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Histórica Africana
Babacar Mbaye Diop
Doudou Dieng
(Org.)
Babacar Mbaye Diop é doutorado em
Estética e Filosofia da Arte pela Universi-
dade de Rouen, França. Os seus principais
interesses de investigação situam-se nos
campos das artes da África Negra, da di-
versidade cultural, dos conceitos de diás-
pora, identidade, globalização e conexões.
Professor de filosofia, ele é o fundador e
co-editor de Fikira-Africa Review. Babacar
Mbaye Diop ensina no Departamento de
Filosofia da Universidade Cheikh Anta
Diop. Em Fevereiro de 2013 foi nomeado
Director da Bienal de Dakar.
Victor Kajibanga
(Coordenador da Colecção Reler África)
Copyright © 2008, L'Harmattan
© desta edição
Outubro de 2 0 1 4
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jZiü-
edições pedago
Em homenagem ao 50.s aniversário da publicação da obra de Cheikh
Anta Diop: Nations nègres et culture - 5 e 6 de Abril de 2 0 0 5 na Univer-
sidade de Rouen.
Os nossos mais sinceros agradecimentos:
- à Universidade de Rouen, ao CROUS da Alta Normandia, à UFR de
Letras e Ciências Humanas e à Associação dos Estudantes Senegale-
ses em Rouen pelo seu apoio na organização do colóquio;
- a Mamadou DIALLO, Professor da ENSEPT da universidade Cheikh
Anta Diop de Dakar, pela revisão e correcção minuciosas do manuscrito;
- a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para a conclusão
deste trabalho. Manifestamos-lhes aqui a nossa profunda gratidão.
índice
Discurso de abertura do colóquio 15
pelo Presidente da A. S. E. R.
I.
A África e o Ocidente 23.83
Introdução 25
1. A consciência histórica da Africa Negra e n q u a n t o 25
b a s e da resistência do povo n e g r o
2. As fragilidades e os defeitos da s o c i e d a d e africana 31
3. As lições que a África Negra deve extrair da história 40
Introdução 47
1. As c a u s a s 48
1.1. As causas passadas e imediatas 48
1.2. As causas estratégicas e económicas 49
1.3. As causas religiosas 50
2. H o r r o r e s e responsabilidades 51
2.1. O horror absoluto 51
2.2. A responsabilidade das grandes potências e das opiniões públicas 52
2.3. As responsabilidades dos líderes africanos e de Lagos 53
3. Soluções e papel da F r a n ç a 53
3.1. As soluções 54
3.1.1. Socorrer o corajoso povo biafrense 54
3.1.2. Repensar a federação 55
3.2. Paris e o conflito 55
3.2.1. Uma política louvável 55
3.2.2. Uma acusação indevida 56
Conclusão 57
Francês/Línguas Africanas: colonização linguística 59.83
ontem e hoje, aqui e ali
Bernard Zongo
Introdução 59
1. Linguística africanista e ideologia glotofágica 60
1.1. Período colonial: a chegada às colónias 61
ou a linguística "pragmática"
1.2. Período moderno: triunfo do formalismo e missão civilizadora a partir 64
de 1 9 4 5
1.3. A sociolinguística e as suas torpezas: os anos 6 0 67
1.4. A partir dos anos 7 0 : instituições francófonas ao serviço 68
da expansão do francês
2. Política linguística francesa e línguas minoritárias: 73
ideologia do p a r a d o x o
2.1. As línguas africanas em França e a política linguística francesa 74
2.1.1. As línguas de imigração em França 74
2.1.2. A política linguística francesa 75
2.1.3. A legitimidade da estratificação etnolinguística e normas 76
2.2. A concepção ideológica do bilinguismo: o relatório Bénisti 78
Conclusão 82
Referências Bibliográficas 83
íí.
As origens egípcias da civilização africana 85.164
Introdução 87
1. O c o n t e x t o histórico e ideológico no início do século XX 87
2. A resistência africana e a r e s t a u r a ç ã o da consciência histórica 92
3. A obra histórica e egiptológica de Cheikh Anta Diop 94
3.1. A reconstituição científica do passado da África 94
3.2. As principais temáticas desenvolvidas por Cheikh Anta Diop 97
3.3. A fecundidade da obra: contributo metodológico e acervo do colóquio 103
do Cairo
4. A c o n t i n u a ç ã o da obra histórica e egiptológica 106
4.1. O período da investigação solitária: 1 9 4 6 - 1 9 7 0 106
4.2. Théophile Obenga encontra Cheikh Anta Diop 106
4.3. A Escola africana de egiptologia 107
5. O Renascimento da África e a edificação de u m a civilização 109
planetária
Estado das investigações acerca das semelhanças entre a arte m . 124
Egípcia Antiga e a da África Negra
Babacar Mbaye Diop
Introdução m
1. O estilo africano e a essência da a r t e egípcia 111
2. Alguns e x e m p l o s de s e m e l h a n ç a e n t r e objectos africanos e objectos 114
egípcios
3. Será e s t a s e m e l h a n ç a identitária ou u m a simples analogia? 120
Referências Bibliográficas 123
Introdução 125
1. Generalidades e p r o b l e m á t i c a 126
2. A d o c u m e n t a ç ã o 127
2.1. As fontes textuais 128
2.2. As fontes arqueológicas 129
3. P a n o r a m a 130
Conclusão 140
Introdução 143
1. O d e b a t e 143
2. A a m o s t r a 146
3. Novos factores 149
3.1. As partes do corpo 149
3.2. A água 150
3.3. A agricultura 151
3.4. Pigmeu e anão 152
3.5. O hipopótamo e o cavalo 154
4. E s c l a r e c i m e n t o das t r a d i ç õ e s 155
Conclusão 156
Introdução 167
1. A África, b e r ç o da h u m a n i d a d e 170
2. A África, b e r ç o da escrita 172
3. A África inventa o z e r o 173
4. A multiplicação e a divisão egípcias 175
5. A sobrevivência das t r a d i ç õ e s erudita e criativa africanas 176
6. Apêndice: A multiplicação e a divisão egípcias 181
6.1. A multiplicação egípcia 181
6.2. A divisão egípcia 182
6.3. A demonstração 182
Introdução 185
1. O que justifica a revolta de Ogo? 185
2. A n e c e s s i d a d e do "roubo do fogo" 187
3. A Civilização c o m o c o n s e q ü ê n c i a do "trágico" 190
Referências Bibliográficas 193
Resumos 215.220
Discurso de abertura do colóquio
pelo Presidente da A. S. E. R.
Rouen, 5 de Abril de 2 0 0 5
Samba Kandji, Presidente da ASER
Bachelard
Prefácio:
Falsificação da história
1. Não se trata aqui de nos prostrarmos perante a obra de Clieildi Anta Diop, tal como acontece-
ria com um livro de orações. Temos plena consciência de que nem tudo é uniforme nos seus
trabalhos: existem certamente aspectos que não conseguiu desenvolver até ao fim. Pretendemos
apenas homenagear o homem da ciência, celebrar a sua produção intelectual permanecendo fiel
ao seu pensamento.
2. Obenga, Théophile, 1996, p. 359.
3. Heródoto, Livro II, p. 104.
4. Histoire universelle, livro 3, p. 341, trad. Abbé Terrasson, Paris, 1758.
5. Livro I, capítulo 3, p. 10.
Introdução
o factor dominante da realidade internacional consiste no facto de,
neutralizada por uma agressão ocidental multimilenar, a África Negra
entrar no IIF milênio num estado de fracasso sem precedentes na
História conhecida da Humanidade, sinal prenunciador da iminência
do caos. Com efeito, o povo negro permanece sempre exposto à lógica
mortífera do Ocidente, tal como a França o demonstrou no Ruanda,
em 1994, e mais recentemente, em Novembro de 2004, na Costa do
Marfim, com a i n t e r v e n ç ã o da sua p r e t e n s a c o o p e r a ç ã o franco-
-africana.
Para alêm disso, por forma a evitar ir de mal a pior, o nosso povo
deve apoderar-se deste instrumento de luta necessário que ê a consciên-
cia histórica.
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 25
ao verdadeiro passado da África Negra é encoberto. Nas bibliotecas
mais inacessíveis para os investigadores africanos dignos deste nome,
encontram-se testemunhos escondidos, recolhidos por missionários
acerca da historiografia da África Negra, enquanto que se fabricam fac-
tos reconhecidos desvalorizantes para a "raça" negra, com o objectivo
de a denegrir. Assim sucede com a civilização negra, cuja paternidade
se atribui geralmente ao "gênio semita" nomeadamente, grupo huma-
no acerca do qual se sabe que terá vivido no Egipto faraônico negro,
enquanto simples comunidade de trabalhadores imigrados, tal como
confirma a Bíblia, mesmo sendo conveniente opor o mais categórico
desacordo face à tese da pretensa "escravatura" dos Judeus no Egitpo:
Estabeleceram sobre ele (o povo judeu) chefes de trabalho forçado, com o objec-
tivo de oprimi-los nos seus fardos; e edificaram cidades como lugares de ar-
mazenagem a Faraó, a saber, Pitom e Ramsés. Mas, quanto mais os oprimiam,
tanto mais se multiplicavam e tanto mais se espalhavam, ainda que sentissem
um pavor mórbido por causa dos filhos de Israel. Por conseguinte, os Egípcios
fizeram osfilhos de Israel trabalhar como escravos sob a tirania. E tornaram-lhes a
vida amarga com dura escravidão no pilão em argila e em tijolos, e com toda
forma de servidão nos campos, onde eram usados como escravos dominados
pela tirania.^
A África não faz parte do mundo histórico, não manifesta nem movimento,
nem desenvolvimento, e aquilo que ali aconteceu, isto é, no norte, resulta do
mundo asiático e europeu... Aquilo que apreendemos, em suma, pelo nome de
África, é um mundo a-histórico não desenvolvido, inteiramente prisioneiro do
espírito natural e cujo lugar ainda se encontra no limiar da história univer-
sal*
E, no entanto, escreve Edem Kodjo,foi aqui, em África, que a história começou.
Longe de se tratar de uma firmação gratuita, esta asserção representa uma
realidade científica inegável que se constata ao sulcar o mundo em busca dos
vestígios das civilizações primeiras.^
3. Sertima, Ivan Van, Ils y étaient avant Christophe Colomb-, Flammarion, pp. 133 a 135.
4. Hegel, Friedrich, La Raison dans l'Histoire-, Ed. 1 0 / 1 8 , 1 9 8 2 , p. 269.
5. Kodjo, Edem, Et demain l'Afrique; Ed. Stocit, 1985, p. 309.
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 27
Porém, tal como refere Meinrad Hegba acerca do estudioso Cheikh
Anta Diop, que foi um dos primeiros investigadores a pôr em evidência
a origem negra do povo e da civilização do Egipto faraónico,
Os Negros não foram frustrados da sua História, porque estes nunca tiveram
História, nem sentiram a necessidade de ter uma... Os Negros só descobri-
ram o mundo enquanto escravos... Esta estranha passividade faz com que a
História da África Negra até ao século XIX seja não somente colonialista, mas
ainda epidérmica.'^
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 29
inicial partiram as primfcias da civilização actual. E se as revoluções indus-
triais ou políticas se afiguram caóticas e surgidas do nada, estas são apenas o
ponto culminante da obra obscura iniciada há milénios.^^
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 31
séculos, este regresso ao passado deve sobretudo ajudar o seu povo a
compreender o movimento dialéctico da história, através do qual a to-
talidade humana se constrói e desconstrói; com efeito, a um dado mo-
mento da sua história, os povos erigem poderosas civilizações que se
podem desmoronar depois de terem conhecido um esplendor notável:
As civilizações são certamente mortais, mas a sua morte tem causas e no que
concerne às civilizações passadas da África, devemos estudar os motivos do
seu desmoronamento por forma a melhor preparar os jovens Africanos relati-
vamente ao domínio do seu destino. No que diz respeito aos Estados africanos
da Antiguidade e aos impérios medievais, factores internos e causas externas
convergiram para precipitar o seu declínio, e, posteriormente, o seu desapa-
recimento. De entre os inúmeros factores internos figuram a organização in-
terna da sociedade, o sistema educativo e de transmissão dos conhecimentos
e as dificuldades de administração do território.^^
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 33
sacerdote depositário das tradições ocultas da antiga ciência egípcia,
de Thot e de Amon-ra, perdeu a vida.
E quando o rumor das suas revelações chegou aos ouvidos dos seus colegas,
Wa Kamissoko recebeu a visita dos representantes mais ilustres da função de
griot do Mandé. Estes ordenaram que se calasse. Aquele desobedeceu.^^
Viria a falecer pouco tempo mais tarde, vítima da Lei do silêncio que
proscreve qualquer colaboração dos sábios africanos da sua sociedade,
com base num mal-entendido repousando sobre a distância entre os
depositários dos conhecimentos ancestrais e os novos quadros forma-
dos na escola dos Brancos; nomeadamente no que concerne à concep-
ção do tempo. Com efeito, se para os Africanos formados na escola oci-
dental, tempo é dinheiro, e estes têm geralmente pressa em distinguir
a dissertação, obtendo o máximo de informações possível em tempo
recorde; para os sábios africanos, sendo a confiança a força motriz
de qualquer relação, uma tal agitação para penetrar nos segredos do
conhecimento representa uma grande contrariedade. Tal como afirma
Hampatá Bâ, só a confiança "fornece aquilo que nem a astúcia, nem a
força das armas vos pode proporcionar e aquele que não tem tempo a
perder, nada tem a fazer em África." Certamente, mas a perda de um
erudito da espécie de Kamissoko representa uma grande perda para o
nosso Povo; sobretudo se este não teve tempo de transmitir os conheci-
mentos necessários para a libertação da África e do povo negro.
A este respeito, Hampaté Bâ foi justo ao escrever que em África, "um
ancião que morre é uma biblioteca que se incendeia". Porém, ainda há
muito a fazer para transformar o modo de transmissão dos conheci-
mentos, que coloca em evidência a natureza particularmente aleatória
do sistema da oralidade.
Por outras palavras, para que o incêndio da biblioteca de Hampaté Bâ
seja deplorado, é ainda necessário que esta tenha inicialmente a linha
orientadora de entregar os seus segredos deixando as suas portas
abertas, a fim de que novas gerações de investigadores, da África e do
povo negro, possam aí saciar a sua sede de conhecimento, com vista a
contribuir para a construção do futuro do nosso povo.
A contrario, portanto, é necessário assumir a responsabilidade de
dizer aos sábios iniciados africanos que, impassíveis, continuam ainda
hoje a ver o nosso povo desagregar-se progressivamente a cada dia,
que uma biblioteca que queima cheia de pó, pelo facto de não ser
frequentada por força das suas portas encerradas, não realizou a sua
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 35
Certamente, mas deve dizer-se, o respeito pela vida e pela nature-
za constituiu um obstáculo fundamental para o pensamento técnico,
tendo em conta que não permitiu ao pensamento científico africano já
existente nos templos e nos conventos, explorar e atingir o povo negro.
O revés do pensamento espiritual e humanista africano consiste assim
na sua incapacidade de se afastar do poder divino:
É pelo facto de o espírito africano ainda estar marcado por uma visão do
mundo e uma concepção da existência sempre dominadas pela idéia de uma
potência criadora transcendental, imanente, coexistente a todas as coisas, a
qualquer idéia, a qualquer acção, que o mesmo permaneceu hostil a qualquer
processo de violação e de conquista brutal da natureza exigido por aquilo
que designamos comumente por desenvolvimento. Uma tal visão filosófica do
Africano limita a sua capacidade de investigação e de criação a um universo
não dominado, reduzido ao seu espírito de inciativa, ao seu gosto pelo risco e
pela aventura, logo que se trate de romper a harmonia primordial para orga-
nizar esta vasta reviravolta social que é o desenvolvimento.^'^
20. Lenoble, Robert, Histoire de l'Idée de nature; Ed. Albin Michel, 1969, p. 312.
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 37
colocando-se no seu lugar para compreender, juntamente com ele, o modo
como o mundo foi criado.
A partir dos anos 1620, sábios e filósofos, qualquer que fosse a sua corrente de
pensamento,... todos, apesar de todas as divergências de Escola e das polémi-
cas frequentemente entusiásticas, concordam em afirmar que a Natureza
constitui uma máquina e que a ciência representa a técnica de exploração
desta máquina.^^
Ora, a biologia mostra-nos que não existe oposição tão vincada na natureza.
