recursos e serviços, como a moradia, o
emprego, a água e o saneamento, a educação, a saúde etc.
Durante as décadas de 80 e 90, na América Latina, as organizações comunitárias rurais e
urbanas pobres desempenharam um papel fundamental para resolver um conjunto de serviços
básicos e construir normas de convivência, que resultaram indispensáveis diante da debilidade
histórica do papel social do Estado. A ponto de se poder afirmar que uma boa parte da infra-
estrutura social que existe neste tipo de comunidades se deve mais à autogestão comunitária
52
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
apoiada pelas ONGs e pela cooperação internacional do que pela ação do Estado. Esta situação é
ainda mais clara nas zonas que foram cenários de conflitos armados onde, diante do virtual
desaparecimento do poder do Estado, as organizações comunitárias demonstraram uma apreciável
capacidade de autogestão, sem a qual não teria sido possível sua sobrevivência.
Estas experiências permitiram que, no mencionado período, se atribuísse uma considerável
importância àquilo que se convencionou chamar de desenvolvimento comunitário. Porém, com
o tempo, este espaço de empoderamento demonstrou não só suas virtudes mas também suas
restrições, principalmente no que se refere a sua limitada massa crítica para gerar dinâmicas
sustentáveis de desenvolvimento.
O local e o regional
Durante os últimos anos, o município e a região adquiriram especial relevância na América Latina
como espaços para a implementação de estratégias de desenvolvimento e de empoderamento.
Isto se produziu como resultado de duas megatendências. A primeira delas vem de cima para
baixo e tem relação com a pressão que exercem os organismos multinacionais para descentralizar
o Estado, como meio de torná-lo menos burocrático e mais eficaz, assim como para fortalecer a
fraca governabilidade nos países da região. A segunda tendência corre de baixo para cima e tem
a ver com a crescente pressão da sociedade civil e suas organizações para ganhar maior ingerência
na gestão do Estado através da participação cidadã.
Nesta conjunção se misturam também tendências ideológicas de significado diferente.
Uma de corte neoliberal que aposta na debilidade do poder do Estado e na transferência para a
sociedade civil de uma parte do custo que implica o investimento e o gasto social. Outra, de
caráter popular, vê na descentralização do Estado e na participação cidadã uma oportunidade
para aprofundar os processos democráticos e conseguir maior influência dos setores populares na
definição de políticas públicas.
Em todo caso, a partir do enfoque do desenvolvimento e do empoderamento, o município e,
em menor medida, a região oferecem a potencialidade de serem os menores espaços de ação nos
quais a sociedade civil se encontra com o Estado. Isto significa que os grupos em processo de
empoderamento têm aqui maiores possibilidades de influenciar o estabelecimento de políticas
públicas que levem em conta seus interesses, mas também possibilita empreender iniciativas a
partir dos municípios ou dos governos locais que propiciem processos de empoderamento.
O país
É o espaço tradicional para a formulação e a execução de políticas públicas de caráter macro,
setorial e territorial que constitui o meio fundamental que facilita ou dificulta os processos locais
e comunitários. Além disso, é nos governos nacionais que se concentram os principais recursos
para investir em desenvolvimento.
A implementação de estratégias que propiciam empoderamento no espaço nacional carece,
em geral, da especificidade e da profundidade que permite o espaço local. Porém, pode influenciar
consideravelmente o empoderamento de setores populacionais amplos como as mulheres, a
infância e a adolescência, os trabalhadores rurais sem terra e as etnias minoritárias mediante a
aprovação de marcos jurídicos que defendam os direitos civis destes setores, a criação de meca-
nismos que os façam cumprir e a alocação de recursos que os privilegiem.
53
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
O global
É junto ao local, um dos espaços que adquiriu maior vigência durante os últimos anos como
conseqüência do processo de globalização, da crescente interdependência política entre os Estados e
a evidência cada vez mais clara de desigualdades internacionais, que deram lugar a amplos movi-
mentos sociais e cidadãos como o movimento antiglobalização ou o Fórum Social Mundial.
Porém, a globalização abriu ao mesmo tempo a oportunidade de impulsionar estratégias
voltadas a influenciar grandes decisões que têm um inquestionável impacto sobre o empodera-
mento de grupos sociais nos níveis nacional e local.
Os perigos maiores são a falta de compreensão da relação que existe entre os processos, a
absolutização de alguns espaços e sua conseqüente desvinculação dos outros. Por isso, aqueles
que pensam que não há nada a fazer no terreno local porque tudo vem determinado pelos
processos internacionais e pelas grandes empresas transnacionais, ou os que pensam que a solução
de todos os problemas está nos espaços locais e municipais, não poderão criar estratégias de
empoderamento genuínas.
As estratégias de empoderamento devem situar-se prioritariamente em um desses espaços,
mas devem estar articuladas aos demais.
Fortalecimento organizacional
Diversos autores insistem que o empoderamento possui uma dimensão pessoal, mas também
organizacional. Isto se deve a que a capacidade que têm os setores sociais em desvantagem de
apoiar-se a si mesmos e de influenciar as decisões que se tomam na sociedade depende, em boa
medida, de sua capacidade de unir-se e atuar coordenadamente frente às estruturas de poder
estabelecidas. Porém, não se trata somente do simples fato de criar organizações, mas de conseguir
que estas sejam autônomas, democráticas, inclusivas e influentes.
54
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
Olhando para a história dos países da Europa Ocidental, por exemplo, se vê que as organiza-
ções de massas (sindicais, de consumidores etc) que se constituíram no começo do século passado
desempenharam um papel fundamental no estabelecimento de iniciativas de cooperação grupal e
de um conjunto de direitos políticos e sociais que hoje distinguem as sociedades modernas.
No final do século, estes modelos organizacionais começaram a se esgotar, mas surgiram outros,
como os movimentos de mulheres, os ambientalistas e os da solidariedade internacional, que
também adquiriram grande influência. Na América Latina se constituíram também importantes
organizações sociais que alcançaram menor ou maior influência segundo suas potencialidades
internas e o âmbito nacional que enfrentaram.
Estas experiências, entre muitas, permitem afirmar com bastante segurança que existe uma
forte correlação positiva entre o poder organizacional que adquirem as organizações dos setores
sociais em desvantagem e o nível de desenvolvimento democrático e de inclusão social que alcançam
as sociedades onde atuam.
Durante os últimos anos na América Latina se difundiu consideravelmente a organização
comunitária. Em El Salvador, por exemplo, existem evidências que demonstram que aqueles muni-
cípios onde durante o conflito armado se constituíram fortes redes de organizações comunitárias
(como Tecoluca, Suchitoto e o norte do município de Chalatenango), se enfrentam os desafios do
desenvolvimento local de maneira mais democrática, inclusiva e inovadora que nos municípios
nos quais a organização comunitária é mais incipiente. Isto á válido inclusive quando se comparam
municípios que se encontram governados pelo mesmo partido político.
Mas o fortalecimento da capacidade organizacional dos setores sociais em desvantagem não
deixa de ser problemático.
Uma das debilidades que se apresenta é a dispersão em muitas e pequenas organizações
sociais que, apesar de se encontrarem muito ligadas com sua gente, carecem da força necessária
para influenciar os tomadores de decisão locais, regionais, nacionais e globais.
Outro problema é a pouca capacidade que têm estas organizações de manter sua autonomia
frente ao Estado, os partidos políticos e outras instituições de poder. A experiência demonstra que
a subordinação destas organizações às estruturas tradicionais de poder pode favorecer sua forte
expansão no curto prazo, mas as debilita e desnaturaliza no longo prazo.
O problema da pouca autonomia tem muitas vezes relação com a dificuldade deste tipo de
organizações para financiar seu funcionamento. O apoio financeiro da cooperação internacional
estimulou a autonomia de muitas organizações sociais frente aos poderes estabelecidos, mas
também teve o efeito negativo de desestimular as contribuições dos associados e transformar
algumas organizações de base em fazedoras de projetos, o que gera grandemente novas e, às
vezes muito sutis, formas de dependência.
55
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Influência e alianças
A experiência parece demonstrar também que é fundamental o fortalecimento da capacidade
dos setores pobres e excluídos de influir nos tomadores de decisão, de modo que seus interesses
e propostas sejam levados em conta.
Isto significa desenvolver capacidades de mobilização social e luta reivindicativa de maneira
ajustada às condições de cada sociedade e momento político, mas também estabelecer alianças
com outros setores-chave para criar correlações sociais e políticas favoráveis. Significa também
56
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
desenvolver capacidades mais sutis de criação de vínculos, lobby e influência sobre os políticos
com poder de decisão no nível local, nacional e global.
O que dissemos acima implica necessariamente a construção de propostas de desenvolvi-
mento. Uma das capacidades dos grupos de poder que mais se destacam consiste em gerar
propostas que na realidade privilegiam seus próprios interesses, embora sejam apresentadas e
justificadas como de interesse para toda a sociedade. Os setores carentes de poder raramente têm
esta capacidade devido ao fato de que suas propostas geralmente se expressam em forma de
plataformas reivindicativas pouco fundamentadas que, se expressam bem seus interesses de setor,
não chegam a transmitir o motivo pelo qual representam mais um lucro que um custo para o
conjunto da sociedade.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
como a transferência do custo dos serviços públicos aos pobres, aprofundar as atuais disparida-
des territoriais e, inclusive, fortalecer as elites locais.
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METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
Envolvimento do sujeito
Todos os projetos bem-sucedidos voltados para a criação de capacidades internas, e boa parte
daqueles voltados para criar condições favoráveis, buscam o maior envolvimento possível dos
setores que se pretende apoiar, ainda que a iniciativa não tenha partido destes. O que significa
dizer que os grupos com os quais se trabalha são concebidos como sujeitos da mudança, mais do
que como clientes ou beneficiários da ação do projeto.
Gradação
A maior parte dos projetos começou com iniciativas simples que se foram complexificando
progressivamente, vale dizer, que avançaram do simples para o complexo.
59
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Aprendizagem e inovação
Alguns projetos de empoderamento, sobretudo os que são apresentados em foros públicos, são
sumamente inovadores, por parecerem que foram inventados de repente. Porém, ao analisar global-
mente a realidade se descobre que a maioria dos projetos surge como réplica de outros, aos quais
se introduziram pequenas inovações que produzem saltos de qualidade.
Diferenciação
A maioria das iniciativas voltada para o empoderamento se orienta num princípio de iniciar nos
setores mais avançados ou conscientes da população-alvo que, com o tempo, vão agregando
setores mais amplos, mas raramente se chega a comprometer toda a população. Dá a impressão
de que a metodologia se poderia resumir em atuar com os avançados, para ganhar os interme-
diários e arrastrar os atrasados.
Propositividade
Outra característica metodológica das iniciativas empoderadoras parece ser a busca em elaborar
propostas de solução antes de assinalar problemas ou carências.
2.5. Ferramentas
Existe um grande número de ferramentas que se utilizaram durante os últimos anos para
tornar viáveis as estratégias de empoderamento que têm sido desenvolvidas em diferentes contextos.
A seguir apresentamos algumas:
Técnicas de comunicação
Como se assinalou anteriormente, a comunicação é chave para trabalhar os valores nos setores
pobres e excluídos e na sociedade civil, para tornar pública e compreensível a informação sobre o
Estado e o acesso aos mercados, assim como para difundir as propostas voltadas para alcançar
mudanças nas condições políticas e econômicas da sociedade. Porém, foi pequeno o avanço neste
sentido, se comparado ao alcance adquirido pelos meios de comunicação de massas, que estão
mais voltados para a alienação e a desinformação que ao empoderamento.
