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Bruner, Jerome (1991) Critical Inquiry, 18(1), pp.

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A Construção Narrativa da Realidade*


Jerome Bruner ∗∗
trad. Waldemar Ferreira Netto

Certamente desde o Iluminismo, senão antes, o estudo de mente se centrou


principalmente em como o homem alcança o “verdadeiro” conhecimento do mundo. A
ênfase nesse propósito variou: os empiricistas concentraram-se na interação da mente com
o mundo externo da natureza, esperando achar a chave na associação entre sensações e
idéias, enquanto os racionalistas procuraram nas próprias faculdades mentais os princípios
da razão verdadeira. O objetivo, em ambos os casos, era descobrir como nós alcançamos a
“realidade”, isto é, como nós adquirimos a perfeita convicção no mundo, um mundo que é,
como sempre foi, entendido como imutável e que está, como sempre esteve, “lá para ser
observado.”
Essa questão teve um profundo efeito no desenvolvimento de psicologia, e as tradições
empiricistas e racionalistas dominaram nossas concepções de como a mente se desenvolve
e adquire seu apego ao “mundo real.” De fato, em meados do século, a teoria da Gestalt
representou o braço racionalista desse empreendimento e a teoria da aprendizagem
norteamericana, a empiricista. Ambas explicaram o desenvolvimento mental de uma
maneira mais ou menos linear e uniforme a partir da incompetência inicial na apreensão da
realidade para uma competência final, num caso, atribuindo esse procedimento ao
funcionamento de processos internos de organização mental, e, no outro, a algum princípio
não-especificado de reflexão a partir do qual –seja reforço, associação ou condicionamento
– nós passamos a responder para o mundo “tal como é.” Sempre houve visões dissidentes
desafiando essas, mas as conjecturas sobre desenvolvimento mental humano foram
influenciadas muito mais pelo racionalismo e pelo empiricismo do que por essas vozes
dissidentes.
Em tempos mais recentes, Piaget se tornou o porta-voz da tradição de racionalista
clássica, ao discutir a universalidade de uma série de estágios invariantes no
desenvolvimento, cada um com seu próprio conjunto de operações lógicas inerentes que

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Jerome Bruner é pesquisador de psicologia na New York University, onde ele também atuou como Meyer
Visiting Professor of Law. Seu livro mais recente, Acts of Meaning, apareceu em 1990. Em 1987 ele recebeu o
Prêmio Balzan por “uma vida de contribuição ao estudo da psicologia humana”.

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sucessiva e inexoravelmente levavam a criança a construir uma representação mental do


mundo real, de maneira semelhante ao cientista dedicado, imparcial. Embora ele não se
dirigisse exatamente aos teóricos da aprendizagem empiricista a partir de sua esfera de ação
(eles começaram a reviver por meio de suas formulações de simulações de computador de
“conexionistas” da aprendizagem), as suas visões dominaram as três décadas que seguiram
o Segunda Guerra Mundial.
Agora há ajustes importante de seus pontos-de-vista. O desenvolvimento do
conhecimento da “realidade” ou das faculdades mentais que permitem a ocorrência desse
desenvolvimento, discutem os críticos, não é nem unilinear, estritamente derivacional num
sentido lógico, nem ocorre, como se pensava, “a partir de uma tábula rasa.” O domínio de
uma tarefa não assegura domínio de outras tarefas mesmo que, em um sentido formal,
sejam governadas pelos mesmos princípios. Conhecimento e habilidade, mais do que isso,
são domínios específicos e, por conseguinte, desiguais no seu desenvolvimento. Princípios
e procedimentos aprendidos em um domínio não se transferem automaticamente a outros
domínios. Tais resultados simplesmente não foram um “fracasso para confirmar” as
hipóteses de Piaget ou da premissa racionalista de uma maneira general.1 Se a aquisição do
conhecimento e das faculdades mentais são realmente específicas e não automaticamente
transferíveis, isso certamente implica que um domínio é um conjunto de princípios e
procedimentos, e não um artifício protético, que nos permite usar a inteligência de uma
maneira mas não de outras. Cada maneira particular de usar a inteligência desenvolve a sua
própria integridade – um tipo de integração conhecimento-mais-habilidade-mais-
ferramenta – com o foco numa gama particular de aplicabilidade. É uma pequena realidade
de nós mesmos que se constitui pelos princípios e procedimentos que nós usamos
internamente.
Esses domínios, observados de outro modo, constituem-se como um tesouro cultural
de ferramentas. Poucas pessoas dominam a gama completa de ferramentas: nós crescemos
inteligentes em certas esferas e permanecemos incompetentes em outras a cujas
ferramentas pertinentes não fomos “apresentados”. De fato, pode-se ir até mais longe e
discutir, como tem feito, se tais ferramentas culturais (se eu puder designar dessa maneira
os princípios e procedimentos do desenvolvimento específico de um domínio) mostram
pressões de seleção na evolução das capacidades humanas. Por exemplo, pode ser que as
várias formas de inteligência propostas por Howard Gardner (que ele tenta validar pela
evidência em comum de neuropatologias, gênio, e especialização cultural) sejam resultados
da seleção evolutiva.2 O atrativo desse ponto-de-vista é que ele une o homem , seu

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conhecimento aprendido e seu conhecimento de uso à cultura de que ele e os seus


antepassados são e eram, respectivamente, membros ativos. E leva diretamente não só à
questão da universalidade do conhecimento de um domínio para outro, mas à
translatabilidade universal do conhecimento de uma cultura para outra. Dessa maneira, o
conhecimento nunca ocorre desprovido de um “ponto-de-vista.”
Esse ponto-de-vista é bastante compatível com outra tendência que surgiu na análise da
inteligência humana e da “construção de realidade.” Não é uma visão nova, mas assumiu
vida nova com uma roupa nova. Originalmente introduzida por Vygotsky e patrocinada
por seu grande conjunto de admiradores, a nova postura é a de que produtos culturais, tais
como a língua e outros sistemas simbólicos, intermedeiam o pensamento e colocam seu
carimbo em nossas representações da realidade3. Em sua mais recente versão, leva o nome,
depois de John Seely Brown e Allan Collins, de “inteligência distribuída.”4 O trabalho da
inteligência de um indivíduo nunca é um “solo.” Não pode ser entendido sem levar em
conta suas referências de reserva, notas, programas de computação e bases de dados, ou, o
que é mais importante, a rede de amigos, colegas, ou mentores em quem a pessoa se apóia
para ajuda e conselho. Sua chance de ganhar um Prêmio Nobel, Harriet Zuckerman me
falou uma vez, aumenta bastante se você já trabalhou no laboratório de alguém que já
ganhou um, não por causa do empurrão mas por causa do acesso às idéias e críticas desses
que sabem mais.

Uma vez que se leve tais pontos-de vista tão seriamente quanto eles merecem, há
algumas conseqüências interessantes e pouco óbvias. A primeira é que provavelmente há
um número certo de domínios importantes apoiados por ferramentas culturais e redes de
distribuição. A segunda é que os domínios provavelmente são diferentemente integrados
em culturas diferentes, como os antropólogos têm insistido durante anos.5 E a terceira é
que muitos domínios – especialmente esses que têm a ver com o conhecimento humano,
seu mundo social, sua cultura – não estão organizados por princípios lógicos ou por
conexões associativas. De fato, a maioria do nosso conhecimento sobre o conhecimento
humano adquirido e sobre a construção da realidade é elaborado a partir de estudos de
como as pessoas conhecem o mundo natural ou físico em vez de o mundo humano ou
simbólico. Por muitas razões históricas, inclusive o poder prático inerente ao uso da lógica,