Qualquer relação ou equilíbrio baseia-se no pluralismo, na diversidade, na
causa mútua. Não existe lógica de exclusão ou de oposição, mas uma lógica
de associação ou de complementaridade.'^^
A África, envolvida com a sua sobrevivência, deve poder meditar nas lições da
História. Deve poder abordar a hora da reflexão e, indo para lá da sua visão
filosófica, tão rica pelo seu humanismo e pela sua harmonia, conceber as vias
e os meios do renascimento através de uma abordagem renovada do facto
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 39
científico que lhe assegura o progresso, respeitando simultaneamente a sua
cultura}^
Cerca do ano 2000 a.C., o Egipto atravessa a crise mais temível que um povo
possa atravessar: a da invasão estrangeira e de uma semi-conquista... Con-
duzida pelos reis pastores chamados Hicsos, esta invasão estendeu-se sobre
o Delta e o Médio Egipto. Os reis cismáticos traziam com eles uma civilização
corrompida, a languidez jónica, o luxo da Ásia, os costumes do harém, uma
idolatria grosseira. A existência nacional do Egipto estava comprometida, a
sua intelectualidade em perigo, a sua missão universal ameaçada.^'^
27. Schure, Edouard, Les Grands Initiés-, Ed. Livre de Poche, p. 165.
28. Diop, Cheilch Anta, Antériorité des Civilisations Nègres. Mythe ou Vérité Historique?; Ed.
Présence Africaine, 1967, pp. 169 e 171.
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 41
armada de mercenários livres ou semi-servis comandados pelos seus chefes na-
cionais; só o alto comando e alguns destacamentos de arqueiros permanecerão
egicpios... O processo atingirá o seu ponto culminante sob os usurpadores
líbios da XXVI- dinastia, mais precisamente sob Psamético. É então que
os elementos nacionais de uma das guarnições da armada egípcia acanto-
nada em Daphne, em Mocéa e na Ilha deAbu recusaram obedecer ao "rei" es-
trangeiro e partiram para oferecer os seus serviços ao rei de Cuche, do Sudão
Nubiano; trata-se da expedição dosAutomolos de que fala Heródoto..P
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 43
a manipular a seu bel-prazer. Esta filosofia política é expressa por
Lyautey^^ que declara sem rodeios:
... a acção política é de longe a mais importante; esta extrai o seu maior vigor
do conhecimento do país e dos seus habitantes Se existem tradições e cos-
tumes a respeitar, existem também ódios e rivalidades que é necessário
desemaranhar e utilizar em nosso proveito, opondo-as umas às outras, apoi-
ando-nos sobre umas, para melhor vencer as outras.^^
as elites africanas devem convencer-se que os seus países não podem continuar
a ser o prolongamento das grandes potências e a amizade, se não mesmo
a cooperação, que se podem estabelecer devem ser exclusivas a qualquer de-
pendência, a qualquer submissão ou servilismo?'^
32. P. Lyautey é citado por P. Guillaume in Le Monde Colonial. Ver também P. Lyautey, L'Empire
Colonial Français-, Ed. de France, 1931.
33. Kodjo, Edem, op. cit.. p. 109.
34. Kodjo, Edem, op. cit., p. 111.
A ruptura da consciência histórica africana: o principal obstáculo para o renascinnento africano . Bwemba Bong 40
A guerra do Biafra: desinformação e
manipulação dos média? Análise de
quatro diários importantes: Le Monde,
Le Figaro, La Croix e L'Humanité
Momar Mhaye^
Introdução
Sete anos após a sua independência, a Nigéria entrou numa fase de
evolução política de rara violência. Em menos de seis meses, atraves-
sou dois golpes de estado sangrentos e caiu, em 1967, numa terrível
guerra civil. A tragédia fez, em dois anos e meio, mais de dois milhões
de mortos. Provocou também uma viva indignação internacional e mo-
bilizou os média do mundo inteiro. A imprensa francesa não esteve,
portanto, isenta na cobertura de um acontecimento de tão grande im-
portância.
Para além disso, era fácil considerar-se devidamente informado a
partir do momento em que se mergulhava na imprensa daquela época.
Só que estas certezas foram abaladas por duas publicações. Rémy Bou-
tet, na terrível guerra do Biafra (1992], estigmatizava uma manipula-
ção dos média do hexágono através de agentes pro-biafrenses. Tal as-
serção foi confirmada numa obra ainda mais recente. De facto, Stephan
Smith e Antoine Glaser retomaram, em 2005, na sua obra Pourquoi la
France a perdu l'Afrique?, os propósitos do antigo chefe do SDCE, Mau-
rice Robert, que afirmava ter influenciado os média franceses para
despertar um sentimento de compaixão e de proximidade com o povo
biafrense junto da opinião pública. Para quem se interessa pela im-
prensa do hexágono nas suas relações com o continente negro, tais
revelações não podiam, evidentemente, provocar indiferença. Decidi-
mos então, por forma a adquirir uma visão clara, olhar atentamente
para o tratamento desta guerra nos quatro periódicos nacionais de
tendência e de obediência diversas. Procuraremos, deste modo, analisar
A guerra do Biafra: desinformação e manipulação dos média? Análise de quatro diários importantes... . Momar Mbaye A7
sucessivamente o lugar ocupado por tal acontecimento nas tentativas
de explicação do conflito, os temas privilegiados, bem como as aborda-
gens e as posturas adoptadas aqui e ali.
1. As causas
Os diários e semanários franceses que cobriram o conflito biafrense
não ignoram um factor primordial. O Estado africano, cujas operações
são o palco, é muito pouco conhecido pelos seus leitores. Por muito
que seja uma das mais povoadas e mais ricas do continente africano,
a Nigéria não dispõe, de todo, da celebridade da Costa do Marfim. A
sua pertença ao mundo anglófono é uma das suas razões. Por outro
lado, referir acontecimentos que ali se sucedem requere, por parte da
maioria dos jornalistas, muita pedagogia; daí a profusão dos artigos
que se empenharam em explicar os motivos do conflito. As causas con-
sideradas são, como é evidente, variadas consoante se considere um
ou outro jornal.
A guerra do Biafra: desinformação e manipulação dos média? Análise de quatro diários importantes... . Momar Mbaye A7
luta de influências entre britânicos e soviéticos para adquirir a explo-
ração dos recursos férteis do sudeste nigeriano, conclui o autor Aliás,
o jornal desenvolve de modo considerável a posição soviética, que con-
sidera dominada pela velha política árabe. A URSS apoiaria o governo
federal, tendo em conta que este é representante dos muçulmanos do
norte face aos cristãos do sul. Penetra-se, deste modo, plenamente nas
causas religiosas.
... os Igbos e os Hausas não têm nada em comum, nem a língua, nem a religião,
nem o clima.... No norte, os Hausas, 29 milhões, muçulmanos convictos, man-
tidos durante a idade média por um sistema feudal alimentado pelos emires....
No Leste, oslgbos, 12 milhões, cristãos, curiosos, abertos a tudo, confiantes - e
mesmo orgulhosos - e impregnados sem complexo pela civilização britânica
[La Croix, 11/09/1968].
E o artigo produzido três dia mais tarde sobre a grande miséria das
populações civis é do mesmo nível. Coloca em evidência uma enorme
penúria alimentar, para além da falta de medicamentos. Esta situação
provoca um aumento exponencial da taxa de mortalidade no Biafra.
Este jornal não foi o único a enfatizar a extrema pobreza das popu-
lações biafrenses; o órgão católico também não, de resto. Para além
destes textos, este diário distingue-se sobretudo pela imagem. Deste
modo, na manchete de 14/02/1969, observam-se crianças com uma
magreza indescritível a vir recolher a alimentação distribuída por
organizações humanitárias. Segundo a mesma ordem de ideias, um
grande título em primeira página de 13/01/1970: o final dramático
do Biafra, acompanha uma insuportável foto de criança macilenta com
o seguinte comentário: "no olhar desta criança, toda a miséria dos
famintos". Esta propensão para mostrar o horror mais absoluto par-
ticipa em dois princípios: em primeiro lugar o de designar os vários
A guerra do Biafra: desinformação e manipulação dos média? Análise de quatro diários importantes... . Momar Mbaye A7
responsáveis por esta hecatombe; depois, despertar as consciências
amolecidas do Ocidente.
A guerra do Biafra: desinformação e manipulação dos média? Análise de quatro diários importantes... . Momar Mbaye A7
3.1. As soluções
A guerra do Biafra: desinformação e manipulação dos média? Análise de quatro diários importantes... . Momar Mbaye A7
E o jornalista considera que a França, que dispõe de uma reputação
excepcional no mundo inteiro, se distinguiu pela j u s t i ç a da sua
actuação, aliás, altamente apreciada no Biafra. Este ângulo de análise
é partilhado por Fhilippe Decraene no Le Monde de 1 3 / 0 9 / 1 9 6 8 . Este
demonstra, no seu documento, que a determinação francesa para aju-
dar o Biafra provém simplesmente de preocupações humanitárias e
diplomáticas. Isto porque, p e r a n t e o m á r t i r do Biafra, Paris não
podia permanecer insensível. Para além disso, a determinação dos
insurgentes é prova real do seu apego à liberdade e ao direito à auto-
determinação que Paris não poderia negligenciar. O jornalista afasta
prontamente as acusações errôneas de Lagos relativamente à defesa
de alguns interesses franceses. O mesmo demonstra, por forma a fun-
damentar o seu propósito, a extrema fragilidade dos investimentos
franceses na Nigéria.
Conclusão
No final desta análise, muitos factores são de salientar no que con-
cerne à cobertura dos acontecimentos nigerianos pelos diários tidos
em consideração. A larga implicação do Le Monde e do La Croix cor-
responde àquilo que deve ser salientado em primeiro lugar A multi-
plicidade de artigos consagrados ao acontecimento e a diversidade
de jornalistas que se dedicaram ao problema tornam públicas a sua
verdadeira preocupação. O Le Monde cumpre o seu papel de diário de
referência pela diversidade das suas temáticas e o seu objectivo de dar
cobertura ao mundo inteiro. Jornal de obediência religiosa, profunda-
mente agarrada às questões humanitárias, o La Croix não podia, por
força de alguns vestígios religiosos aplicáveis ao conflito, permanecer
indiferente ao drama. Quanto aos dois jornais de opinião que são o
Figaro e l'Humanité, estes foram sem dúvida influenciados pelas suas
respectivas ideologias. Fundamentalmente ancorada por detrás da
União Soviética e abertamente anticapitalista, o l'Humanité adoptou
frequentemente uma perspectiva de análise bastante interessante. Por
motivos quase similares, o Le Figaro, porta-estandarte da bandeira
do conservadorismo francês, apoio decisivo do governo federal, nem
sempre foi de uma sinceridade irrepreensível.
Para além disso, podemos também concluir a presente reflexão, a
propósito de uma eventual manipulação da imprensa francesa por
agentes pro-biafrenses, afirmar que os jornais mantiveram mais ou
menos a sua linha editorial tradicional. Mesmo que, de um modo geral,
o destino desastroso do Biafra tenha sido partilhado, não podemos
A guerra do Biafra: desinformação e manipulação dos média? Análise de quatro diários importantes... . Momar Mbaye A7
afirmar que se tenha tratado realmente de uma manipulação ou de uma
distorção proveninente de não se sabe que serviço secreto. Porque Le
Monde procurou de várias formas dar a entender o seu propósito.
Aquilo que se deve reter, definitivamente, é a ausência de distancia-
mento mais ou menos observada em praticamente todos os jornais,
o que se explica através de antolhos petrificados sobre o mundo e a
África e dos quais se demarcaram muito pouco.
Referências Bibliográficas
Os Jornais:
La Croix-, 0 6 / 0 8 / 1 9 6 8 ; 1 0 / 0 9 / 1 9 6 8 ; 1 1 / 0 9 / 1 9 6 8 ; 1 2 / 0 9 / 1 9 6 8 ; 1 9 / 0 9 / 1 9 6 8 ;
13/01/1970; 15/01/1970.
LeFigaro-, 18/11/1967; 09/09/1968; 13/01/1970; 14/01/1970; 15/01/1970.
L'Humanité-. 1 6 / 0 8 / 1 9 6 8 ; 1 3 / 0 1 / 1 9 7 0 ; 1 4 / 0 1 / 1 9 7 0 ; 1 6 / 0 1 / 1 9 7 0 .
Le Monde: 18/11/1967; 10/06/1968; 07/07/1968; 02/08/1968; 19/08/1968;
21/08/1968; 19/09/1968; 08/05/1969; 09/05/1969; 13/01/1970; 16/01/1970;
20/01/1970; 14/11^970.
As obras:
Boutet, R. ( 1 9 9 2 ] . "L'effroyable g u e r r e du Biafra" in Revue Afrique contemporaine-, vol.
n.2 14, Paris.
Glaser, A. e Smith, S. ( 2 0 0 5 ) . Comment la France a perdu l'Afrique. Paris: ed. Calmann-
-Lévy.
Sitbon, M. ( 1 9 9 8 ) . "Le Biafra oublié" in Un génocide sur la conscience-, Paris, pp. 4 0 - 4 8 .
Verschave, F-X. ( 1 9 9 9 ) . La France Afrique. Le plus long scandale de la république. Paris:
ed. Stock.
Introdução
o título da comunicação pode suscitar, a alguns, um certo travo a vin-
gança ou sugerir, a outros, um eco de "dejà-entendu" devido à evidên-
cia deste termo historicamente situado e consensualmente conotado:
"colonização". Porém, é forçoso reconhecer-se, com Cheikh Anta Diop,
que a restauração da consciência histórica do homem negro, na sua
dimensão linguística no que nos concerne, constitui uma luta perma-
nente de tal modo os esforços são numerosos e persistentes, de tal
modo as instâncias de dominação jamais incorrem em falta de imagi-
nação para preservar o seu estatuto. E é precisamente a ligação que
necessitaremos estabelecer, entre a ideologia reivindicativa e reabilita-
dora do egiptólogo africano e o objectivo dos propósitos que terei em
consideração.
O meu colega Cheikh M'Backé Diop^ relembrava ontem, justa-
mente, o modo como os pseudo-científicos ou pseudo-humanistas
(Voltaire, Hegel, Gobineau, Bruhl, Hume], desde cedo, mas particu-
larmente no século XIX, se aplicaram a legitimar, no plano moral e
filosófico, a inferioridade intelectual decretada do Negro, e travestiram
os dados científicos para colocá-los ao serviço de uma ideologia de
submissão/dominação do negro; atrever-me-ia a dizer do homem
negro, mas para tal era necessário que o seu estatuto fosse reconhe-
cido. O âmbito da linguística não escapou a este trabalho de alienação,
de rejeição, de negação conceptualizada por linguistas e outros
pedagogos da escola africanista francesa, apoiada e incentivada por
Anos faustos, sem dúvida, para a França que procurará relançar o de-
safio da francofonia através da criação de um número impressionante
de instituições. Anos de frustração para os Africanos, que esperavam
encontrar neste quadro institucional, segundo a profecia de Senghor,
"um lugar para dar e receber" e que afinal se contentarão em constatar
Francês/línguas africanas: colonização linguística ontem e hoje, aqui e ali . Bernard Zongo 69
Primeiramente, as mesas-redondas dos centros, departamen-
tos e institutos de linguística aplicada da África Negra, organizados
sob a égide da AUPELF, visavam, supostamente, constituir pontos de
"reaproximação dos linguistas africanos da sua organização, para a
promoção das investigações sociolinguísticas, bem como para a
formação de uma visão comum, nos linguistas, da problemática das
línguas em África."
No entanto, estes encontros revelarão as verdaderias intenções do
papel desempenhado por esta instituição, tal como Kazadi [ 1 9 9 1 : 1 6 2 )
demonstra, pelo menos durante as três primeiras mesas-redondas:
"Os trabalhos das três mesas-redondas sucessivas - que se afiguravam
cada vez mais como um Clube aos olhos dos Africanos - só diziam
respeito ao francês e só reuniam, no solo africano, linguistas do Norte".
Portanto, eis aqui os Africanos excluídos de um debate que concerne,
não somente ao francês e às línguas africanas, mas que tem lugar no
solo africano. Paradoxo significativo.
Os Africanos serão convidados para as mesas-redondas a partir da
IV- sessão, no momento em que a França constata, graças a inquéri-
tos, a diminuição do nível dos conhecimentos de francês nos alunos
africanos. A escola à francesa toma então consciência da necessidade
de um ensino das línguas africanas ao longo dos primeiros anos de es-
colaridade, a fim de preparar terreno para uma melhor aprendizagem
do francês. Deste modo, mais de um século posteriormente, a insti-
tuição escolar francesa aceita hipoteticamente a validade do método
pedagógico que Jean Dard tinha implementado a partir de 1817, em
Dakar: aprender o francês baseando-se nos conhecimentos adquiridos
da língua materna. Em todo o caso, mesmo que as línguas africanas
tivessem de ser ensinadas, esta instrução apenas teria um objectivo:
tornar os pequenos cérebros africanos disponíveis para melhor domi-
nar o francês.
