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Barbosa

RELATO LMS
DE EXPERIÊNCIA

Avaliação psicopedagógica –
a leitura e a compreensão de textos
como instrumentos de aprender
Laura Monte Serrat Barbosa

RESUMO - Este texto tem como objetivo mostrar que é possível modificar
o foco da avaliação de um aprendiz que, por algum motivo, não corresponde
aos critérios de avaliação da sociedade. Ao avaliar a aprendizagem, em
vez de levantar dificuldades, é possível compreender o funcionamento de
quem aprende para que possa tomar consciência de sua forma de aprender
e desenvolver estratégias para superar dificuldades. Apresenta-se um dos
trabalhos desenvolvidos em quase duas décadas, na Síntese – Centro de
Estudos da Aprendizagem, a respeito da avaliação da leitura, utilizando um
instrumento que foi construído por sua equipe de psicopedagogas, a partir
do trabalho iniciado na década de 1990 por Geraldine Franco de Oliveira
Miraglia. O instrumento criado e aperfeiçoado nesse período denomina-se
Quebra-Cabeça de Texto e tem como uma de suas principais finalidades
a reconstrução de um texto, observando-se indicadores linguísticos e,
sobretudo, uma conversa com o aprendiz para entender como chegou
àquele resultado, suas facilidades e dificuldades e o que compreendeu do
texto. Trata-se de colocar o aprendiz em situação de leitura e observá-lo
no desempenho da tarefa. O texto propõe a observação de critérios para
análise do processo de leitura e a forma de organizar o material, para que
essa forma de avaliar não artificialize o processo de leitura do aprendiz.

UNITERMOS: Avaliação. Leitura. Aprendizado. Compreensão. Co­mu­


nicação.

Laura Monte Serrat Barbosa – Mestre em Educação, Correspondência


es­pecialista em Psicologia Escolar e da Aprendizagem, Laura Monte Serrat Barbosa
formada em Clínica Psicopedagógica, formada em Rua Mauá 838, ap. 1002 – Curitiba, PR, Brasil
Teoria e Técnica de Grupos Operativos; Síntese – Centro CEP: 80030-200
de Estudos da Aprendizagem, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: lauramserrat@hotmail.com

Rev. Psicopedagogia 2017; 34(104): 196-215

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LEITURA E COMPREENSÃO Assim, a aprendizagem da leitura precisa ser


Um dos principais recursos para a aprendi- entendida como uma aprendizagem que envol-
zagem é a linguagem escrita – complexo ins­ ve o ser que vive, sente, pensa e comunica-se;
trumento simbólico criado no percurso da histó- com isso, vai contribuindo para o delineamento
ria da humanidade, que possibilita registrar as de uma forma própria de pensar o mundo, de
experiências vividas e tomar conhecimento de abordá-lo e de experimentá-lo, para provocar
acontecimentos ocorridos com outras pessoas, em um crescimento individual e relacional. Ler é
outros espaços e em outros momentos históricos. uma aprendizagem bastante solitária no que se
Apesar de ser instrumento de aprendizagem, refere à leitura como: experiência formadora de
a linguagem escrita também necessita ser apren- um ser amante da sua condição de relacionar-se
dida, e sua aquisição acontece desde a aproxi- com autores de várias épocas, com personagens
mação do aprendiz com o objeto de aprendiza- que apresentam os mais diversos comportamen-
gem até o momento que ele processa a leitura, tos, com contextos naturais e culturais distintos
interpretando-a a partir de suas experiências e que passam a povoar seu mundo subjetivo de
conhecimento de mundo. forma simbólica; de um ser pensante capaz de
Louise Rosenblatt, citada por Smith1, diz criticar, de fazer relações, de construir uma teoria
que há duas maneiras de um leitor proceder a de mundo, de transformar a realidade a partir
sua leitura: para obter informações e para viver do que pensa, e também se transformar como
a experiência. “A distinção entre informação e ser humano situado nesse mundo; de um ser
experiência é importante porque as duas são
operante capaz de aprender a leitura como um
fortemente confundidas na área educacional.
instrumento que possui função social importan-
Livros e outros textos que deveriam ser lidos para
te, sendo que uma delas está ligada à linguagem
a experiência são tratados somente como fontes
escrita que informa, comunica e possibilita a
de informação. Rosenblatt disse que isso ocorre
expressão de ideias, sentimentos, fatos etc.
por ser mais fácil dar nota aos leitores com base
O leitor maduro, segundo Kleiman3, possui
na informação que se espera que adquiram do
uma flexibilidade tal para a leitura que a realiza
que com a base na experiência que poderiam
tendo em vista o que necessita do material a
desfrutar. Ela ironizou tal abordagem no título
ser lido. Por exemplo: se precisa saber apenas
do artigo, chamado de Que Fatos Este Poema
o nome de alguém que está citado em um tex-
lhe Ensina”1.
Além disso, Foucambert2 também alerta que to, passa os olhos até perceber os indicadores
a importância da escrita não se encontra no seu que apontam para ele, anota-o rapidamente e
papel informativo, de comunicar e expressar, mas afasta-se do texto; por outro lado, se necessita
no seu papel de formar o pensamento adaptado fazer um bolo, lê o texto e volta a ele sempre que
às novas necessidades do mundo. Comunicar e necessário para selecionar os ingredientes, para
expressar o quê? Essa passa a ser a questão. “[...] ver a ordem de colocação no recipiente etc.; se
sim, a escrita é um meio de expressão e de comu- deseja fundamentar uma experiência, lê os au-
nicação. Mas de quê? De algo que não existiria tores selecionados, grifando os elementos que
sem ela? É preciso situar essa questão num ponto interessam para essa tarefa, e organiza em fichas
anterior às funções de comunicação e de expres- de leitura todos os dados necessários para a es-
são – para as quais a escrita abre simplesmente crita posterior; se deseja deleitar-se, alimentar
um registro novo – ou seja, situá-la entre os ins- sua vida subjetiva, busca na literatura o tipo de
trumentos e as ferramentas de pensamento que texto e o estilo que mais lhe agrada. Cada texto
possibilitam operações intelectuais particulares; exige do leitor uma atitude, e quanto maior for a
distante, portanto, daquilo que já se comunica e consciência que possui sobre o seu objetivo com
expressa sem ela.”2. a leitura, mais eficiente ele torna-se.