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da matemática e da ciência empírica, nós nos concentramos no desenvolvimento da criança


como um “pequeno cientista”, um “pequeno lógico”, um “pequeno matemático”. São
estudos normalmente inspirados no Iluminismo. É curioso como se fez pouco esforço para
descobrir como os humanos constroem o mundo social e as coisas que decorrem dele.
Seguramente, alguns trabalhos recentes e desafiadores, como a magistral Interpersonal
Perception de E. E. Jones, tornam claro que nós não alcançamos nosso domínio da realidade
social crescendo como “pequenos cientistas”, “pequenos lógicos”, ou “pequenos
matemáticos”.6 Assim, embora nós já tenhamos descoberto uma boa de como nós
construímos e “explicamos” o mundo natural em termos de causas, probabilidades, muitas
variações de espaço-tempo, e assim por diante, nós sabemos muito pouco sobre como nós
construímos e representamos o domínio rico e confuso da interação humana.
E é exatamente esse domínio que eu quero relacionar agora. Da mesma maneira que os
domínios de construção da realidade lógico-científica , ele é sustentado por princípios e
procedimentos. Tem ferramentas culturais e tradições disponíveis pelas quais seus
procedimentos são modelados e seu alcance distribucional é tão largo e tão ativo quanto
qualquer boato. Sua forma está tão familiarizada e onipresente que provavelmente será
negligenciada, do mesmo modo como supomos que os peixes serão os últimos a descobrir
água. Como discuti extensivamente alhures, nós organizamos nossa experiência e nossa
memória de acontecimentos humanos principalmente na forma de narrativas: história,
desculpas, mitos, razões para fazer e para não fazer, e assim em diante. A narrativa é uma
forma convencional, transmitida culturalmente e restrita por cada nível de domínio
individual de domínio e por seu conglomerado de dispositivos protéticos, colegas, e
mentores. Ao contrário das construções geradas por procedimentos lógicos e científicos
que podem ser destruídas por causa de falsificações, construções narrativas só podem
alcançar “verossimilhança.” Assim, narrativas são uma versão de realidade cuja
aceitabilidade é governada apenas por convenção e por “necessidade narrativa”, e não por
verificação empírica e precisão lógica, e, ironicamente, nós não temos nenhuma obrigação
de chamar as histórias de verdadeiras ou falsas.7
Eu proponho agora esboçar dez traços para as narrativas, e assim tentar construir um
esqueleto a partir do qual uma explicação mais sistemática possa ser construída. Da mesma
maneira que com todas as explicações de formas de representação do mundo, eu terei uma
grande dificuldade para distinguir entre o que pode ser chamado de modo narrativo do
pensamento e as formas de discurso narrativo. Como com todos os dispositivos protéticos,
cada um habilita e dá forma para o outro, da mesma maneira que a estrutura de língua e a

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estrutura de pensamento são mutuamente inextrincáveis. Conseqüentemente, é inútil tentar


dizer o que é o mais básico – o processo mental ou a forma de discurso que o expressa –,
da mesma maneira que nossa experiência do mundo natural tende a imitar as categorias de
ciência familiar, assim nossa experiência fenômenos humanos leva a forma das narrativas
que usamos ao contar sobre eles.
Muito do que eu tenho a dizer não será nenhuma novidade para os que têm trabalhado
nos campos de narratologia ou para quem se interessou por estudos críticos de formas
narrativas. Realmente, a ascendência de muitas das idéias que me interessarão localizam-se
nos debates que têm ocorrido entre os teóricos literários das últimas duas décadas. Meus
comentários são ecos desses debates que agora reverberam nas ciências humanas – e não
apenas na psicologia, na antropologia, e na lingüística, mas também na filosofia da
linguagem. Por sua vez, a “revolução cognitiva” nas ciências humanas trouxe o assunto de
como a “realidade” é representada no ato do conhecimento, deixando claro que não bastou
comparar as representações com imagens, com proposições, com redes léxicas, ou até
mesmo com veículos mais temporalmente extensos como orações. Há, aproximadamente,
uma década atrás que os psicólogos não só ficaram conscientes da possibilidade da
narrativa ser não somente uma forma de representar mas também de constituir realidade,
um assunto sobre o qual eu terei mais para dizer. Nesse aspecto, psicólogos e antropólogos
com inclinação cognitivista começaram a descobrir que foram profundamente absorvidos
por seus colegas de teoria literária e de história nas perguntas semelhantes às questões
narrativas textualmente situadas. Eu penso que se pode datar a “mudança de paradigma”
no aparecimento de uma coleção de ensaios neste periódico em 1981: On Narrative.8
Se algo do que eu disse sobre as características de narrativa parecer chover no molhado
para o teórico literário, deixe-o ou tenha em mente que o objeto é diferente. A
preocupação central não é como o texto narrativo é construído, mas como ele opera como
um instrumento mental de construção de realidade. E agora para as dez características de
narrativa.

1. Diacronicidade narrativa. Uma narrativa é uma exposição de eventos que ocorrem com
o passar do tempo. É irredutivelmente durativa. Pode ser caracterizada em termos
aparentemente não-temporais (como uma tragédia ou uma farsa), mas isso apenas resume

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quais são os padrões fundamentais dos eventos que ocorrem com o passar do tempo. Além
disso, o tempo envolvido, como notou Paul Ricoeur, é o “tempo humano” e não o tempo
abstrato ou o tempo do “relógio.”9 É o tempo cuja significação é determinada pelo
significado atribuído aos eventos em seu próprio ritmo. William Labov, um dos maiores
estudiosos da narrativa, também notou a seqüência temporal como essencial para narrativa,
apesar de localizar essa temporalidade na sucessão de manutenções de sentido das orações
do próprio discurso narrativo.10 Apesar de ser uma ajuda útil, essa análise lingüística,
obscurece um aspecto importante de representação narrativa. Há muitas convenções para
expressar a duração de seqüências narrativas num mesmo discurso, como retrospectos,
flashbacks e flashforwards, sidédoques temporais, e assim em diante. Como adverte Nelson
Goodman, a narrativa inclui um conjunto de maneiras de construir e de representar a
ordem seqüencial, diacrônica, de eventos humanos, dentre os quais a seqüência de orações
em “estórias” escritas ou orais é somente uma dessas maneiras.11 Mesmo os meios não-
verbais têm convenções para diacronicidade narrativa, como a leitura da “esquerda-para-
direita” e de “cima-para-baixo” das histórias em quadrinhos e das janelas de catedral. O que
está subjacente a todas essas formas para representar narrativas é um “modelo mental” cuja
propriedade definidora é o seu padrão único de eventos no tempo. E a isso viremos nós
agora.
2. Particularidade. Narrativas têm acontecimentos particulares como sua referência
ostensiva. Mas isso é seu veículo e não o seu destino. Histórias obviamente planas caem em
tipos mais gerais: homem-galantea-mulher, tiranos-recebem-seu-castigo e assim em diante.
Neste sentido os pormenores das narrativas são símbolos de tipos mais abrangentes. No
ponto em que o roteiro do homem-galantea-mulher apela para um ato de presentear, por
exemplo, o presente servirá igualmente bem se forem flores, perfumes, ou até mesmo uma
linha dourada infinita. Quaisquer desses presentes pode servir como um símbolo
apropriado ou emblema de um presente. A particularidade atinge seu estado emblemático
por sua incorporação em uma história que é, em algum sentido, genérica. E é exatamente
em virtude dessa incorporação genérica que os pormenores da narrativa podem ser
substituídos quando estiverem perdendo seu poder explicativo. A “sugestividade” de uma
história, quanto à natureza emblemática de suas particularidades, é falsa, então, quanto à
sua relevância para um tipo narrativo mais inclusivo. Por causa disso, uma narrativa não
pode ser entendida por meio de uma incorporação particular.
3. Vínculos de estados intencionais. Narrativas são sobre pessoas que agem em um cenário,
e os acontecimentos devem ser pertinentes a seus estados intencionais enquanto estiverem