60
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
Sistematização de experiências
A maioria dos projetos de desenvolvimento que se realizam não é sistematizada por seus protago-
nistas, de maneira que se perde muito da riqueza das lições que produz, sejam êxitos ou fracassos.
Isto se deve em parte à crescente escassez de recursos e tempo para a execução de projetos, assim
como à falta de metodologias e hábitos de sistematização por parte dos profissionais do desenvolvi-
mento. Porém, são evidentes a necessidade e a urgência de ampliar os esforços deste tipo para
elevar a qualidade do trabalho dentro dos processos de empoderamento e para se apropriar das
lições que eles vão assumindo.
Estudos e investigações
Os estudos e investigações a partir de e voltados para os processos de empoderamento ainda são
escassos. Porém, para que os setores em desvantagem possam realizar propostas para a sociedade é
cada vez mais imprescindível que vão além de suas plataformas reivindicativas e consigam contra-
balançar o domínio que exerce o pensamento dos grupos hegemônicos. A construção destas
ferramentas é estratégica para os processos de empoderamento.
61
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
De acordo com o que foi colocado neste trabalho, o empoderamento não é um fim em si
mesmo. Refere-se a processos vinculados medular e vertebralmente ao desenvolvimento e,
nessa medida, à redução substantiva da pobreza e da exclusão.
62
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
Selecionar, com base em critérios claros, os espaços desde onde se pretende apoiar os
processos de empoderamento.
À luz da situação atual nos países da América Latina e tomando por base as lições apren-
didas nos últimos 10 anos, é recomendável privilegiar os espaços locais, tendo o município
como ponto de partida, dado que ali, pela primeira vez, se encontram os atores funda-
mentais dos processos de empoderamento com o Estado e o governo.
Isto significa que os grupos em processo de empoderamento têm ali maiores possibilidades
de influenciar o estabelecimento de políticas públicas e que seus interesses, demandas e
propostas sejam levadas em conta. Mas também é possível empreender iniciativas a partir da
municipalidade ou dos governos locais que propiciem processos de empoderamento.
A partir dos espaços locais, as estratégias de empoderamento devem estar articuladas e se articu-
larem aos demais espaços: a comunidade e a família, desde baixo, o país e o global desde cima.
Envolver-se nesta condição implica fazê-lo com perspectiva de médio e longo prazo. Isto não
contradiz, mas destaca o sentido de urgência de que os processos de empoderamento
deslanchem e avancem.
Pôr os recursos da ActionAid em função dos processos, dado que sua natureza de agência
internacional pode contribuir, ao comprometer-se com processos nacionais ou locais, a uma
tomada de consciência gradual sobre a necessidade e utilidade de uma perspectiva global
adequada, que contemple também as questões do poder.
Isso significa que a ActionAid não deve reduzir seu papel a um mero apoio financeiro, mas
combiná-lo com apoio técnico e profissional, contribuir para a geração de espaços de encontro
entre atores do processo, para estender pontes, promover intercâmbios de conhecimentos
e experiências, criar condições para alianças e ações conjuntas.
63
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Partindo dos espaços selecionados para atuar, identificar de fato o sujeito do empoderamento,
isto é, as pessoas e grupos ou setores desfavorecidos, pobres e excluídos, no marco de uma
análise das formas concretas de exclusão, de distribuição do poder e de seu exercício naquele
espaço em que se quer trabalhar, seja este um país, uma região ou uma localidade.
Identificar os outros atores que podem contribuir para criar um meio favorável já que, para
que o processo de empoderamento se realize com êxito e seja sustentável, é necessário saber
quais são aqueles setores, forças ou organizações com quem os setores pobres e excluídos
podem estabelecer vínculos e alianças, dado que com seu peso e capacidade podem ajudar
na criação de um meio que favoreça os processos de empoderamento.
Promover espaços e formas diversas e articuladas para a formação e a capacitação dos sujeitos
que impulsionam o processo e as estratégias de empoderamento. Aqui podem desempenhar
um papel central instâncias governamentais e não-governamentais, assim como universidades
e centros acadêmicos.
64
METODOLOGIAS E FERRAMENTAS PARA IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO
Promover estratégias e processos que contribuam para modificar o meio, gerando condições
favoráveis ao empoderamento, à redução da pobreza e da exclusão e ao desenvolvimento
sustentável. Entre eles:
Descentralização do Estado;
Institucionalização da participação cidadã e da articulação em redes;
Instalação de sistemas de informação transparente e compreensível em todos
os níveis de governo;
Geração de mudanças na cultura institucional, tanto do Estado como da sociedade civil; e
Influência nos orçamentos no nível nacional e local.
Para terminar, é importante destacar que cada um destes instrumentos tem sua natureza
própria, seu papel e seu valor. Porém, eles ganham maior força e alcance quando são vistos como
peças de uma caixa de ferramentas e, conseqüentemente, são utilizadas de maneira combinada
por uma mesma estratégia, dentro de um mesmo processo de empoderamento.
BIBLIOGRAFIA
ENRIQUEZ, Alberto. Desarrollo regional/local en El Salvador: reto estratégico del siglo XXI.
Funde, El Salvador, julho 1999.
65
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
FTR: Primer Foro Temático Regional empoderamiento y acción. Construyendo una agenda para
la reducción de la pobreza. México, out. 2001.
PEREZ HARO, Eduardo. Participación social y empoderamiento para la gestión del desarrollo.
Relatório apresentado na Oficina Internacional sobre Participação e Empoderamento
para um Desenvolvimento Inclusivo. Peru, jul. 2001.
66
Empoderamento, teorias
de desenvolvimento
e desenvolvimento local
na América Latina
Enrique Gallichio1
Para desenvolver o primeiro tema, nos basearemos na análise dos paradigmas do desenvolvi-
mento que inclui Arocena (1995). Assim, avançamos sobre as principais implicações da discussão
do desenvolvimento num contexto de globalização.
Em relação ao segundo tema, vinculado às teorias do poder, nos baseamos fortemente nas
contribuições de Pierre Bourdieu, sobretudo no que diz respeito a sua forma de conceber as
práticas sociais, a dinâmica dos campos e as formas de fazer e sentir por parte dos atores.
Também nos apoiaremos em alguns aspectos da obra de Michel Foucault.
No segundo bloco se afirma a importância do desenvolvimento local como forma de ver e de
atuar neste contexto. As principais teses do trabalho assinalam que os diferentes modelos/relações
de poder tomam corpo e se materializam em nossas sociedades de diferentes maneiras. No que
diz respeito aos processos de empoderamento, o âmbito local surge como o meio mais relevante
para dar-lhes corpo.
O desenvolvimento local será tomado como eixo numa perspectiva não localista, que assume
as interações e as mútuas determinações local-global.
A importância de discutir os paradigmas do desenvolvimento e do poder se dá fundamentalmente
no papel que cada um deles atribui aos atores. Os processos de empoderamento devem estar forte-
mente ligados ao território, este entendido como o contínuo entre identidade, história e projeto.
Enquanto alternativas, esta forma de ver o desenvolvimento local somada à perspectiva da
análise e do combate à exclusão social são as dimensões mais relevantes, na medida em que são
capazes de discutir as mútuas determinações entre ator e sistema.
67
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
1. Teorias do desenvolvimento
na América Latina
Portes2 assinala que à medida que nos aproximamos do fim do milênio, as persistentes desigual-
dades econômicas e sociais tomaram um rumo inesperado: deixa-se de realizar esforços para
reduzir estas desigualdades e reconhece-se sua permanência, e até sua funcionalidade, para o
desenvolvimento da economia global. Neste contexto, a sociologia do desenvolvimento parece ter
perdido muito de seu fundamento, devido ao predomínio do enfoque orientado para o mercado
e a disposição dos governos para seguir essa perspectiva.
O mesmo autor analisa os pontos fortes e as limitações de duas das principais teorias latino-
americanas do desenvolvimento: a da modernização e a da dependência. Mais adiante analisaremos
as implicações do paradigma neoliberal, se é que se lhe pode chamar desta forma.
A modernização, o desenvolvimentismo
Nesta perspectiva, segundo a análise de Cardoso: 3 Se em algo se baseou a perspectiva
desenvolvimentista, pelo menos a que se elaborou na América Latina, foi precisamente na capaci-
dade de identificar problemas, tentar superar obstáculos e abrir caminhos para a acumulação de
riqueza e para que se pudessem compartilhar os frutos do progresso técnico. E segue: Se houve
uma instituição na qual nossos reformadores iluministas tiveram fé, foi no Estado. Assim, Cardoso
ressalta que a preocupação central destes autores (Prebisch, a Cepal e também, em seu primeiro
momento, Furtado, Sunkel, Paz) não era uma teoria de desenvolvimento, mas sim dar uma expli-
cação às desigualdades entre economias nacionais que vinham se acentuando através do comércio
internacional. Isto se opunha fortemente às expectativas da economia neoclássica, que previa
uma tendência à igualação relativa da remuneração dos fatores de produção.
Em suma, a teoria desenvolvimentista impulsionada pela Cepal negava a importância do
comércio internacional como promotor de oportunidades iguais, incorporando à discussão fatores
de cunho institucional e estrutural situados para além do mercado. Insistia-se, portanto, na tomada
de medidas políticas para permitir que a racionalidade técnica resultasse num progresso para as
nações e os estratos sociais mais prejudicados.
Neste marco, como se ressaltou, o ator principal era o Estado, a partir da criação de agências
públicas de desenvolvimento, da promoção do investimento em tecnologia e da necessidade de
expandir os mercados internos.
Como Cardoso demonstra, a crítica a estas políticas veio da direita e da esquerda. Mostra que
para a direita, as teses cepalinas seriam erros grosseiros ou argumentos maliciosamente usados
pelos que, sendo na verdade contrários ao sistema capitalista, preferiam iniciar a batalha por
partes: primeiro propunham quimeras, como a industrialização e o estatismo, para depois abrir o
jogo diretamente a favor do socialismo (Cardoso, 1980). A crítica da esquerda argumentava que as
teorias do desenvolvimento obscureciam o principal: que não há desenvolvimento sem acumulação
de capital e que esta não é mais que a expressão de uma relação de exploração de classes.
68
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
Este enfoque é ainda bastante vigente em vários de nossos países, nos quais se derivou
algumas vezes para modelos populistas e outras, para modelos autoritários.
O enfoque da dependência
Diversos autores, inclusive alguns dos assinalados dentro do modelo desenvolvimentista, come-
çam a questionar os principais pontos da teoria da modernização. A partir deste ponto de vista
alternativo, Portes destaca que a modernização não era outra coisa senão o verniz ideológico do
capitalismo ocidental, cujas incursões no resto do mundo geravam paralisação permanente
(Portes, 2001). Autores como Frank ou Baran começam a defender a tese do desenvolvimento do
subdesenvolvimento, para a qual o subdesenvolvimento é um fenômeno ativamente manejado
em detrimento dos produtores de bens primários e dos Estados mais vulneráveis. Ao mesmo
tempo, na América Latina, surge vigorosamente a escola da dependência (Cardoso e Faletto,
Sunkel, Furtado). Portes ressalta: Com suas raízes teóricas firmemente plantadas na economia
política marxista, os escritos sobre a dependência ignoraram o peso de ideologias e valores
culturais e responsabilizaram as corporações multinacionais pela pobreza do Terceiro Mundo
(Portes, 2001).
