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Diversidade Étnica e Educação Indígena Políticas Públicas No Brasil PDF
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INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 4, N. 6, p. 85-93, Mar. 2003.
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lidade especial de educação, postulando o proteção aos índios, por serem eles os senhor-
papel que devem cumprir a diversidade e a es naturais das terras (GAGLIARDI, 1989,
pluralidade na construção de uma nova p. 28).
representação da “identidade nacional”- una Com a Independência, começaram a
e múltipla a partir dos ideais da democracia” surgir propostas para melhorar a situação
(MONTE, 1998, p. 71). De acordo com essa dos indígenas. Entre essas, Cunha (1992, p.
pesquisadora, a educação escolar indígena foi 47-360) ressalta que José Bonifácio de
contemplada nas Constituições e nos docu- Andrada e Silva apresentou à Assembléia
mentos, anteriormente mencionados, graças Constituinte, em 1823, os seus “Apontamen-
às forças políticas e de comunicação dos tos para Civilização dos Índios Bravos do
movimentos sociais e ambientais que acon- Império do Brasil”. Os Apontamentos de José
teceram em escala nacional e internacional. Bonifácio tiveram dois princípios fundamen-
Os atores interessados nessa política de tais: o da “justiça”, que estabelecia a inter-
educação escolar indígena vivem uma história dição de esbulhar os índios de suas terras,
de lutas, de avanços e retrocessos, em busca por meio da violência, permitindo a compra
de uma participação autônoma. Suas vozes segundo o modelo praticado pelo governo
não foram ouvidas nestes quase duzentos dos Estados Unidos da América; e, o da
anos de emancipação política do Brasil. “brandura, constância e sofrimento de nossa
As dificuldades e os interesses surgidos parte” por serem cristãos os ocupantes e, ao
alteraram as diretrizes que passaram a mesmo tempo, os usurpadores dos seus bens.
pugnar pela integração desses povos à co- Essa mesma pesquisadora, entretanto,
munidade nacional. Por conseguinte, foram informa que, como legislador do Império,
registradas algumas iniciativas que, mesmo durante o ano de 1823, o trabalho de José
tendo um caráter humanista, via de regra, Bonifácio deixa a desejar quanto às questões
estiveram a serviço do sistema econômico e indígenas. Embora reconhecendo a condição
de seus dirigentes, preocupados com a humana dos índios, Bonifácio ignora as socie-
formação do “povo brasileiro”. dades indígenas, sem as quais os índios não
teriam condições para se autodomesticarem.
1. A legislação indigenista nos séculos Daí, o seu entendimento de que:
XVIII e XIX Cabe ao Estado fornecer-lhes a possibilidade
de saírem de sua natureza bruta e formarem
uma sociedade civil: a educação que também
Moonen (1983, p. 69) sublinha que assim lhe cabe supõe premissas. São condições
“uma legislação indigenista global só surgiu para tanto que se sedentarizem em aldeias, se
na segunda metade do século XVIII”, o que sujeitem às leis, à religião e ao trabalho
aconteceu por pressão do Marquês de (BONIFÁCIO, apud CUNHA, 1987, p. 172).
Pombal que pretendia acabar com o poder Cunha sustenta que o único artigo da
dos jesuítas, para instaurar uma nova política Constituição de 1823 que se refere aos índios
econômico-desenvolvimentista, mudando o (art. 254) apenas determina a criação de
sistema educacional cristalizado pelas idéias estabelecimentos para sua catequese e
jesuíticas, como foi apontado por Guiraldelli civilização. Pode-se portanto dizer que, no
Jr (1994). Período Imperial, não houve uma política
Ao aportar no Brasil em 1808, D. João indigenista. Santos (1995, p. 94) sustenta que
VI estabeleceu uma política indigenista que “o primeiro projeto de Constituição do
concedia todos os direitos legais de proprie- Brasil, elaborado em 1823, fazia uma refe-
dade aos colonos interessados em estabelecer- rência à criação de estabelecimentos para a
se nas áreas indígenas, especialmente, em catequese e a civilização dos índios (título
Minas Gerais e no Paraná; bem como o direito XIII, art. 254)”. Todavia, a Constituição de
de exploração do trabalho dos índios. 1824 foi aprovada sem qualquer referência
A política de D. João VI divergiu total- aos índios. Somente, no Ato Institucional de
mente das medidas adotadas de 1755 a 1798, 1834 (em seu art. 11, parágrafo 5) foi con-
quando as violências cometidas contra os ferida às Assembléias Legislativas Provin-
índios aconteciam de forma velada. Naquela ciais, a competência para promover “a
época, o Diretório Pombalino determinara a catequese e a civilização do indígena e o
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var as posições das organizações indígenas prática a Resolução CNE 03/99, documento
e das instituições que, de uma forma ou norteador da política brasileira de educação
outra, atuam com essas comunidades e dos escolar indígena. Se as ações do Estado de-
representantes de órgãos públicos gover- correm das suas políticas, a oferta e execução
namentais (municipais, estaduais e federais), da educação escolar indígena, a partir desse
expressando as contradições que perpassam instrumento legal, estava dotada das condi-
o tratamento da educação escolar indígena. ções objetivas que lhes faltavam até então.
