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Vasos sanguíneos

Resumo – Patologia dos sistemas de órgãos


Robbins

As doenças arteriais são responsáveis por mais morbidade e mortalidade do que qualquer
outra categoria de doença humana. Menos frequentemente, os distúrbios venosos causam problemas
clinicamente significativos. Os distúrbios vasculares podem provocar doença clínica através de dois
mecanismos principais:
 Estreitamento ou obstrução total do lúmen, seja progressivamente (e.g., por aterosclerose)
seja repentinamente (e.g., por trombose ou embolia).
 Enfraquecimento das paredes vasculares, com consequente dilatação ou ruptura.

Para compreender as doenças que acometem os vasos sanguíneos, primeiramente devemos


considerar algumas das características anatômicas e funcionais desses tecidos altamente
especializados e dinâmicos.

Patologia

Células da parede vascular e suas respostas a lesões


As células endoteliais (CE) e as células musculares lisas (CML), principais componentes
celulares dos vasos sanguíneos, exercem um papel importante na biologia e na patologia vascular. O
funcionamento integrado destas células é fundamental para os mecanismos de desenvolvimento e
resposta da vasculatura a estímulos hemodinâmicos e bioquímicos. O conhecimento do
funcionamento dos vasos sanguíneos, de suas adaptações a necessidades atípicas e respostas a
lesões auxilia na compreensão das condições patológicas e de seus mecanismos e complicações
específicas. Além disso, a descoberta desses mecanismos pode gerar novas opções terapêutica para
o tratamento e prevenção de doenças que representam importantes causas de mortalidade e
morbidade.

Células endoteliais

As células endoteliais (CE), chamadas coletivamente de endotélio, formam o revestimento


contínuo, com a espessura de uma única célula, de todo o sistema cardiovascular. Sua integridade
estrutural e funcional é fundamental para a manutenção da homeostase nas paredes dos vasos e para
a função circulatória normal. As CE são as únicas células a apresentar corpos de Weibel-Palade,
organelas de armazenamento ligadas á membrana que contêm o fator de von Willebrand (FvW),
com 0,1 micrômetro de largura e 3 micrômetro de comprimento. As CE podem ser identificadas
imuno-histoquimicamente através de anticorpos contra PECAM-1 (CD31, uma proteína localizada
nas junções inter-endoteliais), CD34 e FvW.
O endotélio vascular é um tecido versátil e multi-funcional, que possui diversas
propriedades sintéticas e metabólicas, sendo um participante ativo nas interações entre o sangue e
os tecidos. De modo análogo a uma membrana semi-permeável, o endotélio controla a transferência
de moléculas pequenas e grandes através da parede vascular. Na maior parte dos locais, as junções
inter-celulares são em geral impermeáveis a grandes moléculas, como as proteínas plasmáticas;
contudo, as junções entre as CE, consideravelmente instáveis, podem se afastar quando sob
influência de fatores hemodinâmicos (e.g., pressão arterial elevada) e agentes vaso-ativos (e.g.,
histamina em inflamações). Além disso, as CE exercem um papel na manutenção da interface
sangue-tecido não-trombogênica, na modulação do fluxo sanguíneo e na resistência vascular, no
metabolismo de hormônios, na regulação de reação imunes e inflamatórias e na regulação do
crescimento de outros tipos celulares, particularmente das células musculares lisas. Uma perda
franca (desnudação) de CE estimula trombose e proliferação das células musculares lisas.
O endotélio vascular possui uma variabilidade fenotípica considerável, conforme a região
anatômica e as adaptações aos estímulos ambientais regionais. Por exemplo, as populações de CE
que embriologicamente se desenvolvem a partir de diferentes locais (e.g., grandes vasos ou
capilares, arteriais ou venosos) podem apresentar características diferentes. O endotélio linfático é
particularmente interessante, em função do papel dos linfáticos na metástase tumoral.
CE estruturalmente intactas podem responder a uma variedade de estímulos fisio-
patológicos ajustando suas funções habituais (constitutivas) e expressando novas propriedades
adquiridas (induzidas) – um processo denominado ativação endotelial. Os indutores da ativação
endotelial são citocinas e produtos bacterianos, que provocam inflamação e choque séptico; estresse
hemodinâmico e produtos lipídicos, críticos para a patogênese da aterosclerose; produtos finais da
glicosilação avançada (importantes no diabetes); assim como vírus, componentes do complemento e
hipóxia. As CE ativadas, por sua vez, expressam moléculas de adesão e produzem outras citocinas e
quimiocinas, fatores de crescimento, moléculas vaso-ativas que provocam vaso-constrição ou vaso-
dilatação, moléculas do complexo principal de histo-compatibilidade, pró-coagulantes e anti-
coagulantes e uma variedade de outros produtos biologicamente ativos. As CE influenciam a vaso-
reatividade das células musculares lisas subjacentes através da produção de fatores de relaxamento
(e.g., óxido nítrico (NO)) e fatores de contração (e.g., endotelina). A função normal do endotélio é
caracterizada por um equilíbrio entre esses fatores e a capacidade dos vasos de responder de modo
apropriado a diversos estímulos farmacológicos (e.g., relaxamento em resposta a acetil-colina).
A disfunção endotelial, caracterizada por um fenótipo alterado que prejudica a vaso-
reatividade ou induz uma superfície trombogênica ou anormalmente aderente a células
inflamatória,é responsável, ao menos em parte, pelo início da formação do trombo, aterosclerose e
lesões vasculares de hiper-tensão ou outros transtornos. Algumas formas de distúrbios de CE são
rápidas em seu estabelecimento (ocorrem em minutos), sendo reversíveis e independentes da síntese
de novas proteínas 9e.g., contração de CE induzida por histamina ou outros mediadores vaso-ativos
que induzem fenda no endotélio venoso). Outras mudanças envolvem alterações na expressão de
genes e na síntese de proteínas, podendo demandar horas ou mesmo dias para se desenvolver.

