Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A LOUCURA CURA
Um manifesto psicoterapêutico
OTOM 3KM
ÍNDICE
Prólogo 7
Post-scriptum, post-vitam 15
A loucura do terapeuta 17
Seu terapeuta cura você? 38
Tabus 69
Um toque de loucura 95
Os ingredientes da sopa 99
Notas de musicoterapia 106
Uma visão do somático 115
Faça-se, Senhor, a Tua vontade! 122
Epílogo 124
Memônio memórias 128
PRÓLOGO
1
Gestalt sin Fronteras. Ed. EraNaciente, Buenos Aires, 1993.
-Fritz Perls foi o criador da terapia gestáltica - talvez o recurso mais
poderoso da psicologia humanista.
•^ Amplamente conhecida a partir do espetacular descobrimento por Was-
son (por intermédio dela) dos cogumelos "mágicos" do México.
Memonií
A LOUCURA CURA
l ; 'JI
' ,'
S>
.-" y. -,
^ ,-• '
Memonic
10 A LOUCURA CURA!
loucura e CN: "Eu via, quando chegava para ver você, que, ao men\
bússola c cionar seu nome, os guardas mostravam muito respeito. "
Borja: "Eles sabiam perfeitamente que os livrei de um trabal
que nenhum deles queria: ser guardião dos loucos. Era uma areai
com muitos conflitos. A área de psicologia, a de assistência social e oi
psiquiatra demoraram muito para ficar na comunidade e verquel
seu trabalho era ali. Eu os convidava, mas o psiquiatra tinha uma\
atitude de menosprezo para comigo, por eu ser 'delinqüente'. Comol
diva do a iria eu lhe ensinará Então eu lhe disse: 'Não quero ensinar a nin-l
mordaz k giiém, simplesmente quero lhe mostrar o que eu faço \ E disse o mes-l
botequim
mo à psicóloga. Mas eks tinham medo, terror de ficar ali. Opsiquia-l
entrega h
Ira estava muito assustado, não entendia o que eu fazia, mas vial
que funcionava. Isso f oi o que primeiro ele me disse. Em segundo lu-l
DesconfK
gar disse que nunca vira hospitais psiquiátricos privados, caros oul
como um não, em que as coisas fossem assim, funcionais e bonitas, com uml
desmasc, jardim formosíssimo e loucos meditando. Os profissionais não sa4
A verdadt biam nem o que é meditação. Então, o psiquiatra se foi envolvendo^
ate a luz. entre assustado e cunoso.
Certo, quando comecei a trabalhar ali, eu parecia um idiota.l
Eu, trabalhando bioenergética! Isso o assustava, ele não entendial
questiof nada. Tanto ódio expresso! Eu não lhe dizia nada. E assim fomosl
e como indo, até que ele me disse: 'Pode me ensinar?'E eu lhe respondi:l
'Não'. Ele replicou: 'Mas eu vejo que você sabe muitas coisas'.
o pacieni Então comecei a lhe emprestar livros teus. Ele dizia: 'Nãoi
entendo nada'. Eu: 'E que essas coisas não entram por aí'. Ele:\
'Então, por onde entram?' Eu: 'Pelo eu, é preciso molhar o cu\
Ele: 'O que eu faço então?' Eu: 'A única forma de te ensinar é sei
fores meu paciente, uma paulada no ego'. E eu disse a ele: 'Voul
te dar aulas'.
E, durante dois meses, ele chegava às quatro da tarde paraí
sentar-se com seu caderno, e eu nunca lhe disse nada. O quefazía-l
mos era tomar café e Coca-Cola; essas eram as aulas. E engraçadol
que ele ainda não tivesse carinho pelos meus loucos, pois eks eraml
também os loucos dele - por eles pagavam-lhe, a mim, não. Medo.l
A distância profissional do psiquiatra: como deveria ele relacionar-seí
com um louco'? E todos esses preconceitos horrorosos. E assim fomos
indo. Ele fazia terapia de grupo, depois mandei que ele treinasse
mais lá fora, e os resultados f oram bons, 'surpreendentes'. "
Cláudio Naranjo
BerMey, 18 de abril de 1995.