Enquanto alguns prefeitos, representantes de
comunidades indígenas e de órgãos que nelas 5. O Censo Escolar Indígena
atuam solicitaram a municipalização da
escola indígena “porque o índio vive e se Mas, uma política de educação escolar
relaciona no município e é o município que indígena tem razão de ser em função dos
deve assumir sua responsabilidade perante sujeitos que dela dependem. E... quem são
as tribos que nele existem”; outros mani- eles? Sobre a realidade dessa educação
festaram posição contrária, em função da escolar indígena em nosso país, muito pouco
proximidade do poder de decisão governa- se conhecia, pois os números não eram
mental que, via de regra, têm sido em favor oficiais e variavam conforme a fonte consul-
dos que detêm o poder econômico local, em tada. Somente em agosto de 2.001, o MEC
detrimento dos interesses indígenas. publicou os primeiros dados de um Censo
Após a audiência, a proposta de reso- Escolar Indígena, que teve como objetivo
lução que estabelece “a estrutura e o funcio- “coletar informações gerais sobre as escolas,
namento das escolas indígenas e fixa as os professores e alunos indígenas de todo o
normas de sua execução nacional e de país”, em palavras pronunciadas pelo
ensino, juntamente as diretrizes curriculares Ministro da Educação na apresentação do
e dá outras providências” foi relatada documento que espelha os dados preliminares
propondo estadualizar a educação escolar do Censo Escolar Indígena (ano de 2001).
indígena. O Conselho Nacional de Educação Com base em dados de 1999, o censo
(CNE), aprovou-a como Resolução CNE n. concluiu-se no ano 2000 e apontou a existên-
03 no dia 10/11/99. cia de 219 povos distintos, em quase todos
Ao estadualizar o ensino fundamen- os estados brasileiros, menos no Piauí e no
tal, a Resolução CNE 03/99 feriu, profunda- Rio Grande do Norte. Nas terras indígenas,
mente, o preceito constitucional e a própria perfaz-se um total de 350.000 a 500.000 mil
LDBEN, no que diz respeito aos princípios índios falando mais de 180 línguas dife-
filosóficos e doutrinários, norteadores da rentes. Tais números não contemplam os
educação brasileira. A Constituição deter- índios urbanizados, entre os quais, muitos
mina que “os municípios atuarão prioritaria- preservam suas línguas e tradições culturais.
mente no ensino fundamental e na educação Mesmo que houvesse quantitativos
infantil” (art. 211, § 2º); e a LDBEN esta- condizentes com essa realidade, eles conti-
belece que cabe aos municípios incumbirem- nuariam sendo apenas números que não
se de “oferecer a educação infantil e, com refletem a diversificação existente entre os
prioridade (grifo nosso), o ensino funda- povos indígenas, tanto por suas tradições
mental” (art. 11, V). culturais específicas como pelo nível de con-
Mesmo assim, o MEC procurou cum- tato estabelecido com a sociedade nacional.
prir, o mais rápido possível, os ditames da Enquanto muitos deles utilizam o português
resolução mencionada, realizando reuniões como se fora seu idioma nativo, outros só
setoriais e técnicas de educação escolar falam a língua materna e outros, ainda,
indígena nas diversas regiões do País, coor- dentro da própria etnia, apresentam a duali-
denadas pelo Comitê Geral de Atendimento dade, utilizando os dois idiomas em algumas
à Educação Indígena em parceria com as aldeias.
Secretarias Estaduais de Educação dos Sobre esse Censo Escolar Indígena, o
Estados que as sediaram. professor Paulo Renato de Souza, Ministro
A pauta dessas reuniões enfatizou a da Educação, afirma: “os resultados desse
necessidade de estudos para colocar em censo permitirão ao Ministério da Educação
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Documentos
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Diretrizes para a política nacional de educação indígena.
Brasília, 1993.
_____. Censo escolar indígena: dados preliminares. Brasília,
2001.
BRASIL. Resolução do Conselho Nacional de Educação n. 3,
de 10/11/99.
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