Células musculares lisas vasculares

Como o elemento celular predominante da média vascular, as células musculares lisas


(CML) são responsáveis pela vaso-constrição e vaso-dilatação em resposta a estímulos normais ou
farmacológicos. Também sintetizam colágeno, elastina e proteoglicanos, e produzem fatores de
crescimento e citocinas. Estas células migram para a íntima e proliferam após a ocorrência de lesão
vascular. Assim, as CML são elementos importantes tanto no reparo vascular normal quanto nos
processos patológicos, como a aterosclerose.
As atividades de migração e proliferação das CML são reguladas tanto por promotores de
crescimento quanto por inibidores. Os promotores incluem o fator de crescimento derivado de
plaquetas (PDGF), assim como endotelina 1, trombina, fator de crescimento de fibroblastos (GF),
interferon gama (INF-gama0 e inter-leucina (IL-1). Os inibidores incluem heparan sulfatos, NO e
fator de transformação de crescimento beta (TFG-beta). Outros reguladores incluem o sistema
renina-angiotensina (e.g, angiotensina II), as catecolaminas, o receptor de estrogênio e osteopontina,
um componente da matriz extra-celular.

Desenvolvimento, crescimento e remodelagem dos vasos

Muito se aprendeu ao longo da última década sobre como se formam novos vasos
sanguíneos e como eles se alteram ao longo do tempo. Estudos com peixes-zebra, facilitados pela
genética cada vez mais clara e rapidamente compreendida deste pequeno organismo,
proporcionaram insights extraordinários sobre o desenvolvimento cardiovascular, incluindo
formação de vasos sanguíneos no embrião (vasculogênese).
A formação dos vasos é um processo complexo, envolvendo interações celulares altamente
direcionadas e específicas com fatores regulatórios e substratos aderentes. A angiogênese envolve
diferenciação, proliferação e interações das células endoteliais e musculares lisas para criar novos
vasos sanguíneos maduros. A formação de um revestimento muscular confere propriedades vaso-
elásticas e vaso-motoras aos vasos sanguíneos, que conseguem suportar as demandas variáveis da
perfusão tecidual. A indução de angiogênese visando a uma melhor perfusão dos tecidos em
doenças isquêmicas é o objetivo terapêutico. Por outro lado, a angiogênese contribui para a
patogênese do desenvolvimento de tumores, artrite, retinopatia diabética e outras doenças. Assim,
uma compreensão dos mecanismos celulares e moleculares básicos da angiogênese deverá resultar,
no futuro, em terapias de estimulação ou inibição da angiogênese.

