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Guia Compacto

do Processo Penal
conforme a Teoria dos Jogos
www.lumenjuris.com.br
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João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida
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Alexandre Morais da Rosa
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Folha de Rosto
Alexandre Morais da Rosa
Doutor em Direito (UFPR);
Professor de Processo Penal da UFSC; Juiz de Direito (TJSC).
dos programas de Mestrado e Doutorado, em Direito,
da UFSC e UNIVALI.
Guia Compacto
do Processo Penal
conforme a Teoria dos Jogos
Editora Lumen Juris
Rio de Janeiro
2013
Créditos
Copyright © 2013 by Alexandre Morais da Rosa
Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Produção de ebook
S2 Books
A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pela
originalidade desta obra nem pelas opiniões nela manifestadas por seu Autor.
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive
quanto
às características gráficas e/ou editoriais.
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no 6.895,
de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no
9.610/98).
Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Ros788 Rosa, Alexandre Morais da.
Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos /
Alexandre Morais da Rosa. — 1. Ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2013.
ISBN 978-85-375-2235-6 (broch.)
1. Processo Penal – Brasil. 2. Teoria dos jogos.
I. Título.
CDD 345.8105
Agradecimentos
Dedico este Guia aos parceiros de caminhada, em especial aos alunos da UFSC. Valeu
“Morcegada”, UNIVALI, ao pessoal da 4a Vara Criminal de Florianópolis e da Turma de
Recursos. Aos amigos Jacinto Coutinho, Aldacy Coutinho, Lenio Streck, Aury Lopes
Jr, Diogo
Malan, Júlio Marcellino Jr, Juliano Keller, Rodrigo Mioto, Jonas Ramos, Marli
Modesti, Deise
Krantz, Gláucio Vincentin, Eugênio Pacelli, Rosivaldo Toscano, André Karam
Trindade, Rafael
Tomaz de Oliveira, Clarisse Tessinari, Clara Roman Borges, Marco Marrafon, Sylvio
Lourenco
da Silveira Filho, Juarez Tavares, Geraldo Prado, Rubens Casara, Leonardo Costa de
Paula,
Márcio Staffen, Fernanda Becker, Izaura Hack, Aline Gostinski, Ana Cláudia Pinho,
Gabriel
Divan, Alexandre Matzbacher, Ilidia Oliveira, Alexandre Bizzoto, Elmir Duclerc,
Maria
Claudia Antunes de Souza, Jaqueline Quintero, Paulo Ferrarezi, Alexandre Simas
Santos,
Juliano Bogo, Alceu de Oliveira Pinto, Paulo Cruz, Jorge Andrade, Sérgio
Cademartori, Sérgio
Graziano, Nereu Giacomolli, Aramis Nassif, Alice Biachini, Rosberg Crozara,
Leonardo de Bem,
José Antônio Torres Marques, Maurício Zanóide, Ruth e Gabriel Gauer, Álvaro Oxley
Rocha,
Marcelo Carlin, Felipe Amorim Machado, Flaviane Barros, Cristiano Mabilia, Gustavo
Noronha Àvila, Thiago Fabres de Carvalho, Ilton Robl, Chico Monteiro Rocha, Felippe
Borring
Rocha, Guilherme Merolli, Salo de Carvalho, Marcelo Pertille, Marcelo Pizolati,
Guilherme
Boes, Giovani Saavedra, Rui Cunha Martins, Aroso LInhares, Adriano Lima, Márcio
Rosa,
Leandro Gornick, Maurício Salvadori, Ivan Cavalazzi, Ana Carolina Ceritotti. Não
fiquem
bravos. No próximo coloco mais gente!!! Silvia Espósito está correta ao dizer: “Em
pleno 2013
ainda vivemos na Lei de Segurança Nacional.”
Em especial para Ana Luisa por me mostrar que se pode amar!
Em fevereiro de 2013.
Alexandre Morais da Rosa
Instruções de Uso
1. O Guia Compacto de Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos pretende
aproximar a teoria do processo penal ao que se passa no mundo real. Não se trata de
construção transcendente e imaginária, desvinculada do que acontece nos foros. Daí
que
sua estrutura diferencia-se da manualística em geral. Não é resumido, nem
esquematizado. Muito menos simplificado. É compacto. Indicam-se online[1] as
referências bibliográficas que devem necessariamente ser consultadas para se ter a
dimensão do que se passa. Fornece, assim, elementos para releitura do processo
penal
brasileiro a partir da noção de guerra e da teoria dos jogos.
2. Este Guia Compacto não pretende expor teorias mirabolantes e que se desfazem
na primeira ida ao Fórum, nem aos repositórios de julgados. Também não pretende ser
realista, ou seja, simplesmente acomodar as diversas decisões dos tribunais, em
especial
do STF e STJ, fazendo parecer algo harmônico. Esse universo em que os manuais se
apresentam, a saber, expondo os princípios (diversos) e depois repetindo o que se
construiu no século passado acerca das noções de Jurisdição, Ação e Processo, já
foi feito.
Alguns muito bem e outros nem tanto. A pretensão desse livro compacto é o de
apresentar uma visão em paralaxe[2] da questão do processo penal a partir da noção
de
guerra e da teoria dos jogos.
3. Alguns mais apressados dirão que não é novidade. Sim, há textos que trabalham a
questão, inclusive renomados. Entretanto, na lógica que se pretende estabelecer
para o
ensino e prática do processo penal[3], as noções trazidas serão de conteúdo variado
(Rui
Cunha Martins), longe de conceitos eclipsados no imaginário, desprovidos de
serventia.
Alguns poderão dizer que se pretende reinventar a roda (processo). É sempre uma
possibilidade de crítica. O tempo dirá!
4. Importante: as questões relativas ao processo penal serão apenas referenciadas.
Deve-se complementar, necessariamente, mediante a leitura de um dos Manuais a
seguir:
a) Aury Lopes Jr – Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013; b) Eugênio
Pacelli
de Oliveira. Curso de Direito Processual. São Paulo: Atlas, 2013; c) Paulo Rangel.
Direito
Processual Penal. São Paulo: Atlas, 2012; d) Gustavo Badaró. Processo Penal. São
Paulo:
Elsevier Campus, 2012; e) Elmir Duclerc. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro:
Lumen
Juris, 2011; f) NICOLITT, André. Manual de Proceso Penal. Rio de Janeiro: Elsevier,
2010.
Dentre outras, poucas...
Sumário
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Agradecimentos
Instruções de Uso
Preleção
Introdução
Capítulo 1° Para entender o Processo Penal a partir da Teoria dos Jogos e da Guerra
1. O processo como jogo
2. Teoria dos Jogos
3. O Jogo de Guerra Processual
4. A teoria de processo como jogo processual
Capítulo 2° Por uma leitura garantista do Sistema de Controle Social
1. Para introduzir o Garantismo Penal
2. Garantismo não é Religião: é limitação do Poder Estatal
3. Garantismo Penal e Direito Penal Mínimo
Capítulo 3° Sistemas e Devido Processo Legal Substancial
1. Para uma noção de Princípio
2. Princípio Acusatório versus Inquisitório: o falso dilema
3. Devido processo legal substancial
4. A Presunção de Inocência
Capítulo 4° Para um Processo Penal Democrático
1. Nova leitura do Processo Penal: o discurso da eficiência
2. Jurisdição revisitada: o lugar do julgador
3. Ação: nova leitura
4. Processo como procedimento em contraditório
Capítulo 5° Subjogos Pré-Processuais e Incidentais (Cautelares, Prisão e Liberdade,
Inquérito Policial, Flagrante)
1. Aspectos Preliminares (Denúncia Anônima, Testemunha Protegida, Investigação e
Legalidade)
2. Inquérito Policial (CPP, art. 4° – 23)
3. Prisão em Flagrante
4. Prisão Cautelar como Tática (de Guerra) no Jogo Processual
5. Medidas Cautelares Assecuratórias
6. Busca e Apreensão
7. Interceptação Telefônica
8. Quebra de Sigilo Fiscal e Bancário
Capítulo 6° O Jogo Processual: Lugar, Procedimentos e Nulidades
1. Lugar do Jogo: Competência
2. Regras da Partida: Procedimentos (ordinário, sumário, sumaríssimo, júri,
especiais)
3. Subjogo de Nulidades
Capítulo 7° Prova e Decisão: o Resultado do Jogo
1. Subjogo Probatório
2. Decisão Penal como bricolage
Capítulo 8° Prorrogação: Recursos e Ações de Impugnação autônomas
1. Recursos
2. Ações Impugnativas Autônomas
Preleção
É costume começar prefácios com orgulhosas exibições de modéstia – com perdão
do paradoxo (“perdão”? paradoxos não são pecados carentes de perdão). Para não
fugir à
tradição, tampouco ao contexto deste livro, declaro solenemente que me sinto como
um
gandula de várzea convidado a comentar um gol de Messi. O resultado de uma
experiência dessas tem tudo para ser jocoso. Bem, como jocoso (jocosus) vem de jogo
(jocus), parece apropriado.
Ora, o que dizer? Que Alexandre Morais da Rosa marcou um golaço! Só que isso é o
“óbvio ululante”. Considerando que “só os profetas enxergam o óbvio” (Nelson
Rodrigues), preciso urgentemente dizer algo a mais, nem que seja errado. Até para
não
correr o risco de ter seguidores. Então, vamos lá.
No princípio, era o ego. Assim como na guerra e no jogo, no processo cada um busca
egoisticamente a vitória (desequilíbrio), não a “justiça” (equilíbrio) – Huizinga.
A Teoria
dos Jogos diz que esse comportamento egoístico produz um resultado pior para o
conjunto de jogadores.
O detalhe é que há jogadores que não se limitam às suas partidas. É o “populismo
penal” citado neste livro: mídia, políticos, crime organizado, pressões
corporativas e
atores forenses. Em defesa de seus interesses (egoísticos, estamentais, de classe
etc.),
querem criar condições para que os resultados do conjunto de jogos de seu
interesse,
inclusive os alheios, sejam praticamente determináveis ex ante. (Ou não, pois
normalmente tiram proveito profissional do cenário que criticam. Não obstante,
levantam essa bandeira. E é assim que atuam na esfera pública.)
Se isso até pode ser defensável no processo civil sumulado, não o é tão facilmente
no
processo penal. Porque o espetáculo da punição (Nietzsche), potencializado pela
sociedade do espetáculo (Debord), faz do processo penal o palco perfeito para o
populismo penal: sua interferência desequilibra ainda mais o jogo, pois tende a
temperálo com pânico, como bem observa Alexandre Morais da Rosa, no presente livro.
Ou seja,
a demanda populista por segurança alimenta justamente a insegurança. Não à toa,
esse
círculo vicioso costuma ser o germe de tendências autoritárias. Há exemplos para
todos
os gostos, de Patriot Act a Star Wars.
Insuflada pelo clima de pânico, a turba que cerca o patíbulo forense pede uma
palmatória maior, mas quem garante que ela será usada com “justiça”? Considerando
as
“cicatrizes” que ela traz desde sua própria invenção, justificação e produção
(Castoriadis), talvez o próprio tamanho dela seja um fator a considerar. Se uma
palmatória pequena como uma agulha é inócua, como manejar com precisão outra com o
comprimento de um poste? Como aplicar um “corretivo” com isso, sem errar o alvo? Ou
sem esmagar a mão punida? É necessário – novamente – equilíbrio, que gera
segurança,
mas não predeterminação do resultado, que chamaremos aqui de “certeza”. Explico.
Por incrível que pareça, a falta de predeterminação (i.e., a “incerteza”) faz parte
do
equilíbrio. Tomemos por exemplo um jogo muito mais constrangido pelos limites
espaciais, temporais e de regras: o xadrez. O primeiro lance das brancas pode
resultar em
20 posições distintas: 16 com o movimento de um peão, 4 com o de um cavalo. A mesma
diversidade de posições se repete com o primeiro lance das pretas. Isso significa
que,
após esses dois primeiros lances, nada menos que 400 posições diferentes são
possíveis.
Com o segundo movimento das brancas, são possíveis 5.362 posições distintas (cf.
Bonsdorff et alii). E assim por diante. Como adivinhar qual delas será jogada? Eis
a
incerteza. Num jogo estruturalmente equilibrado como o xadrez, não se tem certeza
da
vitória, mas a segurança de que ela não se dará por um lance ilegal ou por
injunções
externas – nem sequer essa segurança oferece o jogo processual. Muito pelo
contrário.
Claro que, dessas 5.362 posições, boa parte delas não costuma aparecer nos
tabuleiros, porque resultariam de péssimas jogadas (p.ex., 1.P3TR). Ou seja, razões
de
ordem estratégica (escolha do tipo de abertura e de defesa) e tática (combinações)
criam
padrões de jogo que restringem, na prática, a enorme diversidade de posições
previstas
na teoria – ordem no caos? Mesmo assim, continua sendo impossível adivinhar, com
100% de certeza, qual será a posição intermediária (subjogo). Que dirá a posição
final.
Daí que cada jogo é único. Bem assim cada processo (como nota Alexandre) – e com
maior razão, dada sua maior complexidade.
É claro que há momentos na partida em que um jogador se vê encurralado, obrigado
não pela busca da melhor estratégia, mas pela posição desfavorável e pelas próprias
regras do jogo, a fazer apenas um movimento forçado (p.ex., após um xeque bem
aplicado). Ou impedido de fazer qualquer novo movimento (xeque-mate; trânsito em
julgado). Porém, um afunilamento de opções como esse reflete um desequilíbrio
posicional (estratégico) em favor do seu oponente. Permanece viva, portanto, a
hipótese
lançada: maior desequilíbrio, maior certeza.
E quando há desnível técnico entre os jogadores? Quanto maior ele for, maior é a
possibilidade de adivinhar não a posição final, que continua insondável, mas o
resultado
da partida, que é o que importa. Creio ser desnecessário explicitar o paralelo
disso com o
jogo processual.
Em resumo, o jogo é equilibrado na justa medida em que seu resultado não é
predeterminável. Isso me faz crer que as demandas populistas por um processo penal
que assegure um resultado predeterminado, seja ele condenatório ou absolutório, não
conseguem disfarçar o fato de que são demandas de desequilíbrio, i.e., que precisam
deste para impor sua pauta, sua agenda. Essas forças políticas, muitas vezes
antagônicas,
não fazem seus lances no varejo. Elas jogam um meta-jogo, muito mais complexo.
Enquanto isso, deixam-nos brincar no tabuleiro processual. Servimos de cobaias,
presas à
ilusão – mimicry – do círculo mágico do jogo (Caillois). Como ratos de laboratório
procurando a saída do labirinto – e o sistema kaĤiano exige essa metáfora. Quem se
contenta com um fio de Ariadne para encontrar o pedacinho de queijo com que quer ser
recompensado ao final do trajeto (malgrado o risco de topar com o Minotauro), faça
um
favor a si mesmo: feche este livro, vá buscar um manual de auto-ajuda processual e
seja
feliz. Mas quem quiser olhar acima das paredes do labirinto, procurar o que está
realmente “em jogo” neste laboratório (garantismo ou populismo, democracia ou
eficiência, etc.), parabéns pela escolha: este é seu Guia.
L.A. Becker
Mestre em direito pela UFPR, árbitro de xadrez pela Uniandrade e gandula ad
hoc de futebol-de-botão.
Introdução
1. Perguntaram a um louco que havia perdido a sua chave na floresta, por que estava
a procurando sob a luz do poste da rua, no que ele respondeu: aqui tem mais luz.
Procurar flexibilizar as garantias constitucionais na perspectiva de resolver os
problemas
de Segurança Pública é procurar, como o louco, a chave no mesmo lugar. Lugar
caolho, a
saber, dos neoliberais.
2. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho há muito denuncia a maneira pela qual o
discurso da eficiência, inclusive Princípio Constitucional (CR, art. 37), para os
incautos de
plantão, embrenhou-se pelo processo penal em busca da sumarização dos
procedimentos, da redução do direito de defesa, dos recursos, enfim, ao preço da
democracia (Júlio Marcellino). A razão eficiente que busca a condenação “fast-food”
implicou nos últimos anos na “McDonaldização” do Direito Processual Penal:
Sentenças
que são proladas no estilo “peça pelo número”. A “standartização” da acusação, da
instrução e da decisão. Tudo em nome de uma “McPena-Feliz”. Nada mais cínico e
fácil
de ser acolhido pelos atores jurídico, de regra, “analfabetos funcionais.”
3. A primeira questão, com efeito, a ser enfrentada é a do “ator jurídico
analfabeto
funcional”, ou seja, ele sabe ler, escrever e fazer conta; vai até à feira sozinho,
mas é
incapaz de realizar uma leitura compreensiva. Defasado filosófica e
hermeneuticamente,
consegue ler os códigos, mas precisa que alguém – do lugar do Mestre – lhe indique
o
que é o certo. Sua biblioteca é composta, de regra, pela “Coleção de Resumos”, um
livro
ultrapassado de Introdução ao Estudo de Direito – desses usados na maioria das
graduações do país –, acompanhado da lamúria eterna de que o Direito é complexo,
por
isso é seduzido por Paulo Coelho. Quem sabe, com alguns comprimidos de “prozac” ou
algo do gênero, para, imaginariamente, dar conta. Complementa o “kit nefelibata” –
dos
juristas que andam nas nuvens – com um CD de Jurisprudência ou acesso aos “sites”
de
pesquisa jurisprudencial, negando-se compulsivamente a pensar. O resultado disto,
por
básico, é o que se vê: um deserto teórico no campo jurídico, em que cerca de 60% –
sendo
otimista – dos atores jurídicos são incapazes de compreender o que fazem. Para além
da
“opacidade do direito” (Carcova) e sua atmosférica mito-lógica (Warat), existe uma
geléia
de “atores jurídicos analfabetos funcionais”. Esses, por certo, não sabem
compreender
hermeneuticamente, porque para isso precisariam saber pelo menos do giro
linguístico
(Rorty), isto é, deveriam superar a Filosofia da Consciência em favor da Filosofia
da
Linguagem. Seria pedir muito? Talvez. Mas é preciso entender que o sentido da norma
jurídica (norma: regra + princípio) demanda um círculo hermenêutico (Heidegger e
Gadamer), incompatível com os essencialismos ainda ensinados na graduação: vontade
da norma e vontade do legislador, tão bem criticados por Lenio Streck.
4. No campo Direito e Processo Penal, a situação é patológica. É que as gerações
antecedentes, a saber, os atuais atores jurídicos (professor, juiz, promotor,
procurador,
advogado, delegado, etc), em grande parte, não sabem também compreender. São, na
maioria, “juristas analfabetos funcionais” que pensam que pensam juridicamente e,
não
raro, ocupam as cátedras de ensino, incapazes, porque não dominam, de repassar uma
cultura democrática. Estes, portanto, muitos de boa-fé – reconheço –, acreditam que
ensinam Direito, quando na verdade ensinam o estudante de Direito a fazer a “feira
da
jurisprudência”. Esse processo de fazer a “feira da jurisprudência” significa
encontrar
uma decisão consolidada, remansosa – como gosta de dizer o “senso comum teórico dos
juristas” (Warat). É facilitada atualmente pela adoção de posturas totalitárias,
como a do
Supremo Tribunal Federal ao editar no seu “site” a Constituição da República
interpretada pelos Ministros! Aplaudida pelos incautos de sempre, este documento é
fascista, porque sob a fachada de informação, esconde interesses inconfessáveis de
“normatização”, de uma “Constituição do Conforto Hermenêutico”. Não foi à toa que a
Emenda Constitucional n. 45 consagrou a Súmula Vinculante, a qual deve ter
resistência
constitucional, como quer Lenio Streck, redundando no que aponta como a “baixa
constitucionalização do Direito”.
5. Cabe destacar, também, no campo penal, que com a queda do Muro de Berlim e o
fim da guerra fria, para justificação da opressão, precisou-se de um novo inimigo,
não
mais externo, mas interno. Nesse contexto, o discurso de almanaque tornou, por
razoável
tempo, a droga o grande bode expiatório dos males mundiais, justificando, assim, a
intervenção dos “Guardiães Mundiais”, os Estados Unidos da América – EUA – na
preservação do “bem mundial” (Rosa del Omo). Entretanto, com os ataques de 11 de
setembro, o foco modificou-se para os “terroristas” (Walter Russel Mead). Essa
figura
oculta, de difícil compreensão, desde uma intolerância ocidental, num mundo
globalizado (Beck), autoriza, pela “necessidade” a suspensão do Estado Democrático
de
Direito (Agamben). O desconhecido, o estrangeiro (Julia Kristeva, com base na
psicanálise, sabe que ele atua justamente em nós), o mito, o demônio com nova
roupagem, materializado pelo “terrorista” que funciona como um estereótipo de tudo
o
que atrapalha a “paz” da nova “ordem mercadológica neoliberal mundial”.
6. Agamben aponta que o poder encontra-se na “exceção”, a saber, na possibilidade
de que se exclua a regra de aplicação geral e se promova, para o caso, uma outra
decisão,
apartada dos Princípios da Legalidade e da Igualdade. Esse poder encontra-se
indicado
pela estrutura, segundo a qual existe um lugar autorizado a escolher, que se
encontra, ao
mesmo tempo, dentro e fora de uma estrutura jurídica, conforme o pensamento de Carl
SchmiĴ, na interseção entre o jurídico e político. Esta distinção, todavia, entre
jurídico e
político precisa ser problematizada, não se podendo colocar, em absoluto,
incomunicáveis, apesar de ocuparem lugares diversos (Zizek e Werneck Vianna). Neste
pensar, segundo Agamben, “o estado de exceção apresenta-se como a forma legal
daquilo que
não pode ter forma legal.” Desta maneira, rompendo com uma concepção platônica de
Verdade e Justiça, bem assim de que a linguagem não é o meio de adequação da
realidade (Heidegger e Streck), o processo ganha um lugar de limite (Fazzalari e
Catoni).
Um limite que cerca, mas não consegue segurar o “poder de exceção”, até porque se
mantido o discurso da salvação, em nome da “bondade dos bons” (Agostinho Ramalho
Marques Neto), vale tudo.
7. Evidentemente que esta afirmação precisa ser adubada com muita empulhação
ideológica – Direito Penal do Inimigo de Günter Jakobs, ou Teoria das Janelas
Quebradas – importada do aplaudido primeiro mundo. Essa postura Pangloss (Voltaire)
serve, muito bem, aos interesses ideológicos que manipulam os atores jurídicos. Com
estes ingredientes, facilmente instaura-se o processo penal de exceção, cujo
fundamento
de conter as mazelas sociais e brindar os privilegiados consumidores com segurança,
encontra antecedente histórico nas ditaduras. Plenos poderes, apreensões de
averiguação, prisão provisória de regra, tortura (psicológica, física e química),
tudo passa
a ser justificado em nome de um argumento cínico maior: o “bem comum”, consistente
na segurança de todos, inclusive de quem está sendo apreendido e, eventualmente,
excluído. O Direito de Exceção, em nome do bem dos acusados, e antes da Sociedade,
suspende as garantias processuais, previstas na Constituição da República e nos
Tratados
de Direitos Humanos, por entender que elas são um entrave à redenção moral do
infrator
e à Segurança Coletiva. Assim é que, seguindo Agamben, é necessário se buscar parar
esta máquina, para que os acusados não se transformem – mais ainda – na figura do
“musulmán” de Auschwitz retratada por Agamben. Embalados pela necessidade de
conter a (criada) escalada de atos criminal, ou seja, a estrutura cria a exclusão e
depois
sorri propondo a exclusão novamente, via sistema penal, e os excelentes
funcionários
públicos nefelibatas – tal qual Eichmann –, na melhor expressão Kantiana, cumprem
suas
funções, sem limites. Existe uma co-responsabilidade social (Zafaroni-Pierangeli),
da qual
somente se pode tangenciar – como de costume – cinicamente. Para esses, no
interesse
do acusado, a necessidade derruba qualquer barreira processual, pois, sabe-se com
Agamben, que a necessidade não tem lei, isto é, não reconhece qualquer limitação,
criando sua própria lei. A construção fomentada e artificial de um estado de risco,
adubada pelo terrorismo, faz com o que o discurso se autorize, em face das ditas
necessidades, a suspender o Estado Democrático de Direito, promovendo uma incisão
de
emergência e total.
8. Em nome da claridade surge a explosão do controle total, lembrando George
Orwell, em seu “1984”. Entretanto, a obscena pretensão de transparência total, em
nome
do (dito) interesse público, bem demonstrada na tese de doutorado de Túlio Lima
Vianna, esconde interesses ideológicos obliterados da discussão manifesta. É no
latente,
no que marca o “sublime objeto da ideologia”, para usar uma expressão de Zizek, que
desponta o que tocaia. Por isto que estas considerações procuram estabelecer um
diálogo
a partir da Economia. A eficiência do controle é compartilhada pela questão dos
custos.
A Análise Econômica do Direito Penal – “AEDP” – defendida por muitos, dentre eles
Posner, inclusive uns que se alastram no Brasil, defende que o “crime” precisa,
ainda e
necessariamente, atender o critério de custos. O cárcere é caro, custa muito. O RDD

Regime Disciplinar Diferenciado – é simbolicamente importante para o discurso
totalitário (e inconstitucional), mas não justifica sua universalização por
aumentar
despesa. Logo, a pretensão de muitos é o estabelecimento de controles em liberdade,
de
toda a sociedade, tornando-se esta num “panóptico digital”. Perceba-se que com isto
se
controla, via um simples GPS ou um fone NEXTEL, a localização, por rua, do
assujeitado,
por Monitoramento Eletrônico ou mesmo via cartão de crédito e telefone celular, por
suas antenas. Além disso, controla-se onde se esteve e se impede, pensam, as re-
uniões
criminosas. Daí é que em nome da eficiência do controle, invoca-se “Tim Maia” e
“vale
tudo”. O Direito que procura fazer obstáculo é tornado, em nome da segurança de
todos,
reflexivo. Puro embuste.
9. De qualquer forma, isto é evidente, existe um inescondível condicionante
econômico para que a realidade, entendida como os limites simbólicos, seja
manipulada
na ambivalência “medo-segurança”, que toca no mais íntimo e estranho do sujeito
(Freud) . Monitorar, registrar e reconhecer, diz Túlio Vianna, para o seu próprio
bem,
implica, necessariamente numa versão de Estado Totalitário. A banalização
ideológica,
em nome do discurso único do capital, apresenta sob a flâmula sedutora da Liberdade
toda sorte de justificativas para o fenecimento da solidariedade. Com o egoísmo, os
meios, tudo passa a se justificar. As pretensões éticas (bem) e morais (bom) devem
se
adaptar às necessidades de um Mercado sem lei, sem limite, cujo muro se avizinha.
Sem
limite, por básico, não há desejo. A questão parece ser que a destruição da ficção
Estado
abre espaço para a Liberdade representada pelo Mercado. Nessa ironia de defender a
Liberdade de todos mediante o agigantamento do controle, parece-me, num giro de
linguagem, aplicável plenamente ao discurso neoliberal e suas teorias (Justiça,
Direito
Penal do Inimigo, etc..). O Direito Penal, no projeto Neoliberal, possui papel
fundamental
na manutenção do sistema, eis que mediante a (dita) legitimação do uso da coerção,
impõe a exclusão do mundo da vida com sujeitos engajados no projeto social-jurídico
naturalizado, sem que se dêem conta de seus verdadeiros papéis sociais. Acredita-se
que
se é um excepcional funcionário público, tal qual Eichmann (em Jerusalém), ou seja,
um
sujeito cuja normalidade indicava a “Normalpatia” apontada por L.F. Barros, isto é,
no
seu excesso patológico. Esta a submissão alienada é vivenciada dramaticamente pelos
metidos no processo penal.
10. O discurso do ‘determinismo positivista’ é realimentado em face das
condicionantes sociais, reeditando a necessidade de ‘tutelar’ os desviantes –
consumidores falhos, “lixo humano”, como se refere Bauman – mediante prevenção,
repressão e terapia. O Estado Intervencionista da ‘Nova Escola Penal’ está de volta
na sua
missão de defender os cidadãos ‘bons e sadios’ dos ‘maus e doentes’, desenterrando
o
discurso etiológico, perfeitamente conveniente para mídia e para classe dominante.
Sob o
mote de curar ao mal, tendo a sociedade como um organismo vivo, na perspectiva de
uma vida social sadia, a violência oficial se mostra mais do que justificada: é
necessária à
sobrevivência social, ainda mais contra o “terrorista social”.
11. Agamben deixa evidenciado que o poder soberano se apropria do poder de dizer
o direito, podendo o Princípio da Legalidade cercar, sem nunca segurar, por básico,
o
sentido que advém de um processo constante de compreensão. Entre texto (fato
gráfico)
e norma (produto da interpretação), diz Cordero, existem opções múltiplas que
somente
os iludidos de sempre conseguem acreditar, em sua fé inabalável, em sentidos
unívocos,
ou seja, em segurança jurídica. O Princípio da Legalidade e a Segurança Jurídica,
assim,
são dois presentes trazidos por “Papai Noel” aos felizes “atores jurídicos
analfabetos
funcionais” em Direito e que se esgueiram, todos os dias, nos foros deste imenso
país. A
sensação que se apresenta, em cada processo penal, é a de que se vive numa fantasia
paranóica, a saber, imaginária: uma farsa. Algo que foi nomeado (por mim) como
sendo
Complexo de Truman. Muitos acreditam que o processo é a realidade, perfeitamente
construída para apaziguar a falta nossa de cada dia. Uma fraude para manter os
atores
jurídicos artificialmente felizes. Não há mundo além do processo, do semblante
construído por significantes. É a posição nefelibata. No filme foi preciso arrombar
a
porta para se dar conta de que existe mais. Enfim, que existe um mundo para além do
construído artificialmente. Este é o desafio. Zizek, Warat e Mellman falam do homem
sem gravidade, de baixa calorias, que vive por viver, vai – talvez embalado por uma
destas teorias orientais da moda – sem eira nem beira. Mas existem vítimas! Que se
danem – dizem –, não sou eu. Essa lógica “do meu umbigo” move, de regra, os
enleados
no processo penal. Uma fraude encenada em que se mantém a pose de democrata, com
muita maquilagem cínica e a vítima, o Homo-Sacer de Agamben, não tem pena, se
aplica
pena.
12. As vidas que se escondem nos processos penais, na sua grande maioria, são
irreais para os promotores, advogados e juízes que assistem como se fosse mais um
filme
de mau-gosto, protagonizado por artistas que não merecem o papel. Deveriam ser
retirados de cena. E são!. É preciso retornar ao que Zizek aponta como o “Deserto
do
Real”, saindo do semblante do universo processual artificial construído para que
possamos, como jogadores do processo, esquecer que existem pessoas morrendo. Gente.
Como qualquer um intervenientes do processo. Mas como não se consegue ter a
dimensão do que acontece, dado que o semblante da ficção e suas verdades, para
alguns
Real, ocupa o lugar do que se passa. Esse discernimento entre o real e o ficcional
é o
desafio num mundo sem perspectivas que não o “Shopping Center”.
13. Acrescente-se a isto tudo um vagaroso e eficaz processo de cooptação
ideológica,
na linha de Gramsci, dos atores jurídicos, pretensamente participantes da classe
média e
do consumo. Sedentos por segurança querem excluir, prender, matar simbolicamente,
os
de sempre: o diferente. A perspectiva de que querem acabar com a nossa paz social –
nunca obtidade ou mesmo existente – que transforma o “furtador” – de xampu a
carteiras
– no “terrorista” responsável por nossa toda a infelicidade coletiva. Então, cadeia
neles!.
Penas mais altas. Exclusão! Mas como não funciona, porque não dá conta, mesmo,
surge
a compulsão por mais condenações, prisões, execuções, ideías loucas de castração,
coleiras, Sex offender, apitos....
14. Esses dias, um amigo – o Zé –, pessoa do povo, perguntou-me porque quem é
preso em flagrante não vai direto cumprir pena? Por que o processo? Respondi que
estamos, ainda, numa democracia em que o processo como procedimento em
contraditório (Fazzalari) é o mecanismo democrático para se apurar a
responsabilidade
de alguém. Ele me respondeu que não precisa. Entendi a posição dele, até porque um
homem pragmático. No Brasil, essa posição de execução antecipada, embora vedada
pela
Constituição, continua sendo a prática. Basta perceber que se homologa flagrante
formalmente em diversas comarcas, nega-se a soltura de meros conduzidos com as
justificativas mais loucas, tudo em nome da paz da sociedade, como Bush fez para
atacar
o mundo, bem sabem os Iraquianos. Isto bem demonstra a estrutura Inquisitória do
Sistema Processual Penal brasileiro que mantém a pose democrática, mas exerce a
mais
violenta forma de sequestro preliminar da liberdade. Todavia, quem respira um pouco
de oxigênio democrático, sabe que somente o processo pode fazer ceder, via decisão
transitada em julgado, a muralha da presunção de inocência, justamente porque é a
Jurisdição a única que pode assim proceder. Ferrajoli bem sabe da impossibilidade
de se
extinguir as prisões cautelares (Leandro Goernick). Entretanto, mostra-se
intolerável que
as pessoas fiquem presas sem culpa, sem processo, presas pelo que são e não pelo
que
fizeram, em processos decorrentes de “furtos de moinhos de ventos”. O processo
precisa
de tempo, e tempo é dinheiro. No mundo da eficiência, todavia, quer-se condenações
no
melhor estilo dos Tribunais Nazistas. Imediatamente. Sem direito de defesa e
transmitidas ao vivo, com patrocinadores a peso de ouro e muita audiência: plim-
plim. A
fórmula é a de sempre: Juvenal dizia: Pão e Circo. E quando acontecem
prisões/condenações como a de Zé Dirceu e/ou Paulo Maluf a coisa fica pior, porque
a
Esquerda Punitiva é caolha, bem sabe Maria Lúcia Karam, não se dá conta de que
relegitima o sistema penal, indica Juarez Cirino dos Santos. “Agora até o fulano
vai preso”.
E se Ele vai preso, com mais razão o “ladrãozinho” de frango de Televisão de
Cachorro
também. Então, quando se fala, na EC/45 de prazo razoável para os processos, muitos
aplaudem a novidade, não fosse ela já uma velha disposição Constitucional, aderida
ao
corpo dos direitos fundamentais por força do art. 5o, § 2o, da CR/88. Para saber
disso,
contudo, seria preciso conhecer os Direitos Humanos, coisa que poucos conhecem...
Daí
que a barbárie se instaura e dá no que dá! Mediante um giro de sentido, os nazistas
de
plantão passaram a dizer que o a Sociedade (e não o acusado) precisa da decisão num
prazo razoável e por isso a sumarização do processo, com a restrição da defesa. As
alquimias, como fala Aury Lopes Jr, começaram. Inverte-se a lógica em nome do Bem,
do
Justo, lugar sempre empulhador.
15. Demora-se muito para julgar porque fora a esculhambação que são os Juizados
Especiais Criminais, onde vale tudo e se dá um tratamento rápido e inconstitucional
a
questões sociais, a saber, dificilmente um Termo Circunstanciado é crime: pode ser
briga
entre parentes, vizinhos, xingamentos, latido de cachorro, direito de vizinhança.
Mas
como não se têm acesso ao Judiciário no Cível, resta a “queixa” na Delegacia. Um
programa de auditório de mau-gosto, onde os pobres entram com sua ficha de
antecedentes e, até, com o corpo. No juízo comum, denuncia-se falta de pagamento de
imposto, furto de sabonete, calcinha e coisas do gênero. Não sobra tempo, de fato,
para o
que importa numa sociedade em que o Direito Penal deveria ser mínimo (Ferrajoli e
Salo
de Carvalho). Se for mínimo, contudo, não faz o que é sua função oculta (BaraĴa):
criminalizar a pobreza, os consumidores falhos, mantendo a “hi-Society” nas suas
coberturas sociais.
16. Alguma coisa anda fora da ordem, dizia Caetano há um tempo. Hoje as coisas já
estão dentro da nova ordem neoliberal mundial, inclusive o processo penal: Sumário,
eficiente. De outro lado, o Conselho Nacional da Justiça, órgão criado para ser o
Grande
Irmão de Orwell. Diretamente de 1984 para 2013, começa a fazer seus estragos,
apesar de
seu possível papel democrático. Um “denuncismo” sem precedentes, onde não raro
surgem as vaidades afloradas, os narcisismos das pequenas diferenças, diria Freud.
Números, eficiência, empulhação... Para que direito de defesa se tenho que baixar o
meu
mapa? Para que ouvida de testemunhas se o processo vai ficar no mapa? O Juiz
Astrólogo: só quer saber de mapa. Ainda mais quando depende da produtividade para
conseguir promoção! A pretensão de transparência e eficiência do Judiciário tornou
a
situação extremamente ambígua. Por outro lado, defende-se a formação permanente dos
magistrados via Escolas da Magistratura, as quais escondem o efeito de normatização
dos
juristas analfabetos funcionais e, por outro, não se quer pensamento crítico, mas
cumprimento das decisões do STF e STJ. Eficiência, facilidade, cursos “rápidos de
como
fazer uma decisão” para aprender a posição dominante, controlar as idéias e do
acesso à
carreira, bem sabia Lyra Filho. Enfim, a docilização, normatização indicada por
Foucault.
17. O Processo Penal Democrático, assim, parafraseando Dworkin, precisa ser
levado a sério. O problema fundamental reside no fato de que a justificativa para a
exceção encontra-se encoberta ideologicamente. Acredita-se, muito de boa-fé, a
maioria,
de que se está realizando o bem. Salvando a Sociedade de um “Terrorista Social”.
Esqueceu-se de que para o uso do poder existem pelo menos dois limites: o processo
e o
ético (Dussel). Exercer uma parcela do poder em face dos acusados é muito mais
tranquilo para os kantianos de sempre, fiéis cumpridores das normas jurídicas,
sejam elas
quais forem. Os “acusados-terroristas-sociais” passam a ser uma das faces da vida
nua,
isto é, “homo sacer”, a que é matável, mas não sacrificável. Assim, os rostos do
poder
encontram-se maleáveis, mutantes, em torno de um lugar pensado para não pensar, mas
para cumprir acriticamente. Os soldados juízes estão aí para aplicar a regra, numa
Filosofia de “Cruz Vermelha” (Cyro Marcos da Silva), rumo a salvação eficiente das
almas
destes pobres de espírito. Até quando viverão felizes para sempre? Rever e
compreender
a mirada é o desafio, sempre. A tarefa, percebe-se, não é singela, mormente porque
é
necessário abjurar o que se acreditou com tanta fé, além de se expor à crítica
virulenta
dos iludidos de sempre, cujo véu moral cega qualquer pretensão democrática, já que
acreditam – o Imaginário deslizando – estar comprando um lugar no céu, na Ilha dos
Abençoados. Não se pode ter medo de resistir. É preciso resgatar a Constituição
Originária, na linha de Paulo Bonavides, exercitar o controle de
constitucionalidade
difuso e deixar de fazer como todo mundo faz. Porque assistir de camarote o que se
passa
com as vítimas do sistema penal não exclui nossa responsabilidade ética com as
mortes:
somos co-autores, do nosso lugar, por omissão. Por isso que ao se defender
garantias
constitucionais, hoje, o sujeito pode ser preso em flagrante, sem liberdade
provisória
diante dos “maus antecedentes”...
18. Quando Georg Lukács foi preso, o policial perguntou se estava armado, tendo
este lhe entregue calmamente a caneta. É preciso que as canetas pesem
democraticamente, mediante processo penal garantista (Ferrajoli) a partir da teoria
dos
jogos. É preciso correr-se riscos, porque preferível perecer pelas extremos do que
pelas
extremidades, como aponta Baudrillard.
Capítulo 1°
Para entender o Processo Penal
a partir da Teoria dos Jogos
e da Guerra
1. O processo como jogo
1.1. Em texto clássico – O processo como jogo[4] – Calamandrei afirmava que
decorar as regras de xadrez não torna o sujeito um grande enxadrista[5], bem como
saber
as regras processuais não o capacita, por si, como grande jogador processual. É
claro que
entender de dogmática (crítica) se constitui como pressuposto de atuação adequada.
Isso
porque o jogo processual se estrutura em 3 (três) níveis: (a) o das normas
processuais; (b)
do discurso lançado processualmente e seus condicionantes internos/externos e, (c)
da
singularidade do processo (seu julgador e seus jogadores). Ao mesmo tempo em que a
estrutura é universal (pelo menos normativamente, ainda que se possa discutir a
aplicabilidade de algumas disposições em face da CR), a singularidade do caso
demanda,
no campo penal, a especialidade: cada decisão é uma decisão, não se podendo julgar
em
“bloco” no crime.
1. 2. As normas processuais ainda que possam buscar a estabilização das
expectativas de comportamento processual, na sua dinâmica temporal e singular,
acabam ganhando sentidos muitas vezes impensados ou mesmo condicionados a fatores
externos. Esses elementos podem ser vistos desde uma postura estruturalmente (a)
estática e (b) dinâmica, com informação (a) completa ou (b) incompleta. Daí que a
compreensão idealizada do processo penal não se sustenta porque desconsidera as
contingências de cada jogo processual e a complexidade da questão hermenêutica[6].
É
preciso ir adiante e entender o processo penal como jogo dinâmico e de informação
incompleta. Para além do cumprimento das normas processuais deve existir tática
vinculada à estratégia de conteúdo variado[7], a saber, por mais que durante a
instrução
processual a tese acusatória ou defensiva esteja antecedentemente posta, no
decorrer,
diante dos significantes probatórios envolvidos, do contexto processual, dos
jogadores,
do acusado, do julgador, cabem novos desígnios[8]. Enfim, as normas processuais
aparentemente apresentam elementos de universalidade, embora se saiba que as
contingências podem alterar os sentidos por diversos fatores (internos e externos)
[9]. A
imaginação enleada pela trama processual penal é de fundamental importância. O Fair
Play (jogo democraticamente limpo) decorre da batalha de habilidades entrecortada
nos
autos, não sendo permitido, assim, trapacear[10].
1. 3. Estratégia não é apenas o nível operacional do jogo processual. É mais. Cada
ato
do jogo processual existe no contexto de um processo singular no qual existem
diversas
táticas (meios de produzir provas, selecionar perguntas, temas, etc.). A sucessão
de êxitos
pode terminar na próxima batalha (subjogo), dado que a cada momento a partida pode
se
reequilibrar. Há movimento no jogo processual e a batalha não está ganha até o
final:
dinamicidade. Assim é que as táticas (o que os jogadores fazem no decorrer da
partida) e
a estratégia (o uso dos resultados no objetivo do jogo) fornecem dupla articulação,
comunicando-se a todo o tempo.
2. Teoria dos Jogos
2.1. A teoria dos jogos apresenta nova dinâmica de compreensão do processo
penal[11]. O pressuposto é que o sujeito racional toma (sempre) decisões que lhe
são
mais favoráveis, egoísticas, ou seja, as que lhe indicam maiores benefícios.
Entretanto,
nem sempre as decisões aparentemente melhores individualmente o são no contexto de
jogos interdependentes, como acontece no Processo Penal, sendo o Dilema do
Prisioneiro o exemplo teórico de tal modelo. Para se entender a proposta é preciso
estabelecer os lugares do jogo: a) julgador (juiz, desembargadores, ministros; b)
jogadores (acusação, assistente de acusação, defensor e acusado); c) a estratégia
de cada
jogador (uso do resultado), d) tática das jogadas (movimentos de cada subjogo) e;
e) os
payoffs (ganhos ou retornos) de cada jogador com a estratégia e tática.
2.2. Com efeito, a Microeconomia[12] busca indicar as expectativas de
comportamento dos sujeitos (escolha racional na busca de maximização de utilidade)
a
partir da relação entre fins (alternativos entre si) e meios (de recursos escassos)
[13].
Cooter e Ulen afirmam: “O direito frequentemente se defronta com situações em que
há poucos
tomadores de decisões e em que a ação ótima a ser executada por uma pessoa depende
do que outro
agente econômico escolher. Essas situações são como os jogos, pois as pessoas
precisam decidir por
uma estratégia. Uma estratégia é um plano de ação que responde às reações de outras
pessoas. A teoria dos jogos lida com qualquer situação em que a estratégia seja
importante.”[14] No caso no processo Penal pode ser utilizado para fundamentar
tanto
estratégia processual como tática específica. Aceitar ou não a suspensão
condicional do
processo, transação penal, enfim, cotejar as informações e propiciar a tomada de
decisões
de maneira a mais informada possível.
2.3. O Dilema do Prisioneiro foi criado por Merrill Flood e Melvin Dresher, em
1950,
com repercussões em diversos campos do conhecimento, também no direito processual.
É apresentado por Robert Nozik da seguinte forma: “Um delegado oferece a dois
prisioneiros
que aguardam julgamento as seguintes opões. (A situação é simétrica para os
prisioneiros; eles
não podem se comunicar para coordenar as ações em resposta à proposta do delegado
ou, se
puderem, ele não tem nenhum meio para forçar qualquer acordo que possam desejar).
Se um
prisioneiro confessar e outro não, o primeiro é liberado e o segundo recebe uma
pena de 12 anos de
prisão; se ambos confessarem, cada um recebe uma pena de 10 anos de prisão; se
nenhum
confessar, cada um recebe uma sentença de 2 anos.” Pimentel explica: “Qualquer que
seja a ação
do outro, cada prisioneiro obtém um resultado melhor para si se confessar, isto é,
se não cooperar
com seu parceiro. Imaginemos que o prisioneiro A confesse. O prisioneiro B pode
confessar e
ambos pegam 10 anos de prisão, ou não confessar e pegar 12 anos de prisão: o melhor
é confessar.
Se A não confessar, B pode confessar e ficar livre, ou não confessar e pegar 2 anos
de prisão. Mais
uma vez, o melhor é confessar. O que quer que A faça, o melhor resultado individual
para B é
confessar, isto é, não cooperar e entregar o companheiro. O mesmo raciocínio vale
para A. O que
há de paradoxal nesta situação no entanto é que ao buscar o maior benefício
individual,
ambos chegam a um resultado pior do que aquele que teriam obtido se tivessem
cooperado.
De fato, se ambos confessarem, ambos terão uma pena de 10 anos, e se nenhum dos
dois o fizer,
terão uma pena de 2 anos. Há um conflito entre o cálculo do benefício individual e
o melhor
resultado coeltivo: se julgarmos que a decisão racional é aquela que leva o maior
benefício
individual, dois agentes que tomassem suas decisões seguindo um cálculo racional
não
conseguiriam o melhor resultado. Dito de outro modo, se ambos os jogadores
confessarem, cada
um irá piorar o resultado obtido do que aquele obtido se não confessar, mas é
possível atingir
uma solução melhor para ambos se ambos desistirem de confessar.”[15]
2.4. A não cooperação entre os agentes leva a um resultado pior individualmente do
que se houvesse a cooperação, isto é, a estratégia dominante é prejudicial. Daí que
não se
pode começar ou permanecer numa guerra/jogo por meio de julgamentos aparentemente
racionais, desprovidos de avaliações contingentes das consequências das
consequências.
O Dilema do Prisioneiro demonstra que o resultado coletivo não decorre
necessariamente de escolhas individuais egoístas, mas de contingências e interações
inerentes ao jogo processual.[16]
2.5.. A teoria dos jogos para fins desse escrito será utilizada exclusivamente a
partir
da noção de “Jogos dinâmicos e de informação incompleta”. Dentre as diversas
classificações, acolhe-se a que se dá em 4 (quatro) modelos: a - jogos estáticos e
de
informação completa: analisada todas as possibilidades e informações, a decisão se
dará
pelo equilíbrio de Nash, uma vez que jogadores racionais fariam a melhor opção
pessoal.
Entretanto, tal situação é confrontada pelo Dilema do Prisioneiro, já que não seria
um
ótimo de Pareto, a saber, a melhor racionalidade individual significa resultado
prejudicial para todos; b – jogos dinâmicos e de informação completa: ao contrário
de
uma jogada, a sucessão de estágios faz com que etapa – subjogo – exija constante
avaliação das possibilidades e antecipações de sentido, mas acabam, em cada
subjogo,
reiterando a opção individual do equilíbrio de Nash, ou seja estratégias não-
cooperativas;
c – jogos estáticos de informação incompleta; ainda que apenas um estágio de jogo,
não
se sabe a avaliação dos demais jogadores, por exemplo, como acontece nos leilões em
que
não sabe o valor que os demais jogadores darão ao bem leiloado. Prevalece a lógica
de
Thomas Bayes, a saber, depende da crença nas probabilidades pessoais e morais,
então
subjetivas, não exclusivamente racionais/objetivas, e; d – jogos dinâmicos de
informação
incompleta: é o modelo que se pretende aplicar ao processo penal, pelo qual se
precisa
entender que tipo de jogador se está enfrentando e qual o julgador a quem se dirige
a
informação do jogo. Na fusão de horizontes de informação representando pelo
processo
penal, é importante (saber) antecipar as motivações (objetivas, subjetivas e
inconscientes) dos jogadores e julgador, especialmente no tipo de informação
apresentada e nas surpresas (trunfos) ainda não informados. O resultado depende da
sucessão de subjogos e da informação-prova validamente trazida ao contexto do jogo.
3. O Jogo de Guerra Processual
3.1. Se o processo é uma guerra autorizada pelo Estado em que o mais forte não
necessariamente ganha, mesmo assim, os fundamentos da Teoria da Guerra[17] podem
ser invocados para se buscar entender a lógica do processo penal desde que
vinculadas à
teoria dos jogos[18], até porque o fundamento da guerra e da pena é o mesmo (teoria
agnóstica da pena[19]). A guerra processual busca o confronto e a vitória, muitas
vezes
sem levar em conta os custos e os recursos necessários e disponíveis, especialmente
diante da escassez[20]. Daí que a existência de uma tática bem sucedida pode gerar
espaço para negociação no iter processual. No decorrer da instrução, diante das
sucessivas jogadas (subjogos), não raro, surge realinhamento dos objetivos
possíveis.
3.2. A dinâmica do jogo processual entendido pela metáfora da guerra sustenta algo
e m desequilíbrio. A questão é bem complexa e nessa versão compacta cabe sublinhar
que no processo penal se instaura modalidade de competição (jogo), na qual se pode
invocar o Equilíbio de Nash e entender o motivo da dificuldade de cooperação. No
jogo
processual, de regra, o julgador e os jogadores[21] tomam decisões egoístas a
partir da
análise de custos e benefícios individuais (payoffs) e não levam em consideração as
consequências das consequências, a saber, as externalidades[22] e prejuízos
individuais
(dos demais jogadores) e à coletividade[23].
3.3. A incerteza e opacidade[24] do campo de batalha processual podem ser
chamados de atritos, como queria Clausewitz, ao exigirem a tomada de posição
estratégica e tática, antecipando os movimentos do jogador. A transformação do
processo em jogo de guerra possibilita entender a pressão externa de personagens,
especialmente do populismo penal[25]: a) mídia – vende o produto crime; b)
políticos –
que usam o medo como plataforma política; c) máfia, crime organizado, - lavagem de
dinheiro, tráfico de drogas e pessoas, os quais podem intervir na prova (coação);
d)
polícia – para valorizar seu status; e) magistrados, Ministério Público,
defensores. Esses
novos jogos penais viciados pelo populismo não servem para estabilizar, mas para
renovar o estado de medo e pânico. Se sabe que a pena não resolve, nem encaminha a
questão. A crença no aumento de punições e processos penais céleres, sem garantias
processuais, fomenta a sensação de segurança, tão imaginária quanto as histórias
infantis, ainda que vendidas pela mídia delivery e manejadas politicamente. Vende-
se o
crime como o sintoma do mal a ser extirpado[26]. É preciso entender a relação entre
jogo
processual e política. Sem isso a leitura do processo penal e dos movimentos de
recrudescimento é ingênua. O processo pode cooperar com o controle social. Não pode
ser um aliado de trincheira. Se assim se postar perde a dimensão coletiva de
garantia que
a razão exige. É necessária certa autonomia do processo penal. Não se pode condenar
ninguém, em Democracia, em nome de fins políticos ou midiáticos. Daí a função
contramajoritária do processo penal: deve ser o jogo democrático pelo qual se pode,
ao
final, se e somente se, cumpridas as normas, aplicar-se uma sanção estatal (Cap.