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Aprender a ler e a escrever requer, dessa que ler é decodificar e decifrar e de que existem
forma, a aproximação afetiva do texto, o desejo formas de avaliação do leitor, por meio de testes,
de satisfazer as curiosidades e a aprendizagem que podem fazer a diferença na aprendizagem.
de habilidades cognitivas e metacognitivas que A leitura utilizada na escola como forma de
tragam agilidade para a aprendizagem. avaliação ou a busca de testes de leitura com a
Um leitor eficiente, portanto, não é aquele que justificativa de entender por que uma pessoa
lê o que o texto comunica e entende, mas aquele possui dificuldade de extrair o sentido daqui-
que é capaz de significar o texto a partir da sua lo que lê podem ser elementos inibidores do
visão de mundo, dos seus conhecimentos; então, desenvolvimento do leitor. A prática da leitura
pensa, relaciona, critica, conclui e, principalmen- em voz alta, por exemplo, é justificada pelo
te, interpreta a partir de um sentido subjetivo, que avaliador pelo fato de poder ver se o leitor está
modifica o meio, mas também o modifica. compreendendo ou não o que lê e, ao mesmo
A flexibilidade de um leitor eficiente é apren- tempo, se ele utiliza-se dos recursos de leitura
dida no desenvolvimento do leitor desde os de forma correta, como a pontuação, a entonação
primeiros contatos com a escrita. Para Smith1, e a pronúncia das palavras.
as pesquisas que mais esclarecem sobre o de- Kleiman3, ao referir-se à leitura oral como
senvolvimento da compreensão da linguagem elemento de avaliação da compreensão, escre-
escrita foram realizadas por sociólogos e antro- ve: “Este é outro tipo de prática que inibe, ao
pólogos. “Duas das principais descobertas destas invés de promover, a formação de leitores. Nas
pesquisas são as de que as crianças, em todas primeiras séries, caracteriza-se essa prática por
as culturas, desenvolvem compreensões para as tal preocupação de aferimento da capacidade de
formas de linguagens escritas antes de irem à leitura, que a aula se reduz, quase que exclusi-
escola, e que estas compreensões estão baseadas vamente, à leitura em voz alta. A prática é justi-
no significado e utilização. [...] O que as crianças ficada porque permitiria ao professor ‘perceber
aprendem e pensam [...] é amplamente determi- se o aluno está entendendo ou não’, apesar de
nado pelas práticas e atitudes das pessoas à sua sabermos que é mais fácil perder o fio da estória
volta. [...] Existe uma documentação extensiva quando estamos prestando atenção à forma, à
sobre a impressionante capacidade das crianças pronúncia, à pontuação, aspectos que devem ser
de extraírem sentido da linguagem escrita, sem atendidos quando lemos em voz alta.”.
a instrução formal [...].”1 Outras formas de avaliação que podem ser
Nesse sentido, a aprendizagem realizada inibidoras dizem respeito às perguntas que se-
no cotidiano familiar passa a ser, também, um guem a leitura para medir a compreensão do tex-
requisito importante na formação do leitor. to, aos resumos que são solicitados após uma lei-
A escola formaliza a aprendizagem da lingua- tura ou mesmo às avaliações que são realizadas
gem escrita e, como tal, deve exercer, também, a partir do número de páginas do livro escolhido
o papel de mediadora, como prevê a concepção pelo leitor. Além de inibir o desenvolvimento do
alternativa de leitura na qual aquele que promo- aprendiz como leitor, essas formas de avaliação
ve a aprendizagem do outro serve de mediador podem desmotivar e relacionar a leitura com o
entre o aprendiz e o autor do texto a ser lido. dever, e não com o desejo, de buscar respostas
aos objetivos e intenções daquele que lê.
DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM DA Smith1 diz que os testes são situações arti-
LEITURA ficiais que dão aos protagonistas da escola, e à
Hoje em dia, no entanto, tem-se percebido família, uma ideia distorcida do que seja leitura;
uma dificuldade para a formação do leitor, prin- além disso, não podem fazer nada de objetivo
cipalmente nas instituições de ensino. Isso pode para aqueles que não apresentam o desempenho
ter a ver com a concepção, ainda vigente, de esperado na leitura.

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Além do mais, nos dias atuais, é preciso olhar os aprendizes para avaliações diversas ou para
para a forma como as pessoas aprendem e satis- programas repetitivos, que consideram a deco-
fazem suas curiosidades sem, necessariamente, dificação como o elemento mais importante do
precisarem da linguagem escrita. A linguagem ato de ler.
que se utiliza de imagens, movimentos, textos
orais e escritos acompanhados com a música, AVALIAR SEM ARTIFICIALIZAR
como a da TV, por exemplo, distancia o aprendiz Segundo alguns estudos de fundamentação
da aprendizagem da leitura. Se não houver uma construtivista, a melhor forma de avaliar um
experiência significativa que o envolva, dificil- leitor é acompanhar seu desenvolvimento dia-
mente um aprendiz que não tenha aprendido riamente, conversar com ele sobre o que leu,
a mágica de produzir seu próprio filme a partir contar a sua forma de compreender, ler para
da leitura, vá buscá-la como um instrumento que ele possa compreender e comparar as dife-
primeiro de compreensão de mundo. rentes formas de abordar o texto, pensar sobre
Muitos aprendizes, hoje, estão sendo ta- as possíveis compreensões daquela escrita,
chados de maus leitores ou de portadores de sem a preocupação de quantificar a leitura ou
dificuldades para aprender a ler e a escrever categorizá-la rigidamente.
por dominarem e viverem a sua experiência com Na Síntese – Centro de Estudos da Aprendi­
outros símbolos, outros códigos que não possuem zagem (Curitiba, PR) –, a avaliação de como
a linguagem escrita como elemento principal. uma pessoa aprende é realizada num enfoque
Essa interpretação de que a existência cada sistêmico4. Inclui a compreensão de como um
vez maior de leitores não eficientes deve-se a aprendiz processa a leitura e a relação que
transtornos ou dificuldades dos aprendizes e faz com o que compreende do que lê e com o
de que cada vez as pessoas leem menos tem conhecimento que já construiu, assim como a
promovido estudos de como o cérebro funciona compreensão de como pensa, o que pensa e age
para a aprendizagem da leitura, de como se a partir do que leu.
processa a significação do signo, de qual é o Nessa ótica, a Equipe da Síntese considerou,
papel da memória na aprendizagem da leitura na construção do seu processo avaliativo, o modo
e da sua compreensão, de quais são as estraté- como a escola daquele aprendiz lidou com as
gias que devem ser desenvolvidas pelo aprendiz pautas formais na sua aprendizagem leitora,
para que possa proceder a leitura e fazer o maior assim como a valorização que a família deu e dá
aproveitamento possível dessa habilidade, além à aprendizagem da leitura na sua história. Nesse
de outros estudos. processo, foi necessário passar pela observação
Nesse momento, então, aumenta a produção de como escola e família mediam o aprendizado
de testes de leitura, que vão auxiliando a com- junto aos aprendizes, e pela consideração de
preensão a partir das respostas que os leitores como elas avaliam e corrigem o desempenho
dão a eles. leitor do aprendiz. Outro recurso foi observar o
No entanto, encontrar as deficiências de leitor em situação de leitura, observando alguns
leitura para poder ensiná-la pode não ser uma critérios que logo serão destacados.
boa forma de compreender as dificuldades de
uma pessoa que, por algum motivo, não está AVALIAÇÃO DE UMA DIFICULDADE OU
conseguindo ler da maneira esperada e nem COMPREENSÃO DE UM FUNCIONA-
compreender o que lê. MENTO?
Muitas escolas e famílias, quando se deparam Fazer uma mirada que compreenda o apren­
com alunos e filhos “mau leitores”, descartam a diz como uma pessoa localizada em um tempo,
questão do contexto, do interesse, da experiên- situa­da e única, relacionada e solitária, pos-
cia leitora e da leitura de mundo e encaminham suidora de um organismo com características

