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Annelise Zeemann é Engenheira Mecânica, D.Sc. em Eng.

Metalúrgica e de
Materiais no PEMM - COPPE/UFRJ, e Diretora Técnica da TECMETAL, que
atua em análise de materiais e consultoria em engenharia mecânica e metalúrgica.
e-mail : tecmetal@openlink.com.br

"Neste artigo apresentaremos um assunto sobre o qual quase todos temos dúvidas,
que são as tensões residuais de soldagem. Por que são geradas, quais as
implicações reais de sua presença durante a soldagem e após a soldagem, quando e
como devem ser aliviadas ??? Sem dúvida este assunto é complexo, extenso e
inesgotável, e por isso serão apresentados, de forma bastante simplificada, alguns
aspectos básicos sobre o assunto.

Annelise Zeemann

Tensões Residuais de Soldagem

1. Como são geradas as tensões Como existe uma continuidade no material, existe sem dú-
vida uma região, nas adjacências da zona fundida, que atin-
residuais de soldagem ? giu uma temperatura bem próxima à de fusão do material.
O estado de tensões residuais ao longo de uma junta, Sabe-se que qualquer material metálico dilata quan-
após a soldagem, é bastante complexo e não é nossa do é aquecido e contrai quando resfriado. Ora, se
pretensão sequer apresentá-lo, muito menos explicá- durante um curto espaço de tempo, uma região muito
lo; mas as tensões residuais de tração existentes nas pequena nas adjacências da solda se aquece desde a
adjacências da solda são aquelas que conhecidamente temperatura ambiente até quase sua temperatura de
podem causar falhas prematuras e sua visualização não fusão, é de se esperar que esta região aumente de
é difícil, desde que sejam feitas algumas simplificações. volume (por dilatação), tanto mais quanto maior for
Durante a soldagem por fusão, a arco elétrico por exem- a temperatura atingida. Se esta pequena faixa de
plo, ocorre no material de base um aquecimento quase material não consegue aumentar seu volume pois
instantâneo, muito localizado, que faz com que, num dado todo o restante do componente não permite, esta
momento, uma pequena porção deste material atinja a região passa a ser comprimida e as tensões de com-
fusão formando uma poça (poça de fusão), para posteri- pressão aumentam até que o limite de escoamento
ormente se solidificar formando a zona fundida (ou me- do material seja ultrapassado em compressão. Por-
tal de solda), figura 1. tanto ao final da etapa de aquecimento (que é quase
instantâneo) as adjacências da solda se encontram

Direção e Sentido
ZF - Zona Fundida
do Arco Elétrico
PF - Poça de Fusão
MB - Metal de Base

PF
MB

PF MB
Região
Aquecida
na Soldagem

Figura 1 Esquema que representa uma vista geral superior de uma chapa sendo soldada por fusão, onde a
região fundida e posteriormente solidificada se chama zona fundida ou metal de solda e as adjacências da
solda atingem temperaturas muito próximas da temperatura de fusão do metal ou início de fusão da liga

http://www.infosolda.com.br/artigos/metsol03.pdf ©2003 www.infosolda.com.br 


Annelise Zeemann é Engenheira Mecânica, D.Sc. em Eng. Metalúrgica e de
Materiais no PEMM - COPPE/UFRJ, e Diretora Técnica da TECMETAL, que
atua em análise de materiais e consultoria em engenharia mecânica e metalúrgica.
e-mail : tecmetal@openlink.com.br

com o mesmo tamanho inicial e deformadas em com- 2. As tensões residuais são sempre
pressão, quando se inicia o resfriamento. Agora, a
as causadoras de trincas durante a
mesma porção que foi aquecida, e se encontra com-
primida, começa a resfriar e a tendência é de que o soldagem?
material se contraia. Inicialmente a região se ali- Sem dúvida para que uma trinca se abra é necessário
via da compressão e, como não consegue reduzir que haja uma tensão trativa e as tensões residuais sem-
seu tamanho pois o restante do componente não pre favorecem o trincamento. Caso o material apre-
Sólidus
permite, ela acaba sendo tracionada até que as ten- sente algum tipo de susceptibilidade à formação de
sões de tração ultrapassem o limite de escoamento trincas de natureza metalúrgica (trincas a quente, trin-
em tração, e de novo o material se deforma para cas a frio, trincas de reaquecimento) é sempre impor-
acomodar esta elevada tensão, figura 2. tante reduzir o nível de tensões residuais ainda na
No entanto o material somente consegue se defor- soldagem.
mar em tensões superiores à de escoamento e as
tensões trativas inferiores limite de escoamento,
permanecem ao final da soldagem. São as chama- 3. Como se reduz o nível de ten-
das tensões residuais, trativas nesta pequena re- sões residuais na soldagem ?
gião, cuja magnitude é a do próprio limite de esco- Principalmente através da aplicação de pré-aquecimen-
amento do material na temperatura ambiente, o que to, que reduz a velocidade de resfriamento e facilita a
chega a ser assustador pois são tensões acomodação das tensões. O aumento do aporte de ca-
elevadíssimas. lor pode ter o mesmo tipo de efeito, porém outras ca-
racterísticas metalúrgicas indesejáveis podem ocorrer.

