Você está na página 1de 14

CONFORMAÇÃO

MECÂNICA E
SOLDAGEM

André Shataloff
Conformação mecânica:
efeitos da temperatura
na conformação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste capítulo, você deverá apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever os principais conceitos associados aos efeitos da tempe-


ratura sobre a recristalização efetiva dos processos de conformação
de metais.
„„ Relacionar os conceitos associados à geração de calor nos processos
de conformação de metais.
„„ Reconhecer os efeitos da temperatura sobre os processos de con-
formação de metais.

Introdução
Os metais são produzidos e disponibilizados pela indústria metalúrgica
em diversos formatos, tais como: blocos, tarugos, redondos, vigas, placas
grossas, médias e finas, lingotes etc. A conformação mecânica pode ser
feita em produtos primários ou secundários, ou seja, produtos acabados
a partir do derretimento do metal em sua formação inicial, na qual se
aproveita a condição de fluidez do material para gerar produtos ou para
obter formas específicas que serão transformadas em fase subsequente.
Esses processos de produção provocam o aquecimento, a conformação
e o esfriamento, alteram as propriedades dos metais e mudam as carac-
terísticas mecânicas. Para garantir as propriedades, devem-se observar
as composições químicas das estruturas e aplicar formas de correção da
recristalização, recuperando e atendendo as necessidades.
Neste texto, você vai estudar conceitos associados aos efeitos da
temperatura sobre a recristalização efetiva dos processos de conformação
de metais e, por sua vez, relacionar a geração de calor com os efeitos da
temperatura sobre os referidos processos.
2 Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação

Efeitos da temperatura na recristalização


efetiva
Conforme a regularidade do arranjo atômico dos metais na solidificação, um
padrão se repete tridimensionalmente desde a ligação de cada átomo e seus
vizinhos, formando uma estrutura cristalina. Um padrão de formação constante
é a principal característica das estruturas cristalinas cujas imperfeições darão
o tom das propriedades mecânicas desse material. Por conta da necessidade de
características mecânicas exigentes e desenvolvimento de novos materiais, a
indústria cada vez mais utiliza materiais policristalinos, ou seja, ligas metálicas.
De acordo com Smith e Hashemi (2012), a maior parte das ligas no campo da
engenharia são policristalinas. A condição dos materiais policristalinos implica
em ter grãos espalhados na estrutura, ou seja, durante a solidificação surgem
diversos núcleos aos quais vão se formando estruturas celulares desorientadas
uns dos outros grãos, o que leva à condição de grande capacidade de deforma-
ção, além de não haver uma única estrutura cristalina. Os contornos de grãos
promovem obstáculos ao movimento de deformação impostos por tensões.
Um grão fino resulta em um comportamento mais isotrópico do material,
igual em todas as direções às quais são solicitadas esforços. Caso determinado
material tenha grãos mais refinados, teremos maior resistência à movimentação
da estrutura, o que dificulta a deformação.
Há uma relação entre a dureza e o tamanho do grão, isto é, quanto menor
o diâmetro dos grãos, maior a tensão para atingir o limite de escoamento.
Uma justificativa para a dificuldade do escoamento dos grãos menores é
o desencontro das discordâncias de um determinado grão aos dos demais e,
conforme o raio diminui, o escorregamento das falhas diminui o espaço da
deformação, tornando o material mais resistente.

Efeito da deformação plástica a frio no aumento da


resistência mecânica dos metais
Segundo Smith e Hashemi (2012), a densidade da discordância aumenta em
função da deformação a frio, provocando a interação entre as discordâncias
previamente existentes e as geradas pela ação da deformação. O nome desse
fenômeno é encruamento, no qual o material endurece em virtude do aumento
das discordâncias.
Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação 3

O encruamento ou endurecimento ajuda a aumentar a resistência mecâ-


nica de alguns metais, tais como os utilizados na trefilação, melhorando sua
resistência à tração e o limite de escoamento.
Na Figura 1 podemos observar uma liga metálica de 70% Cu-30% Zn, o
conhecido latão, cujas propriedades de resistência à tração sobem à medida
que aumentamos o alongamento a frio. Um exemplo seria, na condição inicial,
termos, para zero de trabalho a frio, uma capacidade de resistência à tração de
46 Ksi. Uma vez que se trabalha a frio em 43%, o limite de resistência à tração
passa para 80 Ksi, ao passo que seu limite de escoamento cai para 10 Ksi. Tal
valor mostra a variação da capacidade de trabalho do material em função da
deformação a frio. Para melhorar o limite de escoamento, podemos recuperar
ou recristalizar o metal, favorecendo o restabelecimento de características
desejadas ao produto final.