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próprias e uma história singular exige do obser­ esquemas de aprender, fatores perceptivos, lin-
vador um olhar chamado, por Visca5, de “olhar guísticos e os interesses do aprendiz; o objetivo
ingênuo”, ou seja, um olhar desprovido de da leitura para aquele leitor, naquele momento;
escalas, de conceitos pré-estabelecidos e de jul- e as pautas formais do estudo do processo de
gamentos classificatórios. Essa ingenuidade, no aquisição das habilidades cognitivas e meta­
entanto, não despreza o conhecimento e, muito cognitivas necessárias para a leitura.
menos, a sua utilização para a análise do que Os instrumentos para essa compreensão não
foi observado. O olhar em relação ao aprendiz podem ser testes padronizados, que esperam
é ingênuo, pois vamos conhecê-lo a partir do uma determinada resposta, independente de
momento em que ele chegar, apresentado por si todos os elementos constantes no parágrafo an-
mesmo, sem preconceitos de qualquer ordem. É terior. Pensando nisso, Geraldine Miraglia, fono-
assim que pensamos e fazemos a avaliação da audióloga e psicopedagoga da Síntese, no final
aprendizagem na Síntese. da década de 1990, criou alguns instrumentos
A avaliação da experiência leitora do apren- dinâmicos que eram elaborados a partir de um
diz, portanto, não foge dessa visão, nem da conhecimento prévio do aprendiz, numa entre-
forma de pensar e fazer o processo avaliativo vista realizada pela equipe da Síntese durante
na Síntese. os processos avaliativos (EOCA – Entrevista
Ao pensar a avaliação do processo de aqui- Operativa, Centrada na Aprendizagem –, ins-
sição e construção da linguagem escrita por trumento criado por Jorge Visca5 com o objetivo
meio da leitura e sua compreensão, questiona- de levantar hipóteses sobre o funcionamento do
-se: “Como avaliar o desempenho leitor de um aprendiz para aprender).
aprendiz sem artificializar demais o processo de Quando a equipe reunia-se para discutir a
investigação?”; “Como observar e avaliar o seu EOCA de um determinado aprendiz e levantar
funcionamento para ler e compreender textos?”; as hipóteses sobre sua forma de aprender e sobre
“Como constatar a forma e a intensidade com os obstáculos à sua aprendizagem, Geraldine
a qual o leitor vincula-se aos textos?”; “Como era responsável pela avaliação de linguagem
perceber o uso que faz da língua escrita para e organizava instrumentos específicos para
vivê-la como experiência e significar a partir da aquele sujeito. Esses, aos poucos, foram sendo
sua experiência?”; “Como avaliar o pensamento, sistematizados quanto ao uso, sem tornarem-se
a compreensão e a comunicação em situações instrumentos generalizados que fossem utiliza-
mais autênticas, menos controladas por medidas dos com um mesmo grupo de aprendizes, mas
e valores?” mantendo uma estrutura comum, independente
Estudou-se sobre a aprendizagem de leitura, do texto que se utilizasse para aproximar o leitor
fundamentando-se numa visão socioconstruti- da situação de leitura.
vista da aprendizagem, e foram nascendo alguns Nas discussões de equipe, naquela época, os
instrumentais para mediar essa observação. instrumentos iam se aperfeiçoando na interação
No caso dessa fundamentação, para com­ com outros instrumentos utilizados, tais como: o
preender o processo de leitura de um aprendiz, é Diagnóstico Operatório e as Técnicas Projetivas
necessário considerar: a função social da escrita; Psicopedagógicas. O Quebra-cabeça de Texto, a
a função de formadora do ser pensante; a leitura Leitura de Manchetes, a Leitura de Propaganda
como experiência objetiva e subjetiva; o sentido ou Publicidade, e a Compreensão de Texto por
do que é lido a partir da experiência do leitor; o meio de Duas Leituras foram alguns deles.
aprendiz inscrito em seu contexto; as relações Geraldine, no entanto, não deixou nada escri-
entre esses aspectos no decorrer da história do to depois que se afastou dessa área profissional,
aprendiz; as questões ligadas ao aprendiz, tais a não ser a mensagem de que se pode perso-
como a experiência leitora, a teoria de mundo, os nalizar avaliações se forem claros os critérios

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avaliativos que são utilizados. Nesse sentido, encontramos o material a ser lido: na cidade –
seguia o espírito da Epistemologia Convergente, painéis, gôndolas, bancas, livrarias e bibliotecas,
na utilização de EOCA, por exemplo, que avalia na escola – murais, painéis de avisos, biblioteca,
o sujeito em “situação de aprendizagem”; nesse centro de documentação, na rede de computado-
caso, avalia em “situação de leitura”. Com o res e outros, na aula – canto de leitura, murais,
tempo, os recursos foram sendo utilizados por portfólios, cadernos, pastas, Internet e outros”7.
outras pessoas, divulgados em cursos e, aos Tais competências podem se tornar referência
poucos, alguns foram perdendo as características de análise da leitura e do leitor na medida em
iniciais, aquelas acompanhadas por nós desde o que vamos observando, em sua ação, os indi-
primeiro momento. cadores que ele nos dá desses conhecimentos
Com essa entrada de novas interpretações, o e do uso que faz deles. Esse conhecimento faz
instrumento foi se modificando e modificando, do indivíduo um leitor eficiente ou acaba por
também, suas possibilidades; porém, o registro obstaculizar sua aprendizagem.
histórico faz-se necessário, pois os avanços só O leitor manipula o livro utilizando os conhe-
podem ser percebidos na medida em que co- cimentos. Por exemplo, procura o nome do autor,
nhecemos a sua origem. do ilustrador, observa a presença da editora? Ao
aproximar-se do material, refere conhecimento
CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DO PROCES- prévio sobre ele ou algo similar? Comenta sobre
SO DE LEITURA a ida a bibliotecas, por exemplo, ou a livrarias?
O processo de leitura vai se desenvolvendo ao Comenta sobre buscas de material literário ou
longo da vida do leitor. Apesar de não existirem de estudo no espaço da Internet? Traz outros ele-
ações específicas para cada idade, e sim ações mentos similares aos destacados na competência
decorrentes do desenvolvimento já atingido, é cultural, similares aos apresentados? Quais?
possível delinear algumas competências leitoras Além dessas, há outras questões que podem
que podem ser observadas em situações autên- nos informar sobre as experiências leitoras do
ticas de leitura e contribuir para os critérios de aprendiz e de sua família, no sentido de perceber
análise do observador da ação leitora. motivações e ampliar suas vivências a respeito
Jolibert6 destaca três grandes competências dos locais de leitura, dos suportes e dos vários
que podem nortear o nosso trabalho: competên- tipos de textos, de tecnologias para produzi-los,
cias culturais, operações mentais e competências editá-los e imprimi-los.
linguísticas. As operações mentais que são necessárias
As competências culturais dizem respeito para a leitura e compreensão não são específicas
a descoberta, exploração e conceituação dos das situações de leitura, mas podem ser identifi-
elementos do texto: “do mundo escrito como cadas durante a observação de um leitor em si-
um mundo profissional, no qual se encontram tuação de leitura e na interlocução a respeito do
os escritores, editores, distribuidores, os leitores tema lido, sentido, pensado e significado por ele.
compradores e leitores de biblioteca, os autores, Jolibert6 coloca uma relação dessas operações
ilustradores e outros; das múltiplas tecnologias: (depois se comenta como as operações podem
escrita manuscrita, digitada, edição de texto e aparecer em uma sessão de leitura): identificar,
impressão, cópias por fotocópia, impressão com isolar/relacionar, combinar, comparar, triar, clas-
jato de tinta, impressão gráfica e outras; dos sificar e seriar; induzir, deduzir; emitir hipóteses
vários tipos de textos: jornalístico, descritivo, e conferi-las; simbolizar, codificar, esquematizar
narrativo, expositivo; dos diferentes portadores e representar; reproduzir, transformar, transpor e
de textos: jornais, revistas, livros, catálogos, lis- inventar; memorizar e reinvestir; e outros.
tas, dicionários, CDs, DVDs, pendrives e outros, O leitor identifica ideias durante a leitu-
textos de diferentes formatos; dos locais onde ra? Comenta sobre elas com o interlocutor?

