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É necessário ir além dos 30%

28-fev-2016

São quase 3 kg de tilápia para produzir 1 quilo de filé. É assim que explicamos a um
leigo porque o filé da tilápia é tão valorizado. Obviamente os supermercados e
consumidores não estão nem aí se são três, dois ou um quilo de tilápia para fazer
um quilo de filé.
 

Por:
Fernando Kubitza, Ph.D.
Acqua Imagem Serviços em Aquicultura
fernando@acquaimagem.com.br

Os supermercados compram o filé pensando nas possíveis margens que podem


obter com a venda no varejo. O consumidor busca o prazer de consumir uma carne
que lhe agrada, porém, pensando no uso racional do seu dinheiro. No atual
momento de fragilidade econômica, desemprego e aumento de preços, os
consumidores levam ainda mais a sério o custo/benefício do que compram. O filé de
tilápia é hoje um dos produtos de pescado mais valorizados no mercado. Apesar
disso, os produtores e frigoríficos continuam trabalhando com margens apertadas,
enquanto o varejo opera com consideráveis margens e mínimo risco nas vendas de
tilápia. No meu entender, uma peça chave para conferir maior competitividade e
lucratividade ao longo de todo o setor é o aproveitamento mais nobre de parte
desses dois quilos de subprodutos que hoje, invariavelmente, acabam virando
farinha, óleo ou hidrolisado de peixe para uso em ração animal, quando não
acabam no lixo.

A oportunidade

Hoje grande parte das crianças come muito pouco pescado. Mas crianças são loucas por nuggets,
hambúrgueres, linguicinhas, bolinhos, e outros produtos convenientes e de alto valor agregado, feitos
com carnes de outros animais, particularmente aves e bovinos. E, embora as mães zelosas ainda se
preocupem em prover alimentos mais saudáveis aos seus filhos, a seletividade alimentar e a insistência
das crianças, aliada à conveniência do preparo desses produtos, acabam vencendo a queda de braço
entre o saudável e o que os filhos comem com prazer. A indústria avícola compreendeu bem isso e, com
competência, tem diversificado sua gama de produtos, pensando no público infantil e na conveniência.
E, na percepção das progenitoras, os produtos convenientes de frango e peru geralmente são mais
saudáveis do que os de bovinos e suínos. Obtidos a partir de carne recuperada no processamento
(aparas e CMS – carne mecanicamente separada), mesclada com proteína texturizada de soja, farinhas
vegetais, condimentos e algum tipo de aglutinante, esses produtos são vendidos a preços que,
invariavelmente, superam o preço do próprio filé do peito de frango, que é o produto mais nobre da
avicultura.

Enquanto a indústria avícola se esmera na oferta de produtos convenientes e de alto valor agregado, os
frigoríficos de pescado no país têm poucas opções nessa linha. Há alguns produtos elaborados a partir
de pescados provenientes da pesca ou de cultivo, em especial o salmão, a polaca e a merluza. Entre os
frigoríficos que processam tilápia, a recuperação de aparas de filetagem e de CMS para transformação
em produtos convenientes ainda é pouco explorada. Dar um destino nobre a esses subprodutos do
processamento é um desafio que os empresários do setor terão que abraçar. A transformação de parte
desses subprodutos (aparas do filé 3 a 4%, carne da barriga 12 a 14% e carne aderida ao esqueleto dos
peixes 10 a 14%) permitiria elevar a recuperação da matéria prima (tilápia) dos atuais 30% para pelo
menos 50%. E isso também vai servir para outras espécies cultivadas, como o tambaqui e o pintado,
quando alcançarem a escala de processamento que hoje já alcança a tilápia.

