Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Cultural
Autora
Priscila Rezende
2009
ISBN: 978-85-7638-853-1
CDD 306
A questão do outro | 29
A conquista da América | 29
Colombo: o observador da natureza | 30
Colombo e os indígenas | 30
A conquista da Cidade do México | 31
A comunicação como arma do dominador | 32
Gabarito | 81
Referências | 87
Clarice Lispector
Este livro, Antropologia Cultural, foi organizado para que você, alu-
no, tenha acesso aos principais conceitos de cultura, processo de humani-
zação, inserção do indivíduo no grupo social, dominados e dominantes, as
matrizes étnicas formadoras do povo brasileiro, a aceitação das diferenças
culturais, intolerância e etnocentrismo.
O livro foi elaborado para proporcionar um ensino moderno, dinâ-
mico e atualizado. Ele é dividido por aulas que foram baseadas em diver-
sos referentes teóricos atuantes nas Ciências Humanas como: antropólo-
gos, historiadores, cientistas sociais, teóricos da educação etc.
A escolha de referentes teóricos que atuam em diversas áreas foi
proposital, posto que, não podemos entender a complexidade humana, ob-
jeto de estudo da Antropologia, se não perscrutarmos as potencialidades,
comportamentos, mentalidades dos seres humanos. Assim sendo, todas as
áreas de conhecimento precisam se unir, cada uma dentro do seu limite de
investigação, para que seja possível compreendermos melhor este grande e
enigmático “quebra-cabeça” que somos todos nós. Portanto, podemos afir-
mar que este livro é interdisciplinar, pois proporciona o diálogo com diver-
sas áreas do conhecimento.
No plano didático, a principal preocupação foi a de despertar a par-
ticipação de você, aluno, na reflexão sobre os assuntos discutidos. Nesse
sentido, o livro traz textos complementares e questões reflexivas sobre os
assuntos abordados em cada aula. Além disso, há indicações bibliográfi-
cas importantes, para que você possa se aprofundar mais nos estudos e
buscar outras fontes para o seu aprimoramento intelectual.
Espero que você, por meio da reflexão antropológica, amplie sua
consciência de que todos nós, seres humanos, estamos unidos, embora
tenhamos maneiras diferentes de viver. Aprender com o diferente é acei-
tá-lo e amá-lo incondicionalmente. Somente assim poderemos vencer a
intolerância que é fruto do desconhecimento.
Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em História, Sociedade e Cultura pela
PUC-SP. Bacharel e licenciada em História pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).
Cultura: definição
Outro conceito que vamos trabalhar neste curso é o de cultura. O que é cultura? Essa não é uma
pergunta fácil, pois, ainda hoje, entre os antropólogos, há diversas definições para esse termo. Será
que todos possuem cultura? Você tem cultura?
Muitas vezes ouvimos falar que uma determinada pessoa tem cultura por ter lido muito livros ou
por ter conhecimento apurado na área artística. Também já ouvimos falar de manifestações culturais
que são relacionadas ao folclore, crenças, danças, lendas de uma determinada região. E um termo muito
difundido atualmente é o de cultura de massa que faz referência ao cinema, televisão, rádio etc. Obser-
varam como é difícil definir cultura?
Wikipédia.
Tylor em sua obra Cultura Primitiva, de 1871. Para Tylor, cultura engloba todas as
coisas e acontecimentos relativos ao homem. Já para Ralph Linton, ela “consiste
na soma total de idéias, reações emocionais condicionadas a padrões de com-
portamento habitual que seus membros adquiriram por meio da instrução ou
imitação e de que todos, em maior ou menor grau, participam” (LINTON, 1965,
p. 17-20).
Franz Boas entende cultura como “a totalidade das
Wikipédia.
Vamos englobar essas duas concepções para definir qual conceito de cultura iremos utilizar
neste curso. Cultura, portanto, será entendida por nós como a variedade de modos de vida, crenças,
hábitos, valores e práticas de diversos povos. Assim, o termo cultura também pode ser entendido
como modo de produção já que ambos significam o jeito de ser de uma determinada sociedade e
o que ela produz.
Aprendemos que o ser humano é coletivo e que necessita do grupo para dar início ao seu pro-
cesso de humanização e que, por meio do trabalho e da sua capacidade de pensar, modifica a natur-
eza para sanar as suas necessidades. Além disso, cria códigos de comunicação que são utilizados pelo
grupo ao qual pertence. Será que todas as culturas devem ser aceitas? Existe cultura errada?
A História nos mostra inúmeras culturas, ou seja, modos de vida. Ao analisarmos, por exemplo,
os rituais dos maias, civilização mesoamericana pré-colombiana com uma existência de 3 000 anos, po-
demos perceber que essa civilização realizava alguns rituais, dentre eles o sacrifício humano.
Os maias davam muita importância ao grupo e quando algo ameaçava a coletividade era
necessário tomar algumas providências. Eles eram politeístas e acreditavam em dois deuses principais
Kinich Ahau (o Sol) e Ixchel (a Lua).
A crença dos maias era que os deuses se alimentavam de sangue e por isso era necessário mantê-
los alimentados para que tudo continuasse em ordem.
Quando a colheita não era boa, ou quando havia uma grande seca, era sinal de que os deuses
estavam furiosos, pois precisavam de mais sangue. Um dos rituais praticados era levar uma criança
recém-nascida até o topo de uma pirâmide e arrancar-lhe o coração, deixando que o sangue escorresse
pelos degraus e assim fosse saciada a fome dos deuses. Essa cultura é correta? Podemos classificá-la
como algo abominável? Como será que os espanhóis entenderam esses rituais que envolviam sacrifí-
cios humanos?
Os espanhóis criticaram a crença dos maias com base na doutrina da Igreja Cristã e disseram que
tinham por missão ensinar a religião “certa” para os “primitivos”. Para os espanhóis, esses rituais eram
selvagens e demoníacos:
Colombo age como se entre as duas ações se estabelecesse um certo equilíbrio: os espanhóis dão a religião e tomam
o ouro. Porém além de a troca ser bastante assimétrica, e não necessariamente interessante para a outra parte, as im-
plicações desses dois atos se opõem. Propagar a religião significa que os índios são considerados como iguais (diante
de Deus). E se eles não quiserem entregar suas riquezas? Então será preciso subjugá-los, militar e politicamente, para
poder tomá-las à força; em outras palavras, colocá-los, agora do ponto de vista humano, numa posição de desigual-
dade (de inferioridade). (TODOROV, 1999, p. 53)
Assim, criticamos a cultura do outro partindo do pressuposto de que a nossa cultura é a correta.
Por não querermos compreender o outro, que é visto como o “alien” (estranho), cometemos um “pré-
conceito”, ou seja, julgamos antes de conhecermos algo ou alguém. Essa postura é muito perigosa, pois
gera intolerância.
Os maias faziam rituais em favor do grupo, ou seja, o sacrifício humano era uma entrega para
o bem-estar coletivo, segundo as suas crenças. Os espanhóis supervalorizaram a cultura européia e
rejeitaram a cultura dos indígenas. Essa rejeição resultou em assassinatos, exploração e crueldades
das mais diversas cometidas contra os povos conquistados:
Os espanhóis cometeram crueldades inauditas, cortando as mãos, os braços, as pernas, cortando os seios das mulheres,
jogando-as em lagos profundos, e golpeando com estoque as crianças, porque não eram tão rápidas quanto as mães.
E se os que traziam coleira em torno do pescoço ficassem doentes ou não caminhassem tão rapidamente quanto seus
companheiros, cortavam-lhes a cabeça, para não terem de parar e soltá-los. (TODOROV, 1999, p. 169)
Esses exemplos mostram o quão nocivo é pensar que o seu modo de vida (valores, crenças,
ideologias, práticas etc.) é o único correto e que o outro sempre está errado. É o caso, por exem-
plo, quando nós, ocidentais, julgamos a cultura oriental, especificamente a do árabe muçulmano.
As mulheres ocidentais criticam a forma como as mulheres árabes muçulmanas vestem-se, ou
seja, cobertas com uma burca, deixando, muitas vezes, só os olhos à vista. As mulheres árabes
muçulmanas, por outro lado, criticam a postura das mulheres ocidentais, pois, segundo elas, as
mulheres do ocidente preocupam-se em demasia com a estética do corpo e sofrem por causa
dessa busca desenfreada pelo corpo perfeito, passando por inúmeras cirurgias como lipoaspi-
ração, inserção de próteses mamárias etc. Veja o choque cultural! Não podemos julgar culturas,
pois cada grupo social constrói seu jeito de viver de acordo com o que acha certo, assim, deve-
mos apenas buscar compreender as diversidades culturais e respeitá-las acima de tudo. Portanto,
somente através da tolerância podemos construir um mundo melhor, onde todos terão direito de
expressar suas verdades.
Texto complementar
As meninas-lobo
(Reymond, 1965, p. 12-14)
Na Índia, onde os casos de menino-lobo foram relativamente nume-
Domínio público.
rosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo
no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a
morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929.
Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente se-
melhante àquele de seus irmãos lobos.
Amala e Kamala.
Elas caminhavam de quatro patas, apoiando-se sobre os joelhos e
cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.
Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e
bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição
onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e rui-
dosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choraram ou riram.
Kamala viveu durante oito anos na instituição que a acolheu, humanizan-
Domínio público.
do-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco
antes de morrer só tinha um vocabulário de 50 palavras. Atitudes afetivas foram
aparecendo aos poucos.
Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou
lentamente às pessoas que cuidaram dela e às outras crianças com as quais
Kamala. conviveu.
A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e depois por
palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples.
Atividades
1. Como podemos definir a Antropologia Cultural?
Segundo Leslie A. White cultura encontra-se no tempo e no espaço e está classificada em “intra-
orgânica” (conceitos, crenças, atitudes, emoções etc.); “interorgânica” (interação social entre os seres hu-
manos) e “extra-orgânica” (objetos materiais, ou seja, localizada fora de organismos humanos).
Para os antropólogos, cultura consiste em idéias (concepções mentais de coisas abstradas ou
concretas – crenças religiosas, míticas, científicas etc.); abstrações (aquilo que se encontra no campo das
idéias, da mente – acontecimentos não-observáveis, não-concretos, não-sensíveis) e comportamento
(modo de viver comum de um determinado grupo humano).
Cultura material
São coisas materiais, concretas, que foram criadas pelo ser humano com uma finalidade. São, por
exemplo, vestuários, arco e flechas, vasos, talheres, alimentos, habitações etc.
1 Referenciais teóricos desta aula: Maria de Andrade Marconi e Zélia Maria Neves Pressoto.
Cultura imaterial
São elementos não-concretos da cultura, como valores, hábitos, crenças, potencialidades, nor-
mas, valores, significados etc.
“Para botar feijoada no fogo, à noite, é preciso antes botar sal. Pois o sal protege o caldeirão das
almas que foram assassinadas com arma de fogo, indo, dessa maneira, lavar suas enfermidades no
caldeirão, azedando toda a feijoada.”
“Para o pai e a mãe não falecerem, o filho não deve pentear os cabelos à noite.”
“Quando o espelho quebra sem nenhum motivo, uma pessoa da casa morrerá dentro de
poucos dias.”
“Jamais olhe seu reflexo nas águas de um rio, pois o Diabo vem e lhe rouba a alma, e você mor-
rerá na beira dele.”
“O espírito comparece diante de São Miguel, e, tomando este a sua balança, coloca em uma
concha as obras boas e na outra as obras más, e profere seu julgamento em face da superioridade
do peso das mesmas. Quem for salvo vai junto a Jesus, quem passou por um pouquinho, vai para
o purgatório, para se purificar, e quem foi ruim demais, não tem jeito, essa alma vai prá junto do
‘encardido’ no inferno.”
“Se o morto ficar com o corpo mole é porque a alma dele vai voltar para buscar alguém da casa
em que morava. Quando o falecido morre de olho arregalado, a primeira pessoa que fitá-lo morrerá
junto dele.”
“A criança que morre antes de ser amamentada é um serafim2. Entretanto, se esta tiver sido ama-
mentada e depois falecer, comparecerá ao purgatório para vomitar o leite que tomou na terra.”
“Quando entra besouro preto em casa é sinal de morte breve.”
“Quando a coruja (Matinta-Pereira) canta é sinal que morrerá alguém naquela mesma noite.”
“Deve lavar os sapatos quando chega de um cemitério, pois, se entrar em casa e levar a terra do
cemitério nos sapatos, uma legião de almas irá buscar o descuidado.”
“Colocar na criança o mesmo nome do pai, um dos dois morrerá logo.”
“Quando ouvir chamar pelo nome, fora de casa, sem saber quem foi, não se deve responder;
pois a morte chama e quem responde ela leva.”
“Quando morre uma pessoa, devem-se abrir todas as portas da casa para a alma sair. A casa não
deve ser fechada antes do sétimo dia, pois este é o tempo para se arrebentar as vísceras do defunto.
Depois disto, a alma dele sai de dentro da casa e vai para a morada dos mortos.”
“Quando uma procissão pára em frente a uma casa é sinal que ali morrerá uma pessoa em
breve.”
“Quando a pessoa sente um tremor ou um calafrio é sinal de que a morte está do lado dela e
quer levar sua alma para o além.”
“Quando uma pessoa cobrir o corpo do defunto com terra, e pedir a ele que lhe arranje um
bom lugar no além, se ele for para um bom lugar, com certeza, estará bem quem pede; se for para
uma mal lugar, azarado é aquele quem pediu.”
“Quem amanhece com a boca salivosa e amarga é por ter comido mingau das almas.”
“Um clarão ou pontos luminosos vistos do nada, é aviso das almas amigas para não fazer o que
o indivíduo estiver pensando no momento.”
“O fantasma se tornará cada vez mais visível, para quem tem medo.”
“As almas de tradição antiga nunca aparecem para pessoa nua. Pois elas exigem respeito e
compostura.”
2 É comumente aceito como a primeira posição na hierarquia celestial dos anjos, sendo os que estão mais próximos de Deus. A palavra
hebraica Saraf significa “queimar” ou “incendiar”, talvez uma alusão a tradições bíblicas em que Deus é comparado a um “fogo” ou mesmo “fogo
consumidor”. A referência bíblica para “serafim” está em Isaías 6:1-2. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Serafim> Acesso em: 7 mar.
2008.
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.iesde.com.br
16 | Antropologia Cultural
“O espelho não reflete a imagem do corpo da pessoa, porém, é a sua alma que se torna visível.”
“O diabo fica atrás do espelho, por isso, não se deve olhar no espelho nas horas abertas, ou seja,
meio dia, seis da tarde e meia noite. Se o indivíduo for descuidado poderá ter sua alma roubada.“
Essas são algumas das inúmeras superstições que são narradas pelos moradores de Mariana. Es-
ses mineiros possuem um profundo respeito em relação à morte. Todos participam dos velórios que
ocorrem na cidade, mesmo se o falecido era apenas conhecido de vista. Uma tradição muito interes-
sante na cidade, é que em todos os velórios deve ser servido às pessoas pão com salame e café. Servir
refeições nos velórios é uma tradição antiga que pertencia aos deveres domésticos em Roma, Grécia e
Egito e foram os colonizadores portugueses que trouxeram esse costume para o Brasil. Poucas regiões
possuem esse costume atualmente, porém, os deveres domésticos de Mariana continuam.
Existem histórias muito interessantes que são narradas em relação à morte em Mariana. Contarei
duas fascinantes:
Havia um fazendeiro muito rico, possuía muitos bens e era dono de uma extensa boiada.
Gostava muito de cuidar de seus animais. Tudo para ele era motivo de festa, e não cansava de nar-
rar aos seus amigos a sua valentia em encarar o boi, e pegá-lo pelo chifre. Um dia esse fazendeiro
resolveu se consultar com uma cartomante que havia chegado na cidade. Ele queria que ela lhe
previsse seu futuro, ela, porém, negava-se em falar. Ele, por sua vez, insistia. Até que a cartomante
olhou-lhe nos olhos e disse: – Tu vais morrer com uma chifrada de boi. Ele ficou muito assustado
e comprou uma casa na cidade, deixando que seus empregados cuidassem do gado. Passaram-se
muitos anos, e o fazendeiro, junto com sua família, foi passar um fim de semana na sua fazenda.
Ele pediu a um de seus empregados que trouxesse um boi para assar. Chamou todos os seus
amigos. O boi estava esticado em cima de uma mesa grande, ainda com os chifres. O fazendeiro
estava correndo de um lado para o outro para servir as bebidas aos seus convidados quando, de
repente, o pobre do fazendeiro escorrega no capim e cai direto sobre os chifres do boi. Os chifres
ultrapassaram o seu corpo e ele, obviamente, morreu na hora.