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Relaciona os temas com elementos da sua vida enunciação e suas marcas (pessoas, tempos,
ou com conhecimentos prévios? Compara ideias lugares), os substitutos (pronomes, sinônimos),
semelhantes ou diferentes? Organiza as ideias os elementos de ligação (conectores), os campos
pensando numa sequência lógica? Classifica semânticos – ligados ao sentido, ao significado,
temas, comenta sobre eles, tria os elementos a pontuação do texto; linguística da frase: sinta-
do texto que lhe possibilitam uma síntese? xe – classes, grupos, relações e transformações,
Tira conclusões? Antecipa conclusões? Induz vocabulário – escolhas lexicais e as palavras em
o interlocutor a mudar o seu ponto de vista? contexto, ortografia dita gramatical – que pode
Levanta hipóteses antes de iniciar a leitura, ser aproveitada dela para o sentido, pontuação
considerando, por exemplo, o sentido que dá de frases; palavras e suas microestruturas –
ao título? Confere, durante a leitura, as suas maiús­culas e minúsculas e relação grafema/
hipóteses, corrigindo-as? Compreende o valor fonema; microestruturas sintáticas, marcas no-
simbólico das palavras e tira partido disso para minais (concordância dos elementos: número,
compreender o que lê? Faz esquemas enquanto gênero, tempo verbal), microestrutura semânti-
lê ou representa o que leu de alguma forma na ca: prefixos, sufixos e radicais.
interlocução? Apenas lê para reproduzir o que Como aparecem esses sete itens na dinâmica
leu? Imprime sua experiência para dar sentido da leitura? Que indicadores o leitor aproveita
à leitura? Inventa outras possibilidades a partir para melhorar sua proficiência?
do que leu? Memoriza com facilidade o que Outros elementos a serem considerados na
compreendeu? Retorna ao texto para completar análise da leitura de um aprendiz podem se
o seu processo de compreensão? Sabe voltar ao fundamentar nos estudos de Piaget sobre a
texto para buscar as informações necessárias? linguagem7.
Além desses, há outros questionamentos que Sobre as questões linguísticas, Piaget busca
podemos fazer a partir da observação de um investigar como o caráter egocêntrico do pen-
leitor em situação de leitura. samento infantil e de sua linguagem pode ter
Essas perguntas, no entanto, não farão parte relação com o raciocínio em geral. Esse caráter
de um inventário a ser seguido, anotado passo aparece, em seus estudos, como uma fase do
a passo, mas estarão presentes na mente do desenvolvimento da linguagem e do pensa-
observador para que ele possa compreender o mento que antecede o pensamento socializado.
processo do leitor e seu funcionamento, visando Até os 7 anos, aproximadamente, o sincretismo
à mediação entre o autor e o leitor. marca o pensamento da criança, e ela faz uma
Conforme Jolibert6, as competências lin- relação direta do pensamento com a observação
guísticas são trazidas em sete níveis: a noção imediata. A seguir, esse sincretismo passa a ser
de contexto: contexto de situação (como o texto um sincretismo verbal, desligado da observação
chegou ao leitor?), contexto textual (de onde foi imediata e cada vez mais abstrato7.
extraído – jornal, livro, fichário, poemas etc.) Num dos estudos que realizou com esse ob-
ou um texto autônomo (cartaz, carta, panfleto); jetivo, sobre o uso das conjunções, por exemplo,
conhecimento dos principais elementos da si- descobriu que a criança utiliza a conjunção e
tuação de comunicação: emissor, destinatário, a compreende de forma diferente daquela do
meta e o que está em jogo, objeto; tipos de adolescente.
texto – artigo, notícia, poema, receita etc.; su- Por meio da observação direta da lingua-
perestrutura do texto: de organização espacial gem das crianças (de 7 a 9 anos), de situações
e lógica do texto, de esquema narrativo (conto, provocadas para completar orações ou inventá-
lenda, fábula, novela, romance), de dinâmica -las, em situação de linguagem oral, escrita,
interna (abertura/encerramento e a progressão individualmente ou em situações coletivas, em
entre eles); linguística textual: as escolhas de relação às conjunções: de conexão causal e

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lógica – porque, portanto, então, mas, pois – e tacognitivas: estabelecimento de um objetivo


de discordância – apesar de, mesmo assim, explícito para a leitura; automonitoração da
embo­ra –, constatou o que foi sintetizado no compreensão, tendo em vista o objetivo já es-
Quadro 1. tabelecido.
Outro elemento da linguagem utilizado por Essas estratégias permitem que o leitor ava-
Piaget7 para analisar o pensamento formal, além lie a sua compreensão durante todo o tempo da
do uso das conjunções, foi o juízo de relação, leitura e seja capaz de ir encontrando meios para
pesquisado por ele nas frases absurdas. Ele per- obter a compreensão necessária.
cebeu que as crianças de 7/8 anos compreendem As estratégias metacognitivas possibilitam
melhor frases cujos temas são acontecimentos que o leitor: leia sabendo qual o objetivo de sua
e que são diretamente ligadas ao sentido real, leitura; identifique aspectos importantes no
mas apresentam dificuldades relativas a juízos texto, que possibilitam uma maior compreen-
imediatos, pois isso pede para que saiam do são, e coloque maior atenção aos pontos mais
plano da ação para o plano verbal. importantes; monitore-se para ver se a forma
As definições das noções, de família e de de leitura que escolheu está lhe possibilitando
país também deram a Piaget7 subsídios para a a compreensão; retome a tarefa para correção e
análise do pensamento lógico. Nesse estudo, ele questionamentos, visando ao objetivo específico
percebeu, em relação à noção de família, que daquela leitura; busque ações corretivas, quando
somente aos 11 anos a criança faz uma definição necessário, e seja capaz de retomar a atenção em
generalizada a todos os parentes, libertando-se momentos de distração.
do seu ponto de vista imediato e realista. No Nesse sentido, durante uma observação de
que se refere à definição de país, a criança faz um leitor, é possível perceber se ele utiliza-se
a relação entre parte/todo por volta dos 11 anos. dessas estratégias e se elas estão auxiliando no
Outra questão importante, necessária para seu processo de compreensão.
que o mediador e/ou avaliador entenda o leitor As estratégias cognitivas, por sua vez, se-
e possa analisar a sua leitura para perceber gundo Kato8, dizem respeito ao comportamento
como ele conversa com o autor, diz respeito às inconsciente e automático do leitor em busca da
estratégias trazidas por Kleiman3. Segundo a compreensão, o qual ele não percebe e, por isso,
autora, as estratégias metacognitivas seriam as quando inquirido, não consegue explicar como
ações realizadas pelo leitor com algum objetivo fez. Conforme a autora, dois princípios parecem
em mente, sobre as quais ele possui o controle reger o comportamento inconsciente na leitura.
consciente para perceber-se durante a leitura Princípio de canonicidade – é aquele a partir
e assumir as ações necessárias em direção à do qual o leitor espera no texto a ordem natural
compreensão do texto. da escrita. Por exemplo, no nível sintático – su-
Tanto Keilman3 quanto Kato8 discutem que, jeito / verbo / objeto, oração principal / oração
na ação de ler, são usadas duas estratégias me­ subordinada; no nível semântico, o animado

Quadro 1 – Uso das conjunções.


Idade Conjunção Uso
7/8 anos - Porque, pois que (porque empírico - Uso imperfeito; confunde com motivação psicológica.
e porque de justificação lógica). - Oscila entre a relação de consecução e a relação causal.
- Portanto. - Na linguagem espontânea, o “então” exprime ligações
vagas, indiferenciadas; a frequência não está ligada à
idade.
11/12 anos - Apesar de, mesmo assim, embora. - Aparece na linguagem provocada.