Foto 1. Carcaças de tilápia (com barriga, carne aderida e vísceras) que serão
transformadas em farinha

Esse adicional de carne pode virar produtos de alto valor agregado e convenientes como nuggets,
bolinhos, hambúrgueres, presuntos e embutidos. Além dos ganhos diretos à indústria, com a redução de
resíduos e incremento nas receitas e lucratividade, a oferta de uma gama maior de produtos,
especialmente de apelo ao público infantil, pode ajudar a resgatar o hábito e interesse das crianças,
contribuindo assim para a fidelização e aumento do consumo de pescado no médio e longo prazo.

Um grupo de pesquisadores da Embrapa elaborou um boletim com um balanço de massa no


processamento da tilápia. (Documentos 164
http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/103036/1/DOC13010.pdf ). Em síntese, esse
boletim sugere que a partir de 100 kg de tilápia são obtidos 25 kg de filés sem pele e espinhas, e quase 30
kg de CMS a partir das aparas de filés e da carcaça com carne aderida ao esqueleto e barriga. Ou seja,
mostram a possibilidade de aproveitar até 55% da tilápia. Utilizando um cálculo simples como o
sugerido no boletim, se a atual produção de tilápias no Brasil (próximo de 260 mil toneladas em 2014)
fosse inteiramente destinada à produção de filé, seriam obtidas 65.000 toneladas de filés e 75.400
toneladas de CMS. Esse volume de CMS é significativo e precisa ser recuperado e transformado em
produtos de pescado de alto valor agregado.
Fotos 2. Carcaças de tilápia com barriga e carne aderida que podem ser recuperadas e transformadas em CMS (“carne
mecanicamente separada” ou “polpa” de pescado).  Equipamentos para extração da CMS e formatação de blocos de
CMS em bandejas para posterior congelamento. Alguns frigoríficos comercializam blocos congelados de  polpa de tilápia
“in natura”. Mas há poucas iniciativas de elaboração de produtos com alto valor agregado a partir da CMS

Sustentabilidade e competitividade

Os mercados estão cada vez mais globais e competitivos. Pescados de diversos países são encontrados
nos supermercados do Brasil, inclusive produtos da aquicultura, como o salmão e o pangasius. A
possibilidade do país importar tilápia e camarão marinho traz preocupação ainda maior ao setor, que
precisará reagir com aumento de eficiência, equilibrado com sustentabilidade. Dessa forma, se temos
alguma pretensão de consolidar uma produção de alimento sustentável através da aquicultura,
precisaremos, sem dúvida, melhorar o aproveitamento dos peixes que produzimos, a começar pela
tilápia, principal espécie de peixe cultivada no país. Hoje, um quilo de filé de tilápia carrega
praticamente sozinho o custo de produção, transporte e processamento de 3 kg de matéria prima. Na
Tabela 1, baseada em cálculos simples, estimamos o impacto da melhora na conversão alimentar ou do
aumento na recuperação da matéria prima (como CMS) sobre a redução no custo de matéria prima por
quilo de filé. Partimos da premissa de que são necessários 100 kg de tilápia para produzir 30 kg de filés.
Também consideramos que a ração representa 65% do custo total de produção. Dessa forma, o custo
para produzir uma tilápia de 1 kg com uma ração de 32% PB (R$ 1,40/kg) e conversão alimentar de 1,8
será de R$ 3,88/kg. Considerando esse o mínimo custo da matéria prima que chega ao frigorífico, e o
aproveitamento de 30% na forma de filé, o custo mínimo de matéria prima por quilo de filé pode ser
calculado em R$ 12,92/kg, sem que haja transformação de aparas e da carne aderida na carcaça em CMS.
Na realidade, a matéria prima tem custo um pouco maior do que isso, devido às despesas com
transporte vivo ou no gelo até o frigorífico. Ainda há que se considerar que muitos frigoríficos compram
tilápia de terceiros, e pagam R$ 4,30 ou mais por quilo. Esses adicionais de usto podem ser multiplicados
por três na composição do quilo do filé. Enfim, considerando o custo base de matéria-prima de R$
12,92/kg de filé, havendo uma melhora na conversão alimentar de 1,8 para 1,6 (11,1% de redução no uso
de ração), podemos esperar uma redução de R$ 0,93/kg no custo do filé, em função da simples redução
do custo de produção da tilápia. Se a conversão alimentar cai de 1,8 para 1,5 (redução de 16% no uso de
ração), o custo do filé deve ficar R$ 1,40/kg menor. Por outro lado, uma recuperação adicional de 10% da
matéria prima como CMS (além do filé), haverá redução de R$ 5,65 no custo do quilo do filé. Com uma
recuperação de CMS da ordem de 20% (ou seja, aproveitamento de 50% da tilápia) é de se esperar uma
redução de R$ 8,27 por quilo de filé. Mesmo que a CMS seja vendida ao seu preço de custo, o frigorífico
seria capaz de aumentar sua lucratividade com a venda do filé simplesmente por produzir o filé a um
custo consideravelmente menor. Esses números são muito significativos.

