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A Escatologia Neopentecostal: como e por quê a teologia da prosperidade se constitui numa

ameaça à escatologia do pentecostalismo clássico?


Ozean Gomes

O início da década de 70 o Protestantismo brasileiro foi marcado por um fenômeno


surpreendente chamado Neopentecostalismo. O impacto desse movimento é tão expressivo que
provoca uma linha divisória na história da fé protestante no Brasil. Em virtude do caráter
inovador, e da singularidade dos métodos utilizados na tentativa de atrair adeptos, há quem
prefira definir esse fenômeno como “pseudo-pentecostalismo”.
Alguns sociólogos interpretam o movimento neopentecostal como um pentecostalismo de
terceira onda, ligando-o ao movimento pentecostal histórico que nasce em Belém do Pará nos
anos de 1910 e 1911. No entanto, a hermenêutica da teologia da prosperidade estabelece uma
abordagem diferente à interpretação bíblica do pentecostalismo clássico. Com isso, percebe-se
uma clara divergência nos principais pontos doutrinários desses dois grupos. Nosso propósito
nesse texto é perceber de que maneira essas contraposições afetam a escatologia – doutrina das
últimas coisas.
O Pentecostalismo clássico brasileiro tem como uma das características ter nascido no
seio das camadas menos favorecidas. Embora alguns dos seus pioneiros tivessem formação
acadêmica, a propagação desse movimento nas classes humildes, especificamente no Norte e
Nordeste do Brasil resultou na leitura popular da Bíblia sem nenhum auxílio científico para as
interpretações dos textos sagrados. A adesão de pentecostais vindos do catolicismo se dava na
maioria das ocasiões em reunião simples conduzidas por leigos, que no ápice da celebração fazia
a seguinte prédica: “Jesus salva, cura, batiza e leva o homem ao céu!”. Observemos que em um
dos pontos principais do sermão existe a indicação da volta de Cristo para levá-los ao céu. Essas
pessoas geralmente traziam uma experiência de sofrimento, injustiça, e encontravam nessas
celebrações a esperança de uma vida melhor, embora que não fosse na vida terrena.
A escatologia do Pentecostalismo clássico tem basicamente dois aspectos fundamentais:
primeiro, a concepção da volta iminente de Cristo precedendo a Grande Tribulação 1. Para os
pentecostais Jesus pode voltar a qualquer instante. O pentecostal interpreta passagens bíblicas

1
Na concepção de alguns teólogos a Grande Tribulação será um período de sete anos marcados pelo o governo do
Anticristo e do derramamento da ira de Deus sobre a terra.
como o sermão profético de Jesus à luz dos acontecimentos atuais, sem considerar o sentido
histórico do texto. Para ele a indicação de sinais como guerra, fome, tremores de terra, são
provas incontestáveis que Cristo está voltando. A preocupação com o retorno imediato e
surpreendente de Cristo se evidencia no grande número de literaturas, sermões acerca do assunto.
É comum nos congressos e seminários bíblicos o tema: “Jesus está voltando!”. Essa afirmação
no entendimento do fiel não somente indica a necessidade da espera contínua, mas também
sugere um alívio dos pesares da vida cotidiana. Com essa expectativa o pentecostal encara seus
desafios diários, certo de que, a qualquer instante, Jesus pode chamá-lo ao céu.
Um segundo aspecto da escatologia do Pentecostalismo clássico é a separação da vida
terrena com a vida celestial. A partir da leitura de textos bíblicos como: “... Vós não sois do
mundo” (Jo 15.19), o fiel desperta um sentimento de peregrino. É como se a vida secular não a
pertencesse. Esse sentimento pode ser melhor expressado na letra de uma música do hinário
oficial dos pentecostais, vejamos: “Sou peregrino na terra e longe estou do meu lar, minh'alma
anelante espera que Cristo a venha buscar; aqui só há descrença, as lutas não têm fim, mas de
Jesus, a presença, Glória será para mim! No céu de luz vou descansar, com meu Jesus hei de
morar. Em Cristo tendo já crido, só pela fé viverei, pois Deus me tem prometido, que no céu
descansarei! Eu tenho permanente o bom Consolador, guiando-me brandamente à fonte viva de
amor. Embora às vezes o crente as dores sofra da cruz, gozo terá permanente, quando no céu vir
Jesus de glória coroado no trono divina!, por anjos sempre louvado, num coro celestial”.
(Harpa Cristã, 204).
O culto dos pentecostais históricos não sofreu grandes modificações ao longo desses
quase cem anos. A ênfase escatológica nas pregações, nas músicas tem sido algo presente. Em
virtude disso, ainda é perceptível nas regiões menos desenvolvidas o desinteresse por projetos
sociais, a indisposição de aspirar o sucesso profissional, financeiro, afinal, “Jesus está voltando a
qualquer momento, assim, não vale a pena empregar tempo em coisas efêmeras dessa vida” 2.
Para alguns fiéis das igrejas pentecostais históricas a espiritualidade se resume na espera
incessante da vinda de Cristo, e isso se torna o sentido maior da sua vida.
Portanto, à luz da expectativa de a qualquer momento ser levado ao céu, o pentecostal
enxerga circunstâncias adversas não como desafios a ser superados, mas sim, como obstáculos