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antes do inanimado, o agente antes do paciente, abordar o texto; portador de uma atualidade que
a causa antes do efeito, o positivo antes do ne- permite buscar temas de interesse, já que o texto
gativo, a tese antes da antítese e outros. Quando escolhido é um texto que está circulando exa-
isso não acontece, inconscientemente, o leitor tamente no momento histórico em que a leitura
faz correções, ou deforma a compreensão do está sendo feita.
texto, por esperar, por exemplo, que a oração
subordinada que apareceu em outra ordem, seja Preparação do texto
a principal. De um jornal da semana, seleciona-se um
Princípio da coerência – a partir dele, o leitor texto que esteja ligado ao interesse do aprendiz,
busca no texto: a presença de um nível mais que possua uma manchete provocadora e que
global – a intenção maior do autor –; um nível contenha elementos de conteúdo que possam
local – relacionado ao que o autor intencionou ser significados pelo leitor. O texto precisa de-
fazer numa parte do texto –; o temático – ligado notar: o que Jolibert6 chamou de competências
ao uso recorrente de um mesmo tema no decorrer culturais; os elementos linguísticos por meio
do texto. A ordem diferente desses níveis pode dos quais possam mostrar suas competências
interferir na compreensão do leitor; dessa inter- linguísticas; os elementos que possibilitem co-
ferência, pode decorrer uma leitura equivocada locar em prática suas operações mentais e suas
ou uma compreensão distorcida. estratégias cognitivas e metacognitivas. Além
disso, na seleção dos textos, deve-se considerar
INSTRUMENTO PARA A OBSERVAÇÃO a idade, o sexo, a escolaridade, o acesso à cultura
DO LEITOR E A COMPREENSÃO DO SEU e ao conhecimento sistematizado.
FUNCIONAMENTO PARA APRENDER Por exemplo: um garoto de 13 anos, da 7ª sé-
rie, mostrou na EOCA uma grande facilidade de
O instrumento de avaliação de leitura, Que-
pensar sobre o mundo de forma mais filosófica.
bra-cabeça de Texto, criado e recriado pela Equi-
Mostrou-se amante do cinema e interessado em
pe da Síntese, traz a compreensão atual, que
algumas bandas de música. Possui acesso à cul-
pode não corresponder à forma como eles foram
tura, por mais variados meios, e é filho único de
pensados no final da década de 1990, mas que
uma família de classe média alta. Estuda numa
carrega a mesma intenção socioconstrutivista
escola que promove o pensamento e possui uma
de não categorizar e nem rotular os aprendizes,
excelente fluência verbal.
e sim conhecer sua maneira de aprender para
Pode-se pensar, então, em alguns textos. Nesse
poder realizar a intervenção psicopedagógica
caso, este publicado na Gazetinha9, que fala
necessária.
sobre algumas bandas brasileiras (Figura 1).
Depois disso, compara-se às hipóteses levan-
Um pouco da história tadas na EOCA para a escolha definitiva do ma-
Esse é um recurso utilizado com crianças terial que servirá para montar o Quebra-cabeça
que já conseguem ler e foi criado utilizando-se de Texto, a fim de observar o leitor em ação.
o texto jornalístico, visto como: fonte de novida- Escolheu-se esse texto por ter mais elementos
des; instrumento que oferece variedade grande que pudessem chamar o leitor para a leitura, por
de informações e notícias que possibilitam a existirem várias formas complementares de notí-
relação entre manchetes e textos, manchetes e cia sobre a banda: fotos, explicação sobre a foto,
fotografias e/ou ilustrações, manchetes e interes- uma nota do jornalista que entrevistou e a notícia
ses do leitor, assim como diferentes opiniões na propriamente dita, o que facilita a compreensão
discussão pública de um mesmo tema polêmi- de como preparar um Quebra-cabeça de Texto.
co; passível de mobilizar as intenções do leitor, De posse do texto, corta-se o texto conside-
assim como de perceber as suas estratégias ao rando elementos linguísticos que o leitor poderia

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Avaliação psicopedagógica – Quebra-cabeça de Textos

Figura 1 – Texto escolhido para o Quebra-cabeça.

dominar, de forma que a recomposição do texto ses, hífens) como elementos auxiliares
seja possível apenas pela linguagem escrita, e para a compreensão do texto; observa
não pelo formato do corte (Figura 2). a pontuação na organização do texto;
Neste caso, os cortes foram realizados pen- conhece as microestruturas das palavras
sando em: no contexto como, por exemplo, o uso da
– competência cultural: levantando-se a letra maiúscula para iniciar o texto e após
hipótese de que esse menino possui expe- o ponto final; reconhece os conetivos e
riência com jornal, conhece a disposição usa adequadamente as conjunções coor-
de uma notícia que possui fotos e notas, denativas e as subordinativas;
sabe diferenciar a relação de importância – operações mentais realizadas durante a
entre a notícia e a nota, além de saber que montagem do quebra-cabeça: buscando-
uma foto pode ter uma explicação logo -se saber se ele faz uma triagem entre
abaixo dela; a manchete, a notícia e a nota; deduz a
– competências linguísticas ligadas à su- montagem da manchete; relaciona o texto
perestrutura de um texto jornalístico e da notícia à manchete; relaciona a expli-
organização do texto, respeitando esse cação da foto com a foto; emite hipóteses
conhecimento: buscando saber se ele durante a organização do texto; inventa
observa sinais gráficos (aspas, parênte- uma nova forma de dispor o texto, sem

Rev. Psicopedagogia 2017; 34(104): 196-215

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Barbosa LMS

Figura 2 – Partes do Quebra-cabeça.

que ele perca o formato próprio do texto Aplicação (recomendada para crianças com 9
jornalístico e outros; anos ou mais, adequando-se o texto para a idade
– estratégias metacognitivas: buscando-se e o interesse), com os procedimentos descritos
observar se o leitor coloca objetivos a si a seguir.
mesmo e se vai monitorando a sua ação 1) Entrega-se o material (um texto escolhido
para compreender melhor o texto e para exclusivamente – pelo interesse e pela
deixá-lo da forma como imaginou; atualidade do tema –, disponibilizado
– estratégias cognitivas: buscando-se per­ para que somente ele possa ser o autor,
ceber, durante toda a atividade, se o leitor significando-o naquela situação): título
se utiliza de estratégias cognitivas que fragmentado considerando a unidade
revelem a não existência ou o desenvolvi- palavra; texto fragmentado em: sinais de
mento das competências relatadas e, por pontuação, separação de sílabas, prepo-
isso, perde ou ganha na compreensão do sições, verbo (buscando a concordância
texto. verbal), situações em que seja necessária

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Avaliação psicopedagógica – Quebra-cabeça de Textos

a concordância nominal, de número e de mostrar a sua competência leitora. Obser-


gênero, conjunções e outros elementos – va-se a atitude do leitor e registram-se os
dependendo da idade da criança e do que aspectos considerados importantes, tendo
é esperado para sua idade em termos de em vista as competências já descritas.
habilidade linguística. 3) Solicita-se ao leitor que cole os pedaços da
A consigna10 a ser utilizada conforme a ava- matéria na ordem em que está colocada e,
liação do psicopedagogo pode ser de cenário ou posteriormente, conversa-se sobre a forma
autêntica. Consigna de cenário: “Faça de conta utilizada para realizar a tarefa e sobre o
que você é um jornalista editor, que está termi- conteúdo do texto organizado (compreen-
nando de editar sua matéria, e um vírus “descon- são, interesse pelo tema e opinião).
figura” o texto; sua tarefa é reorganizar a notícia, Na tarefa desse menino hipotético, o resulta-
utilizando todos os elementos que se encontram do pode ficar como mostrado (Figura 3), dando
sobre a mesa.”; Consigna autêntica: “Este texto uma série de indicadores que podem ser com-
foi recortado, formando um ‘quebra-cabeça de plementados por uma conversa.
texto’, e sua tarefa é fazer a montagem, utilizando Nessa conversa, solicitou-se que ele colasse
o material que está sobre a mesa.” os recortes da notícia em uma folha de papel e
2) Durante a atividade, não se faz nenhuma desenvolveu-se uma conversa sobre a tarefa,
intervenção previamente organizada, dei­ com algumas perguntas de caráter metacog-
xan­do-se um espaço para que o leitor possa nitivo e algumas relacionadas à significação

Figura 3 – Quebra-cabeça montado pelo sujeito.