Porém, podemos também demonstrar a intenção dominadora das
acções da AUPELF examinando os temas de investigação propostos à
margem destas famosas mesas-redondas, bem como os trabalhos re-
sultantes. Contentar-me-ei com o famoso projecto de elaboração de
um dicionário do francês da África, outro dos avatares do processo
glotofágico da escola linguística francesa. O projecto desenvolve-se
em três momentos: inventário das particularidades lexicais por país,
agregação dos inventários e concretização, no seio da equipa IFA, sob o
título: Inventaire des particularités lexicales du/rançais en Afrique noire
(paradoxo dos trabalhos intermédios e o título definitivo "francês da
África Negra" vs "francês na África Negra"), projecto de realização de
um Dictionnaire universel francophone. Os trabalhos da equipa IFA
(inventários regionais e resultado final).
Francês/línguas africanas: colonização linguística ontem e hoje, aqui e ali . Bernard Zongo 71
A 4.2 mesa-redonda que teve lugar em Dakar de 14 a 17 de Março de
1 9 7 9 acerca do tema: "Esclarecer a problemática da introdução das
línguas nacionais, quer na escola, quer na vida social" vê uma partici-
pação massiva dos linguistas africanos que começam a contestar a na-
tureza e os objectivos perseguidos pelas mesas-redondas. A 5.-, que
teve lugar em Yaoundé, em 1982, acerca do tema "Desenvolvimento de
uma reflexão sistemática acerca da utilização das línguas nacionais na
vida nacional", esteve perto de ser, segundo Kazadi, "a Mesa-Redonda
de ruptura, a da morte do pai". Com efeito, os linguistas africanos en-
contravam-se no dever de contestar a pertinência e a qualidade dos
trabalhos daqueles mesmo que tinham sido, alguns anos antes, os
seus orientadores de tese. Os linguistas africanos consideravam, justa-
mente, que estas mesas-redondas não consagravam nem espaço, nem
meios suficientes às línguas africanas.
Com perseverança e atrevimento, estes conseguiram obter a imple-
mentação de um programa intitulado PELA: Programa para o Ensino
das Línguas Africanas. Os linguistas franceses exigiram uma mudança
no conteúdo deste anacronismo, e passou-se de "Ensino das línguas
africanas" para "Ensino das línguas em África". Era já um sinal prenun-
ciador do fracasso de um tal projecto, que não parecia servir a causa
do francês. O objectivo assumido pelos linguistas e professores africa-
nos no PELA não correspondia às expectativas das instituições francó-
fonas e linguistas franceses, a saber: "levar os seus países à integração
total das línguas africanas, enquanto matéria e veículo de aprendiza-
gem, nos sistemas educativos". De forma totalmente desleal, aquando
do colóquio do CILF, Daniel Latin (responsável pela missão na AUPELF
- divisão regional de Dakar] afirmava "sete anos depois da criação do
PELA, os seus trabalhos nunca ultrapassaram o plano da reflexão
esclarecida acerca dos objectivos que o mesmo tinha fixado".
A verdade encontra-se noutro lado. Não somente este projecto tinha
atingido um nível de organização extremamente avançado: criação
de estruturas - DIDACT = didáctica das línguas nacionais, ANADIL =
Ateliês nacionais de didáctica das línguas, SIR = estágios inter-africanos
relativos para a formação de formadores em línguas africanas, TYPO
= tipologia permitindo elaborar uma grelha de avaliação dos manuais
escolares a partir das experiências didácticas levadas a cabo nos dife-
rentes países - mas, para além disso, os linguistas africanos tinham-no
inscrito numa filosofia geral: a reabilitação das línguas nacionais.
A verdadeira causa do fracasso do projecto PELA é esta, tal como
escreve Kazadi ( 1 9 9 1 : 163]:
Francês/línguas africanas: colonização linguística ontem e hoje, aqui e ali . Bernard Zongo 73
manifesto face às línguas africanas. Porém, confrontada com as reivin-
dicações dos defensores das línguas regionais francesas, esta política
vê-se forçada a desenvolver um compromisso que é nada mais do que
uma política do paradoxo. Como estigmatizar as línguas de imigração,
defendendo simultaneamente as línguas regionais, quando a consti-
tuição apenas reconhece o francês enquanto língua oficial e única da
nação? Analisaremos primeiramente a natureza das relações entre a
política linguística francesa e as línguas aficanas, antes de demonstrar
que a rejeição das línguas africanas passa igualmente por uma con-
cepção ideológica do bilinguismo francês/línguas africanas através do
relatório preliminar Bénisti.
2 . 1 . 1 . As línguas de i m i g r a ç ã o e m F r a n ç a
Francês/línguas africanas: colonização linguística ontem e hoje, aqui e ali . Bernard Zongo 75
do facto de, em França, a língua oficial ser o francês, o sentimento de
fidelidade para com a língua ancestral permanece forte na população
imigrada. Algumas investigações acerca da transmissão das línguas
ancestrais demonstram-no [De Heredia-Deprez, 1 9 7 6 ; Deprez, 1 9 9 4 ;
Leconte, 1 9 9 8 ; Akinci, 2 0 0 3 ) . Outros estudos parecem demonstrar o
contrário e falam em "erosão das línguas", quer regionais, quer mi-
grantes, e de "progressão do francês na transmissão familiar". Segundo
Calvet ( 1 9 9 4 : 257), o estudo realizado pelo INSEE e pelo INED em 1 9 9 2
dá a entender que "a unificação linguística da França prosseguirá de
modo contínuo apesar das numerosas línguas importadas pela imigra-
ção e dos movimentos de defesa das línguas regionais". Simon ( 1 9 9 7 ) ,
explorando os dados deste inquérito, inscreve-se na mesma óptica.
Esta cultura de exclusão linguística, confortada por aquilo que acaba
de ser referido e que alimenta a consciência colectiva linguística, terá
uma incidência sobre a legitimidade da estratificação etnolinguística
geral - em detrimento dos grupos etnolinguísticos minoritários - , bem
como sobre as normas de uso linguístico.
2 . 1 . 3 . A legitimidade da e s t r a t i f i c a ç ã o etnolinguística e n o r m a s
"(...) as regras linguísticas e as normas sociais podem ser vistas como limita-
ções que se exercem sob a forma e conteúdo da mensagem". Para além disso,
podemos ter por base o postulado de Ross (1979), segundo o qual "a relação
entre a língua e a identidade de grupo varia em função das múltiplas formas e
dos diferentes níveis de desenvolvimento dessa identidade" [citado por Hamers
e Blanc, 1983:212).
Este quadro global permite ter uma ideia daquilo que pode repre-
sentar um âmbito de troca informal tal como a rua, as lojas, as mer-
cearias, onde grupos de pessoas de pertença étnica se encontram e se
exprimem, de modo geral, na(s) sua(s) língua(s) étnica(s). De Heredia-
-Deprez ( 1 9 7 6 ) refere que os e s t r a n g e i r o s são i m e d i a t a m e n t e
Francês/línguas africanas: colonização linguística ontem e hoje, aqui e ali . Bernard Zongo 77
detectados, rotulados como "estrangeiros", certamente muito mais
pela sua língua, ou pelo modo como estes se expressam em francês, do
que pela cor da sua pele, e isto, por qualquer pessoa em contacto com
os trabalhadores imigrados ou com a sua família, no âmbito do trabalho,
da escola, ou por simples convivência num bairro, no autocarro, de
férias, ou em qualquer outro lugar Por conseguinte, um tal ambiente
afigura-se como um lugar de manifestação ideal de alguns aspectos
[utilização sistemática da língua étnica] da vitalidade etnolinguística
das diferentes comunidades linguísticas.
Mas este contexto ideal de liberdade de expressão das identidades
linguísticas não parece convir aos políticos franceses. Foi deste modo
que se chegou ã amálgama entre algumas populações consideradas
indesejáveis [os imigrantes africanos] e as suas línguas, consideradas
como geradoras de patologias, e por conseguinte de delinquência: é a
concepção à francesa do bilinguismo - pelo menos no que concerne os
poderes públicos.
Francês/línguas africanas: colonização linguística ontem e hoje, aqui e ali . Bernard Zongo 79
ainda existem crianças bilingues de origem africana em liberdade. A
vacina para lutar contra este gene da delinquência inoculado nas cri-
anças bilingues africanas desde a sua nascença existe. Os Senhores
parlamentares encontraram-no: as famílias de origem estrangeira
"deverão esforçar-se para falar o Francês nos seus lares para habituar
as crianças a ter apenas esta língua para se expressar" (p.9). Os vestí-
gios colonialistas estão apenas desvendados. Na época de Jean Dard
(1817), o antigo inspector-geral Charton justificava a supressão do
ensino bilingue francês-wolof no Senegal nos termos seguintes: "as
colónias da África Negra não possuem, tal como na Indochina ou em
Argel, uma língua de civilização, inspiradora de cultura e de educação"
(citado por Nacuzon Sali, 1996).
Esta obrigação para os pais de proibirem aos seus filhos o uso das
línguas de origem apresenta-se como uma obra de salubridade mental.
Com efeito, a criança bilingue é considerada como uma doente mental
que deve ser tratada: "Um contacto directo com o jovem deverá ser
instaurado a bem ou a mal com uma pessoa formada para este efeito,
por forma a tratá-lo ou dar-lhe a escolher um outro caminho que não
seja aquele que ela está a tomar" (p.8).
M. Bénisti, previdente, e os seus pseudo-linguistas parlamentares,
consideram a gestão destas crianças doentes desde tenra infância,
isto é, no momento em que se manifestam "as premícias de desvios"
(de 1 a 3 anos): "Acompanhamentos sanitários e medicais regulares
devem ser operados nas estruturas de guarda da pequena infância
para detectar e tomar conta, desde a idade mais tenra, aqueles que
manifestem perturbações comportamentais" (p.9).
Deverá entender-se, por perturbações comportamentais, a fase de
ajustamento que o bilingue opera a partir de um determinado estádio
de aprendizagem ou de aquisição bilingue ao dar a impressão de mis-
turar as duas línguas presentes. Efectivamente, trata-se simplesmente
de estratégias de linguagem e não de dificuldades de aprendizagem-
-aquisição. Acerca desta questão, permito-me reenviar o leitor para a
minha obra: Le parler ordinaire multilingue à Paris - ville et alternance
codique (L'Harmattan, 2004).
Quais serão os actores solicitados para pôr em prática esta política
de prevenção da delinquência? Todo um batalhão de pessoas: "priori-
tariamente, como é evidente, os pais mas também as equipas educa-
tivas, os profissionais sociais e medicais" (P.8). Cada um, no seu nível,
deverá velar pelo bom funcionamento do dispositivo através de comu-
nicações e de denúncias. Se, apesar dos esforços dos poderes públi-
cos para salvar estes doentes mentais que são as crianças bilingues, os
pais oferecerem resistência, outros meios mais coercivos serão con-
siderados por forma a levá-los à obediência:
Francês/línguas africanas: colonização linguística ontem e hoje, aqui e ali . Bernard Zongo 75
profissionais. Uma parte dos centros deverá incluir espaços de desin-
toxicação e de pós-tratamento para os jovens toxicómanos. Uma ver-
tente de formação para um trabalho manual deverá igualmente ser
considerada para preparar a saída deste último, bem como uma fase
de reintegração na sociedade com acompanhamento e submissão a
exame que deverá ser concretizada" (p. 12).
No seu todo, t o r n a - s e visível que a política linguística francesa,
perante as línguas de imigração, manifesta, em grande medida, mais
opções ideológicas glotofágicas, do que uma abordagem científica acer-
ca do modo de gestão da paisagem linguística. Caso contrário, como
compreender que neste ponto da investigação acerca do bilinguismo
e da bilingualidade, os parlamentares não tenham tido o reflexo de
solicitar o contributo de linguistas ou de sociolinguistas que, no en-
tanto, enchem as universidades francesas? Esta questão teria algum
valor caso a resposta que a mesma invoca não inscrevesse a política
linguística francesa numa continuidade ideológica: a dominação.
Conclusão
As relações entre o francês e as línguas africanas, desde sempre,
foram continuamente marcadas por uma estratégia glotofágica do
primeiro em detrimento das segundas. O período colonial permitiu
instalar os fundamentos de uma dominação linguística, cultural, e, por
conseguinte, mental, que nunca foi desmentida. Acreditou-se que as
independências anunciavam o fim do francês e, concomitantemente,
o desenvolvimento das línguas africanas ao serviço da educação e do
desenvolvimento. Foi uma ilusão. Dotadas de meios financeiros impor-
tantes, as instituições ditas francófonas permitiram à França continuar
a impor a sua língua em detrimento das línguas africanas. Em França,
tal como vimos, as línguas africanas são consideradas como geradoras
de patologias nas crianças bilingues. Este foi o alvo de ataque escolhido
por alguns parlamentares para desacreditar as línguas africanas, isto,
para prosseguir a obra de alienação cultural dos imigrantes africa-
nos. Todavia, a esperança permanece vigorosa, quer em África, com a
multiplicação, num certo número de países, de escolas bilingues, quer
em França, a acreditar na manifestação pela sociedade civil e alguns
universitários com a publicação do relatório Bénisti. Sendo qualquer
língua portadora de cultura, a sobrevivência das culturas africanas em
França está intrinsecamente ligada à transmissão no seio das famílias,
ou por via do ensino destas línguas. Por que motivo é que os Africanos
aceitariam que as línguas regionais sobrevivessem sobre as cinzas das
línguas africanas?
Introdução
Propomo-nos, aqui, fornecer uma visão geral da obra de Cheikh Anta
Diop. Depois de ter relembrado o contexto histórico e ideológico no
qual Cheikh Anta Diop levou a cabo as suas investigações, levantamos
alguns dos traços essenciais da sua obra histórica. De seguida, abor-
daremos a continuação desta obra, no âmbito da história e da egipto-
logia, para concluir na importância crucial dos trabalhos do intelectual
no processo de recuperação da África e de edificação de uma civiliza-
ção planetária.
*. Doutor em .ciências, co-editor da Revista Ankh, Revista de Egitpologia e das Civilizações afri-
canas.
1. Cf. Histoire Générale de l'Afrique; vol. Ill: UAfrique du V//® au Xi^ siècle e volume IV: VAfrique du
Xlie au XVie siècle, Paris, UNESCO/NEA, 1 9 9 0 , 1 9 8 5 .
2. De 1 8 5 4 a 1865, Louis Léon César Faidherbe ( 1 8 1 8 - 1 8 8 9 ) tinha sido afectado na Argélia e na
Guadalupe antes de ser enviado para o Senegal.
3. Histoire Générale de l'Afrique, Vol. VU, UAfríque sous ia domination coloniale, 1880-1935, Paris,
UNESCO/NEA, 1987.
4. Cf. J. E. Inikori in Histoire Générale de l'Afrique, "La Traite négrière du XV^ au XIX^ siècle".
Études et Documents 2, Paris, UNESCO, 1979, 1985, pp. 64-97 e Histoire Générale de l'Afrique,
vol. VII; L. M. Diop-Maes, Afrique noire: Démographie, sol et Histoire, Paris, Présence Africaine/
Khepera, 1995. 0 autor estabelece que a população da África subsaariana no século XVl situava-
-se na ordem dos 6 0 0 milhões de habitantes.
5. Cf. Louis Sala-Molins, Le Code Noire ou le calvaire de Canaan, Paris, Presses Universitaires de
France, 1987.
6. ]. E. Inikori in Histoire Générale de l'Afrique, "La Traite négrière du XV® au XIX^ siècle", Études et
Documents 2, Paris, UNESCO, 1 9 7 9 , 1 9 8 5 , pp. 64-97 e Histoire Générale de l'Afrique, vol. VII; L. M.
Diop-Maes, Afrique noire: Démographie, sol et Histoire, Paris, Présence Africaine/Khepera, 1995;
A, Hochschild, Les fantômes du roi Léopold - Un holocauste oublié, Paris, Belfond, 1998: Rosa
Amélia Plumelle-Uribe, La férocité blanche - Des non-blancs aux non-aryens, génocides occultés
de 1492 à nos jours, Paris, Albin Michel, 2001.
7. Cf. Daniel Noin, 1999, La population de l'Afrique subsaharienne, Edições da UNESCO, pp. 19-24.
8. Fanon, Franz, "Racisme et Culture" in /4ctes du 1 er Congrès International des Écrivains et Artistes
Noirs, Paris, Sorbonne, 19-22 de Setembro de 1956, Présence Africaine, n^^ especial, pp. 122-131;
0 projecto da Unesco; "La Route de l'esclave", lançado em 1994.