Cardoso assinala que o enfoque da dependência não enfatizou só a dependência externa,
mas também a análise dos padrões estruturais que vinculam, assimétrica e regularmente, as
economias centrais com as periféricas. Introduzia-se o conceito de dominação, que destacava que
um desenvolvimento autônomo não era possível e que a única saída era o socialismo. É neste
sentido, na crítica à possibilidade de um desenvolvimento nacional, que surgem tantos autores
como Santos, Quijano, Marini, Cardoso e Faletto. A dominação, definitivamente, era uma domi-
nação entre classes e não entre nações.
Com relação aos atores para superar esta situação, aí é onde provavelmente se encontra a
principal debilidade dos teóricos da dependência. Cardoso conclui destacando que em lugar do
Estado-reformador dos cepalinos, apresentamos uma imagem da sociedade reformada, mas não
levamos às últimas conseqüências as duas questões-chave que se percebiam no horizonte: que
tipo de sociedade reformada e por quem? (Cardoso, 1980).
Portes enfatiza que é necessário, na busca de alternativas, abandonar os debates moderni-
zação versus dependência e ir além de declarações históricas gerais.
69
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Junto a isto, coloca Portes, o neoliberalismo trouxe também mudanças socioculturais importantes:
1. a reavaliação da acumulação capitalista como desejável e congruente com os interesses
nacionais;
2. o descrédito dos sindicatos e da indústria nacional protegida como redutos de privilégio
opostos à eficiência econômica;
3. o apoio do investimento estrangeiro como necessário ao crescimento sustentável;
4. a renovada fé nos efeitos do trickle down para a redução da desigualdade social;
5. a reorientação das fontes de identidade nacional a partir da capacidade de resistência à
hegemonia estrangeira até a reinserção inteligente no sistema econômico mundial.
70
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
No marco de ásperos debates, autores como Touraine afirmaram que não se deve ver nela
(a terceira via) um programa político, mas um sinal emitido por alguns dirigentes que com ele
indicam claramente a prioridade que dão às exigências do mercado internacional, ainda que, ao
mesmo tempo, queiram fazer notar sua preocupação em resolver os problemas sociais, que se
vêm agravando há 20 anos. Há duas formas de avaliar a terceira via. Ou é um anúncio da reaparição
dos temas próprios da esquerda num mundo dominado por políticas de direita ou, o que me
parece mais apropriado, o modo que têm os políticos de centro-esquerda de fazer uma política
de centro-direita (os destaques são meus).
Partindo de uma perspectiva latino-americana, Ricardo Lagos ressaltou:
Não é que não tenhamos feito nossas tarefas no sentido de estimular um crescimento
econômico estável, melhorar a eficácia do gasto social ou manter os equilíbrios macro-
econômicos. Em grande parte da América Latina se fez tudo isso, e muito bem, mas,
apesar disto, se mantêm os problemas sociais que, supostamente, deveriam desaparecer,
tais como o endurecimento de uma pobreza rural e urbana, a manutenção ou inclusive
o aumento do abismo na distribuição de riqueza ou a agudização de problemas de
violência, insegurança e exclusão juvenil.
A terceira via não pode então ter a mesma ênfase numa Europa de US$ 30 mil per
capita que numa América Latina de menos de US$ 5 mil dólares per capita. Mais ainda
se levamos em conta que a América Latina é a região com a distribuição de renda mais
desigual do mundo. Em nossa região, conseqüentemente, a ênfase deve estar na inclusão
dos excluídos melhorando sua vida sem que isto ocorra a expensas do resto. A idéia é que
ninguém perca no processo de inclusão social, para o qual se requer, simultaneamente,
progresso material e progresso social, tal qual o postulam nossos amigos europeus.
71
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
2. Paradigmas do
desenvolvimento
Para começar este debate, gostaria de ressaltar a análise feita por Arocena sobre os principais
paradigmas do desenvolvimento e suas implicações sobre o local.
Para falar de desenvolvimento local é necessário explicitar os pressupostos teóricos: quando
estudamos o local não nos situamos em um universo à parte dos processos de desenvolvimento
nacional ou regional; não partimos do zero como se nunca tivesse sido tratada a questão do
desenvolvimento. É então necessário explicitar alguns pressupostos básicos. Arocena assinala que
não há uma teoria sobre o desenvolvimento local, mas teorias de desenvolvimento que diferem
entre elas na forma de considerar o local5 e analisa três grandes paradigmas.
2.1 Evolucionismo
Neste paradigma, o desenvolvimento está ligado ao processo evolutivo e se compõe de
etapas às quais é necessário recorrer para chegar a um final previamente conhecido. Este modelo
parte do pressuposto de que existe uma dinâmica evolutiva positiva em direção ao progresso; e
que existem freios impostos pelas tradições locais opondo-se a essa dinâmica. Vai-se então do
tradicional (algo negativo a superar) ao moderno (e avançado, o objetivo).
Aqui o modelo industrial representa a superação ou destruição da sociedade tradicional.
Em 1963, um de seus principais expositores, W. W. Rostow, estabeleceu cinco etapas de cresci-
mento econômico: a sociedade tradicional, as condições prévias para o crescimento, a decolagem,
a entrada na maturidade e o consumo de massa.6
A crítica a este modelo foi realizada entre outros por Touraine, que assinala que o desenvol-
vimento esteve mais marcado por relações de dependência, de interdependência e de dominação
que por uma racionalidade universal de crescimento econômico; e se pergunta se o subdesenvol-
vimento é um atraso ou uma posição no sistema, afirmando esta última concepção. Desse modo,
as especificidades locais determinam que os processos dificilmente sejam comparáveis; e, sobretudo,
o desenvolvimento não significou necessariamente progresso, evolução.
Para esta posição o paradigma evolucionista os atores locais não têm papel algum a
cumprir, salvo seguir o melhor possível os ditados das demandas do crescimento econômico.
Em geral, atuam mais como freio que como impulsionadores do desenvolvimento.
2.2 Historicismo
Neste enfoque, o essencial não é o ponto de chegada, mas o ponto de partida, sempre
diverso em função dos perfis nacionais e locais específicos.
A história é um ponto de partida fundamental. A palavra-chave neste caso não é progresso,
como no evolucionismo, mas estratégia. Para esta forma de ver a realidade, não existem leis pré-
determinadas. O modelo é o da contingência pura. A idéia de novidade é chave, todo processo é
inédito. O endógeno se privilegia claramente e não se dá importância aos fatores estruturais ou
globais. Nos anos 70, o Small is beautiful era o slogan desta linha de pensamento, que teve
como principal linha de investigação os estudos de corte antropológico-cultural.
72
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
A crítica a este modelo está dada no fato de que sem dúvida é possível identificar pautas
comuns em diferentes processos. Por outra parte, para esta concepção nem todos os atores fazem
parte do processo, o qual é dirigido por elites. Não é um processo orientado pela sociedade.
Neste enfoque, os atores locais são tudo, mas as dinâmicas globais existentes estão ausentes.
2.3 Estruturalismo
Para esta concepção, o desenvolvimento é um processo sistêmico cujos componentes
estruturais são interdependentes. Há diferentes posições no sistema: dominantes e dominados.
A determinação não vem de uma lei evolutiva ou da história, mas da racionalidade de um sistema.
A análise da mecânica social é mais forte que a análise da mudança. Todo sistema tem sempre
uma contradição que pode fazê-lo explodir. A busca de qual ou quais são os fatores determinan-
tes passa a ser central: qual a zona sensível do sistema (economia, política, cultura?). Para os
teóricos desta linha, o sistema se reproduz constantemente e a margem de ação é unicamente
revolucionária, de destruição do sistema. Não existe a idéia de desenvolvimento do sistema.
O local é um lugar de reprodução das relações de dominação globais. As sociedades locais
serão lidas a partir das contradições fundamentais que atravessam o sistema. Esta teoria, de forte
base marxista, teve seus principais expositores nos teóricos da dependência.
A crítica mais forte a esta concepção foi feita por um dos próprios teóricos da dependência
como Cardoso, que assinalou que não se promove um novo modelo de desenvolvimento, mas sim
o mesmo tipo de desenvolvimento em benefício de outras classes. Por outro lado, destaca que é
inútil propor uma teoria do desenvolvimento de um sistema que se diz que fatalmente produz
subdesenvolvimento. Os atores locais não têm nenhum papel, já que são reprodutores nesse nível
da lógica do sistema.
73
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
está totalmente constrangido pela estrutura social, ou se tem margem de manobra, em que os
atores podem mudar a estrutura e, finalmente, quais são as relações de poder e como se expressa
esse poder em nossas sociedades.
74
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
A reprodução cultural
Bourdieu afirma que o sistema escolar e universitário funciona como instância de seleção, de
segregação social em benefício das classes sociais superiores e em detrimento das classes médias
e, mais ainda, das populares. Os privilegiados do sistema são os filhos das diferentes frações da
burguesia. São os herdeiros, cuja herança não é só econômica, mas também, sobretudo, cultural.
A escola cumpre a função de legitimação, transformando os privilégios aristocráticos em
direitos meritocráticos, compatíveis com os princípios da democracia. Privilegiam-se os privilegia-
dos, aos quais se dá a vantagem de não aparecerem como privilegiados. Corresponde, portanto,
a um primeiro direito ao qual não se acede universalmente: a educação.
A legitimação
Bourdieu toma emprestada de Marx a idéia de que a realidade social é um conjunto de relações
de força; e, de Weber, a noção de que a realidade social é também um conjunto de relações de
sentido e que toda dominação social deve ser reconhecida, ser aceita como legítima e ganhar
sentido. Legitimar um tipo de dominação é dar toda a força da razão ao interesse do mais forte.
É a violência simbólica, onde o poder se impõe mediante significações. Conseqüentemente, impõe-se
uma arbitrariedade cultural. Geram-se culturas dominantes e culturas dominadas.
Neste caso, estamos claramente posicionados dentro da lógica do poder. Este possui, como
se assinala, um forte componente simbólico, cultural, de forma que a análise dos processos de
construção de identidade adquire grande relevância.
O habitus
Este é um conceito-chave que permite articular o individual com o social, as estruturas internas da
subjetividade e as estruturas sociais externas.
O habitus é um sistema de disposições para atuar, sentir e pensar de uma determinada
maneira, interiorizada e incorporada pelos indivíduos no transcurso da história. Manifesta-se por
meio do sentido prático, que é a aptidão para se mover, para atuar e para se orientar segundo a
75
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
posição que se ocupa no espaço social. Tudo isto sem recorrer a uma reflexão consciente, graças
às disposições adquiridas que funcionam automaticamente. É ao mesmo tempo um sistema de
produção de práticas e um sistema de percepção e de apreciação de práticas.
O conceito de habitus se constitui numa espécie de dobradiça na construção teórica de
Bourdieu, já que permite articular o individual e o social como sendo dois estados da mesma
realidade, da mesma história coletiva que se deposita e se inscreve simultânea e indissoluvelmente
nos corpos e nas coisas. Bourdieu o vê como perpetuador e reprodutor das condições objetivas e
destaca a irreversibilidade do processo de formação dos habitus.
Pode-se dizer então que o habitus é ao mesmo tempo possibilidade de invenção e necessidade,
recurso e limitação. Trata-se de uma estrutura estruturante. Falar de habitus é também recordar a
historicidade do agente, é afirmar que o individual, o subjetivo, o pessoal é social, é produto da
mesma história coletiva que se deposita nos corpos e nas coisas.
Campo/capital
Um campo é um sistema específico de relações objetivas, que podem ser de aliança ou conflito, de
competição ou de cooperação. As posições que se ocupam são independentes dos sujeitos que as
ocupam em cada momento. Toda interação se desenvolve dentro de um campo específico e está
determinada pela posição que ocupam os diferentes agentes sociais no sistema de relações específicas.