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Barbosa LMS

do texto e à relação com a sua experiência: tarefa de ler, a forma como a mediação interfe­
“Como você fez essa tarefa?”; “Como sabia que re na compreensão do texto e na organização
o título era assim?”; “Como percebeu a ordem da tarefa, os mecanismos de planejamento, de
dos pedaços?”; “Do que trata a notícia?”; “Você autoavaliação, a consciência das falhas, a corre-
conhece essa banda?”; “Quais são as bandas ção, o grau de proximidade do universo escrito,
que você curte?”; “Como foi ser um jornalista a vinculação afetiva com as situações que en-
editor?”; além de outras que sejam pertinentes volvem a língua escrita.
ao momento da conversa, buscando-se perceber A partir desse estudo, definiu-se que esse
o seu funcionamento. instrumento de avaliação deve ser utilizado com
aprendizes a partir dos 9 anos até a idade adulta.
Estudo que norteou a sistematização do
Quebra-cabeça de Texto Quebra-cabeça de texto como instrumento
Foi feito um estudo específico, num período de avaliação do leitor
de quatro anos, com esse material de avaliação Na prática clínica da Síntese, continuou-se a
de leitura e continuou-se aperfeiçoando o ma- utilizar esse instrumento com textos jornalísticos,
terial por mais cinco anos, utilizando-o como retirados de jornais, de revistas de viagem, de
um instrumento de avaliação de linguagem no revistas organizadas para crianças e jovens. Às
espaço da clínica na Síntese e na orientação de vezes, usa-se somente o texto; às vezes, também
avaliação diagnóstica do Curso de Especializa- se usam fotos, tabelas e outros recursos, depen-
ção em Psicopedagogia da PUC-PR. Além disso, dendo da idade do leitor avaliado. Algumas
organizou-se um grupo de estudos em 2016 e vezes, utilizam-se desenhos ou margens que
2017, cujos trabalhos resultaram em críticas ao facilitam a montagem do texto, não pela leitura
instrumento e à forma de aplicação, assim como de signos, mas pela leitura de imagem, para ob-
sugestões para aperfeiçoamento. servação do comportamento do leitor: até onde
Apresenta-se, pois, um recorte desse material, os indicadores não linguísticos promovem uma
retirado dos quatro anos de estudo específico, não utilização de suas habilidades linguísticas
com dez aprendizes entre 6 e 17 anos de idade, ou até que ponto o leitor não se importa com as
com o objetivo de mostrar, a partir da própria dicas de imagem e trabalha apenas com as
aplicação e da fundamentação apresentada, a dicas que o texto pode oferecer?
organização dos elementos a serem observados Nas discussões de caso, a análise da aplica-
na aplicação do instrumento. ção dessa prova e a sua compreensão oferecem
Assim, é possível pensar como eles podem o movimento do leitor em situação de leitura; é
contribuir para traçar o percurso a ser seguido possível perceber, além do domínio da língua,
com o aprendiz no que tange à leitura, sua com- a forma como processa o seu entendimento, as
preensão e interpretação. ansiedades que surgem diante da montagem, em
momentos em que ele não encontra a peça que
ESTUDO COM CRIANÇAS DE DIFEREN- dá a continuidade que espera, ou quando encon-
TES IDADES (DEZ CASOS) E DIFERENTES tra mais de uma peça que pode ser utilizada para
PSICOPEDAGOGAS dar continuidade à parte do texto já montada.
Estes dez casos relatados (Quadro 2), e Constata-se que a conversa estabelecida com
mui­­tos outros estudados de forma qualitativa o leitor após a montagem do quebra-cabeça
des­de a década de 1990, permitiram que se or­ contribui, também, para a compreensão de seu
gani­zasse esse instrumento avaliativo, o qual funcionamento, quando se pergunta sobre como
permite perceber a forma como o aprendiz lida realizou a tarefa, o que foi fácil, o que foi difícil,
com a linguagem escrita, como também diver- o que fala o texto, o que contribuiu para que
sos aspectos, tais como: o envolvimento com a soubesse o tema do texto sem lê-lo totalmente

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Avaliação psicopedagógica – Quebra-cabeça de Textos

Quadro 2 - Estudo com crianças de diferentes idades (dez casos) e diferentes psicopedagogas
(quatro organizadoras do material).
Série
Ano Idade Sexo Texto Aspectos observados
Ano
2005 10 anos 4ª série M Chegou para Ordenação do título (+);
ficar Organização do texto no espaço (+);
Cross Utilização do indicador de início (+);
country Leitura completa do lead (+);
Percepção dos indicadores de continuidade (final de uma parte e
início de outra parte do texto), relação entre pontuação e letra
maiúscula (+);
Ordenação do texto (-), não houve corte em conjunção;
Compreensão do texto (parcial);
Leitura do texto (foi solicitada).
2006 12 anos 6ª série M Mais O título não foi segmentado;
planetas no Organização do texto no espaço (+), precisou aumentar a folha;
céu Utilização de indicador de início (+);
Indicadores de continuidade (final de uma parte e início de outra
parte do texto) separação de sílabas (+);
Uso de conjunção (-);
Ordenação do texto (-);
Compreensão do texto (+);
Leitura do texto (solicitada);
Percepção das falhas durante a leitura (+);
Mecanismo de autocorreção e reorganização durante a leitura (+).
2007 13 anos 5ª série M Bem-vindo Ordenação do título (-);
à Floresta Organização do texto (-);
Amazônica Utilização do indicador de início (-);
Percepção dos indicadores de continuidade (final de uma parte e
início de outra parte do texto), relação entre pontuação e letra
maiúscula (-);
Separação de sílabas (+);
Continua com verbo onde cabe um substantivo;
Coloca “que” onde cabe “de”;
Uso de conjunção (-);
Ordenação do texto (-);
Compreensão do texto (+); Mecanismo de autocorreção e
reorganização durante a tarefa (-).
2007 08 anos 3ª série M Jogador Falta experiência com texto jornalístico;
defendeu Dúvidas para iniciar;
mundo de Título não foi segmentado;
invasores Leitura completa do lead (-); Organização do texto no espaço
(precisou de ajuda);
Utilização do indicador de início (+);
Utilização de indicadores de continuidade (final de uma parte e
início de outra parte do texto), relação entre pontuação e letra
maiúscula (+);
Separação de sílabas (-);
Ordenação do texto (-);
Compreensão do Texto (-);
Leitura do texto (-);
Mecanismo de autocorreção e reorganização durante a tarefa (-).
continua...