Essa é uma história muito interessante, que mostra a impossibilidade de fugir da morte. Outra
história muito curiosa é a da comadre Morte. Vejamos:
Vários anos se passaram, até que chegou, por fim, a vez de vir fazer-lhe a Morte a visita fatal.
– Boa noite compadre! – disse ela – o dia da visita chegou. Recebi ordens para vir buscá-lo da-
qui oito dias, hoje aqui venho somente para lhe dar este aviso.
– Ah, comadre! – exclamou o homem – você voltou muito depressa! Agora que eu vou indo
muito bem em meus negócios; acho que houve um erro lá nos documentos do além. Daqui uns
poucos anos poderei me tornar um homem muito rico. Tenha piedade, comadre! E leve um indiví-
duo desiludido da vida em meu lugar.
– Sinto deveras, – replicou lhe a Morte – mas, agora preciso cumprir ordens, e não posso deixá-
lo aqui neste mundo. Agora preciso ir, digo-lhe que me verás daqui oito dias, até logo!
Passaram-se os tão desesperados oito dias.
O homem andava angustiado e certo de que desta vez não escaparia. A sua mulher, porém,
traçou um plano, que decidiram logo pôr em prática.
Havia na casa um velho escravo, o qual era encarregado de cuidar dos afazeres da cozinha.
Então, o casal decidiu usar esse pobre homem.
Fizeram com que o escravo vestisse as roupas do seu senhor e mandaram-no, em seguida, para
a cidade.
Por sua vez, o dono, tingindo o rosto de preto, ficou muito parecido com o seu velho escravo.
A comadre Morte, conforme havia prometido, retornou na noite do oitavo dia.
– Ah, comadre! – indagou a mulher – meu marido não esperava mais o vosso regresso hoje, em
vista disso, ele foi à cidade tratar dos negócios... Decerto, voltará muito tarde.
A Morte ficou furiosa e replicou-lhe: – Eu não esperava que o compadre ia me aprontar uma
desta... Que desrespeito! Deus já me chamou a atenção... Agora terei que levar outra pessoa no lugar
de seu marido. Ouço ruídos, quem se encontra nos fundos da casa?
A mulher então se desesperou, pois ela pensou que a Morte iria até a cidade procurar o seu
marido. Dominando as suas emoções, a mulher calmamente respondeu-lhe:
– Aqui em casa encontra-se somente um negro velho que cuida dos afazeres da cozinha. Estou
muito embaraçada com a senhora por causa dessa situação, assente-se um pouco, e tente ficar mais
calma, comadre!
– Não posso me demorar, – retrucou-lhe a Morte – tenho uma lista bem grande de almas que
terão que me acompanhar. Levarei comigo qualquer outra pessoa. Nesse caso... poderá ir no lugar
do compadre o negro velho!
A comadre Morte se dirigiu rapidamente à cozinha, lá encontrou aquele homem a fingir que
cuidava do jantar.
Antes que a mulher proferisse alguma palavra, a Morte ergueu sua foice fatal e deu-lha na
cabeça do homem. A mulher estendeu seus braços e acolheu seu marido que morreu com o rosto
tingido de preto.
Essas duas histórias fazem parte das inúmeras narrações da cidade de Mariana.
Através das superstições que foram observadas, dos costumes, das tradições e dos comporta-
mentos condicionados pelas crenças, percebemos a relevância da observação dessas práticas, para se
conhecer as peculiaridades de uma determinada sociedade.
Endoculturação
É a aprendizagem e estabilidade de uma cultura, ou seja, cada indivíduo recebe as crenças, os
modos de vida da sociedade a que pertence, o comportamento, hábitos e valores.
A sociedade controla os atos, comportamentos e atitudes de seus membros.
Aculturação
É a fusão de duas culturas diferentes, ou seja, dois grupos que entraram em contato. Esse contato,
quando contínuo, engendra alterações nos padrões de cultura de ambos os grupos. Paulatinamente,
essas culturas fundem-se e formam uma sociedade e cultura novas.
Subcultura
É um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Exemplo: a cul-
tura do Nordeste brasileiro; a cultura do vodu na Jamaica; skinheads; punks; emocore etc.
Sincretismo cultural
É a fusão de dois elementos culturais análogos (práticas e crenças), de culturas diferentes ou não.
Exemplo: a cultura africana que entra em contato com a cultura cristã.
Raça
A palavra raça foi introduzida há, aproximadamente, 200 anos nos estudos científicos. No entan-
to, pouco se sabe sobre a sua origem. Etimologicamente, o termo raça viria de radix palavra latina que
quer dizer raiz ou tronco.
Em vários estudos ela tem sido empregada para fazer referência a indivíduos que são identifica-
dos como pertencentes a um determinado grupo. Assim sendo, são indivíduos que pertencem a uma
mesma linhagem ancestral e possuem os mesmos hábitos, ideais, crenças, costumes e tradições.
A palavra raça, entretanto, tem uma conotação muito mais ampla. Cientificamente, ela significa o
que é único biologicamente. Assim, não existem subdivisões raciais quando falamos em seres humanos,
pois, neste caso, só existe uma raça que nos distingüe dos outros animais, ou seja, a raça humana.
Etnia
É um grupo de seres humanos unidos por um fator comum (língua, religião, costumes, valores,
nacionalidade) e possuem afinidades culturais e históricas.
Relativismo cultural
Mostra as particularidades de cada modo de vida. Os indivíduos possuem modos de vida especí-
ficos, adquiridos pela endoculturação. Assim, possuem suas próprias ideologias e costumes:
Toda a cultura é considerada como configuração saudável para os indivíduos que a praticam. Todos os po-
vos formulam juízos em relação aos modos de vida diferentes dos seus. Por isso, o relativismo cultural não
concorda com a idéia de normas e valores absolutos e defende o pressuposto de que as avaliações devem
ser sempre relativas à própria cultura onde surgem. (MARCONI; PRESSOTO, 1989, p. 51)
Exemplo: a figa é utilizada por algumas pessoas como um amuleto da sorte. No entanto, para os
antigos romanos ela significava uma relação sexual.
Etnocentrismo
É a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. O etnocentrismo gerou e
ainda gera muita intolerância, preconceito e discriminação. Quando julgamos a cultura do outro enten-
demos que a nossa cultura é a única correta e que o outro precisa modificar-se e seguir os nossos “ideais
perfeitos”. O nazismo é um exemplo de etnocentrismo, posto que os alemães supervalorizavam a sua
cultura e afirmavam pertencerem a uma “raça pura”, assim, praticaram atrocidades contra todos aqueles
que não pertenciam ao mesmo modelo de “perfeição” que eles. Inúmeros judeus foram assassinados
em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, vítimas dessa intolerância.
Texto complementar
Religião e cultura popular:
estudo de festas populares e do sincretismo religioso
(FERRETI, 1995)
Sincretismo
Sincretismo é palavra para muitos considerada maldita, que provoca mal-estar em muitos am-
bientes e autores. Diversos pesquisadores evitam mencioná-la, considerando seu sentido negativo,
como sinônimo de mistura confusa de elementos diferentes, ou imposição do evolucionismo e do
colonialismo. O dicionário de Aurélio Buarque de Holanda apresenta cinco sentidos dessa palavra.
O primeiro deles como “reunião dos vários Estados da Ilha de Creta contra o adversário comum”.
Como explica Canevacci (1996, p. 15): “Dizia-se que, de fato, os cretenses, sempre dispostos a uma
briga entre si, se aliavam quando um inimigo externo aparecia”.
Segundo o antropólogo holandês André Droogers (1989) o termo sincretismo possui duplo
sentido. É usado com significado objetivo, neutro e descritivo, de mistura de religiões, e com signifi-
cado subjetivo que inclui a avaliação de tal mistura. Devido a essa avaliação muitos propõem a abo-
lição do termo. Droogers informa que o termo sincretismo sofreu mudanças de significado com o
tempo e que a distinção entre a definição objetiva e subjetiva tem raízes históricas. Na Antigüidade
significava junção de forças opostas em face ao inimigo comum, de acordo com o primitivo sentido
político apresentado pelo dicionário do Aurélio. A partir do século XVII, tomou caráter negativo,
passando a referir-se à reconciliação ilegítima de pontos de vistas teológicos opostos, ou heresia
contra a verdadeira religião. Hoje, no Brasil, esse sentido encontra-se muito difundido.
Embora alguns não admitam, todas as religiões são sincréticas, pois representam o resultado
de grandes sínteses integrando elementos de várias procedências que formam um novo todo. No
Brasil, quando se fala em religiões afro-brasileiras pensa-se imediatamente em sincretismo, como
“aglomerado indigesto” de ritos e mitos, ou como “bricolagem” no sentido de mosaico, às vezes
incoerente de elementos de origens diversas” (Pollak-Eltz, 1996, p. 13). Costuma-se atribuir tam-
bém o termo sincretismo em nosso país, quase que exclusivamente ao catolicismo popular e às re-
ligiões afro-brasileiras. Mas o sincretismo está presente tanto na umbanda e em outras tradições re-
ligiosas africanas, quanto no catolicismo primitivo ou atual, popular ou erudito, como em qualquer
religião. Consideramos que o sincretismo pode ser visto como característica do fenômeno religioso.
Isto não implica em desmerecer nenhuma religião, mas em constatar que, como os demais elemen-
tos de uma cultura, a religião constitui uma síntese integradora, englobando conteúdos de diversas
origens. Tal fato não diminui, mas engrandece o domínio da religião, como ponto de encontro e de
convergência entre tradições distintas.
No campo das religiões afro-brasileiras, diversos dirigentes e militantes, sobretudo os mais in-
telectualizados, tendem atualmente a seguir a estratégia de condenar o sincretismo. Essa atitude
defendida por alguns há tempos, difundiu-se entre nós, principalmente, após a realização, em 1983,
na Bahia, da II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura. Desde então, alguns líderes
bastante conhecidos das religiões afro-brasileiras passaram a condenar o sincretismo afro-católico,
afirmando não ser hoje mais necessário disfarçar as crenças africanas por trás de uma máscara co-
lonial católica [...]
Atividades
1. O que é cultura para o estudioso Leslie A. White?
3. O que é etnocentrismo?
O homem, desde sua origem, tenta explicar situações que ocorrem ao seu redor. Eis a contumácia
da humanidade. Ou seja, saber o fundamento da sua existência, como ocorreu a criação do mundo, o
que é a vida e a morte. Questões não muito fáceis de serem respondidas. Porém, de certo modo, o ho-
mem inventa maneiras de explicar fatos abstratos, partindo do obséquio de ajudar o seu grupo social
fazendo com que aceitem, através dessas explicações, situações ainda sem respostas. Estou me referin-
do a lendas, mitos, contos que são inventados pelo homem que busca, dessa maneira, uma explicação
“mágica”, para concluir um fato real. Nas narrações de diversos mitos são encontrados: feitos heróicos,
milagres, castigos, amores, lutas etc.
Nos mitos encontram-se as experiências de vida de uma determinada sociedade em uma deter-
minada época. É a busca de uma intimidade interior, através da capacidade que o homem tem de criar
e cultivar o que há de comum no seio de toda humanidade. Ou seja, não explicar fatos de uma forma
racionalmente analítica, contudo, tentar entender o sentido genuíno do existir por meio da mitologia.
Há um acervo de mitologias, umas muito conhecidas, outras nem tanto; o importante, no entanto,
é que todas elas implicam no social, criando padrões de comportamento de uma certa sociedade.
Podemos citar, como exemplo, a sociedade da antiga Grécia. A mitologia grega, uma das mais afamadas,
mostra, em seus contos, deuses poderosos, porém envoltos de imperfeições humanas.
Ora, os poetas ao escreverem os mitos gregos, quiseram retratar, sem culpa alguma, que até mes-
mo os seres aparentemente perfeitos possuem limites e desejos como o homem.
Creio, que os mitos gregos até hoje são muito aceitos, por descreverem essas imperfeições, pois
o que é imperfeito causa amor. O que quero dizer é que a idéia de pecado cria no homem mazelas pun-
gentes, e faz com que se sinta culpado por atender seus anseios e desejos. Descrever seres especiais,
porém imperfeitos, ressalta a idéia de que falhar é próprio dos seres “racionalmente pensantes”, notar
isso, faz com que nos sintamos menos culpados de nossos “terríveis” pecados.
Mitologia nórdica
A mitologia retrata a realidade de um certo grupo. Na mitologia nórdica essa realidade é bem
notável. Os povos denominados bárbaros eram guerreiros por excelência, seus deuses eram fortes e
os ajudavam nas batalhas e Odin é o mais poderoso de todos os deuses. Vejamos o que essa mitologia
mostra da realidade dos povos bárbaros:
O Valhala, na mitologia nórdica e escandinava, era a habitação dos deuses e dos heróis mortos em combate. Estava situ-
ado no Paraíso escandinavo. Ali os heróis mortos combatiam todos os dias, mas ao meio dia ressuscitavam, cicatrizando
também todas as feridas dos combatentes. Ajudados pelas Valquírias, eles se lavavam em hidromel, que brotava dos
úberes da cabra Heidrum. A seguir participavam de um lauto banquete presidido por Odin, durante o qual, as Valquírias
serviam aos heróis hidromel e cerveja, dentro de crânios de inimigos mortos por ele. As Valquírias que quer dizer “que
escolhem os mortos” eram nove louras, virgens guerreiras, auxiliares de Odin, companheiras de combate. Sobrevoavam
os campos de batalhas, cavalgando em lindos corcéis, usavam elmo e portavam lança e escudo. Escolhiam e transpor-
tavam os heróis mortos para o Valhala(...)1
Observando a mitologia nórdica, percebe-se que a essência das suas narrações é a realidade na
qual viviam os povos bárbaros. Estes viviam nos combates entre distintas tribos e acreditavam que em
uma vida após a morte, em que, se porventura tivessem morrido honrosamente, podiam desfrutar dos
regozijos da recompensa de Odin. O que busco é mostrar que todo mito vem carregado de uma essên-
cia real de um certo grupo. Entendendo a função principal do mito, podemos partir para os saberes que
o invocam, ou seja, crenças, danças e tradições, enfim, o folclore de um determinado grupo social.
Folclore
A palavra folclore foi usada pela primeira vez pelo arqueólogo inglês
Wikipédia.
William John Thoms (Londres, 1846), quando enviou uma carta solicitando o
apoio à revista The Athenaeun, no sentido de se fazerem pesquisas para se co-
nhecer os costumes, as crenças e os hábitos das diversas regiões da Inglaterra.
Essa carta foi publicada em 22 de agosto de 1846 – daí esta data para se come-
morar o dia do folclore até os nossos dias. Folclore vem de Folk-Lore que quer
dizer, literalmente, “povo-conhecimento”. Thoms sugeriu essa denominação,
substituindo as expressões usadas por alguns eruditos da época como “antigüi-
dades populares” e “literatura popular”, considerando ser relevante registrar as William Thoms.
crenças, costumes, hábitos, cerimônias, músicas, superstições etc., que não são
antigüidades do povo. Aliás, essa expressão da idéia de primitivismo, porém, são conhecimentos adquiri-
dos por um grupo social. É a sabedoria do povo desagrilhoada de qualquer intenção erudita.2
O folclore é o conjunto de mitos, ritos, crenças religiosas, danças, linguagem, música, artesanato
etc. Folclore, atualmente, vai muito além da idéia de tradição popular; ele está associado à vida do povo,
1 Mitologia Nórdica. Disponível em: <www.luaecia.hpg.ig.com.br/cultura_e_curiosidades/89/_pri_index.htm >. Acesso em: 8 set. 2007.
2 As influências e o significado do folclore se encontram perfeitamente abordados nas obras de Renato Almeida (Inteligência do Folclore.
2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Americana, 1974 ); Carlos Rodrigues Brandão (O que é Folclore. 10. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982); Erwin. O.
Christensen (Arte Popular e Folclore. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1934); Florestan Fernandes (O Folclore em Questão. 2. ed. São
Paulo: Ed. Hucitec, 1989) e , Laura Della Mônica (Manual do Folclore. 2. ed. São Paulo: Ed. Edart, 1982).
à sua disposição de criar e recriar algo. Não são somente as celebrações populares, mas também o lastro
da vida cotidiana de um determinado grupo. O folclore é uma criação subjetiva, entretanto, sua repro-
dução tende a ser coletivizada. Ele perdura de uma geração a outra, portanto, também é reconhecido
como tradição e não modismo. É uma identidade do modo de vida de uma determinada classe produ-
tora de sua própria cultura.