120
Limite de resistência à tração e limite de escoamento (Ksi)

70% Cu-30% Zn
100

Limite de resistência à tração


80

60 60
Limite de escoamento (MPa)
% de alongamento

40 40

20 Alongamento 20

0 10 20 30 40 50 60
% de trabalho a frio

Figura 1. Porcentagem de deformação a frio em função do limite de resistência à tração


e alongamento até a quebra da liga 70% de Cu-30% de Zn.
Fonte: Adaptada de Smith e Hashemi (2012, p. 184).
4 Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação

Recristalização
De acordo com Smith e Hashemi (2012), se aquecermos o material a tempera-
turas abaixo da faixa de recristalização do material, ou seja, não permitindo a
nucleação de novos grãos na estrutura metálica, ocorrerá apenas o alívio das
tensões internas do metal. Na Figura 2, a curva das tensões internas residuais
cai significativamente, a ductilidade aumenta e a dureza altera pouco.
Atingindo a temperatura de recristalização, poderá ocorrer recristalização
primária por meio do surgimento da nucleação dentro dos grãos maiores,
deformados, ou o crescimento de subgrãos formados nos contornos dos grãos
e que tendem a migrar das regiões fortemente deformadas, aliviando, assim,
a energia interna do material. A resistência à tração decai, aumentando in-
versamente a ductilidade.
residuais
internas
Tensões

Ductilidade
Resistência
Resistência,

ductilidade
dureza,

Dureza
Deformado a
frio e recuperado Novos grãos
Tamanho
de grãos

Recuperado Recristalizado

Aumento de temperatura

Figura 2. Efeito do recozimento na alteração da estrutura e propriedades me-


cânicas de um metal em função do aumento da temperatura.
Fonte: Adaptada de Smith e Hashemi (2012, p. 184).
Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação 5

Variáveis observadas no processo de recristalização, segundo Smith e Hashemi


(2012):
„„ a recristalização necessita do encruamento, uma deformação significativa anterior;
„„ a temperatura deverá ser maior para que se perceba o efeito em pequenas
deformações;
„„ o trabalho em temperaturas mais altas diminui o tempo de trabalho;
„„ quanto maior a deformação, menor o tamanho do grão formado e menor a tem-
peratura de trabalho;
„„ nos materiais de grãos maiores, a deformação deverá ser grande, tornando signi-
ficativa a recristalização;
„„ a adição de elementos de liga aumenta a temperatura de recristalização: quanto
mais puro o metal, menor será a temperatura de trabalho.

Veja o vídeo Properties and Grain Structure [Aprofundando


conhecimentos em propriedades de grãos e estruturas]
– legendado. Disponível em:

https://goo.gl/vPz9jB

Geração de calor nos processos de conformação


Segundo Weiss (2012), a maioria dos metais inicia o processo de conformação
por meio da fundição via fornos de aquecimento. Os tipos mais comuns são:
forno a cadinho, forno cubilot, forno elétrico e forno de indução. O metal é
transferido para o molde, derramado no canal de abastecimento. Na indústria
metalúrgica, metais e ligas darão forma a lingotes estacionários ou contínuos.
Na siderurgia, o gusa é produzido no primeiro refino; ao ser direcionado ao
alto-forno, por meio do coque metalúrgico, se transforma em ferro-gusa.
6 Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação

No convertedor, o ferro-gusa será refinado por meio de oxigênio e terá


suas propriedades químicas corrigidas, a fim de alcançar equilíbrio para
atender a determinadas especificações. Na fase seguinte, passa para o con-
versor, submetendo-se a uma transformação a aço-carbono, na qual ocorre
outra reação química que produz escória. Os fornos de arco elétrico e os de
indução favorecem melhor o controle da formação do aço, e podem servir para
a formação de aço-liga ou de aço-especial. Quando possível, aproveita-se a
energia e o calor desse processo e, em seguida, o material é disposto em canais
refratários, sendo distribuído na lingoteira. Os processos primários que estão
relacionados a essa etapa são: laminação, extrusão, trefilação, forjamento e
estampagem.
O máximo aproveitamento da energia inicial de fundição para a realização
dos produtos e subprodutos diminui o custo da necessidade de reaquecer.
Trabalhar a frio pode resultar na alteração das propriedades mecânicas, o que
exigiria novos tratamentos térmicos.
Segundo Schaeffer (2009), para conhecer os problemas de conformação
mecânica, precisamos primeiro conhecer os parâmetros de tensões, deforma-
ções, velocidades de deformações, atrito e geração de calor ou condutividade
térmica.
Para saber sobre o calor gerado, devemos conhecer o atrito, muitas ve-
zes associado ao consumo de energia, desgaste de ferramentas, aumento da
temperatura etc. O atrito é importante nos casos de laminação e forjamento.
Existem tabelas de parâmetro que devem ser verificadas in loco, no entanto,
temos, de acordo com Schaeffer (2009), algumas referências:

„„ laminação a frio: entre 0,03 e 0,07 / a quente: 0,2;


„„ forjamento a frio: entre 0,05 e 0,1 / a quente: entre 0,05 e 0,2.

Quanto à transferência de calor, deve ser considerada a ocorrência da


condução, da radiação e da convecção térmica. Hoje, muito desses cálculos
são feitos com simuladores de processos. Os cálculos das grandezas envolvidas
são complexos, sendo necessário o conhecimento do coeficiente de condutibi-
lidade térmica (λ) e do calor específico (cp) em diversas temperaturas. Além
disso, devemos considerar o coeficiente de transferência de calor (α) entre os
corpos em contato e o ar.
Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação 7

Simulações. A conformação mecânica é um processo antigo; tentar entender a ação e


os efeitos da variação das temperaturas sempre foi um desafio. Nas últimas décadas, a
simulação computacional permitiu um avanço nessas análises. Observe nas Figuras 3a
e b as simulações e veja, no primeiro momento, a variação heterogênea da temperatura
sendo considerada na peça e, no momento seguinte, essa mesma peça sendo forjada.

a)
Cilindro de alumínio
Altura inicial: 80 mm Temperatura (ºC)
Diâmetro inicial: 40mm
350

Temperatura 10 s a ar
inicial Convecção: 347
350 ºC 0,0 kW/m2 ºC

345
b)
Temperatura (ºC)
v = 50 mm/s 445
v = 50 mm/s

395

I II 345

Figura 3. a) Distribuição de temperaturas em um tarugo de alumínio, inicialmente


aquecido, de forma homogênea, até 350 °C e resfriado a ar por 10 segundos. b)
Gradiente de temperatura de tarugo de alumínio aquecido até 350 °C e resfriado
por 10 segundos, sem troca de calor entre as matrizes e a peça, em que: I. Forjado
até 20 mm de deslocamento da matriz superior; II Forjado até o final.
Fonte: Adaptada de Silva et al. (2017).
8 Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação

Efeitos da temperatura sobre os processos


de conformação
Quanto aos efeitos da temperatura sobre os processos de conformação, podemos,
de acordo com Chiavenini (1986), observar as características dos principais
métodos e classificá-los em três parâmetros: a) frio atuando em temperaturas
de zero a 30% da temperatura de fusão; b) morno atuando entre 30 e 50% da
temperatura de fusão; e c) quente, acima de 50% da temperatura de fusão.
Na fundição, salvo a condição inicial da siderúrgica ou metalúrgica, ob-
servamos industrialmente a fundição sob pressão, utilizando o sistema de
injeção, que pode ser de dois tipos básicos:

„„ em câmara quente: o material se funde a baixa temperatura e o peso


das peças é de até 25 kg;
„„ em câmara fria: utilizadas, em geral, no alumínio, no magnésio e no
cobre, funcionam através de um sistema de bombeamento que empurra
o material despejado por uma panela, até alimentar a cavidade.