Tabela 1. Redução do custo do quilo de filé de tilápia proporcionada com ganhos em conversão alimentar ou com aumento na
recuperação da matéria prima (MP) na forma de CMS –
carne mecanicamente separada em adição aos que normalmente se recupera na forma de filé sem pele e com decote em”V” | *Os
cálculos apresentados nessa tabela consideram: Ração 32% PB a R$ 1,40/kg; Ração representa 65% do custo de produção; Custo de
produção da tilápia = R$ 3,88/kg (com base em uma CA de 1,8). Com aproveitamento exclusivo de filé (30%) o custo de matéria
prima por quilo de filé foi estimado em R$ 12,92. Nesses cálculos não foram considerados os custos com transporte e eventuais
perdas antes do processamento.

Vendo as ações do setor, noto claramente que há uma leitura errada de como melhorar a lucratividade
de produtores e frigoríficos de tilápia. De um modo geral, há um esforço imenso para minimizar o custo
de produção da tilápia nas fazendas, com negociações intermináveis com os fabricantes de ração sobre
preço e décimos de conversão alimentar. Apesar de, obviamente, ser importante abaixar o custo de
produção da tilápia, é de se esperar um maior impacto no custo dos produtos da tilápia e na
lucratividade do setor com o empenho dos frigoríficos em melhorar o aproveitamento da matéria prima.
Enquanto isso não ocorre, os preços pagos aos produtores são mantidos no limite do que os frigoríficos
podem pagar para terem alguma margem com a venda de filé. Como resultado, criadores e frigoríficos
seguem trabalhando com margens cada vez mais reduzidas diante dos constantes aumentos nos
insumos e recursos de produção. E os produtores, em especial, expostos aos diversos riscos envolvidos
na produção (doenças, problemas de qualidade de água, escassez de água, excesso de chuvas, etc.). Do
outro lado, vemos a venda do filé de tilápia fluindo com boa margem de lucro aos supermercados. Filés
vendidos pelos frigoríficos entre R$ 22,00 e 28,00/kg são comercializados no varejo entre R$ 39,00 e
44,00/kg (Fotos 3).

 
Fotos 3. Filés de tilápia frescos R$ 39,99/kg em supermercado no Rio de Janeiro. Tilápia inteira R$ 16,99/kg
em supermercado no Rio de Janeiro, um preço realmente surpreendente, visto que o frigorífico vende essa
tilápia inteira para os supermercados a preços entre R$ 5,80 a R$ 6,50/kg. Filé de tilápia congelado R$
44,65/kg, como anunciado em site de um hipermercado no Rio de Janeiro em 14/03/2016. Ou seja, as
empresas do varejo estão operando com altas margens em cima do filé e mesmo da tilápia inteira

Com o melhor aproveitamento da matéria prima, seria possível reduzir o custo de produção dos filés,
aumentando a lucratividade dos frigoríficos. Com isso acreditamos ser possível ofertar preços melhores
aos criadores, um estímulo a mais para que continuem aumentando seus volumes de produção.

