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A China e a globalização

por Raymundo Negrão Torres em 04 de outubro de 2004

Resumo: A China está entre os poucos países que decididamente apostaram na globalização e
correram seus riscos.

Os dados conhecidos sobre o desempenho da economia chinesa não justificariam o barulho


com que são alardeados os resultados do seu capitalismo especial, pois, ainda que apreciáveis
em termos absolutos, não se mostrariam tão brilhantes, como se pode deduzir de alguns
dados. Por exemplo: embora o PIB chinês tenha registrado aumentos expressivos de 2,7% em
1978, 7,3% em 1985 e 10,4% em 1989, o país apresenta imensas distorções que só tendem a
aumentar. A renda per capita dos chineses é medíocre, pois corresponde a um terço da renda
dos brasileiros que, por sua vez, não é das mais brilhantes. Em conseqüência, o enorme
mercado interno não tem o poder de compra que muitos imaginam, em decorrência dos baixos
salários e também porque o desenvolvimento restringe-se às regiões costeiras que concentram
90% dos investimentos externos e 70% das exportações, restando ao interior a concentração
de 88% dos pobres do país. O salário médio urbano na China é hoje, em pleno “boom”
capitalista, de apenas 78 dólares.

Outras vulnerabilidades são resultado da pesada herança da estatização. Em 1978, ao tempo


em que o nosso ministro Delfim Netto descobria alarmado que havia cerca de 600 estatais no
Brasil, na China elas somavam 170 mil, ao custo da virtual falência dos bancos, também
estatais, que ainda hoje registram inadimplências que chegaram, em 2002, a equivaler aos 304
bilhões de dólares das exportações. Esses números são, em boa medida, resultantes da
euforia dos consumidores com a sensação instantânea de riqueza mas que, sem a
correspondente fonte de renda para sustentá-la, se endividam.

Na verdade, a China está entre os poucos países que decididamente apostaram na


globalização e correram seus riscos, abrindo-se às importações e aos investimentos
estrangeiros, ao custo do fechamento de grande número de empresas estatais, com o
desemprego de dezenas de milhões de trabalhadores. Este ano, a China deverá ultrapassar os
Estados Unidos como a maior receptora de investimentos estrangeiros que atingirão cerca de
sessenta bilhões de dólares, o que explica o fato de mais da metade das exportações chinesas
serem produtos de fábricas estrangeiras operando no país.

Pela grandeza dos números de sua economia e pela agressividade que tem revelado na área
externa, a China tende a se transformar em um parceiro muito importante na economia
mundial, para o bem ou para o mal. Seu desempenho é apontado como uma das causas da
tendência de recuperação da economia japonesa, há mais de uma década patinando nas
incertezas geradas pelos efeitos tardios das imprudências cometidas nos alegres anos do
“milagre”. Em 2003, 80% do acréscimo das exportações japonesas foi resultante de compras
da China. Segundo recente relatório do Banco de Desenvolvimento da Ásia, a China é
atualmente o maior consumidor mundial de cobre, estanho, zinco, aço e minério de ferro; o
segundo de alumínio e chumbo e o terceiro de níquel. Isto destina-se a sustentar uma
economia que já produz 25% do total mundial de aparelhos de TV e de máquinas de lavar e a
metade das máquinas fotográficas e foto-copiadoras. Não é por outro motivo que a balança
comercial da China com os Estados Unidos já superou a do Japão e no ano passado registrou
um déficit contra os americanos de 103 bilhões de dólares, apesar de ter a China se tornado
um dos mais atrativos mercados para produtos americanos. Em compensação, os chineses
vêm ajudando a economia americana como tomadores de cerca de 120 bilhões em títulos do
Tesouro americano, com o que dão estabilidade à sua moeda e favorecem o preço de seus
produtos de exportação.

Um dos setores mais afetados pelo crescimento da economia chinesa é o da energia,


especialmente o do petróleo. Os recursos domésticos são insuficientes para sustentá-lo, pois a
China utiliza largamente o carvão, o que a torna um dos maiores poluidores do planeta. Há dez
anos exportava petróleo, hoje é o 2º maior importador, tendo superado o Japão, sendo um dos
responsáveis pela elevação do preço internacional do petróleo. Não obstante, a escassez de
combustível – usado largamente para produção de eletricidade – tem levado a blecautes que
vêm fechando grande número de fábricas. Os automóveis – quando milhões de chineses estão
vivendo a experiência capitalista e burguesa de comprar seu primeiro carro – serão outros
grandes consumidores. Em 2003, foram vendidos na China mais de dois milhões de
automóveis. A continuar nesse ritmo, teríamos uma projeção de cerca de cem milhões de
veículos rodando nas estradas chinesas daqui a dez anos. Isto acirrará a já competitiva disputa
mundial pelo óleo.

Diante desse quadro, sensivelmente agravado pela instabilidade no Oriente Médio, os chineses
têm buscado de todas as formas conseguir parcerias e concessões onde quer que haja
perspectiva de obter combustível. A China – que já havia se tornado uma ameaça aos
interesses americanos na Indonésia - voltou-se para a Rússia com quem suas diferenças
ideológicas e políticas já ficaram no passado. Há cerca de um ano, o presidente Hu Jintao foi a
Moscou para referendar um acordo petrolífero de 25 anos, avaliado em 150 bilhões de dólares,
entre a estatal chinesa CNPC e a maior empresa petrolífera russa, Yukos, para a construção
de um oleoduto de 2400 quilômetros, com capacidade de meio milhão de barris por dia, ligando
o terminal siberiano de Angarsk a Daqing. Mas, quando tudo parecia resolvido, o Japão - que
importa quase todo o óleo que consome - contra-atacou e, oferecendo maiores vantagens,
conseguiu dos russos maneira de ultrapassar os campos chineses, levando um oleoduto
diretamente para o porto asiático de Nakhodka, solução muito mais vantajosa, pois facilitará a
exportação do óleo russo para seus fregueses asiáticos e mesmo para os Estados Unidos.
Para mal dos pecados, seu maior aliado e alvo de seus lobistas, o próprio presidente da Yukos
acabou preso por sonegação de impostos e isso selou de vez a sorte do acordo. Os chineses
perceberam o que é a “guerra do petróleo”.

No Oriente Médio, a China – que possuía, desde 1997, um acordo com Saddam Hussein para
explorar petróleo no Iraque e durante o “embargo” da ONU recebia óleo contrabandeado que
atingia cerca de 4 milhões de barris por ano – reabriu sua embaixada em Bagdá e pretende
participar de uma fatia na exploração do óleo iraquiano após a desocupação do país. Além
disso, procura estabelecer relações com a Arábia Saudita, oferecendo-lhe a oportunidade de
investimentos na China nas instalações petrolíferas de Fujian, em troca da concessão à
empresa chinesa Sinopec de uma vasta área para exploração de gás. Há notícias de que a
China busca acordos petrolíferos com Sudão, Angola, Líbia, Gabão, Chad, Nigéria e Austrália.
Sem falar no alardeado acordo com a nossa Petrobrás.

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