3o). Do
contrário a trapaça prevalecerá[27].
3.4. Daí que o domínio das normas processuais, ainda que importante para
compreensão do fenômeno processual, depende, ainda, das noções teóricas (penais,
processuais e criminológicas) do julgador e dos jogadores envolvidos, não só
formalmente, mas sim materialmente[28]. Poderão ser movidos pela vitória a qualquer
custo – mesmo de provas ilícitas – em nome de um “bem” (dito) maior, por exemplo, a
diminuição da criminalidade, ou pelo acolhimento de função de garantia (defesa dos
direitos individuais). Talvez a assunção alienada da noção de guerra seja
verificável
quando o jogador, em nome do resultado, aceita mitigar os princípios da própria
guerra,
uma vez que a necessidade de vitória exclui a legalidade impeditiva do êxito. Ainda
que
haja vitória, tal qual na trapaça, há mácula democrática. Se o resultado condenar
sempre
é o leitmov, pouco resta para impedir a fraude e a ilegalidade[29]. Essa tensão
entre
segurança coletiva e direitos individuais não é novidade[30]. De qualquer sorte,
dependerá de escolhas antecedentes a maneira pela qual o julgador e os jogadores se
postarão diante da informação probatória trazida.
3.5. O processo judicial possui a tendência de ficar intenso e o momento de
produção probatória encontra seu ápice[31]. O atrito como a forma de dificuldades
de
informação faz com que a prova seja sempre uma exceção e, como tal, inserida numa
lógica singular, sem universalismos. Deve-se, pois, (i) dominar a teoria processual
e de
direito penal; (ii) ter-se experiência de jogo (de combate) ou treinamento e (iii)
entender
o caráter cambiante do jogo e das sucessivas rodadas (subjogos).
3.6. Parece inevitável que se possa compreender a ação do julgador e dos jogadores
no processo penal como o resultado de uma fusão temporal de horizontes (decisão
judicial) e perspectivas sobre o(s) mesmo(s) acontecimentos do mundo da vida
(imputação). A racionalidade pública pela qual se apurará a responsabilidade penal
do
agente (culpabilidade) é o processo penal[32], pelo qual os jogadores (acusador e
defensor) lançarão a estratégia (pretensões de validade) nos subjogos, mediados
pelas
normas processuais (regulação da informação-prova), com o fim de obter a vitória
(decisão favorável do julgador).
4. A teoria de processo como jogo processual
4.1. O processo penal, assim, é um jogo assimétrico de informação. Os jogadores
não possuem, ex ante, todas as informações que comporão o acervo processual ao
final da
instrução e há necessidade constante de reavaliações das táticas utilizadas. No
jogo
simétrico os jogadores sabem de antemão o conteúdo das informações existentes.
Aqui,
diferentemente, as informações são antevistas, mas somente acontecem na cena
processual, a saber, no decorrer dos subjogos. É certo que as provas periciais e
documentais são elaboradas de forma paralela e/ou antecedente. Mesmo assim, a
valoração – atribuição de sentido – será debatida e consolidada somente no momento
da
decisão judicial.
4.2. Nas situações estratégicas, nas quais o jogo não é cooperativo, a situação
fica
mais complexa, pois o resultado depende das decisões dos demais jogadores e o
resultado é de conteúdo variável. Assim é que o enfrentamento do processo penal
brasileiro depende de posições antecedentes em relação a noções de Direito, Tipo
Penal[33], Constituição, Princípios, Regras, Norma Jurídica, etc., não se podendo
falar
em processo penal idealizado. Embora se tenha regras processuais disposta na CR e
no
CPP, em cada processo individualizado, com seu julgador e seus seus jogadores,
acontecerá jogo único. As diversas compreensões comporão o fenômeno processual
numa verdadeira fusão de horizontes, naquilo que se chamou de bricolage de
significantes[34] (Cap. 7o).
4.3. No caso do processo penal o jogador-acusador possui o dever legal de antecipar
às informações que pretende trazer ao jogo, enquanto o jogador-defensor organiza a
estratégia e táticas a partir dos movimentos do jogador-acusador. Diante de uma
ação da
parte, no campo do discurso, abrem-se 3 (três) movimentos táticos[35]: a)
silêncio/inação;
b) contra-ataque; c) tangenciar/derivação. Essa dinâmica se divide em diversos
momentos probatórios e processuais, vinculadas à finalidade. No ponto de partida da
ação penal sabe-se que o jogador-acusador quer a vitória (expectativa de decisão
favorável: condenação), enquanto o jogador-defensor pretende também a vitória
(expectativa de decisão favorável: absolvição). Diante da presunção de inocência,
pressuposto do processo penal democrático, a saber, o acusado larga absolvido, a
função
do jogador-defesa é evitar a tomada do “forte”, como nos jogos de guerra, ou seja,
impedir a tomada dos domínios da presunção de inocência. Daí que ao longo da
corrida
procesual os subjogos vão se sucedendo e é preciso antecipar os movimentos
processuais[36], prevendo, ex ante, táticas críveis[37]. A quantidade e a qualidade
das
informações antes de cada rodada processual (subjogo) implicam em constantes
alterações táticas[38] e de estratégia[39]. Buscar a Verdade Real “do” e “no”
processo
penal é uma forma ingênua e absurda de atuação. O desvelar subjetivo do jogo
processual[40] apresenta o processo penal dentro do contexto dinâmico e sujeito às
contingências do mundo da vida[41].
4.4. No estabelecimento da dinâmica ataque-defesa a informação é assimétrica. A
acusação como primeiro ataque deve esperar a contra-ofensiva. Nas palavras de
guerra a
“tomada do forte” do jogador oponente é a meta. Nesse objetivo, não raro, precisa-
se
analisar as possibilidades, adiar a ofensiva, alterar os meios probatórios,
cotejando a todo
o momento as melhores oportunidades. Não se trata de um check-list, nem de
protocolo
linear. A instabilidade de cada rodada do jogo processual exige jogadores atentos
ao
lance do oponente, bem assim a antecipação da antecipação das possíveis jogadas. A
incerteza aqui é inerente ao jogo processual e os cálculos permanentes. A
informação é
sempre parcial e vindoura. Depende das rodadas (subjogos). Ao final haverá a
oportunidade de alegações finais, claro, mas isso não impede a existência de
surpresas.
Aliás, a surpresa, o benefício do terreno (conhecer o lugar e o julgador onde a
partida se
desenrola) e o ataque convergente (focado nos tipos penais objeto da ação penal) se
constituem como elementos necessários à compreensão do fenômeno processual.
Antecipam, por assim dizer, as jogadas possíveis com o objetivo de vitória e a
capacidade
de compreensão do julgador. Esse desenrolar se dará pela “informação” incluída no
jogo
processual.
4.5. O controle da prova, dos jogadores, das cartas probatórias (informação), do
conteúdo da audiência, da credibilidade, do boato, enfim, dos fatores cambiantes
(significantes) da partida (guerra). A diferença no processo penal é que a acusação
larga
na ofensiva, mostrando as cartas que pretende usar no jogo processual, enquanto a
defesa se posta na espera. A acusação procura antecipar os movimentos da defesa,
mitigando eventual álibi, mas mesmo assim a postura é pro-ativa. No decorrer da
batalha
probatória, eventual sucesso parcial não necessariamente conduz à vitória,
justamente
porque o impacto pode ser revertido pelas jogadas posteriores. Daí que a manutenção
das vitórias parciais (subjogos) deve se dar a todo o momento, transformando a
atitude
de ataque em atitude defensiva. Dito de outra forma, obtidos significantes
suficientes
para condenação, a juízo do acusador, a postura passa a de defender o universo
probatório já alcançado. A reciprocidade de lugares (ataque e defesa) variam no
decorrer
do processo. Ainda que a defesa nada tenha que provar, a assunção de postura
passiva
ignora a lógica da guerra. Não se trata de aceitar a carga probatória da defesa na
busca da
comprovação da inocência, a qual é pressuposta – o acusado larga absolvido –, dado
que é
a acusação que deve provar, no tempo processual, a culpa. A defesa [42] deve adotar
táticas de resistência e atacar em dois campos: (i) coerência e (ii) completude. A
coerência e a completude das jogadas em face da acusação formalizada (imputação),
ou
seja, devem no seu todo guardar pertinência narrativa[43] e não deixar lacunas
suscetíveis de inserir a dúvida (favor rei). A inserção de atrito na narrativa,
instaurando
lacunas, omissões, contradições, dúvidas, obscuridades, parece ser uma das táticas
defensivas, as quais não jogam com a qualidade isolada das jogadas, mas justamente
apontam as contradições de seu conjunto (CPP, art. 386, VII).
4.6. Estratégia, para acusação, é o uso do processo para objetivo da pena, enquanto
para defesa é o uso do processo para objetivo da absolvição. As estratégias são
simetricamente opostas. Superada a visão da verdade real, o processo como jogo e
inspirado pela guerra acolhe pretensões menos idealizadas e mais próximas da
realidade.
O processo penal é o uso do confronto em contraditório para garantia da Democracia.
É
o palco onde acontece a guerra de informações, estratégias e táticas com o fim de
vencer
o jogo processual. Esperar pelo momento de ação e não sofrer pela ânsia do golpe
final.
Ao mesmo tempo que cada jogo processual é singular (único), está inserido na
dinâmica
de processos repetitivos. Daí a formação de padrões táticos que podem não funcionar
pela ausência de cuidado com as informações preliminares e as possibilidades
probatórias. É o meio pelo qual o Estado sustenta o monopólio da força e justifica
a
aplicação de pena. Significa a estratégia para se evitar os combates reais,
substituídos
pela metáfora de guerra: jogo processual, no qual as táticas de cada batalha
(subjogos) se
apresentam.
4.7. A dinâmica caótica do processo impede a linearidade. A fusão de horizontes
apresentada no processo judicial implica no reconhecimento de versão inventada e
corroborada. Jamais o certificado de acontecimento definitivamente comprovado. A
distinção entre Verdade Formal e Material demanda reconhecer em Kant[44] sua
origem.
A distinção entre duas formas de verdade forjou o mal entendido. A verdade formal
vinculava proposições a leis do pensamento, falseando a realidade, enquanto a
segunda
fundia essas percepções. A teoria da história mostra que fatos tidos como
verdadeiros
são controvertidos e que a versão oficial pode se distanciar no que de fato
ocorreu,
embora nunca se possa colocar-se uma última e definitiva versão. É claro que o
processo
ao ser aparentemente retrospectivo[45] implica na escolha dos elementos mais
interessantes, os quais restam sublinhados. Sempre, contudo, são parciais e
representam
interesses não ditos. É nos jogos de linguagem[46] que o significante probatório
ganhará
sentido no contexto em que é invocado.
4.8. O domínio da informação nos jogos dinâmicos implica na possibilidade de se
tomar decisões terminativas do processo, ou seja, sem análise do mérito. Reside
justamente na avaliação da prova possível (informação) a aceitação de benefícios
processuais (conciliação, transação penal, suspensão condicional do processo,
delação
premiada[47], leniência, etc..). Com a informação até então apurada e as
expectativas dos
subjogos no horizonte, o jogador pode avaliar quais as implicações de se jogar ou
não[48]. Dependendo do quantum da pena e da quantidade de processos em tramitação,
bem assim da gestão da Unidade Jurisdicional, pode-se optar pelo processo e se
buscar
uma prescrição, como aliás, é a tónica nos processos dos Juizados Especiais
Criminais.[49] Na estratégia manejada no caso de jogos repetitivos pode acontecer
que
com a interação continuada os jogadores possam antecipar os sentidos já dados e
observar novas estratégias ou concessões. Podem transformar, com isso, o jogo em
mais
cooperativo ou não.
4.9. Dito de outra forma, o processo penal é um jogo mediado pelo Estado Juiz em
que a fortaleza da inocência, ponto de partida do jogo, é atacada pelo jogador
acusador e
defendida pelo jogador defensor, sendo que no decorrer as posturas (ativa e
passiva) se
alternam reciprocamente, devido ao caráter dinâmico do processo, a cada rodada
probatória (subjogos) e em face das variáveis cambiantes. O jogador-acusador
pretende
romper com a fortaleza da inocência, enquanto a defesa sustenta as muralhas.
Rompido
ou antevisto ou rompimento, bem assim a impossibilidade, por que não negociar?
Constitui-se num jogo de táticas processuais no decorrer do jogo processual guiado
por
estratégia dos efeitos pretendidos (pena).
4.10. Em resumo: O processo penal se estrutura como uma modalidade de jogo
processual no qual há (a) conjunto de normas jurídicas; (b) que estabelecem
expectativas
de ganho/perda em momentos específicos (recebimento/rejeição da denúncia;
absolvição
sumária; produção probatória (informação), condenação/absolvição – em diversas
instâncias), (c) mediante jogadas temporalmente indicadas (denúncia/queixa, defesa
preliminar, alegações finais, recursos, similares), (d) para os quais o Estado Juiz
emite
comandos (despachos, interlocutórias, decisões, acórdãos, similares) de
vitória/derrota
(total ou parcial).
Capítulo 2°
Por uma leitura garantista
do Sistema de Controle Social
1. Para introduzir o Garantismo Penal
1.1. Embora tenha sido editada uma nova Constituição em 1988 há inescondível
déficit hermenêutico nos campos do Direito e Processo Penal no Brasil. A
compreensão
do Direito Penal e Processual válido precisa de realinhamento constitucional do
sentido
democrático, uma vez que tanto o Código Penal como o Código de Processo Penal são
documentos editados, na matriz, sob outra ordem constitucional e ideológica, bem
assim
porque houve significativa modificação do desenho político criminal
contemporâneo[50].
Ademais, a Constituição acolheu os Direitos Humanos em patamar capaz de dar
eficácia
imediata no campo de Controle Social[51]. De sorte que há a necessidade de
adequação
da própria noção do papel e função do Direito e do Processo Penal diante da
redemocratização do país. E, esse trabalho ainda está sendo realizado, basicamente
por
força da (i) baixa constitucionalidade, entendida como a ausência de cultura
democrática
no Direito; (ii) necessária superação do aparente dilema entre sistemas acusatório
versus
inquisitório; (iii) herança equivocada de uma imaginária e nefasta “Teoria Geral do
Processo”, quando, na verdade, os fundamentos do processo penal democrático
assumem viés individual e não coletivo, a saber, não cabe “instrumentalidade
processual
penal pro societate”[52]; (iv) difusão de modelo coletivo de “Segurança Pública”
que
fomenta uma certa “Cultura do Medo”; (v) expansionismo do Direito Penal e
recrudescimento dos meios de controle social, a partir da lógica de diminuição dos
custos
estatais; (vi) prevalência de teorias totalitárias, como Direito Penal do Inimigo,
atreladas
ao discurso da Lei e da Ordem[53].
1.2. Nesse contexto, parece que se mostra necessário repensar as coordenadas
simbólicas do campo do Direito e Processo Penal adotada perspectiva crítica, mas
sem se
descolar da realidadae, ou seja, da possibilidade de diálogo entre o saber
produzido no
campo da Universidade e o que acontece no plano da prática forense, não na
perspectiva
unitária, mas sim de um diálogo proveitoso, em que o ponto de partida seja a
realização
do Estado Democrático de Direito[54]. Ainda assim, deve-se superar a noção
idealizada
de Jurisdição, Ação e Processo (Cap. 4o), partindo-se da teoria dos jogos (Cap.
1o).
2. Garantismo não é Religião: é limitação do Poder Estatal
2.1. Para o fim de entender a intervenção Estatal se recorrerá ao balizamento
apresentando pelo “Garantismo Penal” de Luigi Ferrajoli[55], sem que ele se
transforme
em Religião[56], pois é passível de muitas criticas[57]. Partindo de sólida Teoria
do
Direito[58], Ferrajoli apresenta quatro frentes para compreensão de sua
proposta[59]: (i)
revisão da teoria da validade, diferenciando validade/material e vigência/formal
das normas
jurídicas; (ii) distinção entre as dimensões da Democracia entre formal e
substancial,
tendo os Direitos Fundamentais como índice; (iii) ratificação do lugar de garante
do
magistrado numa democracia mediante a sujeição do juiz à lei, não mais pela mera
legalidade, mas da estrita legalidade, na qual a validade da norma (princípio e
regra)
devem guardar pertinência material e formal com a Constituição da República; e (iv)
revisão do papel critico da ciência jurídica não mais com a missão exclusivamente
descritiva, mas acrescentando contornos críticos e de projeção ao futuro. Supera,
assim, a
noção meramente técnica, a saber, reconhece a responsabilidade do ator jurídico e
não de
singelo aplicador da norma.
2.2. Essa perspectiva teórica encontra esteio na Constituição da República dado que
baseada na dignidade da pessoa humana[60] e nos Direitos Fundamentais[61], os quais
devem ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena da deslegitimação
democrática
da ação. Em face da supremacia Constitucional dos direitos indicados no corpo de
Constituições rígidas ou nela referidos (CR, art. 5º, § 2º), como a brasileira de
1988, e do
princípio da legalidade, a que todos os poderes estão submetidos, emerge a
necessidade
de garantir esses direitos a todos os sujeitos, principalmente os processados
criminalmente, pela peculiar situação que ocupam. Há filiação à tradição de defesa
dos
Direitos Individuais em face do Estado, na linha Iluminista, sem se descurar das
contingências históricas[62].
2.3. Nesse pensar, Ferrajoli aponta quatro classes de direitos: (i) Direitos
Humanos,
os quais são os direitos primários das pessoas e concernem indistintamente a todos
os
seres humanos; (ii) Direitos públicos, que são os direitos primários reconhecidos
somente
aos cidadãos; (iii) Direitos civis, os quais são direitos secundários adstritos a
todas as
pessoas humanas capazes de agir, tais como a liberdade de contratar, de negociar,
de
escolher e trocar de trabalho, vinculados à autonomia privada, na matriz
capitalista de
Mercado; e (iv) Direitos políticos, os quais são direitos secundários reservados
exclusivamente aos cidadãos, no qual se baseia a representação e a democracia
política[63].
2.4. A partir desta matriz e aprofundando a proposta, Ferrajoli propõe quatro teses
em relação aos Direitos Fundamentais: (i) A diferença de estrutura entre Direitos
Fundamentais e Direitos Patrimoniais, dado que os primeiros são vinculados a todos
ou a
uma classe de sujeitos, sem exclusão dos demais, enquanto os direitos patrimoniais,
pela
sua formulação, excluem todos os demais que não são titulares. Por certo o acordo
semântico de Direito Subjetivo tem sido utilizado pelo Direito para ocultar as
caraterísticas antagônicas que subjazem a esta classificação aparentemente
homogênea,
mas que esconde uma enorme heterogeneidade. Para comprovar tal assertiva, basta
indicar: direitos inclusivos/exclusivos, universais/singulares,
indisponíveis/disponíveis[64]; (ii) O respeito e implementação dos Direitos
Fundamentais
representam interesses e expectativas de todos e formam, assim, o parâmetro da
igualdade jurídica, capaz de justificar a aferição da democracia material. Essa
dimensão
não é outra coisa senão o conjunto de garantias asseguradas pelo Estado Democrático
de
Direito; (iii) A pretensão supranacional de grande parte dos Direitos
Fundamentais , uma
vez que com as declarações internacionais, além do direito interno, uma ordem
externa
impõe limites externos aos poderes públicos; (iv) A relação entre direitos e
garantias . Os
Direitos Fundamentais se constituem em expectativas negativas ou positivas, as
quais
correspondem obrigações de prestação ou proibição de lesão – garantias primárias. A
reparação ou sancionamento judicial constituem em garantias secundárias,
decorrentes
da violação das garantias primárias. A inexistência de garantias para efetivação
dos
direitos, em suma, leva a uma lacuna que torna os direitos declarados
inobservados[65].
2.5. Esse retorno à Teoria Geral do Direito se mostra absolutamente importante
desde que acolhidas as quatro teses, eis que implica revisão da estrutura do
Direito
Positivo, com reflexos inafastáveis no Direito Penal e Processual Penal.
Revisitada,
portanto, a formulação dos Direitos Fundamentais, restam fixadas as diferenças
marcantes, consistente a primeira na circunstância de que os Direitos Fundamentais
são
universais, enquanto os Direitos Patrimoniais são singulares, excludentes dos
demais.
Aqui existe um titular determinado; nos Direitos Fundamentais todos o são. Não se
diferencia Direitos Fundamentais pela qualidade ou quantidade, como se procede nos
Direitos Patrimoniais. Os Direitos Fundamentais são inclusivos e formam a base da
igualdade jurídica, enquanto os Direitos Patrimoniais são exclusivos (se eu sou
proprietário da casa, o outro não é). A segunda diferença é, talvez, a mais
relevante. Os
Direitos Fundamentais são indisponíveis, inalienáveis, imprescritíveis,
invioláveis,
intransigíveis e personalíssimos. Ao contrário, os Direitos Patrimoniais são
disponíveis
por sua natureza, negociáveis e alienáveis. Estes se acumulam e aqueles permanecem
invariáveis. Os bens se adquirem, trocam se e se vendem. As liberdades não se
trocam
nem se acumulam. O fato de serem indisponíveis impede que interesses políticos e/ou
econômicos violem os Direitos Fundamentais; não se pode vender ou trocar sua
liberdade. O ser humano os possui como tal, sem que lhe seja acrescido. Resultado
disso
é que se não pode alienar a vida, a liberdade pessoal ou o direito ao devido
processo
legal, por exemplo, mesmo que se queira. Em processo penal não é admitida a
confissão
desprovida de outros elementos, como era na Inquisição. A terceira diferença,
consequência da segunda, é que os Direitos Patrimoniais são disponíveis, podendo
ser
modificados, extintos, por atos jurídicos. Os Direitos Fundamentais, ao revés, são
reconhecidos ex vi legis, por normas gerais, normalmente de status constitucional.
Em
suma, enquanto os Direitos Fundamentais são normas, os Direitos Patrimoniais são
regulados por normas. A quarta diferença consiste em que os Direitos Patrimoniais
são
horizontais, os Direitos Fundamentais são verticais, em um duplo sentido. Enquanto
umas são civilistas, privadas, decorrentes de relações intersubjetivas da esfera
privada, as
de Direitos Fundamentais são publicistas, do indivíduo para com o Estado. Ademais,

que se considerar que os Direitos Patrimoniais são disposições de não lesão entre
os
particulares; já no caso de Direitos Fundamentais, sua violação repercute na
invalidade
de leis e decisões estatais[66].
2.6. A Teoria Garantista representa ao mesmo tempo o resgate e a valorização da
Constituição como documento constituinte da sociedade. Esse resgate Constitucional
decorre justamente da necessidade da existência de um núcleo jurídico
irredutível/fundamental capaz de estruturar a sociedade, fixando a forma e a
unidade
política das tarefas estatais, os procedimentos para resolução de conflitos
emergentes,
elencando os limites materiais do Estado, as garantias e direitos fundamentais e,
ainda,
disciplinando o processo de formação político-jurídico do Estado, aberto ao devir.
A
Constituição é uma disposição fundante da convivência e fonte da legitimidade
estatal,
não sendo vazio[67], mas uma coalizão de vontades com conteúdo, materializados
pelos
Direitos Fundamentais. A história do constitucionalismo é a progressiva ampliação
da
esfera pública de direitos, de conquistas e rupturas. Em outras palavras, a
Constituição,
nesta concepção garantista, deixa de ser meramente normativa (formal), buscando
resgatar o seu próprio conteúdo formador, indicativo do modelo de sociedade que se
pretende e de cujas linhas as práticas jurídicas não podem se afastar, inclusive no
âmbito
do Direito e do Processo Penal. Como primeira emanação normativa do Estado, aponta
os limites e obrigações, sem se perder de vista que é no processo de atribuição de
sentido
(concretização) que se realiza.
2.7. Assim é que a Constituição da República é a norma maior, sendo o fundamento
de validade material e formal do sistema. Advem disto o fato de que todos os
dispositivos e interpretações possíveis, inclusive o de transformar substantivo em
adjetivo – exclusivamente –, como acontece com o art. 144, § 4o, da CR, por
exemplo,
devem perpassar pelo seu controle formal e material, não podendo ser infringida ou
modificada ao talante dos governantes públicos, mesmo em nome da maioria – esfera
do
indecidível –, dado que as Constituições rígidas, como a brasileira de 1988, devem
sofrer
processo específico para reforma, ciente, ainda, da existência de cláusulas
pétreas. Na
prática, a aplicação de qualquer norma jurídica precisa sofrer a preliminar
oxigenação
constitucional[68] de viés garantista, para aferição da constitucionalidade
material e formal
da norma jurídica. É somente assim se dá a devida força normativa à
Constituição[69].
3. Garantismo Penal e Direito Penal Mínimo
3.1. No campo do Direito Penal o manejo do poder no Estado Democrático de
Direito deve se dar de maneira controlada, evitando-se a arbitrariedade dos
eventuais
investidos no exercício do poder Estatal. Desta forma, para que as sanções possam
se
legitimar democraticamente precisam respeitar os Direitos Fundamentais, apoiando-se
numa cultura igualitária e sujeita à verificação de suas motivações, porque o poder
estatal deve ser limitado, a saber, somente pode fazer algo – por seus agentes –
quando
expressamente autorizado.[70]
3.2. Assim é que no modelo ideal de Ferrajoli são indicados onze princípios
necessários e sucessivos de legitimidade do sistema penal e, desta forma, da
sanção[71].
São eles: pena, delito, lei, necessidade, ofensa, ação, culpabilidade, jurisdição,
acusação,
prova e defesa. A ausência de um deles torna a resposta estatal, lida a partir do
Garantismo, ilegítima, constituindo, cada um (dos princípios), condição da
responsabilidade penal.
São, assim, prescritivas de regras processuais ideais ao modelo garantista sem que
o
seu preenchimento in totum obrigue uma sanção; mas o contrário, pois somente com o
preenchimento (de to)das implicações deônticas do modelo é que o sistema está
autorizado a emitir um juízo condenatório[72].
3.3. A classificação divide-se em: a) garantias penais: “delito”, “lei”,
“necessidade”,
“ofensa”, “ação” e “culpabilidade”; e b) garantias processuais: “jurisdição”,
“acusação”,
“prova” e “defesa”. Em sendo a “pena” excluída do rol de garantias, por ser apenas
uma
possibilidade ao cabo do processo, o modelo ideal full é composto por dez axiomas,
vertidos em latim:
A1 Nulla poena sine crimine/ A2 Nullum crimen sine lege/ A3 Nulla lex (poenalis)
sine necessitate/
A4 Nulla necessitas sine injuria/ A5 Nulla injuria sine actione/ A6 Nulla actio
sine culpa/ A7 Nulla
culpa sine judicio/ A8 Nullum judicium sine accusatione/ A9 Nulla accusatio sine
probatione/ A10
Nulla probatio sine defensione.
Esses princípios garantistas podem ser vertidos em axiomas, respectivamente:
1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao
delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3)
princípio
da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da
ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação;
6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da
jurisdicionaridade, também no sentido lato e no sentido estrito; 8) princípio
acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou
da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade.
3.4. A par disto, cada sistema concreto poderá ser avaliado como de uma tendência
ao
’direito penal mínimo’ ou ao ‘direito penal máximo’, conforme satisfaça as
condições antes
indicadas, investindo-o de racionalidade e certeza, na melhor tradição liberal.
Garantismo e
racionalidade encontram-se, pois, imbricados na pretensão de construir a
legitimidade
do sistema punitivo, mediante o estabelecimento de uma tecnologia apta e
democraticamente sustentada pelos Direitos Fundamentais. Essa certeza/racionalidade
buscada pelos Sistemas, divide-se, consoante cada modelo – máximo ou mínimo –, na
seguinte opção segundo Ferrajoli: enquanto para o modelo máximo, a certeza deve
impedir que “nenhum culpado fique impune, à custa da incerteza de que também algum
inocente possa ser punido”[73]; no caso do direito penal mínimo, a atuação se dá no
sentido
de que “nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum
culpado possa
ficar impune.”[74] Para o modelo penal mínimo, apesar da previsão em lei do tipo
penal,
somente se comprovada processualmente a conduta é que poderá se impor uma sanção,
levando a sério a ‘presunção de inocência.’ De outra face, o modelo penal máximo
golpeia
esta garantia, na ilusão de colher nas malhas do direito penal todos os
culpados[75].
3.5. Acrescente-se que o Poder Legislativo encontra, ainda, a barreira material dos
Direitos Fundamentais em duplo sentido. Partindo-se do Direito Penal como última
ratio
(princípios da lesividade, necessidade e materialidade), a regulamentação de
condutas
deve se ater à realização dos Princípios Constitucionais do Estado Democrático de
Direito, construindo-se, dessa forma, modelo minimalista de atuação estatal que
promova, de um lado, a realização destes Princípios e, de outro, impeça suas
violações,
como de fato ocorre com a explosão legislativa penal contemporânea, quer pelas
motivações de manutenção do status quo, como pela ‘Esquerda Punitiva’[76]. Discute-
se,
no contexto, a necessidade de teoria fundamentadora/justificadora da sanção[77].
Entretanto, a pena, longe de uma fundamentação jurídica, possui somente uma
justificação política, de ato de força estatal. É afastada qualquer justificação,
retributiva
ou preventiva, da medida, conforme explicita o Garantismo Jurídico, na pena
tupiniquim
de Carvalho[78]. Relegada a discussão abolicionista (Foucault, Mathiesen, Christie
e
Hulsman)[79], assume-se a postura garantista-jurídico-penal, informada pelo
Princípio da
Secularização e da Laicização[80] do Estado, da Teoria Agnóstica da Pena . Essa
teoria,
percebendo a imposição como ato de poder, tal qual a guerra[81], imputa ao direito
penal
a finalidade de redução das violências praticadas pelo Estado[82]. Existiria,
portanto, uma
dupla funcionalidade da sanção. Primeiro impedindo a vingança privada (abusiva e
espúria), eis que quem é juiz em causa própria se vinga desmesuradamente – baluarte
Iluminista e constante no pensamento do contratualista Locke[83]. Em segundo lugar
restringindo a manifestação do poder político estatal (pena) se dê sem limites,
violando
os Direitos Fundamentais, nos exatos limites da estrita legalidade. Nada,
absolutamente
nada de retribuição ou prevenção (geral ou especial), consoante afirma Ferrajoli:
“O
paradigma do direito penal mínimo assume como única justificação do direito penal o
seu papel
de lei do mais fraco em contrapartida à lei do mais forte, que vigoraria na sua
ausência; portanto,
não genericamente a defesa social, mas sim a defesa do mais fraco, que no momento
do delito é a
parte ofendida, no momento do processo é o acusado e, por fim, no momento da
execução, é o
réu.”[84]
3.6. Para o atendimento desta pretensão necessária a releitura efetuada do
‘Princípio
da Legalidade’ não mais somente verificável pela edição formal da norma jurídica
(mera
legalidade, vigência), mas principalmente pelo preenchimento dos dez axiomas
garantistas (estrita legalidade, validade). O ‘Princípio da Legalidade’ precisa,
então, ser
relido, não bastando mais a simples previsão legal do tipo penal, dado que essa
legalidade formal é fonte, em alguns casos, de um direito penal substancialista.
Assim é
que o Direito Penal secularizado precisa indicar tipos penais regulamentares, isto
é, que se
vinculem ao mundo da vida, impedindo, assim, que o processo sirva de mero
simulacro.
Dito de outra forma, as adjetivações ou perseguições tópicas, como no caso de
‘bruxas’,
‘subversivos’, ‘hereges’, ‘inimigos do povo’[85] (ainda presentes formalmente, por
exemplo, na Lei de Contravenções Penais[86]), dentre outros, estão expungidas do
Direito Penal Garantista por não se vincularem a condutas possíveis, mas a
elementos
constitutivos do sujeito[87]. É preciso que o tipo penal prescreva uma proibição,
modalidade deôntica, sob pena de deslegitimação epistemológica do próprio tipo
penal.
Esses elementos decorrem da secularização do Estado (e do Direito Penal)
contemporâneo, o qual deixa de lado os aspectos ditos ‘intrínsecos’ da conduta,
adjetivada de imoral, anormal ou abjeta, para se resumir, no Estado Democrático de
Direito, à expressa previsão legal do tipo penal, ou seja: “é aquele formalmente
indicado
pela lei como pressuposto necessário para a aplicação de uma pena, segundo a
clássica fórmula
nulla poena et nullum crimen sine lege.”[88] Agrega-se ao primeiro a
impossibilidade de
se analisar o interior (subjetividade do agente) – sempre arbitrária – nem o julgar
por
seus antecedentes ou conduta social, como fazia o ‘direito penal do autor’,
restringindose democraticamente o objeto para “figuras empíricas e objetivas de
comportamento, segundo
a outra máxima clássica: nulla poena sine crimine et sine culpa.”[89] No tipo penal
do
autor inexiste conduta ‘regulativa’ a ser comprovada, senão situações
‘constitutivas’ da
personalidade do acusado, independentemente da existência de ‘ação’ e
‘ofensividade’,
sendo, pois, substancialista[90].
3.7. Partindo-se do Direito Penal como última ratio, ou seja, como o último recurso
democrático diante da vergonhosa história das penas[91], brevemente indicadas como
de
morte, privativa de liberdade e patrimonial, excluída a primeira pois desprovida de
qualquer
fim ou respeito ao acusado, as demais se constituem em técnicas de privação de
bens, em
tese, proporcional à gravidade da conduta em relação ao bem jurídico tutelado,
segundo
critérios estabelecidos pelo Poder Legislativo, na perspectiva de conferir caráter
abstrato e
igualitário ao Direito Penal. Ferrajoli sublinha: “A história das penas é, sem
dúvida, mais
horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos:
porque mais
cruéis e talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm
sido as
produzidas pelas penas e porque, enquanto o delito costuma ser uma violência
ocasional e às
vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre
programada,
consciente, organizada por muitos contra um. Frente à artificial função de defesa
social, não é
arriscado afirmar que o conjunto das penas cominadas na história tem produzido ao
gênero
humano um custo de sangue, de vidas e de padecimentos incomparavelmente superior ao
produzido pela soma de todos os delitos.”[92] Na sua proposta, Ferrajoli aponta
para a
construção de um ‘direito penal mínimo’, entregando para outros mecanismos de
resolução de conflito – leia-se extra-penais – cuja necessidade de intervenção, via
aparelho repressor penal não esteja devidamente justificada. Este critério
utilitarista
reformado e humanitário procura garantir, também, que o sujeito não seja submetido
às
imposições totalitárias de índole moralizante, uma vez que o discurso da reeducação
é
anti-democrático[93]. Assim é que somente nos casos em que os ‘efeitos lesivos’ das
condutas praticadas possam justificar os custos das penas e proibições, as sanções
estariam autorizadas.
3.8. Consequência direta desse princípio é a redução do número de tipos penais, a
diminuição do tempo das sanções, as quais por serem longas demais, excluem o
sujeito
da sociedade e são desumanas, mormente nas condições em que são executadas, bem
como a deslegitimidade das sanções pecuniárias e dos ‘crimes de bagatela’, que não
justificam nem mesmo a instauração do processo[94], além dos de cunho moralizante.
Por isto que: “Se o direito penal responde somente ao objetivo de tutelar os
cidadãos e de
minimizar a violência, as únicas proibições penais justificadas por sua ‘absoluta
necessidade’ são,
por sua vez, as proibições mínimas necessárias, isto é, as estabelecidas para
impedir condutas
lesivas que, acrescentadas à reação informal que comportam, suporiam uma maior
violência e
uma mais grave lesão de direitos do que as geradas institucionalmente pelo direito
penal.”[95] A
aplicação de uma sanção exige a lesividade mensurável do resultado da ação, lida a
partir dos
seus efeitos. Essa é a carga do princípio da ‘lesividade’. Isto porque as palavras
‘dano’,
‘lesão’ e ‘bem jurídico’ demandam uma atribuição de sentido, um preenchimento
semântico, vinculado aos fundamentos do direito de punir, ou seja, “com os
benefícios que
com ela se pretendem alcançar.”[96] Resumindo a discussão sobre os equívocos da
evolução
do conceito de ‘bem jurídico’, o qual deixou de ter como referencial o ponto de
vista
externo, na direção contrária do pensamento ‘Iluminista’, passando a tutelar
situações de
ordem interna e autoritárias[97].
3.9. Com efeito, resta arredada a possibilidade da fixação, pelo Estado, de modelo
único de comportamente interno, de pensamento, enfim, totalitário, abrindo-se
espaço
para a construção da alteridade, dos direitos do cidadão a partir do ‘princípio da
tolerância’,
possibilitando o direito de pensar – liberdade de consciência – conforme as
próprias
convicções morais e éticas[98], e tendo como parâmetro de atuação penal somente os
efeitos da ação e jamais as potencialidades hipotéticas. Resta tutelada a liberdade
da
construção da singularidade da personalidade (ser perverso, mau, imoral, perigoso),
até
porque essas ilações jamais poderiam ser objeto de um processo garantista, devido à
impossibilidade de reconstrução da conduta, ademais, inexistente. Não é sem motivo
que
Ferrajoli anota: “Fica, pois, claro que o princípio da materialidade da ação é o
coração do
garantismo penal, que dá valor político e consistência lógica e jurídica a grande
parte das demais
garantias.”[99] Embora seja fundamental a existência material da ação, desde o
século XIX
duas teorias solaparam esta garantia. A primeira fomentadora de um ‘delinqüente
natural’ e de uma ‘Defesa Social’, construída sobre a nefasta e insustentável noção
de
‘periculosidade’, a qual é aquilatada (!?) por critérios pseudo-científicos e
absolutamente
insustentáveis epistemológica e democraticamente, cujos herdeiros saudosistas ainda
frequentam, diariamente, os foros. De outro lado, o ‘tipo de autor’, no qual a ação
é
reduzida ao analisar a personalidade do agente, livre de qualquer ação, com claros
propósitos ideológicos[100].
3.10. Atrelado à concepção de racionalidade e consciência, próprio da Modernidade,
o
‘princípio da culpabilidade’ é entendido como a decisão preliminar e consciente
acerca da
vontade de agir, de intencionalmente compreender e proceder – elemento subjetivo –
em
face de uma regra regulativa. Essa decisão consciente contrapõe-se aos modelos que
aceitam a responsabilidade penal sem culpa ou intenção: responsabilidade objetiva.
Aponta como fundamentos políticos externos a ação material, seu caráter
intimidatório, a
possibilidade de previsão do agir social conforme as regras e as únicas (condutas)
que
podem ser logicamente proibidas. Suas modalidades são o dolo e a culpa, com as
diversas
classificações doutrinárias possíveis. O importante é que deva ser imputável a
causa à
ação decorrente de ato de vontade[101], dado que há uma necessária diferença entre
‘culpabilidade’ e ‘responsabilidade’, dado que esta é a sujeição à sanção como
conseqüência da conduta. O dilema metafísico do ‘determinismo’ e do ‘livre-
arbítrio’
resta superado, contudo, pelo Sistema Garantista (SG). Para os ‘deterministas’ a
pessoa
não poderia ter agido de outra forma, já que sua ação está condicionada a outros
elementos
que independem de sua vontade; o agente é objetificado. De outra face, os
partidários do
‘livre-arbítrio’ entendem que se não há um elemento externo capaz de abalar a
capacidade psíquica do agente, este poderia ter agido de forma diferente. Ambas
concepções
desconsideram o caráter material da ação, abrindo ensejo para práticas
antigarantistas.
Ferrajoli sublinha que “a consequência é que no primeiro caso temos um resultado
sem culpa e,
no segundo, uma culpa sem resultado, destituída da mediação, e, em qualquer dos
casos, da ação
culpável.”[102] Corolário do ‘determinismo’ é a objetificação do sujeito e a
preparação do
Estado na ‘Defesa Social’ das personalidades desviadas e a construção do conceito
de
‘periculosidade’, o qual vem de encontro à construção histórica da culpabilidade.
Já o
‘livre-arbítrio’ deixa espaço para julgamento subjetivo do agente, como se fazia no
‘direito penal do autor’, isto é, da culpa do homem e não de sua ação[103].
3.11. Para o ‘princípio da culpabilidade’ propugnado por Ferrajoli, são necessários
dois requisitos: a) que o proibido decorra de uma comissão/omissão verificável numa
ação regulativa e não da subjetividade do agente; e b) que ex ante haja
possibilidade desta
comissão/omissão. Esta opção deixa de ser vista desde uma percepção ontológica,
passando a ser deontológica de ‘eleição’ entre possibilidades de ‘ação’ e não de
‘ser’[104].
Arredada, pois, a ideia de se imiscuir na personalidade do agente, perdem sentido
as
construções sobre a ‘capacidade criminal’, ‘reincidência’, ‘tendência para
delinqüir’ e
outras preciosidades totalitárias e anti-democráticas construídas com base nas
concepções criticadas e marcantemente substancialistas e discricionárias, como se
verifica nos crimes de associação, por exemplo.
3.12. Nesse contexto garantista é que se pode analisar o panorama do estado da arte
no Brasil, tarefa, todavia, para se continuar no cotidiano das violações diárias,
palco dos
dilemas de infetividade constitucional, desvelando, por um lado, a necessidade de
teoria
sustentadora da praxis e, de outro, que a noção de processo precisa ser lida pela
teoria
dos jogos.
Capítulo 3°
Sistemas e Devido Processo Legal Substancial
1. Para uma noção de Princípio
1.1. A leitura (da maioria) dos Manuais de Graduação apresenta um conjunto de
princípios que poderiam, em tese, fazer funcionar o processo penal. O contato com
processos penais reais deixa evidenciado que: (a) ou quem opera não sabe da
existência
dos princípios, os quais são invocados ad hoc, ou (b), de outra face, sabia-se que
não era
assim, isto é, o elenco de princípios é insuficiente, mas mesmo assim se ensina
errado.
Os princípios, assim postos, serve(ria)m para enganar. Pode parecer forte a
afirmação.
Contudo, a sensação é a de que são meras justificações retóricas para o
decisionismo[105]
e sua faceta de ativismo[106] punitivista, parecem evidentes. Daí que é preciso ir
além
das aparências. Talvez falte uma nova maneira de perceber os princípios.
1.2. Logo, o primeiro tema a se enfrentar é a própria noção de princípio[107].
Necessário superar-se a noção diferenciadora e simplista da distinçaõ da norma
jurídica
entre princípios e princípios para se demonstrar que os princípios devem fechar as
regras do jogo processual, ainda que se fundamentem, todos, no “devido processo
legal
substancial”[108].
1.3. De qualquer forma, os princípios surgem da impossibilidade de dizer o
todo[109]. Miranda Coutinho resgata a visão de princípio (do latim, principium)
como
sendo o início, origem, causa, gênese, entendido como motivo conceitual sobre o
qual se
funda, por metonímia, a cadeia de significantes.[110] Ainda que este momento
primevo
seja impossível, porque a verdade é muito – no início era o Verbo –, tal regresso
se mostra
absolutamente necessário, mesmo que seja um mito; mito necessário para o mundo da
vida[111]. E o mito, uma vez instalado, reproduz efeito alienante por parte dos
atores
jurídicos, caso não se o desvele como tal, isto é, como uma não-realidade que
sustenta a
realidade. Por outras palavras, não é a causa do princípio que está ausente, mas
sua
explicação que se encontra permeada pela falta, pelo inexplicável onticamente[112].
Daí
em diante se estabelece uma cadeia de conceitos.
2. Princípio Acusatório versus Inquisitório: o falso dilema
2.1. Assim é que o Processo Penal estaria situado numa estrutura que possui
características diversas e se divide, historicamente[113], nos sistemas[114]
Inquisitório e
Acusatório, surgindo contemporaneamente modelos que guardam características de
ambos sem que, todavia, possam ser indicados, no que se refere à estrutura, como
sistemas mistos[115]. São mistos ou sincréticos por acolherem características de
ambos
os sistemas, sendo incongruência lógica eventual denominação de terceiro
gênero[116].
Isto porque a compreensão de sistema decorre da existência de um princípio
unificador,
capaz de derivar a cadeia de significantes dele decorrentes, não se podendo admitir
a
coexistência de princípios (no plural) na origem do sistema kantiano. Assim é que
no
Sistema Inquisitório o Princípio Inquisitivo marca a cadeia de significantes,
enquanto no
Acusatório é o Princípio Dispositivo que lhe informa. E o critério identificador é,
por sua
vez, o da gestão da prova. Sendo o Processo Penal atividade marcadamente
recognitiva,
de acertamento de significantes, a fixação de quem exercerá a gestão da prova e com
que
poderes se mostra indispensável, no que já se denominou “bricolage de
significantes”[117]. No Inquisitório o juiz congrega, em relação à gestão da prova,
poderes de iniciativa e de produção, enquanto no Acusatório essa responsabilidade é
das
partes, sem que possa promover sua produção. De outra face, no Inquisitório a
liberdade
do condutor do feito na sua produção é praticamente absoluta, no tempo em que no
Acusatório a regulamentação é precisa, evitando que o juiz se arvore num papel que
não
é seu[118].
2.2. Cordero[119] demonstra os motivos pelos quais o modelo Inquisitório se
desenvolveu, atendendo aos interesses da Igreja e de quem comandava a sociedade, em
face da expansão econômica, exigindo que o poder repressivo fosse centralizado, com
atuação ex officio, indepentendemente da manifestação do lesionado. O juiz passa de
espectador para o papel de protagonista da atividade de resgatar subjetivamente a
verdade do investigado (objeto), desprovido de contraditório, publicidade, com
marcas
indeléveis (cartas marcadas) no resultado, previamente colonizado.[120] Assume,
para
tanto, uma ‘postura paranóica’ na gestão da prova, longe do fair play.[121]
2.3. Barreiros deixa evidenciada as características de cada um dos sistemas. No
modelo Inquisitório: a) o julgador é permanente; b) não há igualdade de partes, já
que o
juiz investiga, dirige, acusa e julga, em franca situação de superioridade sobre o
acusado;
c) a acusação é de ofício, admitindo a acusação secreta; d) é escrito, secreto e
não
contraditório; e) a prova é legalmente tarifada; f) a sentença não faz coisa
julgada; e g) a
prisão preventiva é a regra. Já no modelo Acusatório: a) o julgador é uma
assembléia ou
corpo de jurados; b) há igualdade das partes, sendo o juiz um árbitro sem
iniciativa
investigatória; c) nos delitos públicos, a ação é popular e nos privados, de
iniciativa dos
ofendidos; d) o processo é oral, público e contraditório; e) a análise da prova se
dá com
base na livre convicção; f) a sentença faz coisa julgada; e g) a liberdade do
acusado é a
regra[122].
2.4. Dentro dessa diferenciação e considerando a indeclinibilidade da Jurisdição,
decorrência do ‘princípio da legalidade’, compete ao Estado organizar a maneira
pela
qual o Processo Penal tendente à aplicação – ou não – de alguma sanção. A separação
das
funções do juiz em relação às partes se mostra como exigida pelo ‘princípio da
acusação’,
não podendo se confundir as figuras, sob pena de violação da garantia da igualdade
de
partes e armas. Deve haver paridade entre defesa e acusação, violentada
flagrantemente
pela aceitação dessa confusão entre acusação e órgão jurisdicional, a saber, é
vedada
qualquer iniciativa probatória do julgador.[123] Entendida nesse sentido, a
garantia da
separação representa, de um lado, uma condição essencial do distanciamento do juiz
em
relação às partes que é a primeira das garantias orgânicas que definem a figura do
juiz, e,
de outro, pressuposto da função da contestação e da prova atribuídos à acusação,
que são
as primeiras garantias procedimentais da Jurisdição. A assunção do modelo
eminentemente acusatório, segundo Binder[124], não depende do texto constitucional

que o acolhe, em tese, no caso brasileiro, apesar de a prática o negar –, mas sim
de uma
“auténtica motivación” e um “compromiso interno y personal” em (re)construir a
estrutura
processual sobre alicerces democráticos, nos quais o juiz rejeita a iniciativa
probatória[125] e promove o processo entre partes (acusação e defesa)[126].
2.5. Em resumo: como sistemas históricos, atualmente os ordenamentos nacionais
guardam, por contingências diversas, características de ambos os sistemas, ou seja,
inexiste sistema puro. Daí que se fala equivocadamente de sistemas mistos.
Entretanto,
falar-se de sistemas mistos não pode se dar na modalidade sistemática por ausência
de
um significante. Com essa dupla face instaure-se uma dupla legalidade e verdadeira
confusão sob aparência de sistema. É impossível um sistema misto[127].
2.6. Se é impossível um sistema misto, qual o sentido em se continuar insistindo no
dilema acusatório versus inquistório? Nenhum. Trata-se de fantasia a ser desvelada.
A
confluência de diversos fatores implica na compreensão de conteúdo variável[128] da
própria noção de sistema processual. Daí que Aroca[129] está correto ao afirmar que
não
há sentido em se invocar conceitos do passado para dar sentido ao presente, no
contexto
dos sistemas processuais penais, justamente porque a estrutura de pensar se
modificou
em face do monopólio jurisdicional e constitucional. Isso implica, assim, na
necessidade
de realinhar a noção a partir da leitura dos documentos de Direitos Humanos
(Declarações e Pactos Internacionais) e a Constituição da República. Manter-se a
noção
histórica somente ajuda a obscurecer, confundir e impedir a leitura
constitucionalmente
adequada dos lugares e funções do e no processo penal, especialmente quando adotada
a
teoria dos jogos.
2.7. A própria noção de Constituição precisa ser revisitada. Não se trata de
documento coeso e produto de um sujeito (coletivo) pensante. A Constituição da
República de 1988 foi o resultado possível da confluência de fatores políticos,
econômicos
e sociais marcado no tempo[130]. Buscar pela leitura isolada dos dispositivos a
definição
de qual sistema (acusatório ou inquisitório) teria sido acolhido é irrelevante –
ainda que
possa ser útil para quem não supera o falso dilema. Há características de ambos os
sistemas. O que se deve buscar, assim, é a diretriz global, cotejando os documentos
internacionais, a jurisprudência das cortes internacionais[131]. Para tanto se deve
buscar
guarida e pertinência formal e substancial no processo civilizatório democrático
advindo
das conquistas históricas, em especial com o devido processo legal
substancial[132].
2.8. A Constituição da República embora se apresente como um documento único,
apresenta-se como fusão de horizontes diversos. É o resultado histórico. Na
Constituição
estão representados os direitos reciprocamente reconhecidos e os procedimentos
eleitos
para justificar a intervenção na esfera privada por imposição pública. Assim é que
a
função do Direito de estabilizar expectativas de comportamento somente acontece
mediante o devido processo legal substancial[133]. Pode-se falar em tesão entre o
texto
constitucional idealizado e a realidade a partir de Habermas[134] mediante o
abandono
da teoria do dois mundos (metafísica) e mediado pela linguagem, a qual irá operar,
nesse
escrito, a partir da teoria dos jogos e da noção de guerra.