Tecnologia está disponível, mas ainda pouco aproveitada no Brasil

O Brasil conta com suficiente tecnologia para o aproveitamento e agregação de valor a subprodutos da
indústria animal. No caso específico do pescado, tem sido exaustivamente demonstrada a possibilidade
de transformar aparas e carne mecanicamente separada (CMS ou polpa) em produtos de alto valor
agregado e convenientes para o preparo e consumo.

Eu mesmo já vi muita criatividade e desenvolvimento por parte de produtores, profissionais de


frigoríficos e pesquisadores que se dedicam ao processamento da tilápia no Brasil. E, certamente, ainda
não vi tudo. Hambúrgueres, bolinhos, quibe, coxinhas, nuggets, linguiça, asinha, casquinha de peixe,
mistura para escondidinho, farinha enriquecida com pescado, presunto e salgadinhos (estufadinhos) são
alguns dos produtos que podem ser preparados a partir de subprodutos do processamento (Fotos 4). No
entanto, como esse aproveitamento ainda não ocorre em escala comercial no Brasil, as aparas e a carne
aderida ao esqueleto das tilápias e outros pescados acabam indo para o lixo ou, na melhor das
hipóteses, sendo transformadas em óleo, farinhas ou hidrolisados para uso em ração animal.

 
Fotos 4. Algumas iniciativas de produtos convenientes de pescado registradas em “sites”
de empresas de pescados brasileiras: a) escondidinho de tilápia, em alusão a um prato
típico do Nordeste (Copacol) ; b) bolinho com bacalhau (Leardini Pescados); c) produto
inspirado em casquinha de siri, feito com carne de salmão (Damm Pescados)

O alto investimento em instalações e equipamentos, a necessidade de montar uma indústria à parte do


frigorífico e o pequeno volume (escala) de processamento são alguns dos motivos pelo qual os
subprodutos da filetagem ainda não estão sendo plenamente aproveitados como matéria prima em
alimentos de alto valor agregado. Executivos e proprietários de alguns frigoríficos ainda acrescentam o
grande esforço e investimento necessário em propaganda e marketing para encarar a concorrência com
produtos similares produzidos pelos frigoríficos de frango e outras carnes.
No entanto, como o volume de subprodutos nos frigoríficos de tilápia ultrapassa 50% do total de
pescado processado (após separado o filé e descartados escamas, pele e vísceras), não acho que escala
seja uma limitação. Quanto ao investimento em equipamentos e infraestrutura específica para o
aproveitamento e transformação dos subprodutos, posso até concordar. Mas as outras indústrias de
carne também arcam com esses mesmos investimentos, ou seja, é parte necessária no negócio, assim
como os esforços de marketing. Quanto à competição e necessidade de marketing/divulgação, devemos
acreditar que os produtos de valor agregado feitos com pescado podem até mesmo levar uma vantagem
em relação aos similares feitos com outras carnes: as mães esclarecidas certamente reconhecem o
pescado como um alimento importante ao desenvolvimento e saúde dos seus filhos, e não hesitariam
em experimentar os convenientes produtos elaborados com carne de peixe. E, havendo uma primeira
experiência positiva, e não faltando produto nas prateleiras, certamente o consumidor será fidelizado.