76
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
Em cada campo existem diferentes bens que estão permanentemente em jogo: econômicos,
culturais e sociais. São três tipos de capital. Todo campo é um mercado onde se produz e se
negocia um capital específico. A discussão, sobre a qual não nos alongaremos neste trabalho, é
acerca da dinâmica dos campos, as lutas por eles e mecanismos de reprodução. Em particular,
qual é a forma em que se distribui o capital específico, quais são as estratégias de conservação
dos capitais e, também, quais são as estratégias de subversão. Sempre, em toda sociedade, é
preciso pagar um direito de entrada para chegar ao campo, já que existe uma cumplicidade
objetiva comum entre todos os membros do campo, sejam ou não antagonistas.
No campo da construção do desenvolvimento local, é possível identificar estas relações, mas,
sobretudo, é possível estabelecer esses acordos que permitam caminhar em direção ao bem
comum, o que não significa desconhecer os atores não o desconhecem as assimetrias de
poder existentes.
O campo e o habitus são dois modos ou maneiras de existência do social. Ao campo pertencem
as instituições e ao habitus, a ação individual. Não se excluem, já que a visão deve ser elaborada a
partir da dupla existência do social: a história feita corpo, o habitus; e a história feita coisa, o campo.
Bourdieu define os campos sociais como espaços de jogo historicamente constituídos com
suas instituições específicas e suas leis de funcionamento próprias.
Os campos se apresentam como sistemas de posições e de relações entre posições. Trata-se
de espaços estruturados de posições, ligadas a certo número de propriedades, que podem ser
analisadas independentemente das características daqueles que as ocupam. Um campo se define
definindo o que está em jogo e os interesses específicos do mesmo, que são irredutíveis aos
compromissos e aos interesses próprios de outros campos. A estrutura de um campo é um estado
da distribuição do capital especifico que está em jogo ali, num momento dado do tempo, levando
em conta as lutas anteriores e as estratégias. Sua estrutura é um estado das relações de força
entre os agentes ou as instituições comprometidos no jogo. Constitui um campo de lutas destinadas
a conservar ou a transformar esse campo de forças. Os agentes comprometidos nas lutas têm em
comum um certo número de interesses fundamentais, causas compartilhadas e aceitas. Os limites
de cada campo e suas relações com os demais campos se definem e se redefinem historicamente.
77
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Outros postulam o local como alternativa aos males da globalização. O local é visto assim
como a única alternativa frente a uma análise da globalização que mostra exclusão, pobreza e
injustiça. O desenvolvimento local é visto como uma política compensatória, como uma resposta
às dinâmicas globais. Nesta proposta, o local adquire sentido, mas num marco no qual não tem
destino propositivo. Ao contrário: é uma resposta, uma reação a um estado de coisas.
Finalmente, a terceira resposta, embora minoritária, destaca a articulação local-global, dentro
de uma compreensão complexa da sociedade contemporânea.
As duas primeiras respostas têm a virtude de serem coerentes e claras. Porém, do nosso
ponto de vista, são profundamente equivocadas. A terceira é mais complicada, contraditória, de
difícil compreensão, buscando articular categorias que aparecem como incompatíveis. Contudo,
creio que é a única que dá conta plenamente do significado do desenvolvimento local. Trata-se da
articulação entre o local e o global, que faz a própria definição de desenvolvimento local.
O desenvolvimento local consiste em crescer a partir de um ponto de vista endógeno e
também obter recursos externos, exógenos (investimentos, recursos humanos, recursos econômicos),
assim como deter a capacidade de controle do excedente que se gera no nível local. O desafio
passa, então, pela capacidade dos atores em utilizar os recursos que passam, e ficam, em seu
âmbito territorial, para melhorar as condições de vida dos habitantes.
Trabalhar articulando estes nexos, estas pontes entre o local e o global levaram Alain Touraine a
assinalar que a sociedade necessita hoje de engenheiros de pontes e caminhos. Certamente não são
os engenheiros tradicionais, mas atores locais que pensam e atuam nesta lógica que mencionamos.
É neste sentido que tentamos uma primeira aproximação ao conceito de desenvolvi-
mento local:
O desenvolvimento local surge como uma nova forma de olhar e de atuar a partir do
território neste novo contexto de globalização. O desafio para as sociedades locais está
colocado em termos de inserirem-se de forma competitiva no global, capitalizando ao
máximo suas capacidades locais e regionais, através das estratégias dos diferentes
atores em jogo.
78
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
4. A discussão na
América Latina
A discussão na América Latina em relação a estes temas tem sido intensa. E neste debate não faltaram
críticos nem apologistas. Do nosso ponto de vista, é necessário tomar cuidado tanto com as eufo-
rias localistas utópicas como com os mecanicismos inspirados em determinismos estruturais.
O fato de que o tema desenvolvimento local esteja em evidência não significa que
haja uma compreensão unívoca em torno de seu sentido. Das discussões internacio-
nais, se pode depreender uma expectativa de que com a reforma neoliberal do Estado
que supõe a redução da capacidade dos Estados nacionais em atender as demandas
sociais se possa transferir, em parte ou no todo, uma agenda de responsabilidades
para os municípios.
Tal entendimento acaba por transferir aos governos locais a gestão do conflito social,
originado a partir das demandas sociais insatisfeitas e alimentadas pela dinâmica eco-
nômica e social de níveis mais abarcadores. Há aí um reconhecimento de que o processo
de globalização leva inexoravelmente a um aprofundamento da dualização da nossa
sociedade, com o crescimento da pobreza e da exclusão social, e que nada se pode
fazer nos diferentes níveis de governo para enfrentar a questão social.
O único caminho que pode dar conta destes processos sem cair em aproximações redutoras
do desenvolvimento local parece ser dirigir-se para uma compreensão complexa dos processos de
desenvolvimento que fale de paradoxo, de coexistência de contrários, de articulação.
Mais que nunca é preciso vincular estes processos de desenvolvimento local aos processos de
globalização. Vários autores destacaram a ameaça de uma globalização desabitada, caracteri-
zada pelo achatamento dos mais vulneráveis, tanto como grupo social como a partir dos territórios.
Há um mal-estar generalizado acompanhado pelo risco de ver a globalização como o mal absoluto,
voltando aos discursos messiânicos, de defesa das identidades (característicos da globalização de
79
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
princípios do século XX). Surgem dois discursos e duas posturas possíveis: a uniformização/
homogeneidade versus a complexidade/articulação.
Do nosso ponto de vista, o desafio consiste em construir a unidade na diferença. A vitalidade
das sociedades se expressa na emergência do singular diverso e não nas tendências uniformizadoras.
No caso latino-americano, concentrar a atenção no local é uma via para superar as aproxi-
mações demasiado globais e mecanicistas e tratar de construir a partir de cada singularidade,
considerando as determinações globais.
A época das macroteorias explicativas dos processos de desenvolvimento está definitivamen-
te encerrada. Em seu lugar se buscam respostas adaptadas, pertinentes, que partem muito mais
dos atores que dos planejadores e especialistas em desenvolvimento. Os teóricos do planejamento
territorial também fracassaram, assim como muitos processos que sob a definição de desenvol-
vimento local levaram adiante processos de ordenamento territorial.
Um objetivo de fundo é a geração de políticas nacionais de desenvolvimento local. Estas se
dão quando o nível central é consciente da importância da diferença nos processos de desenvol-
vimento, gerando reformas descentralizadoras e criando os marcos legais propícios para o desen-
volvimento das diferenças.
Certamente estes processos geram incerteza; passa a se expressar uma cultura do singular,
do múltiplo, do diverso, do movimento onde antes reinava o universal, o único, o uniforme, a
ordem. Por outro lado, enfrentamos a pergunta: as sociedades locais têm capacidades para
gerar iniciativas próprias? Há um certo ceticismo, relacionado à fragilidade que se lhes atribui.
O centralismo minou a capacidade de iniciativa das sociedades locais.
É relevante também destacar as diferentes dimensões do desenvolvimento. Esta visão multi-
dimensional concebe o desenvolvimento de um território em relação a quatro dimensões básicas:
Econômica: vinculada à criação, acumulação e distribuição de riqueza;
Social e cultural: referente à qualidade de vida, à eqüidade e à integração social;
Ambiental: referente aos recursos naturais e à sustentabilidade dos modelos adotados no
médio e no longo prazos;
Política: vinculada à governabilidade do território e à definição de um projeto coletivo
específico, autônomo e sustentado nos próprios atores locais.
80
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
5. Como abordar o
desenvolvimento local
Do ponto de vista metodológico, um dos principais desafios do desenvolvimento local é definir
suas principais categorias de análise. Partindo da experiência do Claeh, é necessário identificar
três variáveis básicas:10
Modelo de desenvolvimento: as diferentes formas que a estrutura sócio-econômica local
assumiu nas últimas décadas. Quão integral foi o processo.
Identidade cultural: identificar as características de identidade que têm incidência nos pro-
cessos de desenvolvimento.
Não nos estenderemos nestes aspectos que beiram o metodológico, mas gostaria de destacar
pelo menos os principais conceitos que configuram cada uma destas variáveis.
81
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Desse modo, é evidente que existem territórios com projeto (poucos), sem projeto, ou com
projetos truncados.
82
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
83
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
A lógica reivindicativa
Trata-se de atores que atuam basicamente na defesa da qualidade de vida. A mobilização perma-
nente como o ideal de expressão popular e essa seria, para aqueles que atuam nesta lógica, a
verdadeira participação. Prioriza-se a estratégia de pressão e se desdenha da estratégia de gestão.
Os conflitos com o setor político são freqüentes, por questionamento de sua legitimidade.
A lógica do voluntariado
Baseia-se no serviço prestado à comunidade sem receber uma remuneração em troca. Não se propõe,
como a lógica anterior, a organizar ou gerar um movimento, mas sim satisfazer uma necessidade,
por isso não dá respostas globais. Esta é a lógica de organizações de serviço (laicas ou religiosas).
O voluntariado está desempenhando um papel crescente em muitas áreas diferentes e é altamente
reconhecido por parte da sociedade.
A lógica profissional
Trata-se de trabalhadores sociais, educadores, docentes, dirigentes religiosos, juristas, psicólogos,
sociólogos, antropólogos, agrônomos, veterinários, arquitetos, médicos, profissionais da área
médica e da comunicação, ou ainda organizações não-governamentais que têm em comum a
intervenção a partir de uma competência técnica determinada em uma área da atuação social.
Todos eles vivem de sua atividade, recebendo uma remuneração em troca da tarefa que realizam.
Um tema crucial é se esse ator reside na área local ou fora dela. Se são locais, terminam
certamente enraizados nos processos locais. Assim, no profissional residente há uma dupla
dimensão: a remunerada e a participação em instâncias coletivas. Em contrapartida, se são de
fora, a lógica é de intervenção externa.
A lógica profissional parte de objetivos e técnicas pré-definidos. Atualmente se debate a
legitimidade deste tipo de intervenção. A crítica principal é que se parte de alguém que sabe e
leva esse conhecimento. A defesa é que esta metodologia não pressupõe uma substituição do
papel protagonista dos atores locais. O profissional é mais um catalisador, um facilitador, que um
iluminado. O papel das ONGs tem sido e é importante.
84
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
A lógica política
Como destacamos, há uma mudança na demanda para este tipo de ator: caminha de correia de
transmissão de processos nacionais para o papel de canalizador da demanda social. Enfim, o ator
político local está passando da lógica de controle para a lógica de co-responsabilidade em inicia-
tivas e projetos.
Em resumo, a ação local exige a superação das lógicas que atravessam os diferentes siste-
mas: equilibrar a lógica vertical-setorial com a horizontal-territorial, o estabelecimento de redes
que fortaleçam a sociedade civil, a articulação institucional público-privada.