2
Idéia comumente defendida por pessoas participantes de igrejas pentecostais históricas. Quem fala mais do assunto
é o Gideon Alencar na obra: “Protestantismo Tupiniquim – hipótese sobre a não contribuição evangélica à cultura
brasileira”.
que provam sua fidelidade ao seu Deus. O resultado disso é a negação do enfrentamento desses
problemas como parte da sua missão. Afinal, para ele vale o que Paulo disse: “Porque a nossa
leve e momentânea tribulação produz para nós cada vez mais abundantemente um eterno peso
de glória; não atentando nós nas coisas que se vêem, mas sim nas que se não vêem; porque as
que se vêem são temporais, enquanto as que se não vêem são eternas”. (II Co 4.17-18).
Os fundamentos teológicos da escatologia pentecostal sofrem grandes desafios com a
ascensão do Neopentecostalismo. Esse movimento que prega a teologia da prosperidade (pode
ser também chamado: “confissão positiva”) – idéia de que o justo não deve padecer necessidades
financeiras, doenças, ou qualquer sofrimento. Afinal, como filhos de Deus, somos seus herdeiros,
com isso, temos direito a todas as riquezas que pertencem a Deus. Para esses pregadores, na
prática, o céu pode ser aqui na terra.
Esse movimento nasceu nos EUA, e teve como seu principal expoente Kenneth Hagin.
Alguns o consideram o pai deste ensino. Uma das características que marcam o esse movimento
são as visões que segundo Hagin, teve em várias experiências místicas. Dentre muitas, se
destacam sua ida ao inferno por três vezes. Essa experiência marcaria sua conversão. Outra, seria
um milagre de uma cura quando ainda adolescente que daria início ao seu ministério. Alguns dos
principais adeptos desse movimento como Benny Hinn, Paul Young Cho, T. L. Osborn, são bem
conhecidos no Brasil e tem várias de suas obras publicadas aqui.
No Brasil o movimento teve grande repercussão. Alguns pregadores do movimento se
destacam pela popularidade como R. R. Soares, líder da igreja Internacional da Graça e um dos
maiores divulgadores do material de Hagin. Porém, segundo Romeiro (1996, p. 20) “é na
Valnice Milhomens que o movimento encontrou maior expressão”. Mas, quais são as principais
idéias do movimento da confissão positiva? Como os valores da pós-modernidade têm
influenciado esse movimento?
No mês de abril do ano de 2007 a revista veja trouxe como reportagem de capa o seguinte
título: “peça, acredite, receba – o maior fenômeno de auto-ajuda da história, „O segredo‟ revive a
crença no pensamento positivo”. Trata-se de um DVD transformado em livro que prega a força
do pensamento positivo. Esse fenômeno que começou nos Estados Unidos mal chegou ao Brasil
já é sucesso. Na verdade, essa é uma indicação da tendência positivista que nossa era revive e
que justifica o impacto ideológico dos pregadores da teologia da prosperidade no Brasil.
As idéias defendidas pelos pregadores da teologia da prosperidade ameaçam a
escatologia do pentecostalismo em pelo menos dois aspectos: primeiro, porque esses pregadores
negam a legitimidade do sofrimento. Se para os pentecostais históricos sofrer faz parte da vida
do cristão, afinal, são provações que precedem a vida eterna com Cristo, para os defensores da
teologia da prosperidade o sofrimento é falta de fé. Na verdade, através de uma série de textos
isolados, e fora de contexto, esses pregadores argumentam suas idéias e tem conseguido
convencer muitas pessoas. Os números comprovam que atualmente são as igrejas que mais
crescem no Brasil. Numa geração antropocêntrica o prazer se torna a busca intensa do ser
humano.
As denominações expoentes da Teologia da Prosperidade dispõem de amplos recursos de
divulgação. Programas diários em canais de televisão abertos, jornais e revistas periódicas que
circulam por todo Brasil, programas radiofônicos que acessam os lugares mais remotos. Essas
igrejas exploram o poder midiático com “testemunhas referenciais” 3, assim atraem fiéis aos seus
templos em busca de cura. Um exemplo claro disso é o programa “Show da Fé” que é
apresentado pelo missionário R. R. Soares da igreja Internacional da Graça. Como afirma
Gondim (2006, p.23), “ser abençoado tornou-se quase obsessão evangélica nacional”
Em virtude disso, as pessoas são levadas a pensar no futuro não desejando ir ao céu, mas
esperançosas que algo positivo aconteça e elas passem a viver o céu na terra. Um exemplo disso
é o foco que se dá a contribuição financeira. O pentecostal histórico pensando na volta iminente
de Cristo foi ensinado a ofertar porque não devemos nos apegar aos bens terrenos. Usavam
inclusive o texto do sermão do monte em que Jesus disse: “Não ajunteis para vós tesouros na
terra; onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões minam e roubam; mas ajuntai
para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consumem, e onde os ladrões
não minam nem roubam” (Mt 6.19-20).
Em contrapartida o neopentecostal influenciado pela teologia da prosperidade, enxerga a
oferta como um meio de lucrar. Vejamos a letra de uma música do grupo Renascer Praise, grupo
da Igreja Renascer em Cristo, uma das igrejas representantes do movimento neopentecostal no
Brasil, que ilustra bem isso:
“Dê e Deus te devolverá mui grande medida sacudida e transbordante. Dê e Deus te devolverá.
Então dê, dê ao Senhor dê em amor, dê em fé, dê feliz com um sorriso no rosto, como o Senhor