9. Cf Rosa Amélia Plumelle-Uribe, La férocité Manche - Des non-blancs aux non-aryens, génocides
occultés de 1492 à nos jours, Paris, Albin Michel, 2001.
10. Cf T. Obenga, Cheikh Anta Diop, Volney et le Sphinx, Paris, Présence Africaine/Khepera, 1996;
Les derniers remparts de l'Africanisme, Revue Présence Africaine, n.s 157, l.s semestre 1998, pp.
47 a 65.
11. Inclusive Léo Frobenius que descreveu as civilizações africanas, nomeadamente a do povo
lorubá do Benim, desenvolve, na sua obra Mythologie de lAtlantide, a tese da sua origem grega
(Paris, Payot, 1949, pp. 10-34, por exemplo}.
12. Ndoro, Webber, "Zimbabwe, cité africaine", in Pour la Science, n.^ 243, Janeiro de 1998,
pp. 74-79.
13. Fanon, Franz, "Racisme et Culture", in Actes du 1er Congrès International des Écrivains et
Artistes Noirs, Paris, Sorbonne, 19-22 de Setembro de 1956, Présence Africaine, n.^ especial,
pp. 122-131.
14. Toynbee, Arnold, L'Histoire-, Paris-Bruxelas, Elsevier Séquoia, 1978.
15. Diop, Cheikh Anta, Nations nègres et Culture-, Paris, Présence Africaine, 1954, 1979, p. 62.
... quando, tendo ido visitar a Esfinge, o seu aspecto me forneceu a palavra
do enigma. Ao observar esta cabeça caracteristicamente negra em todos os
seus traços, lembrava-me desta passagem notável de Heródoto, na qual este
afirma: No que me concerne, considero que os Cólquidas são uma colónia dos
Egípcios, porque, tal como eles, possuem uma tez negra e os cabelos crespos, o
que significa que os antigos Egípcios eram verdadeiros Negros da espécie de
todos os naturais da África [...] Que tema de meditação [...] pensar-se que esta
raça de homens negros, hoje nosso escravo e objecto do nosso desprezo é este
mesmo a quem devemos as nossas artes, as nossas ciências, até mesmo o uso
da palavra; imaginar, enfim, que foi no meio destes povos que se dizem mais
amigos da liberdade e da humanidade, que se sancionou a mais bárbara das
escravaturas e levantado a questão de saber se, de facto, os homens negros
possuem uma inteligência da mesma espécie que a dos homens brancosi
16. Figeac, Champollion, Égypte ancienne; Paris, ed. Didot, 1839, pp. 26-27; citado por Cheilíh
Anta Diop em Nations nègres et Culture, 4.^ edição, 1979, p. 69.
17. Volney, M. C. P., Voyage en Syrie et en Égypte pendant les années 1783,1784 &1785; vol. I, Paris,
1787, pp. 74-77.
18. Pascal Blanchard, Éric Deroo, Gilles Manceron, Le Paris Noir, Paris, Harzan, 2001.
19. Nicolas Bancel, Pascal Blanchard, Gilles Boetsch, Éric Deroo, Sandrine Lemaire (obra colec-
tiva). Zoos humains, de la Vénus hottentote auc reality shows, Paris, éditions La découverte, 2002.
20. Robin D. G. Kelly, Earl Lewis, A history of African Americans, Oxford, Nova lorque, Oxford Uni-
versity Press, 2000, p. 199-201, Molefi Kete Asante, Historical Atlas of African Americans, Nova
lorque, Macmillan Publishing Company, 1991, p. 71.
21. Lara, Oruno D., "La Traite négrière du XVe au XlXe siècle", in Histoire Générale de l'Afrique,
Études et Documents 2, Paris, UNESCO, 1979, 1985, pp. 1 1 1 - 1 2 4 e Histoire Générale de l'Afrique,
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22. Badinter, Élisabeth e Badinter, Robert, Condorcet- Un intellectuel en politique-, Paris, Fayard,
1998, pp. 171-175.
23. Cf. Stephen Jay Gould, La Mal-Mesure de IHorrtme, Paris, Ed. Odile Jacob, nova edição, 1997,
capítulo 1.
24. Césaire, Aimé, Discours sur le Colonialisme-, Paris, Présence Africaine, 1955, p. 10.
25. Obenga, Théophile, Cheikh Anta Diop, Volney et le Sphinx; Paris, Présence Africaine/Khepera,
1996, p. 359.
26. Obenga, Théophile, Cheikh Anta Diop, Volney et le Sphinx; Paris, Présence Africaine/Khepera,
1996; Liauzu, Claude, La société française face au racisme - De la Révolution à nos Jours; Paris,
Editions Complexe, 1999; Schnapper, Dominique e Allemand, Sylvain, Questionner le racisme;
Paris, Gallimard Education, 2000.
27. Diop, Cheil<h Anta, Nations nègres et Culture, op. cit., 4.^ edição, p. 49.
28. Vercoutter, Jean, L'Égypte et la Vallée du Nil; Paris, PUF, Nouvelle Clio - L'Histoire et ses
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29. Diop, Cheil<h Anta, Antériorité des civilisations nègres - Mythe ou vérité historique?; Paris,
Présence Africaine, 1 9 6 7 , 1 9 9 3 , p. 24.
34. Diop, Cheikh Anta, "Histoire primitive de 1'Humanité: Évolution du monde noir", Bulletin de
l'IFAN, T. XXIV, série B, n^ 3 - 4 , 1 9 6 2 , p. 449.
35. Barriel, Véronique - "L'origine génétique de l'iiomme moderne", in Dossier Pour la Science, Les
origines de l'humanité; Janeiro de 1999, pp. 92-98.
36. Diop, Cheikh Anta, "L'Apparition de l'Homo sapiens", in Bulletin de l'IFAN; T. XXXII, série B, n.-
3 , 1 9 7 0 , pp. 623-641.
37. Diop, Cheikh Anta, op. cit.
38. Diop, Cheikh Anta - Antériorité desc ivilisations nègres - mythe ou vérité historique?, op. cit.,
42. Diop, Cheikh Anta, Afrique noire précoloniale e Antiquité africaine par l'image, op. cit.
... os Etíopes*'^ afirmam que os Egícpios são uma das suas colônias que foi
levada para o Egipto por Osíris. Estes pretendem até que este país era apenas,
no início, um mar, mas que o Nilo, tendo arrastado muito limo da Etiópia,
tinha acabado por preenchê-lo, formando uma parte do continente..
46. Diop, CheikJi Anta, Antériorité des civilisations nègres - mythe ou vérité historique?; Paris,
Présence Africaine, 1967, p. 275.
47. Cf. Histoire générale de l'Afrique, Paris, Afrique/Stock/Unesco, 1980, pp. 795-823.
O professor Vercoutter declarou que, segundo ele, o Egipto era africano na sua
escrita, na sua cultura e na sua maneira de pensar O professor Leclant re-
conheceu esta mesma característica africana no temperamento e na maneira
de pensar dos Egípcios.
Este colóquio pode ser considerado como uma viragem que permitiu à egipto-
logia reconciliar-se com a África e reencontrar a sua fecundidade. [...] O diálo-
go científico no plano internacional está instaurado e podemos esperar que
o mesmo não seja rompido. Na sequência dos debates, alguns participantes
não deixaram de expressar a sua vontade no sentido de reorientar os seus
trabalhos voltados para a África, bem como de intensificar a sua colaboração
com os investigadores africanos.
Até ao início dos anos 1970, Cheikh Anta Diop prosseguiu, numa
completa solidão intelectual, as suas investigações acerca do paren-
tesco existente entre o antigo Egipto e o resto da África Negra inicia-
das há mais de vinte anos. Um veto opôs-se de modo implacável para
que continuasse a leccionar na Universidade de Dakar. Daqui resultam
duas consequências imediatas: a impossibilidade de orientar e de for-
mar jovens gerações de historiadores e egiptólogos africanos, e a de
proceder à renovação completa dos "Estudos africanos", quer a nível
do conteúdo de ensino (integração das antiguidades egipto-núbias,
etc.], quer no dos critérios de competência.
50. Obenga, Théophile, Cheikh Anta Diop, Volney et le Sphinx-, Paris, Présence Africaine/Khepera,
1996, cap. 2, pp. 27-44; "Um comentário acerca das reflexões de M. Luc Bouquiaux", Ankh,
4 / 5 , 1995-1996, pp. 317-346; "Les derniers remparts de lAfricanisme", Présence Africaine, n.^
157, semestre de 1998, pp. 47-65; Le sens de la lutte contre l'africanisme eurocentriste; Paris,
Khepera/L'Harmattan, 2001.
51. Antériorité des civilisations nègres - mythe ou vérité historique?, op. cit., p. 12.
52. Lam, A. M., De l'origine égypcienne des Peuls: Paris, Présence Africaine/Khepera, 1993, B. Sail,
Les racines éthiopiennes de l'Égypte ancienne; Paris, LHarmattan/Khepera, 1999.
53. Diop, Ciieil<h Anta, Antériorité des civilisations nègres - myhte ou vérité historique?, Paris,
Présence Africaine, p. 12.
54. Diop, Cheilcli Anta, "L'Unité d'origine de l'espèce humaine", in Actes du colloque d'Athènes:
Racisme science et pseudo-science; Paris, UNESCO, col. Actuel, 1982, pp. 137-141.
Introdução
Pode parecer surpreendente falar em semelhança entre a arte do
Egipto antigo e a da África Negra. Porém, são inúmeros os investi-
gadores egiptólogos que consideram que todos os aspectos da vida
cultural da África Negra remetem para o Egipto antigo. Segundo eles,
muitos dos traços da civilização egípcia antiga não podem, de facto, ser
compreendidos caso se desconheçam as características das culturas
da África Negra\ A arte africana e a arte egípcia não estão, deste modo,
tão longe uma da outra quanto se poderia crer; e, em muitos casos, tra-
ta-se de duas componentes de uma mesma realidade artística original
que o tempo e a história fragmentaram em duas entidades.
Na presente análise, examinaremos em primeiro lugar o estilo afri-
cano na sua relação com a arte egípcia; passaremos, de seguida, a uma
breve revisão do estado das investigações acerca das semelhanças en-
tre as duas formas de arte. E para acabar com qualquer malentendido,
demonstraremos, por fim, que esta semelhança poderia de facto ser
uma identidade. Por outras palavras, a existência de um mesmo es-
quema aqui e ali no mesmo contexto pode supor uma origem única.
Estado das investigações acerca das semelhanças entre a arte egipcia antiga e a da África negra . Babacar Mbaye Diop iii
mundo cultural médio-orlental. Em 1917, Apollinaire já tinha mostra-
do que as artes africanas possuem um "indubitável parentesco com
a estética egípcia da qual derivam". Léo Frobenius, em 1933, na sua
Histoire de Ia civilisation africaine, compara as características da arte
africana com as do Egipto e observa que a fórmula da África Negra
define a própria essência da civilização egípcia. O autor fornece as
características africanas nos termos seguintes:
... os tecidos têm um drapeado mais rígido, as jóias mais ricas são sóbrias, as
armas são simples e não se afastam da sua função [...], as esculturas possuem
Unhas ásperas e severas, [..f Tudo comporta um objectivo preciso, penetran-
te, austero, tectónico. [..f Eis o carácter do estilo africano, [..f Manifesta-se
nos gestos de todos os povos Negros, tanto quanto nas suas artes plásticas,
manifesta-se nas suas danças como nas suas máscaras, no seu sentido reli-
gioso como nos seus modos de existência, nas suas formas de Estado e nos seus
destinos dos povos. Vive nas suas fábulas, contos de fadas, nas suas lendas, nos
seus mitos. Dito isto, se compararmos estas características com as do Egipto,
não se torna evidente que a fórmula da África Negra define também a es-
sência desta civilização particular? Não se exprime o Egipto pré-islâmico de
igual modo, num estilo áspero, severo, reflectido, directo egrave? (p. 20-21J.
2. A este respeito, ver Marine Degli e IVlarie Mausze, Arts premiers. Le temps de Ia reconnaissance-,
Gallimard, 2000.
3. In Arts dAfrique Noire, n.s 123.
4. Classical african sculpture; Londres, 2.^ ed., 1964, pp. 51, 52, 53, 62 e 68.
5. A este respeito, ver P. A. Talbot, The peoples of southern Nigeria; Londres, 1926.
6. Africa and Africans; Garden City, Nova Iorque, 1964, pp. 81-82.
Estado das investigações acerca das semelhanças entre a arte egipcia antiga e a da África negra . Babacar Mbaye Diop iii
A arte do Egipto pré-dinástico a p r e s e n t a principalmente carac-
terísticas africanas. A dos períodos seguintes
7. WiJlet, Frank, LArt afrícain [1971]: trad, do inglês por Catherine Ter-Sarkissian, nova edição,
1994, p. 110.
8./bid., p. 112.
9. Descoberta em 1 8 9 8 pelo arqueólogo J. E. Quibell, a paleta de Narmer provém do templo de
Hieracômpolis, uma antiga cidade do Alto-Egipto que foi a capital dos primeiros faraós.
Os egiptólogos concordam em datá-la por volta de 3 1 5 0 antes da nossa era e é atribuída ao rei
pré-dinástico Narmer. É conservada pelo museu do Cairo.
10. "Les momies royales de Deir El-Bahari", Maspero, MMAF, L fascículo 4, 1889, p. 772, citado
por Aboubacry Moussa Lam em L'affaire des momies royales, Khepera/Présence Africaine, 2000.
Estado das investigações acerca das semelhanças entre a arte egipcia antiga e a da África negra . Babacar Mbaye Diop iii
Dogons. Estes eram muito próximos do némès egípcio (R. M. A. Bedaux,
1 9 8 0 , pp. 9 - 2 3 ) : podiam ser utilizados de modo diferente e apresenta-
vam até, talvez, múltiplas variedades [M. Griaule, Dieu d'eau). O némès
egípcio também não era uniforme; existiam inúmeras variedades. Este
arranjo com três extremidades fechadas {nemsa) é, de facto, aquela
que mais se aproxima do laara, ou do boné dogon, do mbaxana njuli
dos wolof, mesmo que tenhamos de reconhecer que aquele era muito
mais complexo do que estes últimos, com as suas dobras astuciosas e
o seu corte particular, de acordo com aquilo que nos é possível julgar
através das representações que chegaram até nós através dos monu-
mentos egípcios.
A maior parte dos reis de Ifé são representados ostentando um diade-
ma ornado no centro de um emblema análogo ao Uraeus egípcio. A
deusa iorubá, Odudua, representada por uma mulher amamentando
o seu filho, possui uma coroa real formando uma tiara alta de estilo
egípcio".
As semelhanças entre as coroas egípcias e africanas têm a ver tam-
bém com a cor dos penteados. O branco e o amarelo seriam ambos
simbólicos da realeza egípcia. Em África, também encontramos as
duas cores. No Benim, o vermelho e o branco são efectivamente as
cores da realeza.
Nos falantes fulas da região do Senegal, até um passado recente, os
chefes tradicionais de cantão ou de província, usavam por toucado
um penteado simples e alongado com um vermelho escarlate. Nos
vizinhos do Kayor, a coroa ancestral era "formada por um turbante
"ornado" de escarlate". Deste modo, t a m b é m aqui a presença do ver-
melho é incontestável. Nos Bambara, "o vermelho era outrora reser-
vado unicamente ao rei", segundo Dominique Zahan^^. Nos Dogons,
um objecto particular do Hogon que exprime a origem do seu poder
é o boné vermelho.
Em matéria de coroa, tal como se verifica, o simbolismo das cores
entre o Egipto antigo e a África Negra é o mesmo.
11. Cf. "Les couleurs chez les Bambara du Soudan Français", Notes Africaines, n.^" 3 , 1 9 5 1 .
12. Citado por A. Moussa Lam in Afrique-Histoire, n.^ 9, p. 53.
13. Cf. Histoire universelle de l'art; vol. III, p. 55.
Estado das investigações acerca das semelhanças entre a arte egipcia antiga e a da África negra . Babacar Mbaye Diop iii
nas mesmas condições e que possuem as mesmas funções que as duas
formas do mr egípcio.