3. Devido processo legal substancial
3.1. “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal” (art. 5o, LIV, da CR/88). Essa disposição, ausente nas Constituições
anteriores,
trouxe o significante para o contexto brasileiro. Entretanto, longe de se buscar a
vontade
da norma ou a vontade do legislador (discussão para quem desconhece
hermenêutica[135]), cabe sublinhar que a história do significante é secular e já
presente
no art. XI, nº1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem[136].
3.2. Discute-se sobre o conteúdo do “devido processo legal”, pelo menos, desde a
Inglaterra de João Sem Terra (1215)[137]. Mais: Não se trata de significante
desprovido
de história e tradição. Logo, parece abusivo e até ingênuo, como fazem, de regra,
os
manuais de direito constitucional e processo penal, ao apontar simplesmente que o
“devido processo legal é o procedimento estatal para restrição de direitos”. Essa
leitura
desconsidera toda a discussão histórica e por ela, quem sabe, possa se buscar uma
chave
de interpretação para o processo penal brasileiro[138].
3.3. É verdade que não se trata apenas trazer seus postulados. Precisa-se
“tropicalizar” o instituto. Não para se adotar a mesma razão abstrata, nem muito
menos
para termos a construção havida na Inglaterra medieval, depois transposta o
atlântico, e
desenvolvida nos Estados Unidos da América. Contudo, há evidente diálogo entre
tradições e o Direito Continental não pode ser alheio ao que se passou no Direito
Anglosaxão, até porque influencia o direito brasileiro[139]. É preciso certa
tolerância para que
se perceba a dimensão da cláusula do devido processo legal, especialmente o
qualificado
d e substantivo, construída em mais de 800 anos (substantive due process of law).

trajetória de coerência na sua construção, não sendo fórmula desprovida de conteúdo
democrático, nem muito menos mera formalidade procedimental. Hoje em dia em face
dos ativismos discutidos, bem como as novas formas de controle de
constitucionalidade,
parece alienado desconsiderar essa contribuição[140].
3.4. Ainda que rapidamente, cabe dizer que a imposição de cartas aos Reis na
Inglaterra – mesmo não se confundindo com a noção moderna de lei – foi o nascedouro
do reconhecimento de que os direitos do soberado não eram mais absolutos, a saber,
o
Rei também se submetia ao regime universal e seu poder não era mais
plenopotenciário.
A Terceira Carta Confirmatória de Henrique III preconizou: “Nenhum homem livre será
detido ou aprisionado ou despojado de seus meios de vida, de suas liberdades, nem
de suas
usanças livres, nem banido ou exilado, nem de modo algum molestado, e nós também
não o
atacaremos nem mandaremos alguém atacá-lo, exceto pelo lícito julgamento de seus
pares ou
pelo direito da terra.”[141] No ano de 1610, durante o reinado de Jaime I, Sir
Edward Coke
já indicava a importância, na linha de Locke[142] e sua tríade, ou seja, da
garantia da
vida, propriedade e liberdade. Aliás, o pensamento contratualista de Locke será
fundamental para se compreender que o contrato social não significou a alienação
dos
direitos inerentes ao sujeito, mas o contrário[143]. Há um resto de liberdade
pressuposto
da intervenção estatal, a qual não foi, nem pode, ser alienada. É justamente a
partir dessa
tríade – vida, propriedade e liberdade – que se deve buscar a matriz do
significante.[144]
A doutrina de Coke foi revigorada com a subscrição da Petition od Right, em 1628,
por
Carlos I, não se podendo mais: (a) aprisionar sem dizer-se as causas (Decorrente do
caso
dos Five Knights), b) vedar Habeas Corpus contra atos reais; c) aplicação da lei
marcial e
aquartelamento em propriedades privadas. Faltavam, entretanto, instrumentos para
sua
efetivação.
3.5. É incerta na doutrina a recepção do devido processo legal nos EUA. De qualquer
sorte a supremacia da Constituição é noção que fundamenta a possibilidade de
controle
de constitucionalidade. A Constituição de 1791 estabeleceu na 5a Emenda: “Nenhuma
pessoa pode ser obrigada a responder por um crime capital ou infamante, salvo por
denúncia ou
pronúncia de um Grande Júri, exceto em casos que surjam nas forças terrestres ou
navais, ou na
milícia, quando em serviço ou em tempo de guerra ou de perigo público. Nem se pode
sujeitar
qualquer pessoa, pelo mesmo crime, a ser submetida duas vezes a julgamento que lhe
possa
causar a perda da vida ou dano físico; nem será obrigada de forma alguma a depor
contra
sim mesma, nem será privada de sua vida, liberdade ou propriedade, sem o devido
processo
legal; nem pode uma propriedade privada ser tomada para uso público sem justa
compensação.”
3.6. Apressando o passo – para os fins desse Guia Compacto – cabe apontar que o
trajeto não foi o de acolhimento do mérito do produto legislativo. A noção de lei
foi
revisitada pelo reconhecimento do direito dos Tribunais em controlar a
razoabilidade
dos atos do poder público (legislativo e executivo) quando violadores dos direitos
de
vida, propriedade e liberdade[145], com a extensão da 5a Emenda aos Estados
Membros,
pela 14a Emenda: “Seção 1. Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados
Unidos, e
sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado no qual
residem. Nenhum
Estado deve editar ou executar qualquer lei que possa violar os privilégios e
imunidades dos
cidadãos dos Estados Unidos. Nem pode qualquer Estado privar nenhum pessoa da vida,
liberdade ou propriedade sem o devido processo legal; nem recusar a qualquer pessoa
na
sua jurisdição a igual proteção perante a lei. (...) Seção 5. O Congresso deve ter
poderes para
reforçar, por legislação apropriada, as provisões deste artigo.” Abriu-se, com
isso, a
possibilidade de intervenção do Judiciário Federal nas legislações Estaduais. Em
1803 no
julgamento, já nos EUA, MARBURY v. MADISON, sabe-se, o Juiz Marshall apontou a
necessidade de contenção do poder Legislativo, a saber, a possibilidade democrática
do
Judicial Rewiew. Muito se poderia discorrer sobre o devido processo legal
substancial.
Entretanto, o que cabe marcar para os fins desse Guia Compacto é que a tradição
expôs
diversos momentos, todos fundados na discussão da garantia da vida, propriedade e
liberdade contra as ingerências do Poder Público[146].
3.7. Nesse contexto não se pode depois de 05.10.1988 permanecer-se alheio ao devido
processo legal substancial, até porque há disposição expressa para seu manejo,
consoante
desponta, por exemplo, do art. 282 do CPP. Na grande maioria dos Manuais e Foros a
cláusula é ignorada, como se fosse mero procedimento (aspecto formal). Cuida-se da
ampliação da tutela da vida, propriedade e liberdade modulados a partir do
Garantismo
(Lição 2) e vinculados à tradição democrática[147].
3.8. O Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre sua aplicabilidade ao campo
penal: “O exame da cláusula referente ao “due process of law” permite nela
identificar alguns
elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem
constitucional,
destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes
prerrogativas: (a)
direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação
e ao
conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e
célere, sem
dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à
autodefesa e
à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex
post
facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado
com
fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da
gratuidade; (i)
direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio
(privilégio contra a
auto-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de
“participação ativa”
nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos,
quando
existentes.[148]
3.9. A ampliação das garantias contra o arbítrio do Estado[149] é decorrência da
compreensão autêntica do devido processo legal substancial[150]. Dialeticamente se
analisa, caso a caso, as consequências da ação Estatal a partir dos efeitos sobre a
vida,
propriedade e liberdade do sujeito, tanto na perspectiva formal como material[151].
3.10. Para operacionalizar o devido processo legal substancial se recorre ao
princípio
da proporcionalidade (razoabilidade)[152], o qual deve sempre ser aquilatado em
face da
ampliação das esferas individuais da vida, propriedade e liberdade, ou seja, não se
pode
invocar a proporcionalidade contra o sujeito em nome do coletivo, das intervenções
desnecessárias e/ou excessivas. No processo penal, diante do princípio da
legalidade, a
aplicação deve ser favorável ao acusado e jamais em nome da coletividade,
especialmente
em matéria probatória e de restrição de direitos fundamentais.
3.11. Não se pode, todavia, cair-se na armadilha da ponderação de princípios, dado
que se trata de mero recurso retórico, consoante afirma Daniel Sarmento: “E a outra
face
da moeda [do uso desmesurado dos princípios] é o lado do decisiocismo e do ‘oba-
oba’. Acontece
que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de,
atráves deles,
buscarem justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu
dever de
fundamentar a racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios
abriu um
espaço muito maios para o decesionismo judicial. Um decisionismo travetido sob as
vestes do
politicamente correto, orgulhoso de seus jargões grandiloquentes e com a sua
retórica inflamada,
mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, convertem-
se em
verdaderias ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador consegue fazer quase tudo o
que
quiser.”[153] Assim é que a utilização da proporcionalidade, na via do devido
processo
legal substancial, não pode acontecer contra o sujeito[154].
3.12. De qualquer maneira, para aplicação do princípio da proporcionalidade
exigese: necessidade, adequação e proporcionalidade (em sentido estrito). Por
necessidade, a
partir da intervenção mínima do Estado na esfera privada, proibindo o excesso e
privilegiando a alternativa menos gravosa, a qual menos violará os Direitos
Fundamentais do afetado (especialmente liberdade[155] e intimidade[156]) e poderá
gerar efeitos equivalentes[157]. Já adequação significa a relação positiva (apta)
entre o
meio e o fim da medida, ou seja, o meio empregado deve facilitar a obtenção do fim
almejado. Não há sentido em se manter alguém preso cautelarmente se a pena a ser
aplicada, ao final, não significar a privação da liberdade: o meio não se relaciona
com o
fim. E, proporcionalidade em sentido estrito implica em juízo acerca do custo-
benefício
da medida imposta, isto é, quais os princípios em jogo. Não se trata, como já
visto, de
mera ponderação. A prevalência dos Direitos Fundamenais, no campo do processo e
direito penal, impede juízos em favor da coletividade, dado que invertem a lógica
do
Estado Democrático de Direito. Assim, não se pode em nome da dita Segurança
Coletiva,
flexionar de forma excessiva e desproporcional, os Direitos Fundamentais.
3.13. Aqui também deve-se invocar, desde outra tradição, a dupla face dos Direitos
Fundamentais, ou seja, a possibilidade de se analisar, no contexto do devido
processo
legal substancial, tanto o excesso de proibição, como a proteção deficiente.[158]
4. A Presunção de Inocência
4.1. Santo Agostinho narra, em suas “Confissões”[159], algo que pode situar o
diálogo a partir das desventuras de Alípio: “Alípio, pois, passeava diante do
tribunal,
sozinho, com as tábuas e o estilete, quando um jovem estudante, o verdadeiro
ladrão, levando
escondido um machado, sem que Alípio o percebesse, entrou pelas grades que rodeiam
a rua dos
banqueiros, e se pôs a cortar o seu chumbo. Ao ruído dos golpes, os banqueiros que
estavam
embaixo alvoraçaram-se, e chamaram gente para prender o ladrão, fosse quem fosse.
Mas este,
ouvindo o vozerio, fugiu depressa, abandonando o machado para não ser preso com
ele. Ora,
Alípio, que não o vira entrar, viu sair e fugir precipitadamente. Curioso, porém,
saber a causa,
entrou no lugar. Encontrou o machado e se pôs, admirado, a examiná-lo. Bem nessa
hora chegam
os guardas dos banqueiros, e o surpreendem sozinho, empunhando o machado, a cujos
golpes,
alarmados, haviam acudido. Prendem-no, levam-no, e gloriam-se diante dos inquilinos
do fato
por ter apanhado o ladrão em flagrante, e já o iam entregar aos rigores da
justiça .” Onde fica a
presunção de inocência na prisão em flagrante? Existe, de fato, processo penal
nesses
casos? Tudo não passa de um jogo de cena? Enfim, até que ponto a “Inocência” pode
ser
levada? Como isto funciona depois de mais de 20 anos de Constituição? Articular a
resposta parece ser o desafio[160].
4.2. Presumir a inocência, no registro do Código de Processo Penal em vigor, é
tarefa
hercúlea, talvez impossível, justamente pela manutenção da mentalidade
inquisitória. A
“Presunção de Inocência”, embora com alguns antecedentes históricos, encontrou
reconhecimento na Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, seu marco ocidental,
segundo o qual se presume a inocência do acusado até prova em contrário reconhecida
em sentença condenatória definitiva[161]. Nesse sentido a Constituição da Republica

CR, em seu art. 5o, inciso LVII, dispôs: “Ninguém será considerado culpado até o
trânsito em
julgado de sentença penal condenatória.” Mesmo que se possa exclusivamente discutir
a
compatibilidade deste dispositivo com a prisão cautelar, no caso, pretende-se
seguir
outro caminho não excludente: o de entender qual o motivo porque, desde a matriz, o
pensamento está condicionado pelo modelo de pensar inquisitório, incompatível com a
Constituição, lendo sua aplicabilidade via teoria dos jogos.
4.3. No que interessa para esse Guia Compacto, cabe relevar que o processo penal,
como garantia, precisa ser levado a sério, sob pena de se continuar a tratar a
“Inocência”
como figura decorativo-retórica de uma democracia em constante construção e que
aplica, ainda, processo penal do medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos
os
dias[162]. Por isso é necessário mudar as coordenadas em que se analisa a lógica do
processo, o papel do julgador e de cada julgador, especialmente no que toca à
prisão
cautelar, via teoria dos jogos.
4.4. Dito isso, de se relembrar que o direito ao devido processo legal substancial
é a
única garantia à defesa efetiva. E, conforme a nova sistemática processual
determina, a
prisão cautelar apenas se mantém em caso de extrema necessidade (CPP, art. 282, §
6º,
CPP), de que se pode inferir a própria exigência do “periculum libertatis”. Nesse
sentido
vale destacar: “Trata-se de habeas corpus contra decisão proferida pelo tribunal a
quo que
proveu o recurso do MP, revogando o relaxamento da prisão cautelar por entender que
a ausência
de advogado na lavratura do auto de prisão em flagrante não enseja nulidade do ato.
Alegam os
impetrantes não haver justificativa para a mantença do paciente sob custódia, uma
vez que, após
efetuada a prisão, foi-lhe negado o direito de comunicar-se com seu advogado, o que
geraria sim
nulidade na lavratura do auto de prisão. Além disso, sustentam inexistirem os
pressupostos
autorizadores da prisão preventiva. A Turma, ao prosseguir o julgamento, concedeu
parcialmente
a ordem pelos fundamentos, entre outros, de que a jurisprudência do STF, bem como a
do STJ,
é reiterada no sentido de que, sem que se caracterize situação de real necessidade,
não se
legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.
Ausentes razões
de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a
subsistência da
prisão cautelar. Ressaltou-se que a privação cautelar da liberdade individual
reveste-se de
caráter excepcional, sendo, portanto, inadmissível que a finalidade da custódia
provisória,
independentemente de qual a sua modalidade, seja deturpada a ponto de configurar
antecipação do cumprimento da pena. Com efeito, o princípio constitucional da
presunção de
inocência se, por um lado, não foi violado diante da previsão no nosso ordenamento
jurídico das
prisões cautelares, por outro não permite que o Estado trate como culpado aquele
que não sofreu
condenação penal transitada em julgado. Dessa forma, a privação cautelar do direito
de
locomoção deve-se basear em fundamento concreto que justifique sua real
necessidade. Desse
modo, não obstante o tribunal de origem ter agido com acerto ao declarar a
legalidade da prisão
em flagrante, assim não procedeu ao manter a custódia do paciente sem apresentar
qualquer
motivação sobre a presença dos requisitos ensejadores da prisão preventiva,
mormente quando
suas condições pessoais o favorecem, pois é primário e possui ocupação lícita.
Precedentes citados
do STF: HC 98.821-CE, DJe 16/4/2010; do STJ: HC 22.626-SP, DJ 3/2/2003.” (STJ, HC
155.665,
rela. Min. Laurita Vaz,).
4.5. Conta Warat que se todos acreditassem, piamente, em Papai Noel, na noite de
24 de dezembro não haveria presentes a se distribuir. Há necessidade de que pelo
menos
um saiba do embuste, do mito, da farsa, para que ele possa fazer sentido. Todos
menos
um precisa saber que há um furo na totalidade natalina. Para além do velho Noel
algo
rateia. Na presunção de inocência inautêntica do Sistema Inquisitório também. Não
se
pode ficar como os mocinhos dos filmes, um segundo antes do tiro fatal, sob pena de
se
manter, por exemplo, a prisão cautelar do curioso Alípio, cuja versão em seu
interrogatório, por certo, seria considerada fantasiosa. A pergunta inocente é:
fantasia de
quem?
4.6. Daí que a presunção de inocência deve ser colocada como o significante
primeiro, pelo qual, independemente de prisão em flagrante, o acusado inicia o jogo
absolvido. A derrubada da muralha da inocência é função do jogador acusador. Aqui
descabem presunções[163] de culpabilidade. O processo, como jogo, deverá apontar
pelas informações obtidas no seu decorrer, a comprovação da hipótese acusatória,
obtida
por decisão judicial fundamentada.
Capítulo 4°
Para um Processo Penal Democrático
1. Nova leitura do Processo Penal: o discurso da eficiência
1.1. O modo de produção capitalista foi o pano de fundo da Criminologia Crítica do
final do século passado e precisa, talvez, de uma atualização decorrente da mudança
de
paradigma econômico, a saber, depois da proeminência do Neoliberalismo é necessário
(re)pensar as coordenadas de um saber que não pode responder mais aos sistemas
binários em que Estado versus indivíduo aparecem em posições antagônicas. Nos dois
extremos encontravam-se o projeto liberal de extensão de direitos e garantais
individuais
e, de outro, uma perspectiva coletiva em que a compreensão é coletivizada,
flexionada,
tudo em nome do interesse coletivo. Logo, em ambos pólos há uma tensão entre a
efetivação dos direitos e garantias individuais. A novidade é o surgimento do
discurso da
eficiência, manipulado pelo critério do custo benefício, articulado pelo discurso
da
Análise Econômica do Direito. Nesse contexto, convida-se para cena um novo e
sedutor
protagonista: o Mercado[164] e sua aparente autonomia ideologicamente provida de um
“pensamento único”[165]. Dito de outra forma: como a estrutura econômica promove um
giro na compreensão do Direito e Processo Penal, não mais situado na tensão
SujeitoEstado, mas garantidor da estabilidade econômica e da possível
previsibilidade do
Sistema. O crime como componente da realidade passa a ser um mero elemento contábil
do “custo país”, sem que os dilemas modernos tenham mais a relevância de
antes[166]. A
eficiência, agora, é medida por meio de resultados economicamente mais vantajosos.
1.2. Desta forma, há uma tendência rumo ao Direito Penal do Inimigo[167], baseado
no fomento de um “perigosismo generalizado” impregnado no imaginário coletivo que
demanda, assim, por segurança. Abre-se caminho para que Jakobs, fundamentado
retoricamente no contrato social possa defender que o ‘inimigo’ seria aquele que
rompeu
com as regras contraídas, justificando a visão de não-membro e, por via de
consequência,
a intervenção penal busca evitar os perigos que ele representa, podendo, assim, o
Estado
restringir para o ‘inimigo’ as normas – garantias – conferidas ao cidadão. A Defesa
Social
e o direito penal do autor retornam, sob nova fachada. Estabelecida a distinção
entre
entre “cidadão” e “inimigo”, para estes, na defesa dos bons cidadãos, deve-se, para
Jakobs, restringir as garantias penais e processuais, por isso ‘Direito Penal do
Inimigo’.
Qualquer aproximação, pois, com os discursos da ‘Lei e Ordem’ não é mera
coincidência,
dado que reeditam a necessidade de Defesa Social redefinindo os tipos penais para
difusos bens coletivos, cuja densidade se mostra epistemologicamente
impossível[168],
embora sejam eficientes do ponto de vista da Análise Econômica do Direito. A
distinção
entre inimigo e cidadão, contudo, é dada a priori e, como tal, não se sustenta,
pois
categoriza, por qualidades etiquetadas socialmente, o grau que o sujeito pode
usufruir na
sociedade. Apresenta-se como uma tarifação da cidadania, a qual exclui, de antemão,
todos os que se apresentam, de alguma maneira, envolvidos pelo sistema de controle
social. Desde o batizado no sistema, com novos sentidos da velha “periculosidade”
da
Escola Positiva, surgem tarifações onde a dignidade da pessoa humana não
tolera[169].
Enfim, não se mostra possível dentro de uma perspectiva democrática a adoção de
discurso que module a cidadania ou mesmo promova restrições aos Direitos
Fundamentais (pois Direito Penal e Processo Penal são Direitos Fundamentais)[170].
1.3. Segue-se, assim, um movimento que se pode chamar de “NeoPenalismo”. Isto
porque o estabelecimento da Criminologia como campo de estudo do sujeito humano
guarda vinculação direta com o paradigma da Modernidade e do modelo de sujeito que
lhe informa. De um lado se construiu uma análise baseada nas características
internas do
sujeito - paradigma etiológico -, no qual as causas intrínsecas eram vasculhadas e
poderiam ser verificadas e tratadas, via pena. Por outro lado, diante das
observações
sociológicas, principalmente da denominada Criminologia Crítica, as condições do
meio
em que o sujeito se encontrava passaram a ganhar força. Surgiu, assim, a
compreensão
da incidência de criminalizações (primária e secundária), pelas quais o sujeito-
foco do
Sistema Penal é selecionado e etiquetado. Tudo isto até a última década do século
passado guardava muito sentido. Atualmente o foco modificou-se justamente porque o
modelo de sujeito e de seu vínculo social restaram alterados, fundamentalmente,
pelo
giro econômico operado pelo Neoliberalismo. Não se trata aqui de reiterar o que foi
dito
pela Criminologia Radical, nem de demonstrar que a existência de classes opera
selecionando os “criminosos”. A pretensão é a de apontar a superação dessas
distinções
no mundo globalizado, de risco, em que o discurso único do Mercado transforma os
sujeitos (ricos e pobres) em sujeitos descartáveis. Sujeitos Mercado-
De(sa)gradáveis,
simples mercadorias de consumo do Processo Penal do Espetáculo. Parece, assim, que
a
aplicação das categorias da Criminologia Crítica, embora possa explicar parcela
significativa da criminalização dos tipos penais e, principalmente, como o Sistema
opera
na proteção da propriedade privada e do contrato, com a sofisticação do discurso
Neoliberal, pode procurar nova forma de compreensão.
1.4. O Proprietário do Século XXI é difuso, ou seja, não é uma categoria
estabelecida
por uma classe social específica, basicamente porque (i) o “crime” passou a ser um
produto e, (ii) a propriedade que interessa não é mais de um sujeito, mas de
estrututuras
econômicas. A fusão de horizontes destes condicionantes gera, no seu cúmulo, um
curtocircuito nas categorias criminológicas. Ainda que se possa falar em sujeito
criminoso, em
processo de criminalização, no eterno dilema das causas, no paradigma Neoliberal,
justamente pelo câmbio epistemológico operado (da relação causa-efeito para a ação
eficiente), a intervenção penal se situa na contenção dos efeitos das ações
individuais ao
menor custo. Não se trata de “recuperar”, nem de “punir”. A intervenção busca
manter
as regras do jogo formal do Mercado, pouco importando o que se passa com os
sujeitos.
Eles são convocados a fazer a máquina funcionar... Por isto pode ser dito que houve
uma
superação das categorias da Criminologia. Para se entender o que se passa,
atualmente,
não basta conhecer o que as Escolas preconizam; é preciso entender que o Estado,
entendido desde Weber como o titular indelegável do poder de punir, passou uma
procuração aos entes privados, ou seja, foi vendido no mercado de ilusões. A prisão
virou
mercadoria, trocada, claro, por seu valor de face, com direito a ações na Bolsa de
Valores.
Ferrajoli é preciso ao dizer que: “Infelizmente, a ilusão panjudicialista ressurgiu
em nossos
tempos por meio da concepção do direito e do processo penal como remédios ao mesmo
tempo
exclusivos e exaustivos para toda infração da ordem social, desde a grande
criminalidade ligada a
degenerações endêmicas e estruturais do tecido civil e do sistema político até as
transgressões
mais minúsculas das inumeráveis leis que são cada vez mais frequentemente
sancionadas
penalmente, por causa da conhecida inefetividade dos controles e das sanções não
penais. Resulta
disso um papel de suplência geral da função judicial em relação a todas as outras
funções do
Estado – das funções política e de governo às administrativas e disciplinares – e
um aumento
completamente anormal da quantidade dos assuntos penais.”[171]
1.5. Ao mesmo tempo em que houve recrudescimento do Sistema de Controle Social
pelo agigantamento do Sistema Penal[172], percebeu-se que haveria avalanche de
processos, cujos custos eram inviáveis. Assim é que a flexibilização do processo,
mediante “informalização” e “eficiência”, com a imediata redução dos custos, pode
ser
verificada nos Juizados Especiais que são equipados com para-juízes, ou seja, muita
gente de boa vontade, mas que não responde ao mínimo de garantias que o sujeito
processado faz jus, democraticamente. Guardadas as devidas proporções, houve a
introdução da lógica anglo-saxã do plea guilty/ not guilty, pelo acolhimento
imediato da
sanção, Contudo, no modelo americano, sem verdade substancializada, negocia-se
sobre
o enquadramento jurídico da conduta, sobre o período da prisão, bem assim sobre os
custos do julgamento[173]. Assim, tendo por fundamento lógica diversa, abre-se
espaço
de transação para além da pena, por envolver a própria definição jurídica dos
fatos. E a
introdução disto se deu com a transação penal no âmbito dos Juizados Especiais
Criminais[174].
1.6. Não se trata de reconhecer que a tradição Continental é melhor ou pior, dado
que esta discussão é inoperante. O que importa é que as tradições implicam em
práticas e
modos de pensar diferenciados. Ainda que não dito, muitas das reformas recentes no
ordenamento se deram pela fusão equivocada e irrefletida de tradições jurídicas,
trazendo-se, não raro, institutos estranhos ao Direito Continental. Esse comércio
de
institutos do direito anglo-saxão, todavia, não acontece sem o estabelecimento de
uma
tensão decorrente da diferença de tradições filosóficas, isto é, de matriz causa-
efeito,
parte-se, sem muita aproximação, ao panorama pragmático, no qual a eficiência
prepondera. Nessa perspectiva de diálogo entre tradições diversas é que surgem
possíveis justificações teóricas para, dentre outras reformas[175], a (i)
sumarização e
aceleração[176] de procedimentos; (ii) mitigação da obrigatoriedade da ação penal;
(iii)
possibilidade de negociação monetária (conciliação) e inclusão equivocada da vítima
no
processo penal[177]; (iv) suspensão condicional do processo; (v) aplicação de
discursos
consequencialistas no campo do direito e processo penal; (vi) discussão sobre os
custos
do processo e da pena; (vii) restrição recursal.
1.7. O que se precisa superar, de alguma forma, é a compreensão de que o Sistema
de Controle Social dará conta dos problemas gerados pela alteração do modo de
produção, bem como do discurso expansionista do Direito Penal e de flexibilização
das
garantias processuais. É necessário superar o que se pode chamar de “Processo Penal
do
Espetáculo”, movido pela junção equivocada e iludida de esforços. De um lado a
Esquerda Punitiva (Karam) e de outro a Direita de sempre, defendendo cinicamente os
valores da sociedade. O resultado disto é a evidência de uma vontade de punir que
precisa, sempre, de novos protagonistas. O produto crime interessa, ainda mais
quando
um “graúdo” passa a ser o acusado, pois relegitima todo o Sistema. A discussão da
segurança pública no contexto democrático precisa rever alguns conceitos que não
passaram pela oxigenação democrática advinda da Constituição da República de 1988 e
que continuam fazendo vítimas. Não se trata, como querem alguns, de enjeitar todo o
Direito Penal, cuja importância simbólica de limite precisa ser reiterada, nem de o
endeusar como a salvação das mazelas sociais. Cuida-se, sim, de responder
adequadamente ao conclame democrático de um direito penal que respeite os Direitos
Fundamentais, a partir da tão falada e pouco compreendida “dignidade da pessoa
humana”. Somente assim pode-se buscar reconstruir a cidadania brasileira, nesta
luta de
mais de vinte anos de Constituição.
1.8. A compreensão do Direito em disciplinas com fronteiras bem definidas não se
sustenta no contexto atual. Não há mais sentido em que estudar a Criminologia
dissociada do que se passa no Direito Penal, bem assim com os influxos que isto
apresenta no Processo Penal e do modo de produção Neoliberal. É preciso, assim, que
o
enfrentamento da questão genericamente englobada no campo penal possa se dar aberta
para um diálogo que não se superponha, mas não se acredite desprovido de vínculos
com
os demais saberes. Essa ausência de diálogo entre os saberes compostos de
disciplinas
implica hoje na ausência de coerência entre os temas debatidos nos respectivos
locais.
Não significa, claro, que se deva buscar a uniformização do ensino jurídico penal.
O que
se deve ter em consideração é que o conteúdo ministrado em Criminologia pode
facilitar/complicar a compreensão do Direito e do Processo Penal e vice-versa.
1.9. Até porque a representação Simbólica compartilhada da noção de Estado perdeu
seu caráter de Referência, ou seja, não se trata mais de um centro, sob o qual
giram as
demais instituições[178] e pessoas, pois o centro – Estado – foi deslocado e não
substituído pelo Mercado, justamente porque suas características, fundadas na
liberdade
extremada, sem regras, impede qualquer autoridade central[179]. Sem ela, já se
sabe, não
há limite. E sem limites, não há ilícito, nem ética que se sustente no espaço
público. Por
isto Boaventura de Souza Santos dirá: “A erosão da soberania do Estado acarreta
consigo, nas
áreas em que ocorre, a erosão do protagonismo do poder judicial na garantia do
controle da
legalidade.”[180] Acrescente-se, de outro vértice, que a fusão “forçada” de
tradições
jurídicas incrementa esta perda de referentes. A doutrina e jurisprudência de
países
estrangeiros, acompanhada dos órgãos internacionais, passam a influenciar, cada vez
mais, a hermenêutica interna. Os protagonistas do processo decisório se valem de
argumentos expendidos noutras tradições para decidir temas internos. A internet e
as
facilidades de pesquisa atuais, acrescidas da difusão acadêmica de algumas teorias,
fornecem os meios para que sejam convocadas construções de outras tradições para
compor o sentido interno. De um lado há atitude complementar e, por outro,
subversão
da ordem posta pela inserção de pressupostos filosóficos distintos, como é o caso
da Law
and Economics. Assim é que nesse espaço paradoxal, pois, resta apontar para o
limite, darse conta do que se passa e, de alguma forma, resistir.
1.10. O que se pode fazer diante deste quadro, desde o ensino jurídico? Não se
possui, nem se pode, apresentar receituário pronto. O espaço da sala de aula
precisa ser
problematizado com os diversos matizes ideológicos, justamente para propiciar uma
escolha por parte do acadêmico e não mera adesão irrefletida a posição dada. Um dos
dilemas atuais do ensino do Direito é relegitimar a característica do sujeito, isto
é, a
capacidade de analisar, refletir e escolher, com a responsabilidade daí advinda .
Especialmente no contexto atual em que houve significativa mutação em que resta
pouco
lugar à reflexão e, principalmente, pela assunção de responsabilidades. Há sempre
um
sujeito implicado nas escolhas e não se pode mais aceitar puro normativismo de
aplicação neutra[181] da norma jurídica, como se a aplicação aparentemente legal
desresponsabilizasse o sujeito por sua compreensão (autêntica ou não). Esse dilema
contemporâneo implica em sublinhar a necessidade de que o sujeito ao enunciar uma
proposição - se há enunciação e não mero despejar de enunciados - possa lembrar-se
de
sua categoria de sujeito e não de mero aplicador universal da norma. Esse é o
desafio de
um ensino jurídico que ao mesmo tempo que dialogue com a crítica não perca de vista
o
caráter operacional do discurso jurídico. Enfim, a construção de uma dogmática
crítica e
não alienada parece ser o pressuposto da visão unitária do Direito Penal. Nesta
visão,
pois, os saberes de intercruzam, relacionam-se, inexistindo feudos teóricos. De
qualquer
forma, para o Processo Penal Eficiente desprovido de garantias, deve-se dizer: não,
obrigado.
1.10. Se a Constituição, de fato, possui este papel de protagonismo, o desenho do
Direito e do Processo Penal deveria guiar-se por suas disposições. Entretanto, o
senso
comum teórico[182] permaneceu, no pós 88, manietado pelo discurso dos Código Penal
e
Processual Penal editados anterioremente, a saber: leu-se a Constituição pelo
Código
Penal e Processual Penal, quando, na verdade deveria ser justamente o contrário.
Apegados à legalidade mal-entendida, ou seja, a um legalismo pedestre, estes campos
do
Direito não fizeram a devida oxigenação constitucional. Cabe dizer, também, que a
Constituição, como documento histórico e fruto de um acirrado processo legislativo,
apresenta em seu corpo forte conteúdo punitivo[183]. Isto não pode ser
desconsiderado,
tanto que ela criou a denominação de crimes hediondos, restringindo direitos e
garantias, mas nem por isto aceitou o Direito Penal do Inimigo. É da leitura da
Constituição como unidade (contraditória) e seus reflexos no discurso
infraconstitucional que se pode aquilatar o baixo grau de eficácia dos Direitos
Fundamentais,
desde que entendida na tradição do devido processo legal substantivo e da teoria
dos
jogos. Não se pretende reconstruir as discussões sobre Jurisdição, Ação e Processo.
A ideia
deste momento é reiterar noções absolutamente necessárias ao encadeamento da
compreensão de processo como tarefa democrática inafastável. Essa compreensão, por
sua vez, não se aproxima, em nada, da rançosa visão explicada a partir de uma
impossível
Teoria Geral do Processo. É preciso, pelo menos, superar Dinamarco em favor de
Fazzalari,
lido pela teoria dos jogos.
1.11. O lugar e a função do processo no Brasil ainda se encontra escorada em
concepção ultrapassada, solo fértil para a aceitação acrítica dos modelos
totalizadores do
Direito e do Processo Penal. Talvez possa o Processo Penal Democrático se
constituir
como verdadeiro limite democrático. Buscando-se dialogar com a obra de Fazzalari
serão
trazidos aportes de outros discursos justamente na pretensão de tornar o processo
penal
brasileiro a tarefa democrática inafastável. Rompendo-se com os “escopos”
hegemônicos,
aponta-se para uma nova maneira de o entender, no qual o contraditório passa a ser
a
pedra de toque. As reflexões que seguem, pois, estão por aí, abertas ao diálogo
daqueles
que se encontram, de certa forma, incomodados pela maneira exclusivamente
metodológica – com fundamento ideológico – do processo. O processo penal, entendido
como jogo democrático, é o único lugar para verificação das condutas penais[184].
Por
isso há necessidade de informações adequadas para que a decisão possa acontecer,
até
porque superada a Verdade Real.
1.12. A denominada Verdade Real é mito sedutor, conveniente e ilusório. É a fraude
pela qual os envolvidos acreditam que, mediante alguns depoimentos e provas
(informações), podem reconstruir os fatos tal como se deram. O acontecimento do
passado é trazido ao presente com a força de um replay. Entretanto, nem o replay
consegue mostrar o acontecimento por vários ângulos. Ainda que se tenham várias
câmeras de televisão, por exemplo, em um jogo de futebol, algo escapa. Mas a
verdade
real engana e funciona como mecanismo retórico para que se aceitem práticas
inquisitórias e autoritárias. Além disso, faz com que o julgador possa dormir o
“sono dos
justos”, não fosse esse o sono do iludido. Inexistem condições de se reconstruir o
passado. O que há, no processo penal, no momento da decisão, é acertamento temporal
de discursos (fusão de horizontes), nos quais deverão ser fundados na tradição
democrática e serão sempre da ordem do parcial, do contingente.
2. Jurisdição revisitada: o lugar do julgador
2.1. As discussões sobre o conceito de Jurisdição são ainda vivas[185]. Roman
Borges
faz o histórico das querelas envolvendo o conceito, lembrando com Chiovenda que a
Jurisdição “é o poder de aplicar a lei aos casos concretos de forma vinculante e
cogente”[186],
materializada pela coisa julgada[187]. A Jurisdição, assim, está ligada
indissociavelmente
ao poder[188]. De qualquer forma, na perspectiva de se construir a alteridade
(Dussel), a
Jurisdição precisa se aproximar de La Boétie e sua proposta de amizade. Lido a
partir da
psicanálise, o submetimento à Jurisdição decorre do desejo de onipotência, de
tirania, que
aviva em cada sujeito[189]. Roman Borges sustenta que se “pode concluir com La
Boétie que
o poder de um só sobre os outros foi dado ao tirano por nosso desejo de sermos
tiranos também.
Além disso, o autor acrescenta que esse desejo de ser tirano vem do desejo de ser
proprietário, de
ter bens e riquezas e, portanto, do desprezo que temos pela liberdade.”[190] Então,
o argumento
de La Boétie de que não existe fundamento em se submeter incondicionalmente a um
senhor, sem garantias de que será bom ou mau[191], por não possuir limites, pode
ser
explicado. Não se trata de encantamento ou de feitiço, mas de desejo de ser igual
(onipotente), esperando que, no futuro, detenha-se (todo) o poder[192] (Pai da
Horda).
Sua perplexidade diante da ‘servidão voluntária’, naturalizada – introjetada – e
perseguida pela população, na lógica do poder e do senhor, impõe uma postura
diversa
frente ao poder da opressão, rompendo com a base de servidão[193], ou seja: “Nos
reconheçamos uns aos outros como companheiros, ou antes, como irmãos. (...) Para
que cada qual
pudesse mirar-se e como que reconhecer-se um no outro.”[194] Miranda Coutinho
lembra que:
“Etienne de La Boétie tinha razão: obedecemos a vontade de um porque queremos ser
que nem ele,
ou seja, tiranos. Rei morto, rei posto: e viva o Rei! Bastaria, contudo, diz o
próprio La Boétie, não
dar o que ele quer para a casa vir abaixo, ou seja, não dar a ele nossa razão (que
é só imagens) e
nossa liberdade, isto é, nosso desejo de posse e poder.”[195] A partir deste
reconhecimento
entre iguais, a ‘servidão voluntária’ deixaria de ter fundamento, já que ela foi
construída.
Ao invés de ser naturalizada[196], deve-se resgatar o fundamento de liberdade e a
obrigação de a defender, precisando-se, de qualquer maneira, desalienar os
sujeitos,
porque “do gosto da liberdade, de como é doce, nada sabes.”[197] Roman Borges
conclui: “Com
isso, La Boétie quis dizer que a única forma de se derrubar a tirania é não
consentir com a
servidão, não dar o tirano mais do que lhe é devido.”[198] Esse conteúdo da
Jurisdição com
amizade (La Boétie), portanto, constitui-se como condição de possibilidade da
instrumentalização da factibilizçaão do fair play no processo penal entendido como
jogo.
2.2. Além disso, pode-se dizer que a noção contratualista e civilista de Jurisdição
como substituição da vontade privada, no campo do direito penal, não se sustenta. O
monopólio penal é do Estado e não pode ser delegado. Daí que não há sentido em se
invocar a noção contratualista, apontando Roman Borges que a Jurisdição no processo
penal “tem como finalidade o acertamento irrevogável dos chamados casos penais,
isto é, das
situações de dúvida quanto à aplicação ou não da sanção penal.”[199] Em face do
monopólio
do Estado na imposição de penas, somente o Estado Juiz pode reconhecer
responsabilidade penal, impor sanções, analisar as questões, sem possibilidade de
sua
reabertura eterna, mediante a fixação da coisa julgada. Vale dizer: julgado o caso
penal,
salvo na hipótese de retomada pela defesa em Revisão Criminal, a porta da acusação
resta fechada.
2.3.. Em resumo: A intervenção e fundamento da Juridição Penal é o mesmo da
guerra, a saber, exclusivamente político, com o fim de sustentar o controle social
e suas
práticas (des)nomalizadoras, acertando discursivamente, por decisão judicial, as
condutas criminalizadas[200].
2.4. Pode-se indicar, com Miranda Coutinho[201], que os princípios da Jurisdição –
mesmo que genericamente – são:
(a) Princípio da Imparcialidade: o Juiz ignora os fatos, mas não é neutro, já que
possui suas conotações políticas, religiosas, ideológicas, etc.., mas deve ser
imparcial:
afastamento subjetivo dos jogadores e do objeto da ação penal. Os jogadores poderão
impugnar o julgador por exceção de suspeição/impedimento (CPP, art. 95 e sgts).
Para
garantir a imparcialidade (objetiva e subjetiva), o CPP indica que o julgador e o
Ministério Público (CPP, art. 258, STJ, Súmula n. 234) não podem ser impedidos
(CPP,
art. 252-253) e/ou suspeitos (CPP, art. 254). Anote-se que a intervenção de um
impedido
exclui a dos demais. Por exemplo, se o defensor atuou no APF ou no IP, ele exclui o
Julgador e vice-versa. Entretanto, ainda que um dos envolvidos no processo
(jogadores
ou acusado) injurie ou promova qualquer ato com a finalidade de criar a suspeição,
tal
jogada será considerada ilegal, não excluindo o julgador (CPP, art. 256). Estendem-
se as
hipóteses de impedimento e suspeição aos servidores e auxiliares da Justiça (CPP,
art.
274). Difunde-se que a autoridade policial (Delegado de Polícia), por exercer
atividade
meramente administrativa, não sofreria as limitações previstas no CPP. Contudo,
pensar
assim é desconhecer que no devido processo legal substancial a intervenção do
Estado
não pode se dar de maneira pessoal por força dos princípios da administração
pública
(CR, art. 37), em especial o da impessoalidade. Há, pois, extensão das causas de
impedimento, por analogia, à fase pré-processual.
(b) Princípio do Juiz Natural: Conquista democrática, o Juiz Natural busca evitar o
Juiz de ocasião. Ferrajoli atribui ao princípio do juiz natural três significados
distintos,
embora correlatos: (i) juiz pré-constituído pela lei e não concebido após o fato;
(ii)
impossibilidade de derrogação e indisponibilidade de competência; e, (iii)
proibição de
juízes extraordinários e especiais. Assim é que não se podem criar juízos de
ocasião,
devendo-se analisar a competência em face dos juízos existentes no momento da
imputação. Na tradição constitucional brasileira (CR, art. 5º, LIII), o princípio
do juiz
natural emprega dupla finalidade, proibindo tribunais de exceção e não consentindo
com
a transferência da competência para outro tribunal (avocação)[202]. É aquele
previsto por
Lei em sentido estrito, antes do fato imputado, não se podendo o alterar
posteriormente.
Por fim, cabe sublinhar que o Princípio da Identidade Física do Juiz foi
reconhecido no
CPP, a saber, o que presidir a audiência de instrução e julgamento deverá proferir
a
decisão (CPP, art. 399, §2º).
( c ) Princípio da Indeclinibilidade: Não pode o julgador, depois de fixada a sua
competência, determinar a prorrogação e/ou a delegação da competência. O Estado
Julgador não pode declinar aos particulares o acertamento do caso penal. Isto é, a
decisão
de mérito, absolutória (CPP, art. 386) ou condenatória (CPP, art. 387), não pode
ser
delegada a terceiro[203].
(d) Princípio da Inércia da Jurisdição: Se no jogo não houver juiz, os lugares são
indistintos. Não se pode confundir o papel do julgador com o dos jogadores. As
decisões
do julgador estão vinculadas às jogadas. Não pode ele, assim, tomar um lugar que
não é
seu, cabendo-lhe garantir o fair play, isto é, o jogo limpo (CPP, art. 251). A
Constituição
da República desenha Instituições (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria
e
Advocacia) com atribuições específicas. Assumir a função processual que não é sua
vicia
o jogo. Na condução da partida processual deve o julgador evitar procrastinações e
jogadas ilegais, advertindo os jogadores e declarando nulas as jogadas ilegais.
Enfim,
cabe-lhe garantir direitos processuais, sem participação na gestão da prova ou em
nome
da ilusória Verdade Real. Diversas disposições do CPP não foram recepcionadas pela
CR/88 e disposições das reformas parciais são inconstitucionais.
Exemplificativamente
indicam-se: a impossibilidade de (i) iniciar a ação penal de ofício; (ii) promover
diligências não requeridas pelas partes; (iii) formular perguntas às
testemunhas/informantes (CPP, art. 212); (iv) condenar sem requerimento (CPP, art.
385);
(v) modificar a imputação penal de ofício, salvo no limite da leitura conforme a
Constituição (CPP, arts. 383-384); (vi) não aceitar o arquivamento (CPP, art. 28),
(vii)
decretar prisão sem requerimento do jogador acusador (CPP, art. 310); (viii)
recorrer de
ofício (CPP, art. 574), dentre outros dispositivos.
3. Ação: nova leitura
3.1. É impossível, aqui, retomar-se o questionamento sobre a ação[204], bem como
adentrar-se no exame de sua autonomia em face do direito (dito) objetivo.
Reconhece-se,
contudo, sua densidade[205]. A polêmica sobre a actio (Windsheid e Muther), sobre a
caráter abstrato ou concreto do direito de ação no campo penal, diante do princípio
da
legalidade, perdeu grande parte da importância teórica. Isso porque o exercício da
ação
penal depende da (a) denúncia/queixa apta; (b) pressupostos e condições da ação –
legitimidade e interesse -, e (c) análise de sua justa causa[206] e sua tipicidade
aparente.
3.2. Para o recebimento da ação penal é necessária a existência de tipicidade
aparente, a saber, a conduta descrita na denúncia deve corresponder, pelo menos em
tese, ao tipo penal indicado. Isso porque não se pode acolher no campo do processo
penal o excesso de acusação, bem assim a instauração de ação penal – mesmo para
fins
de suspensão condicional do processo – com base em provas inservíveis
constitucionalmente. Miranda Coutinho[207] já apontava a necessidade de se evitar o
abuso de acusação via controle jurisdicional, por oportunidade do recebimento da
denúncia. Nunes da Silveira[208] produziu monografia na mesma linha: “A tipicidade
penal, em relação ao meritum causae, deve ser vista através da diferenciação entre
a
tipicidade aparente (condição da ação) e a tipicidade (matéria de mérito), ou seja,
a
primeira, condição da ação penal, refere-se à demonstração, pelo autor, de que os
fatos
imputados gozam, aparentemente, de credibilidade tal, a ponto de serem considerados
típicos, e a segunda (a tipicidade), em qualquer momento que seja perquirida – no
recebimento da inicial, ou ao final da instrução processual -, ensejará uma decisão
de
mérito, com análise profunda do material probatório.” A razão disso se mostra
evidenciada: evitar a instauração de ação penal em face de condutas que embora
possam
ser reprováveis do ponto de vista coletivo, no campo penal carecem de tipicidade ou
possuem excesso de capitulação. Silva Jardim[209] sustenta que “na verdade, não são
elas
condições para a existência do direito de ação, que, por ser abstrato, existirá
sempre, mas
sim condições para o seu regular exercício. A falta de uma destas condições nos
remete à
teoria do abuso do direito de ação e não poderá, logicamente, admitir a sua
existência.“
Desta maneira, no momento do recebimento da ação penal é necessária a verificação
da
parametricidade entre a imputação da denúncia e a descrição fática analisada em
face
dos elementos probatórios justificadores da ocorrência de justa causa. Não se pode
falar
genericamente no direito ilimitado de acusar, dado que isso significaria abuso de
direito[210], especialmente no mundo de escassez de recursos, no qual se deve
verificar o
trade-off da ação proposta. Dito de outra forma: o Direito de Ação abstrato do
Estado
não se confunde com as condições para o exercício. Pretende-se deslocar a teoria
vigente
da ação para se demonstrar que o exercício da ação deve levar em conta o cenário e
o
contexto em que a ação é proposta, tanto em relação ao direito penal quanto à
capacidade
de assimilação da unidade jurisdicional, especialmente porque se pensa a partir da
teoria
dos jogos.
3.3. Como a Jurisdição não pode atuar de ofício, o jogador-acusador é o único que
pode começar uma guerra, via ação penal. E para isso ele deve saber necessariamente
o
que pretende e qual a estratégia processual para obter êxito. O processo penal é
atividade direcionada a um fim! Não pode ser apenas uma lógica de reprodução de
denúncias/queixas porque atenderiam ao tipo penal. Esse juízo deve levar em
consideração a dimensão do crime, o contexto probatório, a capacidade de
assimilação da
unidade, enfim, não se trata de receber os documentos, Inquéritos Policiais e Autos
de
Prisão em Fragrante, iniciando uma guerra processual. É algo muito mais sério e não
considerado na maioria dos foros. Cada processo é uma guerra distinta e quando se
age
em muitas batalhas a possibilidade de se perder uma importante é maior. Guerra é
algo
de timming, a saber, precisa ser imediata e a extinção da punibilidade (prescrição,
por
exemplo – CP, art. 107 c/c art. 109) é uma possibilidade que desfaz a possibilidade
quer
de vitória, que de derrota. Assim, longe de se defender a impunidade (embora esse
escrito seja manifestamente minimalista) as contingências singulares do ambiente
forense devem ser consideradas pelos jogadores, sob pena de se instaurar a
ineficácia
jurisdicional.
3.4. Nesse pensar, embora exista a Súmula n. 438 do STJ[211], sem caráter
vinculante, não faz sentido continuar com o processo. É necessária a aplicação da
Prescrição Antecipada/Hipotética por ausência de trade-off. Verificando-se, à
evidência,
que a pena a se aplicar será atingida pela prescrição torna-se inviável e inócuo
que se
prossiga até sentença final, a qual, mesmo sendo condenatória, nenhum efeito
concreto
produziria, porque já caracterizada a prescrição, da qual resultará a extinção da
punibilidade[212]. Assim, até mesmo por uma questão de política criminal, evita-se
o
prosseguimento de ação inútil e com custo exorbitante, além de estigmatizante.
Combater o crime genericamente é afirmação ingênua. Há estreita relação entre a
dimensão política e a persecução penal. É preciso reconhecer que os objetivos devem
ser
claros e a força estatal é limitada. Não se trata de mitigar a indisponibilidade da
ação
penal, como alguns apressados podem invocar. Trata-se de se demonstrar
racionalmente
que o exercício da ação penal, seus custos e resultados no caso de ganho da
batalha, serão
inservíveis ao fim político. A vitória aqui seria de Pirro, a saber, inútil.
Cumpre, assim,
reconhecer, por antecipação, a prescrição da pretensão punitiva do Estado, com base
na
pena hipotética em concreto.
3.5. A punição da bagatela precisa ser vista na perspectiva das guerras já
declaradas
(ações penais em andamento e as batalhas que se avizinham). Com escassez de
recursos
(juizes, ministério público, dinheiro, pautas, etc) a decisão sobre iniciar mais
uma guerra
processual ou se focar nas mais relevantes depende do domínio das trocas
compensatórias, ou seja, trade-off, entendido como a escolha por um das
alternativas
incompatíveis de se obter[213]. As condições de efetivação das alternativas são
inviáveis.