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atuando - com suas convicções, desejos, teorias, valores, e assim por diante. Quando
animais ou objetos inanimados são colocados como protagonistas de narrativas, eles devem
ser dotados de estados intencionais para a realização de seus objetivos, como a Little Red
Engine das histórias infantis. Eventos físicos têm papel em histórias afetando
principalmente os estados intencionais de seus protagonistas. O narrador só pode
concordar com Baudelaire que o primeiro passo de um artista é substituir o homem pela
natureza.
Mas os estados intencionais na narrativa nunca determinam completamente o curso
dos eventos, uma vez que uma personagem com um estado intencional particular poderia
fazer praticamente qualquer coisa. Em alguma medida, a intervenção está sempre presente
na narrativa, e essa intervenção pressupõe uma escolha, um elemento de “liberdade.” Se as
pessoas puderem predizer algo dos estados intencionais de uma personagem, será somente
um indicativo de como ela se sentirá ou como perceberá a situação. A conexão livre entre
os estados intencionais e a ação subseqüente é a razão por que explicações narrativas não
podem apresentar explicações causais. Em vez disso, elas apresentam a base para interpretar
por que uma personagem agiu dessa ou daquela maneira. A interpretação está relacionada
com as “razões” das coisas acontecerem e não com suas “causas”, um assunto para a que
voltaremos.
4. Composicionalidade Hermenêutica. Uma explicação preliminar é necessária. O termo
hermenêutica implica haver um texto ou algo semelhante por meio do qual alguém esteja
tentando expressar um significado e alguém esteja tentando extrair um significado. Isso,
por sua vez, implica uma diferença entre o que é expresso no texto e o que o texto poderia
significar, e implica também a ausência de uma solução única para a tarefa de determinar o
significado para a expressão. Tal interpretação hermenêutica é requerida quando não há
nenhum método racional de assegurar a “verdade” de um significado atribuído ao texto
como um todo, nem um método empírico para determinar a confiabilidade dos elementos
constituintes do texto. De fato, a melhor esperança de análise hermenêutica é apresentar
uma explicação intuitivamente convincente do significado do texto como um todo, à luz de
suas partes constituintes. Isso leva ao dilema do chamado círculo hermenêutico – no qual
nós tentamos justificar a “justeza” de uma leitura de um texto em termos de outras leituras,
e não por dedução racional ou prova empírica. O meio mais concreto para explicar esse
dilema ou “círculo” é pela referência às relações entre os significados atribuídos ao texto
como um todo (a história) e às suas partes constituintes. Como o Charles Taylor propôs,
“nós tentamos estabelecer uma leitura de um texto completo, e para isto nós nos voltamos

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à leitura de suas expressões parciais; e ainda porque lidamos com significados, com o
senso-comum, em que expressões fazem sentido, ou não, somente na relação de umas com
as outras, a leitura dessas expressões parciais depende das outras leituras e no, final das
contas, do todo”. 12
Provavelmente não se ilustra isso melhor do que numa narrativa. As explicações dos
protagonistas e dos eventos que constituem uma narrativa são moldadas em termos de uma
história ou de um enredo hipotético que “contém” todos esse itens. Ao mesmo tempo, o
“todo” (a história hipotética mentalmente representada) depende em sua formação de uma
provisão de partes componentes possíveis. Neste sentido, como já notamos, partes e todo
em uma narrativa se apóiam um no outro para sua viabilidade.13 Nos termos de Vladímir
Propp, as partes de uma narrativa servem como “funções” da estrutura narrativa como um
todo.14 Mas o todo não pode ser construído sem referência às partes apropriadas. Essa
interdependência textual parte-todo na narrativa é uma ilustração da propriedade definidora
do círculo hermenêutico, pois, uma história poderá realizar-se somente quando suas partes
e o seu todo forem feitos para estarem juntos.
Essa propriedade hermenêutica marca a narrativa tanto em sua construção quanto em
sua compreensão, pois narrativas não existem em nenhum mundo real, esperando paciente
e eternamente serem refletidas veridicamente em um texto. O ato de construir uma
narrativa, além disso, é muito mais do que “selecionar” eventos da vida real, da memória ou
da fantasia, colocando-os em uma ordem adequada. Os próprios eventos precisam se
constituir, à luz da narrativa inteira – nos termos de Propp, para se tornarem “funções” da
história. Esta é uma questão à qual voltaremos posteriormente.
Voltemos à “composicionalidade hermenêutica.” Contar uma história e compreendê-la
como uma história dependem da capacidade humana para processar conhecimento dessa
maneira interpretativa. Trata-se de um modo de processar que foi, em grande parte,
grosseiramente negligenciado por estudiosos da mente quer seja de tradição racionalista ou
quer empiricista. Os primeiros têm relacionado a mente com um instrumento de raciocínio,
com os meios que nós empregamos para estabelecer a verdade necessariamente inerente de
um jogo de proposições conectadas. Piaget foi um exemplo notável dessa tradição
racionalista. Os empiricistas, por sua vez, apóiam suas convicções em uma mente capaz de
verificar as “proposições atômicas” que constituem um texto. Mas nenhum desses
procedimentos, raciocínio ou verificação, são suficientes para explicar como uma narrativa
é montada por um falante ou interpretada por um ouvinte. Isso é mais surpreendente,
ainda, por que há evidências fortíssimas indicando que a compreensão de narrativas é uma

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das habilidade mais precoces que aparecem nas crianças e é a forma de organizar a
experiência humana mais largamente utilizada. 15
Muitos teóricos literários e filósofos da mente propuseram que nosso ato de interpretar
desse modo forjou-se somente quando um texto do mundo ao qual ele presume referir
está, de algum modo, “confuso, incompleto, nebuloso”.16 Indubitavelmente nós estamos
mais atentos a nossos esforços interpretativos quando enfrentamos ambigüidades textuais
ou referenciais. Mas eu entenderia que há uma exceção forte à idéia geral de que a
interpretação só se forja em nós quando haja excesso de ambigüidade. A ilusão criada por
uma narrativa bem feita, que não é esse caso, de que uma história “é como é” e não precisa
de nenhuma interpretação, é produzida por meio de dois processos bastante diferentes. O
primeiro deveria provavelmente ser chamado “sedução narrativa”. Grandes contadores de
histórias têm mecanismos de realidade narrativa tão bons que suas narrações eliminam logo
de início a possibilidade de não haver senão uma única interpretação – por mais estranha
que possa ser. O famoso episódio de uma invasão marciana na radiodifusão de Orson
Welles de The War of the Worlds dá um forte exemplo17. Sua exploração brilhante dos
mecanismos do texto, contexto e mis-en-cene predispôs seus ouvintes a uma única
interpretação, apesar de ela parecer bizarra de ponto de vista atual. Ele criou uma
“necessidade narrativa”, um assunto que nós entendemos menos bem do que sua
contraparte lógica, a necessidade lógica. A outra maneira para fazer uma história parecer
evidente por si só e não necessitar de interpretação é a “banalização narrativa.” Quer dizer,
nós podemos tomar uma narrativa como tão socialmente convencional, tão bem
conhecida, tão bem de acordo com a forma canônica, que lhe atribuímos uma muito bem
treinada e virtualmente automática rotina de interpretação. Essas narrativas constituem o
que Roland Barthes chamou de textos de “leitores”, em contraste com os de “escritores”
que desafiam o ouvinte ou leitor a uma atividade de interpretação não-ensaiada.18
Resumindo, então, não é ambigüidade textual ou referencial que impõe a atividade
interpretativa na compreensão da narrativa, mas a narrativa por ela mesma. A sedução
narrativa ou a banalização narrativa podem produzir uma atividade interpretativa restrita ou
rotineira, mas isso não altera o ponto. A leitura interpretativa da história ou de construções
de partes da história podem ser alteradas por instruções surpreendentemente pequenas.19 E
num momento, um ouvinte suspeita dos “fatos” de uma história ou dos motivos ulteriores
de um narrador, tornando-se de imediato hermeneuticamente alerta. Se eu puder usar uma
metáfora grosseira, interpretações automatizadas de narrativas são comparáveis aos estados
iniciais padronizados (default) de um computador: um modo econômico, um meio que