O folclore tem sua representação nas tradições e crenças populares expressas de diversas manei-
ras. É denominado folclore, algo que tenha origem anônima, algo que ninguém sabe quem criou. Além
disso, não deve possuir cronologia alguma; sendo divulgado e praticado por um grande número de
pessoas ao longo do tempo. É o caso dos provérbios, por exemplo.
O Brasil é o berço de um riquíssimo acervo folclórico, personificado em crenças, culinária, lingua-
gem, danças regionais etc. Ele é formado por distintas etnias que foram protagonistas da nossa forma-
ção, o negro, os ameríndios e o branco europeu. Cada um desses grupos possuía diferentes crenças,
saberes, tradições, religião, costumes etc. Com essa amálgama de culturas, eis que surge o incomensu-
rável saber do povo brasileiro. O estudo das diferentes culturas é assaz relevante, pois possibilita conhe-
cer as práticas e costumes específicos de uma determinada sociedade.
Psicologia Social
A Psicologia Social é uma ramificação da Psicologia que estuda a influência do ambiente social
no comportamento dos indivíduos. É comprovado que o ser humano sofre influências dos estímulos
sociais que o rodeiam e o condicionam.
A Psicologia Social compartilha sua área de estudo com a Sociologia e a Antropologia Cultural.
Entretanto, elas se diferem: o sociólogo estuda os grupos sociais e as instituições, o antropólogo estuda
as diversas culturas humanas e o psicólogo social analisa como os grupos sociais, as instituições e a cul-
tura afetam o comportamento do indivíduo.
Segundo os psicólogos sociais, as crenças influenciam de forma significativa o comportamento
humano. As pessoas de um determinado grupo conservam crenças semelhantes, relacionando-se e
agindo socialmente, trabalhando coletivamente em favor de intenções conectadas a essas crenças.
O indivíduo, para ser aceito em um determinado grupo, tende ser acrítico, ou seja, não analisa os
fatos racionalmente, porém dá-lhes crédito, por mais irracional que sejam. Se acaso um indivíduo não
compartilhar crenças semelhantes às do grupo social em que está inserido, os membros integrantes desse
grupo se unirão para persuadi-lo, de modo que ele mude de opinião e se ajuste à opinião coletiva. A maio-
ria das pessoas responde do mesmo modo que o resto do grupo. São submetidas pelas opiniões coletivi-
zadas e, dessa forma, evitam ser tratadas com desprezo por serem exceção. Chegam ao ponto de praticar
persuasão subjetiva, para se convencerem de ter visto o que o resto do grupo aparentemente vê.
Para a persuasão coletiva dá-se o nome de sugestão, ou seja, a influência exercida sobre uma
pessoa, de modo que ela aceite uma ideologia, crença e atitudes comuns. Entretanto, o indivíduo adota
uma crença vigente, contribuindo, pessoalmente, com seus métodos carregados de emoção. Por esse
motivo, ao entrevistar pessoas de um mesmo grupo, tratando de um mesmo assunto, verifica-se uma
carga subjetiva que distingue e faz com que as narrações se tornem mais vívidas.
Situações não comprovadas cientificamente podem obter alguma credibilidade? Será que
existe poder de cura nas crenças? Para responder essas questões, vamos analisar a curiosa medicina
dos excretos:
O negro nem sempre tinha a saúde cuidada pelo seu senhor. Daí lançar mão de tudo que se dizia então favorável aos
males do corpo. A medicina dos excretos dominava as senzalas [...] A falta de médico e farmácia era absoluta [...] De modo
que então, mais que agora, o escravo tinha de voltar-se para os remédios que a própria experiência aconselhava como
ótimos. Assim é que os doentes de olhos, quando não se serviam de cuspo, se utilizavam da própria urina para lavá-los de
manhãzinha. As inchações eram curadas com emplastos de fezes de vaca, enquanto o sezão desaparecia com o purgante
de “batata, cabeça de negro e urina de menino macho”. Se eram as dores de estômago e fígado, tinham lá sua receita:
urina de dois dias, fermentada, além de um pouco de água morna para temperar [...] Quando acontecia uma pessoa sofrer
luxação a velha escrava vinha com um novelo de linha e uma agulha, colocando-os sobre o lugar desconjuntado. Então
fingia coser atravessando a agulha no novelo em diversos sentidos, benzendo-se e dizendo em voz baixa: “o que coso eu?
carne quebrada, nervos tortos, já desconjuntado, atufá”. Botava um ungüento no qual entrava urina de menino e azeite de
dendê. Essa operação de carne quebrada se faz ainda com ligeiras modificações [...]. (VIDAL, 2007)
Conclui-se, então, que as crenças condicionam ações concretas que afetarão diretamente no modo
de vida dos indivíduos que se apegam a elas. Assim, as crenças de um determinado grupo social perten-
cem à cultura imaterial e revelam traços psicológicos, históricos e culturais de uma sociedade.
Texto complementar
O popular e sua cultura
(MELO)
Para tratar da questão da cultura popular é preciso, de início, saber que se está lidando com um
termo esquivo, dado a muitas definições e repleto de ambigüidades. Tentaremos, portanto, circuns-
crever essa expressão de modo a não deixá-la demasiadamente ampla e vaga.
Se fôssemos tomar como definição o que diz os verbetes dos dicionários, pelo menos em suas
primeiras acepções, correríamos o risco de não avançarmos muito. Isso porque tanto no Dicionário
Aurélio de Língua Portuguesa como no Dicionário Eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa en-
contramos primeiramente a idéia de povo enquanto totalidade de um território ou de uma região.
Somente na sexta acepção do primeiro e na oitava do segundo encontramos a idéia de que “povo”
se refere a uma determinada parte do conjunto total de participantes de uma sociedade. Assim
conceitua o segundo dicionário mencionado: “conjunto dos cidadãos de um país, excluindo-se os
dirigentes e a elite econômica”. Há nessa perspectiva a conceituação de popular por oposição, ou
ainda, pela sua negativa. Cultura popular seria então um conjunto de práticas culturais levadas a
cabo pelos extratos inferiores, pelas camadas mais baixas de uma determinada sociedade. [...]
Atividades
1. Por que é importante o estudo dos mitos?
“O Valhala, na mitologia nórdica e escandinava era a habitação dos deuses e dos heróis mortos em
combate. Estava situado no Paraíso escandinavo. Ali os heróis mortos combatiam todos os dias,
mas ao meio dia ressuscitavam, cicatrizando também todas as feridas dos combatentes. Ajudados
pelas Valquírias, eles se lavavam em hidromel, que brotava dos úberes da cabra Heidrum. A seguir
participavam de um lauto banquete presidido por Odin, durante o qual, as Valquírias serviam
aos heróis hidromel e cerveja, dentro de crânios de inimigos mortos por ele. As Valquírias que
quer dizer ‘que escolhem os mortos’ eram nove louras, virgens guerreiras, auxiliares de Odin,
companheiras de combate. Sobrevoavam os campos de batalhas, cavalgando em lindos corcéis,
usavam elmo e portavam lança e escudo. Escolhiam e transportavam os heróis mortos para o
Valhala [...]”
Ridolfo Ghirlandaio.
O objetivo religioso de Cristóvão Colombo era fazer uma cruzada, para que as-
sim pudesse levar o cristianismo ao mundo todo e acabar com as heresias. Ora, a idéia
de se implantar uma cruzada nessa época já era obsoleta, porém, para ele era sua mis-
são. No entanto, algo mais começava a chamar a atenção de Colombo: a natureza. A
natureza trazia regozijo para Colombo e fazia com que este se sentisse intérprete de
seus desígnios. A natureza pura fazia com que ele imaginasse que ali existiam seres
Cristóvão Colombo.
diferentes como: ciclopes, homens com cauda e focinho de cachorro etc.
Os escritos de Colombo revelam que ele era mais paciente quando observava a natureza do que
quando tentava compreender os indígenas. Seus manuscritos descrevem minuciosamente tudo o que
havia na terra “descoberta”. Mosén Jaume Ferrer, um dos seus correspondentes, havia escrito, em 1495,
que as regiões muito quentes com habitantes negros e onde se encontram muitos papagaios, era local
de riquezas inexauríveis, dessa maneira, Colombo não se cansava em descrever nos seus manuscritos
esses fatores naturais da “nova terra”.
As terras onde Colombo se encontrava já tinham nomes naturais, no entanto, ele não se importava
com isso e fazia questão de nomeá-las novamente. Isso também era uma forma de se apossar desses locais,
sendo que até os indígenas eram renomeados. O primeiro gesto dele quando entrou em contato com as
terras “descobertas” foi a declaração segundo a qual elas passariam a fazer parte do reino da Espanha.
Colombo e os indígenas
Colombo não aceitava a cultura dos povos que viviam nas “terras descobertas”, por esse motivo,
não considerava os hábitos, costumes, crenças e língua dos indígenas. O desprezo pelos indígenas era
exacerbado, tanto que Colombo nem procurava compreendê-los.
Podemos perceber que os manuscritos de Colombo falam dos indígenas porque simplesmente
faziam parte da paisagem, assim, suas menções sobre eles aparecem sempre no meio de anotações so-
bre a natureza. A imagem que Colombo nos dá dos indígenas era basicamente física, ou seja, descreve
seus belos corpos, rostos etc.
Os indígenas e os espanhóis não se comunicavam verbalmente, porém, trocavam objetos entre
si. Colombo se divertia com essa situação dizendo que os indígenas davam tudo por nada. Isso porque
os espanhóis só lhes concediam “bugigangas” sem valor algum.
O sentimento de superioridade fez com que Colombo proibisse essas trocas. No entanto, o pró-
prio Colombo continua oferecendo “presentes” para os indígenas, sem mencionar que foi ele mesmo
que ensinou os indígenas a apreciarem e exigirem tais “presentes”.
Os costumes eram distintos, os indígenas viviam em comunidade, ou seja, tudo era de todos.
Os espanhóis, por sua vez, viviam numa sociedade individualista, calcada na acumulação de riquezas;
essas diferenças causaram embates entre eles.
A conquista da América teve para os espanhóis como justificativa principal a referência aos cris-
tãos que vieram para o “novo mundo” imbuídos da religião, levando em troca, ouro e riquezas.
Colombo age como se entre as duas ações se estabelecesse um certo equilíbrio: os espanhóis dão
a religião e tomam o ouro. Se os indígenas se recusassem a entregar o ouro, seriam subjugados militar e
politicamente, numa posição de seres inferiores. Nota-se que essa relação não era nem um pouco equi-
librada e sim precursora de grande desigualdade. Encontra-se aí o germe da ideologia escravagista.
Os primeiros contatos já revelavam o interesse dos espanhóis em escravizar os nativos das “terras
descobertas”, pois julgavam serem eles inferiores. No espírito de Colombo, fé e escravidão estavam
intrinsecamente ligadas.
A história da conquista da América foi marcada pela recusa da alteridade humana. Colombo e
seus homens não reconheceram a identidade indígena e se opuseram a tudo que não era da cultura
deles.
1 Hernán Cortés ou Fernando Cortez, como é mais conhecido em português, (1485-1547) conquistou o território do México a favor da coroa
espanhola. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hern%C3%A1n_Cort%C3%A9s>. Acesso em: 15 jan. 2008.
Wikimedia Commons.
Os astecas dispõem de um calendário religioso composto de treze meses com duração de vinte
dias, cada um desses dias possui um caráter próprio, propício ou nefasto, que é transmitido aos
atos realizados nesse dia e, principalmente, às pessoas que nele nasceram. Saber a data do nasci-
mento de alguém é conhecer o seu destino; por isso, assim que nasce uma criança, procura-se o
intérprete profissional, que é, ao mesmo tempo, o sacerdote da comunidade. (TODOROV, 1999,
p. 76) Calendário asteca.
Dessa maneira se entende claramente que os mexicas preservavam sua religião e ritos que pare-
ciam ser inexauríveis.
Os sacerdotes decidiam, por meio dos rituais de adivinhação, a sorte do indivíduo. Entretanto,
não era um acontecimento subjetivo em si, mas conectado com a sorte de toda coletividade que con-
vivia com o consulente.
As obrigações com o grupo eram mais importantes que a relação com os laços familiares. Dessa
forma, quando alguém era entregue para ser sacrificado isto era feito para o bem-estar do grupo.
Na sociedade asteca existiam distinções hierárquicas. Montezuma codificou as leis de sua socie-
dade já no século XVI. Entre outras leis a mais importante era a distinção hierárquica feita pelas vestes e
adornos. Vejamos: “As insígnias, as roupas, os adornos que alguém tem ou não o direito de usar, o tipo
de casa apropriado para cada camada da população [...]” (TODOROV, 1999, p. 81).
Percebe-se que os símbolos eram importantes para Montezuma e, conseqüentemente, para to-
dos os mexicas.
Montezuma colhia toda as informações necessárias para a paz na Cidade do México. Trabalhavam
para ele uma espécie de “espiões” que lhe informavam sobre os atos dos povos inimigos. No entanto,
quando os espanhóis invadiram a Cidade do México, os informantes de Montezuma ficaram atônitos,
pois o comportamento deles era tão imprevisível que chegou a abalar todo o sistema de comunicação
e os astecas não conseguiram decodificar essas informações para Montezuma.
Você, caro leitor, certamente percebeu o quanto os astecas eram evoluídos em vários âmbitos
como a organização do grupo, religião e até mesmo a retórica.
Os mexicas admiravam a arte do bem falar, tanto que no Estado asteca existiam duas espécies de
escola, uma em que se preparavam para o ofício de guerreiros e a outra da qual saíam os sacerdotes, os
juízes e os dignatários reais que ensinavam aos meninos a retórica. A associação entre o poder e o domí-
nio da língua é claramente marcada entre os astecas. A fala privilegiada pelos astecas é a fala ritual.
A ausência da escrita é um elemento importante que explica a importância da fala para os mexi-
cas. Os desenhos estilizados, os pictogramas usados pelos astecas, não são um grau inferior da escrita,
pois registram a experiência e não a linguagem.
Texto complementar
Istock Photo.
verdadeiro feito: tornaram-se governantes do México liderando a Tripla
Aliança (que incluía duas outras cidades astecas, Texcoco e Tlacopan).
Em 1400 os mexicas governavam grande parte do México central
(enquanto os yaquis, coras e apaches controlavam áreas consideráveis
dos desertos do norte), tendo subjugado a maioria dos outros estados
regionais na década de 1470. No seu auge, 100 000 mexicas presidiam a
um rico império que contava com cerca de 10 milhões de pessoas (quase
metade dos 24 milhões que então habitavam o México). O nome mo- Templo asteca.
derno México tem a sua origem no nome do grupo dominante da Tripla
Aliança Asteca, os mexicas.
O termo asteca é um não nome, sendo uma invenção de um inglês (Lord Kinsborough) e de
um euro-americano de nome William Prescott. Os verdadeiros nomes utilizados pelos indígenas eram
nahua ou mexica. Nem mesmo os espanhóis lhes chamavam astecas. (Ainda que asteca não fosse usa-
do pelos mexicas, é derivado da sua língua, o nahuatl, referindo-se à sua terra natal no norte, Aztlan).
Entre os mexicas (um dos grupos astecas), a educação era obrigatória para os homens, indepen-
dentemente da sua classe social. Existiam dois tipos de escolas: as telpochcalli (para estudos práticos
e militares) e as calmecac (para estudos avançados de escrita, astronomia, estadismo, teologia etc.).
A sua capital, Tenochtitlan, estava situada na zona da moderna Cidade do México. Em 1519 a capital
dos mexicas era a maior cidade da América com uma população que rondava os 100 000 habitantes
(em jeito de comparação, em 1519 Londres tinha 80 000 habitantes e Paris tinha 250 000).
Os mexicas deixaram uma marca profunda e duradoura na cultura mexicana, perceptível ainda
hoje. Muito do que é considerado como cultura mexicana deriva desta civilização mexica: topôni-
mos, gastronomia, arte, vestuário, simbologia e mesmo a identidade mexicana que a ela foi buscar
o nome.
Durante grande parte da sua história, a maioria da população mexicana teve um modo de vida
urbano: cidades, vilas e aldeias. Apenas uma fração da população era tribal e nômade. A maioria
das pessoas vivia em povoamentos permanentes, baseados na agricultura e identificados com uma
cultura urbana, em oposição a uma cultura tribal. O México é desde há muito uma terra urbana, fato
graficamente refletido nos escritos dos espanhóis que os encontraram [...]
Atividades
1. Por que podemos dizer que os espanhóis foram etnocentristas?
3. Explique, segundo as informações que você já possui sobre a sociedade asteca, a afirmação: “Os
mexicas admiravam a arte do bem falar”.
Wikipédia.
cas, no entanto, considerava os objetos e não os mexicas (astecas).