Daí que no ambiente forense os cenários de cada unidade devem ser levados em
consideração. Receber o IP e oferecer denúncia sem analisar o cenário é próprio de
jogadores-acusadores que não entendem a dimensão da sua função e depois reclamam
que as ações demoram.
3.6. Pode-se indicar, com Miranda Coutinho[214], que os princípios da Ação –
mesmo que genericamente – são:
(a) Princípio da Oficialidade: Embora a tutela penal seja monopólio do Estado, o
exercício do direito de ação vincula-se ao bem jurídico tutelado, o qual pode ser
público, semi-público ou privado. No primeiro caso tendo ciência da ocorrência da
possível infração e com os demais elementos necessários, o Estado deve promover
a ação penal. No segundo caso depende de manifestação expressa da vítima (e/ou
seu representante), no prazo legal – de regra o prazo de decadência (perda do
direito de ação) é de seis meses (CPP, art. 38 c/c art. 10 do CP, incluindo o dia
do
conhecimento do fato, diferente do prazo processual). Na terceira hipótese – ação
privada – a legitimidade para ação é do ofendido ou de quem tenha qualidade de o
representar (CPP, art. 30). Entende-se que a representação não exige formalidades e
deve conter a manifestação inequívoca da vontade em prosseguir na ação penal
(CPP, art. 39). Cabe ainda sublinhar que o Ministério Público ao receber elementos
para análise da ação penal possui prazo (5 dias para preso e 15 dias para solto –
CPP, art. 46). Não formulando a ação penal no prazo legal, nem requerendo
diligências, declinando da competência ou determinando o arquivamento, surge a
possibilidade da legitimação extraordinária da vítima/representante legal (CPP,
art.
37), na modalidade de ação privada subsidiária da pública (CR, art. 5º, LIX e CPP,
art. 29)[215]. Ocorrendo morte o direito se transfere ao cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão (CPP, art. 31 e 36). Sendo o ofendido menor de 18 anos,
portador de necessidades especiais, não tiver representante ou os interesses se
colidirem, será nomeado curador especial (CPP, art. 33).
(b ) Princípio da Obrigatoriedade – Legalidade: Preenchidos os requisitos legais
para o exercício da ação penal não pode o jogador-autor negar-se a iniciar a
partida
por questões privadas. Decorrência do devido processo legal substancial é
descabido o tratamento não isonômico, inexistindo disponibilidade sobre o
conteúdo da ação penal. Claro que nesse juízo deve ser ponderada a existência das
suas condições, dentre elas a justa causa, a qual enbloga a tipicidade aparente.
Abrir-se mais uma guerra processual depende do cotejo da condições de
possibilidade do jogo.
(c) Princípio da Indivisibilidade: Embora previsto somente nos casos de ação penal
privada (CPP, art. 48), entende-se que não pode – como decorrência do princípio da
obrigatoriedade/legalidade – o Ministério Público escolher dentre os possíveis
autores da infração somente alguns para figurar no processo. Pode manifestar-se
pelo arquivamente em relação a alguns dos investigados e denunciar os demais. O
que é vedado é imotivadamente deixar de promover a ação penal por critérios
outros que não decorrentes da investigação preliminar. Havendo condições da ação
o processo deverá ser proposto contra todos os envolvidos.
4. Processo como procedimento em contraditório
4.1. A função do jogo denominado processo é a de acertamento do ‘caso penal’[216]:
cometida a conduta imputada, a pena somente será executada a partir de uma decisão
jurisdicional, presa ao pressuposto: a reconstituição significante da conduta
imputada no
presente, acolhida por decisão fundamentada, a partir de uma visão de verdade
processual decorrente de processo em contraditório e com julgador sem função de
jogador.
4.2. Apesar de o Direito Penal ainda trabalhar, na sua visão hegemônica, sob a
denominação de processo como algo mais que procedimento, grosso modo, a maneira
pela
qual o processo caminha, na linha do legado de Liebman, esse escrito desloca a
compreensão para a proposta de Fazzalari e, ao depois, conjuga, em certa medida, a
teoria do discurso de Habermas para, então, situando o local democrático do juiz no
Processo Penal, longe de qualquer função probatória, própria dos jogadores. A
concepção
de processo manejada pelo senso comum teórico dos juristas é a de entender o
processo como
conjunto de atos preordenados a um fim, ou seja, a atividade exercida pelo juiz no
exercício da Jurisdição, sendo o procedimento seu aspecto puramente formal, o rito
a ser
impresso. O processo, assim, acaba se burocratizando em formas, modelos e ritos,
muitas vezes tido como acessório do Direito Penal, redundando em flagrantes
equívocos.
Dizer que o Processo Penal possui papel acessório, de fazer acontecer a lei, na
lição de
Binder[217], é insuficiente e superficial, dado que o que se denomina “tipo” possui
reflexos inexoráveis na compreensão da norma processual, não se podendo falar em
plena autonomia, havendo, ao contrário, uma ‘estrecha relación’ entre o “tipo” e o
Processual Penal, até porque a atribuição de sentido é realizada num ambiente
hermenêutico desprovido de metalinguagem salvadora (Lenio Streck). Apesar de o
conhecimento das formas processuais ser importante, o isolamento formal faz
desaparecer a estrutura democrática – diferenciando julgador e jogador – do
Processo
Penal. É preciso mais, invertendo-se, por primeiro, a própria compreensão de
processo.
4.3. A visão prevalecente, a la Dinamarco, demonstra o desconhecimento da atual
compreensão de processo, já apontada por Cordero[218], dado que o processo na
contemporânea configuração da relação jurídica, segundo Fazzalari[219], é o
procedimento
em contraditório. Até porque existem outros procedimentos, como o tributário,
administrativo, nem sempre em contraditório. O contraditório é, pois, a
característica que
diferencia o processo do procedimento[220]. A legitimidade na imposição de atos
cogentes,
decorrentes do poder de império, com consequências no âmbito dos jurisdicionados e,
no caso do Processo Penal, dos acusados, precisa atender aos princípios e regras
previstos
no ordenamento jurídico de forma taxativa. As regras do jogo democrático devem ser
garantidas de maneira crítica[221] e constitucionalizada, até porque com Direito
Fundamental (e as normas processuais o são), não se transige, não se negocia,
defendese. Dito de outra forma, as regras do jogo devem ser constantemente
interpretadas a partir
da matriz de validade Garantista[222], não se podendo aplicar cegamente as normas
do
Código de Processo Penal, sem que se proceda antes e necessariamente, oxigenação
constitucional[223]. Nesse caminhar procedimental, preparatório ao ato de império,
a
existência efetiva de contraditório consiste em sua característica
fundamental[224]. Assim
é que a teoria do processo precisa ser revista, a partir do contraditório,
implicando na
modificação da compreensão de diversos institutos processuais vigorantes na prática
processual brasileira.
4.4. Em relação ao direito subjetivo, Fazzalari propõe que este seja entendido a
partir
da relação entre o sujeito e o objeto do comportamento indicado pela norma
jurídica, o
qual o coloca numa posição de vantagem pelo exercício de uma faculdade ou de um
poder[225]. Não se trata mais de poder sobre a conduta da parte adversa ou mesmo de
prestação, senão sobre os efeitos processuais da norma[226], da jogada processual
válida.
Os atos processuais lícitos (jogadas) se mostram como poderes decorrentes do
exercício
da vontade, regulados por normas processuais, perante as quais o sujeito possui o
poder
de agir (confissão judicial), a faculdade (arrolar testemunhas) e o ônus, (no caso
da
imposição de consequências pelo descumprimento da norma). A faculdade e o poder
podem, também, gerar circunstâncias desfavoráveis ao sujeito caso não exercidas a
tempo e modo. O procedimento – jogo processual – desenvolve-se a partir de atos
jurídicos lícitos, componentes do desenrolar procedimental até a decisão final, mas
não
numa compreensão de oposição aos atos ilícitos[227]. Destarte, até a decisão final,
o
procedimento, apesar de guardar unidade, deve ser visto como uma sucessão de atos
jurídicos – subjogos – determinados por normas processuais que regulamentam a
maneira pela qual se dará a sequência de atos e posições jurídicas: “O procedimento
não é
atividade que se esgota no cumprimento de um único ato, mas requer toda uma série
de atos e
uma série de normas que os disciplinam, em conexão entre elas, regendo a sequência
de seu
desenvolvimento. Por isso se fala em procedimento como sequência de normas, de atos
e de
posições subjetivas.”[228]. É a perfeita vinculação das etapas antecedentes que
legitima o
procedimento[229] como condição preparatória ao provimento final[230], consoante
aponta Cordero: “El antecedente inválido contamina a los siguientes.”[231] A
posição subjetiva
é o vínculo do sujeito para com a norma, a qual lhe valora suas manifestações de
vontade
como lícitas, facultadas ou devidas, com as consequências daí advindas[232],
verificandose a ocorrência de preclusão das decisões interlocutórias, salvo
nulidade, passível de ser
discutida, inclusive em sede de Habeas Corpus. Desta feita, a legitimidade do
provimento
judicial dependerá do desenrolar correto dos atos e posições subjetivas previstos
em lei,
do fair play. E a perfeita observância dos atos e posições subjetivas dos atos
antecedentes
é condição de possibilidade à validade dos subsequentes. Logo, a mácula
procedimental
ocorrida no início do processo – subjogo – contamina os demais, os quais para sua
validade precisam guardar referência com os anteriores[233]. O ato praticado em
desconformidade com a estrutura do procedimento é inservível à finalidade a que se
destina[234]. A decisão final, preparada pelo procedimento, também se constitui
como
parte deste, ou melhor, sua parte final, o resultado.[235]
4.5. Então, invertendo-se a lógica do senso comum teórico dos juristas, o processo
é
procedimento realizado por meio do contraditório e, especificamente no Processo
Penal,
entre os jogadores Ministério Público[236] e/ou querelante, e efetiva presença do
acusado com defesa técnica, mediados pelo julgador. Por isso a necessidade de se
entender o exercício da Jurisdição a partir da estrutura do processo como
procedimento em
contraditório, com significativas modificações na maneira pela qual ele se instaura
e se
desenrola, especialmente no tocante ao princípio do contraditório e o papel do juiz
na
condução do feito[237]. Nesse pensar, o contraditório precisa ser revisitado, uma
vez que
não significa apenas ouvir as alegações das partes, mas a efetiva participação, com
paridade de armas, sem a existência de privilégios, estabelecendo-se comunicação
entre
os jogadores, mediada pelo Estado julgador[238]. Rompe-se, outrossim, com a visão
de
que a simples participação dos sujeitos (juiz, auxiliares, ministério público,
acusado,
defensor) do processo possa conferir ao ato o status de contraditório. É preciso
mais. É
preciso a efetiva participação daqueles que sofrerão os efeitos do provimento
final,
apurando-se o melhor argumento em face do Direito e do ‘caso penal’, na via
intersubjetiva.
4.6. A figura do juiz, desde o ponto de vista de sujeito do processo entendido como
jogo, demonstra que sua participação não é de mero autômato, mas está vinculada às
decisões proferidas no curso do procedimento (subjogos) e no seu final, no
exercício de
sua função jurisdicional[239], sem olvidar os princípios informadores de sua
atuação.
Assim é que apesar dessa participação – sujeito do processo –, não se pode
confundir a
função do julgador com a dos jogadores, eis que não assume a condição de
contraditorjogador, a qual é exercida pelos interessados, mas de terceiro-julgador,
responsável, todavia,
pela sua regularidade na produção dos significantes probatórios. Sua função é
também a
de expedir, em nome do Estado, o provimento com força imperativa, atendido o devido
processo legal substancial, levando em consideração os argumentos construídos no
procedimento, em decisão motivada, mesmo[240].
4.7. A exteriorização do princípio do contraditório, na proposta de Fazzalari, se

em dois momentos. Primeiro com a informazione, consistente no dever de informação
para que possam ser exercidas as posições jurídicas em face das normas processuais
e, num
segundo momento, a reazione, manifestada pela possibilidade de movimento
processual,
sem que se constitua, todavia, em obrigação[241]. Logo, no caso do Processo Penal,
o
contraditório precisa guardar igualdade de oportunidades, exigindo, assim, a
revisão de
diversas regras do Código de Processo Penal brasileiro, mormente no tocante à
gestão da
prova e ao (dito) objeto do processo, deixando-se evidenciada qual a conduta a ser
verificada, via denúncia/queixa apta, os meios para sua configuração e as posições
processuais de cada envolvido, no que a epistemologia garantista se associa.
4.8. Acrescente-se, de outro lado, que o senso comum teórico dos juristas pretende
a
adequação do processo às finalidades do Estado do Bem Estar Social. Para tanto,
Dinamarco revisita a teoria processual para a adaptar aos resultados exigidos pela
população, mediante a otimização do sistema rumo à efetividade do processo[242].
Partindo
da autonomia do Direito Processual, Dinamarco indica a necessidade de, pela razão,
terse a consciência da instrumentalidade do processo em face da conjuntura social e
política
do seu tempo, demandando um “aspecto ético do processo, sua conotação
deontológica.”[243]
Esse chamado exige que o juiz tenha os predicados de homem do seu tempo, imbuído
em reduzir as desigualdades sociais e cumprir os postulados processuais
constitucionais,
vinculando-se aos valores constitucionais, em especial o valor Justiça. A proposta
está
baseada nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado Social[244], mas
vinculada à
posição especial do juiz no contexto democrático, dando-lhe poderes
sobrehumanos[245], na linha de realização dos ‘escopos processuais’, com forte
influência da
superada Filosofia da Consciência, deslizando no Imaginário e facilitando o
surgimento de
Juízes Justiceiros da Sociedade. Entretanto, este paradigma, informado pelo modelo
do
Bem-Estar Social e da jurisprudência de valores não mais se sustenta, como bem
afirma
Cattoni[246], mormente em face do paradigma habermasiano, acolhido de forma parcial
neste escrito. Não se trata mais de realizar os valores sociais, quer via escopos
(Dinamarco)
ou essencialismos dicotômicos, que em certa medida concedem um conforto Metafísico,
mas acolher no campo das práticas jurídicas a viragem linguística, cujos efeitos
retiram
qualquer carga axiológica do processo. O processo precisa de nova postura. A
pretensão de
Dinamarco de que o juiz deve aspirar os anseios sociais ou mesmo o espírito das
leis,
tendo em vista uma vinculação axiológica, moralizante do jurídico, com o objetivo
de
realizar o sentimento de justiça do seu tempo, não mais pode ser acolhida
democraticamente[247], sob pena de se abrir espaço para julgamentos sem provas,
atendendo anseios de linchamento e/ou midiáticos.
4.9. Advirta-se, por fim, que a atuação do juiz, no procedimento, não pode ser a de
realizar os anseios sociais, devendo se postar de maneira imparcial, garantindo o
equilíbrio contraditório, ou seja, a verdadeira democracia processual[248].
Todavia, no ato
decisório, a pretensão habermasiana não pode ser acolhida como se mostra. Evidente
que
os argumentos formulados pelas partes devem ser levados em consideração no momento
da decisão, fundamentando-se as pretensões de validade, mas não se pode negar, pela
construção até aqui realizada, que o um-julgador esteja informado por fatores
externos,
condicionantes ideológicos, criminológicos, midiáticos, inconscientes, enfim,
subjetivos que
sempre são co-produtores da decisão, mesmo que obliterados retoricamente. O
importante é que sua atuação do juiz no decorrer do processo como procedimento em
contraditório não deve pender para a realização antecipada de suas opções
ideológicas,
criminológicas, sob pena de macular a legitimidade de sua decisão. É somente na
decisão
que elas devem aparecer de maneira fundamentada.
4.10. No recorte desse escrito, a imensa obra de Habermas é acolhida de maneira
pontual, especificamente no tocante ao discurso a ser instado intra-
processualmente.
Como já se afirmou anteriormente, o Direito Processual possui balizas democráticas,
não
se podendo mais aceitar a decisão isolada e sem fundamentação do Juiz, devendo
este,
necessariamente, considerar as pretensões de validade enunciadas pelas partes no
discurso comunicativo instaurado. Neste paradigma não há espaço para
discricionariedade judicial (Hart[249]), como a interpretação não atende a uma
moldura
de possibilidades (Kelsen[250]). Pelo contrário, a decisão judicial, naquilo que
Habermas
evidencia como tensão entre faticidade e validade[251], exige uma nova postura dos
atores
jurídicos embrenhados no processo (sempre) constitucional e intersubjetivo de
atribuição de sentido[252]. A autonomia do Direito Processual não pode significar o
estabelecimento de feudos decisórios dos magistrados[253], inseridos desde sempre
no
campo comunicacional e regulados, no caso do Processo Penal, pelas respectivas
normas.
4.11. Consequência disso é a assunção de nova postura por parte do juiz (julgador e
não jogador), ganhando relevo, por conseguinte, a teoria da decisão judicial. Para
tanto, o
ponto de partida deve se constituir na crítica à maneira pela qual o senso comum
teórico a
vende e a massa histérica pelo gozo dos atores jurídicos compra a verdade fundante
prometida apocalipticamente, e entregue sob a tutela de uma nova dinastia, ou
‘Monastério de Sábios’ – Warat –, os guardiães das promessas da modernidade –
Garapon[254]
–, em especial a figura do Juiz, do Super-Juiz, sujeito cheio de predicados
(serenidade,
sabedoria, sapiência, moralidade, hombridade, etc), um Juiz Hércules, como diria
Dworkin. A discussão, portanto, sobre o instituto da decisão judicial é
fundamental.
Conquanto não se acolha o procedimentalismo habermansiano no que se refere à
postura
do Poder Judiciário[255], a razão comunicativa mostra-se, no âmbito processual,
importante. Para Habermas, o poder da razão se fundamenta no processo de reflexão,
ao
revés da ciência positivista e a postura cognitivista, sendo necessário o abandono
da
objetividade do pensamento monológico. Essa teoria implica redefinição do caráter
universal da verdade. Assim é que Habermas pretende que a teoria crítica cumpra os
objetivos de uma sociedade, consistente no fim da coerção e da injustiça pelo
estabelecimento de autonomia através da razão e harmonia consensual de interesses
por
uma administração racional da Justiça. Partindo da Teoria da Opinião Pública de
Habermas, a linguagem é concebida como a garantia da democracia, tendente a
conseguir
acordos consensuais das decisões coletivas. Com efeito, o Estado Democrático de
Direito,
na visão procedimentalista, seria um projeto constante de acordos sobre os melhores
argumentos, historicamente escolhidos pelos concernidos, em situação ideal da
fala[256].
Destaca Leal que: “Nesse ponto, a teoria do processo como procedimento em
contraditório
(Fazzalari) é que nos habilitou saltar de uma subjetividade apofântica milenar para
uma
concepção processual expressa numa relação espácio-temporal internormativa como
estruturante
jurídica do agir em simétrica paridade e instaladora do juízo discursivo
preparatório do
provimento (decisão).”[257]
4.12. A Teoria da Ação Comunicativa parte da estrutura de que quem argumenta
presume que ela pode ser justificada em quatro níveis: (a) o que é dito é
inteligível, por
regras semânticas compartilhadas; (b) o conteúdo do que é dito é verdadeiro; (c) o
emissor justifica-se por certos direitos sociais ou normas que são invocadas no uso
do
idioma; (d) o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor. Em
suma,
não pode ser uma comunicação distorcida. O princípio ‘D’ confere à proposta
habermasiana a possibilidade de verificação da validade dos argumentos, desde que
sejam
suscetíveis de serem justificados e obtenham o livre assentimento de todos os
concernidos
na condição de participantes – atuais ou potenciais – de discurso público real,
desenvolvido conforme as normas de uma comunidade ideal de comunicação ou situação
ideal da fala, entendido este último como princípio ‘U’[258]. Na teoria da
democracia
habermasiana não se trata da escolha promovida pelo juiz[259], em seu feudo
soberano,
alheio e descomprometido com o debate processual argumentativo efetuado em
contraditório, com ampla defesa e isonomia, mas o contrário, acolhendo, ademais, o
‘giro
linguístico’, ou seja, é pós-metafísica. As metodologias, pois, não concedem mais a
certeza de antes. Com isto, as rançosas percepções da ‘Filosofia da Consciência’
(do sujeito
uno) são expungidas do campo processual, abrindo-se espaço para a democracia
processual discursiva, abjurando-se, dentre outras, a legitimidade formal
kelseniana do
juiz.
4.13. Com efeito, esse processo democrático precisa garantir a isonomia,
publicidade,
ampla defesa e contraditório, princípios fundamentais sem os quais a sua
deslegitimidade aflora e macula a decisão. No decorrer do processo os Direitos
Fundamentais serão invocados e debatidos argumentativamente (discurso proposicional
e não autoritário). O processo é quem mediará, pelo discurso, a decisão, não mais
solitária do juiz[260], mas co-produzida democraticamente. Enfim, diante das
pretensões
de validade trazidas pelas partes no procedimento em contraditório, que o um-juiz
se
legitima a emitir o provimento estatal, fundamentando tanto no acolhimento quanto
na
rejeição das alegações, não podendo buscar a legitimação apenas por sua condição
formal de emissor reconhecido. As partes possuem o direito de enunciar seus
argumentos, produzirem provas e os verem devidamente analisados pelo
EstadoJuiz[261].
4.14. Quanto ao Processo Penal, relativamente aos direitos dos acusados, a postura
a
ser adotada é aquela professada pelos mais ferrenhos legalistas: respeito às regras
do jogo
de maneira transparente[262]. Nada mais do que isso. Todavia, quando as regras do
jogo
passam a ser o entrave para a turba sedenta pelo gozo sádico – mormente em tempos
neoliberais de encarceramento total da pobreza –, os argumentos jurídicos
transcendentes
da condenação em nome da paz social, da segurança jurídica, do interesse social em
formatar
o apenado subvertem a lógica de garantias e se constituem no fundamento retórico e
deslegitimado da condenação[263]. Não se trata, assim, de aplicar uma pena no
interesse
do apenado, consoante o senso de Justiça[264] do julgador, porque esta visão é
totalitária.
As regras do jogo são esquecidas por discurso empolado, bonito, valorativo, emitido
pelos
imaginariamente ‘bons’, por aqueles que sabem o que é melhor para a sociedade e
acusados[265], afinal, exercem as funções de juízes na sociedade em nome da limpeza
social. O princípio da legalidade é desterrado e as concepções criminológicas e
infracionais
arraigadas no inconsciente do um-julgador afloram. O problema é que, como diz
Miranda
Coutinho: “O enunciado da ‘bondade da escolha’ provoca arrepios em qualquer
operador do
direito que frequenta o foro e convive com as decisões. Afinal, com uma base de
sustentação tão
débil, é sintomático prevalecer a ‘bondade’ do órgão julgador. O problema é saber,
simplesmente,
qual é o seu critério, ou seja, o que é a ‘bondade’ para ele. Um nazista tinha por
decisão boa
ordenar a morte de inocentes; e neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um
lugar tão
vago, por outro lado, aparecem facilmente os conhecidos ‘justiceiros’, sempre
lotados de ‘bondade’,
em geral querendo o ‘bem’ dos condenados e, antes, o da sociedade. Em realidade, há
aí puro
narcisismo; gente lutando contra seus próprios fantasmas. Nada garante, então, que
a ‘sua
bondade’ responda à exigência de legitimidade que deva fluir do interesse da
maioria. Neste
momento, por elementar, é possível indagar, também aqui, dependendo da hipótese,
‘quem nos
salva da bondade dos bons?’, na feliz conclusão, algures, de Agostinho Ramalho
Marques
Neto.[266] Ocupam, em uma palavra, o lugar do impostor.
4.15. Não obstante as críticas que se possa fazer ao paradigma procedimentalista –
cuja proposta é inviável ser realizada na prática, abaixo do Equador, mormente numa
realidade de exclusão[267], e, também, por desconsiderar que o inconsciente opera
–, sua
acolhida pode ocorrer de forma mitigada, sem o universalismo que pretende. No
caminho aqui defendido, a razão comunicativa pode ser situada para se fixar o lugar
do
juiz no processo em contraditório (Fazzalari) como sendo aquele que no decorrer
dele irá
garantir as regras do jogo[268], sem prejuízo de seu papel específico no ato
decisório, o
qual deve se fundamentar no critério material proposto por Dussel.
4.16. O devido processo democrático proposto por Habermas, entretanto, é paradoxal.
Ao mesmo tempo em que rejeita o solipsismo do julgador, agora envolvido pelo medium
linguístico, considera que o discurso consciente é seu fundamento. Para ele, a
legitimidade
do Direito e da decisão estariam jungidas à aceitação pelos concernidos das normas
e das
decisões, como se isso pudesse ocorrer no plano consciente do sujeito único. A
crítica
poderia ser formulada a partir de Heidegger ou mesmo de Dussel, como já se pontuou,
mas para o fim deste escrito, contudo, é Lacan que será trazido à baila. Para além
do
assentimento sincero, existem mecanismos inconscientes que roubam a cena, conforme
deixa evidenciada a psicanálise. Por isso procedem as críticas de Prado Jr. acerca
do
projeto habermasiano, no sentido de que a leitura da psicanálise a partir da
psicologia do eu
efetuada por Habermas, renegou o silêncio e o inconsciente na formulação do
consenso
intersubjetivo[269]. De maneira que o inasfastável buraco é de ser apontado com
Marques
Neto: “Há essa dimensão que ultrapassa tudo aquilo que o sujeito pode pôr de
intencionalidade
no seu discurso. O inconsciente é uma referência a esse ultrapassamento, a isso que
está para
além do discurso. Toda a fala é acompanhada de um cortejo de silêncios, que tem uma
enorme
eloquência. O que não se diz é frequentemente mais significativo do que o que se
diz.”[270]
Dews[271], contrapondo a ‘verdade do sujeito’ em Lacan e Habermas, afirma que
para Lacan a cadeia de significantes impede o encontro definitivo com o Real, por
ser
impossível, sendo que, rompendo com as concepções racionalistas, a (possível)
representação pelo significante não é a coisa; o que há é linguagem sem
metalinguagem.[272] A crítica formulada por Lacan, portanto, detona com a pretensão
de
que o ‘entendimento semântico’ possa ocorrer de forma plena, fraturando, de vez,
com o
‘Círculo de Viena’ – não obstante a parcial importância deste –, impedindo, de
outra face,
a identidade do sujeito consciente, entre suas asserções conscientes e o
inconsciente[273].
De sorte que a ‘rede de significantes’ reage historicamente e não é possível manter
a
universalidade das pretensões de validade do discurso habermasiano diante da
‘verdade do
sujeito’ imbricada com o inconsciente, e garantidas pelo Outro[274]. Repita-se que
a
proposta habermasiana, principalmente no âmbito processual, é acolhida no contexto
deste escrito, especialmente nas quatro pressuposições mais importantes, destacadas
por
Habermas, consistentes no: “a) carácter público e inclusión: no puede excluirse a
nadie que, en
relación con la pretensión de validez controvertida, pueda hacer una aportación
relevante; b)
igualdad en el ejercício de las faculdades de comunicación: a todos se les conceden
las mismas
oportunidades para expresarse sobre la materia; c) exclusión del engaño y la
ilusión: los
participantes deben creer lo que dicen; y d) carencia de coacciones: la
comunicación debe estar libre
de restricciones, ya que éstas evitan que el mejor argumento pueda salir a la luz y
predeterminan
el resultado de la discusión.”[275] E, ademais, não se perca de vista, que o
‘sujeito’ da
psicanálise, por ser clivado e construído pelos significantes que se inscreveram
durante o
tempo, passa sua vida questionando o sentido de sua própria existência[276].
4.17. Portanto, conquanto sua proposta de democracia processual – no qual as
pretensões de validade são acolhidas ‘in the long run’, por mecanismos de consenso
discursivo
–, possa representar uma tentativa de continuidade do projeto do sujeito da
Modernidade,
sua perspectiva de destranscendelizar o sujeito navega sem a dimensão do desejo, ao
arrepio da fenomenologia heideggeriana e a barra imposta pelo sujeito clivado da
psicanálise
(Lacan), deixando à descoberto os mecanismos de ligação da proposta ao sujeito,
dado
que: “Lacan não nega, evidentemente, que esse questionamento será formulado em
função do
repertório simbólico de uma cultura determinada, mas suas formulações deixam
implícito que o
que está em jogo – ao menos em parte – é a relação entre o sujeito e qualquer
repositório
simbólico em geral, e portanto o problema da finitude de sua realização de si
enquanto
sujeito.”[277] Por isto, neste escrito, o acolhimento da proposta habermasiana é
contingente, como horizonte possível de assentimento dos concernidos, sem que,
todavia, constitua-se em algo plenamente factível diante dos obstáculos apontados.
Sem
dúvida que os pressupostos do discurso indicados por Habermas podem e devem nortear
a atuação processual num Estado Democrático de Direito, desde que ciente de que a
racionalidade proposta é suscetível de críticas intransponíveis. Possui, ademais, o
mérito
de rejeitar o solipsismo do julgador decisionista, o qual não se sustenta mais
democraticamente. No entanto, nem por isso o processo como eixo democrático pode
tamponar o que salta do insconsciente das partes nas suas argumentações e do ser-
aíjulgador[278]. De qualquer forma, aproveita-se sua proposta para o encadeamento
procedimental necessário à legitimidade da decisão a ser proferida, eis que
antecedentemente já se agregou ao projeto em construção a ‘viragem linguística’,
com a
consequente rejeição da Filosofia da Consciência. De outra parte, é impossível que
a
proposta seja ultimada consoante Habermas pretende por desconsiderar fatores
intervenientes na prolação da decisão e nos próprios argumentos lançados no
processo
intersubjetivo[279]. É que a pretensão de sinceridade consciente dos argumentos é
vazada
pelo inconsciente que atravessa no Simbólico. Enfim, a psicanálise, com o desvelar
do
inconsciente deixa à céu aberto a sinceridade pressuposta por Habermas. A
sinceridade,
então, no máximo pode ser vista como objetivo a ser alcançado na corrida, e cuja
verificabilidade se mostra impossível de ser aferida, ou seja, é pressuposta a
sinceridade,
mas impossível de a controlar. Esses obstáculos tornam o discurso habermasiano, na
sua
versão ideal, irrealizável no plano fático, onde o inconsciente – repita-se mais
uma vez –
surge. Por isso a necessidade do reconhecimento parcial do paradigma habermasiano,
com
Fazzalari, na construção da proposta do processo como tarefa democrática
inafastável,
justificando-se o aproximar deste juiz (in)consciente, ou do inconsciente do um-
juiz.
4.18. Resta evidente, portanto, que o processo penal possui destacado lugar e
função
na democracia, a saber, é o espaço de diálogo em que o contraditório deve ser
garantido.
É a partir do contraditório que se estabelece a legitimidade do provimento
judicial. Claro
que o conteúdo da decisão estará vinculado a outros fatores, dado que inexiste
decisão
neutra. Há sempre a aderência – mesmo alienada – a um modelo ideológico. O que
importa é (re)estabelecer um espaço democrático no processo penal brasileiro,
superando a visão prevalecente, na qual o ritual e a postura inquisitória ceifam
qualquer
possibilidade de democracia processual, no que Fazzalari pode ser um sendero[280].
Por
isto a importância de seu estudo, acompanhado de reflexões sobre a linguagem e a
opção
ética que subjaz a decisão judicial, quer consciente ou inconscientemente.
Capítulo 5°
Subjogos Pré-Processuais e Incidentais (Cautelares, Prisão e
Liberdade, Inquérito Policial, Flagrante)
1. Aspectos Preliminares (Denúncia Anônima, Testemunha
Protegida, Investigação e Legalidade)
1.1. No pré-jogo processual podem ser realizadas jogadas táticas importantes,
vinculadas à estratégia. Nesse Guia Compacto se irá demonstrar o lugar (pré-jogo
processual) e a função (elementos de materialidade e autoria) do Inquérito Policial
em
face da normatividade brasileira, bem assim das questões preliminares. Depois,
também
na fase pré-jogo, será indicada a função do Auto de Prisão em Flagrante, da prisão
preventiva, e das medidas cautelares, especificando a Busca e Apreensão, a
Interceptação
Telefônica e a Quebra de Sigilo.
1.2. Não há poder geral de cautela no CPP. A função do Poder Judiciário é o de
garantir os Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado, a saber, as
intervenções
na esfera privada somente se justificam se houver relevância coletiva e, no caso de
investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes nos exatos limites
normativos. Assim é que, vigorando o princípio da legalidade, não pode o juiz
invocar o
poder geral de cautela e inventar novas modalidades. O poder geral de cautela é
estranho
ao processo penal, até porque coloca o juiz no lugar de jogador. Os limites da
intervenção
cautelar são as previstas no CPP e na legislação extravagante, lendo-as a partir da
noção
de devido processo legal substancial e da teoria dos jogos.
1.3. Necessário Inquérito Policial instaurado: Não existe investigação no “ar”. A
Autoridade Policial, ao tomar conhecimento de um fato criminoso, nos termos dos
arts.
5º e 6º do Código de Processo Penal, deve instaurar o Inquérito Policial. Sempre.
Não há
exceção. Constitui-se em prática reprovável e ilegal a investigação sem
formalização dos
atos. É requisito obrigatório à análise dos pedidos cautelares a formalização do
procedimento administrativo – Inquérito Policial, não mero Boletim de Ocorrência -,
com
o indiciamento, se possível. Isso é da democracia. É indispensável a prévia
instauração
da investigação.
1.4. Denúncia anônima: Para se investigar alguém, numa democracia, não se pode
iniciar com o “denuncismo anônimo” contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia
anônima e se dá por satisfeita. Tanto assim que agora se fomentam programas ilegais
como o do “Informante Cidadão”[281]. É preciso que as investigações aconteçam no
limite da legalidade. O processo da Inquisição acontecia com testemunhas sem rosto,
sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isso a Constituição da
República, em vigor há mais de vinte anos, estabeleceu claramente no art. 5º, IV:
“é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” Paulo Rangel, sem aceitar
investigar a qualquer preço, pontua: “Pensamos que autoridade que determinar a
instauração
do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima,
ficaria
sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do
CP. O denunciante
anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa,
ele não será
responsabilizado. (...) O ‘denunciado’ tem o direito de demonstrar os motivos pelos
quais quem o
denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que
fazer etc. Sendo
anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante. Ele fica refém.”[282]
Tourinho
Filho sustenta: “se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele
que dá causa
à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém,
imputando-lhe
crime de que o sabe inocente, como poderiam os ‘denunciados’ chamar à
responsabilidade o autor
da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima? A vingar entendimento diverso,
será muito
cômodo para os salteadores da honra alheia vomitarem, na calada da noite, à porta
das
Delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros,
absolutamente
seguros da impunidade. Se se admitisse a delatio anônima, à semelhança do que
ocorria em
Veneza, ao tempo da inquisitio extraordinem, quando se permitia ao povo jogasse nas
famosas
‘Bocas dos Leões’ suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade
viveria em
constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma
injusta,
absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro
sentimento
subalterno.”[283] Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, como
fundamento suficiente, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade
policial que
não a investigação preliminar e o requerimento ao Judiciário das medidas cautelares
que
se fizerem necessárias, apresentando as investigações realizadas[284].
1.5. Um dos grandes desafios é o de se garantir o processo como procedimento em
contraditório, no qual as restrições ao direito ao confronto, materializador do
devido
processo legal substantivo, seja baseada em fundamentos legais e compatíveis com a
Constituição. Especificamente sobre o “Direito ao Confronto” Rudge Malan é
explícito:
“é direito fundamental indissociável de qualquer noção civilizada de devido
processo
penal, motivo pelo qual ele deve ser levado a sério pelo Estado.”[285] E isto não
impede
que, em situações específicas, como no caso de temor, violência, desde que
justificadamente motivada, possa o acusado ser retirado da sala de audiências.
Entretanto, no exercício de seu pleno direito de defesa, especialmente o de
impugnar a
validade do testemunho, não se pode impedir que tenha conhecimento de quem é a
testemunha, até para poder a contraditar, aponta Antônio Scarance Fernandes: “A
presença do acusado no momento da produção da prova testemunhal é essencial, sendo
exigência decorrente do princípio constitucional da ampla defesa. Estando na
audiência,
pode ele auxiliar o advogado nas reperguntas a serem dirigidas à testemunha
ouvida.”[286]. Exceção há no caso de testemunha sob a égide da Lei. nº. 9.807/99,
situação
diversa da produção normtiva ilegal produzida pelos Tribunais, sob o nome genérico
de
“testemunha protegida”. Para que a vítima e/ou testemunha seja colocada sob o pálio
da
proteção é necessário que o Conselho Deliberativo (art. 4º) tenha aceito o pleito
(art. 5º),
com as medidas previstas no art. 7º, dentre elas “IV – preservação da identidade,
imagem
e dados pessoais.” No caso, a testemunha “X” não se encontra sob o regime de
proteção
preconizado legalmente! De qualquer sorte, mesmo nessa hipótese, a Lei de Proteção
a
Testemunhas não estabelece o procedimento específico para a testemunha com reserva
de identidade prestar depoimento em Juízo, lacuna legislativa essa que, como bem
aponta Rudge Malan, impede tal produção probatória, à míngua de procedimento
tipificado em lei. Lembre-se mais uma vez que em processo penal incide o princípio
da
legalidade. Para preencher esta lacuna legislativa, entretanto, os Tribunais, sem
autorização constitucional para tanto, uma vez que a competência legislativa para
disciplinar atos processuais penais é da União (CR, art. 22, I), produziram atos
normativos. Não podem os Tribunais, por Regimento ou mesmo Provimento, modificar,
completar, regulamentar, lacunas legislativas, por violação ao Devido Processo
Legislativo[287]. Assim, inconstitucionais todos os depoimentos tomados com
testemunhas sem nome, rosto ou identificação. Por fim, ainda com Diogo Rudge Malan
deve ser marcado que: “Prepondera nos paises da família jurídica do common law
tendência no sentido de se repudiar a admissão do anonimato testemunhal em juízo, à
luz do right of confrontation. Por exemplo, a Suprema Corte norte-americana tem
jurisprudência consolidada nesse sentido, desde a década de 1930 (v.G. Casos Alford
v.
United States e Smith v Ilinois).”[288] Ainda que válido, como acontece na
legislação
Colombiana, com expressa disposição legal para sua realização, não pode ser o único
elemento probatório, como bem aponta Choukr “Sensível a tal entendimento, a Corte
Constitucional colombiana, ao analisar a validade dos depoimentos dessas
testemunhas,
decidiu que: Admitir que se pueda condena com fundamento únicamente com
testimonios de personas de identidad reservada, seria desconocer la Constitución
Política, cuyo artículo 29 reconoce el derecho fundamental de toda persona a um
debido
proceso, tanto em las actuaciones administrativas como judiciales. Se vulneraria el
debido proceso, toda vez que, se desconocería el derecho de toda persona a
controvertir
las pruebas que se presenten em su contra, em atención a que sin conocer al
declarante
que lo inculpa y consecuencialmente las circunstancias de tiempo, modo y lugar em
que
percibió los hechos, no puede contradecir la respectiva declaración. Los
testimonios
secretos no constituyen fundamento único com base em el cual se pueda dictar
sentencia
condenatória, sino que esta modalidad de la llamada por algunos justicia secreta,
es
simplesmente, um instrumento o guia técnica para adelantar la investigación
criminal y
para proteger la vida e integridad de los testigos dentro del proceso penal. Las
normas
sobre reserva de la identidad de los intervinientes em el proceso penal, son
expresiones
normativas fundadas em la idea de rodear de garantias y seguridades a los jueces,
funcionarios empleados de la rama judicial, familiares, miembros de la fuerza
pública
que colaboran en el ejercicio de lãs funciones de policía judicial, ,testigos y
colaboradores
eficaces de la administración de justicia (Corte Constitucional, Sala Plena de
Constitucionalidad, C-275-93, Barrera Carbonell Antonio, Processo de
16/7/1993).”[289]
2. Inquérito Policial (CPP, art. 4o – 23)
2.1. A partir da notícia de possível crime, o Estado precisa realizar a apuração
preliminar com o fim de levantar elementos mínimos de materialidade e indícios de
autoria. Do contrário, corre-se o risco de se iniciar a ação penal sem elementos
mínimos.
Não se irá aqui discorrer sobre as diversas modalidades de investigação existentes
no
mundo, ou seja, se quem deve investigar é o Ministério Público, o Magistrado ou a
Polícia[290]. Nesse Guia Compacto se irá demonstrar o lugar (pré-jogo processual) e
a
função (elementos de materialidade e autoria) do Inquérito Policial em face da
normatividade brasileira.
2.2. A função do IP é levantar elementos de materialidade e autoria da conduta
criminosa (meios probatórios, informantes, testemunhas, perícias, documentos, etc),
justificando democraticamente a instauração de ação penal (CPP, art. 12), ou seja,
para
que o jogo processual possa ser iniciado a partir da autorização do Estado-Juiz
(recebimento motivado da denúncia e/ou queixa crime)[291]. Para instauração de ação
penal é necessária a existência de justa causa (elementos de materialidade e
autoria) a ser
aferida por investigação e/ou documentos preliminares. De regra, realiza-se por
Inquérito Policial (CPP, art. 4o, sgts.), o qual é procedimento administrativo, não
jurisdicional, a cargo da Polícia Judiciária – Estadual ou Federal (art. 144, § 4º,
CR),
submetido aos princípios da administração pública (legalidade, publicidade,
impessoalidade, moralidade e eficiência – CR, art. 37[292]). Evita-se que a ação
penal
possa ser instaurada como aventura processual, dado que o simples fato de ser
acusado
já “etiqueta”[293] o sujeito para todo o sempre, mesmo que absolvido ao final. De
sorte
que é necessário o controle, por parte do Judiciário, dos requisitos para o
exercício da
ação penal.
2.3. O Ministério Público (não) pode investigar. Controversa é a possibilidade de o
Ministério Público investigar, dado que não previsto na Constituição. Há posições
de
ambos os lados. Os argumentos que defendem a possibilidade de investição não se
sustentam por um princípio básico: o Ministério Público não pode escolher em que
casos
irá investigar, dada a existência dos princípios da impessoalidade e da legalidade
(CR,
art. 37), até porque o art. 129, VI e VII, da CR, art. 8º, LC 75/93 e art. 26 da
Lei 8.625/93,
indicam ao Ministério Público o lugar de jogador titular da ação penal e não da
investigação. Não se pode transformar substantivo em adjetivo – exclusivamente –,
como
acontece com o art. 144, § 4o, da CR, por exemplo[294]. O lugar do Ministério
Público é de
jogador da partida processual penal. A fase pré-jogo não lhe compete.
2.4. A Polícia Militar é órgão da segurança pública e compete a polícia ostensiva e
preservação da ordem pública, sem qualquer competência para instaurar ou conduzir
investigações policiais, salvo nos crimes militares, mesmo no âmbito dos Juizados
Especiais (CR, art. 144, § 5º). Assim também a Polícia Rodoviária Federal (CR, art.
144, §
2º) e a Polícia Ferroviária Federal (CR, art. 144, § 3º). Decorre disto que não
podem
requerer medidas cautelares (interceptação telefônica, mandado de busca e
apreensão,
etc...).
2.5. A Guarda Municipal é órgão criado para o fim de proteção dos bens, serviços e
instalações dos Municípios e não como substituto da Polícia Militar ou Civil (CR,
art. 144,
§ 8º). Não pode realizar atos próprios de investigação, nem de policiamento
ostensivo,
nem apurar denúncias anônimas ou perseguir para investigação. Como qualquer do
povo, pode prender em flagrante delito posto, não pressuposto. Toda atuação em
desconformidade com a sua competência levará à ilicitude da prova (CR, art. 5º,
LVI).
2.6. A instauração do Inquérito Policial se dá por Portaria lavrada pela autoridade
policial, de ofício ou a requerimento da parte interessada (CPP, art. 5o, II e art.
27, não
tendo sido recepcionado o art. 26 do CPP). Para tanto deve existir “tipicidade
aparente”,
isto é, as informações devem indicar a violação de tipo penal, sob pena de
arquivamento,
do qual cabe recurso (CPP, art. 5º, § 2º). A presidência do IP não se confunde com
arbitrariedade. A autoridade policial pode eleger as linhas de investigação. Deve,
todavia,
estar vinculado ao disposto no art. 6o (comunicação do crime, preservação de local
de
crime, oitiva de pessoas, requisição de perícias, realização de acareação,
reconstituição,
identificação criminal, indiciamento e interrogatório), bem assim impedido de
realizar
medidas restritivas de direitos fundamentais (prisão preventiva ou temporária,
interceptação telefônica, quebra de sigilo fiscal/bancário, busca e apreensão,
sequestro,
etc...), dada a reserva de Jurisdição. Podem ser requeridas diligências e produção
de
elementos preliminares tanto pela vítima, como pelo indiciado, suspeito e pelo
Ministério Público, mas o Delegado tem a prerrogativa de não as acatar (CPP, art.
14)
desde que motivadamente.. Pode inclusive ser sigiloso, se a autoridade policial
justificar
a necessidade (art. 20), mas vinculada ao interesse público, não se podendo excluir
os
advogados dos indiciados (EOAB, art. 7º, XIV), conforme a Súmula Vinculante n. 14:
“É
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos
de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa.”. A
exposição dos conduzidos à imprensa, longe de ser forma de publicidade, sem o
prévio
consentimento expresso do agente, configura abuso de autoridade da autoridade
policial
responsável (Lei n. 4.898/65, art. 4o, “b” – submeter pessoa sob sua guarda ou
custódia a
vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”). A imagem e intimidade são
atributos do sujeito conduzido e somente podem ser flexibilizadas na hipótese
declarada
por escrito e nos autos, nos termos do art. 20 do Código Civil (Art. 20. Salvo se
autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem
pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a
exposição
ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e
sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.). A exposição do preso
como se
fosse “caça” ou produto comercial é abusivo e ilegal. A justificativa democrática
para que
seja exposto se dá no âmbito da investigação criminal, ou seja, se a imagem ou
dados
pessoais forem necessárias para elucidação do crime ou de outros fatos criminosos.
A
vítima também pode requerer ao juiz a garantia dos seus direitos fundamentais (CPP,
art. 201, § 6o)[295]. O direito à informação é o de saber que alguém foi preso por
tal fato
sem precisar dos dados pessoais. A exposição de seus dados, sem justificativas, é
perversão democrática e crime.
2.7. O suspeito ou indiciado possui o direito de não produzir prova contra si
mesmo[296]. Logo, não poderá ser obrigado a participar de reconstituição, fornecer
padrões vocais (STF, HC 83.096), padrões gráficos de próprio punho (STF, HC
77.135),
sangue, esperma, etc... Essa negativa não impede que a autoridade policial possa
investigar por outros meios lícitos (p.ex. o lixo do investigado, requisição de
documentos
em repartições públicas, colégios, etc..). Além disso o conduzido deve ser
necessariamente advertido do direito ao silêncio. A famosa advertência de Miranda
foi
reconhecida pela Corte Suprema dos Estados Unidos, em 1966, no caso Miranda x
Arizona, reconheceu que é pressuposto à validade das declarações que o acusado
tenha a
possibilidade anterior de se consultar com um defensor (daí a inconstitucionalidade
do
art. 21 do CPP) e tenha sido advertido do seu direito de não se autoincriminar.
[297]
2.8. O indiciamento é ato formal pelo qual o sujeito passa a ocupar o lugar de
indicado, isto é, a declaração pelo Estado de que há indicativos convergentes sobre
sua
responsabilidade penal, com os ônus daí decorrentes. A presunção de inocência veda
o
indiciamento arbitrário. Não pode ser considerado como mero ato automático.
Pressupõe
a apuração da materialidade da infração e informação suficiente de autoria.
Diferencia-se
o averiguado/suspeito do indiciado. Diante da legalidade, havendo indicativos, o
indiciamento é obrigatório e traz como consequência o interrogatório,
pregressamento,
identificação criminal, acesso às informações já coletadas, via defesa técnica,
dando-lhe
um lugar na investigação preliminar[298]. A nomeação de curador (CPP, art. 15)
perdeu o
sentido em face da maioridade civil (Código Civil, art. 5o).
2.9. O prazo para encerramento das investigações regido pelo CPP é o de 10 (dez)
dias se estiver o investigado preso e 30 (trinta) dias se estiver solto, podendo
ser
prorrogado, desde que justificada a necessidade. Diante da duração razoável da
intervenção estatal, mesmo na hipótese de investigação por fato de difícil
elucidação
(CPP, art. 10, § 3o), não é possível estender-se por diversos anos (STJ, HC
96.666). A
Polícia Federal, por sua vez, possui o prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por
igual
prazo (Lei n. 5.010/66, art. 66). Nos crimes da Lei de Drogas, o prazo é de 30
(trinta) dias
para preso e 90 (noventa) para solto (Lei n. 11.343/06, art. 51). A demora na
finalização do
auto de prisão não pode se dar por ausência de condições materiais, mas sim e
exclusivamente pela pendência justificada de alguma diligência policial.
2.10. Não pode a autoridade policial arquivar o inquérito por si mesma (CPP, art.
17). Os autos serão remetidos ao titular da ação penal para que este se manifeste
(CPP,
art. 19). O MP poderá determinar a devolução dos autos à autoridade policial para
realização de diligências extras, se imprescindíveis (CPP, art. 16). Se assim não
ocorrer,
ou após cumpridas as diligências requeridas, deverá decidir o MP pelo oferecimento
de
denúncia ou pelo arquivamento, que não fará coisa julgada, podendo ser reaberto o
procedimento se apurados novos elementos (art. 18). O desarquivamento pressupõe
prova materialmente nova, isto é, a não existente nos autos (STF, Súmula n. 524). A
prova
já existente nos autos e não considerada é formalmente nova e impede a reabertura.
Também impede a nova compreensão dos fatos por outro órgão do Ministério Público.
2.11. Ao julgador descabe contrariar a jogada do acusador, isto é, se requerido
motivamente o arquivamento, a postergação do jogo diante das informações que
possui,
descabe qualquer função do juiz. Adotada postura antidemocrática, poderá o julgador
se
valer da regra do art. 28 do CPP para o fim de recorrer ao Chefe do Ministério
Público.
2.12. Em relação à validade dos elementos colhidos no Inquérito Policial, diante de
suas peculiaridades (sem garantia da Jurisdição, do Contraditório, da Ampla Defesa,
da
Motivação dos Atos), cabe distinção: a) em relação às provas periciais o
contraditório será
diferido, a saber, no decorrer da instrução processual as partes poderão impugnar
os
laudos, pareceres, perícias, inclusive requerendo esclarecimentos e sua renovação;
b) no
tocante aos depoimentos testemunhais a renovação é obrigatória. Cuida-se de mero
ato
de investigação[299], sem que o indiciado tenha participado da produção das
informações, nem mesmo controlada pelo Estado Juiz. A validade, portanto, é somente
para análise da justa causa e cautelares pré-jogo, como explica Lopes Jr: “O
inquérito
policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de
investigação
e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são
praticados, em
uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e
a
ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os
incisos
LIII, LIV, LV e LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa Constituição, bem
como o
art. 8o da CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção
valoráveis na sentença para justificar uma condenação.”[300]. Anote-se, por fim,
que a
não realização de provas periciais por deficiência do aparato de investigação não é
culpa
do indiciado. Nos crimes que deixam vestígios (CPP, art. 158), é indispensável.
Ausente,
não pode ser suprida por prova indireta (STJ, HC 131.655).