3
Conceito do livro o comércio do sagrado. p. 25
tem dado a você. Quando você der a Deus, Ele te abençoará. Dê de coração, dê o melhor, crê
em Deus pois as bençãos vem dele. Não segure e nem retenha quando você der a Deus, Ele te
abençoará. Muita gente erra quando não oferta a Deus e não entende que só é dessa forma que
as bençãos vêm. E a vida abundante você poderá ter quando você realmente der. Prove a Ele
então. Dê e Deus te devolverá, mui grande medida sacudida e transbordante dê e Deus te
devolverá. Então dê, dê ao Senhor. Então dê, dê ao Senhor. Então dê, dê ao Senhor”.
O segundo aspecto da teologia da prosperidade que ameaça a escatologia do
pentecostalismo histórico é busca pela prosperidade material. As denominações adeptas da
Teologia da Prosperidade usam vários mecanismos de convencimento a fim de ganharem mais
fiéis. Suas igrejas geralmente são catedrais enormes, localizadas nos grandes centros das
principais cidades do Brasil. Através de uma oratória impecável os pregadores da prosperidade
se valem de textos bíblicos para justificar seus argumentos em favor da prosperidade material.
Eles tomam passagens bíblicas do Antigo Testamento e usando o exemplo de homens que foram
prósperos como Abraão, Isaque, incitam os fiéis viverem uma fé semelhante à desses heróis,
afim de obter bens materiais. Segundo esses pregadores “é dado poder ao crente de interferir na
vontade de Deus, sendo-lhe ensinado a recitar determinados versículos bíblicos de forma
imperativa, empregando para isso os verbos como declarar, determinar e ordenar”. (BARROS,
2004, p.55).
Outro meio de convencimento é o exemplo de pessoas que antes do contato com a
denominação estavam supostamente falidas, porém, ao exercitarem a fé superaram as crises, e
podem testemunhar o restabelecimento dos negócios.

Uma grande revolução está ocorrendo no meio do povo de Deus. Antigamente era ensinado que
para uma pessoa agradar a Deus, ela deveria ser pobre e passar privações...Hoje há milhares de
filhos de Deus que estão começando a tomar posse da herança que temos em Cristo Jesus. Por
todos os lados vemos pessoas contar os mais lindos testemunhos de prosperidade...Se você ousar
crer em Deus e assumir a sua posição na palavra de Deus determinando a sua prosperidade, assim
será (BITUM apud R. R. SOARES, 1996, p 27).

Alguns valores da pós-modernidade estão nitidamente imiscuídos na chamada Teologia


da Prosperidade. Observamos que, se por um lado o pluralismo defende a tolerância e a
convivência com idéias opostas, por outro lado, acentua o subjetivismo e a ênfase no “eu”. Com
isso, o indivíduo mergulha numa busca desenfreada pelo prazer. Essa sede insaciável pelo
“querer mais”, resulta na necessidade de “ter mais”. Assim, como denuncia Gondim, “as igrejas
se transformam em ilhas da fantasia capitalista” (2006, p.53).

Referências Bibliográficas:
ROMEIRO, Paulo. Supercrentes: o Evangelho Segundo Kenneth Hagin, Valnice
Milhomens e os Profetas da Prosperidade. São Paulo, SP: Mundo Cristão, 1996.

ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise. São Paulo, SP: Mundo Cristão, 1999.

BITUM, Ricardo. O Neopentecostalismo e Sua Inserção No Mercado Moderno. 1996.


Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Universidade Metodista de São Paulo,
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

GOUVÊA, Ricardo Quadro. A Piedade Pervertida: um manifesto anti-fundamentalista em


nome da Teologia de transformação. São Paulo, SP: Grapho, 2006.

GONDIM, Ricardo. O que os evangélicos não falam: dos negócios a graça, do desencanto a
esperança. Viçosa, MG: Ultimato, 2006.

BARRO, Jorge Henrique. Uma igreja sem propósito. São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2004.

STOTT, John R. W. Contracultura Cristã. São Paulo, SP: ABU, 1978.

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