Cooperação e parcerias para superar as limitações

O alto investimento, a pequena escala e o esforço e custo de marketing, se realmente forem limitações,
poderiam ser contornados com um investimento compartilhado. Alguns frigoríficos dividiriam o
investimento em instalações, equipamentos e ações de marketing. Essa união de forças viabilizaria
também o suprimento de matéria-prima (aparas e CMS) no volume necessário para sua operação. Os
frigoríficos participantes precisariam apenas investir nos equipamentos para extrair e lavar a CMS. Os
equipamentos para misturar, empanar, cozer, assar, fritar e congelar os produtos obtidos seriam parte do
investimento compartilhado. Então, os frigoríficos encaminhariam para essa indústria a proporção exata
de CMS e aparas/filés para serem misturadas aos demais ingredientes. A indústria transformaria o
material em produtos convenientes e de alto valor agregado, como hambúrgueres, embutidos, bolinhos,
nuggets, kibes, presunto, etc. Cada frigorífico recebe sua cota de volta em produtos já embalados e se
encarregariam da distribuição. As empresas (frigoríficos) associadas dividiriam as despesas com
manutenção e operação dessa indústria, além das despesas com propaganda e promoções. A iniciativa
poderia ainda contar com o apoio de uma associação, regional ou nacional para intensificar ainda mais
as ações de marketing, beneficiando o setor como um todo.

“Pancinha” de tilápia – um produto para aproveitar imediatamente


Há aproveitamentos que demandam muito pouco investimento e podem ser imediatamente
implementados pelos frigoríficos. É o caso do aproveitamento da barriga da tilápia. Durante uma visita a
um frigorífico de Taiwan (China), em 2014, fui indagado se seria possível identificar frigoríficos no Brasil
que pudessem fornecer barriga de tilápia para eles, em Taiwan. A barriga tinha que ser intacta (sem
corte). Certamente isso não seria difícil, pois grande parte dos frigoríficos daqui filetam a tilápia sem
eviscerar o peixe. E o esqueleto, juntamente com a barriga, invariavelmente vai para o lixo ou vira
farinha. Disse que iria verificar isso na volta ao Brasil. Animado, um dos diretores do frigorifico taiwanês
mandou que trouxessem uma amostra do filé da barriga da tilápia que eles produziam (Fotos 5).
Informou ainda que a barriga, do modo que eles processavam – separando das costelas a carne da
barriga e espalmando a peça -, resultava em um filé que correspondia a 12-14% do peso da tilápia
inteira. E, ainda mais animado, e na boa fé, disse que mandaria uma pessoa de Taiwan para treinar os
filetadores no Brasil na preparação desse corte. Sem querer cortar o barato do colega Taiwanês, mas já
jogando nele um balde de água fria, disse a ele que, se os brasileiros aprendessem a fazer esse corte,
nunca mais ele receberia uma barriga de tilápia do Brasil em Taiwan.
Fotos 5. Carcaça de tilápia após a filetagem, com a barriga preservada, além de conter muito carne aderida ao
esqueleto. No prato, a barriga da tilápia já separada, com as costelas e após a retirada das costelas. Esse produto,
feito por um frigorífico taiwanês, por si só, possibilita recuperar entre 12 e 14% da tilápia inteira. Isso desonera o filé e
aumenta a lucratividade dos frigoríficos
Alguns dias após a visita, olhando o setor de pescados em um supermercado de Taiwan, eu acabei
encontrando a tal barriga da tilápia, pré-cozida e marinada. Comprei uma quantidade suficiente para
provar mais tarde, quando estivesse de volta ao hotel. O produto marinado, pronto para consumo, além
de prático, era realmente muito gostoso. Como a carne da barriga geralmente tem um teor mais elevado
de gordura, eu acredito que esse produto ficaria ainda melhor defumado. E fiquei pensando… com tanta
criatividade no Brasil, por que um produto desse ainda não apareceu no mercado? Acho que nunca
deram muito crédito ou valor à barriga da tilápia. Mais fácil deixar junto com a carcaça. Mas tenho
certeza que, após essa matéria, muitos frigoríficos vão se empenhar em aproveitar esse corte. Afinal, 12 a
14% a mais de aproveitamento não podem ser desprezados. No Brasil esse corte poderia se chamar
“pancinha” de tilápia. Um bom desenvolvedor de produtos e cortes rapidamente descobre como separar
essa “pancinha” dos ossos da costela. Obviamente que o processo no frigorífico vai ter que ser ajustado.
As vísceras vão ter que ser retiradas previamente ou após a filetagem, sem cortar a barriga. Isso pode ser
feito por sucção das vísceras através da boca dos peixes usando uma máquina de vácuo. Aliás, eu
particularmente acredito que essa é uma das melhores formas de eviscerar um peixe, pois realmente
suga todo o conteúdo visceral e usa pouca água, já que não é preciso lavar a cavidade abdominal.

