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Professora de História formada pela Universidade de São Paulo – Usp (bacharelado e licenciatura) e doutora em
Educação pela mesma universidade. É coordenadora da área de História das séries finais do Ensino Fundamental no
Colégio Objetivo.
Professora do ensino público e privado, autora de livros paradidáticos como: Renascimento e Humanismo – O
homem e o Mundo Europeu do Século XIV ao Século XVI; Grécia Antiga – A Vida Cotidiana na Cidade‑Estado. Ambos
para a coleção História em Documentos da Editora Atual. E também do livro Inclusão Digital e Empregabilidade, para
a editora Senac. Interessou‑se pela formação de professores tendo realizado o mestrado e o doutorado na área de
Didática, especialmente pela formação de professores, área em que atua na elaboração de cursos de atualização para
professores da rede Objetivo de ensino, além de coordenar a reformulação de material didático das séries finais do
Ensino Fundamental.
No campo do Ensino a Distância, foi professora especialista do curso de gestão da escola para diretores promovido
pela Faculdade de Educação da Usp e pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo – Seesp, de 2010 a 2013.
CDU 37.02
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permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Aline Ricciardi
Cristina Z. Fraracio
Sumário
Didática Específica
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
A disciplina de Didática Específica justifica‑se nos cursos de licenciatura com o propósito de situar
o licenciando no campo da profissão docente da disciplina escolar a qual se habilita a ensinar. Por isso
mesmo, trata‑se de uma disciplina com características específicas: uma vertente histórica, ou seja, que
apresenta ao futuro professor a história dessa disciplina para que ele compreenda questões relativas à
construção do currículo e das práticas escolares; e um caráter teórico‑prático, pois deve disponibilizar as
práticas escolares que devem encontrar fundamentos tanto na Teoria da História quanto na Pedagogia.
Para isso, esse curso tem como principal objetivo fornecer subsídios para o aluno, futuro professor,
compreender o processo histórico da constituição da disciplina História, sua importância atual, e as
relações entre a produção acadêmica da História e as práticas do Ensino Básico, tendo sempre em
vista que a História é uma construção do presente, um conhecimento orientador para análise social
e, por isso, importante na constituição do que chamamos de “reflexividade”, ausente das sociedades
tradicionais e orais e cada vez mais presente nas modernas, da era industrial.
• Compreender e se apropriar das questões e discussões sobre o saber histórico ensinado e o saber
construído e apropriado pelos alunos.
Para tanto, organizamos o curso em dois grandes eixos – questões de fundo sobre o ensino da História
e instrumentos a serviço do ensino de História. O primeiro eixo aborda dois aspectos: formação do
professor de História, problemas e perspectivas, saber histórico ensinado e saber construído e apropriado
pelos alunos (noções de tempo e espaço no ensino da História e a construção da narrativa histórica). O
segundo eixo diz respeito aos instrumentos a serviço do ensino de História, volta‑se para os elementos
práticos que o envolvem, abordados nos seus aspectos relativos – determinações e proposições legais,
o currículo nacional e o ensino da História e os materiais e recursos didáticos, abordando desde o livro
didático até os projetos e abordagens interdisciplinares.
INTRODUÇÃO
Certamente você teve vários professores de História durante sua vida de aluno na escola básica. Deve
ter julgado muitos deles e percebido que conviveu com professores ótimos, outros, ruins. Deve também
ter tido professores que simplesmente cumpriam sua função, não ficaram na sua memória. Pode até ser
que você já tenha se reunido com colegas de faculdade, ou com ex‑colegas de classe, para comentar
sobre seus professores. Talvez você consiga se lembrar de considerações como as seguintes: “o professor
x sabia muito a matéria, mas não sabia explicar, ele era inexperiente”; ou “a professora y sabia muito,
mas a classe não a deixava explicar”; ou “o professor z era muito popular, suas aulas eram divertidas,
mas não aprendi muito com ele”. E ainda: “boa mesmo era a professora w, até hoje me lembro de suas
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aulas, nunca me esqueço dos debates que fizemos sobre o nazismo e das aulas sobre a independência do
Brasil em que ela relacionou os fatos do Brasil com pressões da Europa, discutíamos muito, e ela exigia
também bastante, todos gostavam muito da aula”.
As lembranças de todos os alunos são povoadas por professores bem preparados. Alguns deles bem
experientes, outros inexperientes e, por isso, não tão bem‑sucedidos, às vezes, até desvalorizados pelos
alunos. Os professores dedicados e experientes e os que superam todos os problemas colocados pelo
ensino representam o ideal que qualquer professor gostaria de ser. Porém, essa é uma idealização e, por
esse motivo, representa um primeiro obstáculo à superação dos problemas concretos da vida cotidiana
em uma escola.
Se você conversar com o seu professor bem‑sucedido, certamente saberá que ele acumulou
conhecimentos preparando‑se para as aulas, estudando, lendo e refletindo sobre seus fracassos
com outros colegas e transformando suas vivências em experiência. Desse modo foi construída uma
maneira de trabalhar composta de conhecimentos teóricos e práticos, assim, muitas pessoas expressam
suas considerações por ele com a expressão: “ele tinha uma didática excelente!”. Ou seja, ele tinha o
domínio do conjunto de aspectos envolvidos nos processos da atividade de ensinar. Certamente, ele
sabia ensinar bem História e aprendeu não apenas com o exemplo de outros, mas também com o
estudo teórico da Didática geral e da Didática da História. Esse estudo teórico permitiu a construção
de uma reflexão rigorosa de suas vivências, com erros e acertos que permitiram que ele se tornasse
um professor experiente.
Para ter uma boa didática, o professor deve ter consciência dos processos envolvidos em sua prática
pedagógica como a história de sua disciplina, para compreender o que significam algumas expectativas
sociais de pais e alunos. É preciso entender sua multiplicidade e o motivo da distância entre os diferentes
anseios e as demandas dos exames nacionais bem como, por vezes, das ênfases e explicações elaboradas
nos cursos de História, ou seja, os desafios do ensino da História e seus problemas.
Porém, não basta compreender o que norteou o currículo e a didática da disciplina no passado e
atualmente e suas diferenças. É preciso também conhecer as características próprias ao conhecimento
construído pela disciplina História. Afinal, ensinar História não é passar ou transmitir uma única versão
a ser repetida pelos alunos, por meio de um questionário. Desenvolver o conhecimento histórico é
construir, a partir do ensino, noções de temporalidade e historicidade. Essas noções são ferramentas
cognitivas fundamentais para a elaboração de narrativas explicativas dos fenômenos sociais cujo domínio
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exige a transformação de maneiras espontâneas de narrar em formas explicativas e argumentativas que
permitem não só a compreensão, mas a análise do presente.
Os aspectos gerais tratados relativos ao ensino de História – a constituição de sua didática ao longo
do tempo, os desafios contemporâneos que devem enfrentar, as noções de tempo e espaço e o papel da
narrativa na produção do conhecimento histórico – são o pano de fundo para a compreensão do debate
e da efetivação do currículo nacional do ensino de História, que atinge diretamente a sala de aula por
meio das diretrizes propostas pelo Ministério da Educação, replicadas pelas secretarias de ensino de
estados e municípios.
O livro didático também será abordado com o objetivo de permitir aos alunos que compreendam
sua concepção e estrutura e o utilizem da melhor forma como apoio e instrumento de trabalho e não
como pauta de planejamento.
Os professores se valem cada vez mais, nos dias de hoje, de narrativas históricas produzidas fora
da escola, com o objetivo de divulgar o conhecimento acadêmico ou os conhecimentos vinculados à
produção da memória relacionados a museus, patrimônio histórico – material e imaterial – e práticas
de História. Além desses recursos, a literatura, o cinema, a música e o teatro também são instrumentos
para o ensino da História. Finalmente trataremos do uso das novas tecnologias e de uma maneira de
organizar o ensino de conteúdos por meio de projetos interdisciplinares.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Como todo campo de saber, também se constituiu em meio a convergências e embates entre a
produção acadêmica da História e as práticas de ensino acumuladas ao longo dos anos permeadas por
determinações dos momentos políticos do país. Por isso, para que o professor de História, ao se formar,
conheça a história das práticas do seu campo profissional específico, o campo educacional, e, nele, o
subcampo da disciplina de História, ele precisa conhecer aspectos das lutas que a forjaram, tanto no
âmbito da escola (cultura escolar) quanto no de sua produção acadêmica e no seu reconhecimento
social, e ainda na esfera de decisões estatais.
Selecionar e organizar o conteúdo da História a ser ensinada é uma das dimensões tanto do
professor de História quanto das instituições sociais legitimadas para tanto. Vamos examinar aqui o
papel dos jesuítas, primeiramente, depois dos professores do Colégio Pedro II e do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e, por fim, do Ministério da Educação, por meio de pareceres e instruções relativas
à construção dos currículos e à concepção do ensino de História.
1.1.1 Os jesuítas
Podemos dizer que, a partir da chegada dos jesuítas, foram fundadas as primeiras escolas
elementares brasileiras, em que se consideravam os textos bíblicos como a base para o ensino da
História. Eles eram utilizados para reforçar a catequese e exercitar a leitura e a escrita, além da
introjeção dos valores católicos. Para isso, os padres utilizavam o catecismo, ou seja, um conjunto de
textos seguidos por exercícios de perguntas e respostas que garantissem a compreensão da história
bíblica. Para a introjeção desses valores, os jesuítas se valiam das encenações teatrais como método
didático, como se pode constatar na correspondência de José de Anchieta e na Ratio Studiorum, o
grande manual da didática jesuítica, publicado em 1599.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
O tempo histórico dos textos bíblicos, diferentemente das religiões tradicionais, não é o tempo cíclico
na natureza ou dos rituais sagrados. É um tempo linear, também sagrado, no qual a humanidade caminha
simultaneamente com homens singulares, subordinados, os dois, à Providência. Desde a introdução do
Novo Testamento, na Bíblia, os homens passaram a ter a possibilidade de conversão, surgindo então a
noção do tempo da humanidade e do tempo dos homens, tempos paralelos subordinados a um tempo
absoluto: o da Providência Divina.
Na escola jesuítica e nas missões jesuíticas, a conversão dos indígenas é um de seus propósitos. Ali se
narrava a história do mundo a partir do advento de Jesus Cristo e da própria conversão da comunidade.
As dimensões desse tempo linear, ainda que sagrado, são três: o tempo da criação e da queda da
humanidade; a oferta de salvação – a vivência na religião –; e o juízo final.
Saiba mais
Esse modelo e estratégias de ensino de História atendiam a uma sociedade que, ainda que dominada
pela Igreja, já valorizava a importância da difusão da escrita e da leitura, mantendo, ainda, o texto
sagrado como base, o tempo linear como organizador da narrativa e institui uma ideia que perdurará
até o último quartel do século XIX: a ideia de uma história universal, que é católica.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Em 1837, o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, inclui a disciplina de História como obrigatória. Nesse
ano, também, é fundado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ambos defendem uma concepção
de formação da nação. Foram essas as duas instituições que elaboraram, no Brasil, os primeiros
pilares do que podemos chamar de didática da disciplina História. E que pautaram a formação dos
professores de Ciências Humanas a partir de manuais escritos por profissionais liberais cultos e já
influenciados por ideias de uma escola laica que tem origem na França.
A História como disciplina laica surgiu na França como uma estratégia da burguesia para
conquistar hegemonia nacional. Para isso, estruturou‑se a educação pública, gratuita, leiga e obrigatória,
para garantir, após a Revolução Francesa, uma base de apoio às novas ideias. Nesse contexto, a História
tinha o papel de construir uma narrativa sobre o passado comum à nacionalidade. Seus conceitos
estruturantes eram: nação, pátria, nacionalidade e cidadania. Seu tempo era linear, contínuo, com as
mesmas três dimensões existentes na história sagrada, que agora se converteram em passado, presente
e futuro. Sendo que o tempo absoluto deixou de ser a vontade da providência divina e passou a ser a
vontade dos homens. A finalidade da História deixou de ser o juízo final e passou a ser a liberdade, a
razão, o progresso, a evolução.
Na escola elementar ou de primeiras letras, seguia‑se um plano de estudos proposto em 1827 no qual
o ensino de História estava associado à leitura de temas que contribuíssem para a formação do senso
moral e da valorização dos deveres para com a pátria e seus governantes. A História estava associada à
formação moral e cívica e de seu estudo fazia parte a leitura da Constituição do Império e da História
do Brasil. No entanto, em poucas escolas, aprendia‑se essa História. O que prevalecia era o ensino da
leitura e escrita, Gramática, Aritmética, sistema métrico, pesos e medidas, o ensino da doutrina religiosa,
de modo muito semelhante ao ensino jesuítico, já que se mantinha como disciplina a História Sagrada,
até 1870, quando passa a diminuir a influência da Igreja sobre as questões do Estado, mas permanece
no plano de estudos de várias escolas públicas até mesmo após o advento da República.
Essa escola laica mantinha, então, forte vínculo religioso e além das questões já apontadas
referentes à concepção temporal da história sagrada com a história laica, convém elencar mais
uma: o destaque para a figura de grandes personagens que, a exemplos das histórias de santos, eram
consideradas motivadoras para a formação moral das gerações futuras. Essa história biográfica era
tida como um modelo pedagógico para o ensino da História nas classes elementares, em que se
confundia com o da moral cívica, intimamente relacionada a um sentido religioso.
No final do século XIX, com a abolição da escravidão, houve a intensificação do processo de urbanização,
entra no debate a concepção de cidadania e a extensão dos direitos sociais e civis a mais pessoas. A escola
era a via de ampliação do número de alfabetizados e da ampliação da aquisição da cidadania política. A
proclamação da República veio acompanhada com o direito de voto dos alfabetizados. Dentre as várias
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
propostas para o ensino de História, a que se tornou hegemônica afirmava a construção de um passado
único da nação, porém, sem incluir os setores sociais marginalizados como agentes da história do país.
Essa era conduzida pelos feitos dos grandes homens, os pais da pátria, e pela celebração de tradições
nacionais nas aulas e nas festas cívicas. Desse modo, a História foi a via para incutir o patriotismo,
entendido como amor pela Pátria e por seus governantes. O conceito de cidadania subjacente criado nas
narrativas históricas servia para disseminar valores de preservação da ordem e obediência à hierarquia;
o conceito de progresso era vinculado à modernização segundo moldes europeus.
Nos livros de História elaborados no início do século XX, destacavam‑se a ação desses grandes
homens, como aqueles que cuidavam da política, enquanto os trabalhadores votavam e produziam.
Os grandes personagens eram apresentados para salientar os conteúdos básicos da História da Pátria:
riqueza e beleza da terra, matas e rios; o clima, a gente mestiça, risonha e pacífica; a história dos
portugueses civilizadores, a cristianização. Todos esses itens foram expostos em um livro de Afonso
Celso (advogado, literato e político mineiro, filho do Visconde de Ouro Preto, importante figura do
final do Império, foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e um dos fundadores da
Academia Brasileira de Letras) chamado Porque Me Ufano de Meu País, que pretendia divulgar uma
cultura única e pacífica em todo o Brasil.
Essa proposta não era, contudo, hegemônica, outras propostas foram elaboradas em contraposição
a essa e provocaram polêmicas. Um exemplo foi a de Manoel Bonfim (1868–1932, natural de Sergipe,
estudou Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, foi jornalista e professor de Pedagogia e Psicologia na
Escola Normal do Rio de Janeiro), que pretendia formar professores da escola normal que conhecessem
a História da América e que permitissem a identificação de traços de mestiçagem na construção da
sociedade brasileira.
Ainda nas primeiras décadas do século XX, houve também propostas anarquistas que pretendiam
combater o patriotismo e o culto à pátria que justificavam o militarismo e as guerras em nome do
pacifismo e, especificamente, a oposição à Primeira Guerra Mundial. Foram abertas escolas anarquistas,
em São Paulo e em Porto Alegre, mantidas por operários anarquistas, que tentaram implantar a ótica
das lutas sociais para entender a História e não a formação do Estado ou o progresso. Elas foram
inspiradas na pedagogia do espanhol Ferrer y Guardia que valorizava a racionalidade e o cientificismo e
procurava fazer uso de estratégias de aprendizagem bastante diferenciadas para a época como visitas
a museus e exposições com o objetivo de propor que o aluno pensasse e não apenas decorasse o
conteúdo. A organização dos conteúdos históricos também era diferente: propunha‑se a abordar temas
como a Revolução Francesa antes do estudo sobre a Antiguidade, quebrando assim o paradigma da
linearidade temporal. As ideias revolucionárias, no entanto, foram pontuais e de pouca duração. As dez
escolas com esse perfil foram fechadas com a pressão do governo de Arthur Bernardes (1922–1926), que
sufocou os movimentos trabalhistas. Além da experiência anarquista que se restringiu a poucas escolas,
podemos mencionar que havia uma diversidade de escolas primárias, em áreas urbanas e rurais, algumas
públicas, outras particulares confessionais ou criadas e mantidas por imigrantes e outros setores laicos
que muitas vezes também atendiam a adultos trabalhadores. Eram escolas com propostas diversas, com
horários e tempos pedagógicos diversificados. Porém tal diversidade foi se submetendo ao controle
estatal e ao final de um período de confronto sobre o que deveria compor seu currículo, no final dos
anos 1930, se consolidaram como fundamentais para a formação nacionalista e patriótica os seguintes
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
componentes curriculares: Língua Portuguesa, História do Brasil e Educação Moral e Cívica, juntamente
com Geografia, eram os conteúdos que sedimentavam o culto aos heróis e à criação das tradições
nacionais, tanto nas aulas como nas festas cívicas.
Até então o estudo da História não era obrigatório. A História do Brasil existia como conteúdo
complementar à História da Civilização, daí porque o Brasil nascer em Portugal, ser fruto da expansão
marítima e da introdução na América da civilização cristã. O povo brasileiro, constituído de mestiços,
negros e índios, estava ausente da galeria de heróis que organizavam o conteúdo a ser ensinado. Os
nativos eram apresentados como conquistados, submetidos ao real sujeito da história. Até a Lei nº
5.692/71, que fixa as diretrizes e bases para o ensino de primeiro e segundo graus em âmbito nacional,
os conteúdos de História do Brasil tinham como objetivo formar a consciência nacional por meio de
seus heróis e marcos históricos. O principal personagem que ocupava o centro desse ensino era a pátria,
como mostram Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli.
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O Estado surge com papel importante e protagonista na constituição dos conteúdos da disciplina
História, na definição dos tempos pedagógicos, na sua obrigatoriedade ou não, além de ele fixar e definir
seus conteúdos. Ele define a obrigatoriedade para o exame de admissão ao ginásio que dá direito a
prosseguir no ensino secundário.
Define também o ensino secundário com a Reforma de Gustavo Capanema em 1942, quando a História
do Brasil passou a ter uma carga maior e o currículo dedicava uma série ao seu ensino. Definiram‑se também
dois níveis do curso secundário: o ginasial de quatro anos e o curso colegial, separado em clássico ou
científico de caráter propedêutico, ou seja, preparatório para o ensino superior, de três anos. E aí a disciplina
de História tornou‑se presente em vários exames vestibulares e, portanto, também nos cursos preparatórios.
O objetivo de seu estudo era o sucesso nos exames de seleção que tinham um caráter enciclopédico.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
O Ministério da Educação começou a fiscalizar a aplicação das leis, a inspecionar escolas, criou,
para isso, dois órgãos: o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) em 1944, e a Campanha de
Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades) em 1953, orgãos que se destinavam a publicar
periódicos e manuais voltados à formação dos professores.
Os anos 1950 e 1960 foram ricos em discussão. Em 1955, foi criado o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (Iseb), vinculado ao Ministério da Educação; entre seus objetivos, estavam a contribuição
para o estudo e ensino das áreas de Humanidades, além de elaboração de instrumentos de análise
e planejamento para a sociedade brasileira. Em 1963, o departamento de História do Iseb tinha à
frente Nelson Werneck Sodré, um marxista que, juntamente com professores formados pela Faculdade
Nacional de Filosofia e alguns estudantes, elaboraram um projeto de coleção para professores de História
– História Nova do Brasil –, a ser publicado pela Campanha de Assistência ao Estudante (Cases) também
vinculada ao Ministério da Educação. Sua pretensão era reformular os métodos, o estudo e o ensino
da nossa história. A intenção de seus autores é fazer o povo aparecer na História do Brasil e também
integrar o Brasil à História Mundial, além de estender o estudo até o presente. Tratava‑se não apenas
de mencionar o povo, mas de explicitar a estrutura social e também dar ênfase à estrutura econômica.
A intencionalidade política está presente em todas as propostas de ensino de História, embora nem
sempre de forma explícita. No caso dessa obra, o seu propósito editorial era claro e mencionava que a
Campanha de Assistência ao Estudante (Cases) do Ministério da Educação e Cultura tem plena convicção
de estar contribuindo, à sua maneira, para o desenvolvimento coerente e acelerado do processo histórico
brasileiro. Sua origem – assim como a de todas as demais que compõem esta coleção – prende‑se à
tentativa já impostergável de reformular, na essência e nos métodos, o estudo e o ensino de nossa
história.
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Esse projeto, porém, não foi levado a cabo, sofreu duras críticas da academia, especialmente do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Com o advento do regime militar, o Iseb foi extinto e a obra,
censurada e proibida.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Além do debate sobre a interpretação da História do Brasil, o modo de ensiná‑la, outra questão se
colocava no final dos anos 1950. Questionava‑se, a partir dos princípios da Escola Nova, a propriedade
do ensino da História e sua falta de criticidade. Surgiu uma nova proposta formulada por Delgado
de Carvalho, professor influente do Colégio Pedro II, autor de vários livros de Geografia e História,
influenciado por diálogos com Anísio Teixeira e Lourenço Filho. Em 1957, Delgado de Carvalho publica
Introdução Metodológica aos Estudos Sociais, em que propõe outra disciplina, em vez da História,
objetivando proporcionar ao aluno uma visão integral da vida, com sentido de significado social,
descobrindo o valor e a importância de si mesmo. Nessa proposta, afirmava‑se, sob a inspiração de
Dewey e suas ideias de escola democrática e valorização da experiência na aprendizagem (sobre a qual
voltaremos a falar) que, em vez de restringir‑se ao conteúdo de História, essa disciplina estaria voltada
para a vulgarização dos conhecimentos de História, Geografia Humana, Economia, Sociologia, Política
e Antropologia Cultural. Em 1970, na segunda edição de sua obra, o autor justifica sua proposta: “A
Sociologia, Geografia Humana, Estatística, História, Política e Economia não constituem Ciências, mas
apenas ramos científicos de uma ciência una” (CARVALHO, 1970, p. 16). Segundo o autor, essas distinções
são artificiais, o objetivo de serem assim ensinadas é tentar vencer sua complexidade. No entanto, a
simplificação didática compromete o alcance e a significação, por isso era preciso transformar o ensino
e articulá‑las.
Essa proposta não foi aceita e nem mesmo posta em prática na época, sendo objeto de várias
críticas por parte de historiadores que defendiam a particularidade do conhecimento da História e sua
importância na educação básica. Emília Viotti da Costa, por exemplo, afirmava que: ”A História Matéria
tem uma finalidade formar a personalidade integral do adolescente [...] e fornecer‑lhe conhecimentos
básicos específicos” (COSTA apud RICCI, 1999, p. 51).
Paralelamente a essa proposta, em caráter experimental, foram criados, no estado de São Paulo, em
1961, os ginásios vocacionais coordenados pelo Serviço de Ensino Vocacional. Eram escolas de tempo
integral, que procuravam desenvolver projetos a partir de áreas de conhecimento com a finalidade de
engajar os alunos na compreensão e atuação em sua realidade. Um dos eixos centrais eram os Estudos
Sociais, a partir dos quais as demais disciplinas se congregavam para responder questões relativas ao
trabalho no intuito de que cada um pudesse construir um projeto que atendesse sua vocação ontológica,
e não apenas profissional. Os professores deveriam trabalhar em equipes multidisciplinares orientando
os alunos em um processo de ensino‑aprendizagem investigativo do qual faziam parte os estudos do
meio, ou trabalho de campo, os estudos dirigidos, os estudos supervisionados e os estudos livres. Uma
consulta ao Fundo do Serviço do Ensino Público Vocacional do Estado de São Paulo (SEV) no Centro de
Documentação e Informação Científica (Cedic) nos informa que os Estudos Sociais diziam respeito à
História do Sindicalismo, Legislação Trabalhista, Segurança no Trabalho, Saúde do Trabalhador e Trabalho
e Produção na História do Brasil. No entanto o projeto foi extinto em 1969, com a prisão de vários de
seus coordenadores. As memórias de ex‑alunos e ex‑professores publicadas em livros e blogs é que
permitem conhecer algumas de suas práticas e identificar algumas de suas reflexões ainda presentes.
Elas revelam que não se tratava de uma redução do ensino de História, mas de um deslocamento do
foco da lista de conteúdos para o interesse definido em assembleias e de um método investigativo, que
inclui não só fazer a pesquisa, buscar a informação, como também, às vezes, para o custeio disso, buscar
recursos na oficina da escola e na cantina.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
<http://www.vocacional.org.br/>
ROVAI, E. Ensino vocacional: uma pedagogia atual. São Paulo: Cortez, 2005.
Lembrete
Nos anos 1970, entretanto, outra proposta de Ensino de Estudos Sociais foi vitoriosa em 1971 e
definida pela Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971), que extinguiu os cursos de História e de Geografia do
primário e antigo ginásio, hoje, Ensino Fundamental. As disciplinas permaneceriam apenas no segundo
grau, hoje, Ensino Médio. Além disso, foram criadas mais outras duas disciplinas: Educação Moral e
Cívica e Organização Social e Política do Brasil, com as quais, a disciplina de Estudos Sociais dividia
a carga horária. No contexto político do período militar que procurava retirar da escola a menção a
tensões e conflitos, era conveniente reduzir o conteúdo histórico e valorizar a história e administração
local, os símbolos pátrios e os deveres dos cidadãos. O argumento pedagógico, utilizado para implantar
essa reforma, foi o de que era preciso valorizar o conhecimento dos alunos menores, partindo do mais
presente e mais próximo, ampliando gradativamente para o mais distante e mais antigo, avançando em
círculos concêntricos.
Em 1976, o Ministério da Educação determina que, para dar aulas de Estudos Sociais, os
professores precisam ser formados na área, fechando‑se assim as portas para os graduados em
História e várias graduações. Evidencia‑se assim a exclusão das especificidades das diferentes
disciplinas que compõem a área de Ciências Humanas na formação de professores e um intuito de
homogeneizar as práticas de ensino.
Ainda no campo da ação do Estado como protagonista nas práticas de formação de professores,
data de 1962 a obrigatoriedade de um conjunto de disciplinas vinculadas à formação pedagógica
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
O diagnóstico mostra que as técnicas de ensino estavam descoladas dos objetivos de produção de
um conhecimento e que não havia consenso sobre o significado do ensino de História; ele defende uma
maior discussão para que seu sentido seja a produção de conhecimento e possibilidade de instrumentação
profissional do professor.
Em 1997, a História e a Geografia voltam aos currículos escolares. Seu ensino é repensado a
partir das discussões acumuladas, e o governo federal lança Diretrizes Curriculares e Parâmetros
Curriculares como instrumentos e apoios para os professores, do que trataremos analisando
suas características e suas propostas em diálogo com as tensões políticas e com o processo de
constituição do campo da didática.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Ao mesmo tempo em que a seleção de conteúdos curriculares foi se organizando ao longo do tempo,
com implicações políticas e sociais e, levando em conta como argumento as condições necessárias à
aprendizagem dos alunos, foi se configurando uma Didática da História, voltada à metodologia de
ensino e à formação de professores.
Os primeiros métodos pedagógicos propostos eram voltados para a memorização e para a introjeção
dos valores a partir de recursos como as festas, que, de algum modo, lembram a metodologia do teatro
utilizada pelos jesuítas, desde o século XVI.
Os métodos mnemônicos tinham também uma razão de ser do ponto de vista sociocultural. A
sociedade brasileira, da época, apresentava uma minoria da população letrada. A maioria não tinha
acesso à escrita e já havia incorporado as formas de comunicação oral, entre elas, a repetição. Eram,
portanto, esses os métodos mais eficientes para os objetivos da escola. Com as mudanças dos hábitos
culturais, esses métodos passam a cair, pois eram considerados ultrapassados.
É possível conhecê‑los hoje por meio de manuais didáticos e de romances. Um dos livros mais
adotados de História do Brasil era Lições de História do Brasil de Joaquim Manuel de Macedo, professor
do Colégio Pedro II, publicado por volta de 1861 com várias reedições. Cada lição deveria ser exposta pelo
professor e lida pelo aluno. A seguir um texto com as explicações sobre os locais mencionados depois,
um resumo, na forma de quadro sinótico, dividido em personagens, atributos, feitos e acontecimentos
e data e, a seguir, um conjunto de perguntas.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Figura 2
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Figura 3
Saiba mais
Entretanto, ainda é nesse período de valorização dos heróis da pátria que podemos situar os primeiros
manuais para professores e, por conseguinte, no dizer de Schmidt (2006), o início da constituição da
disciplina Didática de História com um código, pois eles tornam possível para nós hoje o conhecimento
do que se entendia por ensinar História, e que essa formação era um valor social.
Schmidt e Cainelli (2004) citam como um precursor, nesse sentido, a obra de Jonathas Serrano, que
se destaca por ter escrito dois manuais voltados ao ensino de História. Em 1917, Metodologia da História
na Aula primária e, em 1935, Como Se Ensina História. Na primeira, ele exalta a História pátria e o culto
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
ao herói, mas também indica que o professor deveria escolher uma biografia que despertasse o interesse
dos alunos e utilizasse outros materiais como mapas e gravuras. Ou seja, a chamada história biográfica
não se restringia à narrativa da vida de um herói e sua repetição.
Vale ler uma página desse manual que ensina como se deve ensinar História:
Serrano, formado no Colégio Pedro II, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e
professor tanto do Pedro II como da Escola Normal do antigo Distrito Federal, interage com autores
expressivos da produção educacional, inclusive com John Dewey, com o qual se alinha para defender a
ideia de que o ensino de História deve ter como referência primordial a experiência da criança, o estímulo
à sua curiosidade e o desenvolvimento de significações com base nas necessidades reais das crianças,
tendo como ponto de partida a relação passado/presente. Por isso, a memorização e os elementos
apresentados devem ser de interesse dos alunos, mas não se justificam por si só.
Nos primeiros anos do século XX, de fato, a Europa e os Estados Unidos discutiam sobre a
intencionalidade dos atos de ensinar e sobre as possibilidades e condições da compreensão dos alunos.
Um expoente desse momento foi o filósofo americano John Dewey que influenciou no Brasil a obra de
representantes da Escola Nova, entre eles, Lourenço Filho e Anísio Teixeira. Jonathas Serrano, do colégio
Pedro II, se alinha assim à Escola Nova, de algum modo.
Em 1935, Murilo Mendes escreve A História no Curso Secundário, em que procura se apropriar
da Filosofia da História, da reforma da escola secundária e dos métodos do ensino de História. Está
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
preocupado com as metodologias de ensino e sobre a adequação desses com os ideais e interesses da
juventude.