POST-SCRIPTUM, POST-VITAM
Cláudio Naranjo
Madri, 5 de agosto de 1995.
nos mter
porque para isso é necessário transformar-se primeiro er
loucura í
um monstro. Ser monstro é rebaixar-se. Antigamente, <
bússola (
monstros eram considerados problemas de moralidade ou
apresent
de ordem espiritual; no século atual são denominado^
"problemas do inconsciente".
Os terapeutas primeiro necessitam ser pacientes. De
vem, no sentido ético do dever, saber o que vai acontece
a seus pacientes, caso contrário estes não confiarão neles
Não haverá possibilidade de confiança porque não se pc
de fazer os outros acreditarem naquilo em que não sd
botequi acredita. O caminho da psicoterapia profunda é ter recc
nhecido o outro caminho, que podemos chamar de intuiJ
cão; mas isso não é falado, apenas reconhecido, express
Desconfi se por uma percepção do sujeito, não pela razão, mas pc
outros níveis energéticos... O terapeuta sabe disso, conhe
como un cê o caminho, é confiável e pode aventurar-se no vácuoj
desmasc sem envolver ninguém em armadilhas...
A verdad Não acredito na psicoterapia breve, para mim seri(|
ate a luz como o Mac DonakTs da psicologia profunda, dedicada í
curar sintomas. A doença não se reduz a sintomas. Aquell
que fica preso a eles mascara, neurotiza a doença. É e\
dente que, se os sintomas são atacados, o ego se fortifica^
emergirá com mais facilidade, quase com saúde, mas mi
to reprimido e mais sofisticado no nível patológico.
O alcance de um tratamento é determinado pela ca
pacidade que o terapeuta adquire no seu trabalho de ir
trospecção e pela sua transparência como pessoa. O qu|
acontece freqüentemente é que se tenta resolver a prc
blemática por meio do intelecto, mas isso não resolve na
da, só conduz à insensibilização do ser humano. T
mo-nos mais máquinas, mais ordenados, mais decente^
mais educados e mais ajustados à norma estabelecida.
se mascaramento aumenta os níveis de risco e depois fie
mais difícil localizar a doença, já que os sintomas não nc
servem mais de guia, e corre-se o risco de que aquilo quJ
ISBh
vamos ver seja um foco secundário.
9"7i
A LOUCURA DO TERAPEUTA
loucura i
situações se resolvem de uma forma civilizada, conscient^
bússola
A maior parte das decisões importantes são desastres
caóticas e intensas, porque requerem tanta energia qua
to a usada na repressão.
Alguns terapeutas têm o delírio megalômano de i
Homem grandes curandeiros e vivem, na sedução, o desejo de \
deza que todo ser humano tem.
É muito importante que, quando o paciente chegar j
diva do í; nossa frente, sejamos honestos com ele. Se uma pessc
mordaz l tem problemas de segurança porque é feia, temos que It
botequm dizer que é feia, que não se trata de uma distorção, qi
não há um problema psicológico, mas algo real. Nunca <
zer-lhe que o mais importante no ser humano é a belez
interior... Não mentir, mas trabalhar com aquilo que
a cruzar tem. Não negar um problema quando vemos que o probld
ma é não aceitar a realidade. Se cremos que uma pess
desmasc não vai chegar até onde pretende, é melhor dize-lo dês
A verdad o começo, pois no final isso nos será cobrado. Estou
até a luz vencido de que o mel não foi feito para o focinho dos pc
cos e creio também que muitos não vão realizar sua fant
sia. Vale mais nos guiarmos pelo concreto, pelo mínimo.
question; Para mim, o verdadeiro trabalho terapêutico estánl
é como t cotidiano. Queremos e pretendemos viver coisas extraoi
Suas rui dinárias. Mas o extraordinário é poder viver o dia-a-dia[
o pacien Não temos que sugerir idéias e fantasias que o pacientj
não vai atingir. Perseguimos pequenos ideais alheios,
sejos alheios, frustrações alheias que foram projetados í
bre nós. Isso não vamos conseguir alcançar nunca. Tant
é verdade que vamos à terapia não para livrar-nos dissq
mas para seguir nessa busca. Por isso é tão difícil ao ter
peuta desnudar-se frente ao paciente, porque tudo fd
distorcido e o que deve ser feito é tirar aquele bem-est
neurótico, aquele bem-estar controlado, cômodo. O trai
balho do terapeuta é acordar o ser humano, sacudir a fá
ISBNl
sã comodidade interna, o controle, a resignação à situs|
cão sem risco.