No processo de fundição por centrifugação, onde se despeja metal líquido


e o molde centrifuga, o sistema de alimentação é externo, alimentado por
meio de panela.
Na fundição de precisão é utilizado um molde cujo modelo é revestido de
modelo consumível. O metal vazado se torna igual ao modelo. Exemplos de
peças feitas por fundição de precisão são: materiais da indústria aeronáutica,
ligas de aço e alumínio, ligas de magnésio, equipamentos aeroespaciais,
equipamentos eletrônicos etc.
Na fundição contínua são produzidas peças longas em diversos formatos
padrão. Na laminação, trabalha-se a quente e a frio.
As características a quente são:

„„ emprega menor esforço mecânico;


„„ a estrutura refinada possui melhor tenacidade, reduzindo propriedades
mecânicas;
„„ elimina melhor as impurezas, diminui a porosidade e deixa o material
mais resistente em uma direção;
„„ deforma mais profundamente o trabalho, podendo recristalizar;
„„ exige materiais na construção resistentes ao calor;
„„ facilita a oxidação do material;
„„ dificulta o trabalho a curta tolerância;
Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação 9

„„ produz o defeito casca de laranja, propenso a produzir superfícies


ásperas.

No forjamento, o processo de conformação é realizado por meio de pren-


sagem ou martelamento.
A temperatura máxima é a de fusão do material: se for alta, pode oxidar;
se for baixa, favorece o encruamento. Quanto mais mole, mais alta será a
temperatura, e com isso mais deformação o material aceitará.
Na estampagem, as operações de conformação são geralmente a frio. As
operações são, basicamente:

„„ corte;
„„ dobramento e encurvamento;
„„ estampagem profunda.

É importante saber mais sobre a utilização de dados sobre


materiais em simuladores computacionais de conforma-
ção mecânica.
Acesse o link https://goo.gl/TpNS8n e veja as tendên-
cias para o futuro!

Existem vantagens e desvantagens ao se trabalhar a frio, a morno ou a quente, pois


cada caso tem uma aplicação conveniente. Por exemplo, na condição morna, o material
tem um alívio de tensões, mas não se dilata tanto. Observe a seguir as vantagens e
desvantagens do trabalho a quente, segundo Rocha (2012).
Vantagens do trabalho a quente:
„„ requer menos energia, pois a tensão de escoamento decai junto com o aquecimento;
„„ proporciona ductilidade, melhor performance em escoar;
„„ leva à homogeneização da estrutura, favorecendo a eliminação de contaminantes;
„„ elimina bolhas e poros;
10 Conformação mecânica: efeitos da temperatura na conformação

„„ torna os grãos mais uniformes e equiaxiais e diminui a granulação;


„„ melhora a tenacidade.
Desvantagens do trabalho a quente:
„„ gera gasto de energia e uso de equipamentos especiais resistentes ao calor;
„„ tem propensão à oxidação nos metais e promove a descarbonatação superficial
nos aços, perdendo dureza superficial;
„„ a formação de óxidos dificulta aplicação de acabamento;
„„ gera maior dificuldade na manutenção e maior desgaste das ferramentas;
„„ a dilatação dificulta a verificação dimensional;
„„ as propriedades da estrutura são menos homogêneas, se comparadas a peças
feitas a frio, e depois recozidas.

CHIAVENINI, V. Tecnologia mecânica. 2. ed. São Paulo: McGraw-Hill, 1986.


ROCHA, O. F. L. Conformação mecânica. Belém: IFECT, 2012.
SCHAEFFER, L. Conformação mecânica. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2009.
SMITH, W. F.; HASHEMI, J. Fundamentos de engenharia e ciência dos materiais. 5. ed.
Porto Alegre: AMGH, 2012.
WEISS, A. Processos de fabricação mecânica. Curitiba: Livro Técnico, 2012.

Leituras recomendadas
ASKELAND, D. R.; WRIGHT, W. J. Ciência e engenharia dos materiais. São Paulo: Cengage
Learning, 2014.
CALLISTER, W. D.; RETHWISCH, D. G. Fundamentos da ciência e engenharia dos materiais:
uma abordagem integrada. Rio de Janeiro: LTC, 2014.
MACHADO, L. P. M. Conformação dos metais: fundamentos e aplicação. Vitoria: IFES,
2008.
OLÍVIO, N. Introdução à engenharia de fabricação mecânica. 2. ed. São Paulo: Blucher,
2013.
VLACK, V.; HALL, L. Princípios de ciência e tecnologia dos materiais. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1984.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:

Você também pode gostar