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facilita a relação tempo e esforço para negociar com o conhecimento – ou, como foi
chamado, uma forma “desmentalizada” (mind-lessness).20
A interpretação tem uma longa história na exegese bíblica e na jurisprudência. Ela é
salpicada com problemas que ficarão mais familiares brevemente, problemas que têm a ver
mais com o contexto do que com o texto, mais com as condições do contar do que com o
que é contado. Deixe-me rotular melhor dois deles para identificá-los na discussão
subseqüente: o primeiro refere-se à intenção: “por que” a história é contada, como e quando
é contada, e interpretada como tal por interlocutores associados a posições intencionais
diferentes. Narrativas não são, para usar a frase feliz de Roy Harris, “textos sem
patrocinadores” para serem tomadas como se não existisse intencionalidade, como se
fossem lançadas por sorte em uma página impressa.21 Mesmo quando o leitor as toma mais
a maneira de declamação, ele normalmente atribui (a convenção seguinte) como se fosse
emanada de um narrador onisciente. Mas esta condição não é negligenciada por parecer
desinteressante. Ela deriva de um jogo de condições sociais que dão estatuto especial à
palavra escrita em uma sociedade onde alfabetização é uma prerrogativa minoritária.
Um segundo aspecto referente ao contexto é a questão do conhecimento partilhado – tanto
do contador de histórias quanto do ouvinte, e como cada interpreta o conhecimento
partilhado do outro. O filósofo Hilary Putnam, em um contexto bastante diferente, propõe
dois princípios: o primeiro é o “Princípio do Benefício de Dúvida”, o segundo o “Princípio
da Ignorância Razoável”: o primeiro nos “proíbe de assumir que... os peritos são de fato
oniscientes” e o segundo que “qualquer falante é filosoficamente onisciente (ainda que
inconscientemente).”22 Nós julgamos que suas explicações sejam adequadas. No outro
extremo, nós somos condescendentes com a ignorância e perdoamos as crianças e os
neófitos de seu conhecimento incompleto, “suplementando-os” conforme seja necessário.
Dan Sperber e Dierdre Wilson, em sua famosa discussão sobre “relevância”, argumentaram
que no diálogo nós normalmente pressupomos que o que o interlocutor nos está
respondendo é tópico-pertinente, e nós freqüentemente adequamos uma interpretação para
torná-lo pertinente, facilitando nossa tarefa para entender outras mentes.23 Nós também
aceitamos, de fato nós institucionalizamos situações nas quais isso seja tomado como
verdade, que o “registro de conhecimento” em que uma história é contada é diferente
daquele no qual é aprendido, como quando o cliente conta sua história para o advogado em
“conversa de vida” e é escutado na “forma de lei” de maneira que o advogado pode
aconselhar sobre a legalidade (mais do que sobre a vida). O analista e o analisado em
terapia são comparáveis ao advogado e o cliente numa consulta legal.24

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Ambos os domínios contextuais de atribuição de intenção e de conhecimento


partilhado não provêem bases somente para a interpretação mas são, também, bases
importantes para negociar como uma história será tomada ou como deve ser contada; um
assunto reservado para depois.
5. Canonicidade e violação. Para começar, nem toda sucessão de eventos recontada
constitui uma narrativa, mesmo quando é diacrônica, particular, e organizada a partir de
estados intencionais. Alguns acontecimentos não justificam que se fale sobre eles e diz-se
serem “sem-graça”, e não uma história. Um escrito de Schank-Abelson é um caso desses: é
uma prescrição de comportamento canônico em uma situação culturalmente bem definida:
como se comportar em um restaurante.25 Narrativas requerem tais roteiros como fundo
necessário, mas eles não constituem por si próprios uma narrativa. Para se tornar apta a ser
contada, uma história precisa ter implicitamente um enredo canônico que foi quebrado,
violado, ou desviado de maneira a violentar o que Hayden White chamou de “legitimidade”
do enredo canônico.26 Isto normalmente envolve o que Labov chama de “evento
precipitador”, um conceito de que Barbara Herrnstein Smith faz bom uso em sua
exploração da narrativa.27
Violações de cânones, como os enredos violados, são muitíssimo tradicionais e são
fortemente influenciados pelas tradições narrativas. Tais violações são prontamente
reconhecíveis como situações familiares humanas: a esposa traidora, o marido corneado, o
inocente espoliado, e assim em diante. Novamente, eles são situações convencionais das
narrativas. Mas os enredos e as suas violações também provêem bases ricas para a
inovação, como testemunha a invenção literário-jornalística contemporânea do enredo
“yuppy” ou a formulação da violação do criminoso de colarinho branco. E isto é, talvez, o
que torna o contador de histórias inovador uma figura poderosa em uma cultura. Ele pode
ir além dos enredos convencionais, levando as pessoas a verem acontecimentos humanos
de um novo ponto-de-vista, de uma maneira que elas nunca haviam “notado” nem sequer
sonhado. A substituição de Hesíodo por Homero, o advento de “aventura interna” em
Laurence Sterne’s Tristram Shandy, o advento do perspectivismo de Flaubert, ou a
epifanização de banalidades de Joyce – todas são inovações que provavelmente moldaram
nossas versões narrativas de realidade cotidiana bem como mudaram o curso da história
literária, coisas que talvez não sejam diferentes.
É de Labov o grande crédito de ter reconhecido e apresentado uma explicação
lingüística de estrutura narrativa em termos de dois componentes: o que aconteceu e por
que merece ser contado.28 Foi para o primeiro destes que ele propôs a noção de sucessões

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irredutíveis de orações. O segundo captura o elemento de violação de canonicidade e


envolve o uso do que ele chama avaliação para justificar a “possibilidade narrativa” de uma
história como comprovação de algo incomum. Da orientação inicial até o ponto final, a
língua de avaliação contrasta com o idioma da sucessão de orações — em tempo, aspecto,
ou outros marcadores. Observou-se que até mesmo em língua de sinais, a marcação de
seqüência e a de avaliação são feitas em pontos diferentes no curso da narração de uma
história, o primeiro no centro do corpo, o segundo ao lado.
O componente de “violação” de uma narrativa pode ser criado através de meios
lingüísticos como também pelo uso de um precipitador deslegitimante hipotético do evento
no enredo. Deixe-me explicar. Os formalistas russos distinguiram entre “enredo” de uma
narrativa, sua fábula, e seu modo de contar, o que eles chamam seu sjuzet. Da mesma
maneira que há problemas de linearização na conversão de um pensamento em uma
oração, há problemas na representação da fábula em seu sjuzet habilitador.29 O lingüista e
teórico literário Tzvetan Todorov, cujas idéias nós posteriormente revisitaremos,
argumenta que a função de uma narrativa inventiva não é tanto “fabular” novos enredos
mas reapresentar aqueles já familiares que eram incertos ou problemáticos, para desafiar o
leitor a novas atividades de interpretação – ecoando a definição famosa de Roman
Jakobson de que a tarefa do artista é “tornar estranho o usual”.30
6. Referencialidade. Obviamente a aceitabilidade de uma narrativa não pode depender de
sua correta referência à realidade, caso contrário não haveria nenhuma ficção. Realismo em
ficção deve ser então realmente uma convenção literária e não uma questão de referência
correta. A “verdade” narrativa é julgada por sua verossimilhança e não por sua
verificabilidade. Isso parece apontar para o fato de que há algum sentido em dizer que a
narrativa mais do que referir a “realidade”, pode criá-la da mesma maneira que a “ficção”
cria um “mundo” para si própria – a “Dublin” de Joyce, onde lugares como St. Stephen’s
Green ou Grafton Street, apesar de serem rótulos familiares, não menos reais ou
imaginários do que as personagens que ele inventou para habitar esse lugares. Em um
sentido talvez mais aprofundado, pode ser que as condições e os estados intencionais
descritos em uma ficção “bem-sucedida” nos sensibilizem a experimentar nossa própria
vida de maneira semelhante. Isso sugere que a distinção entre ficção narrativa e narrativa
verdadeira não é tão óbvia quanto o senso comum e o uso nos faz crer. Por que o senso
comum insiste que compartilhemos essa distinção é um outro problema, talvez relacionado
à exigência de “suporte testemunhal”. Mas isso vai além da extensão deste ensaio.