O Ministério da Educação, após a consolidação da regulamentação dos cursos, também passa a atuar
na área de formação de professores, assim, em 1959, publica Apostilas de Didática Especial de História,
que perfaziam oito unidades, sendo elas:
A organização da apostila fala por si, diz respeito ao foco da didática da História e suas preocupações
com o ensino. Era interessante para o estudante, ou para o professor que já lecionava e que estava
se especializando no estudo da História, entrar em contato com a concepção de método formulada
nos seguintes termos: “uma atividade é metódica quando refletida, ordenada e visa atingir um fim”
[...] Método é simplesmente um conjunto de processos que devemos empregar, para obter resultados
desejados” [...] (CADES apud URBAN, 2011, p. 45).
Definição hoje contestada por não se revelar de eficácia comprovada, pois, para grupos de
alunos distintos, nem sempre a mesma ação configura‑se como eficiente. Os autores das apostilas se
preocupavam em apresentar as principais técnicas utilizadas na seleção e ordenação do conteúdo da
História. Segundo eles (CADES, 1959, p. 17‑24), as principais são:
24
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Podemos inferir, a partir desse exemplo, que as preocupações com temporalidade já estavam
presentes nas ideias de alguns professores. Também podemos inferir que, apesar de definirem o método
como técnica para obter um fim, a diferenciação entre as possibilidades sugeridas indica a necessidade
de uma escolha ativa por parte dos professores, portanto, da análise das condições concretas de sua sala
de aula e de seus alunos para a escolha do caminho que julgar mais conveniente.
Na mesma década, Amélia Americano Domingos de Castro, em 1952, escreveu Princípios do Método
no Ensino de História. Ela apresenta seus propósitos de modo claro e inequívoco contribuindo para
a compreensão da Didática como uma aplicação prática, mas não mecânica, de princípios básicos
da História e da Pedagogia, considerando a intencionalidade e a finalidade da ação educativa e as
características dos educandos. Somente a partir desses pressupostos, segundo a autora, é que se
desenvolvem os processos didáticos. Enfim, a didática se configura aí com muita clareza como um saber
prático indissociado do conhecimento teórico. As palavras da autora são muito apropriadas e auxiliam
a exposição do que seja a constituição do campo da Didática da História.
Lembrete
Ainda na década de 1950, diante das discussões sobre a abolição do ensino de História e sua
impropriedade pela dificuldade de aprendizagem, defendida por Delgado de Carvalho, foram
apresentados argumentos na defesa da sua especificidade e valor como disciplina escolar do ponto de
vista da formação dos alunos. Um dos exemplos dessa argumentação foi a publicação de Emília Viotti da
Costa, professora de metodologia do ensino de história, na Universidade de São Paulo, em 1959.
25
DIDÁTICA ESPECÍFICA
No curso secundário:
Nos anos 1960, João Alfredo Libâneo Guedes, em 1963, um dos autores das apostilas de didática
especial da História, escreve um curso de Didática da História, no qual reafirma sua relação com a Psicologia
e com a Didática Geral. E indica a importância da preparação do ambiente da aula. Descreve o que ele
chama de Sala de História, muito utilizada por educadores ingleses e que gerou o que convencionamos
chamar de “sala‑ambiente”. Essa sala deve ser ampla para conter, no fundo, prateleiras com modelos,
no centro, um epidiascópio e máquina de projeção. No centro, as carteiras dos alunos. De um lado, a
exposição museológica e a mapoteca e, de outro, os dioramas. Na frente, a plataforma de demonstração
necessária para despertar a atenção focal dos alunos. E, atrás da plataforma, o quadro‑negro e a tela
móvel. Anexo à sala, deverá existir um pequeno laboratório de trabalho manual (GUEDES, 1963, p. 103).
Lembrete
Ainda na década de 1960, mais precisamente em 1969, publicou‑se O Ensino da História no Primário
e no Ginásio, de Miriam Moreira Leite. Obra que foi referência no seu tempo, segundo Ana Cláudia Urban
26
DIDÁTICA ESPECÍFICA
(2011), e que apresenta algumas ideias que nos permitem compreender a transformações havidas no
processo de concepção da História como disciplina escolar e, por conseguinte, da justificativa de uma
Didática da História.
Lembrete
Elza Nadai, em 1993, apontava para as relações com a Universidade, em artigo publicado na Revista
Brasileira de História.
E também enfatizava que o professor deveria ser um intelectual que pensa a história da construção
do ensino e contribui para o efetivo fortalecimento desse campo de conhecimento. Elza Nadai também
afirmava, concordando com François Furet, que:
Estava posto o lugar da História como disciplina escolar com uma posição própria no campo
educacional. Foram abertos alguns fóruns de debates, estudos, campo de pesquisa e reflexão sobre
diversas abordagens e temáticas sobre o ensino de História, questionamentos sobre seus conteúdos
curriculares, metodologias de ensino. Análises sobre o que é o conhecimento histórico, ou seja, questões
epistemológicas envolvidas no conhecimento histórico e o que significa sua reprodução no ensino da
História para a escola fundamental e média.
Saiba mais
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Uma concepção de disciplina escolar é a que define que o conteúdo escolar deva corresponder
a uma transposição didática da ciência de referência produzida em centros universitários, com rigor
metodológico. Os responsáveis por essa transposição ou vulgarização são os autores de livros didáticos,
burocratas dos ministérios e secretarias da educação, os técnicos educacionais e até mesmo a família.
O representante máximo dessa concepção é Yves Chevallard, que se notabilizou por estudar o ensino
da Matemática e entrou em voga quando a educação dos valores nacionais passa a ser superada pela
importância da educação com vistas ao desenvolvimento científico.
Segundo o autor, muito citado no Brasil, mas cuja obra nunca foi traduzida para o português:
Um conteúdo de saber que foi designado como saber a ensinar sofre a partir
de então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná‑lo apto
para ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O trabalho que transforma
um objeto de saber a ser ensinado em um objeto de ensino é denominado
transposição didática (CHEVALLARD, 2005, p. 45, tradução nossa).
Esse processo se dá em quatro etapas: o saber acadêmico, o saber a ensinar, o saber ensinado e o
saber aprendido.
O saber a ensinar, que desencadeia o processo, é definido por técnicos, representantes de associações
e professores militantes, através da seleção do saber acadêmico e de sua estruturação didática.
O saber ensinado é aquele, então, fruto do saber docente, no qual o professor é o sujeito ao fazer
escolhas quando seleciona, organiza, recorre, enfim, sistematiza, na aula o saber a ensinar.
O aluno, como sujeito de um processo de aprendizagem, elabora o seu conhecimento a partir dessa
relação com o saber ensinado e nas suas relações sociais, construindo o seu saber aprendido.
A boa transposição seria então aquela efetuada quando há mudanças de espaço de produção do
conhecimento e propicia a sua melhor reconstrução, recriação de saberes e ações mais eficientes, como
afirma Anhorn (2003).
Esse conceito é importante na pesquisa sobre o ensino porque permite à academia compreender o
processo de ensino, levando em conta sujeitos e subjetividades. Mas também permite ao professor a
reflexão sobre o seu modo de organizar as aulas em função do conhecimento que pretende ensinar, o
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
que diz respeito à seleção e preparação de material e também às argumentações. Também permite a
análise dos conteúdos aprendidos com o que se pretendia ensinar.
Ainda que seja possível criticar a hierarquia dos conhecimentos decorrentes da ideia da disciplina
escolar como transposição didática, é preciso reconhecer que esta concepção promoveu uma mudança
importante em relação ao tempo em que os conteúdos do ensino de História, no Brasil, estavam
estruturados no estudo da História da Europa Ocidental. A pesquisa histórica e a crítica à distância
entre a História ensinada e a produção acadêmica que trazia outros conhecimentos sobre a estrutura
social da História do Brasil, sobre a produção ideológica da História, sobre a valorização do cotidiano
e as pesquisas deram lugar ao homem comum como sujeito da História. Enfim, inúmeras foram as
contribuições da transposição didática para a renovação do ensino e ainda serão.
Do que entendemos por cultura escolar fazem parte as práticas decorrentes de objetivos educacionais,
de objetivos formativos, da função social da escola, da avaliação e da organização do tempo e do espaço
na escola. De tal modo que podemos identificar uma razão didática que se explica pela compreensão do
conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos selecionados, organizados, normalizados e transformados em
rotina na instituição escolar. O que, para o pesquisador francês Forquin (1993), denomina‑se “cultura escolar”.
Trata‑se, então, de uma cultura que emerge no interior da escola, através das práticas e relações
cotidianas de docentes e discentes. Esse conceito dá conta de um aspecto que escapa à transposição
didática: a escola produz valores e práticas que por vezes até justificam a criação do saber sábio, ou
da pesquisa acadêmica. Nessa linha crítica, Ivor Goodson (1995) argumenta que existem conteúdos
escolares ensinados na escola que não correspondem a uma disciplina acadêmica preexistente. É no
interior da escola que se formam as disciplinas escolares. Isso é o que defendem André Chervel (1990) e
Ivor Goodson (1995) a partir de suas pesquisas sobre práticas desenvolvidas na escola. Para André Chervel
(1990), as disciplinas escolares têm objetivos próprios que, na maioria das vezes, não se confundem com
os objetivos da ciência de referência. Por isso, a seleção de conteúdos decorre de um sistema de valores
e interesses da escola e do papel que desempenha na sociedade.
A pesquisa de Chervel sobre a história da gramática escolar na França inspirou vários estudos e
reflexões posteriores a esse respeito. Ele concluiu que as regras gramaticais e normas da Língua Francesa
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
decorreram da necessidade que a escola tinha de ensinar todos os franceses a escrever do mesmo modo,
de acordo com critérios criados para serem obedecidas no meio escolar. A Gramática como estudo
acadêmico surgiu mais tarde.
Entre nós, também, ainda segundo Bittencourt, o currículo decorrente da Lei de Diretrizes e Bases
de 1962, que definiu o currículo mínimo pelo Conselho Federal de Educação, era composto pelas
disciplinas que também já compunham as propostas curriculares do Ensino Fundamental e Médio e já
estavam presentes nos livros didáticos: História Antiga, História Medieval, História Moderna, História
Contemporânea, História da América e História do Brasil.
Assim, pesquisar a cultura escolar permite à acadêmica lançar luzes sobre os processos didáticos e,
aos professores, pensar sobre a cultura escolar, o que nos leva a introduzir a reflexão crítica e análise
sobre as práticas cotidianas e as rotinas para valorizá‑las ou compreendê‑las e, talvez, conseguirmos
transformá‑las.
Nessa linha de pesquisa e de atuação no campo do ensino da História na universidade e nas escolas
públicas, destaca‑se a atuação no Paraná de Maria Auxiliadora Schmidt. Suas pesquisas tratam de
procurar entender como o aluno constrói a ideia sobre a História, sobre os conteúdos trabalhados na
escola, sob o ponto de vista da cognição histórica e não da Psicologia, e alinham‑se às pesquisas da
década de 1980 e 1990, que também se desenvolveram no Reino Unido, na América do Norte, na
Espanha e em Portugal.
Essas pesquisas contribuem com seus resultados com a discussão acerca da aprendizagem da
História e, por conseguinte, para considerações e instrumentação dos professores acerca das suas ações
didáticas e das possíveis intervenções junto à classe ou aos alunos. Um exemplo são as contribuições
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
de Izabel Barca (2001), como sua pesquisa sobre os alunos do 6º ano de escolaridade e a compreensão
dos conceitos históricos e sua relação com as ideias tácitas. Segundo essa pesquisadora, os conceitos
históricos são compreendidos pela sua relação com os conceitos da realidade humana e social que o
sujeito experiencia. Quando o aluno procura explicações para uma situação do passado, à luz da sua
própria experiência, mesmo sem apreciar as diferenças entre as suas crenças e valores e as de outra
sociedade, revela já um esforço de compreensão histórica.
A partir dessas considerações, é preciso que os professores levem em consideração tanto as ideias
tácitas quanto os conceitos históricos, pois ambos fazem parte da cognição histórica.
A educação histórica, ao se voltar para a cognição histórica, buscou estudar os níveis de progressão
dos alunos. E uma contribuição importante é a discriminação dos conceitos que os alunos desenvolvem
e necessitam desenvolver para aprender História. Segundo o pesquisador britânico Peter Lee (2001), há
duas ordens de conceitos: os de primeira ordem e os de segunda ordem.
Os conceitos de primeira ordem são datas, eventos, e conceitos como agricultor, governante,
impostos, Estado, grande propriedade, senhor de engenho, operário, partido etc.
Mas há conceitos de segunda ordem, que são os que dão consistência à disciplina, eles são narrativas,
relatos, explicações. São eles que compõem o conhecimento específico da História e estão na base da
possibilidade de construção de um pensamento histórico.
A contribuição da Educação Histórica para a formação dos professores de História é provocar sua
reflexão sobre o sentido do seu trabalho na construção do conhecimento histórico propriamente dito,
pois, segundo Schmidt e Garcia (2005), a Didática da História, por ser o campo de discussão e ação em
relação à seleção de conteúdos e estratégias de ensino, no seu atual estágio de desenvolvimento, exige
que o professor compreenda não apenas os critérios normativos e nacionais das propostas curriculares
e dos programas escolares, como também as condições de produção do conhecimento histórico, a partir
de problematizações distintas, sujeitos históricos distintos, vozes silenciadas.
Saiba mais
Lembrete
Na leitura das diretrizes curriculares e demais documentos, observamos que o ensino de História
permanece apresentando como objetivo central a formação da identidade nacional. Entretanto,
33
DIDÁTICA ESPECÍFICA
atualmente, o entendimento desse conceito é outro. A identidade nacional não é mais pensada nas
propostas de ensino como com um objeto imutável e permanente. Diversamente do início do século XX,
ela se apresenta multifacetada, ainda que se pretenda uma, afirmando e reconhecendo a identidade de
diferentes grupos sociais e regionais, que têm conflitos entre si, disputam hegemonias e, ainda assim,
dão conformação ao um consenso nacional. Esse é um tema em que há permanência e ruptura.
O campo da Didática da História, assim como o campo da Educação, continua a ser espaços de
disputa de poder pelos vários agentes sociais, incluindo não apenas classes sociais (como vimos no caso
do manual História Nova do Brasil, e da escola anarquista), mas também movimentos sociais, incluindo o
movimento negro e as manifestações dos povos indígenas e, ainda, as posições das classes dominantes.
• O que é ideológico e qual sua relação com a ciência e com a seleção de conteúdo.
2.1 O que é ideológico e qual sua relação com a ciência e com a seleção de
conteúdo?
Atualmente, temos lido na grande imprensa, algum destaque para críticas ao material didático de
História como sendo ideologicamente tendencioso.
Saiba mais
Entretanto, hoje, temos o desafio de não apresentarmos uma versão única da História e, ao mesmo
tempo, compor uma narrativa que contemple as diferenças em uma perspectiva de compor possibilidades
da compreensão do passado como herança da humanidade na perspectiva da construção de um futuro.
É, portanto, muito difícil não considerar diferentes pontos de vista, muitas vezes, em conflito com o de
um grupo social.
34
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Por esse motivo, algumas considerações sobre o conceito de “ideologia” são importantes para
problematizarmos, questionarmos e avaliarmos a contribuição de matérias jornalísticas para a reflexão
do professor de História atuante ou em formação.
Comecemos pela história dessa palavra e sua importância na compreensão das ideias de uma época.
A expressão “ideologia” começou a ser conhecida e difundida nos primeiros anos do século XIX, a
partir do livro Elementos de Ideologia (Eléments d’Ideologie), de Destutt de Tracy. O objetivo do autor era
elaborar uma “ciência das ideias”, compreendendo a gênese delas e, assim, possibilitar percepções mais
adequadas da realidade com efeitos gerais na vida dos homens, em especial no tocante à política e à
moral. Considerando que as ideias deveriam ser compreendidas como fenômenos naturais, elas também
poderiam ser objeto de uma ciência específica a ser desenvolvida: a ideologia. Ou seja, a palavra surgiu
com o sentido de uma ciência para compreender as ideias e não como um adjetivo pejorativo que acaba
por desqualificar uma dada ideia. Por isso, não podemos julgar um material didático considerando
apenas um pequeno trecho dele, mas sua função dentro de todo o projeto editorial.
Entretanto, esse sentido da palavra não vingou. O que explica o sentido pejorativo com o qual,
frequentemente, se emprega a palavra “ideologia”. O projeto de Destutt de Tracy não deu certo. Sofreu
muitas críticas, pois ele pretendia estabelecer critérios para definir o que seriam ideias válidas e
positivas, inclusive no campo da política. Por consequência, a expressão passou a ter uma conotação
negativa, referindo‑se a tentativas de implementar ideias ou projetos ilusórios ou utópicos, desprovidos
de sentido. Ao contrário de seu sentido pretendido, “ideologia” e “ideológico” tornaram‑se sinônimos de
ideias falsas e de representações ilógicas da realidade que, inclusive, poderiam impedir a produção de
conhecimento efetivamente válido sobre a natureza e os homens, como o desenvolvido pelas ciências.
Neste sentido, Auguste Comte irá se referir à ideologia como conjunto de ideias de uma época,
presentes na opinião geral da sociedade, portanto, no senso comum, porém não tendo necessariamente
fundamentos lógicos ou sendo resultados de demonstrações confiáveis e racionais. Enfim, podendo
ser tão somente preconceitos arraigados e não devidamente questionáveis, devendo ser não somente
evitados como objeto de crítica mediante o emprego de método científico. Ideologia, assim, tornou‑se
um obstáculo ao conhecimento científico ou “positivo” na conhecida expressão de Comte. Por
consequência, a(s) ideologia(s) tornou‑se a temática presente tanto no âmbito da metodologia e da
epistemologia, como também na teoria política. Particularmente, nas Ciências Humanas, dadas as suas
próprias características, os debates sobre conhecimento objetivo, neutralidade axiológica, empirismo e
racionalismo sempre estiveram relacionados à discussão do significado da expressão e suas consequências
na produção do conhecimento.
No campo das Ciências Sociais, em que se situa a História, o empirismo, notadamente em suas
versões neopositivistas, foi objeto de questionamentos e severas críticas; o significado da expressão
“ideologia”, em termos gerais, pode ser entendido sob duas formas.
gênero, etnia. Nesse sentido, a ideologia é considerada como um elemento imaginário que ocultaria a
realidade, isto é, as formas concretas de existências das relações sociais e dos interesses nelas presentes,
tendo, também por consequência, uma dimensão histórica. Nessa perspectiva, a ideologia, sendo
falsa consciência, poderia ser superada, substituída por uma “consciência verdadeira”, não falseada da
realidade, na medida em que processos políticos rompessem com formas de dominação existentes e
permitissem uma compreensão justa da realidade.
Lembrete
O grande “xis” da questão está em responder duas interrogações: por que, ao contrário do que
muitas vezes se pensa, o termo “ideologia” é usado para referir‑se às ideias de dominação de uma
classe sobre outra? De toda forma, como é possível uma ideologia favorecer o domínio de um segmento
menor de pessoas em detrimento de uma comunidade infinitamente maior? Por exemplo, como os
livros de História deixaram de lado, por tanto tempo, os trabalhadores, quer fossem escravos, quer
fossem operários, como agentes com importante papel da construção do país?
Na segunda forma, a ideologia não é reduzida à condição de falsa consciência da realidade, mas
sim entendida como “visão de mundo”, percepções da realidade que, sob as mais diferentes formas,
inclusive simbólicas, se fazem presentes na vida dos homens, em todo e qualquer tipo de sociedade.
A ideologia se constitui em elemento da cultura, não podendo, em última instância, ser eliminada da
existência humana. Nessa perspectiva, ao contrário de se falar na ideologia, no singular, deve‑se falar
de ideologias, no plural, pois os homens necessariamente as produziriam a partir das suas experiências
de vida e eles não podem viver sem concomitantemente construir percepções da realidade que os
orientam a nela sobreviver, o que não significa afirmar que as ideologias não estão interpenetradas de
interesses. Ao contrário, elas somente podem se constituir a partir dos interesses dos seres humanos,
ainda que por meio de processos não conscientes. Assim sendo, as ideologias apresentam sempre
componentes políticos, ou seja, pertinentes às relações de poder existentes nas sociedades, mas não
podem ser reduzidas tão somente à esfera política.
Desse ponto de vista, ao dar voz aos vários agentes da História e ao sentido que conferem ao
processo histórico, teremos de aceitar que estudar História é explicitar os diferentes agentes sociais e os
conflitos que permeiam as relações internas às sociedades.
Assim precisamos ler atentamente às matérias jornalísticas e procurar saber se as afirmações sobre
o discurso ideológico têm a intenção de menosprezar algumas ideias ou esclarecer a existência de
conflitos sociais. Nesse caso, como tratar dos conflitos de forma positiva sem tomar partido, a princípio,
36
DIDÁTICA ESPECÍFICA
e sem negá‑los? Esse é o desafio do professor de História que deve procurar mostrar os diferentes
agentes históricos aos alunos, considerando as diferentes classes sociais, os conflitos entre elas e os
diferentes interesses e posicionamentos.
Hoje a profissão docente é procurada tanto por jovens que buscam ingresso no mercado de trabalho,
quanto por adultos que procuram realocar‑se profissionalmente. Os mais jovens já estudaram na escola
como ela se apresentou a partir dos anos 1970, especialmente a escola pública: um espaço com um
público diversificado, em relação à idade, experiência familiar e cultura. Muitos deles, cujas famílias
têm raízes no mundo rural passaram a habitar a cidade em condições precárias de moradia, fruto de
uma ocupação urbana desordenada provocada por intenso fluxo migratório do campo para a cidade,
especialmente, do Nordeste para o Sul.
À diversidade do fluxo migratório interno própria dos anos 1950 e que constituiu a formação das
metrópoles do Brasil industrializado, somam‑se o movimento populacional e a reconfiguração do espaço
em tempos de globalização. Atualmente o mundo do trabalho obriga aos deslocamentos populacionais,
do interior do país e do exterior.
Para além da diversidade cultural presente na formação da população brasileira, que deve ser
considerada na escola, tal com está presente na Constituição Federal e nas Diretrizes Curriculares, o
nosso país enfrenta também a presença de outros povos. Temos um universo cultural plural que se
coloca como um desafio para o ensino de história em uma sociedade capitalista com desigualdades
sociais, mas que se quer democrática e com uma agenda de ampliação de direitos, especialmente de
direitos humanos.
Precisamos então ter clareza da função das primeiras narrativas históricas aprendidas na escola
e para o convívio social. É difícil não reconhecermos o papel do ensino de História na formação da
imagem que fazemos do mundo e convidamos, aqui, cada aluno a um exercício introspectivo a partir da
leitura desse trecho de Marc Ferro:
Esse passado não só não é o mesmo para todos como, para cada um de
nós, sua lembrança se modifica com o tempo: essas imagens mudam à
medida que se transformam o saber e as ideologias, e à medida que muda,
na sociedade a função da História (FERRO, 1983, p. 11).
37
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Cabe então a cada um se perguntar sobre seus primeiros contatos com a História do Brasil e do
mundo: quais imagens eram evocadas e qual o lugar dos sujeitos históricos, dos homens comuns, nessa
representação.
Exemplo de aplicação
De que modo sua experiência pessoal se configura no contexto do processo histórico de constituição
do ensino de História? De que maneira esse modo forja uma ideologia?
A diversidade das origens dos diferentes agentes que participam da História nacional está
presente no horizonte do professor de História hoje. Todos têm direito a ter sua história considerada,
o que se torna um desafio para a formação do professor de História, que deve ainda considerar
essa composição no panorama nacional. Ademais há uma forte atuação de movimentos culturais
de minorias étnicas que muitas vezes procuram uma identidade pura, ou negam sua identidade
híbrida. Porém as tradições culturais são inventadas em contextos de contato entre culturas.
Portanto, a música negra, que identifica o movimento negro, nos Estados Unidos, estudada por
Gilroy (2001), desenvolveu‑se não a partir de uma essência negra ou africana, mas da necessidade
de uma expressão política em uma época que aos negros africanos era negada a possibilidade de
alfabetização.
Apesar de, na nossa sociedade, a demanda por aprendizagem ser constante, de vivermos sob o
bordão da aprendizagem ao longo da vida, da aprendizagem permanente e massiva, que precisamos
aprender a aprender, o professor sofre uma grande transformação no seu papel. O que mudou?
38
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Por outro lado, o professor não pode ser uma mera fonte de informação. Não é possível para ele
manter‑se atualizado em relação às pesquisas, que são inúmeras, ocorrem em vários lugares de mundo
e podem ser veiculadas pelas mídias. Atualmente, o valor da informação em relação ao conhecimento
é necessariamente outro. Se, há mais de cinquenta anos, algum aluno podia se vangloriar de saber de
cor os doze césares, hoje, isso não ocorre e, se ocorre, é, no mínimo, bizarro. Pergunta‑se: para que serve
essa informação?
A aprendizagem reprodutiva ligada exclusivamente à memorização não tem lugar quando o valor é o
desenvolvimento do pensamento, a construção de conceitos e tendo em vista não apenas o pensamento
crítico, mas também a valorização da ciência, que implica questionar a informação recebida, formular
novas hipóteses e estratégias de busca de respostas.
Mas como lidar com tanta informação? A segunda metade do século XX sofre de “obesidade
informativa”, pois ela tem imensa capacidade de armazenamento e distribuição de informação, pelo
acesso aos grandes bancos de dados. A informação flui de modo muito dinâmico, mas também pouco
organizado em relação às sociedades em que o suporte da informação era a escrita Segundo Pozo:
Saiba mais
A maneira de estocar a informação corresponde a uma dada concepção do tempo como aponta
Pierre Lévy em obra publicada em 1990 e traduzida para o português em 1993. Esse autor caracteriza
o tempo das sociedades da escrita como o tempo linear que imprime uma ordem sequencial nos
calendários, datas, anais e arquivos. É a memória estocada, é o tempo da irreversibilidade. Já a sociedade
da informática produz outro tempo, veloz, não adequado à linearidade proposta ou imposta pela
39
DIDÁTICA ESPECÍFICA
modernidade ou, no dizer do autor, o tempo das sociedades da escrita. Esta velocidade é percebida em
vários sentidos e estamos sempre “atrasados” em relação a essa tecnologia. São sociedades do tempo
pontual; o tempo da memória curta, que salta de um ponto a outro, organizado como rede, como
rizoma. Tempos passados que se presentificam, coexistem.
Saiba mais
Esse autor já fala de uma tendência à negação do passado, a sua transformação em presente. Esse fenômeno
denomina‑se “presentismo”. Tema de grande preocupação e interesse de reflexão para os historiadores ainda
hoje, quase trinta anos depois da publicação do trabalho de Pierre Levy. O historiador Hobsbawn também
escrevia em meados dos anos 1990 que quase todos os jovens crescem numa espécie de presente contínuo,
sem qualquer relação com o passado da época em que vivem. Nesse contexto o papel dos historiadores é
fazer lembrar o esquecido, para além da crônica, da memória e da compilação (HOBSBAWN, 1995).
Essa tendência revela‑se de grande risco quando implica o esquecimento de um passado público.
O passado público valoriza‑se apenas pela memória e não pela história que o analisa como experiência
político‑social.
Maria de Lourdes Janotti (1997) considera que essa tendência indica possibilidade de produzir uma
grande alienação coletiva e relaciona‑se com as transformações produzidas pela globalização econômica
mundial. As diferenças absolutas são relativizadas e o imperialismo do mercado reduz tudo à lógica
econômica. A cultura regional transforma‑se em mero produto de consumo nos ritmos produzidos pelas
mídias, configurando‑se como algo interessante, com valor de consumo privado. Ignora‑se, no entanto,
seu sentido ideológico, desinteressa‑se pelo passado público e sobretudo pela vontade política que leva
à crítica e à construção de projetos futuros.
Saiba mais
40
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• A escola é para os jovens apenas um de seus interesses, entre outros como amigos, encontros
sociais e até trabalho de meio turno.
• Os alunos querem controlar aquilo com que se envolvem e não aceitam explicações do mundo
apenas segundo o professor.
Em 1991, Esteve mostrava a perda do consenso sobre a educação, considerada do ponto de vista da
educação tradicional:
O professor deve enfrentar esse desafio que contempla a variedade de alunos em sala de aula, as
imposições dos exames externos que, apesar de exigirem criatividade e autonomia de aprendizagem,
também exigem treino pelo modo como são propostos. Ao mesmo tempo, há que se enfrentar a
passagem de um modelo único de ensino para uma elite e para um sistema de massas, em um momento
específico da economia capitalista, em que tanto o desenvolvimento das tecnologias de informação
como o mundo do trabalho se modificam e impõem mudanças bastante velozes com significativos
impactos sociais.
41
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Exemplo de aplicação
A partir das leituras do presente texto, analise seu cotidiano como aluno ou aluna e verifique em
que medida as observações sobre a condição de trabalho do professor podem ser corroboradas por você,
como aluno.
Nesse sentido, o ensino de História tem um caráter pedagógico, o qual é diretamente vinculado à
função reflexiva que lhe foi atribuída nas sociedades modernas. Haver uma didática para o ensino da
História passa, igualmente, a ter sentido porque é um instrumento necessário ao cumprimento desta
função maior do ensino da História. Podemos ainda acrescentar que a universalização da escolarização
progressivamente contínua em todas as sociedades modernas, em que a formação para a cidadania
ocupou papel preponderante na legitimação política da escolarização – e não somente da “instrução”
– fez com que o ensino da História também passasse a ser importante, inclusive o entendimento dos
processos históricos.
Você reconheceria esses propósitos na proposta pedagógica de Joaquim Manuel de Macedo calcada
na reprodução de alguns fatos históricos, por meio de textos e resumos? E nos textos de Jonathas Serrano,
sobre como ensinar História e quais imagens utilizar, e Emília Viotti da Costa, sobre a importância da
História na formação dos alunos?
O que mudou na Didática da História foi a ênfase no caráter de educação para a reflexão, para uma
postura ativa dos alunos e para a compreensão dos processos históricos. No Brasil, podemos dizer que,
como pano de fundo, tivemos grandes transformações: de uma sociedade escravista, de um Estado
com forte vínculo com a Igreja e preponderância oligárquica, passamos a uma sociedade industrial (ou
agroindustrial), com pluralidade religiosa e um forte movimento pela democracia, pela representação
de setores sociais que estiveram fora da esfera de decisão política. Podemos dizer que, à medida que a
sociedade brasileira se modernizava, outros setores sociais participavam das decisões, e a reflexividade
torna‑se um valor.
Nesse sentido, é importante conhecer melhor qual a relação entre modernidade e reflexividade
dos agentes sociais para pensarmos no sentido que damos a ideias‑chave no discurso educacional
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
em geral e, também, naquele produzido sobre o ensino de História: a recusa ao tradicional, entendido
como reprodução e mera memorização; a valorização da inovação tecnológica a qual nem sempre vem
acompanhada de reflexão por parte de alunos e professores.
Busque exemplos de suas vivências. Sempre que se mencionam métodos tradicionais, eles estão
vinculados à memorização apenas? Sempre que se faz uso de tecnologias consideradas inovadoras, em
geral, aquelas oriundas das tecnologias de informação e da comunicação, as TICs, há um esforço de
reflexão por parte de alunos e professores?