A LOUCURA DO TERAPEUTA
nos m f e
mos de mau. Temos que ir fazendo uma lista, porque o pá
ciente nunca vai perguntar...
Percebo um erro dos terapeutas: acreditar que some
portadores da verdade e da saúde. Isso é negar que tenl:
mos algo daquilo que o paciente nos traz. Essa mentia
chega ao paciente e o faz sentir-se culpado. Agora, se <
pacientes nada mais têm além da capacidade de sofrer J
não lhes damos a possibilidade do prazer, acreditanc
que quem tem a capacidade do prazer é mau, e essa idéi
foi o começo da doença (já que o prazer da criança ei
negativo e, portanto, foi reprimido), estamos repetinc
com os pacientes o que nossos pais nos fizeram. E entã<|
novamente, aquilo que não se esclarece se repete.
Há terapeutas a quem interessa que o paciente conlj
nue sofrendo. É como uma obsessão crer que a cura é i
guir sofrendo; o ato de manter a pessoa na dor, em ur
atitude masoquista, é uma posição muito sádica do ter
peuta. Estou convencido de que a cura é o prazer. Maj
existem aqueles que se sentem mal quando o paciend
lhes diz que está tudo bem... A consulta pode ser uma co
versa, com comentários de que a vida não está tão mal;
sim, que é bonita...
O terapeuta deve ser capaz de romper sua rigidez]
seu medo, pois, já que não pode ensinar o prazer em un
diva, durante 45 ou 55 minutos, deve voltar-se para o extd
rior, para a vida. Tenho visto, nos meus 18 anos de expd
riência, dois egos chegarem entronizados ao consultóriq
um querendo ser louvado e o outro querendo louvar, i
nos poucos minutos que dura a consulta não se resolve n^
da, além de egos se fortalecerem.
9 i
ISE É como a questão de acerto na escolha de um mestre.J
Muitos encontram um charlatão, mas acontece que preci-T
SEU TERAPÊUTA CURA VOCÊ? 39
\
E também o terapeuta tem terror de ser pessoa frente l
ao paciente. Ser pessoa é deixar de funcionar como má-
quina, é não ser programável. A pessoa não responde aos
programas do papai e da mamãe, tem seus próprios pró- ]
gramas. Temos de ficar atentos, pois o processo de se con- j
verter em pessoa é muito bonito, significa saúde. Esse é o !
trabalho que tentamos fazer.
A verdadeira preocupação e responsabilidade do terá- j
peuta é fazer seu trabalho. E importante dizer: vamos tra-
balhar, porque o que se faz é um trabalho, envolve esforço
e tensão. Deve haver uma continuidade e uma consciência
cie que os trabalhos ocupam tempo, suprimem momentos
cie distrações. O trabalho é esforço constante e capacidade
de viver cada instante com consciência, até que isso se con-
verta em um estilo de vida e que permita viver bem.
Há certas deformações nos terapeutas que os impe-
dem cie deixar os pacientes se aprofundarem. Tentam
diminuir os conflitos do paciente e tirá-lo do sofrimen-
to. Isso é muito negativo. E preciso aprofundar-se para
seguir em direção ao lugar de onde se quer fugir. E a
única forma de tocar fundo é evitando as tentações. Não
se pode superar obstáculos fugindo deles ou negando-
os. Temos cie sucumbir ao medo e ao que consideramos
mau. Temos de nos tornar maus, mais doentes. Temoí
de entrar 110 pântano. Trabalhamos muito pouco as si
tuações de martírio com consciência. Não é que não te
nhamos sofrido na vida, mas o fizemos de forma incons
ciente, e por isso não obtivemos bons resultados. Tods
essa problemática é uma projeção do terapeuta, de seu
conflitos não resolvidos, já que ele se dedicou e ficoi
entretido na sintomatologia e interpretação de suas pró
prias condutas, mas não se envolveu com o que está pó
trás. E preciso ir ao fundo do oceano, afogar-se, e nã<
issr flutuar em bóia salva-vidas. E necessário aprender a con
fiar na tempestade: afundar, flutuar, afogar-se e sair. De
SEU TERAPÊUTA CURA VOCÊ?
i
conflito. Mas o paciente tem de passar pelo conflito, er
lol
bora nunca queira encará-lo, porque, se as figuras cor
quem viveu situação de conflito foram ameaçadoras,
SEU TERAPÊUTA CURA VOCÊ?
guém, por todo o amor que nos tenha, consiga nos mu-
dar. Não temos a força, não somos ninguém para mudar
os sintomas. Casal significa cada um aceitar o outro co-
mo ele é. Se esse tipo de conflito ocorre no casal, irá se
apresentar também na relação terapeuta—paciente, e é
melhor reconhecer o fato e tomá-lo como natural, não
como algo doentio.