Contudo, existem mecanismos muito fortes de defesa do centralismo. Desconfia-se da capa-
cidade dos atores locais, argumentando-se, assim, a necessidade de um centro que assegure a
unidade nacional e a eqüidade social.
O sistema empresarial
Notoriamente, as transformações no modo de acumulação são importantes. Fatores como a des-
concentração de atividades empresariais, a flexibilidade, a articulação com o meio, a produção
diferenciada, a qualidade, a qualificação dos recursos humanos são elementos que conduzem a
grandes mudanças na forma que o setor empresarial vê, e necessita, do local. Trata-se de fatores
que favorecem o caráter de ator local da empresa, já que a competitividade vem tendo crescen-
temente uma dimensão territorial muito forte. Além do mais, dentro dos fatores de competitivi-
dade sistêmica, a competitividade territorial é um dos mais relevantes.
Com a pequena empresa é mais factível chegar a um acordo localmente, mas também há
sérias dificuldades de articulação, de capacidade de visão estratégica.
A racionalidade deste sistema se dá ao mesmo tempo pelas lógicas dos atores e pelas exigên-
cias dos processos de desenvolvimento.
5.6 Identidade
Retomaremos, finalmente, o conceito de identidade, que nos parece essencial para a ação
neste nível. A identidade local se constrói sobre duas dimensões: a história e o território.
A história é a memória viva de um grupo humano que se reconhece num passado e repre-
senta continuidade e ruptura entre o passado, o presente e o projeto.
O território é o espaço significativo para o grupo que o habita, que gera uma relação desen-
volvida em um nível profundo da consciência. Representa permanência e ausência, continuidade
e ruptura.
Identidade e desenvolvimento
Aproximando-nos de um conceito de identidade desde uma perspectiva de desenvolvimento,
podemos falar de um fio condutor entre passado, presente e projeto através de um processo de
construção de identidade. Este processo se produz em um sistema de relações (a dimensão de
relação com outros é muito relevante); se apóia na idéia de unidade de si mesmo através de certo
lapso de tempo (permanência); se apóia também na idéia de diferença (um é um si mesmo e não
outro); permite a existência de limites (como fronteiras, não como cercas) que permitem inter-
câmbios seletivos com outros; e se afirma na capacidade de rememorar o que se viveu e o que se
é, e adequar-se a novos contextos, gerando a capacidade de reconstruir a identidade.
85
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
A identidade em sujeitos coletivos implica ter algo que se compartilhe com os que estão
dentro e que nos diferencie dos que estão fora, numa relação de continuidade e ruptura. Há relação
entre a dimensão de identidade e os processos de desenvolvimento local, enquanto a primeira é
um componente-chave para pensar e para gerir o desenvolvimento local. Esta dimensão não foi
suficientemente trabalhada, apesar de sua relevância. A evidência empírica reunida nos estudos
de caso do Claeh lança algumas linhas de trabalho para seguir explorando e complementando:
Nem todo processo de consolidação de identidade é uma alavanca de desenvolvimento;
também pode operar como freio ou obstáculo ao desenvolvimento.
5.7. O poder
Aqui vale destacar alguns dos elementos que Michel Foucault assinala em relação ao tema
do poder.
Este autor marca importantes diferenças em relação a concepções mais tradicionais ou
reducionistas do poder como sendo exercido exclusivamente a partir dos aparatos estatais. Pelo
contrário, adota uma noção de poder que não faz referência exclusiva ao plano estatal, mas se
encarrega da multiplicidade de poderes que se exercem na esfera social, os quais se podem definir
como poder social.
Desta forma, fala do subpoder como uma trama de poder microscópico, capilar, que não
é o poder político nem os aparatos de Estado nem o de uma classe privilegiada, mas o conjunto
de pequenos poderes e instituições situadas num nível mais baixo. Nesse sentido, não existe um
poder único, pois na sociedade há múltiplas relações de autoridade situadas em diferentes níveis,
apoiando-se mutuamente e manifestando-se de maneira sutil. Um dos grandes problemas que
se devem enfrentar no momento das mudanças é, precisamente, que não persistam as atuais
relações de poder.
Para o autor da Microfísica do poder, a análise deste fenômeno só se efetuou a partir de duas
relações, a contratual de caráter jurídico, baseada na legitimidade ou ilegitimidade do poder
e a dominação de caráter repressivo, apresentada em termos de luta-submissão. Não se pode
reduzir o problema do poder ao da soberania, já que entre homem e mulher, aluno e professor e
no interior de uma família existem relações de autoridade que não são projeção direta do poder
soberano, mas muito mais condicionantes que possibilitam o funcionamento desse poder, que
são o substrato sobre o qual se assegura.
86
EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
O poder se constrói e funciona a partir de outros poderes, dos efeitos destes, independentes
do processo econômico. As relações de poder se encontram estreitamente ligadas às familiares,
sexuais, produtivas; intimamente entrelaçadas e desempenhando um papel de condicionante e
condicionado. Na análise do fenômeno do poder não se deve partir do centro e descer, mas sim
realizar uma análise ascendente.
Em Os intelectuais e o poder, Foucault coloca em questão o papel dos intelectuais, que
descobriram que as massas não têm necessidade deles para conhecer: elas sabem muito mais.
Porém, existe um sistema de dominação que obstaculiza, proíbe, invalida esse discurso e o conhe-
cimento. O poder que não se encontra só nas instâncias superiores de censura, mas em toda a
sociedade. A idéia de que os intelectuais são os agentes da consciência e do discurso forma
parte desse sistema de poder. O papel do intelectual não residiria em situar-se adiante das massas,
mas em lutar contra as formas de poder ali onde realiza seu trabalho, no terreno do saber, da
verdade, da consciência, do discurso; o papel do intelectual consistiria assim em elabo-
rar o mapa e as apostas sobre o terreno onde se vai desenvolver a batalha, e não em dizer como
levá-la a cabo.
Como bem disse Foucault, a estrutura exerce por si mesma um poder de dominação que não
é necessariamente ativo e com uso de força, mas que na maioria dos casos (e é aí que reside seu
maior perigo) é passivo e se caracteriza por manifestar-se em forma de consenso entre os indivíduos
(aceitação das normas). A origem está no conjunto de relações de poder que se estabelecem em
cada sociedade em particular. Com esta característica podemos ver que seu estruturalismo, dife-
rentemente do marxista ou do durkheimiano, antes de ser universal é particular a cada objeto
específico de análise.
Finalmente, outra característica de sua obra que merece ser ressaltada é a constante evolução de
sua estrutura que avança junto com a sociedade, melhorando seus mecanismos de dominação.
Desse modo, abandona a antiga noção de que o poder se relaciona claramente com as
normas jurídicas que o fazem legítimo ou ilegítimo e centra sua atenção nas noções de estratégias,
mecanismos e de relações de força como suas formas de manifestação.
Com base no que já dissemos, podemos deduzir que para analisar as relações de poder se
deve ter em conta:
1. O sistema de diferenciações econômicas, jurídicas, de status, culturais etc., já que
toda relação de poder implica diferenciações que surgem como condições e efeitos ao
mesmo tempo.
2. O tipo de objetivos: o que se busca.
3. As modalidades instrumentais: desde o uso da palavra até a ameaça e o uso da violência.
4. As formas de institucionalização: os diferentes tipos de dispositivos.
5. Os graus de racionalização, já que as relações de poder toleram um amplo campo de
possibilidades, no qual se tem em conta a eficácia dos instrumentos em relação ao
objetivo.
87
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
6. A título de conclusão
No marco deste documento, considerado explicitamente como sujeito a discussão e reelaboração,
gostaria finalmente de deixar alguns elementos para discussão. Das experiências analisadas pelo
Claeh, surgem algumas conclusões para compartilhar:
Reforma do Estado
A reforma do estado como condição necessária, mas não suficiente. Nos processos de descentrali-
zação, o espaço local aparece como propício para a execução de programas sociais num trabalho
simultâneo de participação e prestação de serviços. Neste novo papel dos municípios, os proces-
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EMPODERAMENTO, TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NA AMÉRICA LATINA
sos de tomada de decisões, a superação do político como pragmático, ganham vital importância.
E mais que a busca de resultados ou de benefícios, a geração de espaços de conversação, de
visibilidade de experiências e a incorporação do público para além do governamental.
O papel do Estado segue sendo insubstituível na promoção da eqüidade, mas ao mesmo
tempo é imperioso avançar no reconhecimento da constituição de práticas sociais autônomas na
sociedade civil.
Sociedade civil
A sociedade civil em seus diversos modos de organização apresenta graus de associativismo rela-
tivamente densos, de alto potencial mobilizador em nossos territórios latino-americanos, ao mes-
mo tempo que a grande fragmentação e atomização desta sementes de ação independentes
limita sua possível articulação sob uma matriz que gere projetos coletivos.
Identidade
A identidade aparece como uma possível ferramenta de entrada em suas múltiplas dimensões:
simbólica, de patrimônio físico, complexa, que apela para a memória como capital na busca desta
articulação.
89
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
BIBLIOGRAFÍA
AROCENA, José. El desarrollo local: un desafío contemporáneo. Caracas, Nueva Sociedad, 1995.
AROCENA, José: Por una lectura compleja del actor local en los procesos de globalización.
In: Desarrollo local en la globalización. Montevideo, Claeh, 1999.
SEN, Amartya. Teorías del desarrollo a principios del siglo XXI. Revista Centroamericana
de Economía, (57-8), 2000.
90
O caminho do empoderamento:
articulando as noções de
desenvolvimento, pobreza
e empoderamento
Marta Antunes1
91
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
1. Desenvolvimento alternativo:
as noções de desenvolvimento, pobreza
e empoderamento
Para entender melhor os conceitos e noções a serem utilizados na discussão, apresentamos o
contexto em que os mesmos surgiram e evoluíram, ou seja, os debates sobre a ascensão e
queda da economia do desenvolvimento (Hirschman, 1986).5
Durante a ascensão da economia do desenvolvimento, vários teóricos defendiam o desen-
volvimento como crescimento e progresso econômico.6 Segundo Hirschman (1986), a teoria do
crescimento, embora orientada para a reconstrução das economias européias, a partir dos anos
50 começa a ser aplicada nos países em desenvolvimento. De acordo com Maluf (1997), esta
exerceu forte influência na fundamentação de diversos diagnósticos da realidade latino-americana
do pós-guerra, inclusive, e principalmente, os da Cepal, que defendia a industrialização como o
paradigma do crescimento econômico. Em relação à agricultura, era necessária a sua modernização,
para que esta cumprisse suas funções no processo de industrialização como substituição de
importações, o que levou ao favorecimento da agricultura patronal e à expulsão prematura de
mão-de-obra do campo para a cidade.7
Os resultados dessas teses estão aí o crescimento econômico não originou o desenvolvi-
mento dos países latino-americanos e a pobreza mantém-se em nível elevado nestes países
e levaram ao início da queda da disciplina.
Segundo Hirschman (1986), quando se revelou que as medidas destinadas a favorecer o
crescimento econômico estiveram freqüentemente na origem de uma série de eventos que se
traduziram em graves regressões nos domínios social, político (ciclo de ditaduras latino-americanas)
e cultural, a tranqüila segurança que animava a economia do desenvolvimento foi abalada e esta
começa a duvidar de si mesma.
Em 1970, Dudley Seer anuncia o destronar do PIB per capita como objetivo exclusivo do
desenvolvimento. Em finais dos anos 1980, Sen (1988) reivindica que é necessário que se recuse
a visão do desenvolvimento econômico como mero crescimento econômico, defendendo que
existem muitas outras variáveis que também influenciam as condições de vida, cujo papel o
conceito de desenvolvimento não pode ignorar.