O uso do novo ou tradicional está efetivamente vinculado à sua possibilidade de reflexão e são
adjetivos utilizados para apenas reforçar alguma mudança de práticas que se quer valorizar?
O que é então ser reflexivo? Vários autores, a partir do anos 1980, defenderam a ideia de que
professor e outros profissionais deveriam ter uma formação que considerasse a reflexividade e a
prática. Estudos realizados nos Estados Unidos, nos anos 1980, observaram que apenas o discurso
teórico não formava para a reflexão em algumas profissões. Era preciso haver uma relação entre as
ações práticas, que são repetidas de forma quase automática, sem questionamentos, e uma reflexão
consistente sobre as condições concretas e imediatas que subsidiasse decisões práticas embasadas
em conhecimentos profissionais estabelecidos. Há áreas profissionais que exigem a aplicação de um
conhecimento sobre outra pessoa e nas quais a experiência não pode ser repetida para ser corrigida,
como é o caso das áreas da saúde e da educação. Essas áreas exigem uma reflexão sobre a ação
prática que possibilite sua readequação rápida dependendo dos efeitos da intervenção feita. Essa
condição está presente na educação, o que levou Philipe Perrenoud a formular o bordão “o professor
age na urgência e decide na incerteza”.
Muitos foram os títulos de livros que trazem a expressão “professor‑reflexivo” e que se propunham
a apresentar uma alternativa a uma ação tradicional do professor, não reflexiva.
O que significa então relacionar modernidade e reflexividade? Para entendermos um pouco mais
sobre isso, vamos apresentar as ideias do sociólogo inglês Giddens, que relaciona esses dois termos.
Giddens (1987) escreve muito sobre o tema e tece várias considerações sobre o que poderíamos
chamar de intensificação de práticas reflexivas pelos agentes sociais na modernidade que decorrem
de sua conceituação do agente social em que cognição e linguagem têm papel fundamental, sempre
correlacionadas à capacidade dos atores realizarem algum tipo de controle consciente sobre as suas
ações, ou seja, exercerem uma capacidade reflexiva que seria inerente aos humanos.
Afinal, todo agente realiza monitoramentos reflexivos de suas próprias ações, dos aspectos, dos
contextos em que se encontra e das ações dos outros agentes, o que implica empreender uma constante
racionalização de suas ações, mesmo que não demonstre maior consciência disso. Nesse sentido, os
agentes teriam dois tipos de consciência: uma prática (um entendimento, e subsequente competência,
acerca do que tem que fazer em determinados contextos e situações) e uma discursiva, que se
manifestaria pela capacidade de, por meio de discurso, expor e explicar as razões pelas quais as ações
ocorrem de determinadas maneiras, tanto as suas como as dos outros agentes.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
A partir disso, precisamos considerar que todas as práticas sociais incluem a cognitividade (a
capacidade de compreensão e de conhecimento da realidade) dos seus agentes sociais. Sem ela, não
há possibilidade de se efetivar a interação social entre humanos, pois as atividades sociais só poderiam
ser produzidas (e reproduzidas) mediante a construção de possibilidades de ocorrência resultantes das
ações dos agentes em tempo‑espaço específicos.
Segundo Giddens (1987), corroborado por estudos de vários historiadores e sociólogos, a vigilância
se faz presente como componente do Estado Moderno, que se amplia à medida que a modernidade
avança. Em resumo, entendemos aqui por modernidade as transformações do tempo e espaço das
relações sociais decorrentes de inovações tecnológicas produzidas pela industrialização capitalista.
Giddens (1987) mostra que essas exigências não se deram de igual modo em todos os locais. Ele considera
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
que há regiões de maior controle. As de maior controle e vigilância das relações coincidem com as zonas
de maior risco e vulnerabilidade, pois são mais valorizadas. Poderíamos chamar de zonas centrais no
sistema capitalista. Nas outras regiões, as periféricas, podem emergir comportamentos mais relaxados e
de maior intimidade entre os agentes, com mais afetividade e também mais agressividade. Sua análise
refere‑se às cidades, à geopolítica. Mas podemos encontrar implicações na escola, no sistema escolar.
Na escola, essas ações de vigilância e controle perpassam as atividades sociais que ali se desenvolvem,
em que se estabelecem “linhas de autoridade” internas e externas, que perpassariam as relações entre
os agentes internos à escola (diretores, professores e alunos) e entre esses últimos e os “agentes
externos”, que envolvem uma gama de agentes externos à escola e que nela interferem: autoridades
governamentais a pais de alunos e indivíduos em geral. Os agentes e suas ações de vigilância e controle
se concretizam também na organização espacial e temporal da escola.
Observação
Exemplo de aplicação
Podemos relacionar essas zonas prioritárias de controle à história da implantação dos currículos de
História no Brasil? Quem foram e quem são os agentes sociais envolvidos?
Entretanto, esse processo que ocorre no caso brasileiro não diz respeito apenas ao maior controle,
também identificamos a ampliação da participação dos agentes sociais envolvidos em vários níveis: o
Ministério da Educação, as secretarias, as universidades, os associações de professores. As discussões,
propostas e produção de discursos sobre o ensino de História e suas práticas são crescentes e estimuladas
pelo processo da elaboração e acompanhamentos dos currículos, com evidentes propostas de alteração
da organização do espaço e do tempo na escola. Estas acompanham as mudanças relativas à concepção
de tempo do mundo informatizado, ainda que a este não se subordinem.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Consciência reflexiva e consciência prática não apresentariam barreiras intransponíveis entre si, pois
a primeira permite que se fale (portanto, se pense) sobre a ação; e a segunda – a prática – permite a
ação rotinizada, não refletida.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Lembrete
Essas considerações sobre reflexividade e modernidade, vinculadas à ação sobre a sociedade, podem
nos ajudar a pensar os desafios postos pelo professor na atualidade, e que não existiam desse modo
anteriormente, nas últimas duas décadas do século XX: a democratização do ensino, a globalização e a
diversidade da clientela escolar, além do impacto das novas tecnologias na economia e nas considerações
sobre o tempo e o conhecimento histórico (presentismo).
Não é à toa que autores como Giddens (1987) salientaram ser o prolongamento da escolarização da
população um forte indicador da modernização de uma sociedade, vistos seus efeitos sobre os modos
de sociabilidade e de compreensão da realidade que os agentes sociais passam a internalizar. Indivíduos
mais escolarizados têm expectativas de futuro pautadas por padrões culturais tipicamente modernos,
em geral incorporados por meio da experiência escolar, que lhes permitem construir suas identidades
pessoais e coletivas – e também suas perspectivas de vida como adultos – mediante um “projeto
reflexivo” (GIDDENS, 1987).
No entanto o discurso reflexivo não é simplesmente orientador das práticas, subalternizando‑as. Por
isso, é importante analisar para compreender as expectativas de futuro de alunos tão diversos, uma vez
que as trajetórias escolares, se consideradas fundamentais para a conformação de indivíduos modernos,
podem, mesmo quando semelhantes, ser objeto de atribuições diversas por esses mesmos indivíduos,
especialmente quanto ao seu papel na definição de “futuros possíveis” (GIDDENS, 1987).
A importância atribuída à trajetória escolar pode, conforme a compreensão que dela tenham os
agentes sociais, ser minimizada, sobretudo, quando eles vêm a ter um grau de escolarização inédito em
suas famílias, caso de muitos dos atuais alunos das redes públicas brasileiras. Entre esses, não é incomum
imputar maior relevância a outros fatores do que às suas trajetórias escolares concretas para a definição
do futuro.
Para que a análise das práticas possa ser instrumento de conhecimento (de seus alunos e de suas
condições de trabalho) e de autoconhecimento (de suas estratégias e de suas possibilidades), o professor
precisa levar em conta que a aprendizagem escolar é uma construção que ocorre em três dimensões: a
individual (aluno), a coletiva (classe) e a social (o contexto social real – comunidade escolar, comunidade
do bairro, família, cidade e País). Ao aceitarmos a existência dessas três dimensões, precisamos levar em
conta: o protagonismo de cada aluno, a diversidade presente no grupo – classe – e a valorização social
dos percursos de construção do conhecimento, especialmente daqueles ligados à disciplina escolar, no
caso, a História. Nesse contexto, o professor tem um papel importante de mediador do diálogo entre os
alunos com suas diferentes experiências, destes com as propostas do material didático, e deste com o
conhecimento produzido na área da disciplina História – o que engloba tanto a disciplina escolar quanto
a área acadêmica. Esse é o desafio para a formação inicial dos professores e para a formação continuada.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Reflexividade implica uma relação entre uma consciência prática e uma consciência discursiva, que
são diferentes, mas estão ligadas, como relacionar a produção e exigência teórica com as questões da
prática? Os princípios que orientam a formação segundo o modelo da racionalidade prática já estavam
presentes em propostas da Escola Nova que, entre nós, foram enfatizadas por Lourenço Filho, para quem
os professores deveriam também ser responsáveis por sua formação ao longo da vida. Ação que envolve
protagonismo na aprendizagem, o estabelecimento de um diálogo do professor (enquanto aluno e
depois, como profissional) com o conteúdo do curso a partir dos elementos que ele julga pertinentes,
a partir da avaliação de uma situação prática vivenciada. Essa atitude de reflexão sobre as situações
práticas que acabam por criar hábitos de análise sobre as ações cotidianas e auxiliam na busca de solução
de problemas de ensino e aprendizagem na sala de aula e produzem um conhecimento profissional, a
partir da prática.
A reflexão sobre a prática não é isolada. Seu espaço de realização é o interior da escola, entre seus
professores e demais profissionais do ensino, e nas instituições de formação. Às considerações iniciais
da Escola Nova e dos defensores da experiência como campo de formação, como o filósofo americano
do início do século XX, John Dewey, podemos somar alguns frutos de pesquisas mais atuais, que apenas
corroboram essas indicações mais antigas.
No campo da formação de professores, Maurice Tardif é um autor a ser estudado para quem quiser
se aprofundar no assunto.
Podemos nos deter aqui nos aspectos principais de suas pesquisas sobre a singularidade do saber
docente que se desenvolve a partir da apropriação, em instituições de formação de professores, de
formulações teóricas sobre o processo de ensino, porém, somente pode ser concretamente incorporado
por um indivíduo mediante o efetivo exercício da prática docente, em suma, nas experiências de ensinar
e por elas.
É importante assinalar, no entanto, que o saber prático se faz da reflexão, por vezes tensa, entre
experiência direta de trabalho no magistério e os postulados teóricos a respeito do processo de ensino
e dos modos legítimos de ensinar. Tensão que não se constitui propriamente em um desacordo entre o
saber prático e as teorias – de fundamentação científica ou filosófica – presentes no campo educacional,
mas sim entre os efeitos das experiências práticas nos professores, especialmente quando estas são
reconhecidas como positivas e emocionalmente significativas, e os efeitos dos modos como são expostas
essas teorias nos cursos de formação inicial, nem sempre bem compreendidas. Esse cenário, por vezes,
no discurso sobre a prática dos professores, manifesta-se como recusa ou desvalorização das teorias
acadêmicas e empobrecimento da argumentação na produção dos discursos sobre a prática.
Isso se verifica em vários estudos, como os de Ana Maria Machado sobre o saber prático dos
professores de História.
Sobre isso, em História, uma dificuldade frequente decorre das considerações acerca do tratamento
do conceito de tempo pela Historiografia e das dificuldades de sua transposição para os currículos de
História.
Tendo em vista essas dificuldades, a partir dos nos 1990, inúmeros espaços formativos para além
da escola e das instituições formadoras procuraram acolher os professores de História, abrindo espaços
para discussão de experiências, estimulando vivências e problematizando‑as. Entre os espaços de
discussão de experiências, relembramos aqui os encontros nacionais e regionais da Associação Nacional
de História (Anpuh) que mantém um grupo de ensino de História do qual participam muitos professores
relatando reflexões sobre suas práticas. Além desses, há também o Encontro Nacional Perspectivas do
Ensino da História. Esses espaços de debate, reflexão e aprendizagem continuada foram fruto da luta de
professores de História da Educação Básica nos movimentos sociais, políticos e acadêmicos de um lado
e, de outro, a expansão da pesquisa nos programas de pós‑graduação, que se abriu para a participação
de professores da escola básica, desde os anos 1990. Em alguns estados, o espaço de reflexão e de
diálogo entre a universidade e a escola básica vêm‑se ampliando e contam com programas de mestrado
profissional em ensino de História e iniciativas de cursos de especialização oferecidos em convênios
entre as universidades e as redes que compõem o sistema de ensino público.
A necessidade de constante atualização e reflexão sistemática também gerou demanda atendida pelo
mercado editorial com a publicação de alguns manuais para o ensino de História, voltado à formação
profissional.
Elencamos aqui alguns dos manuais mais expressivos que procuraram enfrentar os desafios do
ensino e foram fruto de pesquisa sobre o ensino de História.
Em 1997, foi publicado O Saber Escolar e a Sala de Aula, organizado por Circe Bittencourt (1997),
uma das assessoras da elaboração dos PCN de História para as séries finais do Ensino Fundamental.
Sua obra reúne as mais significativas pesquisas apresentadas no 2º Encontro Perspectivas do Ensino de
História, promovido pela Faculdade de Educação da USP com o apoio do núcleo regional da Anpuh de
São Paulo, em fevereiro de 1996.
A segunda parte trata das necessidades e dificuldades no uso de diferentes recursos de ensino sem,
contudo, apontar a solução fácil, mas muito pouco eficiente, conforme já apontado no diagnóstico
de 1986 em relação à reprodução de receitas de dar aula e modelos como estratégia de formação de
professores. Traz uma contribuição significativa por não reduzir o trabalho do professor à aplicação de
sugestões técnicas produzidas distantes da realidade da sala de aula. A concepção de método para o
ensino de História, nos artigos publicados nesse livro, é a do método histórico.
Em 2003, Leandro Karnal, professor de História na Unicamp, publicou História na Sala de Aula:
Conceitos, Práticas e Propostas. O manual é dividido em duas partes: a primeira trata de reflexões
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
gerais e teóricas importantes para a sala de aula, se forem de fato lidas e analisadas. Essa advertência
do organizador, logo nas primeiras páginas, convida o professor‑leitor para ser o protagonismo de sua
leitura e de sua prática, oferecendo‑lhe parâmetros do campo da Didática da História.
Saiba mais
Também, em 2003, como fruto de investigação do Núcleo de Pesquisas e Estudos em História Cultural
do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, Abreu e Soihet (2003) organizaram
o volume Ensino de História: Conceitos, Temáticas e Metodologia, no qual tratam especialmente da
cultura histórica e da cultura política e seu papel no ensino de História, tanto em nível superior como na
escola básica. Os textos analisam diferentes períodos da História, especialmente Getúlio Vargas e Antigo
Regime e o ensino de Brasil Colonial.
Saiba mais
Em 2004, foi publicado, por Maria Auxiliadora Schmidt e Marlena Cainelli, Ensinar História. Um
manual de concepção diferente. Cada um dos tópicos é tratado em cinco etapas: teorizando e debatendo
o tema (a partir de diferentes trechos de diversos autores), trabalhando atividades, ampliando o debate
e comentando bibliografias.
Entre os tópicos trabalhados estão: a História do ensino de História, o saber e o fazer histórico
na sala de aula, as diferentes concepções de História; as considerações sobre o fato histórico e seu
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
ensino, abordagem dos conceitos históricos, a noções de tempo, as fontes, o espaço da história local, a
importância da história oral, do livro didático e a avaliação.
Saiba mais
Para além dos manuais que têm sido publicados, ainda podemos mencionar a importância da
Olimpíada Brasileira em Ensino de História que, desde 2009, apresenta divulgação de documentos de
vários tipos, como os iconográficos, escritos, e mapas sobre a História do Brasil, com considerações sobre
a iconografia, além de divulgação de artigos de revistas oferecendo aos professores uma oportunidade
de acesso a fontes de informação, muitas vezes pouco acessíveis.
Saiba mais
<http://www.olimpiadadehistoria.com.br>
Em todas essas iniciativas, encontros acadêmicos, os manuais e as questões postas pela Olimpíada
Nacional em História do Brasil, são temas de reflexão as relações entre presente e passado, ou seja, a
concepção do tempo histórico, o caráter das narrativas históricas das práticas pedagógicas, o uso de fontes
e documentos, as mediações entre os saberes, o cotidiano da escola e do mundo. Para concluir, podemos
considerar que o diálogo entre a escola e a universidade ocorre de modo dinâmico e são diversos os caminhos
para a formação continuada do professor de História na necessária busca de aprimoramento constante.
Vamos ilustrar a diferença entre o que se pretende ensinar e o saber construído pelos alunos com
dois casos que podem ser considerados anedóticos, mas que nos permitem examinar a importância da
compreensão de noções de tempo e espaço para a construção do conhecimento histórico.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Caso 1 – trata‑se de um relato de experiência de uma pessoa acerca de suas aulas de História na
década de 1960 para ilustrar que não compreendia o que de fato era ensinado. Segundo ela, sempre
se falava em Duque de Caxias, o pai da Pátria. Havia revoltas e lá estava o Duque de Caxias. Em casa,
um dia, ao ouvir o pai comentar sobre problemas sociais e revoltas no Brasil, ela participou da conversa
sugerindo que se chamasse o Duque de Caxias para resolver os problemas. O pai se espanta e pergunta
por quê? Ela explica, séria, que ele é o Pai da Pátria. A família ri, ela sente vergonha. Percebe que o que
julgava ter aprendido era falho.
Esse caso mostra que mesmo que o ensino fosse concebido com intuitos de realçar o poder e a
importância do Estado, precisa fazer sentido. A História, como disciplina, ainda que a serviço da ideologia
nacionalista, não podia ser reduzida pelos seus defensores a meros relatos de heróis que asseguram a
ordem de um mundo em que os conflitos são expressões da luta do bem contra o mal. Nessa perspectiva,
se produz uma ficção distante das narrativas construídas a partir das operações de contextualização em
um processo histórico, para o que são fundamentais as noções de tempo e espaço.
Caso 2 – trata‑se de cenas que ocorrem em torno de duas aulas de História na série Cidade
dos Homens, produzida pela TV Globo, no episódio “A Coroa do Imperador”. As aulas de História são
assim contextualizadas: a professora está organizando um passeio ao museu imperial de Petrópolis e
explicando a vinda da família real ao Brasil. Na primeira aula, a professora anuncia o passeio e projeta
uma apresentação em Power Point com diferentes slides contendo imagens e mapas para explicar a vinda
da família real e o bloqueio continental. Os alunos estão quietos, porém dispersos, percebemos apenas a
manifestação do entendimento de dois alunos. Um deles, Acerola, durante toda a apresentação, desenha
a viagem de Portugal para o Brasil e o bloqueio continental. Mostra‑se atento, mas está silencioso. O
outro, cujo nome não é mencionado, reage imediatamente à projeção de um slide em que está grafado
o século XIX. A grafia chama a atenção de um dos alunos, que pergunta o que é “xix”? A professora
responde que se trata de algarismos romanos. Ele fixa essa informação e, durante todo o resto da
explicação, em vários momentos, ele pergunta por que os romanos vieram para o Brasil. A professora se
mostra impaciente.
Claramente esse aluno ainda não incorporou a série temporal de uma cronologia da sucessão da
História escolar, e a informação recebida provocou o que chamaríamos de confusão, pois o aluno não
entendia porque os romanos não estavam presentes no restante da explicação da professora.
Entre uma aula e outra, podemos acompanhar o pensamento de Acerola, que anda pelo Rio de Janeiro,
compara a organização espacial de um bairro de classe média carioca com a favela, demonstrando
percepção de diferenças e tensões sociais; analisa as condições de vida e expectativa de futuro de
conhecidos ligados ao tráfico de drogas.
Na aula seguinte, a professora pretende ouvir o que os alunos entenderam da aula anterior e
recolher o dinheiro para o pagamento do ônibus para a ida a Petrópolis. Ninguém se apresenta para
falar o que entendeu. Há muita risada e barulho. A professora ameaça cancelar o passeio e aí Acerola
se dispõe a explicar, dizendo que pode tentar, mas fará isso do seu jeito. Ela o incentiva. E com o
apoio de um mapa histórico pendurado na lousa, ele explica o bloqueio continental, identificando as
questões geopolíticas com as disputas de grupos do narcotráfico pelo controle dos morros do Rio de
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Janeiro. Cada país é um morro e a lógica da dominação territorial é uma lógica econômica em um
contexto de disputa de vários países.
Voltaremos a esse caso mais adiante, por enquanto vamos salientar que Acerola relaciona o passado
e o presente, distinguindo‑os. Ao explicar o bloqueio continental, contextualiza‑o no espaço e no
tempo. Compara‑os, mas reconhece a distância temporal entre eles. Esse aluno já se apropriou da noção
de tempo e espaço como mostra sua explicação que põe em evidência a relação dos dois. Acerola
estabelece uma sequência cronológica entre os diferentes acontecimentos que explicam a vinda da
família real, e também identifica a permanência de alguns elementos que fazem parte da estrutura da
sociedade em que vive.
Essas duas operações realizadas por Acerola não inatas. Foram aprendidas tanto individualmente,
por ele, como são frutos de uma construção social.
Abordaremos as noções de tempo e espaço do ponto de vista da sua importância para a intervenção
do professor de História na sala de aula em três perspectivas a seguir.
Norbert Elias (1998), sociólogo alemão, em seu livro, Sobre o tempo, diz que a percepção do tempo
não é inata e que nem sempre foi a mesma, ou seja, que a compreensão das sequências temporais não
foram concebidas da mesma forma e que também não o serão no futuro. A construção do conceito de
tempo exigiu da humanidade e exige dos indivíduos a elaboração de uma imagem mental que reúna
eventos sucessivos, presentes em conjunto, porém não simultaneamente. Isso é possível por meio do
poder de síntese que depende de um repertório de experiências vividas. Essa capacidade lhes oferece
possibilidades de orientação, como mostra Norbert Elias:
Norbert Elias (1998) se detém, no seu livro, às experiências acumuladas pela humanidade com a
observação das regularidades astronômicas, o salto para a possibilidade de organização de séries ou
sequências cronológicas, culminando com a capacidade de identificar, nessas séries, diferentes durações.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Entretanto, ele considera que todos nós também mobilizamos as experiências de nosso repertório
coletivo vivenciadas individualmente.
À primeira vista esse assunto pode parecer trivial e, ao mesmo tempo, muito teórico e pouco prático
para a realidade que os professores enfrentam. Porém, parte da dificuldade dos alunos no aprendizado
da História está na necessária contextualização dos fenômenos no espaço e no tempo, na dificuldade em
estabelecer sequências cronológicas e em dar o salto das sequências cronológicas para a identificação das
diferentes durações. Por esse motivo, é importante que o professor tenha clareza do caminho percorrido
pelo homem desde as primeiras identificações de marcadores de tempo até as nossas possibilidades
culturais de identificar temporalidades.
Voltemos ao caso 1, que mostra ausência de qualquer preocupação com apreensão e significado
dado à própria datação dos eventos mencionados, como se a simples menção da data já significasse sua
contextualização temporal. O que também ocorre, de certa forma, no caso 2, com a confusão feita entre
os romanos (povo) e algarismo utilizado para indicação dos séculos.
Conhecer as condições de produção das noções de tempo e espaço pela humanidade poderá
nos ajudar a propor situações de aprendizagem para que nossos alunos superem as dificuldades que
encontrem, o que significa, ter um repertório para apurar a escuta em relação às dúvidas ou noções
imprecisas e falhas dos alunos e, a partir desse ponto, estabelecer diálogos com alguns alunos ou com
toda a classe.
Convém lembrar que até os anos 1980, discutia‑se a pertinência em ensinar História para alunos
das séries iniciais do Ensino Fundamental. Chegou‑se a recomendar esse estudo somente após o atual
oitavo ano do Ensino Fundamental.
Esse argumento baseava‑se em algumas leituras do biólogo suíço Jean Piaget que em seu livro A
Noção de Tempo na Criança (1975) afirma que o pensamento da criança, nos primeiros estágios do seu
desenvolvimento cognitivo, elabora o tempo de forma intuitiva e se limita às relações de sucessão (antes
e depois) e de duração fornecidas pela percepção imediata. Alguns leitores desse autor inferiram daí
que, por isso, as crianças não são capazes de elaborar operações lógicas que permitam organizar séries
temporais maiores ou identificar durações quer sejam elas apenas quantitativas – medidas por unidades
numéricas –, quer sejam de ordem qualitativa, definindo simultaneidades, sucessão e duração.
No entanto, as pesquisas realizadas na década de 1980 inspiradas nas leituras de Vigotsky sobre
a construção social do pensamento demonstraram que não há uma barreira etária para o ensino de
História conforme argumentam os leitores de Piaget. A noção de tempo é inata, há uma aprendizagem
a ser feita, e, portanto, se faz necessária a mediação do professor nesse processo.
Nesse sentido, acreditamos ser importante apresentar as contribuições de Norbet Elias na descrição
desse processo da humanidade, para que o professor tenha em mente a relação entre a construção
social do tempo ao longo da história da humanidade e a construção mental apresentada por seus
alunos. A própria construção das linhas do tempo, ainda tão utilizadas como suporte para que os alunos
possam compreender melhor as diferentes temporalidades (duração, simultaneidade, mudanças e
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
permanências), está relacionada à elaboração de sucessão e ordenação de fatos. Ainda que possamos
pensar que esta seja uma operação mental corriqueira, ela não é.
Segundo Norbert Elias (1998), uma sequência temporal é uma síntese de vários acontecimentos
que dependem de um alto nível de generalização e de síntese, possibilitados pelo patrimônio social de
um saber relativo a métodos de medir as sequências temporais e as suas regularidades. Por exemplo,
os instrumentos mais antigos usados para medir o tempo foram a Lua, o Sol e as estrelas. Porém
eles não tinham um padrão fixo para avaliar a duração dos acontecimentos. Seu uso decorria de um
conceito de tempo diferente do nosso. É possível ter uma ideia dessa diferença quando verificamos
que o conceito de “mês” era expresso pela palavra ‘lua”, e que o conceito de “ano” era expresso pela
palavra “colheita”. E houve épocas em que a humanidade não media continuamente o tempo. Apenas
em momentos pontuais.
No entanto, o conceito atual de tempo não é mais dependente de fenômenos dos astros. Ele está
fundado na utilização de unidades de medida, como dia, mês e ano, adaptável a qualquer calendário. Isso
ocorre porque, para nós, o tempo corresponde a um fluxo contínuo e uniforme, resultado da experiência
socialmente acumulada de processos de medição e de instrumentos reguladores do tempo: os relógios
de movimento contínuo, a sucessão de calendários anuais e das eras/períodos que encadeiam os séculos
(vivemos hoje no vigésimo primeiro século depois do nascimento de Jesus Cristo). As experiências que
temos em relação a formas de medir o tempo na sociedade capitalista (crescentemente industrializadas
e urbanizadas) fazem com que possamos determinar o tempo social com alguma autonomia em relação
ao tempo físico, ainda que não possamos separar os dois, pois são as necessidades sociais que nos
motivam a medir o tempo dos corpos celestes.
Voltamos mais uma vez aos nossos casos ilustrativos para verificar que a elaboração de sequências
temporais ordenadas requer várias operações mentais para as quais a mediação do professor é importante.
No caso 1, não havia percepção de sequências de acontecimentos não simultâneos. Havia o que
poderíamos chamar de um passado contínuo que se faz presente e provoca uma justaposição entre o
tempo de Duque de Caxias e o tempo presente.
No caso 2, além da não identificação dos romanos como um povo, há também um desconhecimento
das unidades medidas de tempo e modo de grafar os séculos.
Esses exemplos, e certamente muitos outros que possamos nos lembrar durante a leitura desse
texto, mostram que a construção dos conceitos relativos ao tempo é social e não natural. Não foi
uma construção trivial para a humanidade e também pode não ser, para alguns indivíduos, o que
demanda, da parte de quem ensina História, a elaboração de estratégias didáticas adequadas para
dar conta dessa especificidade e não cair na armadilha de considerar as noções de tempo algo alheio
às experiências dos indivíduos. Isso não ocorre por má vontade, mas por uma dificuldade. Nosso
vocabulário é ainda pobre para pensar sobre o tempo. Nossas expressões reforçam a ideia de que
o tempo existe independentemente de qualquer coisa e que nossa ação sobre ele se restringe à
medição: “o tempo passa”, “o tempo corre”.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Não pensamos que, quando consultamos o relógio, estamos estabelecendo uma correspondência
entre posições inerentes a duas ou mais sequências de acontecimentos, ou seja, estamos fazendo uma
operação mental de sincronização. Faz pouco tempo que o físico Einstein pôs em evidência que o tempo
é uma forma de relação e não um fluxo tão objetivo quanto o de um rio.
Então, já sabemos que o tempo é uma construção social que depende da capacidade de memória e
síntese para realizar operações mentais que estabelecem relações entre dois ou mais processos. Um deles
é padronizado para servir de quadro de referência e padrão de medida. Eles podem ser os movimentos
da natureza, os processos sociais (revoluções, mudanças políticas) ou os mecanismos que servem de
referência e escala de medida para o tempo (relógio).
É possível também que a vida de um sujeito humano seja usada como padrão de medida nas
sociedades em que sua vida está associada a um calendário e ao desenvolvimento de cronologias
baseadas na noção de era, ou seja, a um continuum evolutivo reconhecido e padronizado. É o caso de
Jesus Cristo.
Os calendários, como apontou Norbert Elias (1998), foram grandes construções sociais que
evidenciaram formas sofisticadas de representação do tempo. Encontramos calendários na Mesoamérica,
na Grécia, no Egito, entre os Babilônios, na China e no calendário muçulmano, judaico até o gregoriano.
Além dos calendários, o tempo também foi gradativamente sendo medido por mecanismos – o relógio –
e também, na sociedade capitalista, pelo tempo de trabalho e pelo tempo do dinheiro. As transformações
dos mecanismos de definição e identificação do tempo são contínuas. Atualmente o relógio digital
representa uma modificação em relação ao relógio analógico, em que se representa no mostrador o
fluxo dos segundos, minutos e horas. Enquanto, no relógio digital, lê‑se o instante que se reduz aos
números do mostrador, perde‑se a representação do fluxo do tempo.
A construção social da noção de tempo, que experimentamos na atualidade, está relacionada com
a continuidade de um processo de transformação e integra a concepção de identidade individual ou
social. Ou seja, o processo em transformação da vida de uma pessoa, ou da história de um país, mantém
uma identidade que não está em algo que permanece inalterado, como se fosse uma substância. A
identidade é dada pela continuidade de uma transformação que provém de outra, seguindo um sucesso
ininterrupto. O Brasil do século XVII e o Brasil do século XX são os mesmos, não porque sejam iguais, mas
porque têm sua continuidade reforçada por meio da rememoração.
Um indivíduo é o mesmo quando adulto e quando criança pela continuidade das transformações
que o conduziram de um estágio a outro. E também uma continuidade rememorada, ele não se esquece
de como havia sido.
um caráter irreversível. “Daí dizermos que o tempo seja irreversível. Mas o que é irreversível é nosso
envelhecimento” (ELIAS, 1998, p. 57).