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Barbosa LMS

...Continuação
Quadro 2 - Estudo com crianças de diferentes idades (dez casos) e diferentes psicopedagogas
(quatro organizadoras do material).
Série
Ano Idade Sexo Texto Aspectos observados
Ano
2008 17 anos 7ª série M Banda larga Título não foi segmentado;
no celular Organização do texto no espaço (+);
Utilização do indicador de início (+);
Percepção dos indicadores de continuidade (final de uma parte e
início de outra parte do texto), relação entre pontuação e letra
maiúscula (+);
Separação de sílabas (+);
Não há corte em conjunção;
Ordenação do texto (+);
Compreensão do texto (parcial);
Mecanismo de autocorreção e reorganização durante a tarefa (-).
2008 11 anos 5ª série M Eles não têm Ordenação do título (+);
hora para Organização do texto no espaço (+);
nada Utilização de indicador de início (+);
Indicadores de continuidade (final de uma parte e início de outra
parte do texto), relação entre pontuação e letra maiúscula (+);
Separação de sílabas (+);
Não foi feito corte em conjunção;
Uso de proposição (+);
Uso da vírgula (+);
Ordenação do texto (+);
Compreende a função do subtítulo e da legenda;
Compreensão do texto (+);
Leitura do texto (lê todo o texto espontaneamente, utiliza pouco
os indicadores do texto para a compreensão);
Percepção das falhas durante a leitura (+);
Mecanismo de autocorreção e reorganização durante a leitura (+).
2008 08 anos 3ª série M Aranha faz Primeira ordenação do título aleatória;
teia com fios Lê e arruma;
de proteína Ordenação no espaço (+-);
Indicadores de início (ajuda) e subtítulo (ajuda);
Indicadores de continuidade (final de uma parte e início de outra
parte do texto), relação pontuação letra maiúscula (-);
Separação de sílabas (-);
Sequência de numerais (+);
Sinais com perguntas (-);
Ordenação do texto (-);
Leitura (-);
Compreensão (-);
Mecanismos de planejamento, autocorreção e autorregulação (-);
Texto acima das possibilidades.
2008 08 anos 3º ano F Biblioteca Título não foi fragmentado;
na palma da Identifica função de título e subtítulo;
mão Ordenação do texto no espaço (com mediação);
Indicador de início (+);
Indicadores de continuidade (final de uma parte e início de outra
parte do texto), relação pontuação e letra maiúscula (-);
Lê o final e os inícios das partes, mas não é eficaz;
Ordenação do texto (-);
Compreensão do texto (parcial, pelo título e subtítulo);
Não usa mecanismos de leitura e autocorreção;
Texto acima das possibilidades.
continua...

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Avaliação psicopedagógica – Quebra-cabeça de Textos

...Continuação
Quadro 2 - Estudo com crianças de diferentes idades (dez casos) e diferentes psicopedagogas
(quatro organizadoras do material).
Série
Ano Idade Sexo Texto Aspectos observados
Ano
2009 06 anos 2º ano F A viagem O título não foi segmentado;
dos vegetais Ordenação do texto no espaço (+);
(texto Indicador de início (não havia no texto);
digitado em Indicadores de continuidade (final de uma parte e início de outra
caixa alta) parte do texto), uso do ponto e da vírgula (+);
Identifica o nome do autor;
Uso da preposição (+);
Compreensão (+);
Leitura (integral, não aproveita os indicadores para a
compreensão);
Pergunta quando precisa.
2009 13 anos 6ª série M O direito de Ordenação do título (+);
todos à água Ordenação do texto no espaço (+-), falta de planejamento;
Indicador de início (+);
Indicadores de continuidade (final de uma parte e início de outra
parte do texto), relação pontuação e letra maiúscula (+);
Separação de sílaba (+);
Utilização da preposição (+);
Não houve corte em conjunção;
Compreensão do texto (parcial – está no título e em partes que
leu do texto);
Leitura (+), espontaneamente.

ou de que outra forma poderia montar o texto regulação da sua forma de ler e compreender o
sem ter que lê-lo inteiramente. Essa conversa, que lê (Quadro 3).
que é muito diferente da conhecida relação de
perguntas para saber se o sujeito interpretou o GRUPO DE ESTUDOS SOBRE O QUEBRA-
texto lido, é muito rica; além de se perceber a -CABEÇA DE TEXTO
compreensão que teve do texto, observam-se as Em 2016, o Grupo de Estudos Refletir, coorde-
estratégias metacognitivas que utilizou naquela nado por Laura Monte Serrat Barbosa e observado
situação de leitura. por Simone Carlberg, na Síntese, formou-se para
A partir do estudo das dez crianças e da uti- estudar a avaliação psicopedagógica da leitura.
lização do instrumento no processo avaliativo Os temas foram: leitura e compreensão de textos;
desenvolvido pela Síntese, organizou-se um dificuldades na aprendizagem; avaliação em situa-
formulário com o intuito de analisar a leitura ção autêntica; avaliação para compreensão de um
realizada e as competências do leitor. Esse for- funcionamento; critérios para análise do processo;
mulário, no entanto, pode ser ampliado a partir instrumentos para a compreensão do leitor e com-
do uso do instrumento, já que ele não tem o ob- preensão de seu funcionamento para aprender
jetivo de pontuar ou classificar o leitor em uma (Quebra-cabeça de Texto, Leitura de Manchetes,
determinada categoria, mas tem a intenção de Leitura de Publicidade ou Propaganda, Com­
mostrar o funcionamento, as facilidades e os obs- preensão de Texto por meio de Duas Leituras).
táculos para podermos proporcionar a tomada Esse grupo atuou durante sete encontros pre-
de consciência e o processo de autoavaliação e senciais de 90 minutos, de agosto a novembro,

Rev. Psicopedagogia 2017; 34(104): 196-215

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Barbosa LMS

Quadro 3 - Formulário de análise da leitura e das competências do leitor


a partir do Quebra-cabeça de Texto.
I Nome:
Dados do leitor Idade:
Ano de escolaridade:
Experiências de leitura:
II 1) Ordenação do título
Dados da observação ( ) esperada
( ) não esperada, mas com sentido
( ) não esperada e sem sentido
2) Organização espacial do texto jornalístico
( ) em forma de texto jornalístico
( ) em outro formato
3) Percepção e utilização de indicadores
( ) início de texto
( ) final de texto
( ) continuidade de texto
4) Especificações de indicadores de continuidade de texto
( ) separação de sílabas
( ) relação entre pontuação e letra maiúscula
( ) relação entre pontuação e letra minúscula
( ) uso adequado de conjunção
( ) uso adequado de proposição
( ) uso adequado de nome ou pronome em relação ao gênero
( ) uso adequado de nome ou pronome em relação ao número
( ) uso adequado de nome ou pronome em relação ao tempo verbal
( ) apoio dos indicadores numéricos e sinais: ), *, “, @, $ e outros
5) Ordenação do texto
( ) esperada
( ) não esperada, mas com sentido
( ) não esperada e sem sentido
6) Compreensão do texto
( ) total
( ) parcial
( ) não existente
7) Leitura espontânea
( ) total do texto
( ) de algumas partes do texto
( ) somente do lead
8) Estratégias metacognitivas
( ) planejamento da leitura para realização da tarefa
( ) percepção de falhas de ordenação do texto durante a leitura
( ) utilização de autocorreção e reorganização do texto

além de tempo de estudos à distância, a partir grupo, a partir da seguinte consigna escrita:
de consignas que sugeriam leituras e aplicações “Imaginem que vocês fazem parte de uma equipe
de instrumentos e relações entre elas. editorial de uma revista e, nesta semana, uma das
Apesar de se ter trabalhado com vários instru- colunas “desconfigurou-se” e precisa ser reorga-
mentos, será abordada somente a contribuição nizada. Assim, a tarefa deste grupo é organizar o
no que se refere ao Quebra-cabeça de Texto. texto que se encontra dentro do envelope. Para
Iniciou-se o processo de estudos vivendo a isso, conta com 20 minutos. A seguir, faremos uma
montagem de um Quebra-cabeça de Texto em Roda de Conversa sobre o nosso tema de estudos.”.