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O que nos interessa é por que a distinção é difícil de se fazer e de se sustentar.


Seguramente, uma razão associa-se ao que eu chamei anteriormente de composicionalidade
hermenêutica de narrativa. A composicionalidade cria problemas para a distinção
convencional entre “sentido” e “referência”. Isto é, o “sentido” de uma história como um
todo pode alterar a referência e até mesmo a referencialidade de suas partes componentes.
Para os componentes de uma história, na medida em que se eles tornam suas “funções”,
perdem o seu estatuto como expressões referentes singulares e definidas. St. Stephen’s
Green torna-se, por exemplo, um tipo (type) de lugar e não um lugar específico (token), uma
classe de lugares, inclusive o lugar assim nomeado em Dublin. É um referente inventado
mas não totalmente livre dos significados dados ao lugar real. Da mesma maneira uma
história, ao requerer uma “traição” como uma de suas funções constituintes, pode
converter um evento normalmente mundano em algo que parece impelir a uma traição. E
isto é o que faz a evidência circunstancial ser definitivamente e tão freqüentemente
inadmissível em tribunais de lei. Dada a composicionalidade hermenêutica, expressões
referentes na narrativa sempre são problemáticas, e nunca livres da narrativa como um
todo. O que é significado pela “narrativa como um todo”? Isto nos conduz à lei
denominada de gêneros, à qual nós nos voltaremos a seguir.
7. Genericidade. Todos nós sabemos que há “tipos” reconhecíveis de narrativa: farsa,
humor negro, tragédia, autobiografia, romance, sátira, viagem, saga, e assim em diante. Mas,
como Alastair Fowler tão bem põe isto, “gênero é muito menos uma toca de pombo do
que um pombo.”31 quer dizer, nós podemos falar de gênero quer como uma propriedade
de um texto, quer como um modo de compreender a narrativa. Mary McCarthy escreveu
contos em vários gêneros literários. Posteriormente, ela reuniu alguns deles na ordem
crescente da idade da protagonista feminina, acrescentou algumas seções de “avaliação”
intermediárias e publicou o conjunto como uma autobiografia intitulada Memories of a
Catholic.32 Ocorreu que os leitores interpretaram (indubitavelmente para o seu desânimo) as
suas novas histórias como fatos adicionais de autobiografia. Gêneros parecem prover
escritor e leitor com “modelos” confortáveis e convencionais para limitar a tarefa
hermenêutica de atribuir sentido aos acontecimentos humanos – aqueles que narramos a
nós mesmos bem como aqueles que ouvimos outros contarem.
O que são gêneros de um ponto de vista psicológico? Somente representações
convencionais de situações humanas? Há certamente tais situações em todas as culturas
humanas: conflitos de lealdade familiar, o caprichos da verdade humana, as vicissitudes de
romance, e assim em diante. Até mesmo poderia parecer que são universais, dado que os

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clássicos podem ser apresentados em roupagem moderna e os contos de povos exóticos


podem ser traduzidos localmente. Mas eu penso que a ênfase nas situações e na sua
universalidade hipotética pode obscurecer um assunto mais profundo. A situação é só a
forma do enredo de um gênero, sua fábula. Mas o gênero também é uma forma de contar,
seu sjuzet. Até mesmo se os gêneros se especializarem em situações humanas
convencionais, eles alcançarão seus efeitos usando a língua de uma maneira particular. Para
traduzir o “modo de contar” de um gênero em outra língua ou cultura em que ele não
existe, é necessária uma nova invenção lingüístico-literária.33 A invenção pode, é claro, estar
culturalmente fora de alcance. Afinal de contas, a língua existe nos seus usos. Não é só uma
sintaxe e um léxico. O assim chamado discurso interior da narrativa ocidental, por
exemplo, pode ter se desenvolvido a partir do desenvolvimento da leitura silenciosa que é
uma invenção muito recente. Se a reflexão produzida pela leitura silenciosa foi intensificada
pela criação de novos gêneros – os chamados romances moderno e pós-modernos –, nós
poderíamos esperar que tais gêneros não seriam facilmente acessíveis ao narrador não-
ocidental e muito menos a um membro de uma cultura de não-letrada.
Enquanto os gêneros realmente são maneiras livres mas convencionais de representar
situações humanas, eles também são modos de contar que nos predispõem a usar nossas
mentes e sensibilidades de maneira específica. Resumindo, enquanto são representações da
ontologia social, eles também são convites a um estilo particular de epistemologia. Dessa
maneira, podem ter o poder de influenciar na moldagem de nossos modos de pensamento,
da mesma maneira que eles criam as realidades que seus enredos descrevem.34 Assim, por
exemplo, nós realizamos inovações em gênero não somente mudando o conteúdo da
imaginação mas seu também o seu modus operandi: Flaubert introduziu um relativismo de
perspectiva que eliminou o narrador onisciente e a “verdadeira” história, Joyce usou da
livre-associação com muita habilidade para quebrar os constrangimentos semânticos e até
mesmo o convencionalismo sintático, Beckett quebrou as continuidades narrativas que nós
tomávamos para assegurar a narração, Calvino converteu o pós-moderno
antifoundationalism em uma forma mítica clássica, e assim em diante.
O gênero narrativo, desta maneira, não só pode ser pensado como um modo de
construir situações humanas mas também como um guia para usar a mente, na medida em
que o uso de mente é guiado pelo uso de uma linguagem habilitadora.
8. Normatividade. Por causa de sua “narrabilidade” como uma forma de discurso basear-
se em uma violação da expectativa convencional, a narrativa é necessariamente normativa.
Uma violação pressupõe uma norma. Essa condição fundadora da narrativa levou teóricos

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— de Hayden White e Victor Turner até Paul Ricoeur — a propor que a narrativa está
centradamente preocupada com a legitimidade cultural.35 Uma nova geração de acadêmicos,
não surpreendentemente, começou a explorar as normas implícitas inerentes ao
testemunho legal, cuja forma é principalmente narrativa.36
Enquanto todos, desde Aristóteles até aos chamados gramáticos narrativos, concordam
que uma história gira em torno de uma violação de legitimidade, as diferenças de como a
noção de violação é concebida revela ela própria diferentes ênfases culturais. Leve-se em
conta a célebre explicação de Kenneth Burke do “quinteto” dramático.37 O quinteto
consiste em um Agente, um Ato, uma Cena, um Propósito e uma Função, o equilíbrio
apropriado entre estes elementos define-se por uma “razão” * determinada por convenção
cultural. Quando esta “razão” fica desequilibrada, quando a expectativa convencional é
quebrada, problemas acontecem. E são os problemas que provêem o engenho do drama;
problemas como um desequilíbrio entre um e os demais elementos do quinteto: por
exemplo, Nora em A Doll’s House é um Agente rebelde em uma Cena inapropriadamente
burguesa, e assim em diante. Eventos precipitadores são emblemas do desequilíbrio. A
ênfase principal de Burke está em situações, fábulas. Está ontologicamente relacionada com
o mundo cultural e seus arranjos, com as normas tais como elas “existem”.
Na segunda metade do século vinte, como o aparato de ceticismo chega não só a ser
aplicado para duvidar da legitimidade de realidades sociais herdadas mas também para
questionar os verdadeiros modos pelos quais nós apreendemos ou construímos a realidade,
o programa normativo da narrativa (literário e popular) mudou. O “problema” se tornou
epistêmico: Julian Barnes escreveu uma narrativa atordoante no episteme do
perspectivismo de Flaubert, Flaubert’s Parrot, ou Italo Calvino produziu um romance,
Winter’s Night a Traveller, no qual o assunto é o que é texto e o contexto; e as teorias da
poética mudam da mesma maneira. Elas, também, fazem uma “volta epistêmica”. E assim
Todorov viu a poética da narrativa como um fato existente na própria língua, confiando
que o uso das transformações lingüísticas dará conta de todas as ações humanas mais
subjetivas, menos certas, e, sobretudo, sujeitas à dúvida sobre sua construção. Não é
simplesmente que o “texto” se torne dominante, mas que o mundo ao qual ele
hipoteticamente se refere é sua criação.38
A normatividade, em resumo, não é histórica ou culturalmente terminal. Sua forma
muda com as preocupações do momento e das circunstâncias que cercam sua produção.
Nem se requer da narrativa, a propósito, que os problemas com que lida sejam

* N.T. O autor usa o termo “razão” no seu sentido matemático.