A nossa análise das relações entre a arte africana e a arte egípcia ter-
mina aqui. Não nos é possível expor detalhadamente todos os objec-
tos semelhantes. As similitudes entre as duas formas de arte já foram
reveladas, e de modo mais desenvolvido, por vozes mais proeminentes
do que a nossa. Acrescentaremos apenas que a relação entre a arte
15. Cf. in Revue Générale de la Colonie belge, Bruxelas, 1923, figura 28.
Estado das investigações acerca das semelhanças entre a arte egipcia antiga e a da África negra . Babacar Mbaye Diop iii
africana e a arte egípcia não é uma relação de analogia e que as
semelhanças entre vários objectos não podem ser consequência de
um mero acaso. É este o motivo pelo qual propomos agora fornecer as
linhas directrizes para evitar os mal-entendidos que surgem da am-
biguidade dos conceitos de similitude e de analogia. O mais importante,
para nós, é de mostrar que esta semelhança resulta de uma identidade
comum. Um trabalho filosófico, muito mais detalhado do que o nosso
actual propósito, que definisse estes conceitos, seria metodologi-
camente útil nas relações entre a arte africana e a arte egípcia: este
permitiria demonstrar a profunda unidade cultural e artística entre o
Egipto antigo e a África Negra. Por outras palavras, tais investigações
em matéria artística alcançariam conclusões inteiramente renovadas,
relativas à natureza da arte africana e da arte egícpia. É a este trabalho
conceptual, que não é o do historiador nem do antropólogo, que convi-
damos os filósofos africanos.
Estado das investigações acerca das semelhanças entre a arte egipcia antiga e a da África negra . Babacar Mbaye Diop iii
A semelhança consiste numa relação entre dois elementos que per-
mite estabelecer um certo grau de identidade relativamente a uma ou
várias propriedades. Esta relação é obviamente reflexiva e simétrica,
porém, é possível contestar a sua transitividade e, por conseguinte, o
facto de se tratar de uma relação de equivalência. A proximidade entre
a arte egípcia antiga e a arte africana é uma identidade, uma vez que
a identidade designa a relação que dois ou vários objectos apresen-
tam entre si, e que possuem uma similitude perfeita. Do latim idem, o
mesmo, a identidade é aquilo que não difere em mais nada; que apre-
senta, com alguma coisa, uma perfeita semelhança. O ceptro egípcio é
idêntico ao bastão africano, porque ambos reúnem várias dimensões
que estão relacionadas; a permanência através do tempo, que aliás não
afasta a mudança, e a unicidade absoluta do objecto. Os gêmeos verda-
deiros são de facto dois, não apreendem exactamente a mesma coisa
no mesmo momento, são diferentes um do outro. A cabeceira egípcia é
idêntica ao apoio de cabeça africano no sentido em que mantêm entre
si uma relação de continuidade e de permanência, através da varia-
ção das suas condições de existência e dos seus estados, ou da relação
que faz com que estes dois objectos, diferentes sob múltiplos aspec-
tos, sejam no entanto semelhantes e mesmo equivalentes do ponto
de vista de tal relação. Deste modo, termos reconhecidos enquanto
distintos não podem ser designados de idênticos, sem que a relação
em causa, sob pena de se extinguir, jamais possa anular esta diferença
que a mesma articula no interior de uma linguagem. Resta mencio-
nar os dois aspectos que este sentido é susceptível de revestir, e que
se apreende melhor através de um exemplo: "Estes dois objectos são
idênticos", ou "temos o mesmo objecto", pode significar a identidade
material e a total contemporaneidade dos escultores ou do objecto, ou
ainda uma assimilação na distância que se baseia numa equivalência
qualitativa. Esta semelhança não pode, portanto, constituir uma ana-
logia. Quando dois objectos são parecidos, impõe-se uma identifica-
ção parcial ou total ao nosso espírito. Enquanto que numa analogia,
a relação de correspondência não se impõe de imediato; esta neces-
sita de uma reflexão ou de uma análise mais aprofundada. Ali mesmo
onde a identidade implica, assim, dois objectos de reflexão idênticos, a
analogia necessita de uma semelhança entre dois ou mais objectos de
reflexão essencialmente diferentes. Se admitirmos que foram as mes-
mas populações negras do Egipto antigo que povoaram toda a África
sul-saariana, não é de estranhar que objectos do Egipto antigo possam
ser encontrados na África Negra.
A semelhança extrema entre os objectos de arte egípcios e negro-
-africanos actuais, não deixa margem para qualquer dúvida acerca
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Babacar Salh
Introdução
A história é uma ciência e uma disciphna. Esta não se caracteriza
pelo seu objecto, método e campo de estudos ou de investigações. A
confusão entre estas duas categorias está, provavelmente, na origem
da falsa definição que reduz a História ao estudo do passado. Esta
definição parece-nos falsa porque o passado, enquanto noção, consiste
num julgamento de valor. Partamos da dicotomia clássica que dis-
tingue a história "em si" e a história "por si".
A história "em si" remete para o conjunto das vias e meios através dos
quais uma sociedade assegurou, através do tempo, a sua produção e
reprodução sociais. A história "por si" refere-se, por sua vez, ao estudo
das fases e dos modos através dos quais uma sociedade assegurou as
mesmas através do tempo. Desta distinção resulta que toda a sociedade
possui uma história "em si". A questão de poder estudar esta história,
de torná-la numa história "por si", coloca um problema de meios, de
técnicas de investigação, de mentalidade. Segundo esta perspectiva,
a história é uma ciência recente e distingue-se, em vários aspectos,
da narrativa que pode ser assimilada à forma primitiva do discurso
histórico. A outra questão que se coloca, então, consiste em saber se se
deve falar de história africana ou de história das sociedades africanas.
Preferimos falar em história das sociedades africanas, na medida em
que a expressão história africana nos parece corresponder ao estudo
das especificidades das sociedades africanas. Ora, do mesmo modo,
como não existe química africana, não poderia existir uma história
africana particular, mas História das sociedades aíricanas. Esta percepção
1. Generalidades e problemática
Poderei surpreender alguns, desde o início do nosso presente en-
contro, ao afirmar que continuamos sem saber de onde provém o
termo África. De entre as hipóteses introduzidas no primeiro volume
de VHistoire générale de VAfrique^, editado sob a égide da UNESCO,
nenhuma é objecto de acordo entre os Historiadores. É contudo aceite
que nos antigos textos gregos, o termo Lihuè/Libia designava, em alguns
dos seus usos, o continente que designamos hoje de África. Precisemos
de imediato que a história das sociedades africanas durante a An-
tiguidade resume-se essencialmente ao Vale do Nilo. Isto não repre-
senta um particularidade já que a história das sociedades europeias
do mesmo segmento temporal também se reduz à Grécia e a Roma, da
época micénica à queda de Roma. Mas poderíamos colocar a questão
de saber se existe uma antiguidade em África. Formulemos a questão
de outro modo. Será possível realizar uma análise histórica acerca do
período antigo em África? Segundo Cheikh Anta Diop, uma das razões
que o tinham levado a escrever Nations nègres et culture era a seguinte:
Enquanto que o europeu pode remontar o curso da sua história até à anti-
guidade greco-romana e às estepes eurasiáticas, o Africano que, através das
obras ocidentais, procura recuar no seu passado histórico, até à fundação do
Gana (século 111 a.C. ou século III). Para além disso, estas obras indicam-lhe
uma profunda obscuridade. O que faziam os seus antepassados no continente
desde a Pré-história?^
2. A documentação
A história, afirmava Mare Bloch, é a ciência dos vestígios. Actual-
mente, uma página da história antiga das sociedades africanas começa
4. Cf. William, B., "The Qostul incense burner and the case for a nubian origin of ancient egyptian
kingship", in Egypt in Africa; ed. Celenko, Th., Indianapolis museum of art, 1996, pp. 95-97; Id.,
"Forebears of Menes in Nubia", in /. N. E. S., 1987; Scott Macleod, "The Nile's other Kingdom", in
Time, Setembro de 1997.
5. Cf. Les sources grecques de l'histoire négro-africaine de Homère jusqu'à Strabon; 1972.
6. Cf. Berthelot, A., VAfrique centrale et occidentale; ce qu'en ont connu les anciens; 1926.
7. Cf. Urkunden des Alten Reiches; Obersetzung zu den Heftem 1-4 der Urkunden IV, 1 9 1 4 e 1984;
Urkunden der ägyptischen Altertums, IV, Urkunden der 18. Dynastie, Leipzig, 1930; Urkunden der
ägyptischen Altertums, VU, Urkundem des Mittleren Reiches, 1935.
3. Panorama
Voltemos a repetir Quando se fala da Antigüidade em África, os es-
píritos voltam-se em primeiro lugar para o Vale do Nilo. Aqui, foram
constituídos os Estados egípcio, cuchita e aksumita. O Egipto repre-
senta o conjunto das terras situadas no norte da primeira catarata e
que o Nilo inunda com as suas cheias. A sua emergência no final do quarto
milênio resultou de três revoluções. O Egipto, pouco antes de - 3 0 0 0 :
1) a unificação territorial e política. Isto traduziu-se por um en-
genhoso sistema hidráulico construído com diques de protecção, ca-
nais de irrigação e bacias de retenção das águas. Este sistema, para
além de permitir o domínio do rio, oferecia às populações estabeleci-
das na planície aluvial, a possibilidade de proceder a uma utilização
racional e judiciosa das potencialidades de que o Nilo era vector
12. Cf. Gabriel Camps, Les civilisations préhistoriques de l'Afrique du Nord et du Sahara, 1974.
13. Cf. As escavações de F. Wendorf da SIVIU de Dallas.
14. Cf. Cornevin M., L'archéologie africaine à la lumière des découvertes récentes, 1993.
15. Cf. Derchain Ph., "Ménès, le roi quelqu'un", in Rde 18,1966, pp. 31-36.
16. Cf. Gustave Lefebvre, Romans et contes égyptiens de l'époque pharaonique, 1976.
17. Leclant, J., "PerAfricae sitientia, témoignages des sources classiques sur les pistes menant à
l'oasis d'Ammon", in B. I. F. A. 0.
18. Leclant, J., "Les "empires" et l'impérialisme de l'Égypte pharaonique", in Duverger M., Le con-
cept d'empire, 1980.
19. Cf. Sall, B., "Herkouf et le pays de Yam", in ANKH, 4 / 5 , 1995-1996; Id., "Géopolitique de la
Nubie-soudan pré-koushite", in Mélanges d'archéologie, d'histoire et de littérature offerts au doyen
Oumar Kane, Dakar, P. U. D., 2000, pp. 47-60.
20. Cf Valbelle D., Les neufs arcs L'Égyptien et les étrangers, de la préhistoire à la conquête
d'Alexandre, 1990.
... o que ainda tenho para dizer acerca desta região [a África saariana, sahe-
liana, sudanesa, etc.] é que quatro raças a ocupam..., sendo duas destas raças
autóctones. Uns [os Líbios] habitando o Norte da Líbia, os outros [Etíopes], o
Sul, sendo os Fenícios e os Gregos emigrantes^^.
24. Cf. Quezell P. e Martinez G., "Le dernier inter-pluvial au Sahara central", in Libyca, 6-7, 1958;
Servant M., Séquences continentales et variations climatiques. Evolution du bassin du Tchad au
Cénozoïque supérieur, 0. R. S. T. 0. M./Paris VI, 1983.
25. Hugot, J., Préhistoire de l'Afrique, 1970.
26. Cf. Huard, R e Leclant, J., La culture des chasseurs du Nil et do Sahara, 1982.
27. Cf Roset J. P., "Céramique et Néolithisation en Afrique saharienne", in Guilaine J. editor, les
premiers paysans du monde. Naissance des agricultures; Paris, Errance, 2000, pp. 261-290.
28. Cf. entre outros autores, H. Breuii, H. Lhote, R. Mauny, etc.
29. Cf. Bell, B., "The dark ages in ancient history. I: the firste dark age in Egypt", in A / A., 7 5 , 1 9 7 1 ,
pp. 1-26.
30. "La Libye antique et ses relations avec l'Égypte", in Lexikon der Ägyptologie, L 1 , 1 9 7 2 , colunas
67-69.
31. Cf. Posener, G., "Die Achtungstexte", in Lexikon der Ägyptologie, 1,1,1972, colunas 67-69.
32. Cf. Blench R., "Connections between Egypt and subsaharan Africa: the evidence of cultivated
plants", in Davies W. V., Egypt and Africa: Nubia from Prehistory to Islam, 1993, pp. 54-56.
Conclusão
Por muito grandes que tenham sido os passos efectuados no estudo
e na compreensão da evolução das sociedades africanas no segmento
temporal designado por Antiguidade, estes são ainda insuficientes.
Primeiramente, pelo facto de imensas regiões ainda serem terra
incognita. Os historiadores africanos especializados na antiguidade
constituem apenas um frágil cenáculo. As suas condições de existên-
cia não somente os isolam, em certa medida, uns dos outros, mas fa-
zem também com que se encontrem ausentes de alguns encontros. Em
Africa, as políticas de investigação são quase inexistentes, sobretudo
A. Moussa Lam^
Introdução
As relações entre o Egipto antigo e a África Negra foram e continu-
am a ser um importante tema de debate no seio das escolas de egip-
tologia ocidental e de Dakar. A primeira dedicou-se antes de mais a
isolar a civilização egípcia antes de aceitar, por fim, voltar a colocá-la
no seu contexto africano; a segunda sempre defendeu a tese de uma
profunda unidade cultural e racial entre o Egipto e a África Negra.
Alguns factores novos, resultantes das investigações levadas a cabo
por egiptólogos negro-africanos (continente e diáspora] permitem
hoje confirmar a existência da unidade egipto-africana, cujo berço
mais fecundo é de facto o Egipto antigo. Este berço foi deslocado
apenas com o enfraquecimento e com a queda do poder faraônico,
dando assim origem a vagas migratórias em direcção ao interior do
continente.
No presente texto, apresentamos algumas das nossas decobertas
pessoais, entre as quais a exploração permite dar novos passos na di-
recção indicada, desde 1 9 5 4 , pelo grande Africano Cheikh Anta Diop.
1. 0 debate
Tal como relembrámos na introdução, as relações entre o Egipto
antigo e a África Negra fazem parte destas questões de egiptologia
mais entusiasticamente discutidas: um dos pais da egiptologia, Gaston
Maspero ( 1 8 4 6 - 1 9 1 6 ] , não hesitou em absolver os antigos Egípcios e
Egipto antigo e África negra: alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
torná-los em invasores provenientes do exterior da Áfrical Segundo
Claire Lalouette, estes eram mestiços de Africanos e de Semitas, mas
os últimos teriam sido dominantes e vindo da Ásia a partir do quarto
milênio^
Com Jean Leclant, o debate transpõe um passo muito importante.
Este autor reconhece, de facto, que para compreender culturalmente
o Egipto antigo, é necessário olhar para o lado das civilizações negro-
-africanas; mas atenção, existe uma coisa que não se deve perder de
vista: os antigos Egípcios não eram Negros, porque "os Egípcios da
época faraônica jamais se consideraram eles próprios como Negros";
daí, portanto, a necessidade de separar raça e civilização. Para Leclant,
as semelhanças entre o Egipto antigo e a África Negra forjaram-se no
Saara. Eis o motivo pelo qual o autor rejeita resolutamente a idéia de
migrações saídas do Egipto em direccção a outras partes do continente,
fazendo troça com um humor feroz da propensão dos Africanos negros
em procurar para si raízes egípcias a fim de rectificar alguns erros da
história colonial. É de acordo com esta perspectiva que o acadêmico
afirma que o facto de todo o mundo querer aproximar-se do Egipto con-
siste na prova da falta de seriedade das teses avançadas, isto porque,
no seu espírito, uma tal eventualidade nem sequer é possível. No que
concerne às aproximações lingüísticas avançadas pelos especialistas
africanos, o autor considera que se deve escolher o copta e não o an-
tigo egípcio, tendo em conta que o primeiro possui a vantagem de ser
vocalizado. Em suma, Leclant não quer ouvir falar de um berço nilótico
egipto-africano e menos ainda de migrações partindo do Egipto'^.
Maurizio Damiano-Appia foi aquele que teve a coragem de reconhecer
as manipulações feitas pelos seus a n t e c e s s o r e s em torno de uma
pretensa "Raça Dinástica" branca e mesopotâmica, a fim de excluir
os Africanos da gênese da civilização egípcia. Apesar disso, este con-
sidera que os Egípcios eram uma raça à parte, feita a partir de uma
"síntese mágica" implicando grupos provenientes dos quatro pontos
cardinais que se encontraram no Egipto. É este o motivo pelo qual o
autor rejeita aqueles que pretendem que os Egípcios eram Brancos
e os que afirmam que eram, pelo contrário, Negros. Damiano-Appia
afirma vigorosamente que "a diferença não dava lugar nem à crítica,
nem à discriminação. A diferença era ignorada e todos os cidadãos
2. Histoire ancienne des peuples de l'Orient, Paris, Hacliette, 1912, pp. 16-17; Les momies royales de
Deir el-Bahart, Mémoires de la Mission Archéologique Française, I, 4, Paris, E. Leroux, 1889; ver
também Lam A. M., L'affaire des momies royales, Paris, Présence Africaine, 2000.