3. Prisão em Flagrante
3.1. A prisão em flagrante é a exceção à necessidade de ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária (CR, art. 5º, LXI, CPP, art. 283). Pode ser
realizada
por qualquer do povo (facultativa) e por autoridade policial e seus agentes
(obrigatória),
nos termos do art. 301 do CPP. É prisão realizada antes do inicio da partida
processual e
não prende por si, demandando controle jurisdicional. Logo, vinculada expressamente
às
hipóteses legais. Com fundamento em Carnelluti, Lopes Jr. invoca a metáfora da
fogueira para que se possa entender o flagrante: “Essa chama, que denota com
certeza a
existência de uma combustão, coincide com a possibilidade para uma pessoa de
comprová-lo de mediante a prova direta. Como sintetiza o mestre italiano: a
flagrância
não é outra coisa que a visibilidade do delito.”[301]
3.2. Nos termos do art. 302 do CPP, considera-se em flagrante delito quem: a) está
cometendo a infração penal; b) acaba de cometê-la; c) é perseguido (CPP, art. 290,
§ 1º),
logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que
faça
presumir ser autor da infração. Se a perseguição (sem interrupção, mesmo perdendo
de
vista ou por informações aptas) transpassar os limites territoriais da comarca,
efetivada a
prisão, deve ser o conduzido apresentado à autoridade policial do local da prisão
(CPP,
art. 290 e § 1º); d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou
papéis
que façam presumir ser ele autor da infração. Embora seja controversa a
classificação da
doutrina, pode-se distinguir flagrante; a) próprio (incisos I e II); b) impróprio
(incisos
III) e, c) presumido (inciso IV). A Lei n. 9.034/95 (Lei das Organizações
Criminosas), no
seu art. 2º, II, bem assim o art. 53, II, da Lei n. 11.343/06, estipulam o
denominado
flagrante postergado (diferido, prorrogado), o qual somente poderá ser realizado no
âmbito de organizações criminosas ou tráfico, mediante prévia autorização, sob a
justificativa de que auxiliará na obtenção de provas sobre a organização criminosa.
Constitui-se em prática ilegal a iniciativa isolada da autoridade policial na
postergação do
flagrante sem a respectiva autorização legal, especialmente quando ausente sequer
referência à organização criminosa, via IP instaurado.
3.3. O flagrante preparado ou provocado é o induzido/instigado pela autoridade
policial, portanto, ilícito. (STF, Súmula n. 145: Não há crime, quando a preparação
do
flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.) Diferencia-se do
esperado
pelo qual a autoridade possui informações de que o crime pode acontecer e o
aguarda,
sendo lícito. Já no forjado a situação é criada pelos agentes realizadores da
prisão, assim,
ilícita.
3.4. Nos crimes permanentes há confusão lógica na interpretação prevalente. De
fato, o art. 303 do CPP, autoriza a prisão em flagrante nos crimes permanentes
enquanto
não cessar a permanência. Entretanto, a permanência deve ser anterior à violação de
direitos. Dito diretamente: deve ser posta e não pressuposta/imaginada. Não basta,
por
exemplo, que o agente estatal afirme ter recebido uma ligação anônima, sem que
indique
quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia chegado
droga, na casa “x”, bem como que “acharam” que havia droga porque era um traficante
conhecido, muito menos que pelo comportamento do agente “parecia” que havia droga.
É preciso que hajam evidências ex ante. Assim é que a atuação policial será abusiva
e
inconstitucional por violação do domicílio do agente quando movida pelo imaginário.
Embora seja uma prática rotineira a violação da casa de pessoas pobres, porque a
polícia
não entra assim em moradores das classes ditas altas, não se pode continuar
tolerando a
arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei

que não se pode entrar na casa de ninguém (CPP, art. 293)– pobre ou rico – sem
mandado
judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia
anônima.
Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia
contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. Castanho de Carvalho
aponta: “Em conclusão, só é possível o ingresso em domicílio alheio nas
circunstâncias
seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em caso de flagrante próprio
(CPP,
art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o dia, com mandado
judicial,
em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e IV). Reconheço que
a falta
de estrutura do sistema investigatório brasileiro, tornando inviável o contato
próximo e a
tempo com a autoridade judiciária, possa fazer com que o entendimento exposto se
transforme em mais um entrave burocrático à persecução penal. Não é essa a
intenção,
mas não se pode aceitar que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos governantes
para dotarem a polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o
desempenho
da função.”[302] Assim é que não se pode tolerar violações de Direitos Fundamentais
em nome do resultado, pois pelo mesmo argumento seria legítima a “tortura”, a qual,
no
fundo não é tão diferente da ação iniciada exclusivamente por “denúncia anônima”, à
margem da legalidade e com franca violação dos Direitos Fundamentais. Claro que o
argumento seguinte é: mas o proprietário autorizou a entrada! Será que alguém
acredita
mesmo que o conduzido autorizou? Não há verossimilhança, ainda mais com a constante
acolhimento jurisdicional dessa prática, mormente em se tratando de crime
permanente,
como de tráfico. A prevalecer essa lógica, a garantia do cidadão resta fenecida.
Tôrres
sustenta: “Ora, sabendo que alguém tem em depósito drogas, vende droga, ou outras
situações de permanência é que pode, conforme a Constituição, penetrar em domicílio
sem o consentimento do morador. Sabe, logo tem indícios que permitam solicitar ao
juiz
o mandado, imprescindível contra o abuso. Não basta a mera desconfiança, pois corre
o
risco de responder por descumprimento da lei, logo, impossível considerar válida a
apreensão nesses casos, sem ordem judicial. Seria, como o é de fato, fazer vista
grossa
aos abusos policiais (..) Como entender urgente o que se protrai no tempo? É
possível,
graças à presença diuturna do judiciário guardião da lei, requerer e ser atendido
em
pouco tempo, o direito constitucionalmente previsto de entrar em domicílio. A
facilidade do arguir-se urgência é forma espúria de desconhecer direitos, é
subterfúgio
para o exercício de força, é descumprimento do dever de acatar as diretrizes
políticas
assumidas pelo Estado. Impossível legalizar o ilícito. Deve, nestes crimes chamados
permanentes, especificamente por durarem, não se reconhecer a urgência do flagrante
próprio, pois nem se evita sua consumação, nem se impede maiores consequências, e,
sobretudo, arrisca-se sequer determinar a autoria, interesse maior nesses casos. O
argumento de urgência deve fundamentar pedido à autoridade judiciária, inclusive,
modos legais de realização. Nada impede o respeito à intimidade nessa hipótese.
(...) No
caso do flagrante em crime permanente, vê-se com muita frequência não só o
descumprimento da lei, mais que isto, um caminho perigoso a permitir retornem as
más
autoridade o modelo inquisitorial, buscando provar a qualquer custo, não se
preocupando com mais nada, senão com a punição pela punição.”[303] Cabe destacar
julgado relatado pelo Des. Geraldo Prado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
(Apelação Criminal n. 2009.050.07372, verdadeira aula de como se deve proceder na
garantia de Direitos Fundamentais:“APELAÇÃO. PENAL, PROCESSO PENAL E
CONSTITUCIONAL. ARTIGOS 171, § 2.º, INCISO V, NA FORMA DO ARTIGO 14,
INCISO II, 299 E 340, TODOS DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. PROVA ILÍCITA.
INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, INTIMIDADE, VIDA PRIVADA E DIREITO AO
SILÊNCIO. CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO. Apelantes condenadas pela prática dos
crimes definidos nos artigos 171, § 2.º, inciso V, na forma do artigo 14, inciso
II, 299 e 340,
todos do Código Penal. Prova ilícita. Ingresso indevido no quarto de hospedagem das
acusadas. Inviolabilidade de domicílio, da intimidade e da vida privada (artigo
5.º, incisos
X e XI, da Constituição da República). Rés que não foram informadas de seu direito
ao
silêncio (artigo 5.º, inciso LXIII, da Constituição da República). Apreensão dos
bens
falsamente furtados, portanto, ilícita. Prova oral que, decorrente exclusivamente
dessa
apreensão, também se revela ilícita. Desaparecimento da materialidade do crime.
Absolvição.” Consta do voto: “O ingresso não pode decorrer de um estado de ânimo do
agente estatal no exercício do poder de polícia. Ao revés, é necessário que fique
demonstrada a fundada – e não simplesmente íntima – suspeita de que um crime esteja
sendo praticado no interior da casa em que se pretende ingressar e que o ingresso
tenha
justamente o propósito de evitar que esse crime se consume. Se assim não fosse,
seria
permitido ingressar nas casas alheias, de forma aleatória, até encontrar substrato
fático,
consistente em flagrante delito, capaz de ensejar a formal instauração de
procedimento
investigatório criminal. Mais que isso, seria incentivar que a autoridade policial
assim
fizesse e, com a intenção de se livrar de uma eventual imputação de abuso de
autoridade,
“encontrasse” à força o estado de flagrância no domicílio indevidamente violado.”
Por
tais razões, diante das condições em que a materialidade continua sendo apreendida
neste país, em franca violação dos direitos fundamentais, a prova deve ser
declarada
ilícita, especialmente nos casos de ilegal denúncia anônima, bem assim quando a
atuação
dos policiais acontece sem mandado judicial, implicando, pois, na ilegalidade da
apreensão da droga e, por via de consequência, da ausência de materialidade. Agora
não
se pode é se acovardar em nome do resultado. A função do Judiciário é de garantia!
3.5. Nos Juizados Especiais Criminais não será imposto flagrante, mas
encaminhamento para audiência (Lei nº. 9099/95, art. 69), especialmente pelo
montante
das penas a se aplicar.
3.6. O uso da força (CPP, art. 284) deve ser a necessária para manutenção do ato
(resistência à prisão ou receio justificado de fuga), inclusive contra terceiros
(CPP, art.
292), salvo se precisar adentrar em residência, diante da inviolabilidade (CR, art.
5º, XI),
atendido o disposto no art. 293 do CPP. O excesso é punível. A utilização de
algemas é
restrito, nos termos da Súmula Vinculante n. 11: “Só é lícito o uso de algemas em
casos
de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou
alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por
escrito, sob
pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.”
3.7. No aspecto formal o Auto de Prisão em Flagrante, deve ser escrito, com a
oitiva
do condutor, das testemunhas e do conduzido, verificação da hipótese de prisão em
flagrante (CPP, art. 302 ou 303), lavratura do auto, com deliberação sobre a prisão
ou a
soltura (CPP, art. 309). Deverá avaliar a possibilidade de fiança, a qual
recolhida, implica
na liberação do conduzido. Anote-se que diante das condições pessoais do conduzido,
o
CPP estipula prisão especial (CPP, art. 295 e 296). Os presos cautelares, ademais,
devem
ficar separados dos definitivos (CPP, art. 300).
3.8. Lavrado o APF, nos termos do art. 306, do CPP, no prazo de 24 (vinte e quatro)
horas, deverá ser comunicado o juiz competente, o Ministério Público, a família do
conduzido (CR, art. 5º, LXII), seu advogado e, na falta desse, da Defensoria
Pública (CPP,
art. 306, § 1º), bem assim entregue nota de culpa. Diante da função de julgador e
não de
jogador, descabe a prisão de ofício, ou seja, o juiz não pode se antecipar na
jogada que
compete ao acusador, até porque o art. 311 do CPP impede a prisão – para aqueles
que
entendem ser possível de ofício – na fase de investigação, mas somente na ação
penal,
inexistente, por óbvio. Assim é que no prazo de 24 horas deverá ser requerida, pelo
acusador (Ministério Público/querelante) as razões da decretação da prisão
preventiva ou
da aplicação de alguma medida cautelar (CPP, arts. 312 c/c art. 319), analisando-se
a
liberdade provisória, com ou sem fiança (CPP, art. 321 e sgts.) ou medidas
cautelares
(CPP, art. 319 E sgts).
4. Prisão Cautelar como Tática (de Guerra) no Jogo Processual
4.1. A partir da teoria dos jogos as medidas cautelares podem se configurar como
mecanismos de pressão cooperativa e/ou táticas de aniquilamento (simbólico e real,
dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar. A
prisão
do indiciado/acusado é modalidade de guerra com “tática de aniquilação”, uma vez
que
os movimentos da defesa estarão vinculados à soltura. Clausewitz deixou herdeiros
no
processo penal ao apontar que a pressão pela liberdade ou por finalizar o processo
ajuda
na estratégia, uma vez que atua no centro de gravidade: a liberdade. Além disso, a
facilidade probatória (testemunhas e informantes com memória mais próxima da
conduta, mídia acompanhando, etc..) e redução da condição do acusado a objeto
(subjugação psicológica do acusado, defensor, familiares etc...)[304] podem ser
úteis à
acusação, como já apontava o Manual dos Inquisidores[305].
4.2. Isso porque a tradição ‘Inquisitória’ herdada solapa a Presunção de Inocência,
partindo da prévia contenção do agente que é ainda mero investigado/acusado, na
melhor perspectiva da ‘Criminologia Positiva’, segundo a qual o desviante, dada sua
periculosidade, deve ser objeto de atenção estatal, para evitar hipotética violação
(imaginária) da sociedade, tudo em nome da ‘Defesa Social’. Apesar da
impossibilidade
fática da extinção das ‘prisões cautelares’[306], é possível se defender que para
sua
decretação ou manutenção devem concorrer os requisitos legais para tanto, não sendo
bastante a mera referência à capitulação, em tese, da conduta, havendo necessidade
inafastável da demonstração, fundamentada, de sua excepcionalidade, a partir da
noção
d e devido processo legal substancial, ou seja, necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito. Não serve, portanto, a mera transcrição dos
termos
legais, devendo-se comprovar argumentativamente as condições fáticas de tal medida,
sendo imprestáveis, também a mera gravidade da infração imputada[307], o clamor
público[308] e os antecedentes[309]. A garantia da ‘presunção de inocência’ precisa
ser
levada a sério, evitando-se prisões anteriores ao julgamento definitivo, sob pena
de se
transformar – diz Ferrajoli – a “presunção de inocência a um inútil engodo,
demonstrando que
o uso deste instituto, antes ainda de um abuso, é radicalmente ilegítimo e além
disso apto a
provocar, como a experiência ensina, o esvaecimento de todas as outras garantias
penais e
processuais.”[310]
4.3. A tentação ‘criminológica’ de ‘Defesa Social’ [311], ou seja, de julgar o
acusado e
não a hipotética conduta, escorrega – via (in)consciente – na cadeia de
significantes
previstos na lei, até poque a legislação utiliza-se de termos claramente ‘vagos’ e
‘ambíguos’ para acomodar matreiramente em seu universo semântico qualquer um,
articulando-se singelos requisitos retóricos, valendo, por todos, a anemia
semântica do art.
312 do CPP: ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal,
assegurar a aplicação da lei penal. De fato, àquele que conhece um pouquinho da
estrutura linguística pode construir artificialmente tais pseudo requisitos, cuja
falsificação
– pressuposto –, diante da contenção, será inverificável. Em outras palavras, se
deferida a
prisão, os argumentos se desfazem. Afinal, o acusado estará preso e não se poderão
verificar os ditos motivos da prisão[312]. De outro lado, as ‘prisões
obrigatórias’, ‘nos
termos da lei’[313], violam expressamente a garantia da ‘presunção de
inocência’[314].
Anote-se que se o magistrado assume a postura de julgador e não jogador, jamais
poderá
decretar a prisão de ofício. Somente assim há respeito ao processo penal
democrático,
nos termos propugnados pela Constituição da República, dado que foram delineados
lugares próprios, como visto: a) julgador: magistrado; b) jogador-acusador:
Ministério
Público ou querelante e assistente de acusação; c) Jogador-defensor: acusado
(defesa
direta) e Defensor (defesa indireta).
4.4. Até a edição da Lei n. 12.043/11, o julgador possuía apenas duas opções:
prisão
ou liberdade provisória. Salvo no regime da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06),
a qual
dispunha de medidas cautelares específicas[315], por ausência de previsão legal e
impossibilidade de aplicação de cautelares atípicas (isto é, não previstas
expressamente
em lei), não havia modulação: ou preso ou solto[316]. Prado demonstra a importância
das
decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por seu Informe n. 35/2007,
pelo
qual, pelo menos desde o julgamento López Álvarez x Honduras, destacou: “... no
item 59
da citada sentença, que há obrigação do Estado membro consistente em não restringir
a
liberdade do preso mais além dos limites necessários para assegurar que, em
liberdade, o
imputado não prejudicará a colheita da prova ou embaraçará a ação da Justiça. E a
Corte
concluiu que esta mesma obrigação exclui a possibilidade de se considerar
suficientes,
para a decretação da prisão, as características pessoais do imputado e a gravidade,
em
tese, do crime que se lhe atribui. Reafirma a Corte que ‘la prisión preventiva es
una
medida cautelar y no punitiva’.[317] Por decorrência do Informe 35/2007 e, diante
da
consequência da política criminal de recrudescimento das penas, isto é, Sistema
Penal
lotado, sem capacidade de assimilação, cultura inquisitória[318], o projeto de lei
das
cautelares foi resgatado e aprovado. Como bem apontam Barros e Machado[319], o
projeto sofreu emendas e perdeu sua (possível) organicidade. Há paradoxos
intransponíveis no projeto, como por exemplo, ao determinar no art. 282 (As medidas
cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas, observando-se: I –
necessidade
para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos
casos
expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais), deixar a
redação do
art. 312 inalterada. Assim é que a redação proposta do art. 312 do CPP (A prisão
preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indicíos
suficientes de autora e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado
venha a
crias obstáculos à instrução do proceso ou à execução de sentença ou venha a
praticar
infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à
ordem
econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça
à
pessoa) foi vetada e se manteve redação atual. Ausente lei que explicite as
imputações
que ensejam a prisão cautelar por ordem pública, mostra-se ilegal qualquer prisão
nela
fundamentada. Mesmo assim, com muito contorcionismo[320], baseados em
compreensões que simplemente ignoram o disposto no art. 282, I, do CPP e o art. 5o
da
CR/88, continua-se decretando prisão cautelar pela ordem pública. Somente se pode
prender cautelarmente para garantia da instrução criminal e aplicação da lei penal.
Anote-se que a prisão cautelar deverá ser justificada também na decisão judicial,
dado
que a presença dos requisitos para condenação em nada se vinculam à antecipação da
pena.
4.5. Por isto a importância da manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF), no
julgamento do HC 91.232. relator Ministro Eros Grau, no qual, até que enfim, deu-se
sentido democrático ao processo penal e à presunção de inocência: “HABEAS CORPUS.
INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA
PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece
que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados
pelo
recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a
execução
da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de
liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil
de
1988 definiu, em seu art. 5º
, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí a conclusão de que os
preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional
vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3.
Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode
ser
decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo
restrito.
Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza
extraordinária. Por
isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa,
também,
restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão
estatal de
aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. A antecipação
da
execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia
ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal.
A
prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF]
serão
inundados por recursos especiais e extraordinários, e subseqüentes agravos e
embargos,
além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como
incitação à
“jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa
garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento
do STF não pode ser lograda a esse preço. 6. Nas democracias mesmo os criminosos
são
sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos
processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação
constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que
sejam
consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração
penal, o
que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de
cada qual Ordem concedida.” Pode-se discorrer sobre muita coisa deste voto, o qual,
fala
por si mesmo. Cabe relevar que o processo penal, como garantia, precisa ser levado
a
sério, sob pena de se continuar a tratar a “Inocência” como figura decorativo-
retórica de
uma democracia em constante construção e que aplica, ainda, processo penal do
medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os dias[321]. Por isto a
necessária
superação da farsa da mentalidade inquisitória!
4.6. Nesse sentido, Lopes Jr. Indica: “A conversão da prisão em flagrante em
preventiva não é automática e tampouco despida de fundamentação. E mais, a
fundamentação deverá apontar – além do fumus commissi delicti e o periculum
libertatis
– os motivos pelos quais o juiz entendeu inadequadas e insuficientes as medidas
cautelares diversas do art. 319, cuja aplicação poder ser isolada ou cumulativa
(...)
Qualquer que seja o fundamento da prisão, é imprescindível a existência de prova
razoável do alegado periculum libertatis, ou seja, não bastam presunções ou ilações
para
a decretação da prisão preventiva. O perigo gerado pelo estado de liberdade do
imputado
deve ser real, com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão
gravosa
medida. Sem periculum libertatis, a prisão não poderá ser decretada (ainda que se
tenha
a fumaça do crime). Mas, mesmo que se tenha situação de perigo a ser cautelarmente
tutelada, é imprescindível que o juiz a analise à luz dos princípios da
necessidade,
excepcionalidade e proporcionalidade, anteriormente explicados, se não existe
medida
cautelar diversa, que aplicada de forma isolada ou cumulativa, se revele adequada e
suficiente para tutelar a situação de perigo. não se trata de crime cometido com
violência
ou grave ameaça e o deve ser levado em conta o estado constitucional de
inocência.”[322]
A previsão do artigo 282, § 6º, dispõe expressamente que a prisão preventiva será
determinada quando não cabível sua substituição por outra medida cautelar. (TJSC,
Habeas Corpus n. 2012.073724-5, da Capital, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco; STJ,
HC
155.665). Demonstrado, pois, que, a despeito de haver indícios de autoria e prova
da
materialidade, o periculum libertatis não está configurado, deve ser concedida
liberdade,
com ou sem medidas cautelares ou fiança[323]. Lembre-se da hipótese em que houver
dúvida fundada sobre a identificação criminal do acusado (CPP, art. 313, parágrafo
único
c/c Leis n. 12.037/09 e 12.654/12).
4.7. Reconheça-se, a questão aqui é ideológica! Parcela majoritária da magistratura
entende que a prisão cautelar torna as cidades seguras, o acusado deve permanecer
preso
antecipadamente, quem sabe cumprir toda a pena, até que se confirme a decisão.
Pensam
conforme a matriz inquistória. Uma outra parcela compreende que a presunção de
inocência prepondera, o acusado deve aguardar a definição de sua culpa até o
trânsito em
julgado para somente depois iniciar-se o cumprimento da pena (STF, Habeas Corpus nº
100.430, Min. Celso de Mello). Imputações sem violência nem grave ameaça, frases
feitas
de medo, terror, pânico, escalada de criminalidade não deveriam seduzir. A
pertinência
de cada prisão deve ser demonstrada argumentativamente na hipótese singular. Também
não serve, pois, a vedação genérica da liberdade provisória, como na lei de drogas
ou de
armas, pois isto é flagrantemente inconstitucional. A lei não pode restringir o
acesso à
justiça, ou seja, o art. 5º, XXXV, da CR, preconiza que o pedido de liberdade,
pressuposto
da democracia, deve ser analisado. Sempre. A restrição genérica vincula-se a uma
compreensão inquisitória de processo, da qual se deve passar longe[324].
4.8. O fato de ser imputada, eventualmente, conduta apenada com reclusão, por si,
não pode ser óbice para o deferimento do pedido, em nome de uma difusa ordem
pública, até porque, como bem aponta Lopes Jr: “Muitas vezes a prisão preventiva
vem
fundada na cláusula genérica ‘garantia da ordem pública’, mas tendo como recheio
uma
argumentação sobre a necessidade de segregação para o ‘reestabelecimento da
credibilidade das instituições’. É uma falácia. Nem as instituições são tão frágeis
a ponto
de se verem ameaçadas por um delito, nem a prisão é um instrumento apto para esse
fim, em caso de eventual necessidade de proteção. (...) Noutra dimensão, é
preocupante –
sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas – que a crença nas
instituições
jurídicas dependa da prisão de pessoas. Quando os poderes públicos precisam lançar
mão da prisão para legitimar-se, a doença é grave, e anuncia um grave retrocesso
para o
estado policialesco e autoritário, incompatível com o nível de civilidade
alcançado. Na
mais das vezes, esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz
‘comprometido com a verdade’, ou seja, alguém que, julgando-se do bem (e não se
discutem as boas intenções), emprega uma cruzada contra os hereges, abandonado o
que
há de mais digno da magistratura, que é o papel de garantidor dos direitos
fundamentais
do imputado. Como muito bem destacou o Min. Eros Grau (HC 95.009-4) ‘o combate à
criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário).
(...) No
que tange à prisão preventiva para em nome da ordem pública sob o argumento de
risco
de reiteração de delitos, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma
função
de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo
penal.
Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os
casos
de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única
presunção
que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a
fatos
futuros. (...) A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de ‘perigo
de
reiteração’ bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos
proteja do
que pode (ou não) vir a ocorrer. Nem o direito penal, menos ainda o processo, está
legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível).
Além
de inexistir um periculosômetro (tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI), é
um argumento inquisitório, pois irrefutável. Como provar que amanhã, se permancer
solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível
como a
afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes
videntes,
pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal...”[325]
4.9. Anote-se, no contexto, que a comprovação de ocupação lícita é herança
totalitária, a saber, quando o CPP foi editado, na sua versão original, era vedada
a
concessão de liberdade provisória para o acusado considerado “vadio”, exigindo-se,
para
tanto, o então denominado atestado de ocupação lícita. Entretanto, sendo o trabalho
direito e não dever (CR, art. 7º), tal exigência é incompatível com a democracia,
sem
contar que, diante da quantidade de pessoas desempregadas, estes seriam penalizados
por não terem emprego![326]
4.10. A imposição de medidas cautelares (CPP, art. 319), vincula-se ao resultado do
processo, não sendo aplicação antecipada da pena. Para Pacelli, a prisão preventiva
busca
sua justificativa e fundamentação “na tutela da persecução penal, objetivando
impedir
que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam
colocar
em risco a efetividade do processo”.[327] A presunção de inocência (o forte a ser
tomado
pela acusação) milita em favor da defesa. Daí que a jogador acusador pode utilizar
a
jogada da prisão cautelar como mecanismo de pressão e também, embora não devesse
ser possível, como pena antecipada. Parece que ninguém aceitaria reconhecer que
diante
da Constituição da República há prisão sem trânsito em julgado. Entretanto, com os
mais
variados fundamentos, as pessoas continuam presas cautelarmente no Brasil sem
análise
do devido processo legal substantivo[328].
4.11. Cabe sublinhar, também, que as medidas cautelares (CPP, art. 319 -
comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados
lugares; proibição de matner contato com pessoa determinada; proibição de ausentar-
se
da comarca; recolhimento domiciliar; suspensão do exercício de função pública ou
atividade econômica ou financeira; internação provisória; fiança e monitoramento
eletrônico[329]) e a prisão domiciliar (CPP, art. 320), devem guardar pertinência
com a
imputação formalizada, isto é, descabe a aplicação genérica como prevenção geral.
4.12. Embora o Brasil não tenha adotado o prazo máximo de duração do processo,
diante da cláusula do julgamento sem demoras (prazo razoável), antes da reforma de
2008, apontava-se o prazo máximo de 81 (oitenta e um) dias o limite da prisão
cautelar. O
STJ editou as Súmulas n° 52 (Encerrada a instrução criminal, fica superada a
alegação de
constrangimento por excesso de prazo.) e n° 64 (Não constitui constrangimento
ilegal o
excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.), rejeitando o excesso de
prazo
depois de finalizada a instrução ou por ação defensiva. Entretanto, com a nova
conformação dos procedimentos (CPP, art. 394, §§ 2º e 5º, art. 400 c/c art. 403),
mediante
audiência única e julgamento oral no próprio ato, a Súmula n. 52 perdeu o sentido
(se é
que um dia teve). Computando os prazos do novo procedimento, o Conselho Nacional de
Justiça editou o Plano de Gestão para o Funcionamento de Varas Criminais e de
Execução Penal e, depois, o Manual Prático de Rotinas das Varas Criminais e de
Execução Penal, pelos quais, “ultrapassado o prazo estimado para a duração razoável
do
processo”, fixado em 105 (cento e cinco) dias[330], prorrogados por mais 26 dias,
no caso
de aplicação do § 3º do art. 403, do CPP, desde que justificada a necessidade[331],
cotejadas com as cláusulas indicadas pela Corte Européia dos Direitos do Homem,
analisáveis no caso de demora - a) complexidade do assunto; b) comportamento da
acusação e da defesa; e c) a atuação do órgão jurisdicional[332] – diz o CNJ “a
prisão
preventiva, em tese, passa a ser considerada ilegal, devendo ser providenciado o
seu
relaxamento.” Os critérios devem ser justificados, não bastando a alegação, dado
que, diz
Choukr: “conseguir um limite claro a partir do qual não há mais como se falar em
razoabilidade da dilação”[333], passa a ser elemento do devido processo legal
substancial[334]. Lopes Jr. e Badaró, parafraseando Daniel Pastor, sustentam que
“se,
inteligentemente, não confiamos nos juízes a ponto de delegar-lhes o poder de
determinar o conteúdo das condutas puníveis, nem o tipo de pena a aplicar, ou sua
duração sem limites mínimos e máximos, nem as regras de natureza procedimental, não
há motivo algum para confiar a eles a determinação do prazo máximo razoável de
duração do processo penal.” [335]
4.13. A prisão temporária, convertida que foi da Medida Provisória nº 111/89,
regulada pela Lei nº7.960/89, é manifestamente inconstitucional. O Supremo Tribunal
Federal analisando (ou melhor, tergiversando) a questão, entendeu (Medida Cautelar

162, julg. 14.12.89) que a prisão não era obrigatória, devendo, de qualquer sorte,
ser
fundamentada. Entende-se diversamente, dado que nem no período do Regime Militar
tamanha petulância ocorreu, uma vez que o Decreto Lei não podia suplantar a
competência legislativa originária. Não há lavagem-da-legalidade depois por ter
sido
validada pelo processo legislativo, pois há vício de origem. Dito de outra forma:
nem se
diga que pela catarse da conversão em lei estaria legitimando a Medida Provisória.
O
processo legislativo está viciado por sua origem. Por isso remanesce a
irresignação. Fauzi
Hassan Choukr afirma, com razão: “No julgamento anunciado, a Corte Suprema
tangenciou os temas fundamentais da matéria, e corroborou uma vez mais a inequívoca
vocação legislativa do Poder Executivo, desta vez acobertando-a com o manto da não
obrigatoriedade da aplicação da medida pelo magistrado no caso concreto, que apenas
tomaria a medida com a devida fundamentação. Verdadeiramente não é este o ponto
central do descumprimento da cláusula constitucional que determina ser a medida
provisória empregada apenas em casos de extrema urgência e relevância.”[336] Aury
Lopes Jr indica que: “nasce logo após a promulgação da Constituição de 1988,
atendendo
a imensa pressão da polícia judiciária brasileira, que teria ficado ‘enfraquecida’
no novo
contexto constitucional diante da perda de alguns importantes poderes, entre eles o
de
prender para ‘averiguações’ ou ‘identificação’ dos supeitos. Há que se considerar
que a
cultura policial vigente naquele momento, onde prisões policiais e até a busca e
apreensão eram feitas sem a intervenção jurisdicional, não concebia uma
investigação
policial sem que o suspeito estivesse complemente à disposição da polícia. (...)
Então não
se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o
interesse da
polícia, pois, sob o manto da ‘imprescindibilidade para as investigações do
inquérito’, o
que se faz é permitir que a polícia disponha, como bem entender, do imputado. (...)
A
prisão temporária cria todas as condições necessárias para se transformar em uma
prisão
para tortura psicológica, pois o preso fica à disposição do inquisidor. A prisão
temporária
é um importantíssimo instrumento na cultura inquisitória que ainda norteia a
atividade
policial, em que a confissão e a ‘colaboração’ são incessantemente buscadas. Não se
pode
esquecer que a ‘verdade’ esconde-se na alma do herege, sendo ele o principal
‘objeto’ da
investigação.”[337] Nesse contexto, até porque se assume postura democrática, deve-
se
declarar inconstitucional a Lei (sic) n. 7.960/89, deixando-se bem claro que se
elementos
para preventiva se fizerem presentes, que se a requeira. Temporária não se decreto.
Isto
porque a mentalidade inquisitória da prisão para averiguações, para
esclarecimentos, não
se compadece com o processo democrático. Deveria ter acabado o tempo em que as
pessoas eram presas para se investigar, embora, reconheça-se, seja a mentalidade de
muita gente que opera no direito penal, em regra, porque foram formados – ou
seduzidos
– pelos discursos fáceis da lei-e-da-ordem, para os quais a tolerância deve ser
zero!
5. Medidas Cautelares Assecuratórias
5.1. No subjogo das medidas cautelares assecuratórias, as quais servirão para
incidentalmente garantir o efeito útil do processo em relação às provas, interesse
econômico da vítima e do Estado, a confusão de finalidades é evidente. Anote-se que
a
Busca e Apreensão é regulada em local diverso, no campo das provas (CPP, art. 240).
Acolhendo-se a divisão do CPP pode-se indicar: a) sequestro de bens móveis e/ou
imóveis; b) hipoteca legal de bens imóveis, e; c) arresto prévio de bens móveis
e/ou
imóveis.
5.2. Somente podem ser deferidas pelo magistrado (reserva de Jurisdição),
diferenciando-se das cautelares do âmbito do Processo Civil. Não podem ser
nominadas
como ações cautelares, dada a diferença marcante entre crime e cível, constituindo-
se em
medidas cautelares[338]. Equivocada a compreensão de que é a mesma cautelar cível
(condições e requisitos) a ser julgada pelo juiz criminal. É necessária, no campo
penal, a
concorrência de elementos relativos à autoria, materialidade e urgência no tocante
ao
efeito útil do processo. Não basta a mera acusação para que se defira as medidas
assecuratórias, nem deslizar no imaginário, dada a presunção de inocência. Demanda-
se,
também, a comprovação de que os demais meios são inaplicáveis, como por exemplo,
ações cautelares em improbidade (Lei n. 8.429/92). Logo, devem ser excepcionais,
provisórias e atender ao comando da proporcionalidade (adequação, necessidade,
proporcionalidade em sentido estrito).
5.3. A partir da teoria dos jogos as medidas de indisponibilidade servem na
estratégia de aniquilamento midiático e patrimonial[339]. Desestabilizam a
possibilidade
de defesa direta mediante o massacre nos meios de comunicação e, por outro lado,
bloqueiam o patrimônio do acusado o qual resta imobilizado na sua disposição
patrimonial, inclusive com o eventual defensor. Daí que devem sempre de exceção,
devendo-se demonstrar os requisitos legais, partindo da presunção de inocência,
conforme Aury Lopes Jr: “Incumbe ao acusador demonstrarm efetivamente, o risco de
dilapidação do patrimônio do imputado, com a intenção de fraudar o pagamento da
indenização
decorrente de eventual sentença condenatória”[340]. O procedimento é o previsto nos
arts.
125-144.
6. Busca e Apreensão
6.1. A busca e apreensão (CPP, art. 240) é restrição à direito fundamental
(inviolabilidade do domicílio, dignidade da pessoa humana, intimidade e a vida
privada,
incolumidade física e moral do sujeito) e, como tal, deve ser deferida somente no
limite
de sua autorização legal, a saber, em que os requisitos legais estejam
cumpridamente
demonstrados[341]. Embora denominada de Busca e Apreensão conjuntamente,
diferencia-se a busca da apreensão. A busca possui a função de obter a prova
mediante a
localização de pessoas ou coisas, enquanto a apreensão tenciona garantir a prova ou
restituição do patrimônio. Pode ser deferida tanto na fase pré-processual como na
processual, exigindo, todavia, a instauração de Investigação Criminal. Para sua
concessão
devem concorrer elementos de urgência e necessidade, vinculados ao devido processo
legal substancial, não bastando mera suspeita ou ilações desprovidas de elementos
probatórios, mesmo que preliminares.
6.2. Pitombo aponta que: “O direito fundamental só pode sofrer diminuição dentro
da estrita legalidade. A hipótese de restrição há que estar prevista, modelada, em
lei
ordinária, consoante a Constituição; ainda, ter fins legítimos e possuir
justificativa
socialmente relevante. Devem ser considerados, também, os concretos meios,
colocados
à disposição, da justiça pública, para se atingir o fim desejado.”[342] Luciano
Dutra
sustenta: “A autoridade judicial quando determinar a realização de busca domiciliar
deve, efetivamente, motivar a imprescindível necessidade da diligência,
demonstrando
de forma cabal os motivos justificadores que autorizam a violação daquilo que a
própria
Constituição Federal chama de ‘asilo inviolável’”[343]. Em cada hipótese deverá ser
demonstrada a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito das
medidas requeridas.
6.3. Em relação ao controvertido conceito de casa, pode-se indicar que abrange a)
habitação definitiva (própria ou alugada); b) moradia ou ocupação de caráter
provisório
(de temporada, hotel, motel, hostel, barraca de camping e similares – STF, RHC
90.376-RJ);
c) dependências da casa; d) estabelecimentos comerciais, industriais e condomònios
de
acesso restrito ao público; e) meios de transporte providos ou transformados em
“casa”,
ou seja, quando parados - barco, trailer, cabine de caminhão.
6.4. No caso de Busca Domiciliar o consentimento fornecido por morador somente
poderá ser válido quando se der pelo responsável pela casa, desprovido de pressão
policial, observado o disposto no art. 293, do CPP. Assim, estando os policiais
fardados,
fortemente armados, acreditar-se em consentimento é cinismo, como também do
acusado já preso, lembrando Lopes Jr a decisão do Tribunal Supremo da Espanha,
datada
de 1992: “O problema radica em saber se um detido ou preso, está em condições de
expressar sua vontade favoravelmente a busca e apreensão, em razão precisamente da
privaão de liberdade a que está submetido, o que conduziria a afirmar que se trata
de de
uma vontade viciada por uma intimidação sui generis... e dizesos sui generis porque
o
temor racional e fundando de sofrer um mal iminente e grave em sua pessoa e bens,
ou
pessoa e bens de seu cônjuge, descententes ou ascententes, não nasce de um
comportamento de quem formula o convite ou pedido de autorização para realizar a
busca com o consentimento do agente, senão da situação mesma de preso, isto é, de
uma
intimidação ambiental.” Logo, salvo em hipoteses de ausência de pressão, exceção,
cabe
reconhecer a regularidade da ação. Aliás, em crimes permanentes, consoante se viu
anteriormente, segue-se o mesmo raciocínio.
7. Interceptação Telefônica
7.1. A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito
em face do Estado, a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam
se
houver relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos
precisam ser firmes. A restrição a direitos fundamentais, avivada pela
interceptação
telefônica[344], demanda o preenchimento dos requisitos do art. 2º da Lei n.
9.296/96[345], demonstrando-se, minudentemente, a necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito.[346] A Constituição da República,
precisamente
em seu art. 5º, XII, assegura a todos a inviolabilidade do “sigilo da
correspondência e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses
e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual
penal”. Estabeleceu, pois, com tal previsão, o sigilo das comunicações telefônicas
como
direito fundamental, compreendido na cláusula de inviolabilidade da intimidade,
vida
privada, honra e imagem das pessoas, sob pena de indenização material ou moral
decorrente de sua violação. Por evidente, tal inviolabilidade comporta excepcional
intervenção, segundo a própria previsão literal da CRFB, para fins de instrução
processual penal ou investigação criminal. A Lei nº 9.296/96, que regula o inciso
XII,
parte final, do artigo 5º, da CR, trata da “interceptação de comunicações
telefônicas, de
qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual
penal,
observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação
principal, sob segredo de justiça”, e vem permitir, em casos como estes, a quebra
do
sigilo das comunicações telefônicas.
7.2. Para demonstração da necessidade, imprescindível Inquérito Policial, não
bastando mero Boletim de Ocorrência. Isso porque o deferimento da interceptação
depende da comprovação da inexistência de outros meios de investigação. Se ela não
está instaurada, como se pode a justificar? O Conselho Nacional de Justiça editou a
Resolução n. 59, complementada pela Resolução n. 84, exigindo o seu deferimento em
procedimento policial regular, a saber, Inquérito Policial, inexistente na espécie.
É
preciso acabar-se com a investigação sem IP ou no semblant de “procedimento
administrativo”. Sem Inquérito Policial é inviável sequer analisar-se o pleito.
7.3. Do apurado deve-se apontar o liame lógico entre os terminaris que se quer
interceptar, seus titulares – os quais devem necessariamente ser indicados no
pedido
(CNJ, Res. 59, art. 10) -, bem como de onde surgiram. Dito diretamente: é
necessário o
esclarecimento, por elementos probatórios, das condições em que os indigitados
agentes
estariam vinculados.
7.4. Ainda que exista controvérsia, o prazo para deferimento é o de 15 dias,
prorrogáveis, justificadamente, por mais 15 dias (STJ, HC n. 76.686). Não cabe o
deferimento de 30 dias. Qualquer restrição feita em desconformidade é ilegal. Cabe
lembrar que para garantia do contraditório diferido, as interceptações devem ser
juntada
pelas partes aos autos, na via em apenso e em sigilo, nos termos do art. 8o, da Lei
n.
9.296/96. Podem ser transcritas (STF, AP n. 508). No caso de arquivamento sem
instauração de ação penal, deve-se dar ciência aos que tiveram o direito
restringido. No
caso de compartilhamento, modalidade de prova emprestada, via encontro fortuito,
necessária a verificação do liame probatório e da posssibilidade excepcional de sua
validação democrática, quase sempre impossível.
8. Quebra de Sigilo Fiscal e Bancário
8.1. O direito a intimidade é garantia constitucional prevista no art. 5º, inciso
X, da
Constituição da República. Sua desobediência representa severo ilícito contra
garantia
constitucional, constituindo-se, portanto, em uma impossibilidade. Entretanto, a LC
n.
105/2001 dispõe sobre as hipóteses em que a quebra de sigilo bancário pode ser
decretada, mais especificamente no caput do § 4º, de seu art. 1º, que assim dispõe:
“§ 4º A
quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de
ocorrência de
qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e
especialmente
nos seguintes crimes: I – de terrorismo; II – de tráfico ilícito de substâncias
entorpecentes ou drogas afins; III – de contrabando ou tráfico de armas, munições
ou
material destinado a sua produção; IV – de extorsão mediante seqüestro; V – contra
o
sistema financeiro nacional; VI – contra a Administração Pública; VII – contra a
ordem
tributária e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa.”
8.2. Belloque[347] acerca dos limites da medida correspondente à quebra de sigilo
bancário: “Consubstancia-se a quebra de sigilo financeiro em medida de coação
porque
importa em restrição a direito fundamental. Como todas as medidas desta natureza,
será
lícita – e, então processualmente admissível e valorável – quando a sua realização
obedecer aos pressupostos e requisitos exigidos pela Constituição e pela lei. De
outra
forma, representará ilícito penal, civil, e, eventualmente, administrativo – sendo
absolutamente imprestável à persecução penal, por força do comando constitucional
inserto no art. 5.°, LVI, irredutível quando se tratar de prova para fundamentar
uma
condenação.” Entretanto, para o seu deferimento, deve-se demonstrar a
imprescindibilidade da produção, especialmente a ausência de outros meios[348].
Capítulo 6°
O Jogo Processual: Lugar, Procedimentos e Nulidades
i. Lugar do Jogo: Competência
1.1. A Jurisdição será exercida por Tribunal ou Juiz com competência, ex ante à
conduta imputada, ou seja, em atendimento ao Juiz Natural. Uma vez fixado o Juiz
Natural descabe manipulação de competência. O que se garante não é a pessoa física
do
julgador, mas do órgão. Assim, eventual transferência, opção, aposentadoria,
promoção,
do magistrado, não impede o julgamento pelo substituto. O que importa é a fixação
por
lei do procedimento para se chegar ao Juiz Natural. Dito de outra forma, distingue-
se,
equivocadamente, a competência absoluta (pessoa e matéria) da relativa (lugar).
Adotase abusivamente modelo civil de fixação de competência, próprio de direito
disponíveis,
no campo do processo penal (indisponível). Se o Juiz Natural é garantia do devido
processo legal substancial, não podem os jogadores eleger outro, nem mesmo a
desídia
ou má-fé de algum destes, implicar na alteração/manutenção do julgador. Normalmente
se fala em convalidação ou mesmo prorrogação pela ausência de invocação oportuna de
exceção de incompetência. Entretanto, essa compreensão desconsidera o processo como
direito fundamental. Os jogadores não podem ter disponibilidade quanto ao órgão
julgador.
1.2. A partir da leitura do devido processo legal substancial descabe a manutenção,
no pós CR/88 (arts. 102, 105, 109, 118, 121 e 125), da distinção entre competência
absoluta
e relativa. A competência será sempre absoluta e deve ser declarada de ofício ou
mediante exceção (CPP, art. 95, II c/c art. 113 e segts). A fixação da competência
se dará
em face da (i) pessoa; (ii) matéria, e; (iii) lugar. As possíveis Justiças
Competentes são: (a)
Justiça Militar (Federal e Estadual); (b) Justiça Eleitoral; (c) Justiça Comum -
Federal ou
Estadual; (d) Juizados Especiais Criminais – Federal ou Estadual.
1.3. A competência será fixada em face do lugar, domicílio ou residência do
acusado,
natureza da infração, distribuição, conexão ou continência, prevenção ou
prerrogativa da
função (CPP, art. 69). Ainda que não haja hierarquia, conforme Lopes Jr [349],
pode-se
fazer 3 (três) perguntas em série: a) Qual é a Justiça e o órgão competente? a1)
Justiças
Especiais: Militar (Federal ou Estadual) ou Eleitoral; a2) Justiça Comuns: Federal
ou
Estadual. b) Qual é o foro competente? (CPP, arts. 70, 71, 88 a 90); c) Qual é a
Vara ou
Juízo? (nas hipóteses de mais de um juiz compentente, normalmente por prevenção ou
distribuição). Diante da imputação apresentada cabe perfilhar o seguinte trajeto:
a) É
crime militar? Se sim: a1) Federal ou Estadual? Se sim: a2) Qual órgão competente?
(STM,
Tribunais Militares ou Auditorias Militares). Se não: b) É crime Eleitoral? Se sim:
b1)
Qual o órgão competente? (TSE, TRE ou Zona Eleitoral). Se não: c) Justiça Comum:
c1)
Justiça Federal (TRF, Júri, Vara ou Juizado Especial); c2) Justiça Estadual (TRF,
Júri, Vara
ou Juizado Especial)[350].
1.4. As controvérsias são grandes e para o fim desse Guia Compacto, o que importa
é superar a visão exclusivamente civilista, isto é, superar-se a disponibilidade do
Juiz
Natural.
2. Regras da Partida: Procedimentos (ordinário, sumário,
sumaríssimo, júri, especiais)
2.1. O devido processo legal substancial se manifesta pelos procedimentos
específicos, atendido o processo como procedimento em contraditório. A partida se
inicia
com o movimento do jogador acusador (denúncia ou queixa[351]), pelo qual o jogador
defensor é convocado (citação – CPP, art. 351-369 [352]), para que a partida
probatória
(significantes), mediante subjogos, possa se estabelecer a partir do contraditório
e do fair
play, tendentes à decisão final.
2.2. A lógica dos procedimentos é da superação dos subjogos em etapas. Daí que a
mácula ocorrida num subjogo contamina os posteriores. Desde 2008, com a reforma no
art. 394 do CPP, a distinção se dará entre procedimento: a) comum (ordinário,
sumário e
sumaríssimo), ou b) especial (júri, honra, propriedade imaterial, falimentares,
lavagem
de dinheiro, eleitorais, competência originária, drogas). A competência em
decorrência
da pessoa acusada pode alterar o rito (Lei n. 8.038). No caso do procedimento
comum, a
fixação do rito entre ordinário, sumário ou sumaríssimo, decorre do quantum da pena
a
ser imposta, conforme a denúncia/queixa (CPP, art. 394, § 1o). Será ordinário se a
sanção
máxima for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade (CPP,
arts.
395-405), sumário quanto inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade
(CPP,
arts. 531-538) e sumaríssimo nas infrações de menor potencial ofensivo (Lei n.
9.099/95).
No regime do CPP, o Júri possui procedimento específico (CPP, arts. 406-497), assim
como o crime contra honra (CPP, arts. 519-523), servidor público (CPP, arts. 513-
518) e
propriedade imaterial (CPP, arts. 524-530).
2.3. Por força do art. 394, §§ 2º, 4º e 5º, do CPP, as disposições do procedimento
ordinário são aplicáveis em todos os processos, salvo disposição em contrário,
compatibilizando com as regras dos arts. 395-398, do CPP, de observância cogente,
servindo supletivamente aos procedimentos sumário e sumaríssimo. Dai que o
procedimento comum ordinário será descrito em maior extensão. Anote-se, desde já,
que
a reforma parcial é sempre problemática, tanto assim que determina a aplicação
universal dos art. 395-398, mas esse último foi revogado pela própria lei! Enfim,
com as
emendas parlamentares, a confusão chegou ao ponto de indicar dois momentos para o
recebimento da denúncia (CPP, art. 395 e 399). Isso porque no projeto orignário foi
previsto o estabelecimento de contraditório preliminar ao recebimento da denúncia,
superado pela alteração parlamentar havida. Manteve-se, pois, o recebimento da
denúncia e posterior contraditório.
2.4. O procedimento ordinário inicia-se com: (a) apresentação de denúncia ou queixa
apta (CPP, art. 41), podendo-se arrolar, no máximo, 8 (oito) testemunhas (CPP, art.
401),
já que os informantes não entram no cômputo, baseado no Inquérito Policial, Auto de
Prisão em Flagrante ou documentos respectivos; (b). uma vez reconhecida como apta,
a
acusação é recebida ou rejeitada (total ou parcialmente) por decisão do julgador,
fixando
os limites da acusação[353], determinando-se, ainda, a citação do acusado para que
apresente resposta, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (CPP, art. 396); (c) no
prazo de
resposta o acusado poderá apresentar as exceções (CPP, art. 95), as quais serão
processadas em apartado), bem assim terá a oportunidade de articular a tática
defensiva,
momento em que poderá suscitar preliminares, arrolar testemunhas (máximo de oito),
juntar documentos, requerer perícias, etc.... A defesa preliminar é ato
obrigatório, sob
pena de nulidade. É a manifestação da tática defensiva, sem que se possa exigir
antecipação da respectiva estratégia. Daí que, por ser obrigatória, se o acusado
citado não
apresentar resposta, o juiz nomeará defensor. (d) Apresentada a defesa preliminar,
em
decisão fundamentada, o julgador poderá finalizar o jogo pelo reconhecimento de
causa
excludente da ilicitude, existência manifesta de causa de excludente de
culpabilidade,
salvo inimputabilidade, atipicidade e extinção da punibilidade (CPP, art. 397). Não
reconhecida a absolvição sumária, o julgador designará audiência de instrução e
julgamento, no prazo de 60 (sessenta) dias, ocasião em que será coletada a prova
oral
(CPP, art. 400), na seguinte ordem, se houver: 1) ofendido; 2)
testemunhas/informantes
acusação; 3) testemunhas/informantes defesa; 4) esclarecimento dos peritos (CPP,
art.
400, § 2o e art. 159, § 5º, I); 5) interrogatório. Lembre-se que as
testemunhas/informantes,
se residentes fora da comarca, serão ouvidas por carta precatória (CPP, art. 222)
ou
rogatória (CPP, art. 223), não se suspendendo o processo, salvo se disponível
sistema de
vídeo-conferência. (CPP, art. 222, § 3º); (e) encerrada a produção de informações
probatórias, é possível que os jogadores requeiram diligências, as quais devem se
vincular ao que se produziu em audiência (CPP, art. 402), não se prestando a
reabrir
possibilidades probatórias que poderiam ser requeridas anteriormente[354]; (f)
seguemse alegações finais orais ou por memorais (CPP, art. 403); (g) proferindo-se
sentença.