Temos a impressão de que o processo social que medimos utilizando escalas temporais (anos ou
séculos) vai prosseguir indefinidamente. Mas ele só permanecerá enquanto for rememorado.
Resumindo, estabelecer sequências temporais ordenadas significa reconhecer uma escala que
permita medir o tempo. Essa escala é arbitrária e seu significado e importância são dados por quem
mede o tempo, e a sequência de fatos só existe a partir da identificação e da memória do sujeito que
realiza todas essas operações.
Lembrete
Nas sociedades antigas, os sacerdotes de posse do conhecimento dos astros ou de outro sistema que
consideravam indicativos das mudanças ou dos momentos propícios decidiam sobre atividades agrícolas,
ou sobre batalhas. O estudo da História de Roma nos informa que os sacerdotes buscavam identificar na
natureza, nas entranhas dos pássaros, os dias auspiciosos e os dias nefastos. Com base nisso, decidiam‑se
guerras. Nos dois casos, tratava‑se de um conhecimento de poucos acerca da ação sobre muitos.
E hoje? Hoje essas decisões dependem do calendário, que foi construído ao longo dos séculos e
com o qual estamos tão familiarizados que seu uso nos parece natural. As decisões sobre a guerra ou
as plantações já dependem de outras considerações que também dependem da análise e interpretação
de fatos e dos ritmos de mudança, de análise de conjuntura, que vão além da percepção da sucessão e
duração do tempo.
Podemos então dizer que o desenvolvimento das operações mentais correspondem ao desenvolvimento
de sentidos de orientação com função social bastante importante. Os elementos operatórios presentes
na construção social da noção de tempo são os seguintes, segundo Norbert Elias:
Voltando ao caso 2 apresentado, observamos que Acerola se apropria de todas essas operações ao
tecer considerações sobre a sociedade em que vive e, especialmente, as noções de duração que utiliza
para explicar o bloqueio continental.
Considerando nosso cotidiano e nossas práticas, podemos perceber que a sociedade em que vivemos,
altamente industrializada, concebe o tempo com uma trama contínua que encerra e condiciona toda a
extensão das atividades humanas. Concepção essa fruto de um longo aprendizado que levou à introjeção
dos elementos operatórios de sequência, duração e das noções de passado, presente e futuro. Como a
escola é o local por excelência da socialização cultural, uma de suas missões é garantir a seus alunos o
repertorio cultural disponível socialmente. Daí porque persiste na cultura escolar a prática da utilização
de linhas do tempo ou frisas temporais, que exploram as noções de duração, passado, presente e futuro
indicados por Norbert Elias.
Ressalta‑se, no entanto, que a construção desses conceitos depende do contexto social, ou seja, das
experiências historicamente compartilhadas e reiteradas. Há um elemento de aprendizagem presente
na concepção de tempo e que deve ser considerado ao abordarmos tanto as diferentes perspectivas do
tempo para as diferentes sociedades como entre os alunos.
A construção da noção de tempo é, portanto, uma forma de consciência que está intrinsicamente
relacionada à possibilidade de reconhecer diferentes temporalidades relativas à produção da humanidade.
É um dos objetos de estudo da Didática da História e também da reflexão para produção historiográfica.
Entretanto, apesar de ser um conceito bastante importante, e complexo, pouco pensamos nele no dia
a dia e na sua construção pela humanidade e pelos indivíduos e no seu processo de transformação. O
conceito de temporalidade envolve as noções básicas de tempo usadas para localização e organização
do tempo a partir de referências, medições, percepção de sequências, eras/períodos e durações com
diferentes ritmos e, sobretudo, a compreensão de que o tempo é uma construção social.
De forma análoga, o conceito de espaço também é construído socialmente a partir das experiências
dos indivíduos e nas diferentes sociedades. O espaço vivido é múltiplo e representado com o resultado
da ocupação dos lugares, da relação dos lugares distintos, da mobilidade que se permite atingir. Toda
a percepção do espaço, assim como do tempo, é relacional. Desde a relação do corpo com os lugares –
medidas de distância – à construção do espaço geográfico considerado a partir da economia, das relações
58
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Do mesmo modo que as relações temporais se organizaram com base nas sequências temporais, a
partir das quais os homens sintetizam experiências não simultâneas na mesma sequência, a partir de
referenciais comparativos. A construção do conceito de espaço também exige a síntese de vivências
espaciais que não podem ser simultâneas, mas podem ser assim apreendidas e representadas nos mapas.
Mapas bem antigos permitem mostrar que, já em tempos bem remotos, a humanidade foi capaz
de representar a síntese de diferentes posições (ao lado, atrás, em frente) – indicativas das relações
de lateralidade apreendidas simultaneamente. Além delas, os mapas também contemplam a noção de
direção (orientação) e proporção (escala).
O estudo das sociedades humanas permite que identifiquemos nos hábitos e costumes do cotidiano
a presença do conceito de espaço como conceito mental organizador das experiências vividas. Nesse
sentido, ele é um importante elemento para análise da história de um povo, de uma região, ou até de uma
pessoa. Um exemplo bastante ilustrativo, por ser radical no tratamento do espaço, é a obra do historiador
francês Emanuel Le Roy Ladurie, Montaillou Cátaros e Católicos em uma Aldeia Francesa 1294‑1324.
Trata‑se do estudo de uma aldeia de camponeses cátaros do século XIII, que aponta diferentes formas
de percepção do espaço interrelacionadas com as formas de ação humana. Os habitantes da aldeia
tomavam como escala para considerar o espaço, o corpo dos habitantes da aldeia e as propriedades. As
medidas de superfície e distância se traduziam nas partes do corpo, que se tornava o espaço imediato
vivenciado por esses aldeões.
O espaço geográfico, ou seja, o território, a região, os limites de circulação nos espaços, os caminhos
para as diferentes regiões, era reconhecido a partir da ideia da “terra”, entendida como um espaço maior
do que a casa e como propriedade de alguém. Assim, “terra do conde de Foix”, por exemplo.
Esses camponeses também tinham uma percepção do espaço a partir dos deslocamentos ocasionados
por algumas práticas sociais, por exemplo: os contatos comerciais, o trabalho sazonal da colheita, os
casamentos. Todas as situações que colocavam em contato pessoas de lugares e regiões diferentes já
concebiam, a seu modo, o espaço como relação entre lugares a partir de caminhos, e a constituição de
regiões se faz por práticas sociais.
A ideia de território como espaço político era clara para os camponeses, que percebiam que o lugar
em que viviam pertencia ao poder e domínio do rei da França, reconhecendo sua presença na moeda
produzida pela monarquia sediada em Paris. O espaço também era apreendido como produção de
relações culturais identificadas pelo contato de indivíduos de diferentes sotaques.
Todas essas noções relativas à apreensão do espaço são importantes para a compreensão dos
processos históricos, na medida em que a alteração do espaço corresponde a uma mudança no tempo,
parafraseando a citação frequente de Piaget (1975, p. 12): “o espaço é um instantâneo tomado sobre o
curso do tempo, e o tempo é um espaço em movimento”.
59
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Apesar de o tempo ser uma construção social e, portanto, fruto do presente, não é tema habitual
de reflexão. Não é incomum ouvirmos pais de alunos falarem que a História estuda o passado, que
se trata de disciplina fácil e que basta decorá‑la. Diante disso, não compreendem as dificuldades de
aprendizagem de seus filhos. Outra afirmação do senso comum, muitas vezes emitida por alunos, é a
pergunta: por que preciso estudar isso? Já passou, não vou usar para nada.
Ao tentarmos interpretar essas opiniões à luz das considerações anteriores sobre o tempo, podemos
dizer que decorrem de uma falha na noção de tempo dessas pessoas que gera uma afirmação falsa que
não resiste a uma reflexão um pouco mais rigorosa. Para mostrar sua inconsistência, podemos começar
concordando com a afirmação para, em seguida, procurarmos na visão dessas pessoas como então se
apreende esse objeto; chegaremos a um paradoxo. É possível estudar História, pois os fatos passados
passaram e não podem ser nem observados, nem descritos, nem registrados. Então, se aceitamos
rigorosamente a afirmação de que o objeto da História é o passado, então a História nem existiria, como
disciplina escolar.
Mas ela existe! E interessa a muita gente como se comprova pelas revistas de divulgação da História,
pelos filmes históricos, além da sua permanência e consideração como disciplina escolar. O que se
estuda então?
Estudam‑se os documentos, os vestígios do passado, que, no entanto, não são passado, pois os
vestígios que constituem a matéria‑prima da produção do historiador, assim como seu interesse e suas
condições para estudar o passado localizam‑se no presente. Portanto, precisamos complementar a
afirmação do senso comum – a História é o estudo do passado – para que ela faça sentido: a História é
fruto da compreensão do presente em relação ao passado acessível, porque conservado a cada época e
por cada historiador. Temos então que acrescentar à ideia de passado histórico a noção de investigação.
O passado que é objeto de estudo da História é fruto de pesquisa para torná‑lo compreensível para o
presente. Portanto, se realiza, na investigação, a reversibilidade do passado no presente.
O passado histórico é fruto de uma investigação que exige um método de interpretar os vestígios e
para tal deve levar em conta as culturas que coexistem com o momento da interpretação e com a produção
dos vestígios. Precisa considerar as estruturas sociais no espaço e no tempo. A interpretação histórica
60
DIDÁTICA ESPECÍFICA
leva a contextualizações, entre elas, a contextualizar no tempo, ou seja, identificar temporalidades. Para
isso, se utiliza de categorias temporais de acontecimento, ciclo, conjuntura, estrutura. Considera tanto
o tempo mensurável – a partir de instrumentos de medida de tempo: as cronologias e as periodizações
(definição de eras) –, como a possibilidade de qualificar partes de sequências cronológicas definidas de
forma qualitativa, identificando durações, sucessões (diacronia) e simultaneidades (sincronia), além de
mudanças e permanências.
As formas como as diferentes sociedades nomeiam o passado também são fruto de interpretações
coletivas que conferem significado às lembranças comuns. Por exemplo, Circe Bittencourt, no seu Manual
sobre o Ensino de História, ao explicar que eras e períodos são convenções culturais, exemplifica com
o caso dos Terenas. Esse grupo indígena situa sua história no tempo da servidão, que corresponde ao
período iniciado na Guerra do Paraguai até segunda metade do século XX, quando se deu a demarcação
das terras indígenas (BITTENCOURT, 2011).
Como já vimos, todas as medidas de tempo são construções sociais e uma forma de conhecimento do
mundo, portanto, são passíveis de alteração conforme as experiências sociais também se transformam.
Assim, as periodizações da História passaram a ser criticadas a partir dos anos 1930 do século XX, indicando
que essa periodização da chamada “História Universal” ignora realidades de outras culturas e povos,
especialmente aqueles dominados pelos europeus. É chamada periodização quadripartida que considera
a Idade Antiga, a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea, as quatro grandes divisões da
História e uma forma de narrar a História com base em sequências lineares de acontecimentos.
Saiba mais
A partir do século XX, juntamente com a crítica à cronologia e à ideia de História Universal, surgiram
preocupações importantes com o tempo de duração, e com a problemática das continuidades e das
mudanças. Essa era uma preocupação das Ciências Sociais da época. O sociólogo alemão Weber, entre
outros, considerou que as transformações estruturais são mais lentas e não acompanham as mudanças
conjunturais. Por exemplo, a introdução do trabalho feminino nas fábricas não alterou de imediato
valores da sociedade patriarcal.
61
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Com essa preocupação, os historiadores, especialmente na França, contribuíram com uma reflexão
acerca da duração. Destaca‑se nesse cenário a contribuição de Fernand Braudel (1983), que pensou a
duração como fundamento do conhecimento da História. Para ele, os fatos históricos têm três ordens
de duração que não se diferenciam quantitativamente por medidas de tempo, como ano ou século: a
longa duração, média duração e curta duração.
A longa duração é a estrutura que corresponde à relação temporal mais estável e de maior duração
relativa à questão investigada pelo historiador. Seus marcos cronológicos, ou seja, seu início e seu
final escapam à percepção de seus contemporâneos. Por exemplo, se queremos estudar o trabalho na
colônia, as estruturas escravistas na Idade Moderna são o elemento de longa duração, muitas das quais
persistiram ainda depois do decreto de abolição.
A média duração corresponde à noção de conjuntura ou tempo cíclico, uma estrutura de tempo
de duração intermediária. Por exemplo, no caso do estudo do trabalho no período colonial, podemos
circunscrever o tema ao ciclo do açúcar, ou ao ciclo na mineração, ou à conjuntura própria do sertão.
Enfim, a particularidades conjunturais que coexistem e são perpassadas pela estrutura de longa duração.
Lembrete
O espaço, nessa perspectiva, que considera a intervenção humana local e a permanência no tempo
de diferentes durações, ganha um papel muito importante na produção do conhecimento sobre o tempo
histórico, sobre as ações no tempo.
São os vestígios da ação humana no espaço vivido que permitem a apreensão da simultaneidade
de durações que constituem o passado. Segundo Isnard (1982, p. 81), “a história projeta‑se no espaço,
62
DIDÁTICA ESPECÍFICA
reflete atuações sucessivas: o espaço apresenta, portanto, a sua historicidade e torna‑se uma dimensão
da história”.
A Geografia e a História são, nesse caso, disciplinas complementares. A História se vale do estudo do
espaço para compreender as diferentes durações do passado, as mudanças e permanências. A Geografia
vai estudar como esses diferentes elementos se combinam na construção da realidade atual. Por outro
lado, o estudo da História das práticas sociais oferece elementos para a compreensão da organização
espacial de uma sociedade. É o caso do trabalho de Thompson sobre a formação da trabalhadora inglesa
que permite pensar o espaço inglês nos séculos XVIII e XIX.
Do estudo da história das fronteiras e a partir dos registros das diferentes formas de ocupação do
território, podemos conhecer melhor a organização social dos diferentes povos, as relações de convivência
entre eles, de miscigenação e de dominação. Citamos apenas alguns dos conteúdos considerados
clássicos na História que dependem, para a compreensão do processo histórico, da compreensão da
ocupação espacial. Além da Revolução Industrial com os cercamentos e o êxodo rural, além do controle
do tempo e das transformações da vida social por influência da fábrica, podemos citar outros temas. O
estudo do escravismo, tanto na Antiguidade quanto no período moderno, exige para sua compreensão
o conhecimento da relação entre os territórios que recebem escravos e os que os fornecem, por um
lado; de outro lado, exige que se conheça o papel do trabalho escravo na produção das relações sociais
que passam a modificar a ocupação do espaço. Podemos pensar também na história das populações
indígenas brasileiras, ao longo da colônia e atualmente, do ponto de vista da demarcação de suas terras
e das considerações de suas fronteiras.
Esses dois conceitos apresentados são muito importantes na epistemologia das Ciências
Sociais e, entre elas, a História. São esses dois conceitos que estão no cerne das possibilidades de
identificação de temporalidades e espacialidades que resultam na possibilidade de definição dos
períodos, eras, e da caracterização das transformações das relações sociais, de forma significativa.
Podemos verificar os conceitos mais frequentes, canonizados e, em relação ao estudo de História,
variações da localização no espaço e no tempo: Renascimento, Revolução Industrial, Revolução
Agrícola, Capitalismo, Sociedade Mineradora. Ainda que, para serem efetivamente operatórios,
eles precisam estar vinculados a um tempo‑espaço, pois não fazem sentido em uma sucessão
temporal estabelecida de forma a abstrair o espaço construído pelas relações sociais e de poder
e seu vínculo com a interpretação dos fatos e com a compreensão do que tenha sido as vivências
do passado.
Relacionar a História ensinada à História aprendida é levar em conta não apenas o significado
que os alunos dão aos conteúdos ensinados, mas escolhê‑los de modo que esses sejam culturalmente
significativos, isto é, que permitam a compreensão do passado à luz de valores diferentes dos atuais,
e que essa possibilidade de compreensão signifique também uma contribuição para a construção da
identidade dos alunos. Portanto não há apenas interesse na divulgação de conhecimentos eruditos,
curiosos, que motive os alunos. Atualmente, em tempos de globalização, o desafio vai além da motivação
da curiosidade, e do interesse por uma cultura geral. O desafio proposto para o ensino é propiciar o
63
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Nesse sentido, a compreensão do outro tempo e sua relação com o tempo da aprendizagem dos
alunos e com a possibilidade de eles virem a construir conceitos relativos às disciplinas ensinadas
passaram a ser norteadores das concepções de ensino de História e um desafio para a transformação da
cultura escolar ancorada nos modelos de transmissão de conhecimentos com a finalidade de ilustração.
Por isso, se hoje podemos estabelecer relações entre os temas históricos e a construção das noções de
tempo e espaço, é porque há, efetivamente, uma demanda social.
Entre os estudiosos, não há dúvidas de que tempo e espaço são conceitos indissociáveis. Em seu livro Sobre o
Tempo, Norbert Elias afirma, como Piaget, que tempo e espaço são conceitos inseparáveis (ELIAS, 1998).
Na escola, poucos professores de História lidam com conceitos de paisagem, local, território e espaço,
distinguindo‑os e utilizando‑os para a compreensão dos processos históricos. Também não é frequente
a exploração dos mapas, como textos de leitura. Com relação ao tempo, ainda é comum que os materiais
didáticos se pautem nas sequências cronológicas desvinculadas de seu significado para o presente.
Pode haver muitas razões para isso, entre elas, a falta de recursos didáticos. Aqui vamos nos deter a
um outro aspecto que diz respeito ao debate no final dos anos 1950, com a proposta de Estudos Sociais
de Delgado de Carvalho e a efetiva eliminação da disciplina História do primário e antigo ginásio, até
seu efetivo retorno com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Como argumento para essa decisão, foi utilizada uma ideia atribuída a Jean Piaget, interpretado a
partir de leituras que acabaram falseando seu pensamento. Alegava‑se à época, com base nesse autor,
que as crianças não têm capacidade para realizar operações mentais de reversibilidade, ou seja, aquela
exigida para a construção de conceitos de tempo e espaço. Retomemos as ideias de Jean Piaget para
mostrar a efetiva possibilidade de trabalhar com essas noções até mesmo nas séries iniciais do Ensino
Fundamental
Esse biólogo e pesquisador do conhecimento, por isso conhecido como epistemólogo, foi muito
importante nos estudos da Pedagogia, especialmente nas suas considerações sobre os estágios do
desenvolvimento cognitivo.
Lembrete
O conceito de tempo como trabalhamos ao estudar História é aquele denominado por Piaget por
“tempo operatório”, por ser construído por meio de operações lógicas. São essas operações que permitem
medir o tempo em unidades numéricas sem sequência ordinal ou cardinal; e também é a construção de
relações de simultaneidade, sucessão e duração.
Entretanto, além dessas conclusões de suas pesquisas, Piaget também estudou os processos de
aprendizagem e escreveu que sua possibilidade está relacionada à de adquirir estruturas cognitivas
em estágios determinados pela maturidade biológica e por meio de estímulos do ambiente. Um desses
estágios é o hipotético‑dedutivo, que permitem as abstrações. A passagem de um estágio para outro
decorre de processos de assimilação e acomodação presentes no desenvolvimento das estruturas mentais
e no crescimento da capacidade cognitiva. Assim, ao se deparar com um objeto de conhecimento, o
indivíduo acomoda‑o a esquemas mentais que permitem sua assimilação. Ao se deparar com desafios
exteriores, porém, ocorrem desequilíbrios da estrutura interna, conflitos. Contudo, pela reequilibração,
ocorre o desenvolvimento intelectual, graças à maturação física e à interferência de fatores sociais,
como a interação com os adultos.
A esse respeito, é importante ler o que diz o próprio Piaget em entrevista a Richard Evans (apud
CASTORINA et al., 1988, p. 88):
O fato de ter algumas pessoas que não assimilaram bem as minhas ideias
e passaram a aplicá‑las demasiado rapidamente é um grande perigo...
Gostaria que o ensino, sobretudo no caso das crianças menores, permitisse
mais que elas fossem professoras de seu próprio comportamento e das
suas experiências [...] Porém, é importante que os professores proponham
às crianças, materiais, situações e ocasiões que lhes permitam progredir.
Não se trata de deixar as crianças fazerem tudo o que quiserem. Trata‑se
de colocá‑las diante de situações que coloquem novos problemas e de
encadear as situações umas as outras. É preciso saber dirigi‑las, deixando‑as
livres ao mesmo tempo.
Verificamos que houve uma aplicação imediata de parte da teoria piagetiana e uma dificuldade na
compreensão da teoria da equilibração, que explica o mecanismo que permite o sujeito passar de um
esquema mental para outro, reestruturando‑se a partir da ultrapassagem do que seja um desequilíbrio
cognitivo. No processo de aprendizagem, os erros observados, os conflitos e sua resolução são indicadores
do processo de equilíbrio. Para que o ensino favoreça os processos de aprendizagem, ele não deve ter
como objetivo conteúdos que se situem apenas na área das estruturas já conhecidas pelos alunos.
65
DIDÁTICA ESPECÍFICA
O papel do professor é graduar os desafios. Segundo Cesar Coll e Eduardo Martí (1979), a ideia
essencial é que, se o conteúdo que o aluno deve aprender está excessivamente afastado de suas
possibilidades de compreensão, não será produzindo desequilíbrio que qualquer possibilidade de
mudança ficará bloqueada. Porém, se o conteúdo que o aluno deve aprender está totalmente ajustado
a suas possibilidades de compreensão, tampouco acontecerá desequilíbrio algum, e a aprendizagem
real será, novamente, nula ou muito limitada. Em ambos os casos, a aprendizagem será nula ou
puramente repetitiva. Entre esses extremos, existe uma zona na qual os conteúdos, ou as atividades de
aprendizagem, são suscetíveis de provocar uma defasagem ótima, ou seja, um desequilíbrio manejável
pelas possibilidades de compreensão do aluno. Nessa zona, é que deve estar situada a ação pedagógica.
A partir dessas considerações, do estudo de Piaget e das pesquisas realizadas nos anos 1980 e
nos seguintes, observou‑se que a construção operatória do conceito de tempo e espaço exige o
desenvolvimento do esquema mental da reversibilidade, que seria, grosso modo, a possibilidade de
combinar toda operação com seu inverso, de modo que ambos se anulem mutualmente, como, por
exemplo, passado e presente. Estou estudando, no presente, o fato passado. Então toda a construção
de sequências temporais exige a operação de reversibilidade. Do mesmo modo, o próximo e o distante.
Apenas o pensamento é capaz de transformar o irreversível em reversível: o passar do tempo e o
deslocamento no espaço, superando as limitações físicas dessa operação.
Essa atitude demanda, da parte dos professores, uma atitude diversa da consagrada pela cultura
escolar e exige a superação da expectativa de avaliar a produção dos alunos do ponto de vista da
reprodução do que foi ensinado. Muito mais importante é promover a cooperação entre os alunos assim
como a cooperação do professor para com a criança. Nesse sentido, o professor é um medidor entre o
aluno e o conteúdo da aprendizagem. Seu trabalho está voltado tanto para a seleção dos conteúdos,
como para a criação das condições para a aprendizagem e, nesse sentido, a avaliação tem um papel
fundamental: formativo e orientador das ações da docência.
Essas considerações não implicam desvalorização dos conteúdos disciplinares, nem em aceitação de
qualquer resposta dada mecanicamente pelos alunos. Os conteúdos e saberes culturais são orientadores
do currículo que tem como base a valorização da construção social do conhecimento e aceitação de
que cada aluno também realiza individualmente o mesmo processo, ou seja, o conhecimento não é
inato. Nesse sentido, o professor tem o papel de mediar para intervir nessa construção e tornar a
aprendizagem significativa.
Sobre isso é importante o professor refletir sobre as seguintes considerações de Ausubel acerca das
condições propícias no ensino para que os alunos deem significado ao que estão aprendendo:
Os conteúdos ou itens dos programas de História, nesse sentido, devem ser explorados de modo
que os alunos possam representar o tempo e o espaço, mas também que exerçam ações mentais sobre
essas informações, ou seja, que pensem as noções e conceitos de tempo e espaço, relacionando o
senso comum (a primeira percepção, ou a vivência) aos conhecimentos historiográficos. Para isso, são
fundamentais atividades que tenham como objetivo a representação simbólica (desenhos), das relações
espaciais e temporais e a reversibilidade. Com essa finalidade, o professor deve explorar as várias formas
de apreender o tempo social correspondente às diferentes durações, o que inclui as permanências e
mudanças, e também as diferentes formas de apreender o lugar (local, espaço, território, trajetórias)
onde ocorre a ação humana estudada.
As representações desses espaços e das suas correlações estão na origem da cartografia. A cartografia,
nesse sentido, é uma linguagem a ser ensinada que, ao articular fatos, conceitos e sistemas, permite ler
e escrever as características do território.
67
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A periodização deve sempre ser acompanhada de uma argumentação que comprove sua eficácia
na compreensão dos processos históricos estudados, não pode se reduzir a um rótulo, nesse sentido, é
fundamental a articulação entre as diferentes durações e o espaço da ação humana.
O estudo da História só é possível mediante a construção das relações espaço‑temporais que tornam
apreensível a ação humana nas suas temporalidades que estão sendo apresentadas, pelos professores e
também pelos alunos sob a forma de narrativa, em que um parágrafo sucede outro, ou numa cena de
filme ou de teatro, em que uma ação sucede outra. Nesse sentido, a narrativa história escolar precisa
ter uma estrutura discursiva linear, na qual, porém, diferentes durações possam ser consideradas. A
proximidade entre as práticas de narração linear nas sociedades com escrita e a construção da narrativa
histórica é muito grande, por isso, ao ensinar história, é preciso distinguir os elementos do saber do
senso comum e o do saber construído pelo aluno e mediado pelo ensino.
O ensino de História está vinculado com a construção de conceitos, para além dos conceitos de
tempo e espaço. Almeja‑se que os alunos construam um modo de pensar próprio da disciplina.
Lembrete
A articulação entre os conhecimentos prévios dos alunos, entre os quais incluímos os conhecimentos
do senso comum, as representações sociais sobre os conteúdos ensinados e a sua superação por meio
do ensino de História que propõe a elaboração de conceitos se dá por meio de diferentes narrativas. Elas
são centrais na produção do saber histórico em seus diversos níveis: o historiográfico, o da transposição
didática própria da elaboração de conteúdos a serem ensinados na expressão da apreensão dos alunos.
A seguir, o tema será apresentado sob três aspectos: a narrativa histórica na historiografia, a narrativa
68
DIDÁTICA ESPECÍFICA
no senso comum e explicação dos acontecimentos. Do senso comum ao saber construído pelo aluno a
partir do ensino da História.
Na primeira metade do século XX, considerou‑se menor o uso da expressão “narrativa histórica”
para se referir à apresentação do trabalho de investigação dos historiadores. Os historiadores
da escola dos Annales consideravam que as narrativas, então utilizadas desde o século XIX,
não relacionavam os acontecimentos com a estrutura econômica e social, nem consideravam o
cotidiano e as experiências das pessoas comuns. Surgiram assim os historiadores que privilegiaram
as estruturas (BURKE, 1992, p. 330) e os outros que apenas contavam histórias. No entanto, com
a Nova História, a partir dos anos 1970, novos objetos, novas abordagens da investigação em
História, voltaram a valorizar a narrativa histórica de outro modo.
Relembrar, ainda que de forma sintética, essa transformação é importante, pois ela ajuda o professor
a se situar diante da produção da História escolar, a compreender as ênfases das discussões curriculares
do trabalho com documentos e também a selecionar materiais didáticos e a elaborar projetos com seus
alunos.
Vários são os historiadores que voltam ao tema em defesa de um retorno da narrativa histórica,
mas a distinguindo da narrativa histórica tradicional. O que seriam uma e outra? É comum que as
encontremos hoje
A História tradicional é tratada por Peter Burke e Lawrence Stone como uma forma de produção
do conhecimento metódico e científico. Ambos consideram de grande simplificação relacionar a
narrativa linear histórica apenas ao positivismo e ao louvor da nação, como se seus textos fossem meros
“antiquários” ou crônicas, sem qualquer vínculo com a ciência.
Ao retomar o perfil da narrativa tradicional traçada por esses autores, encontraremos muitas semelhanças
com a visão do senso comum da História. Quando comparamos com o novo sentido da narrativa histórica,
reconhecemos as mudanças que também ocorreram na Historiografia e que atingem também a História
escolar, ou a História ensinada, nas propostas que pretendam ser mais modernas e inovadoras.
A narrativa tradicional da História diz respeito à política. Um bordão do tempo vitoriano era “História
é a política passada: política é a História presente” (BURKE, 1992, p. 10). Porém é preciso lembrar que
essa relação da História com a política adveio de sua pretensão a ser científica, tal como formulou
Ranke no século XIX, com base no estudo daquelas que eram, à época, novas fontes materiais. Eram
arquivos relativos à História política que deveriam ser tratados a partir da crítica textual dos registros
desconhecidos localizados em arquivos de Estado e que até então não se tinha conhecimento.
A nova História já se interessa por todo e qualquer aspecto da vida humana com base na ideia de que
tudo tem um passado que pode ser investigado e relacionado ao restante dos fatos passados (BURKE,
1992, p. 11), os fatos da cultura são fatos históricos, pois a cultura é uma construção social que se dá
no tempo e no espaço.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
A produção historiográfica atual mais recente, após os anos 1970, não se dedica a buscar um elemento
determinante. Parte do princípio de que cultura do grupo ou a vontade individual são agentes causais
de mudança potencialmente tão importantes quanto as circunstâncias impessoais da produção material
e do crescimento demográfico. As ligações entre cultura e sociedade, apesar de serem complexas, são
levadas em conta. E a partir desse ponto de vista, a História política foi revalorizada por estudos que
mostram que poder político e militar e o uso da força bruta também ditam a estrutura da sociedade,
a distribuição da riqueza, o sistema agrário e até a cultura da elite. Já história quantitativa, com as
modernas tecnologias, se tornou uma história para programadores, de leitura impossível.
Novos temas passaram a ser tratados por historiadores e passaram a identificar a Nova História, por
meio de modos distintos. Novos objetos também foram construídos. Surge a micro‑história, ou narrativa
a partir de um único episódio. Georges Duby dedica um livro a uma única batalha para descrever a
sociedade feudal do início do século XIII. Carlo Ginzburg, cujo livro O Queijo e os Vermes, citado em
livros didáticos e paradidáticos, partindo da investigação de um interrogatório da inquisição, analisa
a circulação dos temas da alta cultura nas baixas classes sociais. Na obra, Montaillou, a partir de uma
vila, Le Roy Ladurie mostra, na elaboração do espaço e do tempo de uma aldeia dos Pireneus, a vida e a
morte, o trabalho e o sexo, a religião e os costumes locais no início do século XIV.
Os novos historiadores voltaram a contar histórias. Isso quer dizer que toda escrita da História é,
a seu modo, uma narrativa, no entanto, esse modo afeta conteúdo e método e deixa‑se afetar por
eles. Então podemos pensar que a narrativa é um modo de escrita histórica, mas um modo que afeta
conteúdo e método e, em contrapartida, deixa‑se afetar por eles.