3. Lalouette, C., L'art et la vie dans l'Égypte pharaonique; Paris, Fayard, 1992, pp. 13-14.
4. J. Leclant escreveu bastante acerca das relações entre o Egipto e o resto da África, porém,
dois textos poderiam resumir o seu ponto de vista: "Afrika", Lexiíion der Ägyptologie, I, 1, 1972 e
"Egypte pharaonique et Afrique", Institut de France, n.s 1 0 , 1 9 8 0 .
5. Ver L'Égypte ancienne. Dictionnaire encyclopédique de l'ancienne Egypte et des civilisations nu-
biennes, Paris, Grûnd, 1999, p. 107.
5. Ver, entre outras, L'Afrique noire précoloniale, Paris, Présence Africaine, 1 9 6 0 , 1 9 8 7 , p. 202; Les
fondements économiques et culturels d'un État fédéral d'Afrique noire, Paris, Présence Africaine,
1 9 6 0 , 1 9 7 4 , p. 12.
7. BIFAN, série B, T. XXXV, n.a 4 , 1 9 7 3 , pp. 769-792.
Egipto antigo e África negra: alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
2. A amostra
A amostra que escolhemos diz respeito a termos relativos às partes
do corpo, à água, à agricultura, ao anão, ao pigmeu, ao hipopótamo e
ao cavalo. Utilizámos, essencialmente, o An Egyptian Hieroglyphic Dic-
tionnary, de E. A. W. Budge para a parte egípcia; para a parte africana,
salvo indicação contrária, a língua escolhida foi o fula/fulfulde. Eis os
diferentes quadros:
AS PARTES DO CORPO
EGÍPCIO ANTIGO LÍNGUAS AFRICANAS
irt: olho; irt bint. 0 olho m a u -yiitere: olho [fula)
Copta: eiat; eiep boone: - yiiretee (irt): aquilo com 0 qual se
iC^ 0 olho m a u vê, isto é, 0 olho
-yiyata-. aquilo que vê
-yiitere bonnde-. 0 olho m a u
•Ç» hn face, rosto - hoore: cabeça (fula); opõe-se a
1 Copta: xo teppere: calcanhar
- xoox: caroço (de u m fruto) em wolof
- xoox-. cabeça em serer; nestas duas
línguas, 0 x pronuncia-se como 0
francês kh
\\ hry. que está por cima - huuri-. que cobre, que está por cima
<rr>i. i (fula)
- seebde: ser inteligente (fula);
1 í^ palavra por palavra: ser pontiagudo
Copta: sbte
wpw hr. excluir - woppu hoore-. excluir; palavra por
palavra: abandonar u m a cabeça; a
expressão fula hoore haa teppere-.
PI HsAw: leitefs]
- kose/koce: leites [fula]
0 0 0 Nnww
Mf^ffXi», / l
Egipto antigo e África negra: alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
AGRICULTURA
EGÍPCIO ANTIGO LÍNGUAS AFRICANAS
PIGMEU OU ANÃO?
EGÍPCIO ANTIGO LÍNGUAS AFRICANAS
nmw. anão, p i g m e u - ndaama-, atarracado [fula e vv^olof)
3. Novos factores
3.1. As partes do corpo
Egipto antigo e África negra: alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
negro-africanas; o copta pode, no máximo, servir de instrumento de
controlo.
Depois do olho, a série que gira em t o r n o da cabeça confirma a
profundidade e a subtileza das semelhanças entre o egípcio antigo e
as línguas negro-africanas:
Aqui, as línguas africanas (fula, wolof, serer] demonstram que o sen-
tido que os egiptólogos ocidentais atribuíram a hr [face, rosto) deve
ser completado por uma outra acepção: cabeça. De facto, o fula hoore
designa efectivamente o conjunto da cabeça e as expressões seeháe e
woppu hoore remetem indubitavelmente para a cabeça, uma vez que
a sede da inteligência é a cabeça e o cálculo dos indivíduos é feito por
cabeça. Os termos serer e wolof vêm confirmar que é efectivamente a
cabeça que está em causa, e o copta xo e o fula hoore mostram clara-
mente a todos os apoiantes da tese, segundo a qual é necessário passar
pelo copta para a vocalização dos hieróglifos, que aquela está longe de
ser confirmada através dos factos de que se dispõe.
3.2. A água
3.3. A agricultura
Egipto antigo e África negra: alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
antigos Egípcios e Oeste-Africanos terão incontestavelmente vivido
num mesmo meio-ambiente e partilhado o mesmo tipo de gestão do
espaço agrário. Tudo se organiza em torno da exploração agrícola de-
limitada depois da agrimensura {rmn/leemnu/leemari). A esta primei-
ra correspondência acrescem outras séries que giram em torno do
território de linhagem, bem como do senhor da terra. É sempre em
torno da ocupação do espaço que a sociedade se organiza. Deste modo,
o egípcio DAtt, "Estado", "domínnio", "propriedade fundiária", remete
para o fula jatti, "terra ocupada por longo prazo e valorizada", "feudo".
Para além disso, neste caso, a combinação desm e de t> demonstra
que nos encontramos muito provavelmente no Vale do Nilo e que o
grau de artificialização do meio é extremamente elevado. Os sím-
bolos m e ^ fornecem uma pista muito interessante em torno do
campo do Lébé (que tem 80 x 80 quadrados de um côvado] e da in-
venção da agricultura por Osíris (equivalente ao Lébé dos Egípcios].
Deste modo, aquilo que os egiptólogos ocidentais terão até aqui apre-
endido como uma estilização de canais de irrigação, poderia de facto
simbolizar o campo primordial, tal como nos Dogons"; o que levanta,
uma vez mais, a questão da tese da separação saariana dos Africanos
e dos Egípcios. Todos os factos supracitados, em conjunto, demonstram
claramente que o Vale do Nilo é incontornável, mesmo se alguns per-
sistem em contorná-lo de modo a escapar à inevitável conclusão: a de
uma unidade cultural e racial egipto-africana tendo por crisol o Vale
do Nilo. O mr egípcio, utensílio multifuncional mas antes de mais agrí-
cola, conduz ao fula rem- (cultivar), mas um outro paralelismo emerge
através de tonngu (amarrar, entravar), que, por sua vez, remete de
modo evidente para a técnica de fabrico da ferramenta^^. Aqui está
uma outra prova da profundidade do parentesco egitpo-africano.
11. Ver Griaule, M., Dieu d'eau. Entretiens avec Ogotemmêli, Paris, Fayard, 1966, p. 41; ver igual-
mente Griaule, M. e Dieterlen G., Le renard pâle, Paris Institut d'ethnologie, 1991, p. 501 e fig.
190, p. 502.
12. Ver Lam, A. M., "Un outil agricole à travers le temps et l'espace", in Le Sahara ou la vallée du
Nil?, Dakar, IFAN/Khepera, 1994, pp. 33-41.
13. Ver a exposição do debate em De l'origine égyptienne des Peuls, Paris, Présence Africaine,
1993, pp. 240-245.
14. Gîza V. Die Mastaba des 'Snb (Seneb) und die umliegenden Gräber, Wien, Akademie der Wis-
senschaften, 1941, p. 7.
15. "Pygmies and Dwarfs in Ancient Egypt", The Journal of Egyptian Archaeology, 2 4 , 1 9 3 8 , p. 185.
16. Lexikon, I, 1973, col. 340; porém, opta finalmente pelo pigmeu: l'Egypte et la vallée du Nil,
Paris, PUF, 1992, pp. 304, 334.
17. Sub verbo "Pygmées", p. 235, col. b e c .
18. II. Afrique ancienne, Paris Jeune Afrique/Unesco, 1980, 1984, p. 150.
19. Dawson, W. R., ibid.
20. Organisation sociale des Peuls, Étude d'ethnographie comparée, Paris, Pion, 1970, p. 371.
21. Ver pp. 244-246.
Egipto antigo e África negra: alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
domésticos e principalmente os bovídeos. Isto leva-nos forçosamente
a relembrar a função do anão nas cerimônias fúnebres do Ápis e os
títulos pastoris do anão Seneb^^. Se temos conhecimento que os pig-
meus nunca foram criadores, parece-nos difícil, nestas condições, es-
tabelecer uma relação entre o Kuumel dos Fulas e do dng com o Ápis
dos pigmeus, sobretudo sabendo que existiram anões com títulos pas-
toris. Dng e nmw remetem indubitavelmente, em vários casos, para
personagens dotadas de poderes mágico-religiosos, mesmo aceitando
que alguns dos seus congêneres fossem seres comuns. Em todo o caso,
em toda a África, a crença na existência de anões ou de pigmeus dota-
dos de poderes era um factor corrente^^ não excluindo a crença de que
existiam também anões e pigmeus comuns. Toda a dificuldade residia
na identificação sem erros das personagens.
Para concluir, a flutuação da terminologia consagrada pela língua
egípcia e as línguas negro-africanas estava muito provavelmente rela-
cionada com esta dificuldade. Neste sentido, o livro de Luc de Heush
intitulado Le roi de Kongo et les monstres sacrés^'^ é extremamente
interessante uma vez que confirma a flutuação da terminologia, mas
também a importância dos anões e dos pigmeus para os detentores
do poder.
27. Ver Ba A. H., Njeddo Dewat. Mère de Ia calamité. Conte initiatique peul, Abidjan, Les Nouvelles
Editions Africaines, 1985, p. 18; ver também Lam A. M., "L'origine des Peul: les principales thèses
confrontées aux traditions africaines et à régyptologie",/ln/i/!, n.°sl2/13, 2003-2004, pp. 100-101.
28. Ba A. H., ibid., notas anexas, n^ 6, p. 141-142.
29. Ver Dubois, F., Tombouctou la mystérieuse, Paris, Flammarion, 1897, p. 108.
30. Kamissoko, W., in colóquio de Bamako, p. 33.
Egipto antigo e Áfricanegra:alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
fundadores do Uagadu; é o que demonstram claramente as tradições
de Yerere, bem como a que foi facultada a Oumar Kane por Sammba
Jali Jabaate, tradicionalista da aldeia senegalesa de Sooriingo^^ No en-
tanto, torna-se forçoso reconhecer que é o Waalo-waalo Yoro BooU Jaw
que fornece a contribuição mais notável acerca da questão de saber se
Egípcios e Africanos se separaram no Saara: "i4s seis migrações prove-
nientes do Egipto às quais a Senegâmbia deve o seu povoamento^^" não
deixam qualquer dúvida acerca do local da separação.
Se praticamente todos os Negros da África afirmam ser provenien-
tes do Egipto, o que poderiam ser os Egípcios a não ser Negros? Aqui
também os factos demonstram que os Egípcios sempre se considera-
ram como Negros e foram considerados enquanto tal pelos seus con-
temporâneos: e M r f ! e f , que remete para os Negros do Egipto o
seu habitat, bem como a reconhecida tabela das raças do túmulo de
Ramsés 111, não deixam margem para dúvidas acerca do facto de os
Egípcios se considerarem como Negros.
O testemunho de Heródoto, que afirmou que aqueles tinham a pele
negra e os cabelos crespos^^ bem como o de Diodoro da Sicília, que os
tornou numa colônia de Etíopes que se foi instalar no Egipto^^ con-
firmam a sua pertença à raça negra. Porém, aqui também é a desven-
tura do antepassado dos Soninquês que nos mostra que os Egípcios
da Época Baixa, apesar da sua mestiçagem, salientavam ainda a sua
negritude. Com efeito, a tradição soninquês mostra-nos que os descen-
dentes de Dinna não podiam tornar-se chefes em Assuão, pelo facto
de serem mestiçados. Subentende-se o destino pouco invejável dos
Brancos. Aqueles que ousaram afirmar que os Egípcios eram Brancos
devem, certamente, sofrer secretamente a derrota!!!
Conclusão
Os poucos factos aqui apresentados demonstram que não é de modo
algum necessário lançar-se numa argumentação complexa para de-
sempatar os protagonistas do debate em torno das relações egipto-
-africanas. No plano estritamente científico, as tradições africanas,
pela sua relação decisiva, permitem actualmente encerrar o debate e
classificar melhor a civilização egípcia; porém, não somos ingênuos ao
31. Kane, O., Le Fuuta-Tooro des Satígi aux Almaami, tese para o Doutoramento em Letras, Dakar,
1986, T. III, pp. 962-971.
32. In Delafosse M. e Caden H., Chroniques du Foûta sénégalais, Paris, E. Leroux, 1913, pp. 123-
131.
33. Heródoto, Histoires, II, 104.
34. Diodoro da Sicilia, Bibhothèque Historique, III, 3, 3.
Egipto antigo e África negra: alguns factores novos que esclarecem as suas relações . A. Moussa Lam 143
"Afrocentricidade":
polêmica em torno de um conceito
Doudou Dieng^
... a existência será tão fácil no Vale do Nilo, verdadeiro fluxo de vida entre
dois desertos, que o Egípcio terá tendência a acreditar que os benefícios da
natureza lhe caem do céu. Para além disso, aquele acabará por idolatrar este
sob a forma de um Ser, Criador todo-poderoso de tudo o que existe e distri-
buidor de bens. O seu materialismo primitivo - isto é, o seu vitalismo - será
doravante um materialismo transposto para o céu, um materialismo, se é que
se pode dizer, metafísico (p. 396).
Referências Bibliográficas
Diop, C. A. (1979). Nations nègres et culture (1954). Paris, Présence Africaine.
Diop, C. A. (1981). Civilisations ou barbarie. Anthropologie sans complaisance. Paris:
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Hountondji, P. (1977). Sur la philosophie Africaine, critique de l'ethnophilosophie.
Paris: Maspero.
Obenga, T. (1990). La philosophie africaine de la période pharaonique. Paris: Éditions
L'Harmattan.
Obenga, T. (2001). Le sens de la lutte contre l'africanisme eurocentriste. Paris: L'Harmattan.
Towa, M. (1979). L'idée d'une philosophie négro-africaine. Yaoundé: Éditions CLE.
Towa, M. (1971). Essai sur la problématique philosophique dans l'Afrique actuelle.
Yaoundé: Éditions CLE.
Introdução
Na citação prévia, retirada da introdução da sua obra Les fondements
économiques et culturels d'un état fédéral d'Afrique noire, é corn conhe-
cimento de causa que Cheikh Anta Diop nos convida a aprofundar o
nosso conhecimento das sociedades africanas sob todos os seus as-
pectos, a fim de alcançar conclusões justas e pertinentes. Com efeito,
qualquer pessoa imprudente, pode ser desfavoravelmente atraiçoada
acerca destes temas, em particular no que concerne as ciências e téc-
nicas na África Negra.
A este respeito, na introdução do seu artigo "L'observation de l'étoile
Sirius par les Dogons", publicado nos 10/11 da revista Ankh,
o astrofísico Jean-marc Bonnet-Bidaud do serviço de astrofísica do
comissariado para a energia atómica (CEA] de Saclay chama a nossa
atenção nos seguintes termos:
*. Doutor em ciências.
1. Diop, Clieilíh Anta, Les fondements économiques et culturels d'un état fédéral d'Afrique noire;
Paris, Présence Africaine, 1974, p. 5.
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 167
Cientificamente, a África é deserto. Ao consultar as melhores obras de história
das ciências, em lado nenhum encontrareis referências a um científico afri-
cano, a uma descoberta, ou simplesmente a um feito científico africano.
Isto faz parte da cegueira constante da Europa ocidental, com os seus saté-
lites culturais do continente norte-americano, e da sua obstinação em negar
qualquer outro contributo científico que não seja proveniente da cultura
clássica grega. Esquecendo de passagem partes inteiras de conhecimentos,
o da Ásia, da América latina ou reapropriando-se deles de modo descarado
(tal como a imprensa inventada na China por Bi Sheng em 1050 reaparece
atribuída a Gutenberg no século XV, e é deste modo que ainda hoje se ensina
a história desta descoberta fundamental). A história científica do mundo é
assim reescrita à custa de uma mentira cultural constante. Para a África, os
poucos textos ou fragmentos arqueológicos revelados tornaram ainda mais
difícU esta falsificação.
Só trabalhos pluridisciplinares de vanguarda, tais como o de Cheikh Anta Diop
(análogo ã enorme tarefa realizada por Joseph Needham para a China) é que
contribuíram para retirar o continente africano do esquecimento científico.