2.5. O procedimento sumário (CPP, art. 531-538) diferencia-se do ordinário
basicamente pelo prazo da audiência, 30 dias; bem assim o número menor de
testemunhas a se ouvir: 5 (cinco).
2.6. No sumaríssimo, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais (crime com a pena
máxima de dois anos; STF, Súmula n. 723 e STJ, Súmula n. 243), o procedimento,
regulado pela Lei n. 9.099/95, inicia-se pela audiência de conciliação, com a
posibilidade
de composição dos danos civis (arts. 74 e 75), seguida, se for o caso, de transação
penal
(art. 76) e suspensão condicional do processo (art. 89, STF, Súmula n. 723 e STJ,
Súmula n.
243). Necessária a instrução, será ofertada denúncia (art. 77), sendo o autor
citado (art.
78), desgignando-se audiência de instrução e julgamento, na qual sera oferecida
defesa
preliminar que, rejeitada, implica na efetivação da instrução (oitiva da vitima,
testemunhas de acusação, defesa e interrogatório.) O número de testemunhas será o
de 5
(cinco), na forma do art. 394, §§ 2o, 4o e 5º, do CPP[355].
2.7. O procedimento do Júri (crimes dolosos contra a vida, CPP, art. 74) se orienta
pelos princípios previstos no art. 5o, XXXVII, da CR (plenitude de defesa, sigilo
das
votações e soberania dos veredictos). A regulamentação normativa (CPP, art. 406-
497) se
dá por duas fases (instrução preliminar e julgamento em plenário). Na primeira
fase, da
competência do juiz de direito, será apresentada denúncia, citação, defesa
preliminar,
vista ao Ministério Público, audiência e decisão (pronúncia, impronúncia,
absolvição
sumária ou desclassificação). Sem recurso pendente, abre-se a possibilidade de se
arrolar
testemunhas ao plenário, no máximo 5 (cinco), ocasião em que acontece o julgamento
pelo corpo de 7 (sete) jurados, presidido pelo julgador.
2.8. No caso de crimes contra a honra (calúnia, injúria ou difamação, CP, art. 138-
140), salvo se aplicável o procedimento sumaríssimo, deverá ser designada audiência
prévia de conciliação (CPP, art. 520). Nos crimes contra servidores públicos,
embora a
previsão do art. 514, do CPP, bem assim da Súmula n. 330, do STJ, diante da redação
do
art. 394, § 4º, do CPP, desnecessária a providência. No procedimento da lei de
drogas (Lei
n. 11.343/06), há fase de defesa preliminar, via notificação (art. 55)[356].
3. Subjogo de Nulidades
3.1. A legitimidade do provimento judicial dependerá do desenrolar correto dos atos
e posições subjetivas previstos em lei, do fair play. E a perfeita observância dos
atos e
posições subjetivas dos atos antecedentes (subjogos) é condição de possibilidade à
validade dos subsequentes. Logo, a mácula procedimental ocorrida no início do
processo
– partida – contamina os demais, os quais para sua validade precisam guardar
referência
com os anteriores[357]. O ato praticado em desconformidade com a estrutura do
procedimento é inservível à finalidade a que se destina[358]. A decisão final,
preparada
pelo procedimento, também se constitui como parte desse, ou melhor, sua parte
final, o
corolário.[359]
3.2. A doutrina diferencia a mera irregularidade (sem violação do conteúdo do ato),
d a inexistência (por ausência de requisito de sua validade – alegações finais por
não
advogado ou sentença por não juiz), nulidade relativa e nulidade absoluta. Em
relação a
essa distinção, também com Lopes Jr, pode-se afirmar a insuficiência das categorias
e, a
partir do processo como procedimento em contraditório, bem assim da reserva de
jurisdição, só há nulidade por decisão judicial. Entretanto, o regime de nulidades
do CPP
(arts. 563-573), além de ultrapassado, é confuso[360]. Adota a compreensão da
verdade
substancial (CPP, art. 566), possui dispositivos revogados noutros locais do
próprio CPP
(art. 564, III, “a”, “b”, “c”, III), bem como indica compreensão civilista,
incompatível com
o devido processo legal substancial, da ausêcia de prejuízo – pas nullité sans
grief (CPP,
art. 563)[361]. Assim é que, superada a distinção arbitrária e sem sentido, todas
as
hipóteses de violação ao devido processo legal substancial, serão declaradas nulas.
3.3. Nesse Guia Compacto, para fins exemplificativo, ainda que o art. 212 do CPP
exclua o juiz da gestão da prova, ou seja, descabe o papel de jogador[362] (art.
212. As
perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o
juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou
importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos
não
esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.), parte significativa dos
julgadores permanece atrelada ao modelo presidencialista e inquisidor. A atual
redação
não deixa dúvida acerca do papel do juiz no desenrolar da colheita da prova
testemunhal,
colocando-o no papel de mero espectador, sendo atribuída aos jogadores a formulação
direta das perguntas à testemunha (nos moldes do cross-examination[363]
norteamericano ou do esame incrociato[364] italiano). Tal mudança, pois, é
decorrente da busca
de adequação da norma processual penal à Constituição da República[365], eis que,
ao
abandonar o modelo presidencialista de condução da colheita da prova testemunhal,
situa o magistrado no lugar de garantidor da forma da informação oral[366]. Na
estratégia processual a tática das perguntas é dos jogadores, inclusive quando se
pretende inserir a dúvida[367]. Daí que não há sentido sequer na alegada produção
da
prova em favor da defesa, uma vez que o esclarecimento só acontece no caso de
dúvida e,
por evidente, a dúvida absolve (CPP, art. 386, VII). De sorte que evidenciada a
mácula ao
devido processo legal substancial, é de se reconhecer a nulidade pretendida pela
defesa.
Até mesmo porque, não obstante a Teoria do Prejuízo (pas nullitè sans grief e
encampada
pelo CPP, art. 563), como hoje posta, encontra-se ultrapassada (neste sentido
também
Lopes Jr., Tovo Loureiro[368], Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[369], dentre
outros),
e a desconsideração do lugar de julgador é a manifestação inequívoca de dano à
parte,
porquanto a condução do processo por juiz imparcial e equidistante restou atingida.
Capítulo 7°
Prova e Decisão: o Resultado do Jogo
1. Subjogo Probatório
1.1. A produção das informações relevantes, para efeito da decisão, é função dos
jogadores, descabendo qualquer atribuição ao julgador. O regime da prova, desta
forma,
não pode ser lido conforme as disposições equivocadas do CPP (art. 155 e segts),
dado
que precisa de leitura constitucionalizada. O processo precisa ser entendido como o
mecanismo apto à inserção da informação no campo da decisão judicial. É o regime
pelo
qual o Estado estipula quais as modalidades e a forma de produção da informação.
1.2. O resultado da produção válida de significantes será composta pela decisão
judicial, a qual não se assemelha, nem de longe, ao mito ultrapassado da verdade
real. A
verdade real é empulhação ideológica que serve para “acalmar” a consciência de
acusadores e julgadores. A ilusão da informação perfeita no processo penal recebe o
nome de Verdade Real. Para que se possa tomar a melhor decisão no processo penal
deveria ser possível obter-se toda a informação da conduta imputada. Entretanto, de
regra, os jogadores (Ministério Público, Querelante e Defensores), além do julgador
que,
por definição, é ignorante em relação à conduta – imparcialidade objetiva –,
possuem
tempo e normas processuais para obtenção da informação. Daí que a informação no
campo do processo penal adentra por meio da prova, cujo regime possui quatro
momentos (requerimento, deferimento, produção e valoração). Em todos esses
momentos há possibilidade de perda (gaps). A testemunha pode não comparecer,
morrer, a filmagem não funcionar, o laudo não ter sido feito, etc..., enfim, toda
as
possibilidades processuais atinentes à prova, por definição, impedem a informação
perfeita[370]. Além disso o processo penal trabalha com a prova testemunhal a qual
é
extremamentente falível e sugestionável[371]. Contudo, para o fim ideológico de
manutenção da crença na melhor qualidade na decisão penal, por herança do modelo
inquisitório, ao julgador se atribui a função de gestor da prova em nome da Verdade
Verdadeira. Para além do grau imaginário de se acreditar que processo penal possa
por
suas testemunhas, laudos, material probatório, reproduzir o passado (a conduta
sempre
se deu ontem...), o discurso filosófico e hermenêutico superou as verdades
fundantes na
metade do século passado. Sublinhe-se, também, a aposta ultraracional na prova
processual, a qual desconsidera o que Martins denomina de ponto cego: “Diz-se
evidente
o que dispensa a prova. Simulacro de auto-referencialidade, pretensão de uma
justificação centrada em si mesmo, a evidência corresponde a uma satisfação
demasiado
rápida perante indicadores de mera plausibilidade. De alguma maneira, a evidência
instara um desamor do contraditório.”[372]
1 . 3 . Há contingência inerente ao jogo processual dinâmico e de informação
incompleta, o qual, mesmo ao final, não consegue promover a inserção de todas as
informações[373]. Em cada subjogo probatório as coordenadas estratégicas precisam
de
revisão, até porque as finalidades probatórias estarão mais ou menos próximas da
comprovação do julgador[374]. Mas o paradoxo é que o jogador não deveria saber de
antemão, até o final do jogo, se o julgador está ou não convencido da comprovação.
Para
tanto, como se mostrou, há intrincada antecipação de sentido e apuração antecedente
dos
sentidos já dados pelos julgadores. É preciso saber qual a tradição em que o
julgador se
insere, quais suas opções ideológicas e trajetória individual[375]. Continuar
acreditando
em decisões universais é se abraçar com seres mitológicos e conceber que todos os
julgadores decidiriam igualmente em qualquer situação. O julgamento em colegiado
bem demonstra que diante de cada acervo probatório os resultados são diversos[376].
A
vitória no jogo processual depende da manifestação do Estado Juiz. Embora a teoria
da
decisão judicial aparentemente se guie pela aplicação da lógica, sabe-se que essa
compreensão é ingênua. Cardozo, Juiz da Corte Suprema Americana, em escrito de
1960,
já alertava que: “O trabalho de decidir causas se faz diariamente em centenas de
tribunas de
todo o planeta. Seria de imaginar que qualquer juiz descrevesse com facilidade
procedimentos que
já aplicou mais de milheres de vezes. Nada poderia ser mais longe da
verdade.”[377].
1.4. Destaque-se, por básico, que a pseudo-prova produzida no “Inquérito Policial”
somente pode servir para análise da condição da ação[378], ou seja, dos elementos
necessários para o juízo de admissibilidade positivo da ação penal. No mais, não há
qualquer possibilidade de valoração democrática, no Processo Penal
constitucionalizado,
por ser ela desprovida das garantias processuais. A recente reforma do Código de
Processo Penal, dando nova redação ao art. 155, do CPP, ao indicar a possibilidade
de seu
uso, é flagrantemente inconstitucional[379]. É que quando de sua produção ainda não
existia acusação formalizada, despreza o defensor – além de alguns ainda negarem a
publicidade dos atos, embora sumulada a situação – e, ademais, viola a garantia de
que
seja produzida em face de juiz imparcial, sob contraditório[380]. Decorrência
direta do
princípio da publicidade é a conclusão de somente as provas produzidas
(informações) em
face do contraditório é que podem ser levadas em consideração nos debates e também
na
decisão judicial. Os elementos indiciários não devem adentrar validamente no debate
porque, por evidente, não havia acusação quando colhida, violando, dentre outros, o
princípio da publicidade. Logo, as declarações prestadas naquele momento são – para
se
utilizar o estatuto probatório italiano, perfeitamente aplicável ao brasileiro –,
absolutamente inutilizáveis, conforme lição de Paolo Tonini[381]: “O termo
inutilizabilidade descreve dois aspectos do mesmo fenômeno. Por um lado, indica o
‘vício’ que
pode conter um ato ou um documento; por outro lado, ilustra o ‘regime jurídico’ ao
qual o ato
viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como fundamento
de uma
decisão do juiz. A inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a
característica de atingir
não o ato em si mas o seu ‘valor probatório’. O ato pode ser válido do ponto de
vista formal (por
exemplo, não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial, pois
a
inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja, servir de
fundamento para
a decisão do juiz”. No Processo Penal democrático, o conteúdo do Inquérito Policial
está
maculado pela ausência de contraditório, sendo utilizável exclusivamente para
análise
das questões prévias (condições da ação e pressupostos processuais
aplicáveis[382]).
Enfim, é absolutamente antidemocrática a utilização dos elementos do Inquérito
Policial
para efeito de condenar o acusado, salvo as irrepetíveis, cujo contraditório será
diferido.
1.5. A proibição de prova ilícita decorre do devido processo legal substancial.
Distingue-se: a) Ilegítima a que viola norma processual (p.ex. CPP, arts. 207; 210,
212); e
b) Ilícita a que viola a norma material (p. ex. Interceptação Telefônica ilegal).
Entretanto,
a distinção não deve operar para salvar a prova, dado que a nulidade contamina a
informação, nos termos do Art. 5º, LVI, da CR: são inadmissíveis, no processo, as
provas
obtidas por meios ilícitos. O CPP indica como ilícitas as derivadas, ressalvando as
sem
nexo de causalidade ou de fonte independente (art. 157).
1.6. Existem diversas classificações da prova (direta x indireta; plena x
indiciária; real
x pessoal; etc.), de duvidosa serventia. De qualquer forma, pode-se indicar a
existência de
provas: testemunhal (CPP, art. 202 e sgtes); (ii) documental (CPP, arts. 231 e
segts), e (iii)
material (CPP, art. 158 e sgts). O interrogatório possui regime especial (CPP, art.
185 e
segts.), bem como o estatuto do ofendido (CPP, art. 201), o reconhecimento de
pessoas/coisas (CPP, art. 226) e a acareação (CPP, art. 229 e segts). Para sua
produção e
valoração democrática devem ser atendidos os requisitos legais (STJ, HCn. 191.378).
1.7. Exemplificativamente, há exigência expressa de laudo nos casos de furto
(Código
de Processo Penal, art. 171), sendo que o exame, de regra, não é juntando por
ausência de
condições de produção, isto é, não há polícia técnica. Logo, culpa do Estado.
Choukr
assevera: “Deve ficar claro que a impossibilidade de realização do exame há de ser
compreendida
apenas pela inexistência de base material para a realização direta, a dizer, quando
o exame não é
realizado no momento oportuno pela desídia do Estado, ou sua realização é
imprestável pela
falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazê-lo, não há que onerar
o réu com uma
prova indireta em vez daquela que poderia ter sido imediatamente realizada”[383].
Busca-se
comprovação indireta (CPP, art. 167) não porque inexiste base material, mas
simplesmente porque a carga probatória da acusação não foi cumprida. Nesse casos,
diz
Lopes Jr: “Sem que se efetive a respectiva perícia no lugar do crime para
comprovação da
qualificadora, não poderá o réu ser condenado por esta figura típica, mas apenas
pelo
tipo simples, previsto no caput do art. 155 (considerando que o crime foi
furto)”[384]. Se
o Estado estipula as regras dde processo e a descumpre, a culpa não pode ser do
acusado.
Acolher-se a condenação é modalidade de “jeitinho” no processo penal.
2. Decisão Penal como bricolage
2.1. A decisão no processo penal não é ato de conhecimento, mas sim de
compreensão, em que os jogadores da partida, no evento semântico denominado
sentença, realizam uma fusão de horizontes (Gadamer). Nesse contexto, diante da
apresentação de uma hipótese fático-descritiva pelo jogador-acusador, procede-se a
debate em contraditório, entre partes, nos quais as cargas probatórias são
compartilhadas em processo como procedimento em contraditório (Fazzalari). O que
existe é a produção de significantes – informações – e uma decisão no tempo e
espaço.
As únicas garantias existentes são: a) o processo como procedimento em
contraditório,
munido de garantias legais; b) jogo processual dos jogadores, mediados pelo
julgador
(sem atividade probatória); c) decisão fundamentada por parte dos órgãos
julgadores. A
legitimidade dessa decisão decorre, também e fundamentalmente, da sua conformidade
com a Constituição da República.
2.2. A verdade processual, pois, não é espelho da realidade e a atividade
recognitiva
avivada no Processo é um mecanismo de “bricolage singular”
, entendido, como em
francês, como fazer o possível, mesmo que o resultado não seja perfeito. E nunca o
é, por
impossível. A dita verdade processual trata de outra coisa, possui estrutura de
ficção. E
como o julgador precisa dar uma resposta, acertar os fatos, com os instrumentos que
se
lhe apresentam, vertido inexoravelmente na e pela linguagem, desprovido da verdade
verdadeira. Uma instrução processual, por seus significantes, sempre autoriza
diversas
compreensões. É do encadeamento de significantes, ou seja, da forma como serão
dispostos os significantes que se poderá verificar a legitimidade (democrática) da
decisão. Alterando-se a disposição, a relação, os sentidos migram (Barthes). O
princípio
escolhido para o estabelecimento da cadeia de significantes altera o resultado. A
decisão
“man made” sempre terá a pitada pessoal, ainda que vinculada às pretensões de
validade, já que “o bricoler sempre coloca nela alguma coisa de si.” (Strauss)
Permutando
significantes e julgando com aquilo que se apresenta, o um-juiz pode articular
decisões
mais democráticas porque demonstra sua concepção ideológica (mesmo que para aderir
a o status quo), sem chicanas, a qual certamente influencia no ato decisório mesmo
quando se acredita ilusoriamente neutro (Jacinto Coutinho). Um significante desliza
em
relação a outro e assim se constrói a decisão, podendo, nessa trama, colocar em
evidência
determinadas partes, relegando outras, mas fundamentando sua decisão, ao contrário
do
que se verifica, de regra, na prática contemporânea.
2.3. Os protagonistas/jogadores do processo de bricolage jurídico, por certo, são
as
partes, que lançarão as pretensões de validade no decorrer processual, bem como o
julgador que proferirá a decisão. Mas esses não são mais os sujeitos conscientes da
epistemologia da modernidade. Pode-se dizer que a união, reunião, desfazimento,
ordenação dos significantes se dá pelo processo de ligação destes sem que o
controle
semântico possa conferir a segurança ilusoriamente prometida, mas somente uma trama
com coerência discursiva. O “coágulo de verdade” deve levar em conta o
velamento/desvelamento (Heidegger) do discurso jurídico, a recusa e a dissimulação
da
atividade decisória. Destruído o mundo das essências, uma nova maneira de ver as
coisas
se descortina, não mais fechada na lógica formal, mas somente deslizamentos
fundados
na linguagem (Marrafon).
2.4. Um novo plano para análise da construção de decisões jurídicas demanda
perceber as condições extra-discursivas que co-determinam o discurso jurídico, como
efeitos da política, ideologia e pré-conceitos pessoais (in)conscientes, ou seja,
os
determinantes conotativos que estão na origem semântica, colmatadas a partir do
senso
comum teórico em cotejo com a singularidade do um-julgador. Desse jogo processual
dados surge a decisão. A decisão equipara-se ao que Veyne indica como um “evento
semântico”, um acontecer no tempo, espaço e lugar, no qual ocorre um acertamento de
significantes, sendo preciso uma certa congruência narrativa (José Calvo), movida
por
condicionantes (in)conscientes materializados no ato decisório, seu limite
temporal.
Submete-se a um descortínio literário em que as narrativas rivais, em face do
material
significante heterogênos, com sentidos contraditórios apontados pelos litigantes,
precisa
de organização coerente da trama discursiva (Aroso Linhares). Ainda que existam
caminhos narrativos diversos, cabe ao julgador a compreensão adequada (Streck), na
sua
função catalisadora de tradutor jurídico, sem que possa organizar a trama
discursiva de
maneira não aderente.
2.5. Essa atividade artística interpretativa pressupõe a possibilidade de estilo e
produção de “efeitos mágicos”, desde e na linguagem. A língua é uma das facetas do
poder espraiado pelo espaço social, servindo tanto a discursos revolucionários
quanto à
reprodução de discursos totalitários, deslocando-se ao gosto dos atores jurídicos
sabedores de sua maleabilidade e limites. Sub-repticiamente faz aparecer
significações
suspensas, internas, pessoais, detonadas com o devido estímulo linguístico. Essa
possibilidade/recurso é uma poderosa ferramenta de poder. Esses instrumentos de
dominação/emancipação astutamente explorados constróem e naturalizam o discurso e,
no caso das classes dominantes, servem para escamotear a sociedade díspar/desigual,
sob o pálio de discursos de igualdade perante a lei (Hayek), sem discutir o que
significa a
lei em si. A lei é a forma de tudo o que é (in)justo. Perdem-se os referenciais
reais no
grau zero da linguagem (Barthes). Dito de outra forma, só através da visão
literária
(Carcova, José Calvo, André Karam Trindade, Lenio Streck) é possível enganar a
língua,
readequando os significantes, trabalho típico de “bricoler”, e, aliando, por assim
dizer,
dramaticamente, o saber a um certo sabor, encontrar a realização do critério ético
material (Dussel): vida. Esse desvio se faz pelo jogo de palavras em que a língua é
o
teatro, exercitando-se, com saber e sabor, o trabalho de deslocamento de
significantes; de
suspensão de significância, de deslizamentos, isto é, bricolagem. Portanto, não é
assim
tão importante, na busca da realidade com estrutura de ficção engendrada pela
decisão
judicial, a exatidão: pois realidade (pluridimensional) e linguagem
(unidimensional) são
corpos que jamais se encontram. Lacan já deixou evidenciado que o Real não é
representável, somente demonstrável: é o indizível, o inefável, da ordem do não-
todo. E é
justamente através da busca desse alvo impossível que a literatura, irredutível,
acaba
encontrando sua vocação e, no uso de seus subterfúgios, irradia um saber mais livre
(em
que a própria ciência é jogada num discurso menos a serviço de uma estrutura e mais
a
serviço do homem), e se aproxima, num bordado de correlações não-impositivas, via
bricolagem de significantes, de alguma forma de verdade não ontológica
(metafísica),
como quer a Filosofia da Linguagem[385].
2.6. Do ponto de vista formal, todavia, a decisão deve guardar congruência entre a
acusação e a decisão[386]. Embora entenda-se possível uma leitura conforme à
Constituição do art. 383 do Código de Processo Penal, sua amplitude não pode se dar
na
extensão de alterar as elementares do tipo imputado, a qual exigiriam a providência
do
art 384 do CPP. Logo, se as elementares do tipo forem diversas, não se pode
afirmar-se a
equivalência de condutas em face de denúncia por verbo diverso. Lopes Jr. explica:”
A
costumeiramente tratada como ‘mera correção da tipificação legal’ não é tão
inofensiva
assim, pois modifica o fato penal e, por conseguinte, o fato processual. (...) O
processo
penal brasileiro não pode mais tolerar a aplicação acrítica do reducionismo contido
nos
axiomas jura novit curia e narra factum dabo tibi ius, pois o fato processual
abrange a
qualificação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos, mas também da
tipificação
atribuída pelo acusador. A garantia do contraditório, art. 5º, LV, da Constituição,
impõe a
vedação da surpresa, pois incompatível com o direito a informação clara e
determinada
do caso penal em julgamento. No que tange ao reducionista argumento de que se trata
de ‘mera correção da tipificação’, adverte GERALDO PRADO que supor que o Ministério
Público não saiba qualificar juridicamente os fatos apurados na investigação
preliminar é
estar em rota de colisão com a realidade. Ora, não se está lidando com um mero
burocrata, tecnólogo de ensino médio. Todo o oposto. Ou então teremos de afirmar
que
ali estão profissionais incompetentes para a função, o que, obviamente, não é o
caso.
Eventuais pontos de vista (desde uma perspectiva fática e/ou jurídica) diferentes
são
inevitáveis, mas para isso, deverá o juiz alterar a qualificação jurídica, ouvidos
o acusador
e o réu.” [387]Com efeito, a conduta descrita na acusação baliza os limites do caso
penal[388], cabendo a cada um dos jogadores a carga probatória da comprovação, em
decorrência do processo acusatório[389].
2.7. Do ponto de vista formal, a decisão deve conter relatório, fundamentação e
dispositivo (CPP, art. 381 e 387), mantida a correlação (CPP, arts. 383 e 384)
entre a
acusação e o dispositivo. Anote-se que o art. 385 do CPP não é compatível com o
processo
entre jogadores. Logo, se o jogador acusador requerer a absolvição, não pode o
julgador
condenar. Em caso de absolvição, deve-se indicar o inciso da absolvição (CPP, art.
386),
dadas as repercussões civis (CPP, art. 63 e segts). Com o trânsito em julgado aos
jogadores, opera-se a coisa julgada.
2.8. Com o equivocado movimento de aproximação da vítima ao processo penal,
houve a inserção do art. 387, IV, CPP, pelo qual o juiz ao proferir a sentença
condenatória
deverá fixar o valor mínimo da indenização. Há nítida inserção de questão civil no
âmbito
das informações necessárias à decisão, ou seja, para que seja garantido o devido
processo
legal, o acusado poderá arrolar testemunhas e requerer perícia sobre o valor a
extensão
dos danos e valores a se indenizar? Evidentemente que a vítima deve ser resgatada,
tanto
assim que se defende a Justiça Restaurativa. Colocar-se um montante surpresa, sem
pedido, nem contraditório, fere o devido processo legal. De qualquer forma, caso
haja
pedido expresso na denúncia/queixa, produção probatória, contraditório, a decisão
poderia analisar tal questão. Sem pedido na inicial, nem produção probatória, nem
contraditório, é vedado ao juiz arbitrar o valor, por ausente devido processo
legal.
2.9. A eficácia civil da decisão penal é tema tormentoso justamente porque parte da
premissa de que a qualidade da decisão proferida no processo penal é melhor do que
a
do civil. Sem prejuízo dessa crítica, até porque não se fala em Verdade Real nesse
Guia: a)
reconhecida a responsabilidade penal; b) a sentença penal condenatória poderá ser
executada no civel pelo legitimado (ofendido, representante legal e herdeiros); c)
apurando-se o valor da obrigação e se executa. (CPP, arts. 63-67 e CPC, art. 475-
N). Anotese que somente o acusado poderá figurar no pólo passivo da execução e não
eventual
responsável civil, ou seja, se o acusado for condenado por acidente de trânsito, a
empresa
proprietária do automotor não poderá ser executada, exigindo ação de conhecimento
contra si para apuração de sua responsabilidade. O Ministério Público somente
poderia
propor a execução (CPP, art. 68) nos Estados onde não existisse Defensoria Público
(STF,
AI 48.2332). Com a instalação das Defensorias, o artigo não foi recepcionado. Houve
a
não repecção decrescente.
Capítulo 8°
Prorrogação: Recursos e Ações
de Impugnação autônomas
1. Recursos
1.1. Ao final da partida é proferida uma decisão (condenatória, extintiva ou
absolutória). Dessa decisão, de regra, cabe recurso ao órgão com competência de
segundo grau, em atenção ao princípio do duplo grau de jurisdição.[390] (Juízo
Comum:
Tribunais; Juizados Especiais: Turma Recursal. Processo com competência Originária
nos
Tribunais regime diferenciado)[391]. O pleito recursal pode buscar o reconhecimento
de
nulidade ou a reforma (parcial ou total) da decisão. É o meio para se buscar,
noutra
instância, a reavaliação das informações probatórias e/ou o reconhecimento de
nulidades.
Além do recurso em sentido estrito (CPP, art. 581) e da apelação (CPP, art. 593),
também
podem ser manejados recursos aos Tribunais Superiores (STJ – Recurso Epecial,
CR/88,
art. 105 - e STF – Recurso Extraordinário, CR/88, art. 102), os quais possuem
amplitude e
requisitos de admissibilidade reduzidos. Pode também buscar a complementação do
julgado, na via dos Embargos de Declaração (CPP, art. 382 e 619-620). Há, também,
recurso exclusivo da defesa, como os Embargos Infringentes (CPP, art. 609,
parágrafo
único), cabíveis quando a decisão de segundo grau for por maioria (não cabe em
favor da
acusação).
1.2. A extensão do recurso deverá constar em suas razões. No regime do CPP as
fases recursais se dividem em: a) interposição, e; b) razões. No primeiro momento
apresenta-se manifestação no sentido do interesse recursal. Recebida a
manifestação,
abre-se oportunidade para apresentação das razões. Não há nulidade de apresentação
conjunta de recurso com razões. Pode acontecer que manejado o recurso, não sejam
apresentadas as razões. No caso do Ministério Público não deve o recurso ser
conhecido.
Já na hipótese defensiva, mesmo sem as razões, os Tribunais, em nome da amplitude
da
defesa, devem conhecer toda a matéria (a extensão é ampla).
2. Ações Impugnativas Autônomas
2.1. Mandado de Segurança: Com o sistema recursal caótico e ausente hipótese de
cabimento expresso, não raro, surge a necessidade de utilização “atravessada” do
Mandado de Segurança (CR, art. 5o, LXIX e Lei n. 12.016/09). A configuração do
direito
líquido e certo, bem assim a ilegalidade ou abuso de poder do ato impugnado não são
uniformes. Utiliza-se, por exemplo, no caso de negativa de acesso dos autos (IP,
APF,
Investigações) por parte da autoridade policial[392].
2.2. O Habeas Corpus (CR, art. 5o, LXVIII) vincula-se à liberdade de locomoção (ir,
vir e ficar), tendo alargada sua hipótese recursal diante do caótico e demorado
sistema
recursal (CPP, art. 654). As hipóteses de cabimento de recurso em sentido estrito,
ainda
processado em primeiro grau, demoram a ascender aos Tribunais. Daí que se foi
ampliando as hipóteses de cabimento. De qualquer maneira, o CPP, no art. 648,
estabelece aas hipóteses : quando não houver justa causa; prisão além do prazo
legal
(sendo que as Súmulas n. 21 e 52, do STJ, perderam o efeito depois da reforma de
2008);
autoridade sem competência, cessado o motivo da coação, cabimento fiança, processo
manifestamente nulo e extinta a punibilidade. Entretanto, diante da quantidade de
HCs
interpostos nos Tribunais Superiores, nos últimos tempos, como mecanismo atuarial
de
sobrevivência, os Ministros do STJ (especialmente) e do STF, apontaram para
restrição
das hipóteses de cabimento do HC, exclusivamente aos casos em que houver ameaça ou
restrição à liberdade[393], impondo, ainda, requisitos à sua admissibilidade.
Embora
possa ser interposto por qualquer um do povo, inclusive o Ministério Público,
normalmente é o defensor (impetrante) em nome do acusado (paciente) em face da
autoridade coatora (juiz ou colegiado). O Órgão Julgador será o que possui
competência
recursal (STF, Súmula 690 – Juizados Especiais Criminais). O julgador poderá,
também,
conceder HC de ofício (CPP, art. 654). É jogada processual arriscada e depende de
cuidadosa análise dos custos e benefícios da medida. Isso porque alguns juízes
soltam ao
final da instrução e, de qualquer forma, finalizada essa, pelo menos o motivo da
garantia
da instrução processual (CPP, art. 312), desfaz-se. Como previne a Câmara para
julgamento dos recursos posteriores, pode ser mecanismo para, com essa informação e
as perspectivas do processo, estabelecer as táticas. Preventa câmara mais
progressita a
atuação deverá ser diferenciada de uma mais conservadora. Daí que a interposição de
HC, mesmo para se desistir, pode ser interessante do ponto de vista do jogo
processual.
Pode ser preventivo (sem restrição realizada) ou liberatório (com restrição já
realizada).
No primeiro se busca impedir e no segundo reparar o ato ilegal ou abusivo.
2.3.A Revisão criminal (CPP, art. 621 e seguintes) cabe somente no caso de
condenação em favor do condenado. Não cabe reabrir-se o caso na hipótese de
absolvição
(por qualquer dos fundamentos do art. 386). Pode ser requerida a qualquer tempo,
mesmo depois de extinta a punibilidade ou morto o condenado. Deve fundar-se na (i)
contrariedade ao texto expresso da lei ou à evidência dos autos; (ii) falsidade de
depoimentos, exames e/ou documentos, e (iii) descoberta posterior de novas provas
em
favor da inocência ou redução da pena. Das hipóteses de cabimento, a discussão
sobre
erro na interpretação dos fatos e adequação legal, é a mais controversa e demanda
tática
argumentativa sofisticada. Não adianta ficar transcrevendo doutrina e
jurisprudência. É
preciso ir direto ao fato e demonstrar o erro de modo direto e com poucas citações,
embora qualificadas. Invocar-se um julgado isolado e Tribunal não reconhecido pouco
ajuda. Por outro lado, não há dilação probatória, devendo o autor produzir, se for
o caso,
mediante Justificação Judicial, a nulidade ou a prova substancialmente nova. Anote-
se
que o pedido para aplicação retroativa de lei mais benigna é da competência do Juiz
da
Execução Penal (LEP, art. 66 e STF, Súmula 611). Cabível também na hipótese de
absolvição imprópria, na qual é aplicada medida de segurança. O condenado foragido
pode entrar sem recolhimento preliminar à prisão (STF, Súmula n. 393). O Tribunal
profere julgamento em dois tempos: a) reconhece o cabimento, e; b) renova ou anula
o
julgamento. No caso de anulação pode determinar seja novamente julgado pelo juiz de
instância inferior. Entretanto, vigora o princípio da reformatio in pejus (direta e
indireta)[394]. O Pós jogo da Revisão Criminal possui o condão de reabrir a partida
e
modificar o resultado. Como não possui prazo para propositura, deve ser bem
estudada e
aparelhada com provas pré-constituídas. Se for necessária prova testemunhal, deverá
ser
produzida antecipadamente, mediante contraditório. Como não se pode renovar pelo
mesmo fundamento, trata-se de jogada arriscada e que deve estudar a composição dos
órgãos julgadores (perfil ideológico) para antecipar possível resultado
(des)favorável.
[1] http://guiacompactodoprocessopenal.blogspot.com/ e
http://guiacompactodoprocessopenal.wordpress.com
[2] ZIZEK, Slavoj. Visión de paralaje. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica,
2006.
[3] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Direito e Processo Penal juntos? (Des)caminhos do
ensino jurídico. In: RODRIGUES,
Horácio Wanderlei; ARRUDA JUNIOR, Edmundo Lima (orgs.). Florianópolis: FUNJAB,
2011.; 231-251.
[4] CALAMANDREI, Piero. “O processo como jogo”. Trad. Roberto Del Claro, Revista de
direito processual civil.
Curitiba: Gênesis, 2002, vol. 23, p. 192.
[5] Esse capítulo se deve aos diálogos travados com Laércio A. Becker. BECKER, L.A.
Qual é o jogo do processo? Porto
Alegre: Sérgio Fabris, 2012.
[6] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?. Porto
Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2010; STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto – as
garantas processuais penais?
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e
Consenso. São Paulo: Saraiva,
2011; MARRAFON, Marco Aurélio. O caráter complexo da decisão em matéria
constitucional. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.
[7] MARTINS, Rui Cunha. O paradoxo da demarcação emancipatória. Revista Crítica de
Ciências Sociais, n. 59, fev.
2001, p. 37-63. A reinvenção da idéia de fronteira é fundamental para que a crítica
possa ser realizada na
fronteira e sua mobilidade constitutiva, isto é, como uma questão de heteronímia
posicional . Conferir:
MARTINS, Rui Cunha. O Método da Fronteira. Coimbra: Almedina, 2008.
[8] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo... p. 197: “Por outra parte, saber
interpretar o movimento do
adversário, não pelo seu efeito jurídico imediato, mas, outrossim, pelos remotos
desenvolvimentos táticos que tal
movimento permite supor. Sobre este terreno, os artigos são necessariamente mudos;
o legislador inocente não tem
calculado a quais sutis virtuosismos possa prestar-se caso a caso, na tática dos
litigantes, o emprego indireto de certos
institutos.”
[9] Por exemplo: a qualidade da prova-informação da acusação pode implicar em
tática defensiva de cooperação para o
fim de reduzir a pena (delação premiada, leniência, confissão, etc.). Da mesma
forma a qualidade da provainformação da defesa pode ensejar negociação entre os
jogadores. Ainda: a prisão cautelar pode servir de
instrumento de coação para cooperação defensiva (delação premiada, p.ex.). O jogo
está no processo.
[10] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo... p. 196: “O processo não é
unicamente ciência do direito processual,
não é unicamente técnica de sua aplicação prática, é também leal observância das
regras do jogo, isto é, fidelidade
àqueles cânones não escritos de correção profissional, que demarcam os confins
entre a elegante e valiosa maestria do
astuto esgrimista e as desajeitadas armadilhas do trapaceiro.”
[11] BECKER, L.A. Qual o jogo do processo?...; PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação
da Prova no Jogo Processual Penal.
São Paulo: IBCCRIM, 2007; CARNEIRO, Maria Francisca. Direito, estética e arte de
julgar. Porto Alegre: Núria
Fabris, 2008. HUIZINGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 9-10,
13. BEZERRA, Márcia
Fernandes. Paralelos entre a arte e o direito. Monografia (Pós-Graduação em
Fundamentos Estéticos para ArteEducação). Faculdade de Artes do Paraná, 2000; OST,
François. Contar a lei. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo:
Editora Unisinos, 2005; KARAM TRINDADE, André; GUBERT, Roberta Magalhães; COPETTI
NETO, Alfredo
(orgs). Direito & Literatura. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[12] ARAÚJO, Fernando. Introdução à economia. Coimbra: Almedina, 2006; VARIAN, Hal.
R. Microeconomia: uma
abordagem moderna. São Paulo: Elsevier-Campus, 2012.
[13] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. Trad. Luisa Marcos Sander,
Francisco Araújo da Costa.
Porto Alegre: Bookman, 2010.
[14] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia..., p. 56.
[15] PIMENTEL, Elson. L. A. Dilema do Prisioneiro: da teoria dos jogos à ética.
Belo Horizonte: Argvmentvm, 2007, p. 12.
[16] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia..., p. 58: “A solução para
este jogo, a confissão por parte de
ambos os suspeitos, é um equilíbrio: não há razão para qualquer um dos dois
jogadores mudar sua estratégia. Há um
conceito famoso na teoria dos jogos que caracteriza esse equilíbio – um equilíbio
de Nash. Nesse tipo de quilíbrio,
nenhum jogador individualmente pode se sair melhor mudando seu comportamento desde
que os outros joadores
não mudem o deles. (...) Mas você deveria observar que essa não é uma solução
Pareto-eficiente para o jogo do ponto
de vista dos acusados. Quando ambos os suspeitos confessam, cada um deles passará 5
anos na prisão. É possível
para ambos os jogadores se saírem melhor. Isso aconteceria se ambos ficassem
calados. (...) Está claro que essa
solução é impossível porque os suspeitos não podem assumir compromissos vinculantes
de não confessar.”
[17] CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Teresa Barros P. Barroso. São Paulo:
Martins Fontes, 1979. A obra de
Clausewitz foi se modificando com o tempo e não é acabada, nem coerente. Não pode
ser lido dogmaticamente.
Serve para entender a dinâmica de um modelo que se apresenta, como metáfora, para o
processo judicial, desde que
mitigado pela teoria dos jogos, no que se chama, aqui, de Jogos de Guerra. Cabe
lembrar que o universo
clausewitiziano se dá pelas diretrizes de aniquilação: a) agir de forma simultânea
e com as forças concentradas; b)
com rapidez e ações diretas; c) de forma ininterrupta.
[18] BECKER, L.A. Qual é o jogo do processo? Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2012.
[19] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula
Zomer et alii. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 33: “Disso resulta excluída, ademais, toda função ética ou
pedagógica da pena, concebida como
aflição taxativa e abstratamente preestabelecida pela lei, que não pode ser
alterada com tratamentos diferenciados do
tipo terapêutico ou correcional.” Conferir: CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da
pena: O modelo garantista de
limitação do poder punitivo. In: CARVALHO, Salo de. Crítica à Execução Penal. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
p. 3-43.
[20] MORAIS DA ROSA, Alexandre; AROSO LINHARES, José Manuel. Diálogos com a Law &
Economics. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011.
[21] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, ... p. 206: “São por isto maus
psicólogos (e portanto maus jogadores
da partida judiciária) aqueles advogados os quais, não sabendo renunciar o gosto de
colocar em operação o seu
exasperante virtuosismo profissional ou de ostentar em audiência a sua
superioridade professoral, não se apercebem
que deste modo prestam um mau serviço ao seu cliente, porque indispõem o juiz e o
colocam, sem que ele mesmo
se dê conta, a considerar sobre má luz todas as razões, mesmo que sérias e
fundadas, que vêm daquela parte (por
isto, os cliente, quando escolhessem um defensor para si, fariam bem em ter cuidado
não somente com aqueles
muito ardiloso, mas também com aqueles muito valorosos!).”
[22] Embora a noção de externalidade se vincule aos ganhos econômicos, pode-se
adotar a compreensão dos efeitos
(negativos ou positivos) do jogo processual em relação a terceiros não envolvidos
diretamente no processo penal.
[23] PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise económica da litigância. Coimbra:
Almedina, 2005. p. 46.
[24] CÁRCOVA, Carlos Maria. La opacidad del derecho. Madrid: TroĴa, 1998, p. 18:
“Existe, pues, una opacidade de lo
jurídico. El derecho, que actúa como una lógica de la vida social, con un libreto,
como una partitura, pardójicamente,
no es conocido o no es comprendido por los actores en escena. Ellos cumplen ciertos
rituales, imitam algunas
conductas, reproducen ciertos gestos, con escasa o nula percepción de sus
significados y alcances.”
[25] LACLAU, Ernesto. La razón populista. Trad. Soledad Laclau. Buenos Aires: Fondo
de Cultura Económica, 2011:
BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
[26] PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre a violência criminal,
controle social e cidadania no
Brasil. São Paulo: Método, 2003; SILVA, Denival Francisco da (org.) . Sistema
Punitivo: o neoliberalismo e a cultura
do medo. Goiânia: Kelps, 2012.
[27] O processo que pretende fazer justiça com condenação sem limites se vale do
pragmatismo punitivista, o qual
aceita, muitas vezes, jogadas trapaceadas, com base em elementos ilícitos, voltados
ao fim maior: condenar. Em
alguns casos o regozijo beira à obtenção da felicidade da missão cumprida. Esse
texto busca lançar luzes sobre o
modo obscuro em que o processo judicial se instaura e segue.
[28] Daí que o PL 156 do novo CPP falar em “Investigação Criminal Defensiva”.
Conferir: MACHADO, André Augusto
Mendes. Investigação Criminal Defensiva. São Paulo: RT, 2010. Os jogadores podem
ser aparentemente iguais, como
aliás, parece a noção idealizada de parte. Ninguém duvida que num jogo de futebol
entre dois times com onze (11)
jogadores, como bem aponta Becker, o Real Madrid seja melhor que o Ibis. No
processo penal jogar com duas
partes, uma com o Ministério Público e a outra com um defensor sem estrutura para
lhe fazer frente é
materialmente desigual.
[29] Esperar equilíbrio moral no jogo processual é aceitar o processo como elemento
de divertimento ou passa tempo. Os
jogadores querem ganhar. Os limites morais podem funcionar, no limite, em cada
jogador singularmente, mas não
operam de maneira universal. Muitas vezes os acusadores e julgadores (sic) se valem
de jargões como: “se não paga
por esse, por certo, paga por outro.”
[30] LOPES, Edson. Política e Segurança Pública: uma vontade de sujeição. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2009.
[31] PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal. São
Paulo: IBCCRIM, 2007, p. 45: “Quando
uma parte realiza um movimento qualquer, a outra assume, em decorrência de seu ato,
uma situaão jurídica distinta
daquela em que se encontrava. Não pode, contudo, ignorá-la, pois, se não há reação,
a própria inércia poderá ser
prejudicial. A situação comporta, no entanto, várias formas de se comportar diante
do fato, podendo-se eleger dentre
as distintas possibilidades que o ato proporciona. Cada movimento da parte
contrária cria para o adversário uma
série de possiblidades, inclusive, a de obter uma vantagem; contrariamente ao que
seu antagonista supunha.”
[32] Partir-se da noção do acusado como agente racional é a simplificação que se
vale a teoria do delito para autorizar a
aplicação de sanção.
[33] Por exemplo: para compreender uma acusação sobre imputação objetiva o julgador
precisa conhecer a teoria e não
pode se satisfazer com coleção resumos. Aliás, julgar no campo dos delitos de
trânsito desconhecendo o tema é
vergonhoso. Conferir: BEM, Leonardo SchmiĴ de. Direito Penal de Trânsito. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010:
GRECO, Luís. Modernização do Direito Penal: Bens jurídicos coletivos e crimes de
perigo abstrato. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011. CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal – Parte Geral. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009.
TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2003;
MEROLLI; Guilherme.
Fundametos críticos de Direito Penal. Rio de Janeiro, 2010; QUEIROZ, Paulo. Direito
Penal – Parte Geral. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010; ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia: uma fundamentação
para o Direito Penal. Trad.
Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessl Cardoso. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010.
[34] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de
Janeiro; Lumen Juris, 2005,
[35] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, ... p. 194: “Nisto consiste a tática
processual, confiada à sagacidade e
ao senso de responsabilidade de qualquer litigante, aqui é onde está a habilidade
do jogo. Qualquer competidor,
antes de dar um passo, deve procurar prever, mediante um atento estudo, não só a
situação jurídica, mas outrossim
a psicológica, tanto do adversário quanto do juiz, e com quais razões o antagonista
responderá ao seu movimento.”
[36] BERALDO, Maria Carolina Silveira. O Comportamento dos Sujeitos Processuais
como Obstáculo à duração razoável
do processo. São Paulo: Saraiva, 2013.
[37] Por exemplo: sabe-se que a prova testemunhal pode ser antecipada. Normalmente
será produzida no momento da
audiência de instrução e julgamento. Entretanto, pode acontecer que sua qualidade
fique prejudicada com o tempo.
Daí a importância da tática.
[38] Exemplo interessante pode se dar na confissão espontânea. Embora o art. 65,
III, “d”, do CP, a Súmula nº 231, do
STJ, impede a redução da pena ao mínimo legal. O acusado que sem justificativa para
se beneficiar da sua tática
(confessar ou não confessar não lhe atenua a pena) não deve, do ponto de vista dos
benefícios, cooperar. Sua
cooperação terá o nome do prejuízo do otário (sucker). A recompensa por sua
estratégia é nula. Entretanto, como no
crime existem elementos subjetivos decorrentes da confissão (empatia com o
julgador, acusador, etc.., bem assim na
liberação psíquica da confissão no caso de acusados e de assunção de
responsabilidades, não raro o sujeito confessa.
O confessar na tradição cristã liberta. A tentação individual de não cooperar é
atravessada pela recompensa subjetiva
e pode se dar pelo desejo de condenação do próprio acusado. Conferir: MARQUES NETO,
Agostinho Ramalho.
Sentimento Inconsciente de Culpa e Necessidade Insconciente de Punição – Uma
questão para o direito penal. IN:
PINHO, Ana Claudia Bastos de; GOMES, Marcus Alan de Melo (orgs). Ciências
Criminais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009, p. 1-11.
[39] Na teoria dos jogos fala-se em estratégias tit-for-tat – olho por olho, dente
por dente – em que a tática depende da
rodada anterior e traz consigo a possibilidade de grandes diferenças nos
resultados.
[40] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, ... p. 208: “Processo e jogo, cartas
marcadas e cartas do jogo... É
necessário que advogados e juízes façam de tudo para que isto não seja: e para que
o processo verazmente sirva à
justiça. Entretanto não há razão para se ignorar que bem outra é a realidade
psicológica, tão sombria, mesmo quando
parece sorridente, que enche de mutáveis e turvas inquietudes humanas as formas
geometricamente perfeitas do
direito processual, cujo estudo é estéril abstração, se não for também o estudo do
homem vivo.”
[41] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo,... p. 194: “O processo é uma série
de atos que se entrecruzam e se
correspondem, como os movimentos de um jogo: de perguntas e respostas, de réplicas
e tréplicas, de ações que
provocam reações, suscitando a cada rodada contra-reações.”
[42] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo,... p. 206: “Assim, compreende-se
como pode acontecer que em
certas contingências ou litigantes ou os imputados prefiram, ao defensor sério e
experiente, o advogado da moda,
que em virtude do partido em que milita ou da seita a que pertence, seja mais bem-
sucedido, em exercer, por
simpatia, uma certa ‘influência’ sobre os juízes. E seria cegueira negar a
importância em que todas as causas pode
exercer a simpatia que as partes, ou mesmo os defensores, podem suscitar em torno
de si.”
[43] CALVO GONZÀLEZ, José. El discurso de los hechos. Madrid; Tecnos, 1998.
[44] KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. Trad. J. Rodrigues de Merege. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2000.
[45] CASARA, Rubens R.R.. Interpretação Retrospectiva: sociedade brasileira e
processo penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2004.
[46] WITTGENSTEIN. Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São
Paulo: Nova Cultural, 1999,.., p. 53:
“Mas então o emprego da palavra não está regulamentado; o ‘jogo’ que jogamos com
ela não está regulamentado. Ele
não está inteiramente limitado por regras; mas também não há nenhuma regra no tênis
que prescreva até que altura
é permitido lançar a bola nem com quanta força; mas o tênis é um jogo e também tem
regras.”
[47] VALLE, Juliano Keller do. Crítica à delação premiada. Florianópolis:
Conceito2012.
[48] O processo penal sem plea barganing e/ou Justiça Restaurativa é um modelo
alheio aos custos estatais e desprovido
de sentido real, ainda que imaginariamente movimente os que acreditam que prender o
mundo resolve. Sofrem de
Complexo de Dr. Bacamarte (MACHADO, Jânio de Souza. Doutor bacamarte ainda vive.
Revista da Esmesc - Escola
Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina Florianópolis, Escola Superior
da Magistratura do Estado de
SC, v.10, jul. 2001, p. 35-46). A recorrente análise dialética das possibilidades é
atitude necessária para não se perder
em idealismos. O fluxo probatório implica em reavaliações. Posturas totalitárias
exigem processos totalitários em que
o sucesso desconsidera as garantias do devido processo legal substancial. O grande
mérito do plea barganing é
propicia a reavaliação no decorrer do processo dos fatores informativos das
(im)possibilidades probatórias, do custo
das jogadas, da escassez de recursos (capacidade de assimilação), das condições do
outro jogador e dos objetivos a
serem alcançados.
[49] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Manifesto contra os juizados especiais
criminais: (uma leitura de certa
‘efetivação’ constitucional. In: SCAFF, Fernando Facury (org.).
Constitucionalizando direitos: 15 anos de constituição
brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 347-358.
[50] PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis
processuais penais. Rio de Janeiro;
Lumen Juris, 2005; PRADO, Geraldo. Em torno da jurisdição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010.
[51] Embora difundida a existência da máxima “in dubio pro societate” no
recebimento da denúncia e na decisão de
pronûncia, inexiste disposição legal para tal fundamento. É prática autoritária
deprovida de sustentação democrática.
[52] MORAIS DA ROSA, Alexandre. SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Para um processo
penal democrático: Crítica à
metástase do sistema de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 63-
97.
[53] Consultar: FRANÇA, Leandro Ayres. Inimigo ou a inconveniência de existiir. Rio
de Janeiro; Lumen Juris, 2012.