Exemplos de agregação de valor por outras indústrias de pescado cultivado

Há alguns meses convivo de perto com o setor do catfish nos Estados Unidos. Essa indústria, que
produzir 300 mil toneladas no final do milênio, hoje produz metade desse volume, Sufocada pela
competição com catfish importado da Ásia. Mesmo assim, as 150 mil toneladas de produção ao ano
garante escala para que os frigoríficos se empenhem em transformar partes menos nobres e aparas da
filetagem em alimentos de valor agregado (especialmente empanados como nuggets, tiras ou iscas de
peixe, bolinhos e outros produtos). A produção de tilápia e peixes redondos no Brasil já supera 450 mil
toneladas e, praticamente, não agregamos valor a nenhum subproduto. Deve ser por que no Brasil o
dinheiro tá sobrando e podemos mandar todo o resíduo para a fábrica de farinha ou para o lixo.

Além da indústria do catfish, diversas outras empresas de pescado nos EUA e de outros países
aproveitam de forma eficiente os subprodutos gerados na filetagem, transformando-os em produtos de
alto valor agregado. Neste último mês de março, participei da Feira de Pescado de Boston (Seafood Expo
North America), uma das maiores feiras do setor, e fiquei impressionado com a diversidade de produtos
de alto valor agregado e conveniência que hoje estão disponíveis no mercado. Sem entrar na linha de
pratos prontos feitos a base do filé, mas apenas me limitando aos produtos obtidos com CMS e aparas do
processamento, encontrei hambúrgueres (desde apenas a carne até aos hambúrgueres completo com
pão, molho, saladas e picles, de acordo com a receita, prontos para aquecer e comer), tortas, bolinhos,
coberturas para pizza, entre outras opções feitas com subprodutos do processamento de peixes (Fotos
6).
 
Fotos 6. Tiras e hambúrger de polaca e bolinhos e hamburgueres de salmão. Filés de tilápia
temperados e pré cozidos, prontos para o preparo em micro-ondas ou forno convencional

Considerações finais

Não vai tardar muito para que filés de tilápias cultivadas na Ásia cheguem ao atrativo mercado brasileiro
e compitam diretamente com os produtos nacionais. Infelizmente, ainda temos uma cultura enraizada
no protecionismo, na ideia de que o governo, a todo custo, deve blindar um setor para que ele se
desenvolva. Essa blindagem, no entanto, acaba minando com a evolução, inovação e busca por
competitividade. Certamente que devemos cobrar do governo medidas que possam melhorar a
competitividade do setor, como a redução de impostos sobre insumos e produtos, adequação de leis
trabalhistas, investimentos em obras de infraestrutura, redução da burocracia, etc. Mas também temos
que fazer o dever de casa, melhorando processos e qualidade e desenvolvendo novos produtos e
soluções. Os frigoríficos que processam tilápia e outros pescados cultivados no Brasil precisam
continuar avançando em busca de competitividade e sustentabilidade. Para isso, será imprescindível dar
um destino mais nobre aos 70% de subprodutos que sobram após a filetagem. A extração da CMS e
aproveitamento de cortes diferenciados, como a barriga e “asinha” da tilápia, por exemplo, vão
proporcionar a obtenção de produtos de alto valor agregado, abrindo perspectivas de maior
lucratividade aos frigoríficos e competitividade ao setor como um todo. Vamos começar a nos preparar
antes dos produtos asiáticos chegarem ao nosso mercado e, quem sabe, um dia chegará a nossa vez de
exportar pescado para eles.

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