Para Cortez os indígenas não tinham direito a nada, e a escravidão era vista por
ele como uma forma de grandes lucros. Como os indígenas eram considerados mer-
cadorias e não sujeitos, deveriam submeter-se espontaneamente ou pela força.
O tomar leva a destruir. Milhões de indígenas foram exterminados por meio
de formas macabras, por este motivo, podemos falar que foi um genocídio. As
causas da diminuição da população indígena executada pelos espanhóis, segun- Fernando Cortez.
do o autor Tzvetan Todorov, são três. Vejamos cada uma delas:
Por assassinato direto, durante as guerras ou fora delas: número elevado, mas relativamente pequeno; responsabilida-
de direta.
Devido a maus tratos: Número mais elevado; responsabilidade (ligeiramente) menos direta.
Por doença pelo “choque microbiano”: a maior parte da população; responsabilidade difusa e indireta. (TODOROV,
1999, p. 159)
Os indígenas, para os espanhóis, eram vistos como animais selvagens, ou seja, eram seres anima-
dos, porém, não possuíam alma, assim, eram dignos de submissão. Essa foi a mesma justificativa dada
pelos europeus quando escravizaram os negros.
Frei Bartolomé de las Casas nasceu em Sevilha em 1474. Foi um frade dominicano, cronista,
teólogo, bispo de Chiapas (México), considerado o primeiro sacerdote ordenado na América. Ele
vai “defender” os indígenas em nome do cristianismo, no entanto, a libertação do indígena não foi
cogitada por ele.
Las Casas tinha uma teoria um tanto quanto curiosa, para ele os indígenas não precisavam ser bons
cristãos, mas deveriam agir como se fossem. Isso porque, ser cristão era sinônimo de ser “civilizado”.
Os espanhóis queriam transformar os mexicas com referência nos moldes europeus, no en-
tanto, nunca perguntaram se eles queriam seus modelos, simplesmente os impuseram, aí reside a
violência cultural.
Diego Durán era dominicano, a convivência e a intimidade com a cultura indígena foi o ponto
sine qua non para o cumprimento de seu objetivo, ou seja, propagar a religião cristã. Para conseguir
isso, Durán, perscrutou minuciosamente as práticas “pagãs” dos astecas assim poderia questioná-las e
destruí-las.
Segundo Todorov (1999, p. 248-249), o que mais irritava Durán era o sincretismo incorporado na
religião cristã pelos indígenas. Vejamos:
O sincretismo é um sacrilégio, e é a este combate específico que se atém a obra de Durán [...] Durán chega a se per-
guntar se os que vão à missa na catedral da Cidade do México não o fazem, na verdade, para poder adorar os antigos
deuses, já que suas representações na pedra foram usadas para construir o templo cristão: as colunas da catedral, nessa
época, repousam sobre serpentes emplumadas!
Como visto acima, Durán abominava o sincretismo religioso, entretanto, ele próprio na sua obra
ressalta as semelhanças que, segundo ele, haviam entre a religião cristã e as crenças dos astecas. Hipo-
teticamente, Duran aponta duas explicações para essas supostas semelhanças: os indígenas já haviam
tido contato com outros pregadores cristãos antes dele ou, e esta é a mais improvável das hipóteses, o
demônio os havia persuadido para executarem os ritos católicos em sua honra. Duran não suportava
essa dúvida e em seu livro afirma que os astecas eram uma das tribos perdidas de Israel.
Ao escrever a história do povo asteca, Durán incorporou nela valores pessoais e relatou os fatos
de acordo com o que ele achava que deveria ser registrado e até inventou muitas coisas. Portanto, sua
obra precisa ser criticamente analisada.
Bernardino de Sahagún
Bernardino de Sahagún nasceu na Espanha em 1499. Quando adoles-
Wikipédia.
cente estudou na Universidade de Salamanca e, posteriormente, ingressou
na ordem dos franciscanos. Em 1529 chegou ao México onde permaneceu
até sua morte em 1590. Sahagún aprendeu a língua nahuatl e tornou-se
professor de gramática latina no Colégio de Tlatelolco desde a sua funda-
ção, em 1536.
Para facilitar a expansão do cristianismo, Sahagún se propôs a descre-
ver em detalhes a antiga religião dos mexicanos. Ao escrever sua obra, Saha-
gún desejava preservar a cultura nahuatl. Ele opta pela fidelidade integral, já
que reproduz os discursos que ouviu, e acrescenta sua tradução em vez de
substituí-los por ela. Entretanto, Sahagún intervinha com seus valores nos Bernardino de Sahagún.
textos de seu livro. Dessa forma, “corrigia” os costumes astecas dizendo serem
eles “pagãos” e condenáveis aos olhos de Deus.
Sobre a obra de Bernardino de Sahagún diz o autor Tzvetan Todorov (1999, p. 288):
Pode-se dizer que, a partir dos discursos dos astecas, Sahagún produziu um livro; ora, o livro é, nesse contexto, uma
categoria européia. E, no entanto, o objetivo inicial é invertido: Sahagún tinha partido da idéia de utilizar o saber dos
índios para contribuir na propagação da cultura dos europeus; e acabou por colocar seu próprio saber a serviço da
preservação da cultura indígena. [...]
Texto complementar
A sociedade asteca
A sociedade Asteca estava dividida de uma maneira curiosa e um pouco diferente da das so-
ciedades européias que lhe foram contemporâneas. Se desenhássemos uma pirâmide dela, tería-
mos sete divisões: no topo estariam os governantes, compostos pelo Tlatocan, pelos três maiores
sacerdotes e pelos dois governantes; depois viriam os grandes dignatários e os altos sacerdotes;
abaixo estariam as elites dos Calpulli (bairros, formados por membros do mesmo clã); abaixo destes
estariam, num mesmo patamar, as duas castas (imóveis) da sociedade asteca: os pochtecas (comer-
ciantes) e os toltecas (artesãos); abaixo destes estavam os moradores livres e proprietários de terras
dos Calpulli, ou seja, o povo; abaixo do povo, havia um número cada vez maior de servos, ou seja,
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.iesde.com.br
40 | Antropologia Cultural
cidadãos que haviam perdido suas terras por dívidas, tendo se convertido em servos de outros, mas
ainda assim livres, os servos trabalhavam por dinheiro, se assemelhando a trabalhadores assalaria-
dos; abaixo dos servos estava o estamento (por ter pouca mobilidade social) dos escravos, estes,
apesar de serem utilizados como força de trabalho, não tinham nesta a sua principal função, pois
eram destinados ao sacrifício. Havia duas maneiras de alguém se converter em escravo: a primeira
era também a mais comum, ou seja, os vencidos nas guerras, mas a segunda, apesar de pouco usu-
al, também existia, e eram as dívidas, ou seja, quando alguém que já havia perdido suas terras e se
convertido num servo se endividava, tinha que vender a própria liberdade para pagar a dívida, se
convertendo num escravo.
Quando cito classes, castas e estamentos, pressuponho que o leitor esteja compreendendo
o que digo, mas para aqueles que não estiverem familiarizados com os termos, aqui vão suas defi-
nições: uma sociedade de classes é como a sociedade brasileira, ou seja, onde todos os cidadãos,
independentemente de condição social, classe, ou qualquer outra coisa, são iguais perante a lei,
sendo assim, é totalmente possível a ascensão (ou o declínio) social, dependendo unicamente das
oportunidades e do esforço do indivíduo para que isso aconteça; já numa sociedade de estamentos,
os homens não são iguais perante a lei, apenas perante os deuses, sendo, portanto passíveis de sal-
vação, no entanto sua condição (geralmente determinada pelo nascimento, o que não é o caso no
único estamento asteca) só pode ser mudada (ou seja, ocorrer elevação ou declínio social) devido
a um fato muito inusitado, como o casamento com alguém de outra casta, ou um ato de extrema
bravura. Um exemplo de sociedade de estamentos (ou estamental) era a sociedade da Europa Me-
dieval; numa sociedade de castas, as pessoas são diferentes em tudo, tanto perante a lei, quanto
perante os deuses, sendo assim, não há nenhuma mobilidade social, o nascimento determina a
posição do indivíduo na sociedade e não há nada que possa mudar isso, nem para melhor, nem para
pior; um exemplo de sociedade de castas é a Índia.
Agora que compreendemos os conceitos utilizados, podemos continuar com a análise da so-
ciedade asteca. Tratava-se de uma sociedade de classes, pois exceto pelas duas castas e pelo único
estamento, a mobilidade social só dependia do esforço de cada um. Mas espere, você deve estar
se perguntando, todos nós sabemos que para ascender socialmente, a única maneira é estudando,
freqüentando a escola e assim, tendo a possibilidade de crescer na vida, certo? Certo. Então, como
os astecas faziam para ascenderem socialmente?
Da mesma maneira que nós. Deixe-me explicar. Em cada calpulli, e existiam quatro, havia
uma escola denominada Telpochcalli, para ela, as crianças (tanto homens quanto mulheres)
iam ao completarem oito anos. Lá, tanto meninos quanto meninas aprendiam o básico da es-
crita asteca e as tradições de seus clãs, porém, a outra metade do ensino era dividida, pois as
meninas aprendiam a tecer, a costurar, a cozinhar e a cuidar de crianças, enquanto os meninos
aprendiam a guerrear.
Aos 21 anos, tanto meninos quanto meninas abandonavam a escola e estavam formados, os
meninos tornavam-se guerreiros (sendo assim, todos os homens livres de Tenochtitlán eram guer-
reiros), e as meninas iam se casar. Geralmente o homem se casava mais tarde, por volta dos 25 anos.
A poligamia masculina era permitida, mas não muito difundida, ao que parece apenas alguns pou-
cos homens muito ricos tinham mais que uma esposa [...].
(FIGUEIREDO, Danilo José. Disponível em: <www.klepsidra.net/klepsidra6/astecas.html>. Acesso em: 25 jan. 2008.)
Atividades
1. Cortez, para conseguir mais ouro, procurava entender os rituais astecas para dominá-los
facilmente. Sua expedição se iniciou na busca de informações. Explique como ele conseguiu
essas informações.
3. Por que podemos afirmar que os colonizadores Diego Durán e Bernardino de Sahagún não
escreveram obras que expressavam a cultura asteca?
Domínio público.
de Souza em 1548, com o intuito de controlar os domínios da Coroa portuguesa.
A preocupação em salvaguardar a terra conquistada por Portugal, da am-
bição de outras nações européias, fez com que o governador-geral estabelecesse
um regimento que visava suprir a escassez de homens para a proteção da “nova
terra”. Dessa forma, o regimento de 1548 estipulava o recrutamento entre os mora-
dores que auxiliariam os soldados. Tomé de Souza.
Outra iniciativa tomada pela Coroa portuguesa foi armar a população das colônias. O “alvará das
armas”, de 1569, tornava obrigatória a posse de armas pelos homens livres. Na tentativa de organizar
esses homens que auxiliavam os soldados, foi criado pela Coroa o Regimento Geral das Ordenanças, de
1570. O serviço das ordenanças organizava a população segundo o corte social existente.
A nobreza era contra o recrutamento e não queria participar das ordenanças, mesmo em seus es-
calões mais elevados: “No Brasil, com uma hierarquia social que se forjava na presença determinante do
escravismo, o corte social proposto pelas ordenanças era uma oportunidade justamente de afirmação
social e de construção dessas diferenças entre os homens livres” (PUNTONI, 2004, p. 45).
As ordenanças abarcavam muitos indígenas, pois estes eram exímios conhecedores da terra e
já tinham familiaridade com a arte da guerra. Como a presença do indígena era sine qua non na força
auxiliar de defesa da terra, em 1611 uma lei criou as chamadas Companhias para o recrutamento dos
indígenas. O posto de dirigente das Companhias era ocupado por pessoas abastadas, indicadas pelo
governador-geral, que deviam fazer o juramento de fidelidade à Coroa portuguesa, o que possibilitou
maior dominação da população indígena.
Domínio público.
No entanto, os primórdios da formação do exército brasileiro têm sido indicados pelos autores na
época em que Dom João organizou o seu novo gabinete1 em terra brasileira, no qual, para a pasta dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra foi designado D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, que
se tornou praticamente o primeiro ministro da Guerra no Brasil. Essa pasta abrangia também as atribui-
ções referentes aos negócios estrangeiros do Reino. No entanto, até a chegada da Corte portuguesa no
Brasil, a administração do exército ficava centrada na metrópole.
1 Negócios do Reino – D. Fernando José de Portugal e Castro (depois marquês de Aguiar). Negócios Estrangeiros e da Guerra – D. Rodrigo de Souza
Coutinho (Conde de Linhares). Negócios da Marinha e Ultramar – D. João Rodrigues de Sá e Menezes (Visconde, depois Conde de Anadia).
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.iesde.com.br
Conquista do Brasil: historiografia e educação | 45
Oliveira Lima (in: LOPES; TORRES, 1947, p. 33) deixa explícita a precariedade das tropas no Brasil
afirmando que:
os soldados faziam exercício somente uma vez por mês e, além de andar sempre em atraso o pagamento dos soldados,
eram tão mal remunerados que precisavam, para se poderem manter e às famílias, trabalhar noutros misteres, divi-
dindo os seus lucros com os oficiais, os quais, a troco da espórtula, fechavam os olhos à vil irregularidade de serem, os
soldados do Rei ao mesmo tempo sapateiros, pescadores etc.
Essa situação era realmente preocupante para D. João que contava com a possibilidade de uma
efetiva defesa por parte das forças armadas em caso de perigo e risco de invasão, particularmente em
decorrência da conjuntura européia às voltas com o “des-equilíbrio” entre aquelas nações, cuja solução
só será encetada no Congresso de Viena, em 1815.
Wikipédia.
sil”. No entanto, os livros didáticos traziam informações reduzidas e ocultavam
muita coisa. Atualmente, com a chamada “história renovada” temos acesso às
informações que passaram a ser veiculadas nas escolas e livros didáticos após
a última ditadura militar no Brasil, que durou 21 anos (1964 –1985) que calou
muitos intelectuais e obrigou as escolas a passarem um conteúdo patriótico e
positivista que narrava os feitos dos chamados “heróis” (Pedro Álvares Cabral,
Princesa Isabel, D. Pedro II etc.), como se o povo nunca tivesse participado da
História do Brasil. Essas concepções integram um tipo de historiografia que per-
passa desde os primeiros autores que resgatam a História do Brasil, até por volta
Pedro Álvares Cabral.
da década de 1950, constituindo-se assim nossa “história oficial”. Tal historiogra-
fia é muito difundida influenciando uma dada leitura de nossa realidade que se
popularizou por meio dos livros didáticos. Na obra O Saber Histórico em Sala de Aula, Circe Bittencourt
discute as concepções e caracterização do livro didático, instrumento que muito corroborou para a
ratificação da presença dos “heróis” na história brasileira. Bittencourt afirma que o livro didático pro-
paga um “sistema de valores”, “de uma ideologia”, “de uma cultura”.2 Foi comprovado por intermédio
de pesquisas que por muito tempo os livros didáticos transmitiram “estereótipos e valores dos grupos
dominantes” (BITTENCOURT, 2002). A história factual é herança deste “nacionalismo oficial” em que o
Estado executa, desde o início, uma política consciente de proteção dos seus interesses. Dessa maneira,
os líderes nacionalistas, muitas vezes, são os que projetam sistemas civis, militares, culturais e educacio-
nais em nome da nação.
Há vários sentidos para a palavra ideologia. Em sentido amplo, ela é uma ciência da formação das
idéias; tratado das idéias em abstrato; sistema de idéias. Um conjunto articulado de idéias, valores, opi-
niões, crenças etc., que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo
social (classe, partido político, seita religiosa etc.) seja qual for o grau de consciência que disso tenham
seus portadores. Sistema de idéias dogmaticamente organizado como um instrumento de luta política.
Conjunto de idéias próprias de um grupo, de uma época, e que traduzem uma situação histórica.
Etimologicamente ideologia vem do grego [idéa] que quer dizer aparência, princípio, idéia,
ideograma.