[54] PEDRA, Adriano Sant’ana. A Constituição viva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2012; OMMATI,José EMÍLIO Medauar;
Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
[55] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Madrid: Trotta, 2002., p. 29-680.
[56] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: A conformidade Constitucional das Leis
Processuais Penais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001, p. XXI: “O garantismo não é uma religião e seus defensores não
são profetas ou pregadores
utópicos. Trata-se de um sistema incompleto e nem sempre harmônico, mas sua
principal virtude consiste em
reivindicar uma renovada racionalidade, baseada em procedimentos que têm em vista o
objetivo de conter os abusos
do poder.”
[57] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do Garantismo. Uma proposta
hermenêutica de controle da decisão penal.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; GIANFORMAGGIO, Letizia (org.) Le ragioni
del garantismo: discutendo
com Luigi Ferrajoli. Torino: G. Giappichelli Editore, 1993; QUEIROZ, Paulo. A
justificação do direito de punir na
obra de Luigi Ferrajoli: algumas considerações críticas. In: SANTOS, Rogério Dultra
dos. Introdução crítica ao estudo
do sistema penal. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 117-127; CARBONELL,
Miguel; SALAZAR, Pedro.
Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid;
TroĴa, 2005; FERRAJOLI, Luigi;
STRECK, Lenio Luiz. (orgs). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo.
Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012.
[58] FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Vols. I e II. Bari: Laterza, 2007. Embora
essa obra seja posterior ao Direito e Razão,
reitera as posições de garantia do processo em face do sujeito. No mesmo sentido;
FERRAJOLI, Luigi. Garantismo:
uma disusi´n sobre derecho y democracia. Madrid: Trotta, 2006.
[59] FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías..., p. 20. Ressalta-se que não se deve
confundir essa introdução com os três
significados de “garantismo” indicados no capítulo 13 de FERRAJOLI, Luigi. Direito
e Razão..., p. 683-686.
[60] SARLET, Ingo. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
[61] FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías..., p. 23-4: “Los derechos
fundamentales se configuran como otros tantos
vínculos sustanciales impuestos a la democracia política: vínculos negativos,
generados por los derechos de libertad
que ninguna mayoria puede violar; vínculos positivos, generados por los derechos
sociales que ninguna mayoría
puede dejar de satisfacer.”
[62] CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem
garantista. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1999, p. 161.
[63] FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid:
Trotta, 2001, p. 22-23.
[64] FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales..., p. 25.
[65] FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales..., p. 24-26.
[66] FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales..., p. 30-34.
[67] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998, p. 95.
[68] MORAIS DA ROSA, Alexandre. O que é garantismo jurídico. Florianópolis:
Habitus, 2003, p. 38.
[69] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris,
1991, p. 25.
[70] BINDER, Alberto M. Iniciación al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: Buenos
Aires, 2000, p. 70: “El poder es
sumamente intenso y, por lo tanto, debe ser cuidadosamente limitado. Si la sociedad
ha tomado la decisión de dotar
a algunos funcionarios (los jueces) del poder de encerrar a otros seres humanos en
‘jaulas’ (las cárceles) esse poder no
puede quedar librado a la arbitrariedad y la falta de control.”.
[71] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 88: “Aqui bastará precisar que por
‘pena’ se deve entender qualquer medida
aflitiva imposta juridicamente por meio do processo penal; por ‘delito’, qualquer
fenômeno legalmente previsto
como pressuposto de uma pena; por ‘lei’, qualquer norma emanada do legislador; por
‘necessidade’, a função de
tutela de bens fundamentais que justifica as proibições e as penas; por ‘ofensa’, a
lesão de um ou de vários de tais
bens; por ‘ação’, um comportamento humano exterior, material ou empiricamente
manifestável, tanto comissivo
quanto omissivo; por ‘culpabilidade’, o nexo de imputação de um delito a seu autor,
consistente na consciência e
vontade deste para com aquele; por ‘juridição’, o procedimento mediante o qual se
verifica ou refuta a hipótese da
comissão de um delito; por ‘acusação’, a formulação de tal hipótese por parte de um
órgão separado dos julgadores;
por ‘prova’, a verificação do fato tomado como hipótese pela acusação e qualificado
como delito pela lei; por ‘defesa’,
o exercício do direito de contraditar e refutar a acusação.”
[72] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 74: “Cada uma das implicações
deônticas – ou princípios – de que se
compõe todo modelo de direito penal enuncia, portanto, uma condição sine qua non,
isto é, uma garantia jurídica
para a afirmação da responsabilidade penal e para a aplicação da pena. Tenha-se em
conta de que aqui não se trata de
uma condição suficiente, na presença da qual esteja permitido ou obrigatório punir,
mas sim de uma condição
necessária, na ausência da qual não está permitido ou está proibido punir.”
[73] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 84.
[74] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 85.
[75] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 441.
[76] KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos, Rio de
Janeiro, n. 1, p. 79-92, 1996; CHIES,
Luiz Antônio Bogo. É possível se ter o Abolicionismo como meta, admitindo-se o
Garantismo como estratégia? In:
CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (Orgs.). Diálogos Sobre a Justiça
Dialogal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002, p. 161-219.
[77] Evidentemente que muitas críticas podem ser elaboradas de diversos lugares
teóricos e práticos, desde o
abolicionismo até o Movimento da Lei e Ordem, para ficar somente em extremos, ambos
na defesa de suas ideias,
justificando-se a consulta de trabalhos críticos sobre o tema, alguns referidos no
corpo do trabalho.
[78] CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena: O modelo garantista de limitação
do poder punitivo. In:
CARVALHO, Salo de. Crítica à Execução Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p.
3-43.
[79] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle
da violência à violência do controle
penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997; BARATTA, Alessandro. Criminologia
crítica e crítica do Direito
Penal: introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
[80] CATROGA, Fernando. Secularização, Laicidade e Religião Civil. Coimbra:
Almedina, 2006; MARRAMAO, Giacomo.
Poder e Secularização: as categorias do tempo. Trad. Guilherme Alberto Gomes de
Andrade. São Paulo: UNESP,
1995.
[81] CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena..., p. 36: “Entendida como
fenômeno da política, a pena, assim como
a guerra, não encontra sustentação no direito, pelo contrário, simboliza a própria
negação do jurídico. Ambas (pena e
guerra) se constituem através da potencialização da violência e da imposição
incontrolada de dor e sofrimento.”
[82] CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena..., p. 32-33: “Ao representar o
modelo minimalista de redução das
penas, [o garantismo] rompe com a tradição da doutrina penal em direcionar todo o
escopo da sanção à prevenção
de novos delitos, tanto pela via individual (prevenção especial positiva) como pela
coletiva (prevenção geral negativa).
Ao contrário dos modelos defensistas que demonizam o autor do ilícito penal,
utilizando a pena como forma de
tutela social, o modelo garantista recupera a funcionalidade da pena na restrição e
imposição de limites ao arbítrio
sancionatório judicial e administrativo.”
[83] CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias..., p. 42: “O raciocínio de Locke se
desenvolve desta forma em quatro
assertivas: as leis naturais podem ser violadas; as violações das leis naturais
devem ser punidas e os danos reparados;
o poder de punir e de exigir reparação cabe, no estado de natureza, à própria
pessoa vitimada; quem é juiz em causa
própria habitualmente não é imparcial e tende a vingar-se em vez de punir.”
[84] FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrática. Trad. Carlos Arthur
Hawker Costa. In: Discursos
Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 12, p. 31-39, 2002, p. 32.
[85] DAL RI JÚNIOR, Arno. O Estado e Seus Inimigos: a repressão política na
história do Direito Penal. Rio de Janeiro:
Revan, 2006.
[86] COPETTI, André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2000, p. 185-
186.
[87] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 31: “Com caráter ‘constitutivo’ e não
‘regulamentar’ daquilo que é punível:
como as normas que, em terríveis ordenamentos passados, perseguiam as bruxas, os
hereges, os judeus, os
subversivos e os inimigos do povo; como as que ainda existem em nosso ordenamento,
que perseguem os
‘desocupados’ e os ‘vagabundos’, os ‘propensos a delinqüir’, os ‘dedicados a
tráficos ilícitos’, os ‘socialmente
perigosos’ e outros semelhantes.”
[88] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 30.
[89] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 30.
[90] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 80. “Substancialismo e subjetivismo,
além disso, alcançam as formas mais
perversas no esquema penal do chamado tipo de autor, onde a hipótese normativa de
desvio é simultaneamente
‘sem ação’ e ‘sem fato ofensivo’.”
[91] FOUCAULT, Michael. Resumo dos cursos do Collège de France. Trad. Andrea Daher.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997, p. 11-44; FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir. Trad. Raquel Ramalhete.
Petrópolis: Vozes, 2000. Com
Foucault pode-se também ter uma dimensão das atrocidades praticadas em nome da
aplicação de sanções,
basicamente de quatro formas: a) exílio/banimento; b) compensação/conversão em
pecúnia; c) marca física ou
exposição vexatória; e d) enclausuramento.
[92] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 310.
[93] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 319: “Que não reeduque, mas também
que não deseduque, que não tenha
uma função corretiva, mas tampouco uma função corruptora; que não pretenda fazer o
réu melhor, mas que
tampouco o torne pior. Mas para tal fim não há necessidade de atividades
específicas diferenciadas e personalizadas.”
[94] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Ofensividade no Direito Penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002; BUENO
DE CARVALHO, Amilton. Garantismo Penal aplicado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003;
ZAFFARONI, Eugenio
Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 225-
230; BIANCHINI, Alice.
Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002; PASCHOAL, Janaina
Conceição. Constituição, criminalização e Direito Penal mínimo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003..
[95] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 373.
[96] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 374.
[97] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 376
[98] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 385. “Observado em sentido negativo,
como limite à intervenção penal do
Estado, este princípio marca o nascimento da moderna figura do cidadão, como
sujeito suscetível de vínculos em seu
atuar visível, mas imune, em seu ser, a limites e controles; e equivale, em razão
disso, à tutela da sua liberdade
interior como pressuposto não somente da sua vida moral mas, também, da sua
liberdade exterior para realizar tudo
o que não esteja proibido. Observado em sentido positivo, traduz-se no respeito à
pessoa humana enquanto tal e na
tutela da sua identidade, inclusive desviada, ao abrigo de práticas constritivas,
inquisitoriais ou corretivas dirigidas a
violentá-la ou, o que é pior, a transformá-la; e equivale, por isso, à legitimidade
da dissidência e, inclusive, da
hostilidade diante do Estado; à tolerância para com o diferente, ao qual se
reconhece sua dignidade pessoal; à
igualdade dos cidadãos, diferenciáveis apenas por seus atos, não por suas ideias,
por suas opiniões ou por sua
específica diversidade pessoal.”
[99] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 387.
[100] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 389: “Em ambos os casos, as vias do
substancialismo coincidem, como
sempre, com as do subjetivismo: por um lado, deliquente nato e tipo criminológico;
por outro, personalidade
inimiga ou desleal e tipo normativo do autor. A crise da ação como garantia marca
uma desvalorização da pessoa
humana, degradada à categoria animal, em um caso, e sublimada e negada, no outro,
por meio de sua identificação
com o Estado. Trata-se da restauração de um substancialismo laico, que substitui o
substancialismo jusnaturalista
pré-moderno, mas que volta a descobrir o malum in se na pessoa desviada: e isso não
como oferenda à velha moral
religiosa e ultraterrena, senão às leis da evolução e seleção do organismo social
ou, pior ainda, à ética ou à mística do
Estado.”.
[101] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 392: “Sem adentrarmos na discussão
das inumeráveis opiniões e
construções sobre a matéria, parece-me que esta noção – que corresponde à alemã de
Schuld e à anglo-saxã de mens
rea – pode ser decomposta em três elementos, que constituem outras tantas condições
subjetivas de responsabilidade
no modelo penal garantista: a) a personalidade (ou ‘suitá’ da ação), que designa a
susceptibilidade de adstrição
material do delito à pessoa do seu autor, isto é, a relação de causalidade que
vincula reciprocamente decisão do réu,
ação e resultado do delito; b) a imputabilidade ou capacidade penal, que designa
uma condição psicofísica do réu,
consistente em sua capacidade, em abstrato, de entender e de querer; c) a
intencionalidade ou culpabilidade em
sentido estrito, que designa a consciência e a vontade do delito concreto e que,
por sua vez, pode assumir a forma de
dolo ou de culpa, segundo a intenção esteja referida à ação e ao resultado ou
somente à ação e não ao resultado, não
querido nem previsto, embora previsível.”
[102] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 395.
[103] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 397: “A força sedutora dessa duas
orientações provém do fato de que seus
efeitos antigarantistas – ademais de ser reflexo, como todos os esquemas
substancialistas, do obscuro lugar-comum
do delinqüente como ‘diferente’ (‘doente’ ou ‘inimigo’), ao qual se tem de
enfrentar enquanto tal – parecem
estritamente coerentes com as duas hipóteses filosóficas que lhes dão impulso e que
se beneficiam, por sua vez, do
aparentemente óbvio: o determinismo e a não liberdade de querer que fazem com que
sintamos injusta a
culpabilização subjetiva do agente por ações independentes de sua vontade e que
sugerem seu tratamento como se
fosse um doente ou um animal perigoso; o livre-arbítrio não condicionado, que torna
paralelamente injusto limitar o
objeto da pena às manifestações contingentes e casuais do autor, em lugar de
estendê-lo à sua personalidade
perversa, investigando-a e castigando-a por sua forma geral de ser.”
[104] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 399-400: O livre-arbítrio (...),
como pressuposto normativo da
culpabilidade, corresponde, em definitivo, ao atuar – ou, caso se prefira, ao
querer –, mas não ao ser do agente. Isso
não impede, obviamente, que se use a palavra ‘culpável’ para referir-se a uma
pessoa, ainda que se não o faça para
designar uma ‘propriedade’ (Tício é, em si, culpável), senão somente sua relação
com uma conduta (Tício é culpável
de uma ação).
[105] STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto – as garantias
processuais penais? Porto Alegre:
Livraria do Advogado, p. 10-11: “É preciso ter presente, desde já, que no contexto
do Constitucionalismo
Contemporâneo os princípios assumem uma dimensão normativa de base. Vale dizer: não
podem ser tidos como
meros instrumentos para solucionar um problema derivado de uma lacuna na lei ou do
ordenamento jurídico. Na
verdade, em nosso contexto atual, os princípios constitucionais apresentam-se como
constituidores da normatividade
que emerge na concretude dos casos que devem ser resolvidos pelo Judiciário. (...)
Tudo isso, ao fim e ao cabo, quer
dizer o seguinte: toda e qualquer decisão jurídica só será correta (ou, na
expressão utilizada em Verdade e Consenso,
adequada à Constituição) na medida em que dela seja possível extrair um princípio.
Vale dizer, uma decisão judicial
– hermeneuticamente correta – se sustenta em uma comunidade de princípios.”
[106] TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo Judicial: limites da atuaçaõ do
Judiciário. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013.
[107] OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio. Porto
Alegre; Livraria do Advogado, 2008:
Aponta que há confusão na compreensão adequada da noção de princípio, não se
percebendo a existência de três
significados históricos possíveis, a saber: a) Princípios Gerais do Direito; b)
Princípios jurídico-epistemológicos; c)
princípios pragmático-problemáticos. A partir da fenomenologia hermenêutica
(Heidegger, Gadamer, Stein e Streck)
aponta para representação dos princípios constitucinais. Em suas palavras: “Os
princípios representam a introdução
do mundo prático no direito. Neles se manifesta o caráter da transcendentalidade.
Em toda caso compreendido e
interpretado já sempre aconteceram os princípios – e não o princípio; toda decisão
deve sempre ser justificada na
comum-unidade dos princípios, como nos mostra Dworkin. Não há regras sem
princípios, do mesmo modo que não
há princípios sem regras. Há entre eles uma diferença, mas seu acontecimento sempre
se dá numa unidade que é a
antecipação de sentido. (...) Entre nós, contudo, a situação é outra. Simplesmente
porque, com a Constituição de
1988 se deu a constitucionalização de toda uma principiologia que, podemos afirmar
sem medo de errar, torna
desnecessária qualquer tipo de “leitura moral”. A própria Constituição é, em última
análise “moralizante”. Desse
modo, reconhecemos novamente razão à Lenio Streck quando ressalta a necessidade de
respostas “adequadamente”
corretas; nem a única, nem a melhor, mas adequadas.
[108] FERRAJLI, Luigi. Garantismo: Una discusión sobre Derecho y Democracia.
Madrid: Trotta, 2006.
[109] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Sobre os fundamentos da ética: da filosofia
à psicanálise. In: Céfiso –
Revista do Centro de Estudos Freudianos de Recife, Recife, n. 14, p. 95, 1999:
“Aquela suposição básica, aquele
fundamento primeiro, aquele primeiro princípio não pode, todavia, ser ele próprio
objeto de conhecimento racional,
pois não pode ser demonstrado.”
[110] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Introdução aos princípios gerais do
processo penal brasileiro. In:
Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, n. 30, p. 164: ““Por evidente,
falar de motivo conceitual, na
aparência, é não dizer nada, dada a ausência de um referencial semântico
perceptível aos sentidos. Mas quem disse que se
necessita, sempre, pelos significantes, dar conta dos significados? Ora, nessa
impossibilidade é que se aninha a nossa
humanidade, não raro despedaçada pela arrogância, sempre imaginária, de ser o homem
o senhor absoluto do circundante;
e sua razão o summum do seu ser. Ledo engano!; embora não seja, definitivamente, o
caso de desistir-se de seguir lutando
para tentar dar conta, o que, se não servisse para nada, serviria para justificar o
motivo de seguir vivendo, o que não é
pouco, diga-se en passant.”.
[111] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Introdução aos princípios gerais do
processo penal brasileiro..., p. 164-
165: “De qualquer sorte, não se deve desconhecer que dizer motivo conceitual, aqui,
é dizer mito, ou seja, no
mínimo abrir um campo de discussão que não pode ser olvidado mas que, agora, não há
como desvendar, na
estreiteza desta singela investigação. Não obstante, sempre se teve presente que há
algo que as palavras não
expressam; não conseguem dizer, isto é, há sempre um antes do primeiro momento; um
lugar que é, mas do qual
nada se sabe, a não ser depois, quando a linguagem começa a fazer sentido. (...)
Daí o big-bang à física moderna;
Deus à teologia; o pai primevo a Freud e à psicanálise; a Grundnorm a Kelsen e um
mundo de juristas, só para ter-se
alguns exemplos. O importante, sem embargo, é que, seja na ciência, seja na teoria,
no principium está um mito;
sempre! Só isso, por sinal, já seria suficiente para retirar, dos impertinentes
legalistas, a muleta com a qual querem,
em geral, sustentar, a qualquer preço, a segurança jurídica, só possível no
imaginário, por elementar o lugar do logro,
do engano, como disse Lacan; e aí está o direito. Para espaços mal-resolvidos nas
pessoas – e veja-se que o individual
está aqui e, portanto, todos –, o melhor continua sendo a terapia, que se há de
preferir às investidas marotas que,
usando por desculpa o jurídico, investem contra uma, algumas, dezenas, milhares,
milhões de pessoas. Por outro
lado – e para nós isso é fundamental –, depois do mito há que se pensar,
necessariamente, no rito. Já se passa para
outra dimensão, de vital importância, mormente quando em jogo estão questão
referentes ao Direito Processual e,
em especial, aquele Processual Penal.”
[112] PESSOA, Fernando. Poesias. Trad. Fernando Antonio Nogueira Pessoa. Porto
Alegre: L&PM, 1996, p. 8: “O mito é o
nada que é tudo.”
[113] CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino: UTET, 1986, p. 17-18.
[114] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à Teoria Geral do Direito
Processual Penal. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 16-17: “Tenho a noção de sistema a partir da versão usual,
calcada na noção etimológica grega
(systema-atos), como um conjunto de temas jurídicos que, colocados em relação por
um princípio unificador,
formam um todo orgânico que se destina a um fim. É fundamental, como parece óbvio,
ser o conjunto orquestrado
pelo princípio unificador e voltado para o fim ao qual se destina.”
[115] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2004; PRADO, Geraldo. Sistema
acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005;
THUMS, Gilberto. Sistema processuais penais: tempo, tecnologia, dromologia,
garantismo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006.
[116] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à Teoria Geral do Direito
Processual Penal..., p. 17-18: “Salvo os
menos avisados, todos sustentam que não temos, hoje, sistemas puros, na forma
clássica como foram estruturados.
Se assim o é, vigoram sempre sistemas mistos, dos quais, não poucas vezes, tem-se
uma visão equivocada (ou
deturpada), justo porque, na sua inteireza, acaba recepcionado como um terceiro
sistema, o que não é verdadeiro. O
dito sistema misto, reformado ou napoleônico é a conjugação dos outros dois, mas
não tem um princípio unificador
próprio (...). Por isto, só formalmente podemos considerá-lo como um terceiro
sistema, mantendo viva, sempre, a
noção referente a seu princípio unificador, até porque está aqui, quiçá, o ponto de
partida da alienação que se verifica
no operador do direito, mormente o processual, descompromissando-o diante de um
atuar que o sistema está a
exigir ou, pior, não o imunizando contra os vícios gerados por ele.”
[117] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[118] TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins.
São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 15-16:
[119] CORDERO, Franco. Procedimento Penal. Trad. Jorge Guerrero. Santa Fé de
Bogotá: Temis, 2000, v. 1, p. 16-90.
[120] TEDESCO, Ignacio F. El acusado en el ritual judicial. Ficción e imagen
cultural. Buenos Aires; Del Porto, 2007.
[121] CORDERO, Franco. Procedimento Penal..., v. 1, p. 90: “Los inquisitores
adelantan afanosamente luchas contra el
diablo.”.
[122] BARREIROS, José Antônio. Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1981, p. 11-14.
[123] Fala-se na produção de provas em favor da defesa. Mas se a dúvida é um dos
fundamentos da absolvição, constituise em paradoxo lógico a produção de provas para
defesa. Se até o momento da decisão de produzir provas há
dúvida, absolvição é a resposta correta (CPP, art. 386, VII)
[124] BINDER, Alberto M. Iniciación al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: Buenos
Aires, 2000, p. 7.
[125] LOPES JR, Aury. Processo Penal e sua conformidade constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2012; PRADO, Geraldo.
Limite às interceptações telefônicas e a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005.
[126] MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Para um Processo
penal democrático: Crítica
à metástase do sistema de controle penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
[127] QUEIROZ, Felipe Vaz de. Atividade (ana) Crônica do Juiz no Processo Penal
Brasileiro. Porto Alegre; PUC-RS
(Ciências Criminais), 2009.
[128] MARTINS, Rui Cunha. O Ponto Cego do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011, p. 93, fala em
“democraticidade”, ao mesmo tempo contrário ao inquisitório e do misto, para além
do acusatório.
[129] MONTERO AROCA, Juan. Principios del proceso penal – una explicación basada em
la razón. Valencia: Tirante lo
Blanch, 1997, p. 28.
[130] PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988. Progressistas, Conservadores,
Ordem Econômica e Regras do Jogo.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
[131] ALLARD, Julie; GARAPON, Antoine. Os juízes na Mundialização: a nova revolução
do Direito. Trad. Rogério Alves.
Lisboa: Instituto Piaget, 2006, p. 07
[132] Consultar: ARMENTA DEU, Teresa. Sistemas procesales penales. Madrid: Marcial
Pons, 2012; KHALED JR, Salah
Hassan. O sistema processual penal brasileiro – acusatório, misto ou inquisitório?
Revista Civitas, Porto Alegre, v. 10,
n. 2, p. 293, 2010; LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva,
2012; COUTINHO, Jacinto Nelson
de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado.
In: COUTINHO, Jacinto
Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo GrandineĴi Castanho de. O novo processo
penal à luz da
Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; BADARÓ, Gustavo. Direito
processual penal. Tomo I. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008; THUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[133] CATTONI, Marcelo. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002,
p. 51.
[134] HABERMAS, Jurgen. Direito e Faticidade... vol . II, p. 50-51
[135] Claro que essa articulação passa pela noção de que o direito não possui um
sentido imanente, mas dialoga no tempo
e espaço com o contexto de aplicação, ou seja, a hermenêutica não é platônica.
Vincula-se aos mecanismos reais de
poder, inseridos numa sociedade complexa, via Hermenêutica Filosófica.
[136] “Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade
tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham
sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa”.
[137] Foi um pacto estamental, realizado entre a Burguesia (os Barões Ingleses) e
aquele que pela morte de seu irmão
Ricardo I, à época rei da Inglaterra, viria a sucedê-lo na coroa britânica. O novo
Rei John de Anjou, chamado de Rei
João “Sem Terra”, teria recebido esse nome pelo fato de não ter herdado terras
quando da morte de seu pai,
Henrique II. Sendo, então, um Rei sem posses e desprestigiado, se viu pressionado
pela burguesia a ceder alguns
Direitos como condição necessária para permanecer no trono.
[138] Precioso o trabalho de: MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo
Legal Substantivo: razão abstrata,
Função e Características de Aplicabilidade: a linha decisória da Suprema Corte
Estadunidense. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005. No mesmo sentido: PARIZ, ângelo Aurélio Gonçalves. O Princípio
do Devido Processo Legal:
Direito Fundamental do Cidadão. Coimbra: Almedina, 2009.
[139] DELMAS-MARTY, Mireille. A imprecisão do Direito: do Código Penal aos Direitos
Humanos. Trad. Denise R.
Vieira. Barueri: Manole, 2005; MORAIS DA ROSA, Alexandre; CARVALHO, Thiago Fabres
de. Processo Penal
Eficiente e Ética da Vingança. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
[140] BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003.
[141] MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 6.
[142] LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Trad. Anoar Aiex. São
Paulo: Abril, 1973.
[143] Conferir: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência
Política e Teoria do Estado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. CRUZ, Paulo Márcio. Polílica, Poder,
Ideologia & Estado Contemporâneo.
Curitiba: Juruá, 2002.
[144] MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 24:
O “Bonham case” foi marcado
pelo reconhecimento da nulidade do ato que aplicou a multa e prisão em face do
exercício ilegal da medicina em
Londres sem autorização da Academia Real de Medicina. “Os censores não pode ser
juízes, ministros e partes; juízes para
proferir sentença e julgar; ministros para fazer notificações ou intimações e parte
para terem metade das multas, quia
aliquis non debet esse judex in propria causa, imo iniquun este alequem suas rei
esse judicem; e ninguém pode ser juiz
e advogado para qualquer das partes... e consta dos nossos livros que, em muitos
casos, o direito comum controlará
aos do parlamento, e, às vezes, julgá-los-á absolutamente nulos, pois quando um ato
do parlamento vai de encontro
ao direito comum e à razão, ou é inaceitável ou impossível de executar, o direito
comum irá controlá-lo e julgá-lo
como nulo.”.
[145] MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 63.
Sobre o “Stamp Act”, o juiz
Edmundo Pendlton, de Virgínia, afirmou: “Tendo feito o juramento de julgar de
acordo com a LEI, jamais poderei
considerar esta lei como tal, por carência de poder no Parlamento para aprová-la.”
[146] ORTH, John V. Due process of law: a brief history. Kansas: University Press
of Kansas, 2003.
[147] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de
Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2004;
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis
na Nova Constituição do
Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
[148] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 94.016-SP. Relator:
Ministro Celso de Mello.
[149] SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 95:
“Enfim, percebe-se que, a partir sobretudo do advento da Constituição de 1988, o
STF vem reconhecendo o
princípio da proporcionalidade/razoabilidade no direito brasileiro, localizando a
sua sede na cláusula do devido
processo legal, albergada no art. 5º, LIV, do texto fundamenta
[150] CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido Processo Legal e a Razoabilidade
das Leis na Nova Constituição do
Brasil...., p. 10: “Como Princípio condicionante do processo criminal, a cláusula
do due processo of law enfeixava
garantias “explícitas” e “implícitas” no sistema de liberdades protegido pela
Constituição. Dentre as garantias
adotadas expressamente no estatuto constitucional norte-americano, menciona-se a
proibição de edição de Bill of
attainder (ato legislativo que importa em considerar alguém culpado pela prática de
crime sem a precedência de um
processo e julgamento regular em que seja assegurada ampla defesa), leis
retroativas, de ser julgado duas vezes pelo
mesmo fato e a vedação a auto-incriminação forçada. Adjunta-se, ainda, as garantias
ditadas pela 6ª Emenda, a saber,
o direito a um julgamento rápido rápido e público (speedy and public Trial), por
júri imparcial e com competência
territorial predeterminada, bem como o direito a ser informado acerca da natureza e
causa da acusação (fair notice),
além do direito de defesa e contraditório, consistente na possibilidade de
confrontar as testemunhas de acusação, de
produzir prova, inclusive de obter compulsoriamente o depoimento de testemunhas de
defesa, como de resto o
direito à assistência de advogado”.
[151] Sabe-se que a distinção entre direito formal e material é controversa no
campo da Filosofia da Linguagem. Aqui se
reitera apenas para se facilitar a compreensão.
[152] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo;
Saraiva, 2011, p. 29: indica a
existência de relação de fungibilidade entre o o princípio da proporcionalidade e o
da razoabilidade. Conferir:
BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas
de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
[153] SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudo de direito Constitucional. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 199-
200.
[154] STRECK, Lenio. O que é isso – decido conforme minha consciência... p. 50-52:
“Por isso, merecem especial cuidado
as decisões que lançam mão especialmente da “razoabilidade” (com ou sem ponderação
de valores), argumentação
que se transformou em autêntica “pedra filosofal da hermenêutica” a partir desse
caráter performativo. Excetuando
os casos em que, teleologicamente, decisões calcadas na ponderação de valores podem
ser consideradas corretas ou
adequadas à Constituição (o que por si só já é um problema, porque a interpretação
não pode depender dessa
“loteria” de caráter finalístico), a maior parte das sentenças e acórdãos acaba
utilizando tais argumentos para o
exercício da mais ampla discricionariedade (para não dizer o menos) e o livre
cometimento de ativismos.” (...) “Na
verdade a ponderação é um procedimento que serve para resolver uma colisão em
abstrato de princípios
constitucionais. Dessa operação resulta uma regra – regra de direito fundamental
adscripta – essa sim, segundo Alexy,
apta a resolução da demanda da qual se originou o conflito de princípios. E um
registro: essa aplicação da regra de
ponderação se fará por subsunção (por mais paradoxal que isso possa parecer).”
[155] O art. 282 do CPP, no inciso II ( adequação da medida à gravidade do crime,
circunstâncas do fato e condições
pessoais do indiciado ou acusado) e seus parágrafos 3o (contraditório preliminar à
decisão de prisão cautelar) e 6o (A
prisão preventiva será determinada quando não for cabível sua substituição por
outra medida cautelar – art. 319),
indicam a acolhida da proporcionalidade como critério das medidas cautelares.
[156] No regime da interceptação telefônica, nos termos do art. 2º, inc.II, da Lei
nº 9.296/96, deve ser demonstrado, no
pedido e na decisão, a impossibilidade de produção da prova por outros meios, a
saber, se houver outro meio menos
gravoso, necessariamente, deve prevalecer. A interceptação é excepcional por violar
a intimidade (Direito
Fundamental).
[157] BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos
fundamentales. Madrid: Centro de
Estudos Políticos y Constitucionales, 2003, p. 734.
[158] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz
Burgos e José Luiz Muñoz de
Baena Simón. Madrid: TroĴa, 2006; STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição:
da proibição de excesso
(übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como
não há blindagem contra
normas penais inconstitucionais. Disponível em hĴp://leniostreck.com.br/index.php?
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Dupla Face dos
Direitos Fundamentais. Petrópolis: KBR, 2012; SARLET, Ingo Wolfgan. A eficácai dos
Direitos Fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010; STRECK, Maria Luiza Schäfer. A face oculta da
proteção dos direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
[159] SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos. São Paulo: Martin
Claret, 2002, p. 130-131.
[160] MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal
Brasileiro: análise de sua estrutura
normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.
[161] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoría del garantismo penal. Trad.
Perfecto Andrés Ibáñez et. all. Madrid:
TroĴa, 2001, p. 549-551; STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção
americana sobre direitos humanos e
sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tibunais, 2000;
GRANDINETTI, Luis Gustavo;
CARVALHO, Castanho de. Processo penal e (em face da) constituição: princípios
constitucionais do processo penal..
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
[162] ANDRADE, Lédio Rosa de. Violência, psicanálise, direito e cultura. Campinas:
Millenium Editora, 2007; MISSE,
Michel. Crime e violência no brasil contemporâneo: estudos de sociologia do crime e
da violência urbana. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006; BECKER, L.A.; SILVA SANTOS, E.L.. Elementos para uma
teoria crítica do processo.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabri Editor, 2002; CARVALHO, Salo de. As presunções
no direito processual penal
(estudo preliminar do ‘estado de flagrância’ na legislação brasileira). in: BONATO,
Gilson (Org.). Processo penal:
leituras constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; GERBER, Daniel. Prisão
em flagrante: uma abordagem
garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes
da. A tipicidade e o juízo de
admissibilidade da acusação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[163] D’IVANENKO, Gregorio Camargo Brevíssimo estudo sobre a inversão do ônus da
prova e sua (in)compatibilidade
com a Constituição Federal: “Não. Decisões que consagram a inversão do ônus
probatório em um sistema que tem
como direito fundamental positivado no texto constitucional a presunção de
inocência, carecem de
constitucionalidade. A inversão do ônus da prova, por diversas vezes, é a única
coisa que sustenta o édito
condenatório. Não é difícil encontrar nos julgados a tese de que, por exemplo, no
caso de furto, se a coisa furtada for
encontrada no poder dos acusados, cabe a eles a comprovação da origem lícita dos
objetos, o que viola, frontalmente,
a inocência inerente a todos as pessoas. A inversão do ônus da prova no processo
penal é, na verdade, uma
flexibilização da presunção de inocência, ou seja, flexibilização de preceito
constitucional em face de política
criminal.”In: http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2010/09/inversao-da-
prova-no-processo-penal.html
[164] DUFOUR, Dany-Robert. O divino mercado: a revolução cultural liberal. Trad.
Procóprio Abreu. Rio de Janeiro:
Companhia de Freud, 2008.
[165] CHOMSKY, Noam; RAMONET, Ignacio. Como nos venden la moto. Barcelona: Icaria,
2008.
[166] POSNER, Richard. A. El análisis económico del derecho. Trad. Eduardo Suaréz.
México : FCE, 2007.
[167] JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Madrid:
Civitas, 2003, p. 47: “Quien no
presta una seguridad cognitiva suficiente de un comportamiento personal, no sólo no
puede esperar ser tratado aún
como persona, sino que el Estado no debe tratarlo ya como persona, ya que de lo
contrario vulneraría el derecho a la
seguridad de las demás personas. (...) “Quien por principio se conduce de modo
desviado no ofrece garantia de un
comportamiento personal; por ello, no puede ser tratado como ciudadano, sino debe
ser combatido como enemigo.
Esta guerra tiene lugar con un legítimo derecho de los ciudadanos, en su derecho a
la seguridad; pero a diferencia de
la pena, no es derecho tambíen respecto del que es penado; por el contrario, el
enemigo es excluído.”
[168] BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica
à flexibilização das garantias. São Paulo:
IBCCRIM, 2004.
[169] ZAFFARONI, Eugênio Raul. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro; Revan,
2007.
[170] MEIER, Julio. Estado Democrático de Derecho, Derecho Penal y procedimiento
penal. In: Revista Ibero-Americana
de Ciências Penais, Porto Alegre, ano 8, n. 16, jul/dez/2008, p. 11-39: “La
división de estatutos, uno para el
ciudadano y outro para el enemigo, parte de la base de la posibilidad de
reconocerlos o diferencialos a priori, de
distinguir con certeza a ambas categorias de seres humanos, esto ES, algo así como
por El uniforme, como si se
tratara de una guerra convencional y antigua, o por la camiseta, tal como sucede en
un partido de fútbol. Pero la
realidad muestra que esta línea divisória tajante resulta irreal e imposible no
sólo empíricamente, sino también
conceptualmente.”
[171] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 451.
[172] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Manifesto contra os juizados especiais
criminais: (uma leitura de certa
“efetivação” constitucional. In: SCAFF, Fernando Facury (Org.).
Constitucionalizando direitos: 15 anos de
constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 350-352: Com os
Juizados Especiais Criminais
“ressucitou-se um mundo de infrações bagatelares praticamente esquecidas e, quiça,
prontas para mudar de ramo.
(...) Por outro lado, é preciso ter consciência (talvez fosse o caso de dizer:
vergonha) suficiente para reconhecer que a
lei, da forma como em vigência, responde a uma ideologia de tolerância zero, ligada
– ou pelo menos muito próxima
– aos postulados do modelo neoliberal que se implantou no país, o qual vai fazendo
estrada, também no Direito, pela
ignorância de uns e assepsia de outros.”
[173] SÈROUSSI, Roland. Introdução ao direito inglês e norte-americano. Tradução de
Renata Maria Parreira Cordeiro.
São Paulo: Landy Editora, 2001; MAIEROVITCH, Wallter Fanganiello. Apontamentos
sobre Política Criminal e a
“Plea Bargaining”. Revista de Processo, ano 16, n. 62, abr./jun. 1991; BLACK, Henry
Campbell. Black`s Law
Dictionary. [S.l.]: West Publishing Co., 1996. p. 1.152; GIACOMOLLI, Nereu José.
Legalidade, Oportunidade e
Consenso no Processo Penal na perspectiva das garantias constitucionais: Alemanha,
Espanha, Itália, Portugal, Brasil.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006; RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de
processo penal norteamericano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
[174] PRADO, Geraldo. Elementos para uma análise crítica da transação penal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003;
GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009.
[175] BARROS, Flaviane de Magalhães. (Re)Forma do Processo Penal. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008; GIACOMOLLI,
Nereu José. Reformas (?) do Processo Penal: considerações criticas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008.
[176] VIRILIO, Paul. El cibermundo, la política de lo peor. Trad. Mónica Poole.
Madrid: Catedra, 1999; El procedimiento
silencio. Trad. Jorge Fondebrides. Buenos Aires: Paidós, 2005; Ciudad pánico: el
afuera comienza aquí. Trad. Iair
Kon. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2006; La bomba informática. Trad. Mónica
Poole. Madrid: Catedra, 1999;
Velocidad y Política. Trad. Víctor Goldstein. Buenos Aires: La Marca, 2006.
[177] BARROS, Flaviane de Magalhães. A participação da vitima no processo penal.
Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.
[178] BADIOU, Alain. De um desastre oscuro: sobre el fin de la verdad de Estado.
Buenos Aires: Amorrortu, 2006.
[179] CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional: a
questão da Soberania. IN:
BORBA, Paulo Casella. MERCOSUL: Integração Regional e Globalização. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000, p. 291:
“relações que não transitam necessariamente pelos canais diplomáticos do Estado,
mas que influem nas sociedades e
revelam que nenhum Estado é uma totalidade auto-suficiente.”
[180] SANTOS, Boaventura de Souza. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas. O
caso Português. Porto:
Afrontamento, 1996, p. 29.
[181] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008, p. vi-vii: “Absolver ou
condenar acusados criminais não são decisões neutras, regidas pela dogmática como
critério de racionalidade, mas
exercício de poder seletivo orientado pela ideologia penal, quase sempre ativada
por estereótipos, preconceitos e
outras idiossincrasias pessoais, por sua vez desencadeados por indicadores sociais
negativos de pobreza, desemprego,
marginalização etc. Conhecer as premissas ideológicas do poder punitivo é condição
para reduzir a repressão seletiva
do Direito Penal, mediante prática judicial comprometida com o valor superior da
democracia.”
[182] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da
modernidade. Trad. José Luís Bolzan
de Morais. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1995, p. 15: “Os juristas contam com um
emaranhado de costumes
intelectuais que são aceitos como verdades de princípios para ocultar o componente
político da investigação de
verdades. Por conseguinte se canonizam-se certas imagens e crenças, para preservar
o segredo que esconde as
verdades. O senso comum teórico dos juristas é o lugar do secreto. As
representações que o integram pulverizam
nossa compreensão do fato de que a história das verdades jurídicas é inseparável
(até o momento) da história do
poder.”
[183] CARVALHO, Salo. Antimanual de Criminologia. Rio de Janeiro; Lumen Juris,
2008, p. 89-90: “Percebe-se, pois,
que a Constituição de 1988, para além de reproduzir os tradicionais princípios de
direito penal e processo penal, (a)
aderiu ao projeto expansionista no que tange à tutela de direitos sociais e
transindividuais – v.g. a minimização de
garantias processuais em relação aos delitos de discriminação racial; a tutela
penal do consumidor; a responsabilidade
penal nos atos praticados contra ordem econômica, financeira e contra a economia
popular; a tutela penal do meio
ambiente entre outoros; e (b) recepcionou políticas de recrudescimento penal
operados por movimentos
autotoritários, notadamente os denominados Movimentos da Lei e de Ordem – v.g. o
dirigismo constitucional no
que tange à Lei dos Crimes Hediondos. Desde esta perspectiva punitiva, pode-se
afirmar, diferentemente do que
ocorre em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais (DESCs), a plena
efetivação da Constituição,
instrumentalizando, em termos políticos, Estado penal.”
[184] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2006;
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad.
Epharaim Ferreira Alves, Jaime
A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Vozes, 2002.
[185] TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal, p. 20; MARTINS,
Nelson Juliano Schaefer. Poderes do
juiz no processo civil, p. 19-87. FAZZALARI, Elio. Il cammino della sentenza e
della cosa guidicata. In: Rivista di
Diritto processuale. Padova: Cedam, 1988, v. XLIII, n. 5, (II série), p. 589-597.
[186] ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um resgate do pensamento de
Etienne La Boétie. In:
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito processual
penal, p. 73-108.
[187] CHIOVENDA. Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J.
Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva,
1965. v. 2.
[188] BINDER, Alberto M. Introducción ao Derecho Penal, p. 17-32.
[189] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 29: “Os
audaciosos, para adquirir o bem que
desejam, não temem o perigo; os prudentes não recusam o sacrifício; os covardes e
entorpecidos não sabem nem
suportar o mal, nem recobrar o bem: limitam-se a desejá-lo e a virtude de pretendê-
lo lhes é tirada pela covardia; o
desejo de obtê-lo lhes é de natureza. Este desejo, esta vontade é comum aos
sensatos e aos irrefletidos, aos corajosos e
aos covardes, de querer todas as coisas que, uma vez adquiridas, os tornariam
felizes e contentes.”
[190] ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um resgate do pensamento de
Etienne La Boétie. In:
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito processual
penal, p. 101.
[191] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 25: “Mas
falando em sã consciência, é extrema
infelicidade estar sujeito a um senhor, do qual jamais se sabe se pode assegurar se
é bom, pois está sempre em seu
poder ser mau, quando o quiser.”
[192] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 26: “Mas é de
lamentar a servidão, ou então, não se
surpreender, nem se lamentar, mas suportar o mal pacientemente e esperar melhor
sorte no futuro.”
[193] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 30: “Semeais
vossos frutos, para que deles faça
estrago; mobiliais e supris vossas casas, para fornecer-lhe as pilhagens;
alimentais vossas filhas, para que ele tenha
com que saciar sua luxúria; alimentais vossas crianças, para que façam o melhor que
souberem fazer, que é levá-las
às guerras, que as conduza à carnificina, que as faça ministros de sua cobiça e
executoras de suas vinganças;
sacrificais vossas pessoas, para que ele possa desfrutar de suas delícias e
chafurdar nos prazeres sujos e vis;
enfraqueceis-vos, para torná-lo mais forte e rígido ao encurtar-vos as rédeas; e
tantas indignidades, que os próprios
animais ou não as sentiriam ou não as suportariam, podeis livrar-vos, se o
tentardes, não de livrar-vos, mas apenas de
desejar fazê-lo. Sede resolutos em não servir mais e eis-vos livres. Não quero que
o empurreis ou abaleis, mas apenas
que não o sustenteis mais e o vereis, qual grande colosso a quem se tirou a base,
desfazer-se debaixo do próprio peso
e romper-se”.
[194] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 31.
[195] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Ensino do Direito na UFPR: Voto à
Esperança. In: Revista da Faculdade
de Direito da UFPR, n. 36, p. 143.
[196] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 37: “Digamos,
portanto, que ao homem todas as
coisas parecem naturais, nas quais é criado e nas quais se habitua, mas isso só o
torna ingênuo, naquilo que a
natureza simples inalterada o chama; assim, a primeira razão da servidão voluntária
é o costume.”
[197] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 36.
[198] ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um resgate do pensamento de
Etienne La Boétie. In:
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito processual
penal, p. 102.
[199] ROMAN BORGES, Clara. Jurisdição penal e normalização. Florianópolis:
Conceito, 2010, p. 189
[200] ROMAN BORGES, Clara. Jurisdição penal e normalização..., p. 189, 192-193: “
Assim, devem restar para trás os
conceitos carneluĴiano, chiovendiano e tnatos outros, que, embora importantes e até
inovadores em seu tempo , não
conseguem expressar essa nova jurisdição que se abre a uma postura crítica e se
interpela ousadamente para
transformar suas práticas. (...) Além disso, o presente trabalho evidencia que o
atuar jurisdicional na esfera penal não
é substitutivo, como ressaltava a noção chiovendiana elaborada para o processo
civil. Isso porque, nos termos da tese
contratualistaa, adotada inclusive por Giuseppe Chiovenda, o poder de aplicar penas
é inerente ao Estado desde o seu
nascimento e jamais foi exercido pelos cidadãos para que ele apenas os substituísse
quando da celebração do pacto
que lhe deu origem. (...) vê-se como imprescindível abandonar essa definição en
[201] http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2010/08/ufsc-2010-texto-
introducao-aos.html
[202] MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penall. Curitiba:
Juruá, 2004.
[203] Fala-se muito sobre Justiça Restaurativa e Mediação Penal, modalidades que
aceitam a composição diretamente. Há
movimento consistente nesse sentido, com acolhimento em diversos países, mas sem
previsão legal expressa no
Brasil. Conferir: FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Acordos sobre a sentença em processo
penal: o “fim” do Estado de
Direito ou um novo “princípio”?. Porto: Conselho Distrital do Porto, 2011; SALIBA,
Marcelo Gonçalves. Justiça
Restaurativa e Efeito Punitivo. Curitiba :Juruá, 2009.
[204] TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal, p. 57-156; LAMY,
Eduardo de Avelar; RODRIGUES,
Horácio Wanderlei. Curso de Processo Civil – Teoria Geral do Processo.
Florianópolis: Conceito, 2010.
[205] CAMARGO, Acir Bueno de. Windscheid e o rompimento com a fórmula de Celso. In:
MIRANDA COUTINHO,
Jacinto Nelson. Crítica à teoria geral do direito processual penal, p. 111-144.
[206] CARVALHO, Luis Gustavo GrrandineĴi Castanho de (org). Justa causa penal
constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2004
[207] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do processo penal.
Curitiba: Juruá, 1998.
[208] NUNES DA SILVEIRA, Marco Aurélio. A Tipicidade e o Juízo de Admissibilidade
da Acusação. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005, p. 111-113.
[209] SILVA JARDIM, Afrânio. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense,
1997, p. 91.
[210] SOUZA, Alexander Araújo de. O abuso do direito processual penal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 76-109.
[211] “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão
punitiva com fundamento em pena
hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.”
[212] TJRS. Recurso em Sentido Estrito n. 70042837559, de Torres. Relator Des. João
Batista Marques Tovo.
[213] MACPHERSON, Crawford Brough. Ascensão e queda da justiça econômica. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 66.
[214] http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2010/08/ufsc-2010-texto-
introducao-aos.html
[215] Nessa hipótese o Ministério Público intervém de maneira obrigatória, podendo:
(i) requerer e acompanhar a
produção de provas; (ii) repudiar ou aditar a queixa substitutiva, nos casos de
inépcia; (iii) atuar no processo,
inclusive interpondo recursos; (iv) retomar a legitimidade no caso de negligência
do querelante.
[216] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do processo penal,
p. 137.
[217] BINDER, Alberto M. Iniciación al proceso penal acusatorio, p. 11.
[218] CORDERO, Franco. Procedimento Penal, p. 328-337.
[219] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85-86.
[220] Neste sentido: GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do
processo, p. 102-132; CATTONI,
Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002; LEAL, André
Cordeiro. O contraditório e a
fundamentação das decisões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002; LEAL, Rosemiro
Pereira. Teoria processual da
decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
[221] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito
processual penal, p. 6-9: “A crítica
honesta, sabem todos por ser primário, só pode ser reconhecida quando partida de
alguém que está inserido no
contexto. Daí a necessidade de verificar o papel do juiz no processo penal dentro
da doutrina clássica.”
[222] ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e controle de
constitucionalidade material. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006.
[223] CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no
direito brasileiro. São Paulo: RT, 1995;
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999.
[224] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 115: “Há processo sempre
onde houver o procedimento
realizando-se em contraditório entre os interessados, e a essência deste está na
‘simétrica paridade’ da participação,
nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados porque, como
seus destinatários, sofrerão
seus efeitos.”
[225] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diriĴo processuale, p. 51: “Delle posizioni
soggeĴive primarie (facoltà, potere,
dovere) abbiamo faĴo cenno. Mediante un altro passaggio logico, cioè collegando
l’oggeto del comportamento
descriĴo dalla norma al soggeĴo al quale essa, con la propria valutazione, assicura
una posizione di preminenza (in
ordine a quell’oggeto, appunto), si perviene ad un’altra posizione fondamentale, di
secondo grado: il diriĴo
soggeĴivo. Così, la norma che concede al soggeĴo una facoltà, o un potere,
constituisce in capo a lui una posizione di
preminenza (così, il potere può indicarsi e viene indicato anche come diriĴo
potestativo. Non altrimenti, la norma
che impone ad un soggeto il dovere di prestare alcunché ad un altro soggeto
conferisce a quest’ultimo una posizione
di preminenza sull’oggeto della prestazione, dunque un diriĴo soggetivo (si pensi
al diriĴo di credito: la posizione di
chi è destinatario dell’altri obbligo di prestare). Del diriĴo soggeĴivo che – a
differenza di quello costituito dal dovere
di uno (o più) soggeti: perciò indicato come relativo – è realizzato daí doveri di
tuĴii i consociati (excluso il titolare
del diritto) ed è detto perciò assoluto, nonchè del diritto soggetivo reale.”
[226] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 106: “Se da norma decorre
uma faculdade ou um poder, para
o sujeito, sua posição de vantagem incide sobre o objeto daquela faculdade ou
daquele poder que a norma lhe
conferiu.”
[227] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 107.
[228] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 108.
[229] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 77-78.
[230] BREDA, Antonio Acir. Efeitos da declaração de nulidade no processo penal. In:
Revista do Ministério Público do
Estado do Paraná, n. 9, p. 184: “É que a declaração de nulidade exige a regressão
do procedimento ao momento
processual em que foi o ato nulo praticado. Daí por diante, todos os demais atos
processuais são atingidos pela
nulidade.”
[231] CORDERO, Franco. Procedimento Penal, p. 328.
[232] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 109: “Posição subjetiva é a
posição de sujeitos perante a norma,
que valora suas condutas como lícitas, facultadas ou devidas.”
[233] BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para
uma crítica da teoria unitária das
nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
[234] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 111: “O ato praticado fora
dessa estrutura, sem a observância
de seu pressuposto, não pode ser por ela acolhido validamente, porque não pode ser
nela inserido.”