Espessamento da íntima – uma resposta a lesões vasculares da íntima

Lesões vasculares (perda aguda de CE ou lesão/disfunção endotelial crônica) estimulam o


crescimento de células musculares lisas. A reconstituição da parede vascular lesionada é uma
resposta fisiológica de cicatrização que inclui formação de uma neo-íntima e (1) migração das
CML da média para a íntima, (2) proliferação das CML na íntima e (3) síntese e deposição de
matriz extra-celular realizada por estas células.
Durante a resposta de cicatrização, as CML sofrem alterações semelhantes a uma
desdiferenciação. Na íntima, deixam de ser contráteis e adquirem a capacidade de se proliferar. Ao
mesmo tempo, há redução dos filamentos contráteis e aumento das organelas envolvidas na síntese
proteica, como retículo endoplasmático granular e aparelho de Golgi. As CML da íntima podem
retornar ao seu estado não-proliferativo após a reconstituição da camada endotelial subjacente
subsequente a lesão aguda, ou quando a estimulação crônica cessar. No entanto, uma resposta
exagerada de cicatrização provoca o espessamento ou a hiper-plasia da íntima, que, quando
excessivos, podem resultar em estenose ou oclusão dos vasos sanguíneos de pequeno e médio
calibres. É importante observar que o espessamento da íntima ocorre em artérias de outro modo
normais como resultado do envelhecimento. Em muitos adultos, a íntima e a média das artérias
normais, como as artérias coronárias, são de espessura aproximadamente igual. A ausência de
consequências prejudiciais deste tipo de espessamento da íntima sugere não ser uma lesão inicial da
aterosclerose, nem servir obrigatoriamente como indicador de outra doença.

Anomalias congênitas

Aberrações no padrão anatômico habitual de ramificação e anastomose são importantes para


a cirurgia, pois existe a possibilidade de lesionar um vaso inesperado. Essas anomalias raramente
são sintomáticas, com exceção da árvore arterial coronariana. Entre as diversas doenças vasculares
congênitas, algumas possuem particular importância: os aneurismas saculares e as fístulas ou
aneurismas arteriovenosos. Os aneurismas saculares ocorrem em vasos cerebrais e são discutidos no
capítulo 28.
Fístulas arteriovenosas. São comunicações raras e geralmente pequenas que ocorrem entre
artérias e veias. Surgem como defeitos no desenvolvimento, mas também podem ser causadas por
rupturas de um aneurisma em uma veia adjacente, por lesões que rompem a parede da artéria ou da
veia, ou por necrose inflamatória dos vasos adjacentes. As fístulas arteriovenosas podem ser
importantes clinicamente por fazerem uma ligação direta entre o sangue do lado arterial com o do
lado venoso, resultando em um volume de sangue adicional a ser bombeado pelo coração; algumas
vezes se segue insuficiência cardíaca de alto débito. Além disso, as fístulas podem se romper e
causar hemorragia, principalmente no cérebro. Por outro lado, fístulas arteriovenosas criadas
intencionalmente são utilizadas para proporcionar acesso vascular na hemodiálise crônica.

Arteriosclerose
Arteriosclerose (literalmente, “endurecimento das artérias”) é um termo genérico para o
espessamento e perda da elasticidade das paredes arteriais. São reconhecidos três padrões de
arteriosclerose; esses padrões variam em sua fisiopatologia e consequências clínicas e patológicas.

 A aterosclerose, o padrão mais frequente e importante, será discutida mais adiante em


primeiro lugar e em detalhes.
 A esclerose medial calcificada de Mönckeberg é caracterizada por depósitos calcificados nas
artérias musculares, e ocorre em indivíduos com idade superior a 50 anos. As calcificações
visíveis, comumente palpáveis, não alcançam o lúmen dos vasos.
 A arteriosclerose acomete as pequenas artérias e arteríolas. Há duas variantes anatômicas,
hialina e hiperplásica, ambas associadas ao espessamento das paredes vasculares com
estreitamento do lúmen, podendo provocar lesão isquêmica nos vasos a jusante. Mais
comumente associada com hipertensão e diabetes melito, a arteriosclerose será discutia mais
adiante nesse capítulo, na seção que trata de hipertensão.

Aterosclerose

A aterosclerose é caracterizada por lesões na íntima denominadas ateromas ou placas


ateromatosas ou fibro-gordurosas, que invadem o obstruem o lúmen vascular e enfraquecem a
média subjacente. Essas placas podem provocar sérias complicações. Apresentando uma
distribuição mundial, a contribuição da aterosclerose para uma séria morbidade e mortalidade no
Ocidente é de longe maior do que a de qualquer outra doença – é responsável por aproximadamente
metade de todas as mortes. Dados epidemiológicos referentes á aterosclerose são geralmente
apresentados na forma de frequência do número de mortes causadas por doença cardíaca isquêmica
(cardiopatia isquêmica) (capítulo 12). Somente o infarto do miocárdio responde por 20% a 25% de
todas as mortes nos Estados Unidos.