Figura 2 a
Tensões Compressivas σC

PF MB MB
PF
σC

Tensões Compressivas σC e Deformação


Dilatação que Ocorreria caso a
Ausência de Dilatação pois
Região estivesse Livre
a Região está Restrita.

Tensões Trativas
Figura 2 b
σT σT
ZF MB
ZF MB
σ

σT σT
Tensões trativas e Deformação

Contração que Ocorreria caso a Região esti- Tensões Residuais Geradas pois a Região
vesse Livre está Restrita

Figura 2 Esquema que apresenta, de forma simplificada, como as regiões do detalhe da figura 1, adjacen-
tes à solda, deveriam dilatar e contrair, se estivessem livres.

http://www.infosolda.com.br/artigos/metsol03.pdf ©2003 www.infosolda.com.br


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4. O que acontece se as tensões • Aços e ligas que apresentem alta relação entre o
limite de escoamento e o limite de resistência (por
residuais não forem aliviadas
exemplo LE / LR > 0,75). Para estes materiais a tensão
após a soldagem? limite de escoamento é próxima da tensão limite de re-
Dependendo do tipo de material e do estado de sistência e qualquer tensão aplicada, somada à tensão
tensões presente no componente, podem ocorrer residual, pode ultrapassar o limite de resistência, trin-
dois tipos de comportamento quando as tensões cando o material;
aplicadas em serviço se somam às tensões residu- • Componentes de grande espessura (superior a 2”,
ais de soldagem: segundo alguns códigos) pois o estado de tensões deixa
• O material pode escoar (deformar), aliviando as ten- de ser uniaxial e o material perde a capacidade de esco-
sões, e com isso a tensão final (residual + aplicada) ar, podendo facilmente chegar na tensão limite de resis-
não consegue aumentar sua magnitude até chegar aos tência;
níveis do limite de resistência; • Componentes sujeitos ao carregamento cíclico
• O material pode não escoar e a tensão final (residu- pois as tensões residuais trativas podem abreviar mui-
al + aplicada) atinje o limite de resistência causando a to a vida em fadiga do componente;
ruptura em serviço. Na realidade a formação da trinca • Ligas susceptíveis à corrosão sob tensão, pois neste
é o alívio das tensões que ultrapassaram a tensão limi- caso a tensão residual pode abreviar muito a vida útil
te de resistência do material. do componente, através de um efeito sinérgico de ten-
são/deformação e corrosão.
5. O alívio de tensões pós-soldagem
é sempre necessário? 7. Quais os tratamentos pós-
Não. Pois existem condições onde as tensões residuais soldagem para alívio de tensões?
podem ser aliviadas em serviço. Geralmente materiais Existem dois tipos de tratamentos de alívio de tensões
de pequena espessura e que apresentam baixo limite pós-soldagem. Um deles é o alívio térmico e o trata-
de escoamento (aços ferríticos, aços inox austeníticos, mento é conhecido como tratamento térmico de alívio
ligas não-ferrosas), acumulam menor nível de tensões de tensões (TTAT). O outro é o alívio mecânico, tam-
e quando esta tensão residual é somada à tensão de bém conhecido como martelamento, cuja aplicação é
serviço, ocorre o alívio através de deformações plásti- polêmica e que será abordado em outro artigo.
cas localizadas (escoamento), não exigindo nenhum
tipo de tratamento de alívio de tensões pós-soldagem.