2 “Assim, o papel do livro didático na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por
determinados setores do poder e pelo Estado[...].” (BITTENCOURT, 2002, p. 73)
Segundo Marilena Chauí, a ideologia tem como função camuflar as diferenças entre as classes
sociais e proporcionar aos integrantes da sociedade o sentimento da identidade social que propõe uma
unidade, por padronizar interesses particulares que são anunciados como objetivos comuns da nação:
a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras
(de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que
devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem
fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo,
normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional
para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a
partir das divisões na esfera da produção [...] encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos,
como por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado. (CHAUÍ, 1980, p. 113)
e tentava fazer com que os alunos aprendessem as soluções ao invés de investigarem os problemas e
envolverem-se nos questionamentos por si mesmos. Do mesmo modo que os cientistas empregam o
método cientifico para a exploração de situações problemáticas, assim deveriam fazer os alunos, caso
quisessem aprender a pensar sozinhos. Ao contrário disso, os professores pedem aos alunos que estu-
dem os resultados finais daquilo que os cientistas descobriram; desprezando o processo e fixando aos
alunos nossa atenção sobre o produto. Quando os problemas não são explorados em primeiro lugar,
nenhum interesse ou motivação é criado, e aquilo que continuamos chamando de educação é uma
charada e um simulacro. Dewey não tinha a menor dúvida de que o que deveria acontecer dentro da
sala de aula é que se pensasse – um pensamento independente, imaginativo e rico. O caminho por ele
proposto – e nesse ponto alguns de seus seguidores o abandonaram – é que o processo educativo na
sala de aula deveria tomar como modelo o processo da investigação científica.
Portanto, é necessário que ocorra a construção de conhecimento e não a sua reprodução. O edu-
cador que quer formar pessoas críticas precisa fazer a análise ontológica dos conceitos com os seus
educandos e trabalhar com atividades lúdicas que propiciem a eles criar e saber lidar com a sua sensi-
bilidade. Estas atividades são: dramatizações, música, literatura, viagens imaginárias, danças, jogos etc.
Além disso, o educador precisa trabalhar com a pesquisa em sala de aula para que o educando possa
construir o seu próprio conhecimento. A ausência da pesquisa é muito grave, pois não possibilita ao
educando fazer a sua própria análise de um determinado objeto de estudo e, assim sendo, somente
reproduz aquilo que o educador disse em sala. O educando, dessa forma, não é formado para ser um
indivíduo crítico. É a idéia de Louis Althusser que infelizmente ainda impera na mente de muitos edu-
cadores, ou seja, a impossibilidade de transformação por intermédio dos conceitos trabalhados em sala
de aula já que eles são “obrigados” a propagar o discurso de uma classe minoritária e dominante. O
preocupante é que muitos educadores tornam os seus educandos em indivíduos passivos e negam que
eles são agentes transformadores.
Texto complementar
Espoliação?... Seria o mesmo que dizer que o capitalismo deslanchou graças à inundação da
Europa pelos metais preciosos arrancados de minha terra!
Vamos considerar que esse ouro e essa prata foram o primeiro de muitos empréstimos amigá-
veis que fizemos à Europa.
Prefiro crer que nós, índios, fizemos um empréstimo a vocês, europeus.
Ao comemorar o quinto centenário desse empréstimo, nos perguntamos se vocês usaram ra-
cional e responsavelmente os fundos que lhes adiantamos.
Lamentamos dizer que não.
Vocês dilapidaram esse dinheiro em armadas invencíveis, terceiros reichs e outras formas de
extermínio mútuo. E acabaram ocupados pelas tropas da Otan.
Vocês foram incapazes de acabar com o capital e deixar de depender das matérias-primas e da
energia barata que arrancam do terceiro mundo.
Por isso, meus senhores da Europa, eu, Guaicaipuro Cautémoc, me sinto obrigado a cobrar o
empréstimo que tão generosamente lhes concedemos há 500 anos. E os juros.
Queremos apenas a devolução dos metais preciosos, mais 10 por cento sobre 500 anos. Lamen-
to dizer, mas a dívida européia para conosco, índios, pesa mais que o planeta Terra!... E vejam que
calculamos isso em ouro e prata. Não consideramos o sangue derramado de nossos ancestrais!
Sei que vocês não têm esse dinheiro, porque não souberam gerar riquezas com nosso genero-
so empréstimo!
Mas há sempre uma saída: entreguem-nos a Europa inteira, como primeira prestação de sua
dívida histórica!
Atividades
1. O conflito entre indígenas e portugueses deu-se em vários campos. Os principais são: biótico,
ecológico e econômico social. Explique cada um deles.
2. Quais foram as medida tomadas pela Coroa portuguesa para a proteção da “nova terra”?
3. O livro didático pode distorcer muitos fatos da História do Brasil, principalmente do Brasil Colônia.
Discorra sobre esse assunto.
O cacique, o homem mais velho da tribo, é considerado sábio e, por esse motivo, representa uma
espécie de energúmeno1 que recebe os ensinamentos dos espíritos. Ele empresta o seu corpo para que
esses espíritos o utilizem para a cura, conselhos e rituais.
É relevante dizer que o cacique é bastante respeitado, no entanto, não é o líder maior da tribo,
que manda em tudo e em todos ou que explora seus semelhantes. Ele tem a sua função como sábio e
conselheiro.
Quando havia alguma cizânia entre membros da tribo, o cacique tentava apaziguar a situação por
intermédio de seus conselhos e assim resolver o prélio. Entretanto, muitas vezes, os indígenas ignora-
vam as palavras do velho conselheiro e resolviam as suas querelas sozinhos.
Portanto, podemos perceber que não há alguém que manda ou que seja mais importante em
uma tribo indígena e sim uma verdadeira comunidade onde todos desempenham sua função em favor
do grupo.
A maioria das pessoas lembra das antigas cartilhas e livros escolares que mostravam o europeu
como um herói e o indígena como selvagem. As ilustrações dos livros didáticos mostram os europeus
muito bem vestidos, bonitos e limpos descendo de suas naus e os indígenas nus, confusos como crian-
ças assustadas assistindo à cena. A história dominante omitiu por muito tempo fatos importantes e reais
que iremos discutir agora.
A viagem em naus de Portugal ao Brasil demorava muitos meses e os alimentos eram escassos,
dessa forma, não havia comida nem água para todos. Os banhos eram raros, posto que, o costume de
tomar banho diariamente herdamos dos indígenas e não dos europeus. Dentro das naus não havia um
local específico para a higiene pessoal e nem para as necessidades fisiológicas. Assim, os portugueses
deviam jogar no mar as fezes e urina.
Por causa da alimentação precária e da falta de higiene muitos homens adoeciam antes de con-
cluir a viagem. A principal doença era o escorbuto que tem como primeiros sintomas hemorragias nas
gengivas, inchaço, dores nas articulações, feridas que não cicatrizam e pouca segurança na fixação dos
dentes. É provocada por carências graves de vitamina C na dieta. Essa doença, muitas vezes, obrigava os
companheiros do enfermo a cortar-lhe a língua para minorar o sofrimento que ele passava.
Para evitar o escorbuto em meio à falta de alimento só havia uma solução: se alimentar do que
pululavam nas naus, ou seja, ratos e baratas. Isso porque, a carne do rato é rica em vitamina C e as bara-
tas são fonte de proteína. Muitos se recusavam a comê-los e preferiam sofrer por causa do escorbuto.
Você, caro leitor, pode imaginar como esses homens desceram de suas naus aqui na “Ilha Brasil”?
Será que as ilustrações mostram a verdade? Vejamos uma ilustração muito utilizada em livros didáticos:
Domínio público.
Você pode perceber que os portugueses descem da nau bem trajados com uma pompa real e do
outro lado os indígenas assustados, sem controle.
Agora sabemos que essa representação não revela plenamente a realidade, pois de acordo com
as situações vividas pelos portugueses durante a longa viagem, seria impossível que eles descessem de
suas naus da forma que a ilustração mostra.
Os portugueses desceram de suas naus sujos, fétidos, pois não faziam a higiene básica pessoal;
doentes, magros, barbas longas e, por causa do escorbuto, muitas vezes, os enfermos com as línguas
cortadas, a gengiva sangrando e sem dentes. Agora temos um cenário em nossa mente digno de qual-
quer filme de terror.
Não é à toa que os indígenas temeram esse aspecto animalesco dos portugueses assim que os
viram. Por outro lado, os portugueses assim que avistaram os indígenas ficaram deslumbrados com a
beleza dos seus corpos.
Agora, caro leitor, se você soubesse dessa verdade e sua professora do Ensino Fundamental pe-
disse para você representar a chegada dos portugueses ao Brasil quem você gostaria de ser: o indígena
ou o português?
Fontes oficiais
Ao estudarmos a história, temos que analisar minuciosamente as fontes deixadas e perscrutar-
mos o que foi dito e o que está nas entrelinhas. Quando trabalhamos com documentos oficiais a inter-
pretação precisa ser ainda mais cuidadosa.
A análise de fontes oficiais foi considerada pela historiografia, durante um longo período, pra-
ticamente a única fonte válida para o historiador. Foi criticada profundamente a partir da década de
1980 pelo papel que a análise dessas fontes cumpria, ou seja, o de resgatar a realidade social apenas do
ponto de vista dos protagonistas que ditavam as normas e as regras advindas do Estado/governo, não
dando visibilidade aos sujeitos comuns, aos indivíduos. Essa documentação passa a ser, desse modo,
menos visitada pelos historiadores que buscam novos temas, novas abordagens.2
Por outro lado, a historiografia que resgata a História do Brasil tem sido escrita por grupos domi-
nantes e, nesse sentido, precisa ser lida com muita criticidade, posto que, são extremamente tendencio-
sas. Essas fontes são “encharcadas” de patriotismo e feitos heróicos e, obviamente, têm características
extremamente positivistas3 (dados, nomes, inexistência de uma narração processual – história linear
etc.)
2 “Inúmeros textos tratam destas questões, possibilitando, inclusive, uma nova distinção entre a historiografia francesa e a inglesa. Enquanto
na historiografia francesa é mais comum encontrarmos abordagens cujos fundamentos se encontram na antropologia, a historiografia inglesa,
representada aqui por E. P. Thompson, resgata a experiência enquanto construção da história e, neste sentido, aproxima-se de Marx, para o
qual são as ações dos indivíduo que constroem a história.” LE GOFF, Jacques. História e Memória, São Paulo: Ed. UNICAMP, 1990.
3 Pode-se qualificar como traços do “espírito positivo”: o apego ao documento (“pas de document, pas d’histoire”), o esforço obsessivo em
separar o falso do verdadeiro; o medo de se enganar sobre as fontes; a dúvida metódica, que muitas vezes se torna sistemática e impede a
interpretação; o culto do fato histórico, que é dado, “bruto”, nos documentos (REIS, 1996).
A chegada dos portugueses no Brasil foi analisada pelos historiadores por meio da carta de Pero
Vaz de Caminha 4. Se lermos a carta sem fazer uma análise imanente/crítica, podemos ratificar precon-
ceitos como: os portugueses trouxeram a civilização para os indígenas; os indígenas eram ingênuos e
não sabiam apreciar as coisas boas que os portugueses deram a eles como vinho e pão etc., assim seria
feita uma interpretação superficial e errônea que confirmaria o etnocentrismo, ou melhor, o eurocen-
trismo (supervalorização da cultura européia em detrimento das outras culturas, nesse caso, a cultura
indígena).
Vamos analisar partes da carta de Pero Vaz de Caminha.
Wikipédia.
vam à Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se ago-
ra nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a
Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e
falar – o saiba pior que todos fazer! [...]
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das
Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, es-
tando da dita Ilha – segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas – os
quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam
botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira
seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.
Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primei-
ramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais
baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o
capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à Terra de Vera Cruz! (...)
Carta de Pero Vaz de Caminha.
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo
disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali
falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá,
acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam
dezoito ou vinte.
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rija-
mente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde
deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete
4 Pouco se sabe sobre a vida de Pero Vaz de Caminha. Sabe-se ao certo que ele era filho de Vasco Fernandes de Caminha, cavaleiro do duque de
Bragança e que provavelmente nasceu na cidade do Porto. Casou-se com dona Catarina e dessa união nasceu a filha Isabel. Em 1476 substitui
o pai na função de mestre da balança da Casa da Moeda. Logo depois, dedicou-se ao comércio e, em seguida, é designado escrivão da feitoria
de Calicute, na Índia, de onde segue com Cabral, em 1500, a caminho do Brasil. Nessa viagem, escreve a carta de nascimento do Brasil ao rei
Dom Manuel, datada de 1.° de maio de 1500. Essa carta, considerada o mais importante documento relativo ao descobrimento do Brasil, ficou
guardada nos arquivos da Torre do Tombo por mais de três séculos, sendo divulgada pela primeira vez em 1817, no livro Corografia Brasileira,
escrito pelo padre Aires do Casal. Ainda em 1500, Caminha segue com Cabral para a Índia e morre, no dia 15/12/1500, durante um assalto dos
mouros à feitoria de Calicute (Disponível em: <www.mundocultural.com.br/index.asp?>. Acesso em: 24 dez. 2007).
5 ARROXO, Leonardo. Pero Vaz de Caminha: carta a el rei São Paulo: D. Manuel, Dominus, 1963.
vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro
de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um
ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda à
Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. [...]
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem
cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara.
Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de
comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-
nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez.
E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, ra-
pados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie
de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria
o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal
que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com
um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa,
e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram.
Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e
começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro
na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal,
como se lá também houvesse prata!
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra,
como se os houvesse ali.
Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como
espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase
nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora.
Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as
bocas e lançaram-na fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pes-
coço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar
do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha.
Se analisarmos criticamente esse pequeno trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha poderemos
perceber que a preocupação máxima dos portugueses era encontrar ouro na “nova terra”.
Os indígenas são retratados na carta como seres que não têm vergonha e desconhecem as nor-
mas de cortesia. É muito interessante quando Pero Vaz de Caminha diz que os indígenas mostraram-
lhes um papagaio pardo que o Capitão trazia consigo; e tomaram-no logo na mão e acenaram para a
terra, como se os houvesse ali. Ora, se não fizermos uma análise imanente desta fala não iremos com-
preender o porquê do papagaio. Segundo a crença européia a existência de papagaios em algum lugar
confirmava que ali tinha ouro é por este motivo que Caminha faz questão de falar dos papagaios em
várias partes da carta.
Outra parte intrigante da carta é que os indígenas não aceitaram os alimentos que os portugue-
ses lhes ofereceram:
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase
nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora.
Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as
bocas e lançaram-na fora.
Muitas pessoas quando lêem esta parte da carta acham realmente que os indígenas não sabiam
apreciar as coisas boas. No entanto, hoje sabe-se que os indígenas cuspiram esses alimentos, porque es-
tavam estragados, posto que, estavam muitos meses dentro das naus e não puderam ser conservados.
Nesta aula discutimos o choque cultural entre portugueses e indígenas assim que os portugueses
chegaram ao Brasil. Certamente que a chegada dos portugueses ao Brasil foi para o indígena algo ter-
rível, pois tribos inteiras foram devastadas. Podemos afirmar sem dúvida nenhuma que a conquista do
Brasil simboliza um verdadeiro genocídio dos povos que já viviam na “Ilha Brasil”.
Texto complementar
Debate – o preconceito secreto
(LOPES)
Faz parte das culturas humanas a existência de pré-noções que filtram o olhar das pessoas. Isto
permite chamar as coisas pelos nomes que as sociedades convencionaram como os adequados. Ver
objetos e situações suscita igualmente a formação de idéias. Estas juntam o que se vê ao que antes
havia consolidado na mente humana no que se refere ao que se está contemplando. Estes elementos
formam a consciência, no que tange às suas relações com o mundo externo.
Em algumas situações, as pré-noções transformam-se em preconceitos, no sentido do turva-
mento negativo da compreensão do que está se observando. Quando isto ocorre, a visão das pes-
soas não considera as características do que é visto como o mais significativo.
Ao contrário, a percepção prévia, isto é, o preconceito é o que manda, pouco importando o
que está na frente do observador. Alguns indícios presumíveis, a partir da ótica do preconceito,
são suficientes para que se teça toda uma explicação. A cor de uma pessoa, por exemplo, pode in-
dicar sua culpabilidade a priori. Os objetos e situações observadas servem, apenas, como estímulo
para reforçar as idéias acreditadas previamente. Nem toda a pré-noção é um preconceito, apesar
da origem similar destas expressões idiomáticas relativas ao modo como os seres humanos vêem
o mundo e a si próprios. A maior parte das primeiras são construções desenvolvidas em todas as
Atividades
1. Explique o choque cultural entre indígenas e europeus.
2. Por que os livros didáticos precisam ser analisados de uma forma crítica, principalmente quando
usam ilustrações que mostram os portugueses como heróis descendo de suas naus e os indígenas
como selvagens?
3. Faça uma análise crítica do trecho a seguir da carta de Pero Vaz de Caminha:
“[...] Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos,
e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que
pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que
aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma
carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um
sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como
de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer
de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus
por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar [...]”