Vamos retomar aqui as características mais fortes das narrativas da Nova História e que afetam
diretamente a concepção do ensino de História e dos currículos.
Hoje os historiadores não se dedicam a buscar um elemento determinante, mas se constata que
a cultura do grupo ou a vontade individual são agentes causais de mudança potencialmente tão
importantes quanto as formações impessoais da produção material e do crescimento demográfico. As
ligações entre cultura e sociedade são complexas. Do mesmo modo, alguns estudos recentes mostram
que poder político e militar e o uso da força bruta também ditam a estrutura da sociedade, a distribuição
70
DIDÁTICA ESPECÍFICA
da riqueza, o sistema agrário e até a cultura da elite. A história quantitativa se tornou uma história para
programadores, de leitura impossível.
Novos temas passaram a ser tratados pelos historiadores, chamados de novos. Com modos distintos.
Novos objetos também foram construídos. Surge a micro‑história, ou narrativa, a partir de um único
episódio. Quais histórias, os novos historiadores têm contado?
A Nova História dá voz aos vários agentes sociais, não se dedica apenas aos vencedores, preocupa‑se
também com a vida, sentimentos e comportamento de pobres e obscuros, e não com grandes e poderosos.
Dá vozes aos vários agentes sociais.
Apesar de ser descritiva, valoriza muito a análise e trabalha com novas fontes além das grandes séries,
valoriza o episódio, o indivíduo, sempre que isso contribua para esclarecer sobre uma cultura ou uma sociedade
do passado. A partir de elementos únicos que não sejam exóticos, mas que, pela grande quantidade de
vestígios e documentos que podem ser entrecruzados, possam esclarecer sobre a cultura do passado.
É importante enfatizar que são esses os aspectos da Nova História que influenciam as discussões
sobre o ensino da disciplina hoje e as propostas curriculares, sobre a importância de organizar o currículo
por temas e as críticas à construção linear da história.
Tratar da narrativa histórica pode verificar tratar tanto de Teoria da História como de Historiografia,
mas também da História escolar e da compreensão dos alunos a respeito de fatos.
Deixemos de lado, por enquanto, as questões da Historiografia, as obras de História, os livros didáticos,
para exercitar a memória de sala de aula. Retomemos o exemplo do episódio “A Coroa do Imperador”, da
série Cidade dos Homens, no qual apenas um aluno conseguiu articular as informações da professora
em uma narrativa, ainda que ela tenha feito uma.
E nos perguntamos por que será que é difícil para os alunos essa construção que corresponde à
articulação de diferentes conceitos relacionados e situados no tempo e no espaço?
Lembremos que Acerola consegue articular uma narrativa, a partir da qual a professora pode
identificar suas dúvidas e prosseguir a explicação.
Como um professor pode propiciar que o seu aluno construa narrativas? Será que o exercício de
situar no tempo se reduz a datações?
Os professores identificam muitas dificuldades dos alunos. Mencionam que eles repetem trechos
que ouvem ou leem, partes de narrativas, mas não constroem um texto próprio. Outros já conseguem
encadear frases e construir nexos entre elas.
71
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Afinal, quais são as narrativas conhecidas dos alunos para que possamos, partindo do senso comum,
levá‑los a construir narrativas, e gradativamente, contribuir para a articulação de conceitos históricos
que deem sentido e contexto aos acontecimentos?
Saiba mais
Com certeza o ponto de partida pode ser o trabalho com a história familiar, muitas vezes,
transmitida com base na repetição própria da história oral, que exige a memorização. Pode‑se,
conforme o caso, também considerar as histórias de comunidades tradicionais, como os indígenas e
ainda alguns grupos remanescentes de quilombolas, em que o passado se faz presente pela memória.
Portanto há narrativas de histórias que não são narrativas históricas, mas a ela se assemelham. Ambas
constroem uma memória socializável.
Do mesmo modo, é importante partir da familiaridade dos alunos com a estrutura textual da
narrativa, pois verificaremos que se analisarmos detidamente tudo o que contém uma narrativa que
conta uma história real ou inventada, observaremos que ela contém todos ou quase todos os elementos
que encontramos nas narrativas presentes em notícias, análises de textos da História do presente ou
em grandes textos de História. Vamos refletir um pouco sobre os elementos dessa estrutura textual,
presente na estrutura dos gêneros de textos narrativos, como mitos, contos, lendas, memórias, notícias,
entre outros: narrador, personagem, tempo, espaço, ação e conflitos.
72
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Vamos começar a refletir um pouco sobre cada um desses elementos dessa estrutura textual.
O narrador é alguém que conta a história. Ele pode ser um observador que viu e presenciou o fato,
ou apenas um articulador dos elementos da narrativa. No caso da narrativa histórica, ele conta uma
história a partir de vestígios encontrados no presente do que já aconteceu, a partir dos quais constrói
uma narrativa que tem significado no presente em que se situa sua narração e a sua leitura. Eis a
primeira possibilidade de aproximação a ser considerada pelo professor em seu trabalho na elaboração
de estratégias dialógicas com seus alunos.
Nos conflitos e por causa deles, o papel dos diferentes personagens sofre mudanças e suas
ações produzem acontecimentos que são passíveis de serem reconhecidos como ações importantes
na manutenção de uma dada ordem, ou na expressão dos seus conflitos. Os conflitos apresentados
geram transformações nos personagens e um encadear de ações que são apreendidos por meio da sua
organização temporal.
Além de narrador, personagens, acontecimentos, a narrativa deve conter um outro elemento para
ser compreensível: o tempo. Este pode se apresentar de forma mais simples, como datas, eventos. Mas
podemos ter diferentes durações coexistindo.
Sem a organização temporal o sentido das ações, o encadeamento dos acontecimentos e conflito
e as transformações tornam‑se sem sentido. Além do tempo, a ação dos personagens se manifesta
no espaço. Conforme houver ação no tempo, há transformação do espaço. As histórias reais são
contextualizadas em sociedades reais que ocupam espaços reais, lugares, territórios, e constroem espaços
de convivência, quer ela seja harmoniosa ou conflituosa. Por isso, inúmeras menções aos espaços são
também necessárias.
Os personagens das narrações não precisam ser pessoas, mas podem ser elementos de um mundo
que se quer contar. Podem ser histórias fantásticas, lendárias, míticas ou reais. As histórias reais podem
se reduzir a histórias de pessoas – as biografias – mas podem ser histórias de sociedades. Nesse caso, as
personagens nem sempre são pessoas no sentido próprio. Podem ser grupos diferenciados dentro de uma
mesma sociedade, muitas vezes, indicando diferenciação social produzida por distinção de hierarquia de
poder político ou econômico, ou de gênero, por exemplo, os servos, os nobres, os proprietários rurais, os
caçadores, as mulheres, os senadores.
73
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A apresentação desses personagens requer uma descrição da sua posição social e do funcionamento
da sociedade para que a narração e o papel dos personagens sejam compreendidos e tenham sentido
lógico. Portanto, ela exige relatos e descrição de ações. Do mesmo modo que as narrativas ficcionais
exigem a descrição de personagens
Explicitar as estruturas narrativas já familiares aos alunos é um ponto fundamental para que possamos
verificar, estimular, a construção da contextualização histórica, com conceitos de temporalidade e os
demais conceitos próprios da História aos alunos. Por quê?
Lembrete
Porém, partir da narrativa como ela é apreendida pelo senso comum é um ponto de partida, pois
entre a narrativa que existe em função de preservação da memória, a narrativa ficcional e a narrativa
histórica há uma distância grande. Essa última está relacionada a um método e a uma ciência que
se preocupa com a compreensão do tema estudado por meio de investigação na qual a narrativa na
História é um modo de articular a construção de um conhecimento cujo eixo central é a articulação de
diferentes conceitos contextualizados no tempo e no espaço. Esse modo é comum a História e a todas
as Ciências Sociais.
Por ser expressão do conhecimento histórico, é preciso superar noções de História que expressam
o senso comum. Uma delas é a ideia de a História ser reprodução do passado. Outra é identificação da
narrativa histórica como uma expressão da verdade por vezes construída de forma maniqueísta a partir
da luta do bem contra o mal, do honesto contra o desonesto em um processo de desenvolvimento
dramático.
Tais expressões do senso comum podem ser identificadas nas seguintes situações:
• Apreciação de um dado filme, sobre algum tema histórico, com a frase: “É ótimo, mostra
exatamente como aconteceu”.
• No interesse pelos heróis, pelas grandes vitórias e não pelo contexto histórico em que elas ocorrem,
ou que permite produzir os heróis.
74
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Trata‑se sem dúvida de uma visão de conhecimento da História de simples reprodução da repetição
da narrativa, ou seja, a decoreba, prática escolar hoje considerada ultrapassada e até imprópria às
sociedades contemporâneas. Entretanto, eram desejáveis e consideradas em seu tempo quando estiveram
a serviço da identidade nacional a partir da representação de uma sociedade homogênea.
Lembrete
O ensino da História hoje está a serviço de identidades e, para tanto, as narrativas históricas
precisam superar a narrativa única e propiciar uma consciência histórica. Maria Auxiliadora
Schmidt (2009) nos remete ao conceito de consciência histórica situada, a qual é aprendida
quando os sujeitos narram a História construindo formas coerentes de suas identidades históricas.
Os aprendizes são capazes de subjetivar os dados que lhes são objetivamente apresentados. Esse
conceito de consciência histórica revela total compromisso dos processos de ensino, ou seja, da
didática com a relação ao saber, de acordo com Charlot (apud SCHMIDT, 2009), uma vez que
se busca levar os alunos à subjetivação e comunicação dos conteúdos valorizados e produzidos
pela sociedade. Desse modo, por meio de processos de subjetivação, a aprendizagem se revela
humanizadora, o aluno torna‑se homem; singularizadora, por meio dela, o aluno é um exemplar
único de homem – com sua própria interpretação; socializadora, por meio dela, o aluno é membro
de uma comunidade e nela ocupa um lugar.
As narrativas históricas não são quaisquer narrativas. Segundo Schmidt (2009), a narrativa histórica
deve conter: análise da ação, dos agentes e do contexto; argumentos sobre situações específicas do
passado; interpretação que implica na ressignificação do presente para construir uma orientação para
a ação. Deve, ainda, romper a linearidade, a apresentação exemplar dos fatos e a crítica condenatória.
Para a construção na narrativa histórica, segundo Rüsen (apud SCHIMDT, 2009) é preciso:
• Inquirir o passado, interrogá‑lo a partir de uma questão que vem do presente, do aqui agora.
75
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• Realizar um ato de identidade – ser um esforço de afirmação de uma identidade, uma resposta à
perda de si, ao anonimato.
A narrativa torna‑se então a forma de expressão dos processos de conhecimento. Nesse sentido,
algumas outras ressalvas são importantes a respeito do tempo da escrita. Apesar de termos múltiplas
durações e, portanto, nos depararmos com diferentes possibilidades de abordar a contextualização
temporal, a escrita tem um tempo linear e é nesse tempo de produção da narrativa que se articulam os
diferentes tempos e sujeitos históricos (GLEZER, 1991).
A perspectiva da História como conhecimento e como narrativa está presente na proposta dos PCN
do Ensino Fundamental para terceiro e quarto ciclos, em que se pode ler: “A História era relatada sem
transparecer a intervenção do narrador, apresentada como uma verdade indiscutível e estruturada como
um processo contínuo e linear que determinava a vida social no presente” (BRASIL, 1998a, p. 20).
O texto enfatiza a importância do ponto de vista do historiador – ou seja, seu lugar de articulador
da narrativa – de um ponto de vista interessado no passado a partir do presente, o que implica que a
produção da narrativa histórica também seja uma produção de identidades.
Sobre as características dos conteúdos das narrativas históricas a serem ensinadas, o texto dos
parâmetros curriculares menciona:
76
DIDÁTICA ESPECÍFICA
De modo geral, pode‑se dizer que os fatos históricos remetem para as ações
realizadas por indivíduos e pelas coletividades, envolvendo eventos políticos,
sociais, econômicos e culturais (BRASIL, 1998a, p. 39).
Podemos inferir que as narrativas históricas, ao ultrapassarem o senso comum, articulam os diferentes
agentes históricos a partir da utilização de conceitos contextualizados no tempo e no espaço.
Schmidt e Cainelli (2004) sugerem que eles sejam explicitados de diferentes formas, em frases,
parágrafos, narrativas históricas sobre temas.
Os temas panorâmicos articulam diversos conceitos e conteúdos que devem ser trabalhados, por isso
eles devem ser tratados em grandes unidades didáticas.
Em ambos os casos o tratamento deste tema exige a organização de noções temporais como
cronologia, duração e sucessão.
Tema comparativo – impõe a necessidade de um conceito que será o ponto principal da comparação.
Por exemplo: a colonização do Brasil e dos Estados Unidos: semelhanças e diferenças; também as
diferenças e semelhanças entre Atenas e Esparta.
Tema biográfico – convida a buscar informações mais precisas e detalhadas sobre as realizações de
um dado personagem em um tempo e espaço determinados, enfatizando seu papel social. Por exemplo:
Leonardo Da Vinci, um homem de seu tempo; Getúlio Vargas – 1937‑1945.
Tema analítico – estimula a análise de aspectos de determinado período histórico. Exige que se
delimite temporalmente o período em função dos aspectos considerados mais relevantes, a partir de
uma análise que deverá respeitar a cronologia, partindo‑se do mais distante para o mais recente e do
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
tempo mais longo para o mais curto. Por exemplo: as causas da Independência do Brasil; as causas da
Revolução Industrial na Inglaterra.
Em ambos os casos, o evento mais recente, como o grito do Ipiranga ou a montagem da primeira
fábrica, será explicado por elementos anteriores e de duração temporal maior. No primeiro caso, as
crises das relações entre colônia e metrópole, as tensões internas na colônia e a conjuntura política que
trouxeram a sede da monarquia portuguesa para o Brasil. No segundo caso, devem‑se considerar as
transformações no campo e as condições relacionadas ao acúmulo de capital, ao desenvolvimento da
burguesia inglesa, às ideias sobre a produção de riqueza relacionadas ao comércio e à produção. A partir
disso, se pode compreender o uso das máquinas na produção de manufaturas.
Para concluir, podemos dizer que a partir da noção de narrativa, o professor pode estimular o aluno
a ser o narrador e, em diferentes situações, explicitar seu entendimento dos conteúdos. Caberá ao
professor identificar os conceitos utilizados pelos alunos, ampliar a discussão com a classe e intervir
e estimular o processo de construção dos conceitos históricos por meio de estratégias de ensino que
permitam aos alunos, por meio das diferentes narrativas veiculadas em diferentes recursos e produzidas
em diferentes situações:
• Identificar as fontes de informações a partir das quais possam construir narrativas, ainda que incompletas.
Do ponto de vista da produção das narrativas históricas, como lembra Raquel Glezer (1991),
não é possível trabalhar com uma cronologia amarrada. Isso é impossível. Os registros documentais
encontrados permitem uma construção parcial que conviva com lacunas. As relações lógicas entre as
informações são dadas pela construção da narrativa a partir do que é possível no momento presente: o
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
que historiador está vivendo, o que a sociedade lhe permite pensar, os seus instrumentos e interesses de
pesquisa e seu objeto de conhecimento.
No entanto, muitas vezes, os alunos perguntam detalhes justamente para complementar essas
falhas, que são excelentes oportunidades para o professor reforçar a explicitação do interesse pessoal
na questão levantada e convidar a uma pesquisa compartilhada na busca de informações faltantes.
A Didática da História se constrói para responder a desafios da sociedade a partir das perspectivas
da cultura escolar, com imperativos da transposição didática e com os princípios da educação histórica.
Não há então um modelo a ser lido e replicado na sala de aula. Há uma composição a ser feita entre
a cultura escolar de uma instituição concreta, os recursos de transposição didática disponíveis e os
princípios da educação histórica, ou seja, da construção dos conceitos pelos alunos. Os conteúdos desse
material tem o objetivo de provocar lembranças, estimular reflexões, análises de vivências para compor
um repertório de conhecimentos a serem mobilizados na prática de ensino.
Enfatizarmos a construção de narrativas históricas como o foco do saber a ser elaborado pelos
alunos, a partir do qual eles podem progressivamente, por meio da mediação e da intervenção do
professor, apropriar‑se do conhecimento histórico concebido conforme as considerações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998a). Tal concepção de História e do ensino da História procura
responder aos desafios da sociedade contemporânea: a superação do senso comum pela reflexividade e
pela valorização das identidades que se impõem no mundo globalizado.
Trataremos aqui das questões referentes ao currículo nacional de História e, portanto, das escolhas
significativas em torno de seu ensino.
Ensinar História é tornar um conteúdo acadêmico, informativo e significativo para uma determinada
sociedade, passível de ser aprendido pelos alunos sem deixar de lado os princípios que fundamentam
a disciplina escolar. Fazer isso exige ferramentas que se utilizam de concepções de aprendizagem e de
elementos que definam a disciplina escolar, ou seja, o corpo de conhecimentos e práticas que alicerçam
os currículos, os objetivos da disciplina, seus caminhos metodológicos e, até, sua representatividade
social. Enfatizamos, levando em conta como apontam vários historiadores, entre eles Jenkins (apud
SILVA; FONSECA, 2007), que a narrativa é ferramenta de organização lógica e expressão social do
trabalho do historiador. Porém nenhum historiador consegue abarcar a totalidade dos acontecimentos
passados, porque seu conteúdo é praticamente ilimitado. Então não pode haver uma única versão dos
acontecimentos que possam ser recuperados, ou seja, nenhum relato consegue abarcar o passado tal
qual era, o que imprime à História seu caráter interpretativo.
Do mesmo modo, não é possível ensinar toda a História, é preciso fazer seleções com base em
objetivos da aprendizagem dos alunos, o que significa organizar conteúdos de acordo com pressupostos
importantes definidos por um campo de estudos específico: o das disciplinas escolares e dos currículos.
Essa organização não é neutra. Segundo Goodson (2001, p. 27), “todo currículo é parte de uma seleção
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
que se inscreve em uma tradição”. Porém não é algo pronto de uma vez por todas, é algo a ser defendido,
justificado e acompanhando ao longo de tempo de sua implantação, que não pode se reduzir a atos
burocráticos. Então não podemos deixar de considerar, concordando com os teóricos do currículo, que
se trata de algo que se constrói em um campo de lutas, fruto da seleção e da visão de alguém ou de um
grupo com poder de definir e formular o que deverá ser feito.
Esse é o campo dos debates, das defesas de posições atuais a respeito das relações do ensino de
História com o conhecimento acadêmico, com a cultura escolar. No Brasil, atualmente, desde 1997,
o debate é provocado na formulação de propostas curriculares que, desde a publicação das diretrizes
curriculares, explicitam e sintetizam concepções de ensino, aprendizagem e disciplina escolar que deram
origem aos PCN e, a partir de 2015, se propõem à elaboração de uma Base Nacional Comum.
Lembrete
Poderemos nos concentrar aqui nas ideias mais significativas do atual debate tal como ele emerge a
partir das Diretrizes Nacionais Curriculares.
Observação
A discussão dos anos 1980 retomava debates anteriores aos anos 1970
que já afirmavam a perspectiva crítica da História.
Essa tendência já vinha sendo anunciada em outros países desde a década de 1970, como nos
mostram Dickinson, Lee e Rogers (1984), ao afirmarem que, a partir da década de 1970, o ensino de
História deixou de ser concebido como a aprendizagem do que ocorreu no passado e passou a centrar‑se
em como podemos adquirir conhecimento sobre o passado. Mudança que envolve conhecer a trama da
História e entrar em contato com questões que envolvam a produção do conhecimento histórico.
80
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Segundo Basseto, Bittencourt e Mattos (1995), as propostas curriculares podem ser consideradas
agentes da história da disciplina, no sentido de explicitar o alcance das mudanças e as tendências de
continuidades e o objeto a ser explicitado em sua forma de sistematizador do conhecimento histórico
escolar, indicando o “para quê”, o “o quê” e o como deve ser o ensino de História.
A análise das três autoras acerca das propostas curriculares produzidas em 23 estados durante
a década de 1980 lança luzes sobre o processo de produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) que foram publicados em 1998. Elas mostram que a prática e a construção da disciplina escolar
são frutos da composição entre a tentativa de transposição didática com a produção cultural que
emerge na escola.
Vale mencionar alguns dos apontamentos desta análise publicada pela Fundação Carlos Chagas em
São Paulo (BITTENCOURT; MATTOS; BASSETO, 1995) e que subsidiou a produção dos PCN. As autoras
mostram que todas as propostas têm como fundamento teórico comum a História Nova Francesa,
especialmente aquela divulgada por Jacques Le Goff em A Nova História, obra traduzida para o português
em 1986. Muitas das propostas buscaram também abordar a história‑problema, numa referência à
História como fruto de pesquisa, defendida pelos historiadores antecessores de Le Goff, como Lucien
Febvre e enfatizada por François Furet em A Oficina da História.
Entre as abordagens encontradas nas propostas dos anos 1980 e nos PCN, podemos distinguir a
História social, muitas vezes, dissociada da História econômica, e muito próxima da História da cultura.
Uma História da cultura conceituada de forma heterogênea, ora como história das mentalidades,
ora como estudo do imaginário, ou ainda como história do cotidiano. Em síntese, podemos verificar
que a história sociocultural da forma, apresentada como uma nova história, articulando um formato
de narrativa diverso da narrativa tradicional, oferece a possibilidade de trabalhar com conceitos
fundamentais para a perspectiva de uma formação para a cidadania crítica, compreensiva das diferenças
e de suas configurações próprias de realização na História. Destacam‑se os seguintes conceitos como
próprios ao ensino de História: cultura, trabalho, organização social, relações de poder e representações.
Nessa medida, a abordagem cultural procura substituir a ideia de História como estudo de civilizações
construído sob uma ótica eurocêntrica. Ao contrário, a História cultural procura “possibilitar a
compreensão que os homens, para sobreviver, se relacionam com a natureza e entre si, nesse processo
produzem cultura, o que abrange todas as manifestações históricas dos grupos humanos” (SEE–RJ, apud
BITTENCOURT, 2011, p. 116).
Essa mesma orientação elaborada na proposta curricular do Rio de Janeiro está presente nos
texto dos PCN para o Ensino Fundamental na área de História, e se refere explicitamente ao conceito
de civilização:
81
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Fica evidente que as iniciativas dos anos 1980 deram frutos nos anos 1990 e representaram um
grande passo para ultrapassar uma produção factual desligada da produção acadêmica, a que chamamos
de “História tradicional” e que organizava o conteúdo em uma sucessão cronológica linear. As novas
propostas, nesse esforço, introduziram a ideia do eixo temático como organizador dos problemas
ou questões a serem tratadas e, sobretudo, para permitir o tratamento da complexidade das noções
temporais de permanência e mudança, permitindo organizar estudos comparativos para se apreender a
identidade pela análise da diferença, articular conceitos e a organização temporal.
Contudo, ainda se mantém, em muitas propostas, a abordagem linear no ensino de História. Ela tem
sido proposta como forma de deixar evidente que o estudo da História é radicalmente temporal, ainda
que realizado no presente e, em função deste, exige o conhecimento e a análise dos processos históricos
pelos quais os homens formaram‑se a si próprios e constituíram os seus distintos modos de ser, viver
e pensar, como podemos ler na proposta do estado do Rio de Janeiro publicada em 2010. O mesmo
ocorre com as propostas do estado de São Paulo e do munícipio de São Paulo que articulam abordagens
temáticas e apresentação da abordagem linear dos processos históricos.
A partir da publicação dos PCN, surgiram outros textos legais orientando tanto a produção do
material didático como a formulação de matrizes de avaliação. Ainda que não tratemos deles aqui,
reconhecemos que eles têm forte influência no ensino de História, levando‑se em conta o contexto que
assumiu no Brasil a partir dos anos 1990 do século XX até a segunda década do século XXI: globalização
da economia, de desenvolvimento de novas tecnologias e do processo de redemocratização no Brasil.
• O que da cultura e da História que o Estado brasileiro considera necessário transmitir aos alunos
por meio da disciplina obrigatória “História”?
82
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• Em que medida essa intenção corresponde aos anseios da sociedade brasileira e, especialmente,
contemplam as demandas do campo já constituído da Didática da História?
• Quais os desafios para formação docente e quais as práticas e recursos de ensino estão alinhadas
a essa proposta?
Saiba mais
Documentos publicados em 1997, para as séries iniciais e, em 1998, para as séries finais, situam‑se
no contexto da época tanto diante da criação da disciplina Estudos Sociais, como sobre o retorno das
disciplinas de História e Geografia no Ensino Fundamental.
Saiba mais
Nesse sentido, os PCN relativos ao ensino de História se alinham às considerações que já apresentamos
e que vinham sendo feitas desde os anos 1950 e 1960, alinhados às perspectivas da transposição didática
e da educação histórica ao afirmar que o ensino de História deve relacionar o conhecimento histórico
a conceitos próprios desse campo, como fato, sujeito e tempo histórico; procurando relacioná‑los com
a Historiografia e com a concepção de educação. Buscando um consenso entre as várias propostas
vigentes, enfatizando a significância social do conhecimento “História” na construção das identidades,
83
DIDÁTICA ESPECÍFICA
do respeito ao outro e no exercício da cidadania, o primeiro dos objetivos expressos nos PCN dos Eixos
Transversais para o 3º e 4º ciclos diz:
Nessa medida, os PCN avançam ao incorporar na sua proposta o incentivo à participação social
como horizonte dos alunos, o que havia sido, anteriormente, fruto de repressão, tanto no início do
século XX, com relação à experiência da escola anarquista, como em relação às escolas experimentais
– as vocacionais, que se utilizavam de assembleias e propunha o ensino a partir de temas. O estudo do
texto dos PCN para o Ensino Fundamental revela que, enquanto iniciativa do Estado, eles representaram
um passo adiante.
Em relação aos conceitos pertinentes ao estudo da História, os PCN elegem: fato histórico, sujeitos
e tempo histórico.
Fato histórico
Em primeiro lugar, alinha‑se à concepção de narrativa histórica que enfatiza as relações entre
os fatos, à valorização das várias esferas sociais para além da política e considera tanto fatos de um
passado recente, quanto distante. A ênfase não é o fato, mas as mudanças e/ou permanências na vida
das sociedades.
Sujeito histórico
O texto dos PCN define sujeito histórico a partir das considerações da produção historiográfica.
Tempo histórico
Em relação ao conceito de tempo histórico, a ênfase recai sobre os diferentes níveis e ritmos de
durações temporais relacionadas aos intervalos de mudanças ou a permanências das vivências humanas.
O texto introdutório dos PCN para as séries finais do Ensino Fundamental (História), seguindo o das
séries iniciais publicado em 1997, faz breves considerações a partir da reflexão contemporânea sobre
o tempo articulando referências que permitam a síntese do tempo vivido em sequências temporais e
em possibilidades de medida (o tempo cronológico, manifesto nos calendários) e a sua interpretação,
que decorre do momento vivido individual e coletivamente e que transformam a sequência linear.
Alerta para a falácia da redução da apreensão temporal aos acontecimentos localizados nas sequências
lineares que foi utilizada com a finalidade de produzir uma ideia de progresso e de um sentido único
a ser perseguido para toda a humanidade, retomando a estrutura da narrativa histórica bíblica que foi
recuperada pela narrativa republicana.
Observação
Essa concepção, presente na parte inicial que trata das considerações sobre aprender e ensinar História
no Ensino Fundamental, é retomada nas orientações e métodos didáticos, sob o título O Tempo no Estudo
da História (BRASIL, 1998c, p. 96), que se inicia com a frase “A questão do tempo é fundamental no
estudo da História”, reconhece suas múltiplas dimensões e de que não se trata de um conteúdo para ser
reproduzido pelo aluno. Ao contrário, trata‑se de abordar suas várias dimensões em diferentes estratégias
de estudo interdisciplinares para que os alunos, ao longo da trajetória escolar, possam compreendê‑lo
85
DIDÁTICA ESPECÍFICA
em toda sua complexidade. Os PCN traduzem em tópicos os vários aspectos relativos à construção social
do tempo. Elenca o estudo dos calendários e sua concepção, da elaboração das linhas cronológicas, da
interpretação dessas sequências e concepção de eras ou períodos; da construção social do tempo, desde a
concepção cíclica à linear do tempo, e sua relação com os mecanismos de medição de tempo.
Após a lista de tópicos, tecem considerações sobre o tempo cronológico, o tempo da duração, ritmos
de tempo, alinhando‑se à discussão sobre a construção social do tempo e sobre as durações, propostas
por Braudel (1983).
Após essa introdução, o documento apresenta os objetivos gerais da História ampliando os objetivos
gerais da disciplina para as séries inicias expressos nos PCN de 1997 seja qual for a compreensão
gradativa da realidade por meio do confronto e das relações que possam ser estabelecidas com outras
realidades históricas, com a finalidade de orientar escolhas e ações. Para que se atinjam esses objetivos,
os alunos deverão ser capazes de:
• identificar relações sociais no seu próprio grupo de convívio, na localidade, na região e no país, e
outras manifestações estabelecidas em outros tempos e espaços;
• conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos, em diversos tempos e espaços, em suas
manifestações culturais, econômicas, políticas e sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças
entre eles, continuidades e descontinuidades, conflitos e contradições sociais;
• valorizar o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como condição de
efetivo fortalecimento da democracia, mantendo‑se o respeito às diferenças e a luta contra
as desigualdades.
O texto dos PCN, apesar de não se pretenderem prescritivos, se apresentam com caráter fortemente
orientador, de forma a embasar planejamentos escolares, com a estrutura de “objetivos gerais, objetivos
específicos, conteúdos, estratégias”. Ressalte‑se, entretanto, que, embora os PCN possam, devido a essa
86
DIDÁTICA ESPECÍFICA
estrutura, serem utilizados como modelos, eles explicitam as referências que embasam suas escolhas e,
desse modo, permitem a discussão e argumentação para outras escolhas que possam se realizar a partir
dos mesmos princípios.
Saiba mais
Leia:
Há um eixo ordenador do conteúdo que deixa de ser a apresentação cronológica ordenada linearmente,
ultrapassando a prescrição da graduação espacial que separava a História do Brasil da História Geral e,
também, a gradação temporal própria da História integrada. Prevalecem, contudo, a História do Brasil e
suas relações com a História da América e com diferentes sociedades e culturas do mundo. Tal conteúdo,
entretanto, deverá ser apresentado pelos professores na forma de uma problemática da qual o estudante
faz parte e a partir da qual ele possa construir relações com as questões sociais, políticas, econômicas e
culturais de outros tempos e espaços.