2. Missão "Étude du système de pensée et des connaissances astronomiques des Dogons" consti-
tuída por Jean-Marc Bonnet-Bidaud, os etnólogos Germaine Dieterlen e Jean Rouch, o realizador
Jérôme Blumberg, os informadores dogons Diamguno Dolo, Anagali Dolo, Pangalé Dolo e Ibrahim
Guindo.
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 169
explicações suplementares. De seguida, trata-se portanto, para mim,
de restabelecer algumas verdades e, de igual modo, procurar mostrar
onde se encontra o fundo cultural africano. Acerca deste último ponto,
podemos notar que, de um modo geral, o Africano não manifesta um
grande embaraço em reconhecer o contributo que lhe provém do
exterior. Trata-se, sobretudo, de um enriquecimento para ele e este
orgulha-se em mostrá-lo.
Porém, nem sempre é o caso dos ocidentais que têm sobretudo
tendência a ocultar os contributos que lhes chegam de fora. Todavia,
podemos também notar que depois de inúmeros tumultos, a nível
humano, os pontos de vista de uns e de outros devem sempre acabar
por convergir para que, finalmente, a paz se instale entre os povos.
Portanto, restabelecer estas verdades representa um contributo para
a identidade africana, quer seja a do continente ou a da diáspora e,
neste sentido, acredito que também seja uma contribuição ao nível da
historiografia mundial. Isto porque a humanidade, é necessário não
esquecer, é apenas uma.
7. Cf. Michel Brunei, Franck Guy, David Pilbeam, Hassane Taisso Mackaye, Andossa Likius, Djim-
doumalbaye Ahounta etal, (2002}, Nature, 418, pp. 145-151. Patrick Vignaud, Philippe Duringer,
Hassane Taisso Mackaye, Andossa Likius et al, (2002}, Nature, 418, pp. 152-155. Link para a
fotografia do crâneo de Toumai (Bernard Wood, 2002, Nature 418, pp. 133-135}.
http://www.nature.com/nature/journal/v418/n6894/fig_tab/418133a_Fl.html.
8. Cf. Ian McDougall, Francis H. Brown e John G. Fleagle, Stratigraphic placement and age of modern
humans from Kibish, Ethiopia, 2005, Nature 433, pp. 733-736.
http://ma.prehistoire.free.fr/omo_l.htm.
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 171
não se lhes administra, desde a idade de dois até aos dezoito meses,
uma dose suficiente de vitamina D. Portanto, o factor humano é afri-
cano à partida.
Não existe qualquer conotação nacionalista ao afirmar isto, e é um acaso
que a Áírica seja o único berço da humanidade. Porém, graças a esta ori-
gem monogenética, os homens estão todos unidos quaisquer que sejam
as suas origens actuais. Podemos, igualmente, salientar que o continente
africano ocupa uma posição particular no plano geográfico. De facto,
devido à imensidão do Oceano Pacífico, o melhor modo de apresentar os
continentes num mapa, de modo a que ocupem a maior superfície
possível em detrimento dos oceanos, consiste em colocar a África no
centro do mapa (cf o mapa do mundo nas informações televisivas].
É também um factor geofísico porque, quando se pretende reconsti-
tuir o super continente denominado Gondwana composto pela Aus-
trália, pela índia, pela Arábia, pela América do Sul, pela África e pelo
Antárctico (até mesmo, numa determinada época, a Flórida e uma par-
te do sudoeste da Europa] e tendo existido há seiscentos e cinqüenta
milhões de anos - a cento e trinta milhões de anos disto - alcança-se
o resultado através dos estudos do paleomagnetismo e graças ao facto
de a África não se ter movimentado muito durante todo este período.
9. Cf. T. Obenga, "Africa, the craddle of writing, 1999-2000,4fi/i/i, n.o^ 8 / 9 , pp. 86-95.
10. Dreyer, Günter, "Recent Discoveries at Abydos Cemetery U", in Edwin C. M. van den Brinlc (edi-
tor], The Nile Delta in Transition: 4th-3rd miilenium B.C., The Israel Exploration Society, tel Aviv,
1992, pp. 293-299.
http://wviiw.dainst.org/index_51_en.html.
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 173
subtileza do espírito que consiste em significar, através de um símbo-
lo, precisamente o zero, ali onde seríamos tentados a deixar um vazio
devido ao ausência do objecto de discussão. Ao invés de afirmar que
não existe nada, diz-se que existe zero. Deste modo, torna-se o nada
em alguma coisa de muito mais operacional (em francês, um nada sig-
nifica alguma coisa). Enunciado desta maneira, o procedimento parece
miraculoso.
Todavia, se perguntarmos aos índios a quando remonta a invenção
do zero {shunya em sânscrito, significando nya "o vazio"), a data não
irá para além do quinto século antes da nossa era. Com efeito, o zero
é uma invenção africana conhecida no Egipto antigo sob a designa-
ção de neferou (literalmente "a beleza" ou ainda "a ausência de alguma
coisa") desde, pelo menos, o segundo milénio antes da nossa era. Não
somente os antigos Egípcios possuíam um símbolo para o zero, tal
como surge claramente no papiro Boulaq a propósito de contas de um
templo", mas também conheciam o zero sob todas as formas da sua
utilização para além do uso do símbolo (o hieróglifo néfèr, o mesmo
que surge nos nomes Néfèrtari ou Néfèrtiti) para anotá-lo". Em arqui-
tectura, orientavam-se através de inscrições com o nível zero (èm tèp
èn néféroú), o nível acima do zero {hèr néférou) e o nível abaixo (khèr
néféroú).
Num levantamento do muro da pirâmide de Menkauré antigo Im-
pério, 2 6 0 0 antes da era cristã) apresentado por G. Reisner em 1 9 3 1 " ,
lê-se o quinto e o sexto nível abaixo do zero, respectivamente cinco
côvados reais abaixo de zero [méhé sérésou khèr néférou).
Sendo o côvado real [méhé) a unidade de medida, as medidas
precedentes têm por valores respectivos menos 5 (ou seja, -5 em
anotação simbólica) e menos seis (ou seja, -6, em anotação simbólica).
O zero, pensado desta forma como nível de referência, dá directamente
acesso ao cálculo algébrico com os números positivos e negativos. Por
conseguinte, mesmo a invenção dos números relativos é atribuível
aos antigos Egípcios. Com efeito, quando se atribui uma determinada
quantidade acima de zero, esta corresponde àquilo que se designa de
11. Lumpkin, B., "Mathematics Used in Egyptian Construction and Bookkeeping", in The Mathemati-
cal Intelligencer, voL 24, n^ 2, 2002, 20-25.
12. Scharff, A., Ein Rechnungsbuch des Königlichen Hofes aus der 13. Dynastie [Papyrus Boulaq Nr
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13. Arnold, D.„ Building in Egypt, Pharaonic Stone Masonry; Nova lorque, Oxford University Press,
1991, p.l7; Reisner, George A., Mycerinus, the Temples of the Third Pyramid at Giza; Cambridge, Har-
vard University Press, 1931, pp. 76-77. Lumpkin, B., "Mathematics Used in Egyptian Construction
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be-af-ma-pdf.
14. Cf. ). P. Mbelek, "Le déchiffrement de l'os d'Isahango", in Ankh, n."^ 12-13, 2 0 0 3 - 2 0 0 4 , pp. 118-
-137: http://www.math.buffalo.edu/mad/Ancient-Africa/ishango.html.
15. pp. 108-117.
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 175
tendo em conta aquilo que foi dito anteriormente, o número "1" forma
a ponta de um harpão e o hieróglifo do harpão, intervém na escrita de
"um" em egípcio antigo. Por último, a decifração do osso de Ishango
mostra que a África está na origem da invenção das artes matemáticas.
Esta herança do passado antigo da África equatorial no Egipto, Aristóteles
vem confirmá-lo quando refere "também o Egipto foi considerado
enquanto berço das artes matemáticas".
16. Les civilisations de l'Afrique, texto de Henri Moniot e ilustrações de Christian Mander, Caster-
man, 1987; cf. o primeiro e segundo mapas da obra: ao comparar os mapas da segunda página da
capa (tamanho e multiplicidade de reinos africanos nos séculos XVI-XVIII] e da página seguinte
(tamanho e multiplicidade dos reinos africanos nos séculos XVI-XVIII), reparamos que os grandes
reinos iniciais se fragmentaram dando origem a inúmeros pequenos reinados de tamanho muito
mais reduzido. Com efeito, desde o século XV, o tráfico de escravos europeu assola toda a África
Negra destruindo e desestruturando todos os estados e sociedades negro-africanos.
17. Sertima, Ivan Van (editor). Blacks in Science ancient and modem, Transaction Books, New
Brunswick e Londres, 1991. Charles S. Finch 111, The Star of Deep Beginnings, the genesis ofafrican
science and technology, Khenty Inc, 1998.
18. Les civilisations de l'Afrique, texto de Henri Moniot e ilustração de Christian Maucler, Casterman,
1987, pp. 28-29.
19. Cf. as fotos da placa 1 7 , 1 8 e 19 inseridas entre as páginas 140-141 da referência [11].
20. Bonnet-Bidaud, Jean-Marc, "L'observation de l'étoile Sirius par les Dogons", in Ankh, n.o^ 10-11,
2002, pp. 144-163.
21. Sertima, Ivan Van (editor), Blacks in Science ancient and modem; Transaction Boolis, New
Brunswick e Londres, 1991. Antoine, Yves, Inventeurs et savants noirs; L'Harmattan, Paris, 2004.
22. Zaslavsky, Claudia, UAfrique compte' Nombres, formes et démarches danas la culture africaine;
Éditions du hoix, Argenteuil, 1995, cap. 12, pp. 137-151 e cap. 25, pp. 273-279.
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 177
3) Alguns inventores afro-americanos célebres do século XIX e do
início do século XX: Garrett Augustus iVlorgan^^ o inventor dos produ-
tos para alisar o cabelo (1909), da máscara de gás^'* ( 1 9 1 2 ) e do
s e m á f o r o " ( 1 9 2 3 ) vendido à General Electric Company por 4 0
000$ americanos da época^^ ou seja, cerca de 4 0 0 000$ americanos
actuais^^. Granville T. Woods^®, um dos maiores inventores da sua
época, detentor de mais de uma centena de diplomas de invenção,
inventor do sistema eléctrico do trolley bus^'^ ( 1 8 8 7 ) e, sobretudo, do
terceiro carríF" (patenteado em 1 9 0 1 e vendido à General Electric
Company no mesmo ano) ainda em uso actualmente em todos os
metros do mundo. É o primeiro a apresentar as melhorias necessárias
ao telefone primitivo de Graham Bell (ou daquele que seria o seu
verdadeiro inventor, Antonio Meucci) resolvendo os problemas de
adaptação das impedâncias acústicas e eléctricas (transmissão sem
distorção do som das vibrações do ar provocadas pela palavra em
corrente eléctrica e reciprocamente, com o máximo de potência) e in-
ventando o multiplexagem^^ ( 1 8 8 7 ) . O aperfeiçoamento do telefone,
que baptizou de telegrafonia^^, não somente permitia transmitir os
sons de modo claramente audível entre postos imóveis, mas também
entre postos móveis e imóveis (este diploma foi comprado pela com-
panhia Bell). Para além disso, isto permitia também a transmissão
das imagens. Granville T. Woods é um inventor de génio. Woods, que
alguns baptizaram o "Edison negro" (porém, teriam ousado bapti-
zar também Edison de "Woods branco"?), venceu por duas vezes
perante os tribunais contrar Edison que tinha tentado contestar a
23. Nascido a 4 de Março de 1877 em Paris (Kentucky) - falecido a 27 de Julho de 1963 em Cleve-
land (Ohio}. Ver J. P. Mbelek, Garrett Morgan, un grand inventeur du XXème siècle [1999-20Q0y, Ankh,
n.s 12-13, pp. 188-205. Le génie inventif, Ed. Time Life, Amesterdâo, 1991 [adaptação francesa de
Inventive Genius, Time-Life Books B. V., 1991, p. 40.
24. Patenteado em 1914, diploma US 1 1 1 3 675.
25. Diploma US 1 4 7 5 024.
26. Kathy L. Hendershot, Jennifer Ross-Tyler e Beverly M. Gordon, A Study of African-American
Inventors 1754-1950; 1998. http://www.coe.ohiostate.edu/beverlygordon/gordon/courses/B63/
henross.html.
27. http://www.swissamerica.com/article.php?=ll-2004/200411150247f.txt
http://cafehayek.typepad.eom/hayek/2004/08.
28. Nascido a 23 de Abril de 1 8 5 6 em Colombus [Ohio] - falecido a 30 de Janeiro de 1910, ver
J. P. Mbelek, Garrett Morgan, un grand inventeur du XXème siècle, 1999-2000, Ankh, n® 12-13,
pp. 188-205. Science illustrée, n.2 9, Setembro de 1996 [8.e ano), p. 61.
http://web.mit.edu/invent/iow/woods.html
http://www.inventions.org/culture/african/gtwoods.html
http:/www.heartlandscience.org/energy/pdf/energy.pdf
http://www.columbusinfobase.org/RickWoods/Brochure%20RW.pdf
29. Diploma US 385 034.
30. Diploma US 667 110.
31. Diploma US 373 383.
32. Diploma US 315 368.
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 179
Bessie Virginia Blount [nome de casada, Griffin), terapeuta em me-
dicina física que inventou um dispositivo que permite aos amputa-
dos alimentarem-se sozinhos^' [não tendo encontrado apoio junto
da administração dos veteranos U. S., cedeu a sua patente ao governo
francês em 1952; "uma mulher negra pode inventar qualquer coisa
em benefício da humanidade", afirma esta), e hoje da oftalmologis-
ta Patricia E. Barth, inventora do laser phaco [a raiz grega "phaco"
significa cristalino) em 1988'*°. Note-se que terá sido necessário,
em 1858, a emergência de uma lei cruel, proveniente de um certo
Jeremiah Sullivan Black para proibir os negros de registar patentes
por invenção''^ Ainda hoje, os Africanos contribuem para a paleon-
tologia humana''^: existem especialistas quenianos, entre os quais
Kamoya Kimeu, Peter Nzube e Bernard Ngeneo, e etíopes, entre os
quais Yohannes Haile-Selassie, Gen Suwa e A. Amzaye, todos eles
investigadores e descobridores de fósseis de renome internacional.
Do mesmo modo, o descobridor [descoberta publicada em 2 0 0 1 ) de
Toumai, Ahounta Djimdoumalbaye, então estudante e actual doutor
em ciências, bem como o descobridor do homo sapiens idaltu, o pro-
fessor Berhane Asfaw [descoberta publicada em 2 0 0 3 ) .
4) Prémios Nobel e prémio Nobel alternativo: São, sobretudo, bons
exemplos para os jovens que deveriam orientar-se para as ciências
que são extremamente úteis para a humanidade, não sendo nenhu-
ma ciência por essência estranha à África, tal como salientámos mais
acima.
a) Sir William Arthur Lewis [nobilitado pela rainha de Inglaterra),
prémio Nobel da economia, em 1979'^^.
b) Alfred Day Hershey, prémio Nobel de fisiologia e medicina, em
1969, para a compreensão da duplicação dos vírus e a estrutura dos
seus códigos''^. A experiência que levou a cabo em 1952 com a sua
45. http://chora.virtualave.net/lema4.htm,
http://www.akilulemma.com/11632.html?*session*id*key*=session*id*val*
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 181
6.2. A divisão egípcia
6.3. A demonstração
A história das ciências e das técnicas na África negra . Jean-Paul Mbelelc 183
Contributo das cosmogonias dogon
para a problemática da "origem" da
civilização: a necessidade do trágico
no seio da divindade
Cheikh Moctar Bâ'
Introdução
o homem sempre colocou a questão de saber qual a origem da civili-
zação e de que modo se foi progressivamente diferenciando dos outros
seres. Partindo da idéia que existe uma fase cosmogónica da existência
marcada pelo predomínio da divindade, propomo-nos aqui verificar
de que modo ê que os Dogons conseguem justificar a origem da civili-
zação através da tragédia. A análise da cosmogonia Dogon revela a pre-
sença do trágico no seio da divindade. Deste modo, trata-se de partir de
uma abordagem da situação cosmogónica, na qual a revolta de Ogo teve
lugar, a fim de analisar o sentido trágico da idéia de "roubo" e acabar por
conceber a justificação da emergência trágica da civilização.