Segundo Stewart (1995), em muitos países o crescimento da renda per capita foi acom-
panhado por elevados níveis de pobreza, com aumento dos mesmos, e por um problema cres-
cente de desemprego. A distribuição da renda não era eqüitativa e tornou-se ainda mais desigual.
Embora a esperança de vida e a educação tenham melhorado em termos médios significativa-
mente, alguns países com crescimento acelerado (ex.: Paquistão e Brasil) tiveram fracas notas
neste tema, enquanto países de baixa renda alcançaram bons níveis em termos de indicadores
humanos (ex.: Sri Lanka).
5 Nosso objetivo neste ponto não é esgotar a discussão acerca da ascensão e queda da economia do desenvolvimento, mas
sim fazer uma breve apresentação do contexto em que surgiu a abordagem do desenvolvimento alternativo.
6 Segundo Leys (1996), a teoria de desenvolvimento era na sua origem apenas uma teoria acerca da melhor forma para colônias
e ex-colônias acelerarem o crescimento econômico nacional no ambiente internacional do pós-guerra.
7 Ver Armani (1998: 28/9), Binswanger (1995: 2/5-11/13-5), Throsby (1986: 23-6), World Bank (1995).
92
O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
Surge então a questão: O que fazer? Que origina várias outras questões.
É o fim da economia do desenvolvimento, que se fragmentou, caminhou para a interdiscipli-
naridade?
93
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
13 A abordagem das titularidades tem três conceitos básicos: o conjunto de dotações de recursos (endowment set), que se define
como a combinação de todos os recursos legalmente possuídos por uma pessoa (tangíveis e intangíveis); o conjunto de
titularidades (entitlement set), conjunto de todas as combinações possíveis de bens e serviços que uma pessoa pode obter
legalmente através do uso do seu conjunto de dotações de recursos; e o mapa de titularidades (entitlement mapping ou
E-mapping), que é a relação entre o conjunto de dotações de recursos e o de titularidades, i.e., mostra a taxa pela qual os
recursos do conjunto de dotações podem ser convertidos em bens e serviços do conjunto de titularidades. O mapa de
titularidades terá três componentes: um componente de produção, um componente de troca e um componente de
transferência. É possível identificar quatro fontes de falha de titularidade: perda de dotação de recursos, falha de produção,
falha de troca e falha de transferência (Osmani, 1995).
14 A abordagem de capacidades (ou de desenvolvimento como expansão de capacidades) baseia-se na avaliação da mudança
social em termos de enriquecimento da vida humana como seu resultado (desenvolvimento humano), onde a vida humana é
vista como sendo constituída de modos de fazer e de ser (doings and beings) que em conjunto se definem como modos de
funcionar (functionings). O objetivo fundamental do desenvolvimento é o de expandir as capacidades das pessoas para fazer e
ser. As capacidades determinam as várias combinações de modos de funcionar que uma pessoa pode atingir exercendo sua
opção de escolha (Stewart, 1995).
15 Capacidades possuídas por uma pessoa.
94
O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
Segundo esta abordagem, para que ocorra desenvolvimento é preciso que se removam as
principais fontes de privação de liberdades e que se ampliem as liberdades substantivas.
Como primeira fonte de privação de liberdades temos a pobreza econômica, que rouba das
pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças
tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou de morar de modo apropriado, de ter acesso a água
potável e saneamento básico. Como segunda, a carência de serviços públicos e de assistência
social, que se traduz na ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado
de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da
ordem locais. E, ainda, a negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de
restrições impostas à liberdade de participar da vida social, política e econômica da comunidade.
Ou seja, a pobreza e a tirania, a carência de oportunidades econômicas e a destituição social
sistemática, a negligência dos serviços públicos e a intolerância ou interferência excessiva de
Estados repressivos, são vistas como obstáculos ao exercício e à expansão de liberdades.
Sen considera cinco tipos de liberdades substantivas,16 vistos numa perspectiva instrumental:
liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e
segurança protetora.
As liberdades políticas referem-se às oportunidades que as pessoas têm para determinar
quem deve governar e com base em que princípios, além de incluírem a possibilidade de fiscalizar
e criticar as autoridades, de ter liberdade de expressão política e uma imprensa sem censura, de
ter liberdade de escolher entre diferentes partidos políticos etc. As facilidades econômicas dizem
respeito a oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósito
de consumo, produção ou troca. As oportunidades sociais são disposições que a sociedade esta-
belece nas áreas de educação, saúde etc., que influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo
viver melhor. As garantias de transparência referem-se às necessidades de sinceridade que as
pessoas podem esperar: a liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de segredo e clare-
za. Estas têm um claro papel instrumental como inibidoras da corrupção, da irresponsabilidade
financeira e de transações ilícitas. A segurança protetora é necessária para proporcionar uma rede
de segurança social, impedindo que a população no limiar da vulnerabilidade seja reduzida à
miséria e, até mesmo, à fome e à morte. Esta incorpora disposições institucionais fixas e medidas
ad hoc em caso de emergências.
Embora Sen centre sua análise nas esferas do Estado e do mercado, ao longo de seu livro é
possível perceber que estas liberdades individuais poderão ser expandidas através do acesso às
organizações da sociedade civil, ao Estado e ao mercado.
Nesta abordagem, a liberdade é considerada o fim primordial e o principal meio do desen-
volvimento, isto é, respectivamente, o papel constitutivo e o papel instrumental da liberdade no
desenvolvimento.
As liberdades instrumentais tendem a contribuir para a capacidade geral de a pessoa viver
mais livremente (fim), mas também têm o efeito de complementar-se mutuamente (meios), contri-
buindo para o desenvolvimento via expansão de liberdades. Ou seja, as liberdades instrumentais
aumentam diretamente as capacidades das pessoas, mas também ligam-se umas às outras e
contribuem para o aumento da liberdade humana em geral, que permite às pessoas levarem o
modo de vida que elas com razão valorizam (Sen, 2000).
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
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O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
1.2. Empoderamento
O empoderamento é encarado como estímulo e motor do processo de desenvolvimento e
superação das pobrezas. Um processo contínuo e em constante renovação que permite a susten-
tabilidade dos processos locais de desenvolvimento a longo prazo, por exemplo, com a saída das
ONGs internacionais e nacionais da gestão do projeto de desenvolvimento e com a passagem da
responsabilidade de gestão do mesmo às comunidades locais.
Consideramos interessante apresentar algumas das diversas noções de empoderamento que
se podem encontrar na literatura como contribuição para a discussão final.
Cornwall (2000) refere-se ao termo empoderamento como o mais maleável, aquele que
apresentou maiores mudanças de significado nas últimas três décadas do século XX no contexto
do desenvolvimento, e ao seu esvaziamento por uso generalizado e não muito cuidado. Segundo
a autora, os discursos de desenvolvimento alternativo dos anos 1970 viam empoderamento como
o processo através do qual as pessoas se envolviam ativamente na luta para aumento de controle
sobre recursos e instituições (Cornwall, 2000: 74).
17 Os pobres do Nordeste agrário correspondem hoje a 63% da pobreza rural do país e a 32% dos pobres brasileiros. Eles são 9%
dos brasileiros, mas recebem menos de 1% da renda familiar nacional. Destes, em 1990, viviam da agricultura de auto-
subsistência 83% dos chefes de famílias pobres, cuja renda familiar dependia em 76% daquela atividade. (DESER, 1997, citado
por Armani, 1998: 32).
18 No decorrer de uma reunião no âmbito do diagnóstico sobre os caminhos de inclusão dos mais pobres na AS-PTA, uma
liderança sindical, Nelson Ferreira, do STR de Lagoa Seca, colocou que, além de serem sem voz os excluídos são também sem
vez sem vez e sem voz!.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
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O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
21 Este esquema analítico inova ao levantar uma das principais críticas à abordagem de capacidades de Sen a de realizar uma
análise estática que ignora a variável tempo ao analisar as trajetórias de reprodução rurais (rural livelihoods).
100
O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
22 Chambers, R. & Conway, G. Sustainable rural livelihoods: practical concepts for the 21 st century. IDS Discussion Paper 296,
Brighton: IDS, 1992, citado por DFID (1999, 2000).
23 Transição para agricultura familiar capitalizada e atividades agrossilvícolas e pastoris; proletarização rural; migração temporária
ou permanente; indústria rural; e comércio rural e periurbano.
24 Por ativos entendem-se os recursos acessados. Não são apenas recursos que as pessoas usam na construção de suas
livelihoods, são ativos que lhes dão a capacidade de ser e agir, no sentido de Sen. Os ativos não são somente coisas que
permitem sobrevivência, adaptação e alívio da pobreza, mas também a base do poder do agente para agir e para reproduzir,
desafiar ou mudar as regras que governam o controle, o uso e a transformação dos recursos.
101
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
possível, satisfaçam as suas necessidades; os meios pelos quais as pessoas são capazes de acessar,
defender e manter esses ativos; os modos através dos quais são capazes de expandir os seus
ativos-base através do engajamento com outros atores por meio de relações sujeitas às lógicas do
Estado, do mercado e da sociedade civil; e os modos como são capazes de desenvolver e
intensificar as suas capacidades não apenas para dar à vida mais significado, mas também, e
mais importante, para mudar as regras dominantes e as relações que governam as maneiras
pelas quais os recursos são controlados, distribuídos e transformados em fluxos de renda
(Bebbington, 1999).
Assim, através das capacidades, é possível transformar os ativos em: níveis de consumo que
reduzam sua pobreza (econômica); condições de vida que impliquem uma melhoria da sua quali-
dade de vida, de acordo com os critérios próprios a essas pessoas; capacidades humanas e sociais
para usar e defender os ativos de maneira sempre mais efetiva; e um ativo-base que continuará a
permitir os mesmos tipos de transformações (Bebbington, 1999).
Para Bebbington os cinco capitais são, ao mesmo tempo, os recursos (inputs) que tornam
possíveis as estratégias de reprodução, os ativos que dão capacidades às pessoas e os resultados
(outputs) que tornam as livelihoods significativas e viáveis.25 O seu foco é o agregado familiar e as
relações intra-agregado e suas formas de engajamento e de relações com os atores do mercado,
Estado e sociedade civil, e as implicações desse engajamento para a distribuição e a transfor-
mação dos ativos.
Em termos esquemáticos, temos que os agregados familiares e seus membros, ao terem
acesso a pelo menos um dos cinco capitais, através de seu uso e/ou transformação e/ou repro-
dução, irão construir maior bem-estar material, expandir capacidades e aumentar o significado
de suas vidas, num círculo virtuoso de acesso constante a capitais, sua acumulação e troca entre
os diferentes capitais. Além disso, as relações que permitem o acesso, uso e transformação desses
capitais ocorrem nas esferas do Estado, mercado e sociedade civil, com suas lógicas próprias.
Estas relações com atores das três esferas podem ocorrer quer individualmente, quer através de
organizações locais, e têm como objetivos demandar, defender, transformar e receber ativos, além
de desafiar a lógica governamental de distribuição de ativos e sua transformação.
É através das relações com os atores que operam dentro das três esferas que as famílias
rurais e suas organizações buscam reafirmar ou renegociar as regras (como definidas dentro de
cada esfera) que governam o acesso aos recursos na sociedade. Cada esfera tem a sua lógica
própria que influencia a distribuição, o controle e a transformação de ativos. Através dessas
relações os atores buscam defender seus ativos, defender ou aumentar os benefícios que derivam
de seus ativos ao transformá-los (transformando dotações em titularidades [Sen]) e lutar para
melhorar as taxas de troca que governam as transações através das quais as dotações são trans-
formadas em titularidades. Como cada esfera opera de acordo com sua própria lógica, isso esta-
belece os limites do que pode e não pode ser obtido através da ação dentro de uma esfera.