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212
Avaliação psicopedagógica – Quebra-cabeça de Textos

Além dessa consigna, o grupo trabalhou com co que precisa ser estudado e experimen-
mais sete, sendo que quatro delas foram voltadas tado pelo avaliador, para não correr o risco
para o estudo, aplicação e aperfeiçoamento da de transformar esse instrumento numa
aplicação do Quebra-cabeça de Texto. O grupo ferramenta quantitativa e classificatória;
teve como indicação a leitura de um texto orga- e) a consigna pode ou não ser lida em voz
nizado especialmente para seu estudo, escrito alta, como o avaliador poderá realizar a
por Laura Monte Serrat Barbosa, como também leitura da consigna para o aprendiz, se
outros pertinentes ao tema. necessário;
A partir do trabalho realizado no Grupo de f) na conversa final, o leitor não precisa es-
Estudos Refletir, mais 14 quebra-cabeças foram conder o texto, o texto permanece como
aplicados em pessoas de diferentes idades, de apoio para o desenvolvimento do diálogo,
escola regular, escola especial e escola de inglês, e a volta ao texto pode significar a utili-
e as discussões que aconteceram em seguida das zação de estratégias de leitor eficiente.
leituras e das vivências permitiram acrescentar Em 2017, outros participantes do Grupo de
mais alguns elementos a esse estudo: Estudos Refletir também privilegiaram o estudo
a) independentemente de a consigna ser de do leitor, com os temas: instrumentos para a
cenário ou autêntica, ela deve ser apresen- observação do leitor e a compreensão do seu
tada por escrito, pois esta será uma forma funcionamento para aprender (Quebra-cabeça
de avaliar, também, a leitura, a compreen- de Texto, Leitura de Manchetes, Leitura de
são do texto, assim como aspectos relativos Propaganda ou Publicidade, Compreensão de
às relações entre o aprendiz e o avaliador, Texto por meio de Duas Leituras); pesquisa e
como, por exemplo, o pedido de ajuda, construção de instrumentos e suas consignas.
sendo uma forma de unificar a abertura do Com o mesmo formato, o grupo também
instrumento e criar um vetor de pesquisa iniciou com uma vivência de montagem de um
com um grau maior de confiabilidade; Quebra-cabeça de Texto, com consigna escrita,
b) a consigna do Quebra-cabeça de Texto dedicando três encontros para discutir e contri-
deve propiciar o menor grau possível de buir para o estudo de Quebra-cabeça de Texto.
artificialização do processo de leitura Foram mais 12 pessoas avaliadas com esse ins-
e, para isso, a sugestão de consigna é: trumento, proporcionando as condições de con-
“Temos aqui um quebra-cabeça de texto, tribuição para o aperfeiçoamento do instrumento:
você deverá fazer a montagem e aqui a) o formulário de análise necessita de um
estão os materiais que pode utilizar.”; espaço para considerações e anotações;
c) a escolha do texto deve ser feita a partir no item compreensão do texto, introduzir
de algumas características: um texto atual aspectos mais específicos, como ideias
de jornal ou revista, original ou cópia de principais, fatos relevantes, temática
excelente qualidade, que não modifique prin­cipal, fuga da temática; introduzir um
o layout do texto, de um assunto de su- item sobre o leitor e seu comportamento,
posto interesse a quem será oferecida a como leitor eficiente, leitor metódico;
consigna (idade, escolaridade), mas sem b) há a necessidade de, na organização do
preconcepções que impeçam a utilização material, deixar uma cópia com o texto
de temas variados, de complexidade com- todo para facilitar a análise da forma
patível com a experiência do leitor, com como o leitor montou o quebra-cabeça;
uma estrutura que contenha a manchete, c) existe a possibilidade de utilizar esse
a imagem, o lead e a notícia; recurso como instrumento de atenção
d) a aplicação do Quebra-cabeça de Texto psicopedagógica, e não somente como
tem como fundamentação o Método Clíni- avaliação; nesse sentido, é possível

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213
Barbosa LMS

organizar quebra-cabeças com outros corrige, lembra o que leu em outro quadro e vol-
gêneros textuais, como contos, receitas; ta para arrumar, fala consigo mesmo enquanto
d) sugestões sobre a conversa após a monta- monta o quebra-cabeça. As estratégias de pro-
gem: Por que você fez dessa forma? Você cessamento da informação estão relacionadas
já leu algo sobre esse tema? Por que leu à semântica do texto, ao sentido que as partes
antes de montar ou como pode montar do texto vão fazendo enquanto são organizadas
sem ler? Por que deixou o título por último pelo leitor. As estratégias metacognitivas têm
ou por que fez o título primeiro? No que a ver com a forma como o leitor planeja, avalia,
isso ajudou ou atrapalhou? regula a ação, toma consciência do erro ou do
A partir do estudo de outros textos sobre acerto e aproveita isso durante a montagem do
alfabetização11,12, o grupo também contribuiu quebra-cabeça.
com a necessidade de conhecer as estratégias Esse estudo tem a intenção de mostrar que
de personalização, de atenção, de memorização, é possível construir instrumentos de avaliação
de processamento de informação e estratégias não classificatórios, mas que mostrem o funcio-
metacognitivas para facilitar a compreensão do namento do aprendiz e contribuam para que o
avaliador a respeito do funcionamento do leitor. aprendiz vá se percebendo em sua aprendiza-
As estratégias de personalização no Quebra- gem e desenvolvendo estratégias que o tornem
-cabeça de Texto dizem respeito à forma como o um leitor cada vez mais eficiente, com mais
sujeito se organiza para montar o quebra-cabeça; compreensão do que lê, podendo utilizar essa
por exemplo, separa o título do texto, da fotogra- habilidade leitora para resolver os problemas
fia, monta antes e organiza ou não esteticamen- cotidianos, como também para conhecer a cul-
te, busca o final de um quadro e o início do outro, tura na qual está mergulhado e interessar-se por
percebe o sentido, lê para ver se tem sentido etc. outras culturas.
A estratégia de atenção tem a ver com o envol- Intenta-se mostrar que um instrumento para
vimento do leitor com a tarefa, com sua posição avaliar a leitura não precisa se utilizar da leitura
corporal no momento da montagem do quebra oral e das perguntas tradicionais de interpreta-
cabeça, se atende a mais de um estímulo durante ção para dizer se o sujeito compreendeu ou não
a tarefa, se faz perguntas e busca dicas durante o que leu; é possível colocá-lo em situação de
o trabalho. As estratégias de memorização têm leitura e, por meio do método clínico, ir com-
a ver com a forma como ele recebe a consigna e preendendo como esse leitor funciona para que
lida com ela – repete em voz alta, pergunta sobre se possa oportunizar a ele experiências leitoras
ela, recebe a informação, retém e parte para a instigantes, aproximando-o afetivamente dos
tarefa, lê a tarefa em voz alta, percebe as falhas e objetos a serem lidos.

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Avaliação psicopedagógica – Quebra-cabeça de Textos

SUMMARY
Psychopedagogical evaluation – Reading and
understanding texts as tools of learning

This text aims to show that it is possible to change the focus of the eva­
luation of an apprentice who, for some reason, does not meet the criteria for
the evaluation of society. To evaluate learning, rather than raise difficulties,
it is possible to understand the functioning of who learns so you can realize
your way to learn and develop strategies to overcome difficulties. It presents
one of the projects developed in nearly two decades, in Síntese – Centro
de Estudos da Aprendizagem, regarding the evaluation of reading, using
an instrument that was built by your team of psychopedagogic, from the
work begun in the 1990 by Geraldine Franco de Oliveira Miraglia. The
instrument created and perfected in this period is called Text Puzzle and has
as one of its main purposes the reconstruction of a text, observing linguistic
indicators and, above all, a conversation with the apprentice to understand
how you got to that result, its facilities and difficulties and who understood
the text. It’s about putting the learner in reading and watching him on task
performance. The text proposes the observation criteria for examining the
process of reading and how to organize the material, to which this form of
assess artificialize not the process of reading the apprentice.

KEY WORDS: Evaluation. Reading. Learning. Comprehension. Com­


mu­nication.

REFERÊNCIAS 8. Kato M. O aprendizado da leitura. São Paulo:


1. Smith F. Compreendendo a leitura: uma aná- Martins Fontes; 1990.
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Trabalho realizado na Síntese – Centro de Estudos da Artigo recebido: 21/6/2017


Aprendizagem, Curitiba, PR, Brasil. Aprovado: 7/7/2017

Rev. Psicopedagogia 2017; 34(104): 196-215

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