Contributo das cosmogonias dogon para a problemática da "origem" da civilização . Ci^eikh Moctar Bà 185
Porém, sendo estes Nommo constituídos por um princípio mascu-
lino, Amma decide criar gêmeas para eles, de modo a favorecer a
multiplicação dos seres. Assim fará, tal como previsto, para os três
primeiros Nommos, cada um na sua vez e seguindo a ordem da sua
criação. Tendo os três primeiros visto a sua gêmea, Amma dedica-se
à criação da futura gêmea de Ogo. No entanto, este está impaciente
e receia não ver a sua. Não conseguindo agüentar mais a sua solidão,
torna-se ciumento. Cansado de esperar pela conclusão do processo de
criação da sua gêmea, Ogo revolta-se contra o criador e perturba ime-
diatamente toda a obra de Amma; daí o advento do trágico enquanto
ruptura e separação, querela no seio da divindade.
Ogo revolta-se contra Amma. A sua angústia e a sua ansiedade
fazem com que não possa esperar a duração de "60 períodos" previs-
tos por Amma para a criação dos gêmeos dos nommo anagonno. Por
conseguinte, salientam Griaule e Dieterlen, "considerando-se priva-
do, este "irritava" Amma mostrando-se irrequieto"^. Todavia, Amma,
tem como que um pressentimento desta situação de revolta que pre-
tende evitar e procura reconfortar Ogo dizendo-lhe "que receberia a
sua gêmea no momento do seu nascimento, da sua retirada do seio"l
Porém, isto não é recebido de modo favorável, porque "Ogo não acredi-
tara nele", exigindo a sua gêmea imediatamente. A revolta tornou-se
então inevitável na medida em que "Ogo começou a procurar, sem
esperar pelas realizações de Amma""*. Entrega-se a actos que pertur-
bam Amma e medita no sentido de encontrar aquilo que lhe falta, bem
como satisfazer o ciúme perante os seus irmãos. É deste modo que
Ogo tenta surpreender Amma na sua busca, procurando apoderar-se
da sua obra. Segundo os co-autores de Renard Pâle, "insatisfeito, Ogo,
transtornando todas as regras, actuou com a intenção de surpreender
os segredos do universo em formação"^. A atitude de Ogo representa
um acto de desordem cosmogónica. Este abala a gestação da ordem
do mundo desviando-se para outro caminho, distinto daquele que era
previsto por Amma, relativamente às saídas das suas criaturas Nommo.
Em busca da sua gêmea,
6. Ibid., p. 244.
7. Ibid., p. 245.
8. Ibid., p. 263.
9.Ibid
Contributo das cosmogonias dogon para a problemática da "origem" da civilização . Ci^eikh Moctar Bà 187
a sua aflição. Tendo começado por procurar o segredo da criação, ten-
tativa esta que Amma contorna alterando a posição dos elementos,
aquele acaba por arrancar uma parte da placenta que Amma trans-
forma em sol. A atitude de Ogo não fica impune na continuação do
processo cosmogónico. Assim, em resultado do roubo de Ogo, Amma
introduz a mortalidade como conseqüência do acto trágico. Griaule e
Dieterlen sublinham que
... os homens foram criados por Amma imortais, tal como eram originalmente
os nommo anagonno retirados do seu seio. Porém, os erros da Raposa, a
impureza comunicada à terra pelos seus actos, provocam uma série de desor-
dens que culminam na emergência da morte.^°
A morte encontra assim a sua origem num acto trágico. Esta torna-se
possível e efectiva do lado do autor e de todos aqueles que aprovei-
tam o acto trágico. Torna-se testemunha do acto de impureza. Todavia,
note-se que o primeiro acto de roubo de Ogo está relacionado com as
sementes de Amma, que acaba por semear na Terra, a sua mãe. Porém,
Amma decide purificar esta última sacrificando um nommo. Este sacrifí-
cio representa uma preparação da expansão do universo e das forças
que virão a constituí-lo.
A condenação à morte do nommo é sucedida pela sua ressurreição. É
esta última que favorece a descida dos homens à terra. O acto de roubo
também está na origem da criação do homem, tendo em conta que é
a partir do nommo sacrificado para este efeito, e depois ressuscitado,
que este último nasce. O Deus Amma criou o homem a partir da ma-
téria de placenta do nommo ressuscitado. Ao pôr termo à androginia
inicial, este acto consagra a separação definitiva entre os sexos mascu-
lino e feminino. Este novo momento é aquele que acompanha a descida
dos seres criados por Amma à terra. Tendo este último transformado o
resto da placenta em sol escaldante, Ogo, impossibilitado de se aproxi-
mar dele, decide mais uma vez enganar Amma. Porém, o seu acto é ime-
diatamente punido pelo nommo titiyane que, avisado pela sua gêmea,
procede à sua circuncisão arrancando-lhe o prepúcio. Uma conseqüên-
cia fundamental do roubo e da circuncisão, enquanto punição, consiste
em ter permitido a descida definitiva dos seres à terra. Assim, termina
o momento da existência nos céus ou a existência divina marcada pela
terceira e última descida de Ogo. Este, fixando-se definitivamente na
terra, acaba com os seus périplos celestes e transforma-se em Raposa.
O roubo representa, portanto, o estádio último de um processo ao mes-
mo tempo que a condição do advento de outro momento.
Contributo das cosmogonias dogon para a problemática da "origem" da civilização . Ci^eikh Moctar Bà 189
sobrevivência, bem como para o fabrico ou para a concepção de técnicas
apropriadas às suas condições existenciais. Os co-autores de Renard
Pâle afirmam que "o ferreiro ocupa um lugar à parte, porém eminente, na
sociedade. Considerado enquanto herói civilizador mítico, este desem-
penha uma função importante na iniciação"". Por conseguinte, é com
base no trabalho do fogo, a partir do qual nascem outras profissões,
que podemos considerar que nos Dogons, o Antepassado ferreiro pos-
sui o m e s m o estatuto civilizador que Prometeu, na mitologia grega.
E já que o ferreiro representa a forma ressuscitada do Nommo do lago,
e que este último é gêmeo de Ogo, existe, de certa maneira, possibili-
dade de identificação e de aproximação destes dois seres.
... poderíamos então definir as sociedades arcaicas como aquelas que não es-
tão integradas na história de modo prometeico, para retomar uma expressão
de M. Gurvitch, isto é, aquelas que não possuem a "consciência de intervenção
activa e eficaz da liberdade humana"^"
Contributo das cosmogonias dogon para a problemática da "origem" da civilização . Ci^eikh Moctar Bà 191
Thibaut afirma mais adiante que "é evidente, aliás, que o maior mito
do fogo diz respeito a um ladrão de fogo da natureza dos deuses, um
Titã, isto é, um ser imortal que só se apodera dele para oferecê-lo aos
homens que dele necessitam para viver".
Relembremos que o homem, não detendo qualquer privilégio sobre os
outros seres, neste momento da cosmogonia, não pode senão regozi-
jar-se. Isto porque, sem que outro ser tivesse tido o desejo de trans-
gredir a ordem divina, submetendo-se a qualquer tipo de punição, o
homem não poderia usufruir de meios que lhe permitissem aceder
àquilo que, outrora, fazia parte do privilégio dos deuses. A possessão
do fogo efectua-se sempre num sacrilégio ou numa actividade heróica.
O ladrão de fogo só pode pertencer à raça dos deuses que possuem
o privilégio de se aproximarem dele. Neste sentido, será necessário
referir que são os deuses que se "traem" a si próprios pela honra e pelo
interesse dos homens?
Os maiores mitos do fogo dizem respeito a um ladrão que possuiu,
ele próprio, o estatuto de imortal, mas que inaugura a imortalidade
enquanto conseqüência do seu acto, e como sinal de diferenciação fun-
damental do homem e dos deuses. Note-se também que não se trata
de uma transgressão pelo orgulho ou pelo poder - ainda que à partida
seja o cenário que se apresenta - que consiste na finalidade do acto.
Trata-se, sobretudo, de uma passagem obrigatória, um gesto libertador
que assegura um progresso indispensável, bem como uma separação
iminente dos homens e dos deuses com o intuito de favorecer a existên-
cia dos primeiros na terra; sem este acontecimento, a humanidade não
tem origem tendo em conta que a separação é necessária para a criação
do mundo dos homens, onde este se torna autônomo e encontra uma
certa consciência existencial inscrita no tempo. Isto não pode suceder
sem incomodar os deuses, que outrora eram únicos numa plenitude
existencial. Nos Dogons, o nommo titiyane ocupa-se da sanção infligida
à figura do trágico. Todavia, as punições aplicadas aos humanos e ao
seu herói pelos Deuses-Senhores do Mundo são sempre sinônimas de
manifestação de esperança e de poder^^ para a humanidade.
Nas teorias cosmogónicas Dogons, a civilização emerge a partir de
uma espécie de frustração original. E tal vai no mesmo sentido que os
propósitos de Leroi-Gourhan, a saber que "a atmosfera de maldição na
qual, para a maior parte das civilizações, começa a história do artesão
do fogo é apenas reflexo de uma frustração intuitivamente apreendida
desde os primórdios"^^ Existe como que a presença no homem desta
forma de negatividade, e que o mesmo só pode purgar através da rebelião
Referências Bibliográficas
Griaule, M. (1966]. Dieu d'eau, "Entretiens avec Ogotemmêli". Paris: Fayard.
Griaule, M. [s/d]. "L'image du monde au Soudan", in Journal de la Société des Africanistes,
Paris, TXIX, pp. 81-88.
Griaule, M. & Dieterlen, G. (1991). Le Renard pâle, Institut d'ethnologie.
Griaule, M. & Dieterlen, G. [1950). " U m système soudanais de Sirius", In Journal de la
Société des Africanistes, Paris, T. XX, pp. 273-294.
Thomas, L-V. & Luneau, R. (1975). La terre africaine et ses religions: traditions et
changements. Paris: Payot.
Leroi-Gourhan, A. (1964]. Le Geste et la Parole. Technique et Langage. Paris: Albin Michel.
Contributo das cosmogonias dogon para a problemática da "origem" da civilização . Ci^eikh Moctar Bà 193
o Egipto na obra de Platão
Théophile Obengœ
Com a idade de vinte e oito anos, segundo Hermódoro, ele (Platão) partiu
para Mégara, para ir ter com EucUdes, acompanhado por outros alunos de
Sócrates (morto desde então). Depois, este (ainda Platão) foi para drene,
para junto de Teodoro o matemático, e dali partiu para Itália, para junto de
Filolau e Eurito, ambos pitagóricos, depois para o Egipto, para junto dos pro-
fetas. (...). Platão tinha também intenção de ir ao encontro dos Magos, mas as
guerras que destruíam a Ásia levaram-no a renunciar ao seu destino. Regres-
sado a Atenas, Viveu na Academia'^.
3. Canfora, L., Histoire de ta tittérature grecque d'Homère à Aristote; Paris, Éditions Desjonquères,
1994, pp. 552-553; edição original italiana, Roma - Bari, 1986, Col. La Mesure des Choses, dirigida
por Pierre Béhar
4. Platão, Timée, 21 e.
5. Ver de igual modo Heródoto, II, 94. Por último, Diodoro da Sicília, I, 34: Eles (os Egípcios) recor-
rem, para manter a luz das suas lâmpadas, a um licor gorduroso extraído de uma planta designada
por eles de kiki, em vez de óleo.
Assim, tudo aquilo que aconteceu, prossegue o velho sacerdote egípcio, quer
convosco (os Gregos), aqui ou em qualquer outro lugar, que tenhamos tido
conhecimento por ouvir dizer, se, por uma ou outra razão, se trata de algu-
mas coisas belas, grandiosas ou que apresentam qualquer outra diferença,
tudo isto foi, desde a Antigüidade, aqui colocado por escrito e conservado nos
templos''.
5. Platão, Timée, 22 b.
7. Platão, Ibid., 23 a.
Bem! Ouvi [éJ<ousa) que, do lado de Náucratis no Egipto, existe uma das an-
tigas divindades daquele lugar, aquela cujo emblema sagrado é um pássaro
que aqueles designam, sabe-lo bem, o ibis; o nome desta divindade é Theuth.
Foi ele que, portanto, em primeiro lugar (prõton), descobriu a ciência do
número (arithmón), o cálculo (logismòn), a geometria (geõmetríanj, a astro-
nomia (astronomian) e ainda o tric-trac (petteías), os dados [kubeias), e, por
último sobretudo, a escrita (grámmataf.
9. Platão, Lois, IL 656 d. Cf. Pierre-Maxime Schuhl, Platon et l'art de son temps (arts plastiques), Paris,
PUF, edição de 1952, p. XV: Platão (...) mostra-se partidário de uma arte hierática, imutável como
aquela que tinha admirado nas obras dos templos no Vale do Nilo.
10. Platão, Leis, II, 6 5 6 e - 657 a.
11. Du Bourguet, R, L'art égyptien; Paris, Desclée de Brouwer, 1973, p. 14. Sublinhado no texto.
12. Platão, Leis, 657 a-b.
São, por exemplo, frutas ou coroas para partilhar em inúmeros lotes, mais
ou menos grandes, de maneira a obter sempre o mesmo número no total;
são também, no boxe e na luta, a alternância e a sucessão segundo a regra
destes jogos, daquele que permacerá sentado e daqueles que formarão pares.
Do mesmo modo, sempre através do jogo, os instrutores misturam taças de
ouro, de cobre, de prata e de outras matérias em lotes. Ao adaptar a um jogo,
tal como referi, a prática das operações matemáticas indispensáveis, tornam
aptos aqueles a quem ensinam, quer para regulamentar um acampamento,
como para dirigir um exército e organizar uma expedição militar, quer ainda
para administrar uma casa, e, de qualquer modo, tornam-nos mais capazes
de serem autônomos, e transformam-nos em pessoas muito mais conscien-
tes.''
15. Ibid., 8 1 9 a.
16. Ibid., 8 1 9 b.
17. Ibid., 819.
Porém, nas suas Leis, obra escrita por ele numa idade mais avançada e na
qual, ao invés de se exprimir de modo enigmático e simbólico, este serve-se
das palavras adequadas, afirma que o mundo não é posto em movimento por
uma única alma, mas talvez por um grande número, e no mínimo certamente
por duas. [...). Admite ainda uma terceira natureza intermediária, que não
é privada nem de alma, nem de razão, nem de movimento que lhe seja in-
trínseco, tal como alguns consideraram, mas que, ao mesmo tempo que de-
pende das outras duas, tende seguir o melhor, aquele que deseja e que busca^^.
23. Ibid., 3 7 1 a .
24. Ibid., 3 5 4 e: os mais esclarecidos [oi sophõtatoí] dos Gregos [tõn Hellénõn) estudaram no
Egipto: Sólon, Tales, Platão, Eudoxo, Pitágoras.
Platão tem por hábito designar a inteligência sob os nomes de idéia, de modelo,
de pai; a matéria, sob os de mãe, de ama, de base e de assento da geração, e o
resultado da sua união, denomina-o de descendente e engendrado^''.
Aos olhos de Plutarco, que faz deste modo uma exegese da filosofia
da criação platônica, o filósofo ateniense não inovou verdadeiramente:
de um modo geral, retoma o esquema e a explicação dos filósofos egíp-
cios, inventores do mito de Osíris (ver Platão, Timeu, 50 c-d). Esta na-
tureza perfeita e divina pode ser representada figurativamente pelo
triângulo rectângulo em que o ângulo direito representa o masculino
(Osíris), a base do triângulo, o princípio feminino (ísis), e a hipotenusa,
o produto dos dois (Hórus). Aqui, mais uma vez, a influência egípcia é
notável no pensamento de Platão, tal como se esforça por demonstrar,
novamente, Plutarco que escreve:
... estes nomes diversos e estes ritos servem de símbolos, uns mais obscuros,
outros mais resplandecentes, àqueles que se dedicam aos estudos sagrados, e
conduzem-nos, não sem algum perigo, à inteligência das coisas divinas. (...).
Eis o motivo pelo qual é necessário, em particular nestas questões, ter em
conta a razão, secundada pela filosofia, enquanto iniciadora e orientadora, a
fim de admitir apenas as reflexões sãs acerca da interpretação dos ritos e das
doutrinas^".
29. Ibid., 3 7 4 b.
30. Ibid., 3 7 8 a-b.
3 1 . / è ; d . , 3 8 4 a.
Sentido e Poder
Georges Balandier [ISBN: 9 7 8 - 9 8 9 - 8 6 5 5 - 3 0 - 1 ]
A Ideia de África
V. Y. Mudimbe [ISBN: 9 7 8 - 9 8 9 - 8 6 5 5 - 1 9 - 6 ]
A. Moussa Lam
Universidade Cheikh Anta Diop, Dakar
apoio;