Tal denominação demonstra também o ressentimento dos jesuítas espanhóis que tinham suas
missões no território espanhol assaltadas pelos bandeirantes paulistas, que utilizavam o conhecimento
milenar dos nativos associada à resistência dos brasilíndios.
Os brasilíndios ou mamelucos acabaram sofrendo duas rejeições. A dos pais com o qual queriam
se identificar, mas eram vistos como impuros e, quando do sexo masculino eram aproveitados para o
trabalho braçal o qual era desprezado pelos europeus. Quando adultos, porém, eram integrados às
bandeiras, em que muitos deles conseguiam “prosperar”. Outra rejeição se dava pelo lado materno, pois
pela cultura indígena, quem nasce era filho do pai, ficando a mãe incumbida de gerar a criança, deste
modo o filho era rejeitado, o mameluco se via numa terra de ninguém, diante desse mosaico estava
constituindo-se uma identidade nova e brasileira.
Utilizavam uma língua comum, o tupi, tinham sua própria visão de mundo, dominavam uma tec-
nologia apropriada à sua condição de vida rústica e adaptação à floresta tropical.
A expansão portuguesa somada às praticas econômicas, que utilizavam os nativos como mão-
de-obra e até como “produto”, resultaram em exploração dos recursos e dos povos indígenas; a difusão
do bandeirantismo associada a uma imagem heróica e desbravadora, sobrepondo-se às suas investidas
predatórias, contudo houve mesmo assim a construção de um elemento importante e novo para a com-
preensão da nossa própria identidade, os brasilíndios.
Os afro-brasileiros
A verdadeira imigração ilegal
Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878); amigo pessoal de D. Pedro II, escreveu a primeira obra
historiográfica brasileira em 1854, portanto, é o fundador da História do Brasil com posições explícitas.
Sua obra História Geral do Brasil defendeu um Brasil português, pois, segundo Varnhagen, os portugue-
ses tiveram a missão divina de “civilizar” a nação brasileira, o grande mal que ocorreu foi a presença
negra. Além disso, exaltou a repressão das revoltas que ocorreram em território brasileiro e idolatrou a
figura de D. Pedro II.
Gilberto de Mello Freyre (1900-1987), autor de Casa Grande & Senzala, fez um reelogio à coloniza-
ção e justificou a conquista e ocupação portuguesa do Brasil. Não lastimou a presença negra; os negros,
segundo ele, só vieram ao Brasil, porque, os indígenas eram preguiçosos e, diferente deles, os negros
trabalhavam felizes. Para Freyre, no Brasil inexistia o racismo.1
A população de origem africana tem sua presença marcada no Brasil desde a primeira metade do
século XVI, já na década de 1530, os portugueses perceberam que a população indígena não poderia
fornecer mão-de-obra suficiente para a coleta da madeira brasileira e o cultivo da cana-de-açúcar por
um período prolongado, assim, eles se voltaram para a obtenção de escravos da África ocidental:
os africanos que eram capturados e enviados ao Brasil colonial vinham de diversas regiões da África central e do sudo-
este. Essas regiões abrigavam amplas diferenças lingüísticas e culturais, trazendo muitas diferentes tradições africanas.
Essas diferenças podem ainda ser percebidas, por exemplo, nas variações de práticas religiosas afro-brasileiras no Brasil
atual. No século XVII a fonte principal eram de Angola e o Congo; no século XVIII eram da Costa de Mina e a Enseada de
Benin. (SKIDMORE, 2000, p. 33)
1 Gilberto Freyre sustentava a existência de uma democracia racial no Brasil; assim, pregava a inexistência do preconceito e das
diferenças étnicas.
Em 1580 os portugueses importavam mais de dois mil escravos africanos por ano para trabalhar
nas plantações de açúcar do Nordeste brasileiro, número crescente até 1850. Dados assustadores se
pararmos para pensar que essa imigração acontecia de forma extremamente violenta desde a captura
dos integrantes de tribos africanas diversas, até sua chegada ao Brasil, condição que piorava com o tra-
balho forçado somado a requintes de crueldade que eram vistos como disciplinadores. Essa era a lógica
do escravismo, que fora gerado por meio da violência, e que só conseguia se manter utilizando-se da
vigilância intensiva e da punição ostensiva:
Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse uma caça apanhada em uma armadilha, ele era arrastado pelo
pombeiro – mercador africano de escravos – para a praia onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bu-
gigangas. Dali partia em comboios, pescoço atado a pescoço com outros negros, numa corda puxada até o porto e o
tumbeiro.2 Metido no navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por mês e meio, o exíguo espaço do seu
tamanho, mal comendo, mal cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda. Escapando vivo à travessia,
caia no outro mercado, no lado de cá, onde era examinado como um cavalo magro. Avaliado pelos dentes, pela gros-
sura dos tornozelos e dos punhos era arrematado. (RIBEIRO, 2000, p. 119)
As formas de resistência dos africanos e afro-brasileiros não conseguiram colocar fim imediato à
exploração compulsória do trabalho escravo, contudo, as manifestações individuais logo resultaram em
organizações coletivas de luta que gestaram a destruição do próprio sistema que os subjugou.
Nós que recebemos várias heranças como a diversidade étnica, a pluralidade cultural, e o exem-
plo de resistência, também temos o rastro da escravidão e intolerância. Cabe a nós utilizarmos os ele-
mentos que acharmos convenientes e continuar construindo a nossa história:
A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta
a explodir na brutalidade racista e classista. Ela incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a
torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará
forças, amanhã, para conter os processos e criar aqui uma sociedade solidária. (RIBEIRO, 2000, p.120)
2 Nome dado aos navios que transportavam os escravos. Recebiam essa denominação pelo alto índice de mortalidade entre os ocupantes que
eram trazidos em péssimas condições.
Texto complementar
(Karnal, 1990, p. 11-15, 28-29)
Uma das mais tradicionais “verdades didáticas” [...] descreve colônias de exploração e colônias de
povoamento.
As colônias de exploração, é claro, seriam as ibéricas. Como diz o nome, as áreas colonizadas por
Portugal e Espanha existiriam apenas para enriquecer as metrópoles. Nesse tipo de colônia, as pessoas
sairiam da Europa apenas para enriquecer e voltar ao país de origem. [...]
O oposto das colônias de exploração seriam as de povoamento. Para essas, as pessoas iriam não
para enriquecer e voltar, mas para morar na nova terra, logo, sua atitude não seria predatória, mas pre-
ocupada com o desenvolvimento local. Isso explicaria o grande desenvolvimento de áreas anglo-saxô-
nicas, como os EUA e o Canadá [...]
Vamos aos fatos. [...] A colonização ibérica foi, em quase todos os sentidos, mais organizada, pla-
nejada e metódica do que a anglo-saxônica. [...] Na verdade, só podemos falar em projeto colonial nas
áreas portuguesa e espanhola. Só nelas houve preocupação constante e sistemática quanto às questões
da América. [...]
Portugal e Espanha mandavam para a América, na época da conquista, alguns de seus membros
mais ilustres e preparados. [...] Nem de longe podemos afirmar que semelhante fenômeno tenha ocorri-
do na fase da conquista da América inglesa. [...]
A solidez das cidades coloniais espanholas, seus traçados urbanos e suas pesadas construções não
são harmônicas com um projeto de exploração imediata. As pessoas que falam desses “ideais” de en-
riquecimento fácil parecem imaginar que um espanhol cobiçoso embarcava num avião em Sevilha e,
horas depois, desembarcava na América. [...]
A idéia tradicional de um grupo seleto de colonos ingleses altamente instruídos e com capitais
abundantes é uma generalização incorreta. [...] Nesse grande contingente, embrião do que seriam os
EUA, misturam-se inúmeros tipos de colonos: aventureiros, órfãos, membros de seitas religiosas, mulhe-
res sem posses, crianças raptadas, negros africanos, degredados, comerciantes e nobres.
Atividades
1. Faça uma síntese do que seriam os chamados brasilíndios.
“O tráfico de escravos se tornou uma indústria muito rentável, atividade que trazia imensos
lucros para a metrópole portuguesa, ao contrário do apresamento de índios que ocorria sem
intermediação de Portugal”.
Mário de Andrade
Esta aula pretende compreender o debate sobre a busca de uma suposta identidade cultural
brasileira na década de 1920. O campo da cultura é ressaltado, pois está intrinsecamente ligado às trans-
formações políticas e sociais da época. Assim, muitas vezes o discurso nacionalista utilizou-se, e ainda
utiliza-se, de uma falsa unissonância cultural com o intuito de fazer com que os interesses de um grupo
minoritário se tornem interesses de toda a nação.
Os grupos de intelectuais modernistas propagaram, principalmente de 1920 a 1930, o ideário
nacionalista que pretendia criar ou “redescobrir” as raízes e tradições brasileiras. Esses intelectuais, por-
tanto, se “vestiram” da missão de dar uma identidade ao Brasil e o nacionalismo passou a ser o foco das
discussões e das obras criadas.
Algumas pesquisas analisaram propostas específicas do movimento modernista. Dentre essas
pesquisas está a de Alexandre Ventura que, em sua dissertação de mestrado, discutiu o projeto do Brasil
moderno que foi pensado pelos modernistas paulistas por meio de viagens por eles realizadas a Minas
Gerais: “Meu trabalho sobre a viagem a Minas procura compreender o que era o ‘viver o moderno’ e o
‘ser moderno’ para aqueles intelectuais modernistas”(VENTURA, 2000, p.14).
Outro trabalho recente que traz a abordagem de um Brasil moderno é a dissertação de mestrado
de Glaucia Ribeiro que fez uma análise da modernidade brasileira proposta pelo intelectual Antônio de
Alcântara Machado, com enfoque na cidade de São Paulo, a partir das obras e viagens realizadas por ele.
O trabalho citado analisa principalmente a obra deste autor: Pathé-Baby. A análise dessa obra literária
explicou o projeto que o autor buscava: “Para expor seu projeto de modernidade, o autor fez algumas
opções. Essas escolhas não foram aleatórias e expressavam, antes de tudo, a maneira como Alcântara
Machado via a cidade” (LIMA, 2001, p. 19).
Os trabalhos citados trazem importantes informações sobre o movimento modernista no Brasil.
Esta aula apresenta a proposta do modernismo: o debate sobre uma suposta identidade cultural
brasileira. Iremos discutir essa proposta por intermédio das correspondências de Carlos Drummond
de Andrade e Mário de Andrade, dois intelectuais modernistas. Assim, a peculiaridade deste estudo é
utilizar-se de cartas pessoais que trazem informações complexas sobre os interesses dos grupos de inte-
lectuais modernistas, para analisar o projeto de nacionalismo, no âmbito cultural, pensado por eles. Esta
aula será relevante ao mostrar, por intermédio das cartas que serão analisadas em suas especificidades,
que no processo histórico, o ideário de uma suposta identidade nacional quase sempre foi traçado por
grupos minoritários que se utilizaram do saber, na maioria das vezes, como instrumento de poder e do-
minação, como é notado nas palavras de Drummond na carta do dia 22 de novembro de 1924:
e por outro lado, estou quase a afirmar que uma certa classe de espíritos, de formação e educação nitidamente univer-
salistas, tem solene direito de sobrepor as suas conveniências mentais às dessa mesma confusa e anônima cambada
de bestas. Monstruoso? Será antes humano. Espero que não veja nessas palavras a intenção de criar uma oligarquia
intelectual, ou qualquer coisa parecida com um clã ou um mandarinato das letras. Não. Estamos, se não me engano, em
dias largamente democráticos, em que nenhuma aristocracia é possível, mesmo a da inteligência. Quis apenas justificar
a posição em que se encontram muitas criaturas honestas, inteligentes e cultas, em face de apertado dilema: naciona-
lismo ou universalismo. O nacionalismo convém às massas, o universalismo convém às elites (repito: não se trata de
clã). E se muitos dos que constituem as elites são inadaptáveis, por um vício de conformação íntima, à primeira solução,
que podemos fazer senão aceitar esse vício, que em nada os desabona? (SANTIAGO; FROTA, 2003, p. 60)
Ora, Carlos Drummond de Andrade deixa explícito que o debate sobre o nacionalismo e univer-
salismo existia dentro dos grupos intelectuais e estes intelectuais eram, segundo Drummond: “Criaturas
honestas, inteligentes e cultas” que discutiam as decisões que, segundo eles, o Brasil deveria tomar para
fazer parte do “movimento universal”. Mesmo diante da negação de Drummond, tratava-se, indiscuti-
velmente, de um “mandarinato das letras”.
A configuração da nação
Grupos minoritários, a partir da configuração do Estado moderno, criaram as tradições que de-
veriam identificar toda a nação. Assim, Benedict Anderson defende que as nações nada mais são que
comunidades imaginadas, ou seja, dentro de um determinado território há criações culturais que pro-
curam delinear uma “identidade própria” de uma determinada comunidade nacional. O argumento que
Anderson utiliza para defender que as nações são comunidades imaginadas, é que: “Nem mesmo os
membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão,
nem sequer ouvirão falar de sua comunhão” (ANDERSON, 1989, p.14). 1
1 O campo da cultura, como parte integrante da filosofia nacionalista, permeia a obra de Anderson e ele afirma que o sentimento de
nacionalidade – essa sensação pessoal e cultural de pertencer a uma nação – acaba como aspecto secundário nas discussões sobre o
nacionalismo. A questão principal levantada por Anderson é: O que faz as pessoas amarem e morrerem pela nação, bem como odiarem e
matarem em seu nome?
Anderson mostra alguns dos processos que criaram as comunidades imaginadas da nacionalida-
de como: o capitalismo editorial que possibilitou o surgimento de línguas vernáculas em detrimento
do latim; o nacionalismo oficial – crescimento do Estado-nação – como meio de sustentar um ideário
dinástico para submeter às revoltas populares; a fatalidade de fazer parte de uma nação e a imagem de
unissonância contida nos símbolos nacionais. O “nacionalismo oficial”, portanto:
[...] foi, desde o início, uma política consciente, de autoproteção, intimamente ligada à preservação dos interesses di-
nástico-imperiais [...] O único traço característico desse estilo de nacionalismo era, e é, ser ele oficial – isto é, algo que
emana do Estado e que, antes e acima de tudo, serve aos interesses do Estado. (ANDERSON, 1989, p. 174)
A história factual é herança desse “nacionalismo oficial” em que o Estado executa, desde o início,
uma política consciente de proteção aos seus interesses. Dessa maneira, os líderes nacionalistas, muitas
vezes, são os que projetam sistemas civis, militares, culturais e educacionais em nome da nação.
Estudar o debate sobre o processo de construção de uma possível identidade cultural nacional
brasileira é relevante, porque permite a observação do que ainda está latente na nossa história, ou seja,
negar uma história oficial tida como “verdade absoluta”; uma história executada por “heróis”, sem ne-
nhuma participação popular, isenta de quaisquer resistências, que exalta a cultura européia e subestima
as culturas indígena e africana.
No caso do Brasil foi só após a independência, em 1822, que a classe intelectual, ligada a Dom
Pedro I, começou estudar as possibilidades para a construção de um caráter nacional na ânsia de definir
quais seriam nossas tradições e heróis. A intenção era dar uma “alma” ao Brasil para tornar a população
coesa e o território centralizado na figura do imperador:
Procuraram “a alma brasileira” nos primórdios da nossa história, no índio ainda não “contaminado” pelos europeus e ide-
alizado como “o bom selvagem”, e, como não era possível ignorar o colonizador nem reconhecer a qualidade humana
do negro, ainda escravizado, constituíram o mito da essência cabocla de nossa brasilidade. (ALVES, 1997, p. 97)
dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca bur-
guesa. (BITTENCOURT, 2002, p. 72)
Os livros didáticos serviram como base desse nacionalismo oficial, pois eles vêm sendo utilizados
na aprendizagem como principal instrumento de trabalho dos educadores e dos educandos desde o sé-
culo XIX. E a história narrada e ilustrada por eles sustenta o caráter heróico e missionário dos europeus:
as ilustrações mais comuns sobre o passado da nação foram reproduzidas, por desenhistas ou por fotógrafos, de qua-
dros históricos produzidos no final do século XIX. Dessa galeria de arte que os livros didáticos foram os principais
divulgadores, dois quadros têm sido os mais reproduzidos desde o início do século: o 7 de setembro de 1822, de Pedro
Américo, e A Primeira Missa no Brasil, de Vitor Meirelles de Lima. (BITTENCOURT, 2002, p. 77)
Assim, os modernistas exaltaram a velocidade, a máquina e a vida urbana como fatores de ruptu-
ra com o atraso agrário e buscaram um caráter “totalmente nacional” que possibilitasse ao Brasil a sua
definitiva independência como nação.