[235] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85.
[236] LOPES JR, Aury. Prefácio. In: COSTA, Ana Paula MoĴa. As garantias processuais
e o direito penal juvenil como
limite na aplicação da medida socioeducativa de internação., p. 18: “Basta recordar
as lições de Guarnieri: acreditar
na imparcialidade do Ministério Público é incidir no erro de confiar al lobo la
mejor defensa del cordero.”
[237] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 126.
[238] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 120: “A conotação citada
como uma aproximação do conceito
atual de contraditório explica-se, pois ele exige mais do que a audiência da parte,
mais do que o direito das partes de
se fazerem ouvir. Hoje, seu conceito evoluiu para o de garantia de participação das
partes, no sentido em que já
falava VON JHERING, em simétrica paridade de armas, no sentido de justiça interna
no processo, de justiça no
processo, quando as mesmas oportunidades são distribuídas com igualdade às partes.”
[239] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85-86.
[240] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 121-122: “O juiz, perante os
interesses em jogo, é terceiro, e
deve ter essa posição para poder comparecer como sujeito de atos de um determinado
processo e como autor do
provimento. Essa é uma garantia das partes, que se expressa tanto pelo princípio do
juízo natural, e não pósconstituído, tanto pelas normas que controlam a competência
do juiz. Investido dos deveres da jurisdição, o juiz não
entra no jogo do dizer-e-contra-dizer, não se faz contraditor. Seus atos passam
pelo controle das partes, na medida
em que a lei lhes possibilita insurgir-se contra eles.”
[241] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 126-127.
[242] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 13: “É
preciso, em outras palavras, retornar à
dogmática processual, agora com o espírito esclarecido pela visão dos objetivos a
conquistar.”
[243] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 22-26.
[244] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 34-35.
[245] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 48: “Imbuído
dos valores dominantes, o juiz
é um intérprete qualificado e legitimado a buscar um deles, a descobrir-lhes o
significado e a julgar os casos
concretos na conformidade dos resultados dessa busca e interpretação (...) Cada
direito, em concreto (ou cada
situação em que a existência de direito é negada), é sempre resultante da
acomodação de uma concreta situação de
fato nas hipóteses oferecidas pelo ordenamento jurídico: mediante esse
enquadramento e o trabalho de investigação
do significado dos preceitos abstratos segundo os valores que, no tempo presente,
legitimam a disposição, chega-se à
‘vontade concreta da lei’, ou seja, ao concreto preceito que o ordenamento dirige
ao caso em exame. Por isso é que,
quando os tribunais interpretam a Constituição ou a lei, eles somente canalizam a
vontade dominante, ou seja, a
síntese das opções axiológicas da nação. O comando concreto que emitem constitui
mera revelação do preexistente,
sem nada acrescer ao mundo jurídico além da certeza.”
[246] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 12.
[247] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 68-69: “Quando Cândido
Dinamarco proclama, ao se contrapor a
Fazzalari, que a diferença entre ambos ‘é que o professor de Roma põe o Processo ao
centro do sistema’ enquanto a
proposta é que ‘ali se ponha a jurisdição’, conclui-se facilmente que o insigne
professor paulista e seus inúmeros
discípulos, em todo o Brasil e no mundo, ainda não fizeram opção pelo estudo do
direito democrático, pensando ser
ainda ser o plano da DECISÃO exclusivo do decididor (juiz) e não um espaço
procedimental de argumentos e
fundamentos processualmente assegurados até mesmo para discutir a legitimidade da
força do direito e dos critérios
jurídicos de sua produção, aplicação e recriação.”
[248] RAMOS, João Gualberto Garcez. Audiência processual penal, p. 19
[249] HART, Herbert L.A. O conceito de direito p. 137-168.
[250] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 363-371.
[251] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad.
Flávio Beno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1 e 2.
[252] CATTONI, Marcelo (org.). Constitucionalismo e História do Direito. Belo
Horizonte: Pergamum, 2011.
[253] STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência?...
[254] GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Trad.
Maria Luiza de Carvalho. Rio de
Janeiro: Revan, 2001.
[255] STRECK, Lenio Luiz. A concretização de direitos e a validade da tese da
Constituição Dirigente em países de
modernidade tardia. In: NUNES, Antônio José Avelãs; MIRANDA COUTINHO, Jacinto
Nelson de (orgs.). Diálogos
constitucionais Brasil/Portugal. p. 301-371. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Garantismo
jurídico e controle de
constitucionalidade material, p. 81-91;
[256] HABERMAS, Jürgen. Acción comunicativa y razón sin trascendencia, p. 47.
[257] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 15.
[258] LUDWIG, Celso. Razão comunicativa e direito em Habermas. In: A Escola de
Frankfurt no Direito, p. 117.
[259] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 27: “Com Fazzalari, foi
possível um salto epistemológico que retirou a
decisão da esfera individualista, prescritiva e instrumental da razão prática do
decisor.”
[260] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p.. 112: “A técnica do silogismo
pelo jogo de premissas, com supressão
do processo como estrutura encaminhadora da decisão, poderá premiar o decididor
pela coerência dos juízos
elaborativos do provimento. Entretanto, ainda que primorosa a decisão assim obtida,
é negativa do devido processo
legal, porque, no direito democrático, o acerto da decisão não se autojustifica
ante a ausência de procedimento
processualizado, que é o elemento teorizador de legitimidade do sistema jurídico
constitucionalmente acolhido. Isto
é: no direito democrático, só a institucionalização constitucional do processo como
eixo de decisão das situações
jurídicas asseguradas no ordenamento jurídico (as chamadas relações de direito
material ou formal) é que tornam
legítimas a dirimência dos conflitos normativos e a definição de direitos alegados
ou exercidos.”
[261] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 60.
[262] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 78-79.
[263] CORDERO, Franco. Procedimiento penal, p. 264: “Amorfismo. Era característico
del método inquisitorio, pues en
el proceso reducido a sondeo introspectivo, las formas constituyen un dato
secundario o simplemente sin
importancia, pues solo cuenta el resultado, no importa cómo sea obtenido.”
[264] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 107-108: “Porque, para eles, em
qualquer hipótese, as decisões serão
produzidas por um senso de justiça que lhes é comum pelo resultado de manter a
ordem e a segurança jurídica,
social, moral ou ética, sem se perguntarem sobre as origens teórico-processuais da
ordem jurídica, social, moral ou
ética que estão a preservar.”
[265] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na perspectiva da
sociedade democrática: O Juiz
Cidadão. In: Revista ANAMATRA, n. 21, p. 50: “Uma vez perguntei: quem nos protege
da bondade dos bons? Do
ponto de vista do cidadão comum, nada nos garante, ‘a priori’, que nas mãos do Juiz
estamos em boas mãos, mesmo
que essas mãos sejam boas.”
[266] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Glosas ao ‘Verdade, Dúvida e Certeza’,
de Francesco CarneluĴi, para
os operadores do Direito. In: Anuário Ibero-Americano de Direitos Humanos (2001-
2002), p. 188.
[267] DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação, p. 198-202. MIRANDA COUTINHO, Jacinto
Nelson de. O papel da
jurisdição constitucional na realização do Estado Social, p. 54: “Daí ser
incompreensível e inaceitável a posição de
alguns dos nossos teóricos, mordidos pela mosca azul da nobreza do pensamento
europeu e europeizante. Por isso
que cansa o discurso; por isso que cansa o gueriguéri, cansa o blá-blá-blá. É como
se ressoasse pelo país: e daí, meu
amigo, eu quero comer!”
[268] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 15: “Assim é que os
juízes, não devem comporta-se,
embora tantos se comportem, como donos da verdade e guardiões das virtudes.”
[269] PRADO JR, Bento. Alguns ensaios, p. 25: “É pelo menos curioso que alguém, que
busca a verdade de Freud no que
ele não disse, negue a ideia do inconsciente como discurso mudo, ou como um campo
prévio que (tornando possível
a linguagem) é de natureza análoga àquilo que torna possível, sem ser propriamente
linguagem.”
[270] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na perspectiva da
sociedade democrática: O Juiz
Cidadão. In: Revista ANAMATRA, n. 21, p. 48.
[271] DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade e transcendência em
Lacan e Habermas. In: SAFATLE,
Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e a Psicanálise, p. 75-
105.
[272] LACAN, Jacques. Escritos, p. 501: “Por essa via, as coisas não podem fazer
mais que demonstrar que nenhuma
significação se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação: o que
toca, em última instância, na
observação de que não há língua existente à qual se coloque a questão de sua
insuficiência para abranger o campo do
significado, posto que atender a todas as necessidades é um efeito de sua
existência como língua. Se formos discernir
na linguagem a constituição do objeto, só poderemos constatar que ela se encontra
apenas no nível do conceito, bem
diferente de qualquer nominativo, e que a coisa, evidentemente ao se reduzir ao
nome, cinde-se no duplo raio
divergente: o da causa em que ela encontrou abrigo em nossa língua e o do nada ao
que ela abandonou sua veste
latina (rem). Essas considerações, por mais existentes que sejam para o filósofo,
desviam-nos do lugar de onde a
linguagem nos interroga sobre a natureza. E fracassaremos em sustentar sua questão
enquanto não nos tivermos
livrado da ilusão de que o significante atende à função de representar o
significado, ou, melhor dizendo: de que o
significante tem que responder por sua existência a título de uma significação
qualquer. Pois, mesmo ao se reduzir a
esta última fórmula, a heresia é a mesma. É ela que conduz o positivismo lógico à
busca do sentido do sentido, do
meaning of meaning, tal como se denomina, na língua em que se agitam seus devotos,
o objetivo. Donde se constata
que o texto mais carregado de sentido desfaz-se, nessa análise, em bagatelas
insignificantes, só resistindo a ela os
algoritmos matemáticos, os quais, como seria de se esperar, são sem sentido algum.”
[273] DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade e transcendência em
Lacan e Habermas. In: SAFATLE,
Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e a Psicanálise, p. 91.
[274] LACAN, Jacques. Escritos, p. 529: “Se eu disse que o inconsciente é o
discurso do Outro com maiúscula, foi para
apontar o para-além em que se ata o reconhecimento do desejo ao desejo de
reconhecimento. (...) Pois, se posso fazer
meu adversário cair no engodo com um movimento contrário ao meu plano de batalha,
esse movimento só exerce
seu efeito enganador justamente na medida em que eu o produza na realidade, e para
meu adversário. Mas, nas
proposições através das quais iniciou com ele uma negociação de paz, é num lugar
terceiro, que não é nem minha
fala nem meu interlocutor, que o que ela lhe propõe se situa. Esse lugar não é
senão o da convenção significante, tal
como se desrevela no cômico desta queixa dolorosa do judeu a seu amigo: ‘Por que me
dizes que vias a Cracóvia
para que eu ache que vais a Lemberg, quando na verdade estás indo a Cracóvia?”
[275] HABERMAS, Jürgen. Acción comunicativa y razón sin trascendencia, p. 56.
[276] LACAN, Jacques. Escritos, p. 556: “Pois, certamente, os sulcos que o
significante cava no mundo real vão buscar,
para alargá-las, as hiâncias que ele lhe oferece como ente, a ponto de poder
persistir uma ambiguidade quanto a
apreender se o significante não segue ali a lei do significado. Mas, o mesmo não
acontece no nível do
questionamento, não do lugar do sujeito no mundo, porém de sua existência como
sujeito, questionamento este que,
a partir dele, vai estender-se à sua relação intramundana com os objetos e à
existência do mundo, na medida em que
ela também pode ser questionada para-além de sua ordem.”
[277] DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade e transcendência em
Lacan e Habermas. In: SAFATLE,
Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e a Psicanálise, p. 102.
[278] ZAFFARONI, Raúl. E. La cultura del riesgo. In: DOBÓN, Juan; BEIRAS, Iñaki
Rivera (orgs). La cultura del riesgo, p.
3: “El encuentro entre el derecho y el psicoanálisis nunca fue pacífico, ya desde
que Freíd golpeara uno de los pilares
en los que se pretenden asentar casi todos los discursos que nutren el campo
jurídico: la pretendida racionalidad del
ser humano.”
[279] MUÑOZ CONDE. Francisco. La búsqueda de la verdad en el proceso penal, p. 106:
“Como advierte Habermas, las
búsqueda de la verdad en el discurso institucional tiene unas particularidades que
la distinguen de la búsqueda de la
verdad en el discurso libre de dominio, en el que precisamente por serlo, todas las
partes están en un plano de
igualdad y tienen el mismo interés en encontrar la verdad.”
[280] BARROS, Flaviane de Magalhães. O processo, a jurisdição e a ação sob a ótica
de Elio Fazzalari. Virtuajus, a. 2, n. 1,
agosto 2003.
[281] http://diogobianchifazolo.blogspot.com/2009/08/o-programa-informante-cidadao-
e-mais.Html
[282] RANGEL, Paulo. A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa
(i)legitimadora da Instauração de
Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo;
MALAN, Diogo (orgs).
Processo Penal e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494)
[283] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva,
1997, p. 218.
[284] STJ, HC 64.096-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 27/5/2008:
“INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
DENÚNCIAANÔNIMA.: Trata-se de habeas corpus em que se busca o trancamento de
inquérito policial instaurado
contra o paciente, visto que tal procedimento iniciou-se com a interceptação
telefônica fundada exclusivamente em
denúncia anônima. A Turma, por maioria, entendeu que, embora apta para justificar a
instauração do inquérito
policial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo
telefônico (art. 2º, I, da Lei n. 9.296/1996). A
delação apócrifa não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda
que indiciária; é mera notícia
vinda de pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas
informações, haja vista que
a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela
prática de denunciação caluniosa
(art. 339 do CP). Assim, as gravações levadas a efeito contra o paciente, por terem
sido produzidas mediante
interceptação telefônica autorizada em desconformidade com os requisitos legais,
bem como todas as demais provas
delas decorrentes, abrangidas em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada,
adotada pelo STF, são ilícitas e,
conforme o disposto no art. 5º, LVI, da CF/1988, inadmissíveis para embasar
eventual juízo de condenação.
Contudo, entendeu-se que é temerário fulminar o inquérito policial tão-somente em
virtude da ilicitude da primeira
diligência realizada. Isso porque, no transcurso do inquérito, é possível que tenha
ocorrido a coleta de alguma prova
nova e independente levada por pessoa estranha, ou seja, sem conhecimento do teor
das escutas telefônicas. Realizar
a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz
viciada implica dilação probatória
inviável em sede de habeas corpus e a autoridade policial pode recomeçar as
averiguações por outra linha de
investigação, independente da que motivou a instauração do inquérito, ou seja, a
denúncia anônima, tendo em vista
que o procedimento ainda não foi encerrado, quer por indiciamento quer por
arquivamento. Com esses
fundamentos, concedeu-se parcialmente a ordem de habeas corpus. Precedentes citados
do STF: Pet-AgR 2.805-DF,
DJ 13/11/2002; RHC 90.376-RJ, DJ 18/05/2007; do STJ: HC 44.649-SP, DJ 8/10/2007; HC
38.093-AM, DJ
17/12/2004, e HC 67.433-RJ, DJ 7/5/2007.”
[285] RUDGE MALAN, Diogo. Direito ao Confronto no Processo Penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009, p. 206.
[286] FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: RT,
2002, p. 77.
[287] CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos,
2000.
[288] RUDGE MALAN, Diogo. Direito ao Confronto no Processo Penal..., p. 142.
[289] CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002, p. 124-125.
[290] LOPES, Jr. Aury. Investigação Preliminar no Processo Penal. São Paulo:
Saraiva, 2013; CHOUKR, Fauzi Hassan.
Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006.
[291] Permanece no senso comum teórico a noção de que para o recebimento da ação
penal desnecessária motivação.
Entretanto, a decisão do Estado em aceitar – dizer: há ação penal; inicie-se o jogo
– não pode ser implícita. Mesmo
que não se possa aprofundar na valoração da prova, a indicação das condições,
pressupostos e justa causa deveriam
ser fundamentadas. O acusado precisa saber, motivadamente, no que consiste as
justificativas para que tenha
processo penal contra si. Até para poder impetrar Habeas Corpus.
[292] STF, ED.Caut. MS 25.617-6/DF, rel. Min. Celso de Mello: “... a
unilateralidade desse procedimento investigatório
não confere ao Estado o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às
testemunhas, negando-lhes,
abusivamente, determinados direitos e certas garantias – como a prerrogativa contra
a auto-incriminação – que
derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais: (...)
O indiciado é sujeito de direitos e
dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do
Estado, além de eventualmente
induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta
desvalia das provas ilicitamente
obtidas no curso da investigação policial.”
[293] BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[294] VIEIRA, Luís Guilherme. O Ministério Público e a Investigação Criminal. Rio
de Janeiro: Rabaço, 2004.
[295] “O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida
privada, honra e imagem do
“ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos
dados, depoimentos e outras
informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios
de comunicação.”
[296] FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008.
[297] STF, HC 78.708, rel. Min. Sepúlveda Pertence: “O direito à informação da
faculdade de manter-se silente ganhou
dignidade constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da
vetusta garantia contra auto-
incriminação que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder a
atualidade. Em princípio, em vez
de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação ao preso
dos seus direitos, no momento
adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as
informações incriminatórias dele
anteriormente obtidas, assim como das provas dela derivadas.”
[298] QUEIJO, Maria Elizabeth. Estudos em Processo Penal. São Paulo: Siciliano
Jurídico, 2004, p. 8: “O averiguado ou
suspeito é aquele em relação ao qual existem apenas ‘frágeis indícios’ ou ‘outro
meio de prova esgarçado’. Já o
indiciado é o provável autor da infração penal. Não existem apenas conjecturas, mas
elementos probatórios positivos,
convergentes, que o apontam como provável autor do delito em apuração.”
[299] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal..., 2012, p. 331-332.
[300] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal..., 2012, p. 333..
[301] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal..., 2012, p. 796.
[302] CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo GrandineĴi. Processo Penal e Constituição
– Princípios
Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92.
[303] TÔRRES, Ana Maria Campos. A busca e apreensão e o devido processo. Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p. 153-154
[304] DANTAS, Luziana Barata. A Prisão Preventiva e o Paradigma da Pós-Modernidade
em Bauman. Porto Alegre:
Núria Fabris Editora, 2013.
[305] EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. Trad. Maria José Lopes da Silva.
Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos,
1993.
[306] FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrática. Trad. Carlos Arthur
Hawker Costa. In: Discursos
Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 12, p. 31-39, 2002.
[307] SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo legal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999, p.
232: “Nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe
imputa, deixe de merecer o
tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige.”
[308] SANGUINÉ. Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da
prisão preventiva. In:
SHECAIRA, Sérgio Salomão (org.). Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e
Silva. São Paulo: Método,
2001, p. 257-295.
[309] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão em apelação
criminal n. 70006140693. Relator
Desembargador Amilton Bueno de Carvalho. Porto Alegre, 12 de março de 2003: “O
‘clamor público’, a
“intranqüilidade social” e o “aumento da criminalidade” não são suficientes à
configuração do periculum in mora:
são dados genéricos, sem qualquer conexão com o fato delituoso praticado pelo réu,
logo não podem atingir as
garantias processuais deste. Outrossim, o aumento da criminalidade e o clamor
público são frutos da estrutura social
vigente, que se encarrega de os multiplicar nas suas próprias excrescências. Assim,
não é razoável que tais elementos
– genéricos o suficiente para levar qualquer cidadão à cadeia – sejam valorados
para determinar o encarceramento
prematuro. – A gravidade do delito, por si-só, também não justifica a imposição da
segregação cautelar, seja porque a
lei penal não prevê prisão provisória automática para nenhuma espécie delitiva (e
nem o poderia porque a
Constituição não permite), seja porque não desobriga o atendimento dos requisitos
legais em caso algum. À
unanimidade, concederam a ordem.”
[310] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana
Paula Zomer et alii. São Paulo: RT, 2002,
p. 445.
[311] RAUTER, Cristina. Criminologia e subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan, 2002; NEPOMOCENO,
Alessandro. Além da lei: a face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro: Revan,
2004; ANDRADE, Vera Regina
Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do
controle penal. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997.
[312] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Prisão Provisória: cautelaridade ou banalidade.
In: Revista de Estudos Criminais,
Porto Alegre, n. 03, p. 84-90, 2001.
[313] O art. 44 da Lei de Drogas foi declarado inconstitucional. (STF, HC
104339/SP) Claro! A prisão é cautelar e não por
resultado de uma mera imputação. O sujeito é somente acusado e não condenado. E por
militar em seu favor a
presunção de inocência, mera disposição legal, por si, não pode justificar a
prisão. Os requisitos legais deveriam ser
demonstrados. As disposições do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/03) também:
STF, ADIN n. 3.112-1.
[314] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 446: A pergunta que devemos tornar a
levantar é então se a custódia
preventiva é realmente uma injustiça necessária , como pensava Carrara, ou se, ao
invés, é apenas o produto de
uma concepção inquisitória de processo que deseja ver o acusado em condição de
inferioridade em relação à
acusação, imediatamente sujeito à pena exemplar e, acima de tudo, não obstante as
virtuosas proclamações em
contrário, presumido culpado. (...) Quais são então, se elas existem, as
necessidades e não as meras
conveniências satisfeitas pela prisão sem juízo? Já falei sobre a manifesta
incompatibilidade, reconhecida pela
doutrina mais atenta, entre o princípio da presunção de inocência (ou ainda só o de
não culpabilidade) e a finalidade
de prevenção e de defesa social, que inclusive depois da entrada em vigor da
constituição uma vasta fileira de
processualistas continuou associando à custódia do acusado enquanto presumido
perigoso. Restam as outras duas
finalidades: a do perigo de deterioração das provas e a do perigo de fuga do
acusado, já indicadas por Beccaria e
reconhecidas como únicas justificações da doutrina e da jurisprudência mais
avançadas. Certamente ambos esses
argumentos atribuem ao instituto finalidades estritamente cautelares e processuais.
Mas é isso bastante para
considerá-los justificados? São as duas finalidades processuais, em outras
palavras, realmente legítimas e, ainda, não
desproporcionais ao sacrifício imposto pelo meio de as atingir? Ou, ao contrário,
não existem meios do mesmo modo
pertinentes mas menos gravosos tornando desnecessário o recurso à prisão sem
processo?
[315] DIAS, Maria Berenice. A lei mara da penha na Justiça. São Paulo: RT, 2007.
[316] MINAGÉ, Thiago. Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória.
São Paulo: Edipro, 2011;
CROZARA, Rosberg Souza. Prisão e Liberdade: qual o real sentido da presunção de
inocência?..., p. 271-287
[317] PRADO, Geraldo. Excepcionalidade da Prisão Provisória. In: FERNANDES, Og
(org.). Medidas Cautelares no
Processo Penal: prisões e suas alternativas. São Paulo: RT, 2011, p. 106.
[318] Ata e Certidão de Julgamento da 77ª Sessão Ordinária, de 27 de janeiro de
2009, do Conselho Nacional de Justiça,
na qual foi aprovada a Resolução n. 66: “Os levantamentos feitos pelos trabalhos do
Conselho indicam que nós
temos um número elevadíssimo de prisões provisórias. Em alguns Estados elas chegam
a atingir, (é o caso, por
exemplo, do Maranhão), elas chegam a atingir 74,33% dos presos. Um número
extremamente alto e que mostra que
está havendo abuso na prisão preventiva. Na Bahia 73,73%, no Espírito Santo 64,74%,
no Amazonas 67,50%.A
maioria dos Estados fica acima dos 50% de presos provisórios, em relação àqueles
que já tiveram alguma
condenação, de modo que precisamos realmente aprovar esta medida que é extremamente
importante para que o
Conselho possa supervisionar uma área muito sensível para o tema dos direitos
humanos.” Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/portal/atos-administrativos/atos-da-presidencia/307-
atas/11112-ata-e-certidoes-dejulgamento-da-77o-sessao-ordinaria-de-27-de-janeiro-
de-2009>
[319] BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e
Medidas Cautelares. Belo
Horizonte: Del Rey, 2011, p.
[320] BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e
Medidas Cautelares...., p. 5: “Em
verdade, a ausência de um referencial semântico para ‘ordem pública’ e ‘ordem
econômica’, como já criticado por
Lopes Jr (2009), permite que a decisão que decreta a prisão preventiva seja
utilizada, a fim de preservar a
credibilidade do Estado e do Poder Judiciário, confundindo assim a função de
segurança pública com a função
jurisdicional própria do processo penal. Portanto, desviando das próprias
características da cautelaridade, a prisão
preventiva ganha contornos de uma pena antecipada, contrária, assim, ao princípio
da presunção de inocência.”
[321] ANDRADE, Lédio Rosa de. Violência, psicanálise, direito e cultura. Campinas:
Millenium Editora, 2007; MISSE,
Michel. Crime e violência no brasil contemporâneo: estudos de sociologia do crime e
da violência urbana. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006; BECKER, L.A.; SILVA SANTOS, E.L.. Elementos para uma
teoria crítica do processo.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabri Editor, 2002; CARVALHO, Salo de. As presunções
no direito processual penal
(estudo preliminar do ‘estado de flagrância’ na legislação brasileira). In: BONATO,
Gilson (Org.). Processo penal:
leituras constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; GERBER, Daniel. Prisão
em flagrante: uma abordagem
garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
[322] LOPES JR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade
provisória e medidas cautelares diversas –
Lei 12.403/2010... p. 54.
[323] BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Flagrante e Prisão Provisória em Casos de
Furto: da presunção de inocência à
antecipação da pena. São Paulo: IBBCRIM, 2007; LOPES JR, Aury. Direito Processual
Penal e sua conformidade
constitucional. vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 49-50, aponta: “O
risco no processo penal decorre da
situação de liberdade do sujeito passivo. Basta afastar a conceituação puramente
civilista para ver que o periculum in
mora no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do
processo (perigo de fuga,
destruição da prova) em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo. Logo, o
fundamento é um periculum
libertatis, enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado”.
[324] MORAIS DA ROSA, Alexandre. O Fim da Farsa da Presunção de Inocência no
Sistema (ainda) Inquisitório? STF,
HC 91.232/PE, Min. Eros Grau. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. (orgs.). Processo
Penal e Democracia: Estudos
em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. 1 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, v. , p. 1-
13.
[325] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional,
v. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009, p. 110-111.
[326] ANJOS, Fernando Vernice dos. Exigências para obtenção de liberdade
provisória. Boletim do IBCCRIM, n. 184,
março/2008, p. 2.
[327] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009, p. 449
[328] PRADO, Geraldo. Excepcionalidade da Prisão Provisória...., p. 106: “Assim é
que a presunção de inocência opera no
processo penal em geral e com maior rigor no âmbito das medidas de privação de
liberdade, como princípio guarda-
chuva, a determinar a orientação prevalente a propósito dos demais princípios
processuais constitucionais e a dar
forma mais precisa à própria noção de devido processo legal. Dito de outra maneira:
o devido processo legal somente
o será na media em que estiver em conformidade com a presunção de inocência.”
[329] MORAIS DA ROSA, Alexandre; PRUDENTE, Neemias MoreĴi. Monitoramento Eletrônico
em Debate. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011; WEIS, Carlos Eduardo. Estudo sobre o monitoramento de
pessoas processadas ou
condenadas criminalmente. In Monitoramento eletrônico: uma alternativa à prisão?
Experiências internacionais e
perspectiva no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, Ministério da Justiça, 2008;
NUNES, Leandro Gornicki. Alternativas para a prisão preventiva e o monitoramento
eletrônico: avanço ou
retrocesso em termos de garantia à liberdade? Revista Eletrônica OAB Joinville,
Joinville, 1. ed, vol. 1, Jul./Dez. 2010.
Disponível em: <hĴp://revista.oabjoinville.org.br/artigo/19/alternativas-para-a-
prisao-preventiva-e-o-monitoramentoeletronico-avanco-ou-retrocesso-em-termos-de/>.
Acesso em 27, nov. 2012; OLIVEIRA, Maria Angélica; ARAÚJO,
Glauco; STOCHERO, Tahiane. Tornozeleira para presos vira alternativa em lei, mas
para poucos. 2011. Disponível
em: < hĴp://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/07/tornozeleira-para-presos-vira-
alternativa-em-lei-mas-parapoucos.html>. Acesso em 30.nov.201.; JAPIASSÚ, Carlos
Eduardo Adriano e MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o
Monitoramento Eletrônico. In Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão?
Experiências Internacionais e
Perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, Ministério da Justiça, 2008;
KARAM, Maria Lúcia. Monitoramento eletrônico: a sociedade do controle. In Boletim
do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais – IBCRIM. São Paulo, ano 14, n. 170, jan. 2007, p. 4/5; LEAL,
César Barros. Vigilância eletrônica à
distância: instrumento de controle e alternativa à prisão na América Latina.
Curitiba: Juruá, 2011.
[330]Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/plano-gestao-varas-criminais-
cnj.pdf>. a) 10 (dez) dias para a conclusão
do inquérito (art. 10 do CPP); b) distribuição imediata (art. 93, XV da CF); c) 2
(dois) dias (art. 799 do CPP) – ato de
secretaria/escrivania (remessa para o Ministério Público); d) 5 (cinco) dias para a
denúncia (art. 46, caput, 1ª parte, do
CPP); e) 2 (dois) dias (art. 799 do CPP) – atos de secretaria (para conclusão ao
juiz); f) 5 (cinco) dias – decisão
interlocutória simples de admissibilidade da ação penal (art. 800, II, do CPP); g)
2 (dois) dias (art. 799 do CPP) – atos
de secretaria/escrivania (expedição do mandado de citação); h) 2 (dois) dias (art.
799 do CPP – interpretação
extensiva) - cumprimento do mandado de citação pelo oficial de justiça; i) 10 (dez)
dias para o acusado apresentar a
resposta (art. 396, caput, do CPP); j) 2 (dois) dias (art. 799 do CPP) – ato de
secretaria (conclusão ao juiz); k) 5 (cinco)
dias – decisão judicial (art. 399 e 800, II, do CPP); e l) 60 (sessenta) dias para
a realização da audiência de instrução e
julgamento (art. 400, caput, do CPP). Serão acrescidos àqueles prazos mais 10 dias
se o réu não tiver constituído
defensor e for assistido por defensor público ou dativo (artigo 396-A, § 2º, do
CPP). O rito ordinário será ampliado
em mais de 7 dias, sendo 2 para atos de secretaria (abertura de vista ao Ministério
Público) e 5 dias para
manifestação, na hipótese em que, com a resposta da defesa, sejam apresentados
documentos, ou, ainda, arguidas
preliminares.
[331] Será acrescido aos mencionados prazos, mais um período necessário/razoável ao
cumprimento da diligência
considerada imprescindível ao término da audiência, se for o caso, e, mais 26 dias,
dois para a secretaria/cartório, por
ato ordinatório, abrir vista para o Ministério Público, mais 5 para as razões
finais, mais 2 para a secretaria/cartório
abrir vista para o advogado, mais 5 para as razões finais da defesa, mais 2 dias
para a secretaria/cartório fazer a
conclusão dos autos e, enfim, mais 10 para o juiz sentenciar, em se tratando de
instrução complexa ou de pluralidade
excessiva de réus (artigo 403, § 3º, do CPP).
[332] TJRS, Habeas Corpus Nº 70021266473, rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira:
“Segundo ensina a Corte Européia
de Direitos Humanos, instituição que há muito tempo trabalha com o princípio da
razoável duração do processo,
aqui erigido à garantia constitucional apenas após a Emenda 45, devemos observar
quatro parâmetros para a
configuração do excesso de prazo: (1) estrutura do órgão jurisdicional, (2)
complexidade da causa, (3)
comportamento das partes e (4) comportamento do juiz. Na hipótese, não há nada de
anormal no que se refere ao
comportamento das partes e do juiz, nem à estrutura do órgão jurisdicional. Assim,
a demora na conclusão da
instrução, aparentemente, foi ocasionada apenas pela complexidade do feito, onde
figuram oito réus, há dez fatos
delituosos, sendo arroladas doze testemunhas pela acusação, algumas residentes em
outras comarcas, não se
sabendo, ainda, quantas foram arroladas pelas defesas. Ademais, é consabido que o
prazo criado pela jurisprudência
para a conclusão do processo não é estanque, podendo ser dilatado, de forma
razoável, em razão da complexidade do
feito. Ordem denegada.”
[333] CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentários consolidados e
crítica jurisprudencial. São Paulo:
Lumen Juris, 2009, p. 541-542
[334] DANTAS, Luziana Barata. A Prisão Preventiva e o Paradigma da Pós-Modernidade
em Bauman. Porto Alegre:
Núria Fabris Editora, 2013.
[335] LOPES JR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo
Razoável. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 161.
[336] CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. São Paulo:
EDIPRO, 1999, p. 87.
[337] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.
145-146
[338] BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e
Cautelares. Belo Horizonte: Del
Rey, 2011, p. 13.
[339] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 905-
906: “Hoje, a pirotecnia das
megaoperações policiais, com seus nomes marcantes (uma interessante estratégia do
marketing policial), para além
das sirenes e algemas, conta com esse importante argumento: indisponibilidade
patrimonial. Mais do que prender,
engessar o patrimônio dos suspeitos passou a ser uma grande notícia, até porque,
esteticamente, é embriagante ver
no telejornal “as mansões cinematográficas e os caríssimos carros importados que
serão sequestrados”. Assim, as
medidas assecuratórias estão despertando do repouso dogmático para serem
instrumentos de uso e abuso diário.”
[340] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 919.
[341] DUTRA, Luciano. Busca e Apreensão Penal. Da legalidade às ilegalidades
cotidianas. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2007.
[342] PITOMBO, Cleunice Bastos. Da busca e da apreensão no processo penal. São
Paulo: RT, 2005, p. 91.
[343] DUTRA, Luciano. Busca e apreensão penal: da legalidade às ilegalidades
cotidianas. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2007, p. 91
[344] Em julgado recente, o STJ, HC 161.053, Rel. Min. Jorge Mussi, diferenciou:
“DIREITO PROCESSUAL PENAL.
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. VÍCIO INSANÁVEL. Não é válida a
interceptação telefônica realizada sem prévia autorização judicial, ainda que haja
posterior consentimento de um dos
interlocutores para ser tratada como escuta telefônica e utilizada como prova em
processo penal. A interceptação
telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos
interlocutores, que depende
de ordem judicial, nos termos do inciso XII do artigo 5º da CF, regulamentado pela
Lei n. 9.296/1996. A ausência
de autorização judicial para captação da conversa macula a validade do material
como prova para processo penal. A
escuta telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, com o
conhecimento de apenas um dos
interlocutores. A gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo,
sem o consentimento ou a
ciência do outro. A escuta e a gravação telefônicas, por não constituírem
interceptação telefônica em sentido estrito,
não estão sujeitas à Lei 9.296/1996, podendo ser utilizadas, a depender do caso
concreto, como prova no processo. O
fato de um dos interlocutores dos diálogos gravados de forma clandestina ter
consentido posteriormente com a
divulgação dos seus conteúdos não tem o condão de legitimar o ato, pois no momento
da gravação não tinha ciência
do artifício que foi implementado pelo responsável pela interceptação, não se
podendo afirmar, portanto, que, caso
soubesse, manteria tais conversas pelo telefone interceptado. Não existindo prévia
autorização judicial, tampouco
configurada a hipótese de gravação de comunicação telefônica, já que nenhum dos
interlocutores tinha ciência de tal
artifício no momento dos diálogos interceptados, se faz imperiosa a declaração de
nulidade da prova, para que não
surta efeitos na ação penal. Precedente citado: EDcl no HC 130.429-CE, DJe
17/5/2010.”
[345] PRADO, Geraldo. Limites às interceptações telefônicas. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005.
[346] STRECK, Lenio Luiz. As interceptações telefônicas e os Direitos Fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado,
p. 45-46.
[347] BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001.
São Paulo: RT, 2003, p. 86.
[348] BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Sigilo Bancário e Privacidade. Porto Alegre:
Livraria do Advogado2005.
[349] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal..., 2012 p. 453-504.
[350] KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. São Paulo: RT, 2005.
[351] OVO, Paulo Claudio; TOVO, João Batista Marques. Apontamentos e Guia Prático
sobre a denúncia no Processo
Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; SILVÉRIO JUNIOR, João Porto;
Opinio Delicti. Curitiba: Juruá,
2005. Vale destacar ser incabível a denúncia alternativa. Diz Lopes Jr: “Mas, se a
denúncia genérica pode(ria) ser
admitida em casos complexos e excepcionais, a denúncia alternativa deve ser
plenamente vedada, pois ela
inequivocamente impossibilita a plenitude de defesa. Não há como se defender sem
saber claramente do que.
Constituiria ela numa imputação alternativa, do estilo, requer-se a condenação pelo
delito “x”, ou, em não sendo
provido, seja condenado então pelo delito “y” (só falta dizer: ou por qualquer
outra coisa, o que importa é
condenar...). (...) Para encerrar a questão em torno da denúncia alternativa,
verdadeira metástase inquisitorial,
concordamos com DUCLERC, quando sintetiza que: “acima das exigências do princípio
da obrigatoriedade, está,
sem dúvida, o princípio da ampla defesa, a impedir, segundo pensamos, que qualquer
pessoa seja acusada senão por
fatos certos, determinados e descritos de forma clara e objetiva pelo acusador.
[...] Daí por que a queixa tem de ser
sempre certa e determinada, não se admitindo a acusação privada de cunho genérico
ou alternativo.”
[352] As modalidades são por mandado, na comarca ou via precatória, por hora certa
(CPP, art. 362 c/c CPC 228 e 229)
ou edital, com a suspensão do processo (CPP, art. 366). O militar será feita ao
chefe do serviço (CPP, art. 358).
[353] Embora o senso comum teórico continue afirmando que o acusado se defende dos
fatos e não da capitulação, o
argumento não se sustenta. A imputação fixa competência, altera rito, além do que o
jogador-acusador se pressupõe
capaz. Eventual incapacidade do jogador-acusador (capitulação errada, faltando
circunstanciadora, etc.) é situação
que não pode afetar o fair play. Se a acusação foi menor ou maior, existem
mecanismos processuais para alteração
(CPP, art. 383 e 384), sendo inviável a modificação de ofício pelo julgador, nem a
surpresa. Configura-se, no fundo,
soberba covardia a condenação em qualificação jurídica diversa da constante na
denúncia, salvo nos crimes
complexos (por exemplo: denunciado em roubo, a condenação pode se dar por furto; o
inverso não cabe). O devido
processo legal substancial rejeita a possibilidade da surpresa por parte do
jogador-acusador ou do julgador.
Deve existir congruência entre a imputação e a decisão judicial.
[354] Prática odiosa é o requerimento de atualização de antecedentes criminais,
dado que é carga probatória da parte,
descabendo essa providência ao julgador.
[355] CASTALHO DE CARVALHO, Luis Gustavo GrandineĴti; PRADO, Geraldo. Lei dos
Juizados Especais Criminais.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais
Criminais. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2009.
[356] BACILA, Carlos Roberto. Comentários Penais e Processuais à Lei de Drogas. Rio
de Janeiro: Luen Juris, 2007;
BIZZOTO, Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito; QUEIROZ, Paulo.. Nova lei de
Drogas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.
[357] BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para
uma crítica da teoria unitária das
nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
[358] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 111: “O ato praticado fora
dessa estrutura, sem a observância
de seu pressuposto, não pode ser por ela acolhido validamente, porque não pode ser
nela inserido.”
[359] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85.
[360] PAULA, Leonardo Costa. As nulidades no processo penal. Curitiba: Juruá, 2013;
BINDER, Alberto M. O
descumprimento das formas processuais: elementos para uma crítica da teoria
unitária das nulidades no processo
penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; LOUREIRO,
Antonio Tovo. Nulidades &
Limitaçaõ do Poder de Punir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010..
[361] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal, ...2012, p. 1129: “Além da
imprecisão em todo do que seja prejuízo, há
um agravamento no trato da questão no momento em que se exige que a parte
prejudicada (geralmente a defesa,
por evidente) faça prova dele. Como se faz essa prova? Ou ainda o que se entende
por prejuízo? Somente a paritr
disso é que passamos para a dimensão mais problemática: como demonstrá-lo? Não é
necessário maior esforço para
compreender que a nulidade somente será absoluta se o julgador (juiz ou tribunal)
quiser... e esse tipo de incerteza é
absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo.”
[362] BUSATO, Paulo César. De Magistrados, Inquisidores, Promotores de Justiça e
Samabaias: um estudo sobre os
Sujeitos no processo em um Sistema Acusatório..., p. 103-124.
[363] A Lei nº 11.690, de 09/08/2008, alterou a redação do art. 212 do Código de
Processo Penal, passando-se a adotar o
procedimento do Direito Norte-Americano, chamado cross-examination, no qual as
vítimas, as testemunhas e o
acusado são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte
contrária, na sequência, sua
inquirição (exame direto e cruzado), possibilitando ao magistrado complementar a
inquirição se entender necessários
esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização (TJRS. Apelação Criminal n.
70035125046. Relator Des.
Odono Sanguiné. Julgado em 14/10/2010).
[364] TONINI, Paolo. Lineamenti di Diritto Processuale Penale. Milano: Giuffrè,
2008. p. 133.
[365] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. p. 370: “A Lei 11.690⁄08
trouxe importante alteração no procedimento de inquirição de testemunhas. Ali se
prevê que as perguntas das partes
serão feitas diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem
induzir a resposta, não tiverem
relação com a causa ou importarem a repetição de outra já respondida (art. 212,
CPP). E, mais ainda, prevê que o
juiz poderá complementar a inquirição, sobre pontos eventualmente não esclarecidos
(art. 212, parágrafo único,
CPP). Observa-se, então, que a medida encontra-se alinhada a um modelo acusatório
de processo penal, no qual o
juiz deve assumir posição de maior neutralidade na produção da prova, evitando-se o
risco, aqui já apontado, de
tornar-se o magistrado um substituto do órgão de acusação. Assim, as partes iniciam
a inquirição, e o juiz a encerra.”
[366] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional.
Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011. p. 643-644: Neste novo modelo, o juiz abre a audiência, compromissando (ou
não, conforme o caso) a
testemunha e passa a palavra para a parte que a arrolou (MP ou defesa). Caberá à
parte interessada na produção da
prova, efetivamente produzi-la, sendo o juiz – neste momento – fiscalizador do ato,
filtrando as perguntas ofensivas,
sem relação com o caso penal, indutivas ou que já tenham sido respondidas pela
testemunha. Após, caberá a outra
parte fazer suas perguntas. O juiz, como regra, questionará ao final, perguntando
apenas sobre os pontos relevantes
não esclarecidos. É, claramente, uma função completiva e não mais de protagonismo.
(...) O juiz preside o ato,
controlando a atuação das partes para que a prova seja produzida nos limites legais
e do caso penal. Ademais, poderá
fazer perguntas sim, para complementar os pontos não esclarecidos.).
[367] OLIVEIRA, Francisco da Costa. O Interrogatório de testemunhas. Coimbra:
Almedina 2007.
[368] LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & Limitaçaõ do Poder de Punir...., p. 93-
100: “Ainda que se aceite a distinção
entre nulidades relativas e absolutas na qual se apóiam os autores e da qual não se
compartilha, cumpre apontar uma
vulnerabilidade deste entendimento. Os autores realizam uma abertura conceitual
excessiva no limite entre os casos
em que é necessário demonstrar o prejuízo, pois apenas atrela-se a necessidade
demonstração do prejuízo ao fato de
constituir a hipótese uma nulidade relativa. A falha deste raciocínio é que não há
previsão explícita de quais atributos
a violação deve possuir para que seja digna de nulidade absoluta.”
[369] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Introdução aos Princípios Gerais do
Processo Penal Brasileiro in Revista de
Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez Editora, n. 01, 2001. p. 44.
[370] GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo:
Perspectiva, 2009, p. 14: “Não
existem, portanto, reencontros imediatos com o passado, como se este pudesse votlar
no seu frescor primeiro, como
se a lembrança pudesse agarrar uma substância, mas há um processo meditativo e
reflexivo, um cuidado de
fidelidade teológica e/ou política a uma promessa de realização sempre ameaçada,
pois passada no duplo sentido da
vergangen (passado/desaparecido).”
[371] DIGESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. Rio de Janeiro; Lumen Juris,
2009; STEIN, Lílian M., et al. Falsas
Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto
Alegre: Artmed, 2010; PISA, Osnilda.
Psicologia do testemunho: os riscos na inquirição de crianças. Dissertação de
Mestrado, Programa de Pós-Graduação
em Psicologia, Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade, PUCRS, Orientadora
Lílian M. Stein. Porto Alegre,
julho de 2006.
[372] MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, p. 3.
[373] Pode-se dizer que num caso banal de furto, por exemplo, em que o acusado
tenha sido encontrado com a coisa
furtada, avistado pela vítima e policiais, além de filmado, não se teria dúvidas
sobre a materialidade e autoria.
Contudo, tal certeza (paranóica) já foi desfeita teoricamente desde Santo
Agostinho. Quando se tem tanta certeza de
algo pode ser justamente nesse momento que o sujeito esteja sendo enganado. A
fraude somente acontece no
momento em que a vítima é enganada pelo ardil. Daí que cuidado com as aparências,
como aliás, é o discurso do
flagrante.
[374] PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal. São
Paulo: IBCCRIM, 2007, p. 34: “Se
memória é movimento, e o crime é memória, não se pode pensar em processo sem
movimento.”
[375] MELCHIOR, Antônio Pedro. O juiz e a prova: o shintoma político do processo
penal. Curitiba: Juruá, 2013;
AZEVÊDO, Bernardo Montalvão Varjão. O Ato de Decisão Judicial: uma irrracionalidade
disfarçada. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011; KHALED JR, Salh H. Ambição de verdade no processo penal:
desconstrução hermenêutia do
mito da verdade real. Salvador: Podivm, 2009; DIVAN, Gabriel Antinolfi. Decisão
Judicial nos Crimes Sexuais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
[376] Basta ver o julgamento realizado pelo STF no caso da A.P. n. 470, conhecida
como “mensalão”, uma vez que sobre
o mesmo acervo probatório alguns diziam haver crime e outros não. Alguém estava
mentindo? De má-fé? Afastadas
essas possibilidades, o sentido do subjogo probatório migra conforme a compreensão
de cada um dos sujeitos.
[377] CARDOZO, Benjamin. N. A natureza do processo judicial. Trad. Silvana Vieira.
São Paulo: Martins Fontes, 2004,.
p. 1-3: Continua: “O que é que faço quando decido uma causa? A que fontes de
informação recorro em busca de
orientação? Até que ponto permito que contribuam para o resultado? Até que ponto
devem contribuir? (...) Com
frequência, é graças a essas forças subconscientes que os juízes mantêm a coerência
consigo mesmos e a incoerência
entre si. Numa notável passagem de suas preleções sobre o pragmatismo, William
James nos lembra que cada um de
nós mesmo os que desconhecem ou execram os nomes e as idéias da filosofia, tem, na
verdade, uma filosofia de vida
subjacente. Há, em cada um de nós, uma corrente de tendências – que dá coerência e
direção ao pensamento e à
ação. Os juízes, como todos os mortais, não podem escapar a essa corrente. Ao longo
de suas vidas, são levados por
forças que não conseguem reconhecer nem identificar – instintos herdados, crenças
tradicionais, convicções
adquiridas; o resultado é uma perspectiva de vida, uma concepção das necessidades
sociais, um sentido. (...) Nessa
configuração mental, cada problema encontra seu contexto. Podemos tentar ver as
coisas com o máximo de
objetividade. Mesmo assim, jamais poderemos vê-las com outros olhos que não os
nossos.”
[378] GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Justa Causa no Processo Penal: Conceito
e Natureza Jurídica. In:
BONATO, Gilson (Org.). Garantias Constitucionais e Processo Penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2002. p. 199-200.
[379] MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um
Processo Penal Democrático. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83-97; BARROS, Flaviane de Magalhães. (RE)Forma
do Processo Penal. Belo
Horizonte: Del Rey, 2009, p. 23-27; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) Do
Processo Penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008, p. 23-36.
[380] PIZA, Evandro. Dançando no escuro: apontamentos sobre a obra de Alessandro
BaraĴa, o sistema penal e a justiça.
In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal:
(des) aprisionando a sociedade da
cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 106-108.
[381] TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins.
São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 76.
[382] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A natureza cautelar da decisão de
arquivamento do Inquérito Policial.
In: Revista de Processo, São Paulo, n. 70, p. 49-58, 1993.
[383] CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal - Comentários Consolidados.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007,
p. 306.
[384] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.
Volume I. 7. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011. p. 570.
[385] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[386] NASSIF, Aramis. Sentença Penal.: o desvendar de Themis. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005.
[387] LOPES JR, Aury. Direito Processual Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 384-392.
[388] Nos autos da Apelação Criminal n. 196, de Joinville - SC (5ª Turma de
Recursos), que fui relator, constou da
ementa: “O processo penal possui a função de acertamento do ‘caso penal’, consoante
assevera Miranda Coutinho:
Cometido o crime, a sanção só será executada a partir da decisão jurisdicional,
presa a um pressuposto: a
reconstituição de um fato pretérito, o crime, na medida de uma verdade
processualmente válida. Essa verdade
processual (deflacionada, Rorty) será construída nos limites da acusação em face do
“Princípio da Congruência”.
Sustenta Binder que: Se debe tener en cuenta que detrás de este principio de
‘congruencia’ no se halla nínguna
cuestión de simetría sino la preservación del derecho de defensa: el imputado debe
saber de qué y sobre qué há de
defenderse. Garante a certeza acerca do ‘caso penal’, evitando surpresas anti-
democráticas, dado que o Juiz fica
vinculado aos termos e limites da acusação. É verdade que poderá ocorrer a
ampliação da acusação, todavia, sempre
a cargo do órgão com competência para tanto - acusador -, descabendo ao Juiz esta
função, dado que o Sistema
Processual Brasileiro é eminentemente acusatório. Em síntese, a acusação preliminar
fixa os limites inquebrantáveis
da acusação, descabendo a condenação por conduta não descrita na exordial
acusatória.”
[389] MALAN, Diogo Rudge. A sentença incongruente no processo penal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003.
[390] BAHIA, Alexandre. Recursos Extraordinários no STF e no STJ. Curitiba: Juruá,
2009; ROCHA JR, Francisco de Assis
do Rêgo Monteiro. Recurso Especial e Recurso Extraordinários Criminais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.
[391] STJ: Julgamento por colegiado composto por juízes convocados viola o devido
processo legal (STJ, HC 105.413/GO).
[392] Se o impetrante for o Ministério Público o acusado deve ser citado como
litisconsorte passsivo necessário (STF,
Súmula n. 701).
[393] STF, Súmula n. 693: “Não cabe HC contra decisão condenatória à pena de multa,
ou relativo a processo em curso
por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.” STF, Súmula 694:
“Não cabe HC contra a
imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função
pública.”
[394] Pacto de San Jose da Costa Rica (Dec. 678/92) internalizou suas disposições e
pelo contido no art. 8o, 4, restou
proibido que alguém seja julgado, mais de uma vez, por decisão transitada em
julgado, mesmo que errada ou por
julgador incompetente. O mesmo raciocínio deve prevalecer para os casos de anulação
do processo sem recurso
Ministerial, no qual deve prevalecer a reformatio in pejus indireta. Trata-se de
decorrência da cláusula do devido
processo legal substancial.

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