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solucionados. A narrativa, eu acredito, é projetada mais para conter esquisitices do que para
solucioná-las. Não tem que “dar certo”. O que Frank Kermode chama de “enredo
consolador” não é o conforto de um final feliz mas a compreensão de situações que, ao se
tornarem interpretáveis, tornam-se suportáveis.39
9. Sensibilidade de contexto e negociabilidade. Este é um tópico cujas complexidades nós já
observamos nas discussões anteriores de “composicionabilidade hermêneutica” e na de
“interpretabilidade de narrativa”. Ao se considerar o contexto, os assuntos familiares de
intenção narrativa e de conhecimento partilhado surgem novamente. Em relação ao
primeiro, muito de teoria literária abandonou o Coleridge’s dictum de que o leitor deveria
suspender suas descrenças e estar nu diante do texto. Hoje nós teorizamos a resposta do
leitor com livros intitulados O Leitor no Texto.40 Certamente, a visão predominante é a de
que a noção de suspender totalmente as descrenças é muito mais uma idealização do leitor
e, na pior das hipóteses, uma distorção do que o processo de compreensão da narrativa
envolve. Inevitavelmente, nós assimilamos a narrativa em nossos próprios termos, (pela
explicação de Wolfgang Iser) nós tratamos a ocasião de um recital narrativo como um ato
de fala especializada.41 Nós inevitavelmente levamos em conta as intenções do narrador e
fazemos assim em termos de nosso conhecimento partilhado (e, realmente, à luz de nossas
pressuposições sobre o conhecimento partilhado do narrador).
Eu tenho um forte pressentimento, que pode a princípio parecer countraintuitivo, de
que é essa mesma sensibilidade de contexto que faz o discurso narrativo na vida cotidiana
ser um instrumento viável para negociação cultural. Você conta sua versão, eu conto a
minha, e nós raramente precisamos de confrontação legal para resolver a diferença.
Princípios de caridade e presunções de relevância são enormemente equilibrados contra
princípios de ignorância suficiente e dúvida suficiente em um grau que não se esperaria
onde critérios de consistência e de verificação prevaleceriam. Nós parecemos ser hábeis
para tomar versões diferentes de uma história com um certo cuidado, muito mais do que
no caso de argumentos ou provas. O livro notável de Judy Dunn sobre o início da
compreensão social em crianças mostra claramente que esse tipo de negociação de
diferentes versões de narrativas começa cedo e é profundamente incorporado em ações
sociais práticas como o oferecimento de desculpas, e não somente em narrações por si
mesmas.42 Eu penso que é precisamente esta interação de perspectivas atingindo a “verdade
narrativa” que levou os filósofos como Richard Rorty a abandonar o ponto de vista
verificacionista da verdade em favor do pragmático.43 Nem surpreende que os
antropólogos tenham se distanciado de descrições culturais positivistas de culturas na

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direção de descrições interpretativas nas quais não se buscam categorias objetivas mas
“significados”, não significados impostos ex hypothesi por um estranho, o antropólogo, mas
os que chegam a partir dos próprios participantes indígenas imersos em seus próprios
processos culturais de negociação de sentidos.44
Nesse ponto de vista, é a dependência do contexto da explicação narrativa que permite
a negociação cultural que, quando bem sucedida, torna possível a coerência e
interdependência que uma cultura pode alcançar.
10. Acréscimo narrativo. Como nós remendamos histórias juntas para torná-las um todo
de algum tipo? Ciências alcançam o seu acréscimo por meio da derivação de princípios
gerais, relacionando resultados particulares a paradigmas centrais, expressando resultados
empíricos de forma a agrupá-los sob paradigmas alterados, e por outros incontáveis
procedimentos para fazer ciência, como se costuma dizer, “cumulativa.” Isto é facilitado
imensamente por procedimentos para assegurar a verificação, entretanto, como nós
sabemos, critérios de verificação têm aplicabilidade limitada quando estados intencionais
humanos estão relacionados, o que deixa a psicologia muito marginal.
O acréscimo narrativo não é fundamental no sentido científico. As narrativas fazem
acréscimos e, como insistem os antropólogos, os acréscimos eventualmente criam algo
bastante variado chamado “cultura” ou “história” ou, mais livremente, “tradição”. Mesmo
nossas próprias explicações caseiras dos acontecimentos de nossas vidas convertem-se em
autobiografias mais ou menos coerentes centradas em um Ego que age intencionalmente
em um mundo social.45 Famílias criam, similarmente, um corpus de histórias conectadas e
compartilhadas; os estudos de Elinor Ochs, em desenvolvimento, sobre a conversa familiar
da mesa-de-jantar começa a trazer luz para isso46. Instituições, como nós sabemos a partir
do trabalho inovador de Eric Hobsbawm, também “inventam” tradições além daquelas
relativas aos acontecimentos ordinariamente estabelecidos e então recebem status
privilegiado.47 E há os princípios de jurisprudência que, como stare decisis, garantem uma
tradição assegurando que uma vez que um “caso” foi interpretado de uma maneira
específica, casos futuros que são “semelhantes” serão interpretados serão decididos da
mesma maneira. À medida que a lei insiste em tal acréscimo de casos como “precedentes”,
e à medida que “casos” são narrativas, o sistema legal impõe um processo ordenado de
acréscimo narrativo.
Surpreendentemente, tem havido pouco trabalho sendo feito neste assunto fascinante,
embora haja estímulos entre antropólogos (influenciados principalmente por Clifford
Geertz) e entre historiadores (estimulados pela inauguração de Michel Foucault na

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Arqueologia de Conhecimento).48 Que tipos de estratégias poderiam guiar o acréscimo de


narrativas em culturas ou tradições de larga escala ou “versões de mundo”? Seguramente
uma delas deve ser a imposição do falso vínculo histórico-causal: por exemplo, o assassinato de
Arquiduque Ferdinand é visto como o “causador” da Primeira Guerra Mundial, ou a
coroação do Papa Leão III de Charlemagne como Santo Imperador Romano no Dia de
Natal em 800 é dada como “o primeiro passo” ou o precursor da promulgação da
Comunidade européia em 1992. Há uma vasta literatura de precaução contra tais
simplificações por filósofos e historiadores, mas nem ao menos tem diminuído essa nossa
paixão por converter post hoc em proptor hoc.
Outra estratégia poderia ser chamada, por falta de uma expressão melhor, coerência por
contemporaneidade: a crença de que coisas que acontecem ao mesmo tempo devem estar
correlacionadas. Eu fiz essa estranha descoberta, escrevendo minha autobiografia
intelectual há vários anos atrás. Eu tinha descoberto no índice do New York Times o que
mais estava acontecendo na mesma hora de algum evento pessoal. Dificilmente eu poderia
resistir a conectar o conjunto de acontecimentos em um todo coerente – conectar, e não
agrupar ou não criar vínculos histórico-causais, mas intrincando tudo em uma história. Meu
primeiro artigo científico (sobre a maturação da receptividade sexual no rato fêmea), por
exemplo, foi publicado por volta do momento em que Chamberlain tinha sido enganado
por Hitler em Munique. Minha história original antes de consultar o New York Times Index
era obscuramente sobre uma primeira descoberta feita dezenove anos antes, mais parecida
com uma biografia romanceada. A história pós-New York Times Index, com Munique agora
incluída, era um exercício de ironia: Nero jovem que toca violino com ratos enquanto
Roma queimava! E pelo mesmo processo constrangedor, nós inventamos a Idade Média,
fazendo de tudo um pedaço do todo, finalmente, a diversidade ficar muito grande e, então,
inventarmos o Renascimento.
Uma vez compartilhado culturalmente – distribuído no sentido discutido mais acima –
acréscimos narrativos alcançam, como a representação do coletivo de Emile Durkheim,
“exterioridade” e o poder de coação.49 A Idade Média passa a existir e nós passamos a falar
maravilhados da “excepcionalidade” de qualquer filósofo não-tradicional ou teólogo
anticonvencional que viveu em suas sombras. Eu estou dizendo que o ex-presidente e
Nancy Reagan enviaram uma carta de condolência a uma personagem de novela
nacionalmente conhecida que há pouco tinha ficado cego – não o ator, mas a personagem.
Mas isso não é incomum: a cultura sempre se reconstitui engolindo suas próprias