Na década de 1920 ocorreu uma busca eloqüente para formar uma identidade nacional. O mo-
mento era propício, pois a Primeira Guerra Mundial tornou explícita a condição de desigualdade que
segregava o Brasil dos países industrializados:
os efeitos das aceleradas transformações técnicas da Segunda Revolução Industrial se faziam sentir, nas sociedades pe-
riféricas, como uma intensificação do sentimento da distância em face do mundo desenvolvido, mas também no inte-
resse pelas nossas especificidades. A crise do pós-guerra afetava de maneira distinta as partes avançadas e atrasadas do
mundo, mas, em ambos os casos, colocava-se em questão o papel do Estado no interior das economias nacionais como
elemento chave de onde se esperava a reorganização da economia e da sociedade [...]. (LORENZO; COSTA, 1997, p. 8)
O sentimento nacional se tornou, dessa forma, um instrumento de defesa utilizado pela elite
intelectual modernista adepta das inovações industriais e culturais do período contra a república que
tinha se instituído no Brasil, desde 15 de novembro de 1889. Esta não atendia seus objetivos “moder-
nizantes”; o Brasil deveria deixar de ser dependente dos outros países, para isso era necessário uma
república forte, entretanto, a chamada Primeira República no Brasil foi marcada pela incapacidade
administrativa. Certamente a frase: “Essa não é a República dos meus sonhos”,9 foi confirmada pelo
grupo intelectual modernista da década de 1920:
esterilizados pela sua acomodação, os políticos e os partidos que se assenhoravam da situação tornaram-se alvos de
violentas críticas por parte dos grupos intelectuais. Censurava-se-lhes a inocuidade política, o vazio ideológico, a cor-
rupção e sobretudo pela incapacidade técnica e administrativa que os caracterizava. Não há, praticamente, partidos
políticos no sentido clássico do conceito e esse foi um dos traços mais notáveis da Primeira República, porque não se
mantinham interesses rigorosamente conflitantes nos meios políticos entre os grupos que sobrenadavam à socieda-
de. Não que não houvesse oposição, os próprios intelectuais a representavam com a máxima substância, mas ela foi
simplesmente varrida da vida pública e dos meios oficiais para a margem e a miséria, sob o estigma de anti-social e
perniciosa. (SEVCENKO, 1995, p. 87)
Essa indignação contra a organização política brasileira da época pode ser notada nas palavras de
Carlos Drummond de Andrade em carta enviada a Mário de Andrade no dia 22 de novembro de 1924:
acho o Brasil infecto. Perdoe o desabafo, que a você, inteligência clara, não causará escân-
Domínio público.
dalo. O Brasil não tem atmosfera mental; não tem literatura; não tem arte, tem apenas uns
políticos muito vagabundos e razoavelmente imbecis ou velhacos [...] O que nós todos
queremos (o que, pelo menos, imagino que todos queiram) é obrigar este velho e imora-
líssimo Brasil dos nossos dias a incorporar-se ao movimento universal das idéias. Ou, como
diz Manuel Bandeira, “enquadrar”, situar a vida nacional no ambiente universal, procurando
o equilíbrio evidentemente difícil, dada a evidência da desproporção. (SANTIAGO; FROTA,
2003, p. 56)
9 “Já precocemente, na época do Governo Provisório, Lopes Trovão, um dos próceres da campanha republicana, proclamava a sua desilusão:
‘Essa não é a República dos meus sonhos’. Conspurcado pelas adesões maciças e disputas canhestras pelo poder e cargos rendosos, o novo
regime esvaziara rapidamente os sonhos que os seus arautos acumularam ao longo de três décadas (...).” (Sevcenko, 1995, p. 85)
eu tenho que convencer-me a mim mesmo antes de convencer aos outros que devemos repudiar a experiência euro-
péia. Bem pesadas as coisas, duvido se haverá vantagem em sacrificar-se espiritualmente a uma cambada de bestas
como é a quase totalidade dos nossos irmãos brasileiros [...] (SANTIAGO; FROTA, 2003, p. 59)
O descrédito à organização política do país fez com que o nacionalismo começasse vir à tona, eis
as questões principais levantadas na época: o Brasil não é verdadeiramente uma nação e assim não re-
sistirá às potências européias e o Brasil ainda é uma criança em formação que deve ser sustentada com
altas doses de nacionalismo.
Dessa forma, o Brasil se apresentava como um país totalmente dependente das nações já indus-
trializadas. Deveu-se a isto, a deficiência política administrativa na Primeira República e a economia
brasileira predominantemente agrária.
O descontentamento diante da dependência do Brasil fez com que grupos intelectuais moder-
nistas discutissem a existência de tradições tipicamente nacionais que permitiriam aos brasileiros se
apossarem verdadeiramente do país. Além do grupo modernista de São Paulo surgem os grupos mo-
dernistas regionais. Deles faziam parte: Carlos Drummond de Andrade, João Alphonsus, Pedro Nava,
Martins de Almeida, Augusto Meyer, Raul Bopp e Luís da Câmara Cascudo, para citar apenas alguns
nomes. Todos esses intelectuais traziam consigo uma ideologia política diferente, no entanto, todos
participaram do debate sobre a construção de uma identidade nacional para o Brasil:
[...] a elite intelectual apresentou-se, em diferentes momentos, investida da missão de revelar a verdadeira face da na-
ção e de traçar as suas linhas de força para o futuro. O credenciamento para a tarefa proviria de uma suposta qualifica-
ção para desvendar as regras de funcionamento do social e desse modo formular, a partir de dados e critérios objetivos,
políticas de ação. Tal direito sempre lhe apareceu algo evidente, que dispensava qualquer tentativa de justificação.
(LUCA, 1999, p. 19)
Tanto as cartas de Mário de Andrade quanto as de Carlos Drummond, trazem um debate impor-
tante: o nacional versus o universalismo.
Mário de Andrade tentou convencer a Carlos Drummond que se sacrificar para dar uma identida-
de ao Brasil era fundamental; Drummond exaltou, explicitamente nas suas primeiras cartas, o universa-
lismo e, diferente de Mário de Andrade, desconfiava de um caráter nacional brasileiro. Mário de Andrade
fez um apelo a Drummond na carta do dia 10 de novembro de 1924:
[...] Você é uma sólida inteligência e já muito bem mobiliada... à francesa. Com toda a abundância do meu coração eu
lhe digo que isso é uma pena. Eu sofro com isso. Carlos, devote-se ao Brasil, junto comigo. Apesar de todo ceticismo,
apesar de todo pessimismo e apesar de todo o século XIX, seja ingênuo, seja bobo, mas acredite que um sacrifício é
lindo. O natural da mocidade é crer e muitos moços não crêem. Que horror! Veja os moços modernos da Alemanha, da
Inglaterra, da França, dos Estados Unidos, de toda a parte: eles crêem, Carlos, e talvez sem que o façam conscientemen-
te, se sacrificam. Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar
uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime [...]. (SANTIAGO; FROTA, 2003, p. 50)
Em 1925, Carlos Drummond afirmou a Mário de Andrade que aceitava se sacrificar pelo Brasil, no
entanto, não deixou totalmente suas concepções anteriores. Carlos Drummond defendia o universa-
lismo e tinha uma concepção pessimista diante de uma suposta identidade nacional brasileira. Mário
de Andrade, em contrapartida, alimentou um nacionalismo que chegou a ser exacerbado. O que deve
ser destacado é que, mais uma vez, um grupo minoritário discutiu um caráter que identificasse toda a
comunidade imaginada, pois embora os modernistas discordassem em alguns pontos, o objetivo era
comum: dar uma “alma” ao Brasil.
Texto complementar
Carta escrita por Carlos Drummond de Andrade
(SANTIAGO; FROTA, 2003)
Belo Horizonte, 22 novembro 1924.
Querido Mário de Andrade
Wikipédia.
Obrigadíssimo pela sua carta, que me encheu de alegria, sim, de viva
alegria, embora não concorde com muitas coisas que você aí deixou. Mas
o prazer é o mesmo, com ou sem discussão. É absolutamente raro, no Bra-
sil, uma pessoa ser tão gentil e atenciosa como você foi comigo. Assim, não
me arrependo de lhe haver mandado o meu artigo sobre o finado Anatole
France. Ele promoveu uma aproximação intelectual que me é muito precio-
sa. Agradeço-lhe ainda uma vez, prezado Mário. Mas, afinal, você foi injusto
comigo, supondo-me livresco. Você não gostou do meu artigo. Apoiado. En-
tretanto, o meu artigo vale pela coragem com que foi escrito, e que não é
Mário de Andrade.
pequena em um meio, como este em que vivo, cretiníssimo. Estas coisas lhe
são estranhas, porque você vive bem longe desse lugarejo chamado Belo Horizonte. Você prefe-
ria que eu “dissesse asneiras, injustiças, maldades, mas asneiras moças, injustiças moças, maldades
moças que nunca fizeram mal a quem sofre delas”. Ora, eu creio que não fiz outra coisa, e nisto fui
terrivelmente sincero. Como todos os rapazes da minha geração, devo imenso a Anatole France,
que me ensinou duvidar, a sorrir e a não ser exigente com a vida. Atacando-o, cometi sobretudo
uma injustiça, e, em grau menor, uma asneira e uma perversidade. Fiz o que se chama uma “tolice
da juventude”. Ainda bem!
Reconheço alguns defeitos que aponta no meu espírito. Não sou ainda suficientemente brasi-
leiro. Mas, às vezes, me pergunto se vale a pena sê-lo. Pessoalmente, acho lastimável essa história de
nascer entre paisagens incultas e sob céus pouco civilizados. Tenho uma estima bem medíocre pelo
panorama brasileiro. Sou um mau cidadão, confesso. É que nasci em Minas, quando devera nascer
(não veja cabotinismo nesta confissão, peço-lhe!) em Paris. O meio em que vivo me é estranho: sou
um exilado. E isto não acontece comigo, apenas: “Eu sou um exilado, tu és um exilado, ele é um
exilado” Sabe de uma coisa? Acho o Brasil infecto. Perdoe o desabafo, que a você, inteligência clara,
não causará escândalo.
Atividades
1. Explique o trecho abaixo:
“[...]no processo histórico o ideário de uma suposta identidade nacional, quase sempre, foi
traçado por grupos minoritários que se utilizaram do saber, na maioria das vezes, como ins-
trumento de poder e dominação”.
3. O autor Benedict Anderson defendeu a tese de que as nações nada mais são que comunidades
imaginadas, explique essa afirmação.
A influência sob a população era camuflada pelo patriotismo e, gradualmente, uma boa parte da
população abdicava de participação política formal. Essa postura colaborou para que os planos expan-
sionistas e excludentes tomassem força na Alemanha.
Em novembro de 1918, após o fim da monarquia na Alemanha, entrava em vigor o novo regime
republicano encabeçado pelo Partido Social Democrata. Friedrich Ebert é eleito presidente da República
em eleições indiretas pela Assembléia Nacional, sendo Philip Sheidmann nomeado chanceler. Este era o
cenário político da Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial. Os dirigentes alemães assinaram com
o bloco formado pelos aliados (França, Rússia e Inglaterra) o Armistício de Compiègne.
Dessa forma, confirmava-se a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, porém o acordo não teve
preocupação de poupar a população das agressões causadas pela guerra, mas sim o exército alemão.
Pouco depois assinava-se o Tratado de Versalhes, em 28 de maio de 1919, que impunha à Alemanha
cláusulas que reduziram sua área territorial e arrasou com sua economia. Foi então nesse contexto que
se desenvolveu o nazismo:
o tratado de Versalhes, que tinha 200 páginas e 440 artigos fez com que a Alemanha perdesse cerca de 13,5% de
seu território, potencial econômico e quase 10% de sua população; estabeleceu que o exército não poderia ter mais
de 100 000 homens entre oficiais e soldados e a marinha ficaria com 15 000. Não haveria Escola de Guerra, ficando
também proibida a conscrição militar. (RIBEIRO,1991, p. 18)
Nessas condições, em 1919, foi fundado o Partido dos Trabalhadores Alemães, que tinha como
objetivo uma política anti-semita, anti-comunista e o não cumprimento do tratado de Versalhes. Em
1919, Adolf Hitler se filiou ao partido, alcançando a liderança em 1920. Com sua influência alicerçada,
Hitler lançou as bases que transformou o Partido dos Trabalhadores Alemães no Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazionalsocialistishe Deutsche Arbeipartei) originando NAZI da
primeira palavra.
Em meio à queda da produção, ao desemprego, à inflação e alto custo de vida, os nazistas ten-
taram tomar o poder por meio de golpe de Estado em 1923.
A ocupação pela França da região do Ruhr elevou a crise, o número de desempregados chegou
a cinco milhões de pessoas e a inflação desvalorizou assustadoramente a moeda corrente alemã.
Em novembro de 1923, Hitler liderou o Putsch de Munique (golpe), mas a tentativa fracassou.
Assim, Hitler e outros líderes do levante foram presos e condenados à cinco anos de prisão, porém ele
cumpriu apenas oito meses de pena. Durante o período de reclusão, Hitler iniciou a composição de
Mein Kampf, cujo conteúdo da obra se resume em raça e terra, e era considerada como um livro sagrado
para os nazistas.
Após a tentativa de golpe a popularidade do partido ficou abalada, porém, com a agudização da
crise econômica, tornavam-se cada vez mais oportuno os discursos de Hitler, em que exortava a união
do povo em uma “Grande Alemanha”. Incentivando o nacionalismo por meio de discursos inflamados,
mesclando conservadorismo com “revolução”, essa habilidade oportunista seria essencial para que o
partido nazista ascendesse em meio a crise política, econômica e social.
No ano de 1925, a direita tentava somar suas forças e uniu-se em torno da candidatura do marechal
Paul von Hindenburg, que foi eleito. A união dos grupos da direita deveu-se à crescente popularidade
do comunismo na Europa, que a pouco tempo havia presenciado uma revolução na Rússia em 1917. A
crise econômica só fazia por aumentar a luta de classes e a aproximação do povo aos ideais comunistas,
dessa forma o partido nazista se camuflava em torno de um socialismo hitlerista.
Em cima dos palanques, Hitler pregava a igualdade entre os alemães, mas por trás das cortinas
demonstrava que os homens são iguais, só que uns mais iguais que outros. Hitler acreditava que aque-
les que conhecem a “verdade” deveriam liderar, e aqueles que não têm capacidade para assimilar as
idéias em sua complexidade devem apenas obedecer e serem leais ao seu senhor. A seguir, percebemos
essa idéia claramente:
sou socialista, mas de um gênero de socialismo diferente [...] Eu fui um trabalhador dos mais comuns. Não toleraria que
meu motorista comesse pior do que eu. Mas a vossa variedade de socialismo é apenas marxismo. A massa dos trabalha-
dores quer apenas pão e divertimento. Jamais compreenderão o sentido de um ideal e não podemos ter a esperança
de conquistá-los para uma causa. (BURON; GAUCHGOU, 1980, p. 105-106)
Até o Crack da bolsa de Nova York em outubro de 1929, a Alemanha estava conseguindo se resta-
belecer graças ao incentivo econômico internacional, que foi interrompido pela crise mundial, provo-
cando um novo colapso na economia alemã e favorecendo a ascensão do partido nazista. O governo
mostrava-se incapaz de solucionar a crise, e este fato contribuiu para a polarização das forças políticas e
o fortalecimento dos partidos comunista e nazista, este último financiado por industriais e banqueiros
que temiam o crescimento do comunismo.
Nas eleições de 1930, os nazistas tiveram um crescimento considerável no parlamento, que au-
mentava a influência nazista no poder. Além de seduzir a população, os nazistas contavam com grupos
paramilitares financiados por industriais, que reprimiam toda manifestação política contrária às suas
idéias.
A SA – Tropas de Choque – e a SS – Tropas de Assalto – chegaram a somar cerca de 400 mil ho-
mens. Com gradual ascensão política do nazismo, Hitler, em período de grande influência, exigiu o
cargo de chanceler. Consumava-se então a ascensão do nazismo ao poder formal na Alemanha.
Ao conquistar o poder, o nazismo começa a mostrar suas garras mais despóticas. O primeiro passo
foi dissolver o parlamento, mas para isso precisava de uma justificativa, então os nazistas incendiaram o
Reichstag (Parlamento) atribuindo a culpa aos comunistas. Dessa forma conseguiram um pretexto para
implantar a ditadura nacional socialista, dissolvendo sindicatos, cassando o direito de greve, fechando
jornais de oposição, estabelecendo censura à imprensa e implantando um terror por intermédio das
tropas paramilitares SA, SS e Gestapo (Polícia Política) que perseguia a oposição, judeus e diversos gru-
pos considerados inferiores.