Assim, para ser eficaz no fortalecimento de livelihoods é necessário capacidade de administrar
relações e transações dentro de cada uma das esferas, aproveitando o que pode ser obtido através de
uma esfera e complementando esse resultado com atuação nas outras esferas (Bebbington, 1999).
25 Ao se incluir tanto a noção de viabilidade e significação, o que se espera é que o esquema analítico proposto permita a
consideração tanto de noções de pobreza mais estritas (baseados na renda/gasto) como de noções mais amplas (baseadas na
dignidade/segurança).
102
O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
A habilidade das famílias rurais para ganharem acesso a estas três esferas é fortemente
afetada pelas capacidades que elas detêm, como resultado de suas dotações iniciais de diferentes
tipos de capitais. Um ponto importante, então, é compreender as condições sob as quais as
pessoas com menos dotações podem ser capazes de incrementar seu acesso aos atores que operam
dentro dessas diferentes esferas e as maneiras pelas quais as organizações podem começar a agir
mais em favor daqueles menos dotados. Apesar do papel de todos os capitais como meios para
expandir capacidades e iniciar processos de empoderamento, Bebbington centra sua análise na
forma como o capital social pode ampliar o acesso a outros atores geridos pela lógica do Estado,
mercado e sociedade civil e assim afetar a sustentabilidade das livelihoods e combater a pobreza
(Bebbington, 1999).
Convém esclarecer o que se entende, nesta abordagem, por capital natural, produzido, humano,
social e cultural, apesar da dificuldade de encontrar consenso na sua definição e da necessidade de
contextualizar estes capitais na realidade em análise, para que o esquema analítico tenha significado.
DFID (1999, 2000) considera capital humano como qualificações, conhecimento, habilidade
para trabalho e boa saúde que em conjunto possibilitam à pessoa seguir diferentes estratégias de
reprodução e alcançar seus objetivos de livelihoods. No nível do agregado familiar, o capital
humano é um fator da quantidade e qualidade de trabalho disponível, o que varia de acordo com
o tamanho do agregado familiar, nível de qualificações, potencial de liderança, estado de saúde
etc. O capital humano aparece no esquema como um ativo de livelihood, ou seja, como um meio
para atingir resultados das estratégias de reprodução. Contudo, a sua acumulação pode ser um
fim em si mesmo desenvolvimento humano. Além de seu valor intrínseco, sua importância
reside no fato de este capital ser necessário para se poder usar quaisquer outros tipos de capitais.
Este é necessário, embora não suficiente, para alcançar resultados das estratégias de reprodução.
O capital natural é utilizado para se referir ao estoque de recursos naturais dos quais se
retiram recursos e serviços necessários às livelihoods. Existe uma grande variedade nos recursos
que constituem o capital natural, desde bens públicos intangíveis, como atmosfera e biodiversida-
de, até bens divisíveis utilizados diretamente para produção. Este capital é muito importante para
todos aqueles que retiram toda ou parte de suas livelihoods de atividades baseadas em recursos
(agricultura, pesca, extrativismo etc.). Contudo, sua importância vai mais além. Ninguém sobrevi-
veria sem a ajuda de serviços ambientais chave e comida produzidos do capital natural. A saúde
(capital humano) tende a sofrer em áreas onde a qualidade do ar é baixa, como resultado de
atividades industriais ou desastres naturais. (DFID, 1999, 2000)
O capital produzido é encarado como resultado do crescimento econômico na abordagem
do Banco Mundial. Acredito que este terá mais significado para a análise se englobar o capital
físico e financeiro apresentados pelo DFID (1999, 2000).
Este compreende por capital físico a infra-estrutura básica e bens de produção que ajudam
as livelihoods, sendo que a infra-estrutura consiste em mudanças realizadas no ambiente físico
que ajudam as pessoas a satisfazer suas necessidades básicas e serem mais produtivas. Bens de
produção são ferramentas e equipamentos que as pessoas usam para funcionar mais produtiva-
mente. Os componentes de infra-estrutura normalmente essenciais às livelihoods sustentáveis
são: transporte a preços acessíveis, habitação e construções seguras, oferta de água de qualidade
e saneamento básico, energia limpa e a preços acessíveis, e acesso à informação (comunicação).
Muitas avaliações participativas de pobreza mostram que a falta de tipos específicos de infra-
estrutura é considerada uma dimensão fundamental da pobreza. Bens de produção insuficientes
ou inadequados também restringem a capacidade produtiva das pessoas e, por isso, o capital
103
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
humano à sua disposição. Maior tempo e esforço são despendidos para satisfazer as necessidades
básicas, para produzir e ganhar acesso ao mercado.
E por capital financeiro entendem-se os recursos financeiros que as pessoas utilizam para
alcançar seus objetivos de livelihoods, isto é, a disponibilidade de dinheiro ou equivalente que
permita às pessoas adotar estratégias de reprodução diferentes. São duas as fontes principais de
capital financeiro consideradas pelo DFIF (1999, 2000): os estoques disponíveis, normalmente
poupanças e crédito; e recebimentos regulares de dinheiro, além da renda, aposentadorias e
outras transferências do Estado. A importância deste tipo de capital deve-se à sua flexibilidade.
Ele pode ser convertido em outros tipos de capitais (com maior ou menor dificuldade); pode ser
utilizado diretamente para obter alguns resultados das estratégias de reprodução (ex.: comprar
comida para combater a insegurança alimentar); e, certo ou errado, pode transformar-se em
influência política e pode libertar as pessoas para participação mais ativa em organizações que
formulam política e legislação e gerir o acesso a recursos.
O capital cultural é introduzido por Bebbington (1999), devido ao fato de este ter verificado
a importância dada à residência rural pelas populações analisadas. A residência parece estar asso-
ciada à manutenção de um conjunto de práticas que são valorizadas pelo seu significado: partici-
pação em festas, certas formas de trabalho agrícola. O que o leva a concluir que, além do signi-
ficado atribuído a um conjunto de ativos, existe um significado associado a um conjunto de
práticas culturais tornado possível (ou restringido) por padrões de co-residência ligados a certas
estratégias de reprodução rurais tornando-se uma dimensão de pobreza ou riqueza significativa.
Estas práticas são também facilitadoras e empoderadoras, uma vez que impulsionam formas de
ação e de resistência que os outros quatro tipos de capitais não conseguiriam por si só tornar
possíveis. Podem também ser a base de manutenção e reprodução dos outros tipos de capitais.
Adotando certas formas de manutenção de identidade e padrões particulares de interação possi-
bilitam, inspiram e de fato empoderam. São outro insumo importante para as estratégias de
reprodução rurais e o alívio da pobreza.
Em relação ao capital social, várias definições podem ser apresentadas, mas vamos nos centrar
nas dos impulsionadores dessa discussão Bourdieu, Coleman e Putnam.
Bourdieu26 define capital social como o agregado de recursos atuais ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conheci-
mento e reconhecimento mútuo ou, por outras palavras, ser membro de um grupo que fornece a
cada um de seus membros o apoio de um capital possuído coletivamente. Afirma, também, que
o volume de capital social possuído por um dado agente depende do tamanho da rede de conexões
que ele consegue efetivamente mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural ou simbólico)
possuído por cada um dos indivíduos com quem ele se encontra conectado.
Coleman27 introduz capital social como uma ferramenta conceptual para a compreensão de
uma orientação teórica da ação social que combina componentes da perspectiva econômica e
sociológica. Tem como objetivo importar o princípio econômico de ação racional para usá-lo na
análise de sistemas sociais, Coleman discute como o capital social é criado e examina três formas
26 Bourdieu, P. The forms of capital. In: Richardson, J. (ed.) Handbook of theory and research for the sociology of education.
Westport, CT: Greenwood Press, 1986, citado por Feldam et alii (1999).
27 Coleman, J. S. Social capital in the creation of human capital. American Journal of Sociology 94 (Supplement), 1988, pp. S95-
S120, citado por Feldam et alii (1999).
104
O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
diferentes nas quais ele se manifesta. E, utilizando dados empíricos, mostra como o capital social
é utilizado na criação de capital humano. Então, as três formas de capital social são: obrigações e
expectativas que dependem da confiança criada pelo ambiente social, a capacidade da informação
fluir pela estrutura social de forma a fornecer a base para a ação e a presença de normas
acompanhadas por sanções efetivas.
Putnam (2000) apresenta o que entende por capital social no âmbito dos dilemas da ação
coletiva e do oportunismo daí resultante. Afirma que a cooperação voluntária é mais fácil numa
comunidade que tenha herdado um bom estoque de capital social sob a forma de regras de
reciprocidade e sistemas de participação cívica. Identifica capital social como as características da
organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência
da sociedade, facilitando a coordenação e cooperação para benefício mútuo. E conclui que o
capital social facilita a cooperação espontânea e que sua oferta aumenta com o uso e que este
esgota-se se não for utilizado.
Bebbington recorre à definição de capital social de Woolcock (1998)28 como um termo amplo
que inclui as normas e redes que facilitam a ação coletiva para benefício mútuo. Noção que
escolhe por considerar que consegue acomodar as noções de Bourdieu, Coleman e Putnam. Considera,
também, a existência de capital social em vários níveis. Na escala local, as redes de confiança e
accountability mútua ligando indivíduos nas comunidades (normalmente não em toda a comuni-
dade) que aumentam a confiança e capacidade das pessoas de trabalhar juntas e expandir seu
acesso a outras instituições políticas ou civis; facilitam ainda a cooperação, reduzem os custos de
transação e fornecem a base para redes de segurança locais entre os pobres. Na escala meso,
alguns trabalhos empíricos demonstraram que organizações regionais e nacionais fortes com
redes que as ligam a outros atores da sociedade civil e do Estado podem ser eficazes para impe-
direm outros atores de expropriarem os recursos naturais, ao facilitar o acesso a outros tipos de
investimento (ex.: educação e saúde) através de sua demanda e conquista de uma presença mais
permanente em certos foros definidores de regras e tomadores de decisões na sociedade civil e no
Estado (Fox, 1990; Bebbington, 1996). 29 De forma semelhante, organizações fortes com redes
que as liguem a atores na esfera do mercado podem ajudar a abrir possibilidades de mercado aos
produtores rurais. Na escala nacional, capital social forte na forma de organizações regionais e
nacionais e suas ligações com funcionários governamentais podem ser um mecanismo pelo qual
as populações rurais podem influenciar as regras gerais que governam a distribuição do investi-
mento público de vários tipos e a defesa e o uso do capital natural (Fox, 1996; Bebbington e
Perreault, 1998).30
Considerando-se que os capitais não são apenas vistos pelo seu significado ou fonte de
sustento das famílias, estes são também uma fonte de poder. Podem ser vistos como meios para o
desenvolvimento, como as liberdades instrumentais de Sen, e como meios do processo de empode-
ramento, possibilitando às famílias tornarem-se agentes de seu próprio desenvolvimento.
28 Woolcock, M. Social capital and economic development: toward a theoretical synthesis and policy framework. Theory and
Society, 27(2) : 151-208, 1998, citado por Bebbington (1999).
29 Fox, J. (ed.) The challenge of rural democratisation: perspectives from Latin America and the Philippines. London: Frank Cass,
1990; e Bebbington, A. Organizations and intensification: small farmer federations, rural livelihoods and agriculture technology
in the Andes and Amazonia. World Development, 24(7) : 1161-78, 1996, citados por Bebbington (1999).