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narrativas: meninos holandeses com dedos no dique, Colombo catequizando índios, a lista
das honras da Rainha, a eurofilia que advém de Charlemagne.
O que cria uma cultura, seguramente, deve ser uma capacidade “local” de acrescentar
histórias de acontecimentos do passado a algum tipo de estrutura diacrônica que permita
uma continuidade até o presente – em resumo, construir uma história, uma tradição, um
sistema legal, instrumentos que asseguram continuidade histórica senão legitimidade. Eu
gostaria de terminar minha lista de propriedades narrativas neste ponto bastante “óbvio”
por uma razão particular. A construção e a reconstrução perpétuas do passado provêem as
formas de canonicidade que nos permitem reconhecer precisamente quando uma violação
aconteceu e como poderia ser interpretada. O filósofo W. T. Stace propôs, duas gerações
filosóficas atrás, que o único recurso que nós temos contra o solipsismo (a visão
inexpugnável que discute que nós não podemos provar a existência de um mundo real, uma
vez que tudo o que nós podemos saber é nossa própria experiência) é que as mentes
humanas são semelhantes e que, o mais importante, “trabalham juntas”.50 Uma das
principais maneiras pelas quais nós trabalhamos “mentalmente” em conjunto, eu gostaria
de discutir, é pelo processo de acréscimo em narrativas comuns. Até mesmo nossas
autobiografias, como eu discuti em outro lugar, depende de estarem colocadas em uma
continuidade provida por uma história social construída e compartilhada, na qual nós
localizamos nossos egos e nossas continuidades individuais.51 É este sentido de pertencer a
este passado canônico que nos permite formar nossas próprias narrativas divergentes
apesar de manter cumplicidade com o cânone. Talvez Stace estivesse muito preocupado
com a metafísica quando ele invocou esse processo como uma defesa contra o solipsismo.
Provavelmente, nós diríamos hoje que isso deve ser uma formação profilática contra a
alienação.

Deixe-me voltar agora à premissa original de que há domínios específicos de


conhecimento e habilidade e que eles são apoiados e organizados por meio de ferramentas
culturais. Se nós aceitarmos esta visão, uma primeira conclusão seria que, entendendo a
natureza e o desenvolvimento da mente em qualquer ambiente, nós não podemos tomar
como nossa unidade de análise o indivíduo isolado que atua “dentro de si ou de sua própria
pele” em um vácuo cultural. Mas, teremos de aceitar o ponto de vista de que a mente

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humana não pode expressar seus poderes inatos sem a habilitação dos sistemas simbólicos
de cultura. Enquanto muitos desses sistemas são relativamente autônomos em uma cultura
determinada – as habilidades de chamanismo, de comércio especializado, e o outros
semelhantes – alguns se relacionam a domínios de habilidade que devem ser
compartilhados por virtualmente todos membros de uma cultura, se a cultura for ser
efetiva. A divisão do trabalho em uma sociedade vai muito longe. Todos em uma cultura
devem em alguma medida, por exemplo, ser hábeis para entrar na troca da comunidade
lingüística, e até mesmo aceitar que esta comunidade possa ser dividida em idioletos e
registros. Outro domínio que deve ser amplamente compartilhado (apesar de desagradável)
em uma cultura para atuar com a efetividade requerida é o domínio de convicções sociais e
de seus procedimentos — o que nós pensamos que as pessoas são e como eles têm que
relacionar-se mutuamente, isso que alhures eu chamei de folk psychology e o que Harold
Garfinkel chamou ethnosociology.52 Estes são domínios que são, principalmente,
narrativamente organizados.
O que eu tentei fazer neste artigo foi descrever algumas das propriedades de um
mundo de “realidade” construído de acordo com princípios narrativos. Fazendo assim, eu
fui de um lado para outro entre descrever “poderes” mentais narrativos e os sistemas
simbólicos do discurso narrativo que torna possível a expressão destes poderes. É só um
começo. Meu objetivo somente foi dispor o plano de base de realidades narrativas. A tarefa
intimidadora que permanece agora é mostrar em detalhes como, com exemplos
particulares, a narrativa organiza a estrutura da experiência humana — como, em resumo,
“a vida imita a arte” e vice-versa.

References

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1985).
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trad. e org. Eugenia Hanfmann and Gertrude Vakar (Cambridge, Mass., 1962), e Mind in Society: The
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5. Veja Thomas Gladwin, East Is a Big Bird (Cambridge, Mass. 1970); Renato Rosaldo, Culture and Truth: The
Remaking of Social Analysis (Boston, 1989); Clifford Geertz, Local Knowledge; Further Essays in Interpreting
Anthropology (New York, 1983); and Jerome Bruner, Acts of Meaning (Cambridge, Mass., 1990).
6. Veja E. E. Jones, Interpersonal Perception (New York, 1990).
7. Para uma explicação mais completa e mais discursiva sobre a natureza e o produto do pensamento
narrativo vejo o meu livro Actual Minds, Possible Worlds (Cambridge, Mass., 1986), and Acts of Meaning. See
also Theodore R. Sarbin, Narrative Psychology: The Storied Nature of Human Conduct (New York, 1986).

20
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8. Veja On Narrative, ed. W. J. T. Mitchell (Chicago, 1981).