Corre-se risco na relação, e é importante alertar o pa-
ciente sobre isso. Se você expressar para com o paciente
uma atitude de rejeição, ele vai achar que não foi aprecia-
do... E isso não é verdade, não se trata de depreciação co-
mo mulher ou como homem. É preciso explicar a situação,
para que a pessoa, em vez de se considerar depreciada, fa-
ça uma reavaliação: aceite que ela não está mal e que a re-
jeição não depende só dela, uma vez que o outro tem direi-
to a dizer não.
O instinto não é só uma ereção, mas uma eleição. Is-
so liberta o paciente das fantasias de não estar agradando,
que podem vir a debilitar a profundidade do tratamento.
Também é bom reconhecer que não agradar a alguém
que deposita em nós toda a confiança é doloroso e tem
forte repercussão.
Dessa forma, o terapeuta deve reconhecer que fulana
ou fulano lhe agradam. Terá pacientes nos quais deposita
seu carinho, sua ternura, seu intelecto e outros que mobi-
lizam sua parte instintiva. E isso tem de ser esclarecido ho-
nestamente. Nesses casos as terapias de grupo são formi-
dáveis, pois ninguém quer ser menos estimado que um
outro paciente. E, assim como um pai sente predileção
por um dos filhos, o terapeuta sente preferência por um
dos pacientes. E quanto mais claro for isso, mais saudável
será, porque o direito de gostar é pessoal, e está sendo en-
sinado como outorgar-se esse direito.
A questão sexual é um tabu só. Sexo, tados os terapeu-
tas o sentem, muitíssimos o praticam e quase nenhum ad-
mite isso. Mas o que acontece se gosto de um dos meus pá-
cientes? Nada. Esse é um direito e insistimos: ser terapeuta
é ser pessoa, é reconhecer o que se sente. E será saudável
que o paciente saiba disso, mas não como uma estratégia
terapêutica, mas como parte do processo, como parte do
que se fala em uma sessão em que se revisam todos os as-
pectos da vida. Inibir o sexo é algo terrível, pois é parte de
nós e é tão importante como a razão ou as emoções. Mas
não se deve subestimar nem supervalorizar o instinto.
Situações sexuais entre terapeuta e paciente envol-
vem muitos riscos. Se é utilizado o momento de transfe-
rência sexual do paciente, ele pode se converter em uma
ameaça para o terapeuta. Como essa é uma etapa mais ins-
tintiva que racional, o paciente pode se fixar nessa etapa e
não olhar mais para trás.
Eu prefiro falar antes de agir e, depois, se me dá von-
tade, faço. Se tenho uma relação sexual com um paciente
e a relação fica paralisada no mais puro instinto, não será
gratificante e só conseguirei que o paciente fuja. Isso por-
que esse não é o momento para racionalizar, mas para se
apaixonar, e a paixão é irracional. Então o paciente irá
embora, ferido, usado e frustrado. Embora, provavelmen-
te, fosse isso o que de forma velada ele queria obter do te-
rapeuta. Portanto, pode ser uma armadilha e você, tera-
peuta, tem que ficar muito alerta, porque o paciente pode
estar procurando frustrá-lo nesse ponto, para poder ir em-
bora, para demonstrar-lhe que você tem uma falha, que
não é confiável. É vital saber qual é a posição do terapeuta
e a posição do paciente ou da paciente.
Há neuróticos e neuróticas em todos os cantos, mas
não há tantos amantes. Não se trata de deitar-se com to-
dos ou todas. Trata-se de ter a capacidade de se submeter
a esse processo através do instinto. E um instinto bem
conversado se transforma em uma relação mais sólida.
Não se trata de reprimir. Não se trata de falar para racio-
nalizar. Na realidade, há duas pessoas que se desejam,