O essencial que deve estar presente no ensino de História é uma síntese do debate anterior realizado
no âmbito das universidades e dos sistemas de ensino para considerar relacionar o ensino da História
a um conhecimento propriamente histórico, alinhando‑o à produção da ciência de seu tempo: as
novas narrativas históricas que respondem a problemáticas significativas socialmente. Nesse sentido
enfatizam‑se três pontos:
O conteúdo é apresentado a partir de eixos temáticos que, certamente, como forma de organização
coerente com os pressupostos fundantes dos Parâmetros Curriculares Nacionais, são sintetizados no
que diz respeito ao estudo dos processos (contínuos ou descontínuos) e à construção de relações de
87
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Eles constituem a espinha dorsal dos PCN, ainda que até hoje não tenham sido efetivamente
incorporados pela cultura escolar, a não ser em algumas experiências pontuais. Conforme mencionamos,
a partir dos PCN, os sistemas de ensino estaduais e municipais também construíram suas propostas
curriculares e verificamos que a maior parte deles adotou ainda a organização linear, ainda que busquem
organizar a apresentação dos conteúdos a partir de problemas e por uma abordagem que vai além da
história política.
Lembrete
Podemos considerar que manter a abordagem cronológica linear tenha sido uma solução de
compromisso entre as práticas escolares, ou da cultura escolar, e das propostas críticas a partir de um
ponto de vista da construção dos conceitos históricos. Cumpre lembrar que a proposta de organização
por eixos temáticos e problemas já havia sido “perdedora” nas experiências dos ginásios vocacionais
no final da década de 1960. Nos debates sobre o currículo, da década de 1980, os eixos temáticos
foram propostos como uma alternativa para responder à crítica à estrutura tradicional pautada pela
cronologia linear baseada em marcos da História europeia integrados, quando possível, a marcos da
História do Brasil.
Assim se justificam os eixos temáticos como estrutura de organização curricular de conteúdos que
também estarão presentes dos parâmetros curriculares de História do Ensino Médio.
Os eixos temáticos para as séries finais do Ensino Fundamental, diferentemente do Ensino Médio,
são pré‑definidos.
História das relações sociais, da cultura e do trabalho, para o terceiro ciclo, que se justifica por dar
conta de uma questão tão clássica quanto a atual:
História das representações e das relações de poder, para o quarto ciclo, que também se justifica por
ser relativa a uma questão histórica atual e, ao mesmo tempo, clássica.
Nesse sentido, o ponto de partida da seleção dos conteúdos curriculares diz respeito às condições
presentes na sociedade contemporânea, a partir das quais o interesse pelo passado se impõe.
Lembrete
89
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A partir de então, o texto, consciente da distância entre essa proposta e as práticas de ensino de
História vigentes e, inclusive, dos materiais didáticos, explicita as articulações entre esses dois grandes
eixos e os temas transversais, notadamente interdisciplinares.
Saiba mais
Se o formato de apresentação dos PCN de História apresentaram‑se sob a forma de uma lista de
conteúdos a ser vencida, a leitura atenta do seu texto permite observar que os autores pretenderam
oferecer subsídios e possibilidades de reorganização dos conteúdos curriculares para que cada escola
pudesse articular seus projetos pedagógicos e planos de ensino. Nesse sentido, os volumes referentes
aos Temas Transversais reforçam essa intenção, uma vez que são temas considerados amplos que
correspondem às preocupações da sociedade brasileira e deverão ser tratados em cada área do
conhecimento na medida em que eles perpassam por todas elas. Inaugura‑se, por essa composição
curricular, uma perspectiva transdisciplinar de currículo.
90
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Essa proposição de instituir na Constituição Brasileira metas de direitos a serem alcançados e de criar
um processo efetivo de democratização corresponde aos textos normativos e orientadores das Diretrizes
Curriculares Nacionais e dos Parâmetros.
Saiba mais
Os temas propostos não são concebidos na forma de itens, mas de questões sobre eles, como questões
da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e
Consumo. Propõem, a partir daí, um grande desafio à cultura escolar: a inserção de uma forma de
considerar os objetos de conhecimento, não mais de forma disciplinar, mas interdisciplinar, e mantendo
as disciplinas escolares já tradicionais, porém introduzindo novas concepções didáticas a partir de um
novo lugar de disciplinas que até então eram isoladas nas grandes propostas curriculares.
A reformulação da proposta curricular para o Ensino Médio pode ser estudada por meio de inúmeros
documentos desde pareceres da Câmara de Educação Básica (CEB): Conselho Nacional de Educação
91
DIDÁTICA ESPECÍFICA
(CNE) nº 15/98 (BRASIL, 1998c) que se segue à resolução CEB/CNE nº 3/98 (BRASIL, 1998d) até a
publicação de diferentes versões dos Paraceres Nacionais Curriculares para o Ensino Médio (2000a) e as
Orientações Educacionais curriculares nacionais do Ensino Médio – PCN+ (PCN+, [s.d.]), incluindo as
Novas Diretrizes Nacionais da Educação Básica publicadas em 2013.
Não se trata aqui de fazer uma comparação detalhada de todos os documentos, mas de apontar a
concepção de ensino adotada no parecer que apresenta propostas de regulamentação da base curricular
nacional e de organização do Ensino Médio.
Consideramos interessante a citação de trechos do parecer, pois ele explicita que o papel dos
parâmetros é conduzir o sistema de ensino nacional, mas deixa autonomia às escolas, aos estados e
municípios, seguindo a constituição de 1988. O relator do parecer, a profª. Guiomar Namo de Melo
considera o espírito da Lei de Diretrizes e Bases e, a partir dela, constrói o pano de fundo: o ensino por
competências.
Art. 35º. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração
mínima de três anos, terá como finalidades:
Os fundamentos elencados no parecer não são de ordem pedagógica, explicitam‑se como uma
demanda social do mundo do trabalho e se configuram nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio – DCNEM (BRASIL, 2013b) como elementos da qualidade social do Ensino Médio que
devem visar a quatro aspectos da formação humana: trabalho, ciência, tecnologia e cultura.
Define‑se o trabalho como princípio educativo e afirma‑se assim a formação para ação e
transformação, configurando‑se como norteadora do currículo e a partir de uma concepção do que é
ser humano.
Como princípio pedagógico, passa a ser a pesquisa, justificada também pelas transformações de
demandas sociais (BRASIL, 2013b): diante da produção acelerada de conhecimentos, a escola tem um
desafio de permanecer uma instituição em que o saber valorizado está presente. A resposta dessa
proposta curricular é propor que os novos conhecimentos sejam socializados e que promovam o nível
geral da educação da população.
Define também o papel do professor nesse contexto de mudanças, em que as novas tecnologias
afetam a cultura escolar em vários sentidos: tanto na gestão, quanto na avaliação e, sobretudo, no
seu modo de produzir conhecimento; e também no seu lugar na produção do conhecimento, que
deixa de ser central para se tornar um polo agregador de informações e conteúdos desenvolvidos
fora da escola. Apesar e por causa dessas mudanças, o professor é muito importante, pois é
ele que tem um papel de sistematizador dos conteúdos, uma vez que a informação não gera
necessariamente conhecimento. Entretanto esse papel não implica mera transmissão, mas sim
facilitação da aquisição de conhecimentos, de mediação entre o aluno e o conhecimento, um
estimulador do desenvolvimento das competências para a aprendizagem ao longo da vida. Daí a
pesquisa ser o princípio pedagógico.
Lembrete
Em primeiro lugar, as DCNEM (BRASIL, 2013b) afirmam que a identidade do Ensino Médio não
deve ser apenas um intermediário entre a educação básica, a educação superior ou para a inserção no
mundo do trabalho. Trata‑se de propor que o Ensino Médio atenda a todos e se integre efetivamente
na Educação Básica, voltando‑se para a formação integral complementando o ciclo de escolaridade
a qual todos os cidadãos têm direito. Isso significa atender a todos, com qualidade, considerando a
diversidade nacional e a heterogeneidade cultural, que atenda as diversas juventudes que chegam
à escola, e também à população adulta com escolaridade básica incompleta. Por isso cada escola
deve, nessa etapa conclusiva, formular um projeto uno em seus princípios e objetivos – garantindo
a simultaneidade das dimensões trabalho, ciência, tecnologia e cultura, mas que contemple, por
meio de diferentes itinerários, as diferentes demandas socioculturais e econômicas dos estudantes,
reconhecendo‑os como sujeitos de direitos.
E o que se mantém? As disciplinas? E quais conteúdos são propostos para dar conta das demandas
com as quais a sociedade desafia a escola e para os quais uma comissão de educadores especialistas
procuraram responder com essa proposta.
Seu ensino então se justifica na medida em que se integra à área de Ciências Humanas e possibilita estudar
questões relativas às problemáticas contemporâneas (BRASIL, 2000b, p. 20). A proposta da transversalidade
94
DIDÁTICA ESPECÍFICA
temática não é explicitada na proposta como é na do Ensino Fundamental. Porém, podemos observar, no
seu texto, um viés temático e sua intenção de aprofundar o aprendido no Ensino Fundamental:
Esses princípios já configuram um recorte indicativo das transformações dos currículos no nível
médio. Mas há ainda outros. É preciso considerar o que são as Tecnologias das Ciências Humanas, enfim,
é preciso definir o campo dessa área de conhecimento, o grande elemento inovador e desafiador na
proposta do Ensino Médio, no âmbito da Didática da História. Vamos examinar o que ela propõe de novo
em relação às propostas que se apresentavam como interdisciplinares, e procuravam vincular a História
às Ciências Sociais.
Lembrete
95
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Haverá um lugar específico da História enquanto campo de conhecimento? Qual ensino de História
será produzido a partir dessa concepção?
Exemplo de aplicação
O ensino de História deve, a partir do texto, operar um esforço de transposição didática? Por quê?
Quais elementos da cultura escolar podem ser sérios obstáculos?
96
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• Representação e comunicação:
• Investigação e compreensão:
97
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• Contextualização sócio‑cultural:
Essas competências podem ser associadas à construção do conhecimento histórico como forma de
análise da sociedade, em sua relação com o presente, e vinculada aos interesses e anseios dos aprendizes,
sejam eles os pesquisadores ou os alunos. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares de Ensino Médio,
que se seguem às diretrizes e aos pareceres, se alinham aos que vinculam a reflexividade à Modernidade,
e esta ao desenvolvimento tecnológico da sociedade capitalista que se apresenta sob a denominação
de sociedade do conhecimento.
Assim, os PCN do Ensino Médio (BRASIL, 2000a, p. 75‑6) afirmam a interdisciplinaridade como o
campo das múltiplas possibilidades de interação entre disciplinas em torno de atividades, projetos de
estudo, intervenção ou pesquisa. Essa interação pode se dar por proximidade ou distanciamento de
métodos, procedimentos, objeto de conhecimento, habilidades de que as disciplinas se utilizam. Trata‑se
de olhar o mesmo objeto de perspectivas diferentes. Por exemplo, em uma fotografia da explosão da
bomba atômica: a explicação física do processo e a narrativa histórica são diferentes olhares para o
mesmo objeto.
98
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Nessa perspectiva, o ensino de História torna‑se fortemente conceitual, pois, para que a
interdisciplinaridade se integre à prática escolar, é preciso identificar um problema gerador de um
projeto a partir do qual serão definidos os conceitos de cada disciplina que podem contribuir para
descrevê‑lo, explicá‑lo ou prever soluções. Ao contrário do que pode parecer, isso não significa a diluição
da disciplina História, mas a afirmação de sua construção ancorada em conceitos.
Se você se propôs a realizar o exercício de aplicação anterior, deve ter chegado à conclusão de que
há pelo menos obstáculos à sua implantação que advêm da cultura escolar, entre eles, a falta de tradição
do trabalho em equipe e também as dificuldades, ainda, em se considerar a heterogeneidade das salas
de aula nas escolas comuns; além da diversidade da educação indígena, das escolas quilombolas e da
educação de jovens e adultos, o que levou à revisão das DCNEM com a publicação da versão nova,
contemplando cada uma dessas modalidades de educação.
Como se vê, a construção curricular nacional é um processo dinâmico em que o currículo prescrito
é um todo coerente, com intencionalidade explícita, mas em diálogo com o currículo vivido, aquele
efetivamente se dá na relação professor‑aluno.
Saiba mais
99
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Educação Nacional, que asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim
como garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito
de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros. Há também as Constituições
Estaduais da Bahia – Art. 175, IV e 288 (BAHIA, 1989), do Rio de Janeiro – Art. 303 (RIO DE JANEIRO,
1989) de Alagoas – Art. 253 (ALAGOAS, 1989), assim como de Leis Orgânicas, tais como a de Recife –
Art. 138 (RECIFE, 1990) de Belo Horizonte – Art. 182, VI (BELO HORIZONTE, 1990) a do Rio de Janeiro
– Art. 321, VIII (RIO DE JANEIRO, 1990). Além dessas, algumas leis municipais, desde 1994, também
dispõem sobre o assunto, e, de diferentes formas, alguma ação na escola sobre as questões relativas à
história e memória dos negros.
Cumpre lembrar que já a primeira proposta de História do Brasil, elaborada pelo Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, destacava a contribuição do branco, do negro e do índio na constituição da população
brasileira, apontando para a ideia de miscigenação racial. Nesta proposta, contudo, reforçava‑se sobremaneira
a hierarquização entre as diferentes “raças”, como eram então tratadas. Os brancos eram superiores e os
principais agentes da História brasileira. Estavam presentes na constituição do Estado, nos fatos considerados
essenciais para a constituição do processo histórico nacional: as façanhas marítimas, comerciais e guerreiras
dos portugueses; o papel da Igreja na catequese; o protagonismo do branco na política, nas transformações
econômicas e na modernização. O negro e o indígena sempre foram considerados coadjuvantes e, por que
não dizer, relacionados ao vocabulário e a alguns costumes, descontextualizados de seu significado cultural e
tratados, na escola, como curiosidades, ainda que os estudos do folclore pudessem ter‑se perdido, já, há muito
tempo, constituíam‑se como outra abordagem da cultura popular, na qual as heranças negras, indígenas e
brancas efetivamente se equipararam, sem hierarquia.
Nos anos 1930, surgiram obras de síntese que procuraram explicar a História do Brasil a partir
de enfoques diversos. Todas elas dedicadas ao período colonial: Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque
de Holanda; Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior; e Casa Grande e Senzala,
de Gilberto Freyre. Introduziu‑se, na escola, um debate sobre a miscigenação social e a tese da
democracia racial, vitoriosa, que orientou programas e livros didáticos. Ela afirmava o predomínio
da miscigenação e a ausência de preconceitos raciais e étnicos. Brancos, negros e indígenas, todos
conviviam harmonicamente em uma sociedade sem conflitos. As ações de exploração e violência,
tanto física quanto simbólica, dos brancos contra indígenas e negros eram silenciadas, assim como
também o eram as ações de resistência.
É importante salientar que tais políticas têm como meta o direito dos negros
se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias,
manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos [...].
100
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A Lei nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003), que alterou a Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), cumpre o
papel de modificar o lugar na sociedade brasileira dos elementos constitutivos da participação dos
afrodescendentes na cultura brasileira, de um lugar silenciado ou branqueado, para conviver no diálogo
e com igual dignidade. Nesse sentido, revela um esforço para a valorização e respeito às pessoas negras,
à sua descendência africana, sua cultura e história.
Entretanto, essa iniciativa provocou bastante incompreensão, pois o Brasil teve de lidar com o racismo,
reconhecer um sofrimento social, para além do individual, resultante da negação social expressa pela
ridicularização (os xingamentos que hoje temos). Foi um esforço para que haja uma afirmação desses
valores culturais que foram em um momento criminalizados, depois desvalorizados, para que sejam
valorizados e que permitam que os afrodescendentes possam ter estímulo para prosseguir seus estudos.
Por isso, julgamos bastante oportuno que a lei não tenha concebido uma série especial para esses
conteúdos, ou uma disciplina apenas, ainda que as Ciências Humanas sejam mencionadas de forma
frequente quando se fala em ensino da cultura e história afro‑brasileira e africana.
Em primeiro lugar, há que tecer um esclarecimento sobre o uso do termo “raça” no objeto do ensino:
relações étnico‑raciais. O conceito de raça de cunho biológico, que naturalizava as diferenças étnicas, ficou
ultrapassado com o avanço da Biologia Genética. Falar hoje em raça, do ponto de vista biológico, revela
profunda ignorância dos avanços da ciência, o que não é o caso. O termo aqui empregado diz respeito
a uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes, simuladas
como harmoniosas, porém que ocultam manifestações de racismo. Nesse sentido, o termo “raça” muitas
vezes está presente no senso comum para informar sobre como determinadas características físicas
influenciam, e até determinam, o destino, o lugar social e a expectativa de futuro de alguns sujeitos
no interior da sociedade brasileira. Usos que acentuam os preconceitos, que não partem de reflexão e
101
DIDÁTICA ESPECÍFICA
que reafirmam permanências da mentalidade da sociedade escravista, dos séculos XVI a XIX, como o
pensamento evolucionista e biológico também do século XIX e primeira metade do século XX.
Entretanto o termo “raça” ganhou um sentido inverso ao ser adotado pelo Movimento Negro para
estabelecer um significado político na valorização do legado deixado pelos africanos.
Saiba mais
As relações foram tensas e provocam ainda conflitos decorrentes do contato entre descendentes
de escravos e descendentes de mercadores e donos de escravos. Não se trata, no entanto, de incentivar
revanche dos massacrados, o ensino das relações étnico‑raciais não pode ser fundado na culpa do que
fizeram nossos antepassados, mas na
102
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A escola é o lugar por excelência do seu ensino, em primeiro lugar porque, nela, estão presentes as
desigualdades e discriminações correntes na sociedade. Na escola, está a possibilidade de ultrapassar
estereótipos e aprofundar reflexões, diminuindo, ou até contribuindo, para a eliminação das discriminações
e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos
a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a
conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação da democracia e modificação das nações
como espaços democráticos e igualitários (BRASIL, 2013a, p. 501)
Não há um programa ou conteúdo curricular canônico a partir do qual possamos reproduzir alguns
modelos, não há uma disciplina específica para isso; ao contrário, todas são apropriadas para tal tarefa.
As diretrizes apontam essa dificuldade como um desafio e uma oportunidade de construção social
em uma sociedade democrática, ainda que capitalista e, portanto, desigual, mas com fortes vinculações
com a modernidade.
Identificamos que as exigências e desafios propostos por essas diretrizes são uma evidência dos
desafios contemporâneos aos quais a formação dos professores de modo geral e as ações de ensino
correspondem. É também uma construção institucional que busca criar caminhos e espaços que
possibilitem a ação dos professores.
Lembrete
As Diretrizes Curriculares não propõem uma lista de conteúdos mas, ao contextualizar a problemática,
aponta pontos ou temas norteadores para a reflexão dos professores, especialmente os de História, a partir do
que poderão, nas suas escolas, em conjunto ou individualmente, realizar propostas de trabalho pedagógico.
O que é ser negro ou preto? Afinal, trata‑se de uma designação que é fruto de relações sociais?
O texto das Diretrizes para o Ensino das Relações Étnico‑raciais ressalta alguns pontos que servem
como inspiração para diferentes projetos sobre identidades do ponto de vista da cultura afro‑brasileira.
Em primeiro lugar, afirma: negro é quem assim se define e essa é uma escolha política. Em segundo
lugar, as pessoas se classificam pela cor nas pesquisas do IBGE – “preto”, “branco”, “pardo” ou “indígena”.
103
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Os pesquisadores reúnem as categorias “preto” e “pardo” em uma única: a categoria “negro”, já que,
segundo o Movimento Negro, assim se denominam os que reconhecem sua ascendência africana.
Entretanto essa identidade não é dada pela cor da pele, seu reconhecimento ocorre pela marca da
discriminação e da desvalorização da cultura africana, inclusive de seus aspectos físicos. Assim, pessoas
de tez clara e traços europeus, mestiças, podem se dizer negras; pessoas com traços físicos africanos
podem se denominar brancas (BRASIL, 2013a, p. 501‑502).
O sentido do termo “negro” é negativo, dado pelos senhores de escravos para designar os escravizados,
mas existe também um sentido positivo, utilizado pelo movimento negro para politizar a questão, em
contraposição à incorporação pela sociedade dos processos de branqueamento.
Os processos de branqueamento e sua ideologia, que consideravam as pessoas brancas mais humanas
e mais inteligentes, reforçavam o conteúdo negativo ligado ao termo “negro”. Hoje, ainda, podemos ver
um negro falando de outro que fez algo errado: “só podia ser negro mesmo!” Situação que pode ser
compreendida no contexto gerador desse comportamento.
As condições concretas para o ensino das relações étnico‑raciais deverão ser de responsabilidade dos
sistemas de ensino (estaduais e municipais) e das mantenedoras das escolas; os princípios estão inseridos
na consciência da diversidade, sua importância política e histórica e da valorização de identidades e
direitos. Além disso, define um terceiro princípio bastante significativo e orientador das possibilidades
de ensino, com consequências para ação docente e, por conseguinte, para a Didática da História.
Sob o título Ações Educativas do Combate ao Racismo e às Discriminações (BRASIL, 2013a, p 504‑5),
encontramos realçadas diversas ações que fazem parte da organização das atividades docentes desde o
104
DIDÁTICA ESPECÍFICA
planejamento, levando em conta os conhecimentos prévios e vivências dos alunos, situações cotidiana de
sinalização do racismo ou de reflexão e debate para construção de relações étnico‑raciais positivas, além
de valorização e reconhecimento da produção social contemporânea dessa cultura por meio de grupos
étnico‑raciais inseridos no movimento social e por grupos culturais negros dos quais a escola pode se
aproximar para realização de projetos. Além disso, em relação ao suporte, é aconselhável o contato com
a oralidade, a corporeidade, como fonte de expressão e informação sobre a cultura afro‑brasileira.
As ações educativas podem ocorrer a qualquer momento que se faça necessário e em projetos ou
aulas, como o conteúdo das disciplinas Educação Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo
das demais, em atividades curriculares ou não, explorando todos os espaços da escola que se fizerem
necessários.
Desse modo, o ensino das relações étnico‑raciais se apresenta como essencialmente interdisciplinar,
e se concretiza tanto em ações educativas pontuais ou em reflexão sobre eventos ocorridos na escola,
como em projetos propostos pela escola que podem ter forte significado para a comunidade e não
resultam apenas em atividades curriculares burocráticas. Aliás, assim como as definições dos Parâmetros
Curriculares sobre os Temas Transversais, as relações étnico‑raciais se configuram, como intervenção
no Ministério da Educação, instigadoras, ainda que normativas e fiscalizadoras. As ações educativas
construídas como projetos culturais e investigações interdisciplinares dos últimos anos do Ensino Médio
podem ser uma oportunidade de revisão da História da Brasil. Elas oodem também ser geradora de busca
de informações desde as primeiras séries do ensino de História do Brasil e do Mundo, que aos poucos
vão sendo ampliadas.
Outras questões podem instigar a conhecer mais sobre a história da África e relacioná‑la com a
História do Mundo e do Brasil. Destacam‑se, nesse sentido, temas apropriados para o ensino da História
da África, para o estudo da cultura africana, para a História da cultura afro‑brasileira.
Saiba mais
A lista de temas sobre o estudo da História Africana é bastante pertinente do ponto de vista da
produção historiográfica e coloca o continente africano do mesmo modo como se aborda a história
brasileira ou do ocidente. No entanto, há comentários importantes a fazer do ponto de vista do conceito
de cultura negra e do multiculturalismo. Em primeiro lugar, cumpre notar que o uso dos termos “negro”
ou “afro‑brasileiro” e “branco” tiveram maior influência política na redação das Diretrizes do que nos
PCN, que já propunham uma revisão da ideia de democracia racial, incluíam a abordagem da diversidade
e da cultura plural fazendo parte da História do Brasil e assumiam a presença de um discurso ideológico
dominante no ensino da História do Brasil.
105
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Compreendemos que essa iniciativa vem dar voz para uma população ausente dos conteúdos da
História e que não obstante, no seu movimento social, produziu uma contra‑história, para utilizar
o conceito de Marc Ferro, e manteve uma identidade e as possibilidades de luta por direitos. Uma
contra‑história em relação ao discurso dominante no ensino da História do Brasil e também a uma
negação do racismo na sociedade brasileira. Situa‑se, portanto em um campo político e tenso, o que
justifica que elas se fizeram acompanhar de um parecer para explicar a gestores de escola, a professores
e a pais sua importância.
É possível considerar que elas representam um primeiro momento que vai sendo revisto a partir do
instante que as práticas sociais a constroem efetivamente.
Saiba mais
Um exemplo é o questionamento que se pode fazer sobre o uso dos termos “branco” e “negro” nas
Diretrizes e sua definição. Se seguirmos Stuart Hall, precisaríamos problematizar parafraseando‑o “que
‘negro’ é esse na cultura negra”? (HALL, 2003, p. 335), perguntando o que é realmente “negro” na cultura
brasileira. Podemos pensar em uma cultura pura?
Essas são as possíveis intervenções dos professores e dos historiadores diante das propostas das
Diretrizes e que, nesse sentido, evidenciam o processo de constituição da história de uma cultura que
foi silenciada.
O texto das Diretrizes Curriculares aponta para o papel do escravismo na constituição de condições
concretas de vida relacionadas ao racismo. No entanto afirma uma identidade cultural afro‑brasileira
que não se vincula ao escravismo, ao ser escravo. Trata‑se evidentemente de uma ambiguidade da
identidade negra que, para ser compreendida, não pode negar a terrível experiência da escravidão
moderna e sua herança: o racismo. Não há como negar, como afirma Mattos, que:
106
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Quando tratamos de cultura negra, precisamos estar atentos a um desafio contemporâneo que
está presente na escola. Não contamos ou estudamos uma História que justifica uma essência
cultural que defina uma identidade. A História contribui para a formação identitária de nossos
alunos na medida em que permite que possam reconhecer papéis e identidades que constituem
indivíduos e coletivos a partir das relações sociais. O reconhecimento do negro como forma de
combate ao racismo pode ser, seguindo sugestão de Stuart Hall, voltar a “nossa atenção criativa
para a diversidade e não para a homogeneidade da experiência negra”, apesar da evidente distinção
de um conjunto de experiências negras historicamente datadas (HALL, 2003, p. 346), como a
diáspora e a escravidão.
Saiba mais
E a cultura indígena?
Em 2008, foram realizadas modificações na Lei de Diretrizes e Bases por uma Lei Federal nº 11.645
(BRASIL, 2008) que acrescentou a obrigatoriedade de estudos da questão indígena como conteúdo da
escola básica. Entretanto, igualmente as outras inovações introduzidas nos currículos, há dificuldades
em se cumprir essas determinações, por diferentes motivos, dentre eles, alguns são comuns, como
a ausência de formação e de material didático. De fato, até 2008, as licenciaturas em Pedagogia e
em História não formavam o aluno para o estudo dessas temáticas na escola básica. É consenso a
necessidade de implantar projetos de formação continuada, rever currículos, incrementar a produção
de livros e materiais didáticos. Destacam‑se algumas produções geradas pelas próprias comunidades
indígenas, como DVDs ou vídeos na aldeia.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
<http://www.videonasaldeias.org.br>.
Muitas reflexões são necessárias. Não podemos reduzir a valorização étnica a tópicos isolados, isso
seria um retrocesso na perspectiva da Didática da História. Pensar em africanos e indígenas na formação
do Brasil significa indagar sobre ligações desses grupos com outras etnias, formação de novas culturas
híbridas, sociabilidades que foram construídas de modo particular e diferente daquelas observadas em
outras partes do mundo. Entre nós, não houve impedimentos legais para casamentos. Também não
podemos reduzir essas culturas a aspectos exóticos e curiosidades do passado. Africanos e indígenas
estão presentes no Brasil como grupos étnicos com seus descendentes que se renovam por ondas de
migração e dinâmicas de sobrevivência dos ameríndios. E fica a pergunta: quando vamos incluir também
os descendentes de outras etnias e nacionalidades que podem se considerar na base da formação de
regiões brasileiras?
Há vida no currículo prescrito! Ainda que só se efetive no currículo vivido, em que vamos encontrar,
de fato, as mudanças provocadas por novas transposições didáticas que interferem na cultura escolar
ou permanências de padrões de resistência às transformações e novas demandas sociais.
Enfim, mais uma vez, o processo da implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais se
dá a partir de 1997, e ainda não pode ser considerado acabado, uma vez que a definição da
Base Curricular Comum apenas se iniciou em 2015, o que revela que as disciplinas escolares são
um campo de luta entre posições no campo da Educação e no campo do ensino de História. Os
currículos prescritos com força e poder de diretriz são uma das posições. As transposições didáticas
como espaço de vulgarização e adaptação das ciências de referência é outra, o mercado editorial
também tem sua força. No entanto, é nos espaços escolares, com suas culturas, que o currículo
ganha vida. Como dizem Silva e Fonseca (2010, p. 29‑30): “Os professores tem alguma autonomia
ante as demandas do Estado, da sociedade e dos meios de comunicação; assim, podem questionar,
criticar, no cotidiano escolar”.
Há muitas mediações a se considerar entre os currículos prescritos e os currículos vividos para além da
relação entre os sujeitos, alunos e professores; há os saberes veiculados por diferentes fontes: livros didáticos,
108
DIDÁTICA ESPECÍFICA
fontes de época, filmes, mapas, instituições de preservação e conservação da memória, como os museus, além
de práticas de ensino que envolvam desde a realização de projetos até a exploração das cidades.
Exemplo de aplicação
A partir das leituras e informações desse tópico, você pode responder à provocação do início:
O que da cultura e da História o Estado brasileiro considera necessário transmitir aos alunos por
meio da disciplina obrigatória “História”? No que esses anseios correspondem ao campo já constituído
da Didática da História?
A última pergunta: quais são os desafios para formação docente e a quais práticas e recursos de
ensino estão alinhados a essa proposta? É o objeto de reflexão das partes seguintes do curso que tratarão
das mediações dos livros didáticos e de sua composição, dos espaços de produção de História e das
possibilidades tecnológicas e dos projetos.
Quando falamos em material didático, falamos nos suportes materiais que podem ser utilizados pelo
professor para o ensino. Tradicionalmente, o material didático por excelência eram os livros e mapas, além de
gravuras. É comum vermos fotografias de alunos sentados na mesa do professor e, ao fundo, há sempre um
mapa sobre a mesa; de um lado, a bandeira do Brasil, e/ou de um estado da federação e, de outro, um globo.
A narrativa histórica era, com exceções, até os anos 1960 do século XX, predominantemente baseada
na divisão em quatro partes da História: Antiga, Média, Moderna e Contemporânea e na separação entre
História do Brasil e História Geral; mas a primeira como um apêndice da última, já que se iniciava com
a chegada dos portugueses. Os agentes históricos eram os políticos ou heróis, o passado é apresentado
com um processo de evolução contínua considerado cronologicamente a desembocar no presente. O
pano de fundo era uma narrativa concebida em um tempo linear, uniforme e evolutivo, segundo um
ideal positivista de futuro melhor do que o passado.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
A construção permanente da Didática da História, dos modos de ensinar e das decisões sobre o que
ensinar se deu com algumas tensões entre movimentos de ruptura e permanência, que transparecem
na organização de alguns livros. Alguns deles, utilizados até a década de 1980, em sua maioria, seguiam
essa tradição. A partir de então foram sendo realizadas algumas transformações ao se considerarem
as diferentes temporalidades. A estrutura da narrativa, porém, se mantinha com base na conjuntura
política com prevalência da curta duração, com predominância do político. Assim, apesar de algumas
coleções introduzirem os conceitos de modos de produção, estruturaram‑se a partir da divisão política:
Império (primeiro e segundo reinados) e Proclamação da Republica com objetivos de trabalhar a
conjuntura econômica ou os modos de produção; Modo de Produção Asiático (para a Antiguidade
oriental); Feudalismo (para a Idade Média). Ou seja, a transposição didática da teoria dos modos de
produção foi absorvida pela divisão da História em quatro partes pautada em critérios políticos e em
uma visão eurocêntrica.