30 Bebbington, A. e Perrault, T. Social capital and political ecological change in highland Ecuador. Paper presented to the Annual
Meetings of the Association of American Geographers, Boston, March 1998, citado por Bebbington (1999).
105
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
Então, de acordo com o esquema analítico de Bebbington, nas suas estratégias de reprodução
rurais as pessoas, famílias e comunidades necessitam de ter acesso às organizações e movimentos
da sociedade civil e aos atores das esferas do Estado e do mercado, para usar, trocar, combinar,
transformar, defender, manter, reproduzir e expandir suas dotações de capitais. O acesso a estas
esferas possibilita, assim, que as pessoas, famílias e comunidades alcancem os resultados esperados
de suas estratégias de reprodução rurais.
Mas de que tipo de acesso estamos falando? Não é suficiente que as pessoas, famílias e
comunidades tenham acesso às diferentes esferas, é necessário que esse acesso se dê em condições
de igualdade, de forma a que suas estratégias se operacionalizem e se potencializem. É, então,
necessário considerar as relações de poder existentes nas relações estabelecidas entre pessoas,
famílias e comunidades com os atores das diferentes esferas, assim como dentro das próprias
famílias e comunidades, que limitam ou negam o acesso.
3. Accountability e participação
Como vimos, para superar sua condição de pobreza as pessoas, famílias e comunidades precisam
não só ampliar seu acesso às organizações e movimentos da sociedade civil e aos atores das
esferas do Estado e do mercado, como também garantir que esse acesso se dê em condições de
igualdade. Uma forma de alcançar maior igualdade nessas relações é favorecendo a accountability
e a participação efetiva nas três esferas.
Consideramos, assim, relevante apresentar as diferentes noções de accountability que têm
sido utilizadas para a análise da relação entre os atores do Estado e da sociedade civil, que
acreditamos que também possam ser aplicadas à relação entre organizações e movimentos da
sociedade civil e pessoas, famílias e comunidades.
Segundo ODonnell (1997), existem duas dimensões de accountability, a horizontal e a vertical.
A dimensão horizontal está fortemente relacionada com a operação eficaz do sistema de checks
and balances e com a transparência nos processos de tomada de decisão governamental. Esta opera
mediante uma rede de poderes relativamente autônomos (institucionais) que podem examinar e
questionar e, se necessário, sancionar atos irregulares cometidos durante o desempenho de cargos
públicos. Já a dimensão vertical tem como foco central as eleições (prestação periódica de contas
dos governantes nas urnas) e outros mecanismos que os cidadãos utilizam para controlar o governo
(O´Donnell, 1997; Smulovitz et alii, 2000).
Teoricamente, enquanto os mecanismos horizontais controlam e monitoram a legalidade das
ações de oficiais públicos e de agências governamentais, os verticais permitem aos cidadãos o
controle das ações de seus representantes e orientações das políticas. Em ambos os casos, assume-se
que os agentes controlados irão atuar de acordo com a lei ou de acordo com as preferências
eleitorais porque querem evitar a imposição de potenciais custos. No caso dos mecanismos hori-
zontais, os custos que pretendem evitar vão das sanções penais ao impeachment. No caso dos
mecanismos verticais, o custo a ser evitado é a perda das eleições.
Smulovitz et alii (2000) chamam a atenção para o fato de existir uma terceira dimensão
de accountability a accountability societal ignorada pelas análises tradicionais. Segundo os
autores, através de uma multiplicidade de atividades de monitoramento e de estabelecimento
de agenda, a sociedade civil acrescenta-se ao tradicional repertório de instituições eleitorais e
constitucionais.
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O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
107
EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
A ONG deveria monitorar a performance dessas agências [estatais] e deveria tentar ser
imparcial nos assuntos internos da comunidade Participante de um grupo de discus-
são, Entra a Pulso, Brasil (Narayan et alii, 2000: 231)
31 Análise realizada no ensaio Não é apenas do Estado que a população está demandando accountability, mas também da
sociedade civil. Como ela está respondendo? O caso da ActionAid Brasil, apresentado como trabalho final da disciplina de
Organizações, Política e Poder do mestrado em Estudos Internacionais Comparados do CPDA/UFRRJ.
32 Segundo Gaventa e Valderrama (citados pela autora), a participação cidadã é definida como formas diretas pelas quais os
cidadãos influenciam e exercem controle na governança, sendo um meio de ampliar a accountability (Cornwall, 2000: 60/1).
33 Ou seja, pela sua posição subordinada na teia de relações de poder estabelecidas no meio que as rodeia.
108
O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
Segundo Narayan alii (2000),34 apesar da grande variedade de critérios apresentados pelas
pessoas em estado de pobreza para avaliar o caráter das instituições, estes podem ser divididos em
três grandes categorias: qualidade de relações, valores comportamentais e eficácia. A maior ênfase é
dada, pelas pessoas pobres, a uma grande variedade de critérios de relacionamento. Estes incluem
confiança, participação, accountability, união e capacidade de resolução de conflitos. Critérios com-
portamentais incluem respeito, honestidade, transparência, ouvir, gostar, ter carinho e trabalho duro.
Eficácia inclui tempo para apoiar, acesso e contato com a instituição (Narayan et alii, 2000: 180).
Destes critérios, os que merecem atenção, no âmbito desta análise, são a participação e a
accountability.
As pessoas definiram, em geral, participação como engajamento na tomada de decisões,
juntar-se para participar em discussões e reuniões, expressar opiniões e serem ouvidas, e ter
controle e influência nas decisões tomadas.
... quando as pessoas têm acesso a participar e expressar sua opinião em qualquer
processo de tomada de decisão sem ter medo participante de um grupo de discussão,
Dewangonj, Bangladesh (Narayan alii, 2000: 181).
De acordo com a avaliação de várias pessoas em estado de pobreza por todo o mundo
(Terceiro Mundo), os autores fizeram a classificação de várias instituições, sendo que as ONGs
(que trabalham com emergências e provisão de serviços) pontuam negativamente nos critérios de
participação e accountability, enquanto as organizações locais pontuam positivamente.35
Só Deus nos escuta participante de um grupo de discussão, Zawyet Sultan, Egito.
Embora nem todas as pessoas em estado de pobreza procurem estar ativamente envolvidas
na gestão das ONGs, várias pessoas se referiram à falta de accountability destas. E, embora as
ONGs sejam bastante apreciadas pelas pessoas pobres, estas gostariam que respondessem às suas
necessidades e de estar envolvidas na tomada de decisão das ONGs (Narayan et alii, 2000: 228/232).
34 Este livro tem como base testemunhos de 20 mil mulheres e homens pobres, resultantes do trabalho de campo realizado em
1999 em 23 países da Ásia, África, América Latina e Caribe e Leste europeu, onde foram utilizados métodos participativos e
qualitativos de pesquisa. Embora a riqueza dos testemunhos dessas pessoas, de certa forma, se perca com a agregação e
necessária generalização de realidades tão distintas, acreditamos que se trate de uma contribuição fantástica para sabermos
um pouco mais sobre o que dizem as vozes dos pobres.
35 Mais uma vez gostaríamos de chamar a atenção para o nível de generalidade do estudo. Gostaria também de salientar o tipo
de ONG considerada.
36 A Acord Agency for Co-operation and Research in Development (Agência para a Cooperação e Pesquisa em Desenvolvimento)
é um consórcio internacional de ONGs européias e canadenses que trabalham juntas em prol do desenvolvimento de longo
prazo na África.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
contas a seus boards e público e que, apesar de algum trabalho em processos de avaliação
mútua, não existia nenhum mecanismo real através do qual o consórcio prestasse accountability
para aqueles com quem trabalhava. Ou seja, a accountability era apenas vista pelo consórcio na
sua dimensão reduzida de prestação burocrática de contas e não como instrumento de controle
de poder entre atores. Tal fato levou a um descolamento entre o trabalho da ONG e as necessidades
das pessoas a quem se dirigia esse trabalho.
Conclui-se, então, que participação e accountability são demandas das pessoas em estado
de pobreza em relação às ONGs que com elas trabalham, que estas pessoas não querem mais ser
receptoras passivas de serviços e pretendem tornar-se agentes de seu próprio desenvolvimento.
Torna-se então necessário garantir accountability e participação, não só na relação entre
Estado e sociedade civil como nas relações estabelecidas dentro da própria sociedade civil.
Um caminho possível para analisar a questão da accountability das ONGs internacionais e
locais seria recorrer a um jogo metodológico com os conceitos de accountability horizontal e
vertical, tomando em consideração as relações de poder subjacentes a estas noções. E utilizando-se
o conceito de accountability horizontal para os mecanismos de controle e prestações de contas
estabelecidos entre atores com níveis de poder equivalentes membros com o mesmo nível
hierárquico dentro das ONGs, seus diferentes departamentos , ou atores em que, as relações que
estabelecem são na sua maioria de aliança e cooperação, isto é, onde operam mais as relações de
influência que as relações de poder (dominação/subordinação) ONGs e outros atores da socie-
dade civil, Estado37 e mercado.
O conceito de accountability vertical seria utilizado para os mecanismos ativados por atores
que detêm menos poder parceiros e comunidades para controlar ações, exigir prestação de
contas e participar das decisões de atores com maior poder ONGs. Assim, as ONGs prestariam
accountability vertical para com as pessoas, famílias e comunidades com que trabalham, seus
parceiros e, dentro das ONGs, dos diretores para os restantes membros das equipes.
As ONGs têm ainda o papel fundamental de exercer accountability societal, principalmente
em relação ao Estado. E este tipo de accountability pode ser exercido também em relação a atores
da esfera do mercado e outros atores da esfera da sociedade civil.
4. Considerações finais
Com base no balanço teórico realizado, apresentamos agora uma possível articulação das noções
de desenvolvimento, pobreza e empoderamento. As noções de pobreza e de empoderamento
apresentadas em seguida visam a levantar algumas questões para a reflexão em curso na ActionAid
Brasil sobre empoderamento como meio de combate à pobreza.
A discussão tem a seguinte idéia base: pobreza é um estado de desempoderamento e de
privação que apresenta várias dimensões e se manifesta de forma diferenciada de pessoa para
pessoa, de família para família e de comunidade para comunidade; e para superar as pobrezas é
necessário enfrentar suas várias dimensões, percorrendo os caminhos individuais e coletivos
de empoderamento.
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O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
Recursos sociais: identidade, cultura, saber tradicional e local, formas de interação social,
normas de reciprocidade e redes de sociabilidade, movimentos, associações e ONGs locais e
regionais, redes de organizações da sociedade civil ligadas ao local etc.
A falha na dotação e/ou titularidade sobre os recursos necessários a operacionalizar e/ou
potencializar as estratégias de reprodução e/ou sobrevivência das pessoas, famílias e comunida-
des é considerada como uma dimensão da pobreza, na medida em que retira das pessoas, famílias e
comunidades a liberdade de alcançar os resultados por elas valorizados de suas estratégias de
reprodução e/ou sobrevivência.
38 Optamos por denominar de recursos os capitais do esquema de Bebbington e considerar capital cultural e social como um
conjunto de recursos sociais.
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
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O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
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EMPODERAMENTO E DIREITOS NO COMBATE À POBREZA
39 Note-se que, apesar de falarmos em primeiro e segundo passo, consideramos empoderamento um processo contínuo e com
recuos e avanços constantes, uma espiral de conquistas e aprendizado que se renova constantemente.
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O CAMINHO DO EMPODERAMENTO: ARTICULANDO AS NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EMPODERAMENTO
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