6. Quando é necessário aliviar as σ


Tensão
tensões residuais de uma junta
soldada?
Sempre que pode haver o perigo das tensões residuais
causarem a falha prematura. Isto ocorre para as se- LR Tensão Limite
de Resistência.
guintes condições:
LE Tensão Limite
• Aços temperados e revenidos, onde o alívio de de Escoamento.
tensões atua também como um revenido após a "têm-
pera" promovida pelo resfriamento da solda. Deve-se
lembrar que neste caso a temperatura de alívio não
deve ultrapassar a temperatura na qual o material de T
Temperatura
base foi revenido, pois pode haver uma redução na
resistência mecânica do componente;
Figura 3 Variação do limite de escoamento e de
resistência em função da temperatura.

http://www.infosolda.com.br/artigos/metsol03.pdf ©2003 www.infosolda.com.br !


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σ Aquecimento

Tensão Residual na Junta σRcs


como Soldada Parcela da TensãoResidual que
é Aliviada no Tratamento

Tensão Residual na Junta


σRat Térmico

após o Alívio das Tensões LF


Resfriamento

Temperatura de Alívio

Figura 4 Como ocorre o alívio de tensões quando se aquece o material.

Normalmente não se verifica a formação de trincas


8. Como ocorre o alívio térmico de durante o alívio, mas é usual verificar o empenamento
tensões ? do material. Isto ocorre justamente porque as ten-
A tensão limite de escoamento (assim como a tensão sões residuais são relaxadas por deformação, e se o
limite de resistência) diminui com a temperatura, figu- componente não for muito bem apoiado a deforma-
ra 3, o que significa que o material pode ser deforma- ção pode ocorrer de forma não controlada, até mes-
do em menores níveis de tensão. Quando se aquece mo inviabilizando o uso do componente.
um material cuja tensão residual se situa próxima ao
limite de escoamento, esta tensão ultrapassa o limite
de escoamento e o material se deforma, aliviando a
10. As temperaturas de TTAT
tensão, figura 4. Como o aquecimento durante TTAT dependem do tipo de material
é generalizado, e não localizado; e as taxas de aqueci- soldado?
mento e resfriamento são controladas, não existe a
Claro, pois o limite de escoamento, assim como sua
geração de tensões no resfriamento, garantindo menor
variação com a temperatura, dependem do tipo ma-
nível de tensões ao final do TTAT.
terial. No caso dos aços, quanto maior a quantida-
de de elementos de liga (principalmente dos elemen-
9. Pode haver o trincamento durante tos adicionados para conferir a resistência ao ca-
lor, como o cromo e o molibdênio) maiores são as
o TTAT? temperaturas de alívio.
Sim. Em duas condições:
• Se o material apresentar susceptibilidade à
11. O Tempo de alívio é uma
formação de trincas de reaquecimento (materi-
ais que apresentam elementos endurecedores por variável importante?
precipitação); ou Na realidade a etapa principal do alívio é o aqueci-
• Se a taxa de aquecimento do tratamento de alívio mento, e as variáveis taxa de aquecimento e tempe-
for muito alta, não permitindo que haja a deforma- ratura de patamar são realmente determinantes no
ção plástica. Neste caso a tensão residual pode ul- TTAT, porém quando se alivia componentes de gran-
trapassar o limite de resistência e o material trinca. de espessura deve-se garantir que haja a uniformi-

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dade de temperatura em toda a seção e o tempo 13. Existem técnicas de soldagem


de permanência geralmente (existem exceções) é
que eliminam a necessidade do
função da espessura (geralmente 1 hora por po-
legada de espessura, e mínimo de 2 horas), de- alívio de tensões?
vendo ser controlado. Sim, como por exemplo a técnica de deposição de
um passe extra para "aliviar" a solda. Normalmen-
te em fabricação não se utiliza este tipo de técnica
12. Existe duplo alívio ? para substituir o TTAT, mas em reparo estas técni-
Sim. Quando o material de base sofre duplo cas são bastante utilizadas. Deve-se alertar que o
revenimento (normalmente para eliminar efei- controle de sua utilização deve ser criterioso e existe
tos de austenita retida), e deseja-se garantir polêmica sobre sua efetividade.
mesmas propriedades na junta soldada, utili-
za-se o duplo alívio.
Referência básica para a consulta
dos leitores:
ASM Handbook Volume 6 "Welding, Brazing and
Soldering" Capítulo Residual Stresses e Distortion
pp 1094-1102.

http://www.infosolda.com.br/artigos/metsol03.pdf ©2003 www.infosolda.com.br #

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