Exemplo de aplicação
Você se lembra dos seus livros didáticos de História? Procure descrever como se dava sua organização
e a que concepção de História e de ensino de História eles correspondiam.
É importante compreender melhor o que é o livro didático, qual sua autonomia em relação às
decisões sobre currículo e suas funções às quais os autores devem atender. Para isso, muito se tem
estudado sobre o livro didático, as pesquisas de Alain Chopin apontam para uma caracterização da
natureza do texto escolar que nos auxiliam a compreender que a articulação de temas, textos e imagens
nos livros didáticos que utilizamos tem uma relação com valores de permanência de uma tradição tanto
da cultura escolar, quanto da cultura editorial. Por outro lado, à medida que compreendemos a relação
entre suas funções e sua produção, podemos tomar decisões. Não precisamos segui‑los tais quais nos
apresentam para planejarmos os usos que podemos e devemos fazer deles.
Esse pesquisador, ao publicar um artigo sobre o estado da arte da investigação a respeito dos livros
didáticos na história editorial, indica que eles assumem, na atualidade, quatro funções, que foram se
construindo ao longo do tempo.
Saiba mais
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
A primeira das funções é ser um lugar de memória. Ela surge nos séculos XIX e início do XX,
com o livro didático relacionado à formação do Estado‑nação e oferece aos estudantes elementos de
identidade nacional. Podemos considerar que o ensino de História ainda está ligado à formação da
identidade do alunos, não mais como uma identidade nacional, nos moldes de sua concepção no final
do século XIX e início do século XX. Se tomarmos as considerações dos PCN e os desafios postos pelo
mundo contemporâneo, essa função como formação de identidades em um mundo global que inclui
as particularidades e as nacionalidades, permanece. Entretanto a pluralidade e o diálogo de identidades
apresentam‑se como um desafio a ser vencido nas narrativas tradicionais propostas pelos livros didáticos.
A segunda de suas funções é ter um caráter referencial, ou seja, segue uma proposta curricular, o
que inclui conhecimentos, técnicas e habilidades que determinado grupo pretende transmitir às novas
gerações. De fato, inicialmente, na história do ensino de História no Brasil, o papel de currículo comum
foi paulatinamente definido pelos livros didáticos. À medida que o Estado passou a exercer um papel
de controle sobre a matéria, foram surgindo incentivos à produção do livro, encomendas e instâncias
de avaliação crítica desses textos, como a Campanha Nacional do Livro Didático e Manuais de Ensino
(Caldeme) e, atualmente, o Programa Nacional do Livro Didático e as avaliações da produção editorial
didática nos nossos dias indicam a permanência desse livro didático como referencial de um currículo
comum.
A terceira das funções é seu caráter instrumental. O livro apresenta práticas e métodos de
aprendizagem por meio de exercícios, sugestões de atividades voltadas para a memorização de
conteúdo ou para a aquisição de competências e apropriação de habilidades necessárias à solução de
problemas, ou seja, o livro tem o papel de transmitir às novas gerações saberes e habilidades consideradas
indispensáveis à sociedade.
A quarta função é seu caráter documental que pode ser considerada, segundo Alain Chopin, uma
função mais avançada pedagogicamente. Diz respeito não mais a uma narrativa histórica única, mas
considera o livro como um conjunto de documentos de natureza diversa, entre textos e até imagens que
permitam que ele seja um meio para que o estudante tenha maior independência. No caso do ensino
de História, trata‑se de considerar, no livro didático, a necessidade de transformar a narrativa histórica
tradicional de modo a incorporar os novos objetos, novos saberes e novos temas, propostos pela História
Nova.
Exemplo de aplicação
Você certamente estudou em alguns livros didáticos. De que modo eles correspondiam à função
instrumental e documental?
Para além dessas funções relativas à seleção e organização de conteúdo pelo livro didático, não
podemos esquecer sua importância econômica para o mercado editorial e para o Estado como agente
de controle e consumidor dessa produção.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
A vinculação entre o mercado editorial e o Estado pode ser localizada já em 1818, quando a
Impressão Régia publicou Leitura para Meninos, que tinha como subtítulo: Coleção de Histórias Morais
Relativas aos Defeitos Ordinários às Idades Tenras e um diálogo sobre a Geografia, cronologia, História
de Portugal e História Natural. Segundo Regina Zilberman (1996), com a obrigatoriedade da educação
estabelecida em 1870 e com a República, conheceu‑se grande aumento da produção de livros didáticos.
Ao abordarmos a produção editorial do livro didático, suas funções e sua importância econômica, somos
levados a considerar as interferências socioculturais presentes quando falamos de transposição didática.
Lembrete
É preciso considerar a produção do livro didático no processo de mediação entre o saber acadêmico e
o conhecimento escolar. Nesse aspecto, considera‑se que há necessariamente um tempo que a pesquisa
acadêmica leva para chegar à sala de aula – que envolve o tempo de atualização dos agentes produtores
do saber a ser veiculado na sala de aula e do processo editorial. Há também que se considerar que o
processo de autoria dos livros didáticos, hoje, é mais complexo. Há uma equipe técnica responsável pela
produção e edição dos livros didáticos, que atende a demandas do MEC, muitas vezes, vinculadas às
formas de exposição mais atrativas e com novas figuras.
Além do tempo de atualização do material didático em relação à ciência de referência, devemos levar
em conta a tendência à busca por uma linguagem mais acessível aos alunos, que incorre muitas vezes em
simplificação exagerada, descaracterizando determinados conceitos. Um exemplo podem ser as críticas
feitas às abordagens do ensino das relações étnico‑raciais. Outro exemplo, a introdução do conceito de
“modo de produção”. Tal simplificação provoca sempre a criação de estereótipos e anacronismos.
Com relação à violência da escravidão, foi bastante lento o processo de incorporação, nos materiais
didáticos, das pesquisas sobre a ação dos negros durante o período da escravidão: eles não foram passivos
ou alienados, nem incapacitados de criarem espaços próprios. A pesquisa histórica de Silvia Hunold
Lara (1988) e Maria Helena Machado (1988) oferece subsídios para não criarmos e reforçarmos esses
estereótipos. Do mesmo modo, João José Reis (1989) já, em 1989, defende que os escravos procuravam
caminhos de liberdade tanto na forma de resistência, como fugas e quilombos, como em conflitos
diretos no cotidiano, na luta por benefícios ou na compra por cartas de alforria. Ou seja, no interior do
próprio sistema, construíram ativamente estratégias para se livrar do cativeiro.
Várias avaliações dos livros submetidos ao PNLD apontaram o tratamento estereotipado que
mostravam o tráfico de escravos como uma ação exclusiva dos portugueses, como se a África fosse um
viveiro passivo, salientavam apenas a passividade e sofrimento do escravo em cativeiro e utilizavam
imagens para reforçar essa ideia, entre elas as de Debret e Rugendas. Poucos livros trazem cenas que
evocam resistência ou as festas ou formas de sociabilidade dos escravos.
112
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Esse tratamento do tema tem recebido críticas dos avaliadores do PNLD, porém essas críticas não resultam
em novas narrativas, mas em apêndices e boxes que complementam o texto, mas não alteram elementos
importantes da narrativa nem provocam transformações no uso do tempo e do espaço da sala de aula.
No Brasil, em 1996, segundo o quadro traçado por Marisa Lajolo (1996), o livro didático acabava
determinando o que se ensinava e como se ensinava, sendo um importante instrumento para o ensino e
aprendizagem formal. Dirigia‑se ao professor e ao aluno. O livro do professor, com manual de instruções,
era raro. Naquele ano, segundo a pesquisadora, começaram a aparecer alguns exemplares que também
continham um livro do professor. Essa pesquisa foi feita em 1996, antes da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (a partir de 1997 continua válida e ainda podemos complementar, reforçando o
diagnóstico feito). Como um dos incentivos à implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, foi
implantado o Programa Nacional do Livro Didático, que garante às escolas públicas o acesso gratuito ao
livro didático que deve ser distribuído pelo governo federal. Sendo que muitas vezes essa é única fonte
de informação do professor. Podemos, então, afirmar que o livro didático é ainda um instrumento de
formação e orientação do professor.
Com o advento do PNLD, eles passaram a ser avaliados pelo MEC e, para tanto, devem corresponder
a um edital que compreende recomendações e critérios para elaboração do livro do professor e do livro
do aluno. A partir da avaliação feita, os livros são divulgados em um Guia do Livro Didático disponível
para que os professores das escolhas públicas escolham e solicitem ao MEC o envio da obra escolhida.
O programa atua como um elemento provocador da reflexão do professor sobre a escolha que fará em
termos de critérios de elaboração do conteúdo e da qualidade historiográfica do material.
Para termos uma ideia dessa estreita relação entre as propostas curriculares e a iniciativa
governamental de interferir na cultura escolar, atingindo a cultura do mercado editorial, podemos ler os
guias de avaliação do livro didático.
O guia de avaliação do livro didático para o Ensino Médio de 2015 explicita os critérios de avaliação
que estavam no edital e foram seguidos pela equipe de avaliadores tanto para o livro do aluno, como
para o livro do professor:
Trata‑se, portanto, de um edital que contempla todos os aspectos apontados nas diretrizes
curriculares e tem importante papel de influência para que o mercado editorial se aproxime das
propostas do currículo prescrito. Ao oferecer essa grelha avaliativa, o Guia do Livro Didático convida
o professor a rever novamente os itens que compõem os PCN, o que também o leva a refletir e
selecionar o material a utilizar. Os editais do programa consideram as dificuldades ou resistências
do mercado editorial para a adequação de sua produção ao currículo prescrito e reconhecem sua
importância fundamental para que isso se dê; com esse propósito, exigem que o livro inclua um
manual do professor. Este será pautado pelas necessidades da prática docente na reformulação das
práticas escolares tendo em vista o currículo prescrito. Trata‑se de torná‑lo significativo e possível de
ser transformado em currículo vivido. É o que podemos verificar ao ler o Manual do Professor do Guia
de Livros Didáticos de 2015 para o Ensino Médio:
Tomaremos aqui como exemplo o Guia do Livro Didático de 2015, entretanto, as considerações que
aqui fazemos se aplicam para os demais.
Saiba mais
Identificamos nesse exemplar do Guia de Livro Didático (BRASIL, 2015a) que as orientações do edital
e os critérios de avaliação anteriormente sintetizados estão a serviço da adequação das funções do livro
didático, tal como propõe Choppin (2004), aos propósitos da implantação das reformulações curriculares. A
sua função de lugar de memória não é mais a da afirmação de uma memória nacional, mas de uma memória
da cidadania como produtora do social por sujeitos de identidades diversas, que também produzem o que
é nacional. A sua função referencial relaciona‑se, nesse caso, ao ensino da história da África, da história e
cultura afro‑brasileira e das nações indígenas. Essa preocupação justifica‑se por ser esse o campo de menor
produção editorial, uma vez que é difícil a divulgação da produção acadêmica e, por isso, o livro didático
acaba por cumprir um papel informativo e formativo tanto dos professores quanto dos alunos. Quanto à
função instrumental, o livro deve propor atividades e oferecer recursos que possam servir à elaboração de
conceitos estruturais da História. Quanto à função documental do livro didático, ele deve ser concebido
de forma a permitir pensar historicamente e de maneira interdisciplinar, ou seja, um pensamento que se
aplique na análise dos fenômenos humanos em diálogo com outros campos de conhecimento.
Exemplo de aplicação
Como aluno de história que você foi e, agora, professor em formação, quais as maiores dificuldades
para cumprir os objetivos do currículo prescrito? Em que e como o livro didático pode ser um
instrumento fundamental?
115
DIDÁTICA ESPECÍFICA
O livro didático é composto, como afirmamos no início dessa parte, por textos de autores editados
juntamente com imagens, outros documentos escritos, atividades, para compor, por meio de diferentes
narrativas históricas, a narrativa histórica escolar. Como toda narrativa, ele é fruto de seleção, de
recortes feitos a partir da decisão dos autores. Ora, ocorre que esse material tem como destino a leitura
e aprendizagem dos alunos mediadas pelo professor, que também faz sua parte: seleciona e articula os
diferentes recursos aos seus objetivos de ensino e às necessidades de seus alunos concretos.
Saiba mais
Primeiramente trataremos das imagens iconográficas. No Guia do Livro Didático para o Ensino
Médio, de 2015 (BRASIL, 2015a), destaca‑se a recomendação de que o manual do professor apresente
”informações complementares e orientações que possibilitem a condução das atividades de leitura das
imagens para que essas sejam utilizadas como fontes e não como ilustração” (BRASIL, 2015a, p. 12).
Essa recomendação tem sido reiterada em várias edições do guia como mostra a pesquisa de Grassi
(2007) a respeito do uso das imagens iconográficas nos livros didáticos. A pesquisadora informa que,
no Guia do PNLD de 1999, já se fazia menção a deficiências no tratamento das imagens nos livros das
séries finais do Ensino Fundamental. Os pareceres reconheciam que o material dos livros era, em geral,
rico, porém não podia ser aproveitado pelos alunos como fonte e, como tal, contribuir para o exercício
de interpretação da construção histórica do passado, pois não havia informações essenciais sobre elas
como autoria, época e local de produção.
116
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Se, em 2007, não havia informações para promover o exercício de análise da imagem, na edição de
2014, referente às séries finais do Ensino Fundamental, a preocupação do programa com essa deficiência
continua. Entre os critérios específicos de avaliação do PNLD (BRASIL, 2014a, p. 13), que constavam no
edital, encontra‑se o “emprego de texto iconográfico no desenvolvimento de habilidades de leitura
e interpretação”. Porém, nessa mesma edição (BRASIL, 2014a, p. 10), após a análise dos exemplares
recebidos, se reconhece que o manual do professor, de forma geral, cumpre sua função de auxiliar
o docente a atingir os objetivos do ensino de História e cita como único exemplo o trabalho com as
imagens. O texto sinaliza que as obras finalmente atenderam às demandas dos profissionais de História
e os auxilia a atingir os objetivos de História no que diz respeito ao trabalho com as imagens.
Podemos dizer que, paulatinamente, os editores passam a tratar as imagens de modo que elas
possam ser lidas e interpretadas como documentos a serem utilizados na produção do conhecimento
histórico escolar. Porém, após a leitura dos critérios e dos pareceres de avaliação, fica uma interrogação:
por que não há menção específica aos demais tipos de fontes?
Exemplo de aplicação
A leitura dos comentários das obras avaliadas pelo PNLD mostra grande ênfase na dificuldade e
importância da leitura de imagens iconográficas como documento de uma época. Na sua experiência
de aluno e de futuro professor, há uma maior dificuldade de interpretação desse tipo de fonte? Por quê?
Esse acervo era composto, entre nós, por uma série de registros iconográficos de nossos
costumes, povos, flora e fauna, a partir de gravuras feitas sob o olhar europeu do período colonial,
e com maior abundância, pela produção de artistas que vieram com D. João VI e desenharam,
fizeram xilogravuras e outros tipos de artes. Dentre eles, Debret e Rugendas são um exemplo, além
de Vitor Meirelles e Pedro Américo, como representantes da pintura histórica, influenciada também
pela Missão Francesa, com a função de criar figuras e imagens que identificassem os grandes
marcos da história política.
Seu uso editorial não se prestava a documentar um ponto de vista. Elas estavam diretamente
relacionadas à função de lugar da memória do livro didático, e não à sua função documental, da
atualidade. Lavisse, autor de vários livros didáticos na França e influenciador da produção brasileira, no
prefácio de uma de suas obras de 1887, citada por Bittencourt (1997, p. 75) esclarece seu uso:
117
DIDÁTICA ESPECÍFICA
escrito, após terem olhado o desenho e feito uma breve reflexão sobre
ele. É o que denominamos revisão pelas imagens e acreditamos que este
trabalho possa desenvolver a inteligência das crianças ao mesmo tempo
que sua memória (LAVISSE apud BITTENCOURT, 1997, p. 75.).
Essa concepção explica a ausência de referências de sua produção. Elas eram utilizadas para fixar
na memória eventos e acontecimentos e correspondem a um rico acervo produzido a partir do século
XX, ainda hoje, utilizados nos livros, mas que devem ser considerados documentos, apenas, relativos ao
período de sua produção. Por isso, além das indicações de autoria, data e referências sobre a produção
das obras e suas técnicas, é importante que o professor esteja a par das condições de produção dessas
obras que podem ser consideradas canônicas por serem reproduzidas em livros didáticos desde os fins
do século XIX com a finalidade de constituir a memória histórica há gerações.
A necessidade das imagens para os livros didáticos deu origem a importante investimento
editorial, no final do século XIX, fazendo deles uma verdadeira galeria de arte (BITTENCOURT,
1997, p. 77) na qual figuram obras presentes em quase todos os livros até hoje. Além dos grandes
eventos, investiu‑se na pesquisa de retratos de personagens que ficaram famosos para que fossem
apresentados aos estudantes. Grandes homens, grandes eventos da história política pautavam a
narrativa histórica.
Entre essas obras está a Independência ou Morte, painel pintado por Pedro Américo entre 1886 e
1888, finalizado na Itália, que pertence ao acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
Reproduzir o painel de Pedro Américo, construído para edificar uma memória da independência em
finais do século XIX, sem situar sua produção e sem fazer um trabalho de leitura da imagem no seu
contexto, é deixar de lado a produção de um conhecimento histórico, que necessariamente busca, a
partir do presente, recuperar o passado da Independência de uma forma específica. Do mesmo modo,
a obra Proclamação da Independência de François‑Rene Moreaux, que pertence ao Museu Imperial,
também encomendada e realizada em 1844, não resultou da observação direta. Podemos pensar,
portanto, que seu uso, hoje como documento de 1822, é inadequado, assim como o é a Primeira
Missa no Brasil, de Pedro Meirelles, produzida em 1862, utilizada como documento de chegada dos
portugueses no Brasil.
Essas obras são uma representação do século XIX, um documento da visão desta época. Segundo
Siman e Fonseca (2001), para esses editores e autores, as imagens estavam em sintonia com as principais
obras da Historiografia que lhes serviam de referência e harmonizavam‑se com o estilo narrativo e
épico dos textos didáticos. Eram imagens que deveriam atuar como “registros visuais” e, nesse sentido,
podemos considerar que contribuíam para a construção de uma memória que se pretendia conservar
e perpetuar. Assim sendo é de se chamar a atenção sobre o uso das imagens de Vitor Meirelles como
uma narrativa épica da Independência do Brasil que enfatiza o movimento pessoal de D. Pedro como
figura central, bem como o tratamento dado ao povo, aos escravos na pintura histórica e nos registros
de Rugendas e Debret.
Do mesmo modo, há que se refletir sobre a reprodução das obras de Debret e Rugendas,
frequentemente utilizadas para representar o trabalho urbano e rural ou a condição de vida do escravo.
118
DIDÁTICA ESPECÍFICA
É importante estar atento às imagens referentes à cultura negra e perguntar‑se quais sentidos são
construídos a partir dessas representações? E, sobretudo, qual a intenção didática delas, como serão
interpretadas, apropriadas e como são incorporadas no conhecimento histórico produzido pelos alunos?
A que conceitos elas são vinculadas? Representam apenas imagens de castigos e exploração? São vistas
como fontes ou como reforço de estereótipos? Evidenciam a ação do escravo, suas posições e formas
de resistência?
Tratar as imagens produzidas no século XIX como ilustração do período colonial significa produzir
“mentiras que parecem verdades”, ou seja, reforçar a construção de estereótipos em relação à formação
da nacionalidade que contribuem para os preconceitos e fortalecimentos de desigualdades no dia a
dia da nossa sociedade e no cotidiano escolar que não correspondem aos anseios e necessidades das
sociedades democráticas contemporâneas. É a interpretação, a análise da imagem como documento de
sua época, que permite que ultrapassemos o senso comum, os estereótipos tão frequentes nos livros
didáticos como apontam Eco e Bonazzi (1980).
Não basta, entretanto, situar a obra no tempo de sua produção para que uma gravura ou pintura se
torne um documento da época passível e deixe de ser utilizado como ilustração. As imagens ilustrativas
das obras dos viajantes, por exemplo, são representações que precisam ser interpretadas sob pena de
reforçarem os estereótipos de selvageria com que são tratados os indígenas e devem apresentar outros
documentos sobre os costumes aqui retratados e sua produção, ou seja, qual a situação das tribos e de
Hans Staden, para que se compreenda a complexidade da relação entre as diferentes tribos indígenas e
os diferentes europeus que com eles mantinha contato.
119
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Assim como a pintura histórica, as demais imagens utilizadas nos livros, como outras pinturas –
medievais, modernas, contemporâneas, fotografias, charges, caricaturas, também são representações
intencionais de fatos e personagens atuantes na história, ainda que a fotografia seja muitas vezes
identificada como um registro do real, como uma verdade indiscutível.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Mas a fotografia, como todo documento imagético ou não, é produzida intencionalmente por
alguém que faz escolhas assim como sua preservação também é fruto de intencionalidade. Ainda que
ela tenha um referente real captado pelo olhar do fotógrafo, tanto na câmara escura, como na câmara
digital, ela é passível de deformação imposta pelo fotógrafo, pelos recursos e pelos valores sociais e
culturais. Para serem consideradas fontes, precisam ser tratadas como tal, o que significa submetê‑la a
uma análise técnica e a uma análise iconográfica, como recomenda Boris Kossoy (1999). A primeira é
difícil de ser realizada a partir de imagens do livro didático que são reproduções de originais produzidos
com diversas técnicas, em diferentes suportes. Já a segunda é muito rica na atividade de ensino. Diz
respeito à análise iconográfica, ou seja, um inventário a partir de descrição detalhada do conteúdo da
imagem, mantendo‑se no nível da descrição e dos aspectos literais. É também muito útil recorrer a
outras fontes como as escritas ou orais sobre o referente, e também seu uso e seu significado. Enfim
analisar uma fotografia, assim como a pintura, é tratar da sua origem e da sua trajetória, ou seja, da
sua valorização e representação social em um dado momento histórico concreto. Considerar a imagem
como fonte significa buscar suas condições de produção, relacioná‑la a outras fontes, compará‑las. Esse
é um trabalho que pode ser difícil em razão de que quanto mais a imagem for colorida e “realista”, mais
perigosa ela se torna, por ser considerada um retrato da verdade, da realidade.
Para que o exercício com imagens apresentadas no livro didático seja uma contribuição ao exercício
de interpretação de fontes e de produção do conhecimento histórico, não é possível desconsiderar
seu contexto, ou seja, a trama de relações em que está envolvida sua produção, e apenas tratar a
época como um pano de fundo e a obra como reflexo. Caso o livro didático não trate deste contexto
a contento, ele será o provocador de um trabalho de pesquisa da classe, que complementará o livro e
comporá a documentação de um processo de construção de conhecimento.
E os documentos escritos? Anúncios de jornal, textos jornalísticos, cartas, leis, contratos, inventários.
Também estes precisam ser interpretados para não serem considerados pelas ilustrações e evidências de
uma verdade única, pois eles são parciais. Como todo documento, o escrito também é produzido por sujeitos
situados historicamente em uma rede de relações e posições sociais, com interesses assim determinados.
Para pensarmos o trabalho com documentos, é oportuno retomar a frase de Le Goff (1996):
Os professores podem adotar diversas estratégias, algumas mais elaboradas, que demandam mais
aulas, outras mais rápidas. A escolha depende de uma avaliação de seus objetivos e das suas condições
de trabalho. Mas todas elas devem atender a alguns pressupostos que são aqueles apontados por
Bittencourt (2011, p. 334):
• Descrever o documento destacando as informações que contêm atendo‑se a seu sentido literal
com a finalidade de situar o documento em um contexto em relação a seu autor e também
identificar sua natureza e explorar essa característica.
• Mobilizar os saberes e conhecimentos prévios para explicar o documento, isso é associar essas
informações aos saberes anteriores.
Uma proposta mais detalhada, como a apresentada por Abud (2010, p. 17) para os documentos
escritos, pode ser também utilizada para documentos de outra natureza e pode orientar uma proposta
que contemple o entrecruzamento de informações de diversos documentos.
Podemos sugerir, como faz Abud (2010, p. 18), algumas perguntas orientadoras.
ligado a órgãos governamentais, ou privados), quais são as pessoas a que o documento se refere.
É preciso descrevê‑lo, extraindo todas as suas informações, quer sejam documentos escritos ou
imagens. Entretanto, para os documentos escritos, precisamos explorar a linguagem escrita, para os
iconográficos, precisamos explorar os elementos visuais da composição da imagem. E, finalmente,
a interpretação.
Em relação aos documentos escritos, é importante encontrar seu tema no assunto central, as palavras
que sintetizam sua intenção, como ele apresenta seu assunto ao leitor, com quais recursos.
Em relação aos documentos visuais, introduzir elementos de composição e cores. Para as pinturas
acadêmicas, é esse o subterfúgio para evidenciarmos as estratégias utilizadas para enaltecer os
personagens e eventos históricos, ou para retratar os costumes de uma época. Para pinturas que usam
uma linguagem não acadêmica, esse recurso também é importante. Elas também são testemunho de uma
época por serem expressão de um sentimento vivido em um momento histórico. O seu reconhecimento
por outros é que vai definir sua importância histórica.
Os livros didáticos, nem sempre, para todos os conteúdos, comportam uma variedade documental
que permita a realização de um exercício de entrecruzamento de informações de fontes documentais
de diferentes naturezas. Eles sofrem limitações que dizem respeito à exigência de conteúdo,
procedimentos e número de páginas. Por esse motivo, muitas vezes, é preciso propor alternativas às
propostas do livro didático.
Exemplo de aplicação
A partir do que vimos sobre o uso de imagens pictóricas, examine detidamente o quadro de Rugendas
para identificar o foco central, o primeiro plano, o pano de fundo, a posição das pessoas, as relações
entre elas. Leia sobre Rugendas e sua obra e depois procure dizer a partir do quadro qual é a visão que
a obra transmite do negro.
Cumpre também dizer que não é apenas a pintura histórica que deve ser utilizada como documento
histórico, um exemplo disso é a proposta de exercício a partir do painel Guernica, de Pablo Picasso:
123
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Figura 7
Observe o quadro de Pablo Picasso. Ele representa a indignação sentida pelo pintor espanhol quanto
ao massacre de Guernica, cidade basca vítima de ataque aéreo alemão em abril de 1937, durante a
Guerra Civil. Mais de trinta mil bombas incendiárias foram lançadas por cerca de quarenta aviões da
Legión Condor, deixando um saldo de mais de mil mortos. O acontecimento teve repercussão mundial e
a pintura que se inspirou nele tornou‑se símbolo de luta antifascista.
Dispondo dessas informações, a atividade seria discutir com o colega ao lado o quadro de Picasso,
procurando observar de que forma é representado o tema pelo pintor.
Do mesmo modo que as pinturas, utilizamos as charges como ilustração no livro didático. Entretanto,
poucos são os exercícios que abordam de fato a leitura da charge em paralelo com os elementos da
História da época buscando identificar nela o comentário do desenhista sobre o momento.
Os livros didáticos são elaborados para leitores hipotéticos, sua reimpressão permite a sua exata
reprodução. A aula de História é dada para uma determinada classe única e singular que não pode
ser reproduzida. O professor também é único e singular e tem seus propósitos e, portanto escolherá o
livro que lhe convier pelos recursos que oferecer, que podem não coincidir com as avaliações do PNLD.
De acordo com Munakata (2007, p. 144), há por vezes um desencontro entre os que os professores
desejam e as avaliações do PNLD. Às vezes eles querem apenas ilustrações, e não os exercícios de como
utilizá‑las. Enfim, é preciso reconhecer que há um uso criativo que os professores podem e devem fazer
do material didático. Daí eles sentirem a necessidade de explorarem outros recursos e com estratégias
que mobilizem seus alunos.
Alunos que se mostram ativos no controle da informação. Então há de se refletir sobre o modo de
utilizar o livro didático como um apoio, e não como guia do ensino da História. Por isso, Robert Bain
(2005) recomenda aos professores algumas tarefas que considera prioritárias para adequar o ensino de
História de acordo com as demandas de nosso tempo:
124
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Podemos considerar que esta é uma das contribuições dos PCN e que estamos em momento de
construir essas alternativas da didática do ensino de História. A seguir trataremos da exploração de
narrativas históricas produzidas para além das narrativas escolares e que a perpassam, e também, dos
projetos e do uso de tecnologia aplicados ao ensino da História.
As narrativas históricas permeiam a vida social. Para além da produção historiográfica e da História
escolar, inúmeras são as práticas culturais que contam e, desse modo, interpretam a História de uma
sociedade. São interpretações responsáveis por construir identidades, memórias históricas e que podem
estar presentes na sala de aula, tanto como informação ou como projeto didático intencional, a fim de
relacioná‑la com espaços fora da escola e que sejam significativos.
Em primeiro lugar, trataremos do patrimônio histórico que está presente em toda cidade, que está
vinculado ou não com o turismo histórico. A seguir, trataremos especificamente dos museus históricos,
etnológicos e artísticos e de sua intenção de preservar vestígios da cultura material de uma época com
o propósito de ser um lugar de memória. Trataremos também da memória oral, atualmente associada a
instituições e acervos com a finalidade de preservar a memória de grupos étnicos, de tradições culturais,
das transformações urbanas e sociais, por meio da memória pessoal. E onde encontrar essa memória
registrada? Em alguns livros, nos acervos das instituições e no Museu da Pessoa. Esses três modos
permitem ter acesso à História de uma sociedade e estão veiculados à conservação do patrimônio
histórico nacional. A exploração didática do patrimônio por meio da visita a locais, e incluindo alguns
museus, pode compor os estudos do meio.
artísticos, históricos e paisagísticos. A partir de 1931, alguns congressos mundiais passaram a definir
as políticas públicas relativas à conservação do patrimônio cultural. Em 1945, foi criada a Unesco
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) com a proposta de estabelecer
compromissos de paz entre os países, ocupando‑se da defesa dos direitos humanos e das políticas
vinculadas à preservação das condições de vida, ocupando‑se do Patrimônio Mundial.
Quando falamos em patrimônio cultural, nos referimos aos bens culturais que podem ter valor
mundial, mas também significado para cada nação, ou para regiões, cidades ou até mesmo para
comunidades específicas.
Os bens culturais abarcam muitas práticas e manifestações presentes na vida cotidiana. Eles se
caracterizam por permitir às pessoas conhecerem a si mesmas e também terem consciência de seu lugar
no mundo. Podem ser construções, modos de trabalhar, modos de lazer, bens móveis, práticas religiosas,
obras de todas as artes.