Com a morte do presidente Hindenburg, Hitler assumiu o título de führer (guia), acumulando
as funções de presidente e chanceler. Nessas condições, anunciou ao mundo a fundação do III Reich
(Terceiro Império) alemão. Posteriormente, com uma guinada na economia, Hitler via no Lebensraun
(Espaço Vital – necessidade de expansão territorial) um fator necessário e legítimo para o crescimento
da Alemanha, sendo esse foi um dos primeiros passos para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Até o momento, esta aula procurou abordar, mesmo que brevemente, o contexto político,
econômico e social em que a Alemanha estava inserida na primeira metade do século XX. A seguir se
discute as manobras utilizadas por Hitler para influenciar boa parte do povo alemão.
A figura de Hitler
Inicialmente iremos analisar o que a imagem de Hitler representava para o povo alemão.
Hitler construiu a imagem de guia da nação, que simbolizava a ordem social e política. Em uma hi-
erarquia, o führer era o primeiro dos cidadãos, e suas decisões deveriam ser obedecidas sem nenhuma
contestação, pois ele era o representante de todo o povo, e seus desejos não eram apenas seus, mas a
vontade do povo alemão.
Dessa forma, Hitler passou a ser caracterizado como um salvador, o escolhido a quem todos
deveriam seguir e obedecer se quisessem se libertar. Liberdade econômica e também afastar o
comunismo e o judaísmo da Alemanha, para isso seria necessário unir o povo germânico e realizar
uma “limpeza étnica”. Com essas atitudes, Hitler conseguia um grande número de seguidores que se
deixavam conduzir ao “final feliz”.
Enfim, o redentor da nação, Hitler exaltava sua posição como se fosse um deus vivo, e todo deus
que se preze merece uma série de rituais, criando assim um simbolismo em torno de sua imagem. Dessa
maneira, Hitler afirmava sua posição de guia e fortalecia os vínculos de lealdade e amor para com ele.
Dentro do misticismo nazista os gestos e símbolos tinham grande importância, pois seriam os
vínculos constantes que afirmavam o nazismo. Entre esses ritos podemos citar o ato de esticar o braço
direito acima do ombro com a mão espalmada, reverenciando o führer com a saudação Heil Hitler (Salve
Hitler). Outro símbolo forte, era a Suástica, considerado um símbolo mágico. Hitler justificava a utiliza-
ção da suástica como símbolo da Alemanha nazista argumentando que ela representava a missão de
lutar pelo triunfo do homem ariano:
o símbolo mágico da Suástica, de conhecida ancestralidade, uma espécie de cruz em movimento, sugere a energia, a luz
o caminho da perfeição [...], a cruz gramada portava um símbolo sexual que havia tomado, historicamente, diferentes
significados; suas linhas demonstravam duas figuras enlaçadas, simulando um ato sexual – daí seu poder de excitação
sobre as camadas profundas e inconscientes do psiquismo. (LENHARO, 1991, p. 40)
Outro elemento para incentivar a adesão das camadas populares a suas idéias deveu-se à propa-
ganda nazista. Essa propaganda era dirigida às massas e era articulada de acordo com o sentimento das
mesmas, a apelação sentimental era a preferida dos nazistas, por comover e ser de fácil assimilação, no
entanto, excluíam propagandas que exigissem muita reflexão:
Hitler considerava que há pelo menos dois pontos que merecem ser ressaltados, por sua importância: o primeiro
diz respeito à própria visão de Hitler sobre o que veicular, levando em conta o que ele pensava sobre as condições
médias do receptor a ser atingido. O segundo ponto diz respeito à técnica mesmo, que há níveis impressionantes de
aproveitamento, tanto na etapa de preparação para o poder, quanto após sua conquista. A propaganda sempre deveria
ser popular, dirigida às massas, desenvolvida de modo a levar em conta um nível de compreensão aos mais baixos.
(LENHARO, 1991, p. 47)
Dessa forma, a propaganda interagia em um universo criado cheio de misticismo e ritos, estes se-
riam os ingredientes perfeitos para que Hitler conseguisse o aval da maioria da população e os liderasse
sem contestações.
Texto complementar
Nazismo
Regime político de caráter autoritário que se desenvolve na Alemanha durante as sucessivas
crises da República de Weimar (1919-1933). Baseia-se na doutrina do nacional-socialismo, formu-
lada por Adolf Hitler (1889-1945), que orienta o programa do Partido Nacional-Socialista dos Tra-
balhadores Alemães (NSDAP). A essência da ideologia nazista encontra-se no livro de Hitler, Minha
Luta (Mein Kampf). Nacionalista, defende o racismo e a superioridade da raça ariana; nega as insti-
tuições da democracia liberal e a revolução socialista; apóia o campesinato e o totalitarismo; e luta
pelo expansionismo alemão.
Ao final da Primeira Guerra Mundial, além de perder territórios para França, Polônia, Dinamarca
e Bélgica, os alemães são obrigados pelo Tratado de Versalhes a pagar pesadas indenizações aos
países vencedores. Essa penalidade faz crescer a dívida externa e compromete os investimentos
internos, gerando falências, inflação e desemprego em massa. As tentativas frustradas de revolução
socialista (1919, 1921 e 1923) e as sucessivas quedas de gabinetes de orientação social-democrata
criam condições favoráveis ao surgimento e à expansão do nazismo no país.
Utilizando-se de espetáculos de massa (comícios e desfiles) e dos meios de comunicação (jor-
nais, revistas, rádio e cinema), o partido nazista consegue mobilizar a população por meio do ape-
lo à ordem e ao revanchismo. Em 1933, Hitler chega ao poder pela via eleitoral, sendo nomeado
primeiro-ministro com o apoio de nacionalistas, católicos e setores independentes. Com a morte do
presidente Hindenburg (1934), Hitler torna-se chefe de governo (chanceler) e chefe de Estado (pre-
sidente). Interpreta o papel de führer, o guia do povo alemão, criando o III Reich (Terceiro Império).
Com poderes excepcionais, Hitler suprime todos os partidos políticos, exceto o nazista; dissol-
ve os sindicatos; cassa o direito de greve; fecha os jornais de oposição e estabelece a censura à im-
prensa ; e, apoiando-se em organizações paramilitares, SA (guarda do Exército), SS (guarda especial)
e Gestapo (polícia política), implanta o terror com a perseguição aos judeus, aos sindicatos e aos
políticos comunistas, socialistas e de outros partidos.
O intervencionismo e a planificação econômica adotados por Hitler eliminam, no entanto, o de-
semprego e provocam o rápido desenvolvimento industrial, estimulando a indústria bélica e a edificação
de obras públicas, além de impedir a retirada do capital estrangeiro do país. Esse crescimento deve-se
em grande parte ao apoio dos grandes grupos alemães, como Krupp, Siemens e Bayer, a Adolf Hitler.
Desrespeitando o Tratado de Versalhes, Hitler reinstitui o serviço militar obrigatório (1935),
remilitariza o país e envia tanques e aviões para amparar as forças conservadoras do general Franco
na Espanha, em 1936. Nesse mesmo ano, cria o Serviço para a Solução do Problema Judeu, sob a
supervisão das SS, que se dedica ao extermínio sistemático dos judeus por meio da deportação para
guetos ou campos de concentração. Anexa a Áustria (operação chamada, em alemão, de Anschluss)
e a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia (1938). Ao invadir a Polônia, em 1939, dá início à Segun-
da Guerra Mundial (1939-1945).
Terminado o conflito, instala-se na cidade alemã de Nuremberg um Tribunal Internacional para
julgar os crimes de guerra cometidos pelos nazistas. Realizam-se 13 julgamentos entre 1945 e 1947.
Juízes norte-americanos, britânicos, franceses e soviéticos, que representam as nações vitoriosas,
condenam à morte 25 alemães, 20 à prisão perpétua e 97 a penas curtas de prisão. Absolvem 35
indiciados. Dos 21 principais líderes nazistas capturados, dez são executados por enforcamento em
16 de outubro de 1946. O marechal Hermann Goering suicida-se com veneno em sua cela, pouco
antes do cumprimento da pena.
Atividades
1. Dê sua opinião sobre este trecho:
“Observando a trajetória humana é perceptível que uma das maiores dificuldades dos seres huma-
nos é de se relacionar socialmente, sabemos que é necessário o convívio em grupo para a manutenção
e desenvolvimento do mesmo, porém antagonicamente, sentimos a necessidade de nos isolar, abdicar
tudo aquilo que nos é imposto, criar algo que se adeqüe perfeitamente aos nossos anseios. Esse anta-
gonismo deve-se ao fato de não nos identificarmos, ou não tentar compreender um outro individuo,
mesmo que este pertença ao grupo étnico comum, e seja integrante da mesma unidade, a humana, as
diferenças devem ser vistas como diversidade cultural e não como um determinado estágio de uma
suposta evolução”.
2. Não. O texto “As meninas-lobo” nos mostra que Amala e Kamala por não terem sido inseridas
num grupo social e por terem sido criadas por lobos não apresentavam características do
comportamento humano e possuíam hábitos semelhantes daqueles animais selvagens.
3. O texto ratifica que o ser humano utiliza a sua inteligência para criar e não faz como os insetos e
animais que reproduzem mecanicamente o mesmo comportamento.
2. É um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Exemplos:
a cultura do Nordeste brasileiro; a cultura do vodu na Jamaica; skinheads; punks; emocore etc.
2. Observando a mitologia nórdica, percebe-se que a essência das suas narrações é a realidade na
qual viviam os povos bárbaros. Estes viviam nos combates entre distintas tribos e acreditavam
numa vida após a morte, na qual, se porventura tivessem morrido honrosamente, podiam
desfrutar dos regozijos da recompensa de Odin. Todo mito vem carregado de uma essência real
de um certo grupo. Entendendo a função principal do mito, podemos partir para os saberes
que o invocam, ou seja, crenças, danças e tradições, enfim, o folclore de um determinado grupo
social.
3. O folclore é o conjunto de mitos, ritos, crenças religiosas, danças, linguagem, música, artesanato
etc. Folclore, atualmente, vai muito além da idéia de tradição popular; ele está associado à vida
do povo, à sua disposição de criar e recriar algo. Não são somente as celebrações populares,
porém o lastro da vida cotidiana de um determinado grupo. O folclore é uma criação subjetiva;
entretanto, sua reprodução tende a ser coletivizada. Ele perdura de uma geração a outra,
portanto, também é reconhecido como tradição e não modismo. É uma identidade do modo
de vida de uma determinada classe produtora de sua própria cultura.
A questão do outro
1. Porque os espanhóis supervalorizaram a sua cultura em detrimento da dos astecas.
2. Os artifícios são: fomentaram lutas internas entre os mexicas e outros povos, queimaram os livros
dos mexicas para apagar a religião deles, destruíram seus monumentos, utilizaram armas de
fogo e ainda causaram várias epidemias que mataram milhares de indígenas e decodificaram os
costumes e signos dos astecas.
3. No Estado asteca existiam duas espécies de escola, uma em que se preparavam para o ofício de
guerreiros e a outra da qual saíam os sacerdotes, os juízes e os dignatários reais que ensinavam aos
meninos a retórica. A fala privilegiada pelos astecas era a fala ritual. A existência dessa organização
comprova o poder que tinha o domínio da língua para os astecas.
2. Milhões de indígenas foram exterminados por meio de formas macabras, por este motivo,
podemos falar que foi um genocídio.
3. Porque elas são exacerbadamente tendenciosas e eurocêntricas. As obras servem para criticar a
cultura asteca e não têm a intenção de compreendê-la.
3. Os livros didáticos por muito tempo expressaram os valores da classe dominante e a função
principal era destruir a idéia de que todos fazem a História e não apenas alguns privilegiados que
pertenciam à elite de um determinado momento histórico.
3. Orientação: O aluno deverá interpretar esse trecho e contextualizá-lo. Mostrar o preconceito que
existe nas palavras de Caminha concernente aos indígenas.
3. Hitler construiu a imagem de guia da nação, que simbolizava a ordem social e política. Em uma
hierarquia o Führer era o primeiro dos cidadãos, e suas decisões deveriam ser obedecidas sem
nenhuma contestação, pois ele era o representante de todo o povo, e seus desejos não eram
apenas seus, mas a vontade do povo alemão. Dessa forma, Hitler passou a ser caracterizado como
um salvador, o escolhido a quem todos deveriam seguir e obedecer se quisessem se libertar.
Liberdade econômica e também afastar o comunismo e o judaísmo da Alemanha, para isso
seria necessário unir o povo germânico e realizar uma “limpeza étnica”. Com essas atitudes Hitler
conseguia um grande número de seguidores que se deixavam conduzir ao “final feliz”.
_____. Querebentã de Zomadonu. Etnografia da Casa das Minas. 2. ed. rev. São Luís: EDUFMA, 1996.
FIGUEIREDO, Danilo José. Disponível em: <www.klepsidra.net/klepsidra6/astecas.html>. Acesso em:
25 jan. 2008.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1933.
_____. Interpretação do Brasil. Rio de Janeiro, 1947.
GLYCERIO, Carolina. Disponível em: <www.estadao.com.br/nacional/not_nac39648,0.htm>. Acesso em: 12
dez. 2007.
KARNAL, Leandro. Estados Unidos. Da colônia à independência. São Paulo: Contexto, 1990.
LENHARO, Alcir. Nazismo – o triunfo da vontade. 3. ed. São Paulo, 1991.
LE GOFF, Jacques: História e Memória: São Paulo: Ed. Unicamp, 1990
LIMA, Gláucia A. Ribeiro de. Filmar o Mundo, Projetar São Paulo: crônicas de Antônio de Alcântara
Machado, 1925-1935. São Paulo, 2001. Dissertação (Mestrado). PUC.
LINTON, Ralph. O Homem: uma introdução à antropologia. 5. ed. São Paulo: Martins, 1965.
LORENZO, Helena Carvalho de; COSTA, Wilma Peres da. A Década de 1920 e as Origens do Brasil
Moderno. São Paulo: UNESP, 1997.
LUCA, Tânia Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (n)ação. São Paulo: Fundação Editora
da UNESP, 1999.
MALINOWSKI, B. Uma Teoria Científica da Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1962.
MARCONI, Marina de Andrade e Pressotto; NEVES, Zélia Maria. Antropologia: uma introdução. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 1989.
OLIVEIRA, Lima. In: LOPES, Theodorico; TORRES, Gentil. Ministros da Guerra do Brasil (1808-1946). Rio
de Janeiro: S.E., 1947.
POLLAK-ELTZ, Angelina. El sincretismo en America Latina. In: Presencia Ecumenica. Caracas, 1996, p. 3-13.
PUNTONI, Pedro. A arte da guerra: tecnologia e estratégia militares na expansão da fronteira da Améri-
ca portuguesa (1550-1700) In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY (Orgs.). Nova História Militar
Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
REIS, José Carlos. A História entre a Filosofia e a Ciência. São Paulo: Ática, 1996.
Reymond, B. Le Développement Social de L’enfant et de L’Adolescent. Bruxelas: Dessart, 1965.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
RODRIGUES, Marly. A Década de 80 – Brasil: quando a multidão voltou às praças. 2. ed. São Paulo: Ática,
1992.
SALEM, Helena. As Tribos do Mal: o neonazismo e o mundo. 7. ed. São Paulo: Atual, 1995.
SANTOS, José Luiz dos Santos. O que é Cultura? 11. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2005. (Coleção
Primeiros Passos In. 110).
SANTIAGO, Silviano; FROTA, Lélia Coelho. Carlos e Mário. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2003.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
VARNHAGEN, F. Adolfo. História Geral do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1956. v.1.
VENTURA, Alexandre de Oliveira. A Viagem de Descoberta do Brasil: um exercício do moderno em
Minas Gerais. São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado). PUC.
VIDAL, Ademar. A estranha medicina dos excretos. Costumes e práticas do negro. In: CARNEIRO, Edison.
Antologia do Negro Brasileiro. Jornal Jangada Brasil [on-line]. Disponível em: <www.jangadabrasil.
com.br/maio21/cd21050c#carneiro.htm>. Acesso em: 4 set. 2007.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade: na história e na literatura. São Paulo: Schwarcz, 1990.
Parte I Parte II
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido Brasil, de amor eterno seja símbolo
De amor e de esperança à terra desce, O lábaro que ostentas estrelado,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido, E diga o verde-louro dessa flâmula
A imagem do Cruzeiro resplandece. – “Paz no futuro e glória no passado.”
Dos filhos deste solo és mãe gentil, Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Pátria amada,
Brasil! Brasil!
Atualizado ortograficamente em conformidade com a Lei 5.765, de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográfica
celebrada entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.