9. Veja Paul Ricoer, Time and Narrative, trans. Kathleen Blamey and David Pellauer, 3 vols. (Chicago, 198-88)
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10. Veja William Labov and Joshua Waletzky, “Narrative Analysis: Oral Versions of Personal Experience,” in
Essays on the Verbal and Visual Arts, ed.June Helm (Seattle, 1967), pp. 12-44; Labov, “Speech Actions and
Reactions in Personal Narrative,” in Georgetown Round Table on Languages and Linguistics 1981, ed. Deborah
Tannen (Washington, D. C, 1982), pp. 219-47.
11. Veja Nelson Goodman, “Twisted Tales; or, Story, Study, and Symphony,” in On Narrative, pp. 99-115.
12. Charles Taylor, “Interpretation and the Sciences of Man,” in Interpretative Social Science: A Reader, ed. Paul
Rabinow and William M. Sullivan (Berkeley, 1979), p. 28.
13. Veja Ricoeur, “, vol. 1.
14. Veja Vladímir Propp, Morphology of the Folktale, trad. Laurence Scott, ed. Louis Wagner, 2. ed. (1928;
Austin, Tex., 1968); see also his Theory and History of Folklore, trad. Ariadna Y. Martin and Richard P.
Mardin, ed. Anatoly Liberman (Minneapolis 1984)
15. Veja, por exemplo, Narratives from the Crib, ed. Katherine Nelson (Cambridge, Mass., 1989), and Bruner,
Acts of Meaning.
16. Taylor, “Interpretation and the Sciences of Man,” p. 25.
17. Veja Hadley Cantril, The Invasion from Mars (Princeton, N. J., 1940).
18. Veja Roland Barthes, The Responsibility of Forms; Critical Essays on Music, Art, and Representation (New York,
1985)
19. Veja, por exemplo, Peter Elbow, Embracing Contraries: Explorations in Learning and
Teaching (New York, 1986).
20. Veja Ellen J. Langer, Mindfulness (Reading, Mass., 1989).
21. Veja Roy Harris, “How Does Writing Restructure Thought?” Language and Communication 9, no. 2/3
(1989): 99-106.
22. Hilary Putnam, Mind, Language, and Reality (Cambridge, 1975), p. 278.
23. Veja Dan Sperber and Dierdre Wilson, Relevance; Communication and Cognition
24. Veja Donald P. Spence, Narrative Truth and Historical Truth: Meaning and Interpretation in Psychoanalysis (New
York, 1982). E provável que a relutância dos pacientes para aceitar a versão ou a interpretação de uma
narrativa do psicanalítica conduza a um exame e uma reformulação pelo psicanalista das histórias do
paciente tendo a ver com a própria “resistência” do paciente. A versão do paciente conforma-se à do
psicanalista como um preço pela continuação da terapia. Advogados, por sua vez, normalmente, na
tradução da “história” pessoal do cliente para uma narrativa legal, oferecem as opções de como serão
moldados legalmente os “fatos do caso” - se coisas “se acrescentam” a uma narrativa sobre contratos,
delitos, ou custas processuais - a história legal final é, no entanto, forçada em uma narrativa “canônica”
que se conforma a preceitos prevalecentes na sociedade e que corresponde também a algum caso
precedente. Por exemplo, em recente jurisprudência americana, os “fatos do caso” Bowers v. Hardwick
são interpretados como uma violação dos estatutos de sodomia no Estado de Geórgia em vez de o serem
como um exemplo do exercício dos direitos de privacidade do indivíduo tal como é garantido pela
Quarta Emenda à Constituição dos Estados Unidos. O “fato” de que um ato homossexual, como neste
caso, ocorreu consensualmente entre adultos foi definido como “irrelevante” pelo Tribunal para a
história legal do processo. Para uma discussão dos efeitos da imposição “oficial” da jurisprudência forma
nas narrativas cotidianas, veja Kim Lane Scheppele, “Telling Stories,” foreword to “Legal Storytelling,”
número especial da Michigan Law Review 87 (Aug. 1989): 2073-98.
25. Veja Robert C. Schank and Robert P. Abelson, Scripts, Plans, Goals, and Understand ing: An Inquiry into
Human Knowledge Structures (Hillsdale, N. J., 1977).
26. Veja Hayden White, “The Value of Narrativity in the Representation of Reality,” in On Narrative, pp. 1-23.
27. Veja Labov and Waletzsky, “Narrative Analysis,” and Barbara Herrnstein Smith, On the Margins of
Discourse: The Relation of Literature to Language (Chicago 1978)
28. Veja Labov and Waletzsky, “Narrative Analysis.”
29. Para uma discussão dos usos dessa distinção pelos formalistas russos, veja Bruner, Actual Minds, Possible
Worlds.
30. Veja Tzvetan Todorov, The Poetics of Prose, trans. Richard Howard (Ithaca, N. Y., 1977). A expressão de
Jakobson, eu creio, data de seu anos em Praga e reflete sua admiração pelos formalistas russo. A
expressão (freqüentemente repetida por Jakobson em suas leituras em Harvard) advém, provavelmente,
do teórico formalista Victor Shklvsky. A justificativa mais rigorosa do princípio é dada na exegese de
Jakobson da adivinha armênia em um ensaio de 1920 sobre o realismo: “O qué, o que é? Está no quarto
e é verde.” A resposta para isso é: “um arenque”. Então alguém pergunta: “Mas porque o arenque está
pintado de verde?” e a única resposta pode ser: “Isso deixa mais difícil pra adivinhar”. (Roman Jakobson,
“On Realism in Art,” Language in Literature, ed. Krystyna Pomorska and Stephen Rudy [Cambridge,
Mass., 1987], pp. 25-20; veja também seus ensaios “Futurism,” pp. 28-33, and “Dada,” pp. 34-40). Mas a
mais profunda de suas derivações pode ser encontrada na distinção entre marcado e não-marcado, uma

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distinção presente em todos os níveis da organização lingüísica, da fonologia à semântica, em que


“marcado” aponta para uma sinalização de uma atividade interpretativa pouco usual e crescentemente
nova feita pelo ouvinte. Discussões como essa estão espalhadas em seu Selected Writings, 8 vols.
31. Alastair Fowler. Kinds of Literature: An lntroduction to the Theory of Genres and Modes (Cambridge. Mass., 1982),
p. 37.
32. Veja Mary McCarthy, Memories of a Catholic Girlhood (New York, 1957).
33. Veja On Translation, ed. Rueben Brower (Cambridge. Mass., 1959). Essa obra contém ensais importantes
sobre o trabalho de traduzir ficção e não-ficição para o inglês por alguns do mais experientes
profissionais.
34. Veja Shirley Brice Heath, Ways with Words: Language, Life and Work in Communities and Classrooms
(Cambridge, 1983); Elinor Ochs and Bambi B. Schieffelin, Acquiring Conversational Competence (London, 1
983); Ochs, Carolyn Taylor, Oina Rudolph, and Ruth Smith, “Narrative Activity as a Medium for
Theory-Building” (paper delivered at the University of Southern California, 1989); and Carol Fleisher
Feldman, “Monologue as Problem-Solving Narrative,” in Narratives from the Crib, pp. 98—119.
35. Veja especialmente White, Tropics of Discourse: Essays in Cultural Criticism (Baltimore, 1978), and Victor
Turner, From Ritual to Theatre; The Human Seriousness of Play (New York, 1982).
36. Veja os artigos que formam o número especial “Legal Storytelling” da Michigan Law Review.
37. Veja Kenneth Burke, A Grammar of Motives (1942; Berkeley, 1969).
38. Veja, por exemplo, The Reader in the Text: Essays on Audience and Interpretation, ed. Susan Suleiman and Inge
Crosman (Princeton, N. J., 19S0).
39. Frank Kermode, The Sense of an Ending: Studies in the Theory of Fiction (Oxford, 1967), p. 31. Veja também
sua discussão sobre isso em “Secrets and Narrative Sequence,” in On Narrative.
40. Veja Wolfgang Iser, Prospecting: From Reader Response to Literary Anthropology (Baltimore, 1989), and The
Reader in the Text.
41. Veja Iser, The Implied Reader (Baltimore, 1974)
42. Veja Judy Dunn, The Beginnings of Social Understanding (Cambridge, Mass.. 1988).
43. Veja Richard Rorty, Philosophy and the Mirror of Nature (Princeton, N. J., 1979). Veja also Taylor, Sources of the
Self: The Making of the Modern Identity (Cambridge, Mass. 1989).
44. Veja especialmente o ensaio de Geertz sobre “thick interpretation” em seu Local Knowledge. Para o
exemplo de uma abordagem, desse ponto-de-vista, veja também Interpretive Social Science, ed. Rabinow and
Sullivan, and ainda veja Cultural Psychology.
45. Veja, for example, Bruner, Acts of Meaning, chap. 4.
46. Eu estou em dívida como Elinor Ochs por nos deixar, em um seminário informal na University of
California, Los Angeles, winter term 1990, ver suas gravações dessas sessões e compartilhar seu ponto de
vista sobre os procesos envolvidos.
47. Veja The Invention of Tradition, ed. Eric Hobsbawm and Terence Ranger (Cambridge, 1983).
48. Veja Geertz, Works and Lives: The Anthropologist as Author (Stanford, Calif., 1988); James Clifford, The
Predicament of Culture: Twentieth-Century Ethnography, Literature, and Art (Cambridge, Mass., 1988);
and Michel Foucault, The Archeology of Knowledge, trans. A. M.
49. Veja Emile Durkheim, The Elementary Forms of the Religious Life, trans. Joseph Ward Swain (1915; New
York, 1965). Para uma explicação mais psicológica desse processo, referida pelo autor como “ontic
dumping”, veja Feldman, “Thought from Language: The Linguistic Construction of Cognitive
Representations,” in Making Sense: The Child's Construction of th World, ed Bruner and Helen Haste (New
York, 1987), pp. 131-46
50. Encyclopedia of Philosophy, s.v. “Walter Terence Stace.”
51. Veja Bruner, Acts of Meaning, chap. 4.
52. Veja Harold Garfinkel. Stdies in Ethnomethodology (Engtewood Cliffs, N.J., 1967).

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