E patrimônio imaterial:
Saiba mais
Como você deve ter percebido ao ler o significado de patrimônio cultural material e imaterial, o
último foi definido pela Constituição de 1988, mas os livros de tombo já eram utilizados desde 1937.
O que é um livro de tombo? São livros que registram os bens culturais depois de eles terem
sido apresentados, mediante um projeto, como candidatos à preservação e à guarda do Serviço do
Patrimônio. Os bens culturais que figuram no livro de tombo estão tombados, o que significa que estão
sob vigilância, vistoria e fiscalização dos órgãos públicos responsáveis pela guarda do patrimônio. Depois
de tombado o bem, é preciso fazer seu registro e explicitar as restrições a que será submetido em relação
à alienabilidade (será ou não passível de ser vendido) e à sua modificabilidade (o que precisará ficar
inalterado). Já os inventários são as listas, o registro e catalogação das informações a respeito de um
bem patrimonial. Os livros de tombo, como você pode observar, referem‑se apenas aos bens materiais,
ou tangíveis, como também são chamados.
127
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Exemplo de aplicação
Faça uma retrospectiva das atividades culturais e modos de trabalho com as quais você já conviveu
ou já ouviu falar. Faça uma lista delas. Na cidade em que você vive existem ainda vestígios dessas
manifestações culturais? São vestígios materiais ou imateriais? Consulte os vídeos no link a seguir. Eles
registram diferentes práticas para verificar se algumas das encontradas na sua lista já foram registradas
e divulgadas.
Caso não tenham sido, tente fazer um plano de registro dessas práticas. Como é possível
documentá‑los?
A preservação e conservação são práticas interessadas. Não há bem cultural que se transforme em
patrimônio que não corresponda ao interesse de construir um lugar de memória, referência da identidade
de um dado grupo que se situa na passagem do que ainda existe, materialmente ou na memória,
e o momento histórico passado. O conceito de patrimônio, como vimos, se alargou e transformou
várias comunidades em pesquisadoras de si mesmas na busca da conservação de suas identidades e
participantes ativas nos processos de produção de inventários de práticas e na busca de sua preservação
pela via do tombamento.
Saiba mais
A análise dos PCN permite mostrar que a concepção de cidadania cultural e o respeito ao direito à
memória estão alinhados.
128
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A preocupação com a conservação do patrimônio histórico, na forma como se apresenta no texto dos
parâmetros curriculares nacionais também faz parte da preocupação das políticas urbanas em relação
aos centros das cidades no Brasil e no mundo alicerçadas no argumento de que sua conservação está
relacionada à geração de sentimento de identidade e orgulho cívico. Em 1987, no Brasil, estabeleceram‑se
as premissas para as ações de preservação e conservação na Carta de Petrópolis que entendia a cidade
como organismo histórico e fruto da produção social.
Saiba mais
129
DIDÁTICA ESPECÍFICA
que tiveram diversos usos diferentes daquele que motivou seu tombamento. O mobiliário e objetos que
lhe davam vida, no tempo de sua construção, geralmente, já não estão presentes no imóvel; mas, se
preservados, devem compor o acervo de um museu.
Saiba mais
As exposições dos museus têm forte ação educativa; são elas que transmitem ao público as
mensagens e comunicam a razão de ser da própria instituição. Trata‑se de valorizar um grupo social?
Como compreender uma época? Trata‑se apenas de uma vitrine de objetos exóticos, raros e valiosos?
A apresentação do acervo de um museu produz uma narrativa histórica, a qual está diretamente
vinculada às escolhas feitas na organização do roteiro da exposição apresentada, na forma de disposição
e apresentação dos objetos, na elaboração dos textos explicativos e das etiquetas. Como toda narrativa
histórica, ela é resultado de uma visão de História e apresentará fatos para serem considerados em si
mesmos ou estimulará a curiosidade, o questionamento e a reflexão crítica. Ainda que seja um museu
local, de pequeno acervo e poucos recursos, é possível, na montagem da exposição, incluir indagações e
possibilidades de leituras dos objetos ali apresentados que, desse modo, contribuem para a construção
de uma consciência da História.
130
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Além dos museus históricos, mais comuns, encontrados também nas pequenas cidades brasileiras,
temos os museus de Arqueologia e Etnologia, entre os quais se destacam aqueles ligados às universidades.
Como parte das exposições, é frequente encontrarmos, além dos textos e objetos, fotografias ou
vídeos com depoimentos que fazem parte de uma memória oral hoje reabilitada tanto pela pesquisa
e pelo estudo sistemático da História oral, quanto pelos movimentos sociais na construção de suas
memórias.
Todos esses museus contam com serviço educativo e oferecem, aos visitantes, oportunidade de
refletir sobre a história mais recente, sobretudo a história do cinema e da música nas diversas regiões
do Brasil.
O MIS do Rio de Janeiro se distingue dos demais, pois, além de conservar vídeos, filmes, registros
sonoros os mais diversos pertencentes a coleções doadas, se dedica à construção do seu próprio acervo
por meio da coleta de depoimentos para a posteridade, com o objetivo de “documentar em som e
imagem o esforço do homem brasileiro” (MUSEU DA IMAGEM E DO SOM, 2015).
Exemplo de aplicação
Mencionamos os depoimentos para a posteridade em som e imagem coletados pelo MIS do Rio de
Janeiro. São registros da memória oral. A memória oral que fora a principal fonte de transmissão do
passado para as sociedades tradicionais volta a ser importante a partir dos últimos anos do século XX,
como importante fonte histórica para o estudo da contemporaneidade. Sua valorização crescente gerou
uma especialidade na produção historiográfica: a História oral.
131
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
Além dos depoimentos coletados pelo MIS – Rio de Janeiro, é preciso destacar duas outras instituições
que também se dedicam à coleta, conservação, guarda e divulgação de depoimentos, especialmente,
relativos à História política.
Para ter acesso a depoimentos relativos aos temas da história política recente do Brasil, é possível
consultar a base de dados de história oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas.
Saiba mais
A exploração desses sites, a escolha dos depoimentos disponíveis, bem como a exploração de
qualquer da cidade e de museus é um modo de mostrar aos alunos que o caráter educativo e o interesse
pela disciplina História estão além das atividades estritamente escolares.
Valorizar o patrimônio histórico na sala de aula é permitir o diálogo com a memória do passado
de famílias, muitas vezes, silenciadas, e construir a História escolar é permitir que os alunos entrem
132
DIDÁTICA ESPECÍFICA
em contato com as práticas de construção da memória: o que é lembrado, o que é significativo. Desse
modo, reafirma‑se a construção da História como narrativa a partir da memória, a qual, porém, não se
desvincula da análise e do reconhecimento dos vários agentes sociais presentes na ação lembrada e
preservada e também na ação de preservar, conservar e esquecer.
Explorar essas possibilidades exige a ampliação do espaço da sala de aula para além da escola,
descolocando‑se a atividade de ensino para outro ambiente, o que se convencionou denominar de
“estudo do meio”, projetos, na medida em que ele exige uma planejamento diferenciado em relação
à rotina escolar.
A literatura, o cinema, o teatro e a música (canção) também produzem narrativas históricas e que,
apesar de estarem no universo da ficção, documentam a construção das representações que se fazem
do passado (por filmes e romances históricos, por exemplo) em um processo de fabricação de imagens,
ou melhor dizendo, de um imaginário que, necessariamente, perpassa a aprendizagem e o ensino da
História. Em cada época, algum produto cultural de ficção, da literatura e do cinema, especialmente,
será motivo de curiosidade e de interesse dos alunos. Do mesmo modo também podemos utilizar obras
de ficção mais antigas, não conhecidas de nossos alunos, para mostrar como temas históricos relevantes
foram tratados.
A produção artística, da música ao cinema, passando pela literatura nas suas variadas formas,
atingindo o teatro e seus congêneres, inclusive a performance, são a matéria‑prima da produção do
imaginário de uma dada sociedade, ou seja, o conjunto de imagens com as quais concebemos o mundo.
Imagens, que não estão dissociadas da produção material da sociedade, fazem parte das escolhas
técnicas, das estratégias políticas e estão presentes nas formas de sociabilidade. Nessa medida, essas
obras são fontes para o estudo de história.
Saiba mais
133
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Além de serem fontes do imaginário da época de sua produção, elas muitas vezes são consideradas,
em situações de ensino, e para o público a que se destina, pela empatia que a ambientação histórica
produz em relação ao tratado, o que mostra o forte apelo comunicativo da História e o interesse do
público, justificando a tentação de professores de História de mostrarem filmes ou outras obras de
ficção como ilustração do período histórico. Devemos evitar essa tentação, na medida em que ela não
contribui para o desenvolvimento do exercício do pensamento histórico. Entretanto, sempre podemos
cotejar o filme, a história em quadrinhos ou outra manifestação artística com os conteúdos dos livros
didáticos e problematizar seu entendimento.
Para além do reconhecimento de informações sobre um dado conteúdo histórico, neste caso,
o Império Romano, as atividades propostas aos alunos a partir de quadrinhos, literatura, filmes ou
teatro, quando possível, devem explorar a construção dessas narrativas a partir de elementos típicos da
linguagem. Por exemplo, no caso dos quadrinhos, o timing é fundamental:
A partir do trecho citado, escrito por Will Eisner, a própria narrativa da história em quadrinhos exige
que o movimento no espaço para se produzir a dimensão temporal e, nesse sentido, qualquer HQ, mesmo
que não seja ambientada em alguma situação histórica, pode ser utilizada como modelo da produção
dos alunos. A exploração das narrativas históricas nas várias linguagens se constitui, portanto, em uma
segunda modalidade de trabalho escolar a ser realizado a partir das diferentes produções artísticas.
Todas as narrativas produzidas têm uma intencionalidade. Esse é o terceiro elemento que precisamos
explorar nas histórias em quadrinhos e, para isso, é importante investigar as condições de sua produção.
No caso da obra de Uderzo e Gosciny, autores de Asterix, podemos identificar claramente um combate
ao domínio dos quadrinhos americanos e, não à toa, do ponto de vista dos narradores, os romanos (os
imperialistas americanos) são ridicularizados sempre. Para além da intenção presente na obra, é preciso
também considerar questões de ordem econômica, pois todas tem um custo, um interesse comercial e
representam investimento visando ao retorno financeiro.
134
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
As considerações anteriores podem ser transpostas para o uso de filmes em sala de aula e para o
teatro, que pode ser lido ou assistido, e também, é claro, para a canção. Todos esses são produções
de narrativas.
O uso dessa produção como material para ensino, ou seja, material didático, exige um projeto, ou
seja, uma definição de objetivos, uma negociação com os interessados, para que os objetivos sejam
compreendidos e as necessárias adequações ao espaço e ao tempo da escola sejam providenciadas.
A partir da definição dos objetivos e da concordância em relação às necessidades de sua utilização, é
possível planejar uma atividade com o teatro ou com o cinema, tendo o cuidado em verificar e, se for o
caso, problematizar a compreensão que os alunos têm da narrativa apresentada; explorar os elementos
da linguagem presentes na narrativa; explorar as condições de produção da narrativa em seu tempo.
Saiba mais
Para finalizar, faremos algumas considerações sobre as relações entre música, cinema e teatro e os
temas clássicos no ensino de História, a título de provocação, para que cada um dos alunos‑professores
crie seu próprio repertório.
Em primeiro lugar, sobre a canção, é importante ressaltar seu papel de documento do imaginário
nos períodos de repressão política, o que faz com que seja bastante mencionada nos livros didáticos,
frequentemente relacionados aos temas políticos. Entretanto, cabe explorar a música regional e verificar
que também trata de vários temas políticos e sociais. Pode ser um projeto interdisciplinar, por mobilizar
várias séries da escola e que culminam na pesquisa e, quem sabe, em um simulacro de museu do som?
135
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Entre todas as atividades artísticas que estamos considerando, podemos afirmar que a que exige
maior investimento é o cinema. Se há muito investimento, é sinal que há muito interesse em lucro, o
que já é um indício para considerarmos que o enredo do filme deveria atingir de algum modo um grande
público e ser significativo daquela época. Do mesmo modo, um filme produzido com poucos recursos,
com investimentos de pequenos grupos, pode mostrar o interesse em divulgar e promover histórias que
podem não interessar comercialmente, mas que são bastante importantes para compreendermos os
conflitos de uma sociedade, os vencidos ou os oprimidos.
O trabalho com os filmes e com outros produtos da indústria cultural podem ser uma ocasião
privilegiada para propiciar aos alunos a oportunidade de estimular a criatividade e a pesquisa pela
produção do filme, HQ ou literatura e seu significado para a época. Para além do prazer do entretenimento,
as atividades devem se voltar ao estudo e à crítica, que permitem desvendar e descobrir sentidos não
aparentes nos produtos da indústria cultural sempre a nosso alcance. Nessa medida, podemos ampliar
as escolhas para além dos documentários e filmes históricos (considerando os de guerra) e explorando
outros gêneros como os musicais, as comédias etc.
Para desenvolver a leitura crítica e ampliar o repertório cultural dos alunos, é preciso fazer uma
pesquisa sobre o gênero, sua história no cinema e contextualizar o filme, no gênero e na época de sua
produção.
Exemplo de aplicação
Tomemos como exemplo o gênero “filme histórico”. Assista a alguns filmes considerados do gênero
histórico. Como sugestão: Spartacus, O Gladiador e Troia. O que há de comum entre eles? Quais estúdios
os produziram e em que época? Que imaginário produziam? Como foram recebidos pela crítica? Por que
não podemos considerá‑los documentos dos temas históricos, e sim fruto da construção do imaginário
e da história da indústria cultural contemporânea?
Do mesmo modo que o cinema, há obras literárias e dramatúrgicas muito importantes da história
da produção do imaginário ocidental e brasileiro. Vale a pena serem consideradas pelos professores, que
podem viabilizar projetos de ensino de História ou projetos interdisciplinares a partir de seu uso.
O teatro grego, que se desenvolve como atividade de comentário da sociedade, pode ser utilizado,
como muitas vezes o é, nos livros didáticos. Dentre as obras de comédia, o Burguês Fidalgo, de Molière,
é um exemplo bastante rico das relações entre a burguesia e a nobreza no Antigo Regime, cumpre ainda
mencionar toda a literatura realista e naturalista europeia, com forte apelo descritivo e na qual os tipos
136
DIDÁTICA ESPECÍFICA
sociais compõem os personagens. Não podemos esquecer as crônicas produzidas por Machado de Assis
ou o teatro de Martins Pena.
Saiba mais
O bom ensino de história é produzido no diálogo entre o professor de História, o público com quem
trabalha, a escola em que atua e as instituições especializadas na produção do conhecimento histórico.
Sendo assim, não há manual a seguir, e o programa não é garantia de qualidade.
Aos desafios concretos que se impõem aos professores e às escolas, os projetos, tentam ser uma
resposta possível, por seu caráter flexível e pontual. Por isso, hoje, há um projeto a ser construído
pelo professor e pelos demais educadores, na escola; e pelo professor no âmbito das ações específicas
de sua disciplina, tanto no que diz respeito a suas ações de ensino, como na perspectiva de sua
formação continuada.
No entanto há que definir aqui o que entendemos por “projeto”, já que esse é um termo utilizado
em educação em muitas situações: projetos formulados no âmbito das secretarias da educação e que
chegam à escola para serem executados, os projetos da escola elaborados a partir de um consenso, e
o ensino por projetos, nos quais os alunos se envolvem nos objetivos e na avaliação da aprendizagem.
Trataremos aqui dos projetos nos quais os professores de História estão envolvidos como propositores
e como gerenciadores em suas escolas e, nessa condição, tomam decisões e fazem propostas considerando
os pressupostos da Didática da História, entre outros objetivos pedagógicos.
137
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Por sua natureza, qualquer projeto envolve (BOUTINET, 2002, p. 199‑200), nessa ordem:
• Determinação dos meios e programação das sequências – depois de os objetivos estarem bem
definidos, é preciso identificar quais são os meios necessários, ou seja, os recursos humanos, os
recursos materiais, considerando também a organização do espaço e do tempo da escola. Uma vez
identificados os recursos necessários, será preciso verificar se eles são disponíveis e então fazer a
adequação do que se gostaria ao que é possível. Finalmente, então se faz a programação de uma
sequência de ações que são necessárias dar corpo para os objetivos do projeto.
• Planejamento das atividades – trata‑se da parte que antecede sua execução, mas que é de
fundamental importância, para que as atividades propostas estejam adequadas às condições de
sua realização e para que estejam também em sintonia com os objetivos propostos.
• Avaliação final – a avaliação final diz respeito ao processo de realização das atividades planejadas.
Essa avaliação vai permitir novos diagnósticos em função dos registros das atividades dos alunos.
Essa é a estrutura básica de um projeto que orienta a ação de intervenção nos processos de ensino
de História, em intervenções pontuais, como em projetos com maior duração.
As intervenções pontuais são ações curtas dentro de uma aula que, em geral, dura cinquenta minutos.
Tendo em vista a limitação temporal, as possibilidades são escassas, mas exigem grande mobilização da
capacidade de criatividade e improvisação dos professores, o que não quer dizer, falta de planejamento.
A seguir um texto sobre a cidade de Ishtar, na Mesopotâmia e a uma atividade proposta juntamente
com a leitura.
A atividade proposta é para ser produzida coletivamente, orientando os alunos para a realização da
construção coletiva, um desenho da cidade da Babilônia. Para isso, o professor vai organizar a troca de
ideias e o trabalho de um ou mais desenhistas, na lousa.
Figura 8
Outra possibilidade de intervenção pontual, durante uma aula, são as dramatizações relâmpago,
muito utilizadas para explicar relações de suserania e vassalagem, por exemplo. Nessas intervenções,
apesar de exigirem improvisação, mobilizam‑se todos os elementos do projeto: um diagnóstico feito na
própria aula com identificação de dificuldades a serem superadas pela classe; negociação com os alunos
que devem entender os propósitos da atividade e suas etapas; planejamento, a partir dos recursos
presentes – incluindo o tempo – que nas atividades pontuais, durante uma aula de cinquenta minutos,
é escasso; o número de alunos; planejamento e execução e, ao final, avaliação.
139
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A seguir apresentamos alguns exemplos de projetos que exigem um maior grau de negociação com
os demais educadores e com os alunos, um planejamento compartilhado, como é o caso dos projetos de
saída da escola, como estudos do meio, e visitas a museus, como uso de tecnologia aplicada ao ensino
de História, além de jogos e projetos de produção cultural na escola
A escolha do estudo do meio pode atender objetivos bastante distintos. É possível escolher um
local de interesse de várias disciplinas ou de alguma. O que é preciso é ter clareza da contribuição
do conhecimento histórico para a exploração dos objetivos escolhidos. Em geral o papel da História
será explorar temáticas pertinentes ao estudo da História, pesquisando objetos e edifícios que
compõem o patrimônio cultural e guardam uma memória, que é referência de identidade ou fonte
para construção da História. Além da exploração da cultura material, a contribuição da História
pode ser a de documentar práticas relativas a costumes, as diferentes formas de sociabilidade
relacionadas ao trabalho, ao lazer. Nesse caso, os procedimentos de História oral serão os
empregados, especialmente a entrevista.
Uma vez escolhido o objetivo do estudo do meio e definido o local, os recursos materiais, as pessoas
envolvidas e o tempo disponível para o projeto, começa a etapa de planejamento das várias atividades,
desde a preparação anterior à saída até o retorno. É indispensável a visita prévia aos locais e, no caso
de entrevistas, o contato com as pessoas. Somente após essa fase de prospecção, é possível planejar as
atividades e a orientação dos registros dos alunos em cadernos de campo, instrumento fundamental
para que o estudo do meio ou a visita ao museu não se reduzam ao deslocamento da aula expositiva
para fora da escola.
Para a visita aos bens tombados, é preciso investigar previamente a história do tombamento e das
diversas funções às quais os imóveis visitados serviram, propor atividades que envolvam a descrição e
o desenho de croquis dos aspectos conservados que permitem o contato com vestígios do passado. As
informações sobre o tombamento podem ser fornecidas no momento da visita, por meio de explicações
orais, em situações de diálogo nas quais as perguntas dos alunos são estimuladas. Ao final da visita aos
imóveis tombados, é preciso estimular, ainda no local, se houver tempo, uma conversa em pequenos
grupos de monitores ou professores com os alunos sobre como os edifícios podem contribuir para a
conservação da memória da cidade. Nesse momento, é importante que as sensações dos alunos durante
as visitas devam ser levadas em conta, bem como os registros de observação e as informações dadas
pelos acompanhantes. Para isso, é importante finalizar cada visita, com uma provocação que pode ser
formulada pelas perguntas: quais sensações vocês tiveram ao visitar edifícios antigos em uma cidade
que se transforma? Qual a importância da memória do passado desse local para quem, no presente, vive
ou visita esse local e, ao mesmo tempo, constrói seu futuro?
140
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Em muitos locais, a visita aos bens tombados é acrescida de visitas a museus, a locais que reúnem
um acervo de objetos variados e procedências variadas.
Lembrete
É recomendável, em alguns locais, introduzir algumas entrevistas. Elas podem ser realizadas com
pessoas do local que são depositárias de uma memória oral. Nesse caso, os alunos precisam ser orientados
como realizar essas entrevistas de modo a não reduzir, nem desmerecer a memória dos entrevistados
e, ao mesmo tempo, registrar as falas. Para isso, é importante que os alunos tenham já pensado na
situação e já tenham itens sobre o que querem saber, ouçam o entrevistado, se dirijam a ele com
respeito, e perguntem se podem anotar as respostas.
Perguntem o nome do entrevistado e o que ele lembra ou sabe do assunto de interesse dos alunos,
do que seus avós ou os mais antigos lhe contaram sobre isso, de como percebe as transformações que
ocorrem em relação ao tema.
141
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
Nesse sentido, disseminou‑se o conceito de webquest (traduzido como “pesquisa na web”) com
algumas características bem interessantes e muito próximas da noção de projeto. Essa proposta foi
formulada em 1995, por Bernie Dodge, na Califórnia, que era professor de informática escolar e percebeu
os recursos potenciais das novas tecnologias para a aprendizagem dos alunos como ferramenta adequada
para a aprendizagem de conteúdos de outras disciplinas. O desafio da escola é promover a discussão e a
elaboração de um pensamento crítico e científico a partir de um conjunto de informações. A função do
professor desloca‑se da posição de detentor principal do conhecimento para a de mediador e promotor
de atividades que estimulem a leitura e a reflexão sobre as informações e elaboração de conhecimentos
escolares, valorizando a circulação social da produção dos alunos, que deve ser resultado de um projeto
colaborativo e cooperativo, realizado, necessariamente, em grupo.
A estrutura básica de uma webquest é composta de: introdução, tarefa, processo, recursos, avaliação
e conclusão. A introdução diz respeito a um texto curto e motivador em relação ao trabalho a ser
realizado. A tarefa é um texto, também curto, dedicado à apresentação do tema e dos objetivos
do trabalho do grupo, explicitando o tempo de sua duração. O processo é um texto sobre todos os
procedimentos a serem observados pelo grupo, incluindo a gestão do tempo, e as funções que devem ser
assumidas pelos diferentes integrantes do grupo. Os recursos oferecem links e referências de fontes de
consulta e também de programas necessários à confecção de tarefas, no caso de elas gerarem produtos
142
DIDÁTICA ESPECÍFICA
que utilizam as novas tecnologias como sites de apresentação ou pequenos vídeos. A avaliação pode
ser um texto dedicado a expor todos os critérios de avaliação em que se apresentam as habilidades a
serem avaliadas e também uma grade de desempenho, indicando o que é o bom, o mediano e o fraco em
cada uma das habilidades. Considera‑se que esse procedimento promova um processo de autoavaliação
durante o trabalho.
Quanto ao acompanhamento do trabalho dos grupos, ele pode se dar em sala de aula e também ter
uma interface online.
A simples análise da estrutura da webquest que acabamos de descrever mostra como o uso da
tecnologia implica profundas alterações na organização temporal e espacial da sala de aula, para o
que ainda não estamos preparados do ponto de vista da cultura escolar, inclusive em seus aspectos
administrativos, em alguns casos, que envolvem tanto o uso de celular na sala de aula, para miniquest,
como o controle do trabalho do professor em termos de horas‑aula.
A despeito das dificuldades administrativas do uso das tecnologias, é inegável seu avanço e sua presença
entre os alunos e, enfatiza‑se, a necessidade do uso de metodologias inovadoras, como a webquest, pois a
inserção dos recursos tecnológicos apenas não garante o desenvolvimento da capacidade de comunicação,
análise, resolução de problemas, gestão e avaliação de informações, entre outros.
É interessante considerar que as possibilidades educativas das tecnologias digitais em rede são uma
resposta aos desafios da sociedade contemporânea, entre os quais, a maior reflexividade.
Lembrete
Segundo Verónica Trejo (apud CAIMI, 2014, p. 175), há seis tipos de aprendizagens propiciadas pelas
tecnologias em rede:
• aprendizagem entre iguais mediante debates em fóruns, chats e outras formas de colaboração na
web;
• aprendizagem autônoma por indagação e projetos viabilizada por meio de resolução de problemas
ou estudos de caso e utilizando‑se webquests, ou miniquest, ou fontes históricas digitalizadas;
• aprendizagem colaborativa e cooperativa com o uso das ferramentas das redes sociais como
espaço de mediação do processo de ensino‑aprendizagem;
143
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• ensino em colaboração, ou seja, os professores podem usar fóruns, listas de discussões para troca
de ideias, discussões e propostas.
Saiba mais
<http://bndigital.bn.br>.
Para além do uso com objetivos de pesquisa, não podemos nos esquecer da forte influência dos
jogos digitais, especialmente, os video games, que simulam eventos e contextos históricos, muitas vezes,
de forma bastante deturpada. Alguns professores de História dialogam bem com eles por conta de sua
popularidade entre os alunos, outros consideram a dificuldade em desconstruí‑los e mostrar seus erros
ou inverdades e, por esse motivo, eles são vistos com desconfiança tanto por pesquisadores como por
professores que se dedicam ao ensino de História.
O motivo da desconfiança é o alto grau de ficção e exotismo desses jogos e, por conseguinte
o seu deslocamento em relação às condições concretas dos eventos e períodos tratados como
demonstra Arruda (2011) em sua pesquisa sobre aprendizagem e jogos digitais. Por outro lado,
segundo o mesmo autor, esses jogos familiarizam os alunos com noções de tempo e espaço na
medida em que exigem a compreensão de relações políticas, transformações sociais, ocupação
física, alternância das estruturas de poder, entre outras dimensões da análise histórica, bem
como contribuem para o desenvolvimento da empatia, na medida em que os jogadores devem
se colocar no lugar do outro.
Essas considerações mostram que os professores e as escolas têm um amplo campo a investir, e que
já, no Brasil, há um acúmulo de experiências de elaboração de jogos, com uso de várias linguagens.
144
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
Uma alternativa a esse apelo dos jogos, ainda que não sejam eletrônicos, embora a eles estejam
ligados, são os role‑playing games, ou jogos de desempenho de papéis. Essa modalidade de jogo
nada mais é que uma história contada em conjunto pelo narrador e pelos jogadores que interpretam,
normalmente, os protagonistas. Ao narrador, cabe descrever o cenário e os sentimentos e ações dos
personagens que não são controlados pelos jogadores, assim como os sentimentos que os personagens
dos jogadores não controlam, como medo, ou dores de barriga. Aos jogadores, cabe decidir as ações
e falas de seus personagens. Nesse sentido, o narrador ou mestre do jogo, sendo o professor, pode
interferir com elementos da Historiografia e diminuir os efeitos da fantasia. Além do que, a partir dessas
experiências, podem ser realizadas as críticas aos jogos digitais comerciais, examinando inclusive seu
papel na indústria cultural.
De qualquer modo, cabe ressaltar que o campo de experiências com os recursos digitais está em
franca ampliação, e que os repositórios dos objetos educacionais digitais fornecem oportunidade de
acesso para a análise crítica dessas animações, mapas, softwares, áudio, imagem e vídeo, que estão
disponíveis, antes de serem utilizados com os alunos, sempre com a clareza dos objetivos e de que modo
esses recursos vão favorecer o protagonismo dos alunos.
145
DIDÁTICA ESPECÍFICA
São inúmeras as situações em que se impõem a adoção de projetos interdisciplinares, tanto no Ensino
Médio como no Ensino Fundamental. A abordagem dos temas transversais, os conteúdos relativos às
relações étnico‑ raciais nunca contempladas a contento nos livros didáticos exigem projetos diferenciados.
Porém é importante, sempre, estar atendo à adequação do projeto ao desenvolvimento do conhecimento
histórico, para que não sejam estimulados os estereótipos, nem que sejam transformados vencidos ou
minorias em heróis, repetindo o que fez a Historiografia com os personagens “brancos” e vencedores.
Há sempre que distinguir as fontes de informação, explorá‑las, produzir narrativas interpretativas e que
permitam uma abordagem histórica em que as relações sociais, os valores culturais, sejam inseridos em
um sistema de produção econômico e de relações sociais que se transformam ao longo do tempo.
Resumo
Exercícios
148
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Escolha, dentre as afirmações a seguir, a que mais se aproxima das concepções recentes sobre a
didática da História, tal como apontado no trecho de Klaus Bergman, e assinale a alternativa correta.
A) A didática da História é um conjunto de procedimentos que tem por objetivo conduzir o processo
de aprendizagem dessa disciplina.
E) Recorre-se à didática da História para resolver situações concretas de sala de aula quando não se
consegue conduzir um processo de aprendizagem efetivo.
A) Alternativa incorreta.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: a organização dos procedimentos e dos recursos não se constitui na didática, e sim em
sendo providências práticas a serviço de finalidades pedagógicas previamente definidas.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: o conjunto das técnicas e dos recursos deve estar a serviço de uma didática, mas não
se confunde com ela.
D) Alternativa correta.
149
DIDÁTICA ESPECÍFICA
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: a didática orienta as ações concretas de sala de aula, mas não se constitui em manual
de intervenção ou de estratégias de ensino.
Questão 2. “Se quisermos honrar a promessa de utilidade do conhecimento histórico, devemos projetar
e implementar processos de ensino para relacionar o conhecimento histórico às coisas consideradas
bens culturais e despertar a consciência cívica em relação ao patrimônio cultural.” (MATOZZI, I. Didática
da História e Educação para o patrimônio. Revista Nova Escola, São Paulo, jun./jul. 2013).
Com relação ao contexto didático do estudo do patrimônio histórico cultural em âmbito escolar,
podemos dizer que:
A) A construção da memória e das identidades sociais é uma questão importante nas sociedades
atuais, e a valorização do patrimônio ocorre a despeito da escola. Por isso não é necessário que
ela se ocupe de estudos sobre o patrimônio.
C) O conceito de patrimônio ampliou-se nas últimas décadas para abarcar manifestações culturais
em amplo entendimento, extravasando as possibilidades de as escolas acompanharem esse
processo.
D) O estudo do patrimônio cultural tem um valor em si mesmo, não dizendo respeito à formação de
uma cidadania cultural.
150
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
MACEDO, J. M. Lições de História do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, [s.d.]. p. 185. Disponível em:
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Figura 2
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<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ub000046.pdf> Acesso em: 10 set. 2015.
Figura 3
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