Doença vascular hipertensiva

As pressões arteriais locais e sistêmica devem ser rigidamente controladas. Pressões muito
reduzidas provocam perfusão inadequada dos órgãos, resultando em disfunção e por fim em morte
dos tecidos sub-perfundidos. Por outro lado, pressões elevadas impulsionando o fluxo sanguíneo em
demanda metabólica excessiva não trazem nenhum benefício, e ainda podem provocar disfunção e
danos aos vasos sanguíneos e órgãos. A pressão arterial elevada é chamada hipertensão. Conforme
discutido anteriormente, a hipertensão representa um fator de risco para a aterosclerose. Nesta
seção, discutiremos primeiro os mecanismos de controle da pressão arterial normal, em seguida os
possíveis mecanismos de hipertensão, e por fim as alterações patológicas nos vasos sanguíneos de
pequeno calibre associadas á doença.

Aneurismas e dissecções
Um aneurisma é uma dilatação anormal localizada de um vaso sanguíneo ou da parede do
coração. Quando um aneurisma está delimitado por componentes da parede arterial ou da parede do
coração enfraquecidos, ele é chamado aneurisma verdadeiro. São desse tipo os aneurismas
ateroscleróticos, sifilíticos e vasculares congênitos, e o aneurisma do ventrículo esquerdo, que pode
ocorre após infarto do miocárdio. Por outro lado, um aneurisma falso (também chamado pseudo-
aneurisma) é uma brecha na parede vascular levando a um hematoma que se comunica livremente
com o espaço intra-vascular (“hematoma pulsátil”). O aneurisma falso mais comum é uma ruptura
pós-infarto do miocárdio que foi contida por uma aderência pericárdica, ou um vazamento na
junção (anastomose) de um enxerto vascular com uma artéria natural. Surge uma dissecção arterial
quando o sangue penetra a parede da artéria, como um hematoma dissecando suas camadas. As
dissecções podem ocorrer em artérias aneurismáticas, mas não sempre. Aneurismas e dissecções são
mais relevantes quando atingem a aorta. Tanto os aneurismas verdadeiros e falsos quanto as
dissecções podem causar rupturas.
As duas causas mais importantes de aneurismas da aorta são aterosclerose e degeneração
cística da média arterial. No entanto, qualquer vaso pode ser atingido por uma ampla variedade de
transtornos que enfraquecem a parede, incluindo trauma (aneurismas traumáticos ou
arteriovenosos), defeitos congênitos, como aqueles potencializados por aneurismas saculares, que
são pequenas dilatações esféricas, mais frequentemente no cérebro (capítulo 28), infecções
(aneurismas micóticos) ou sífilis. Aneurismas arteriais também podem ser provocados por doenças
sistêmicas, como em algumas vasculites.
Infecções em uma artéria importante, enfraquecendo sua parede, provocam um aneurisma
micótico. Trombose e ruptura são possíveis complicações. Aneurismas micóticos podem surgir (1) a
partir da embolia e interrupção de um êmbolo séptico em determinado ponto no interior de um vaso,
geralmente como uma complicação de endocardite infecciosa; (2) como uma extensão de um
processo supurativo adjacente; ou (3) por organismos circulantes infectando diretamente a parede
arterial.
Para objetivos descritivos, os aneurismas podem ser classificados conforme sua forma e
tamanho macroscópicos. Aneurismas saculares são essencialmente esféricos (acometendo apenas
uma porção da parede vascular), e variam entre 5 e 20cm de diâmetro, sendo frequentemente
preenchidos parcial ou completamente por um trombo. Por outro lado, os aneurismas podem ser
fusiformes (envolvendo um longo segmento). Aneurismas fusiformes variam em diâmetro (até
20cm) e em comprimento; muitos acometem grandes segmentos da aorta abdominal ou mesmo das
ilíacas. Contudo, essas formas não são específicas para nenhuma doença ou manifestação clínica.

Doenças inflamatórias – vasculites


Inflamações nas paredes vasculares, denominadas vasculites, são encontradas em diversas
condições clínicas. Podem acometer vasos de qualquer tipo e em praticamente qualquer órgão. As
manifestações clínicas frequentemente incluem sinais e sintomas sistêmicos, como febre, mialgia,
artralgia e astenia, ou manifestações locais de isquemia tecidual á jusante. Entre as vasculites
denominadas necrosantes sistêmicas, vários tipos acometem a aorta e os vasos de médio calibre,
mas a maioria atinge os vasos de pequeno calibre, como arteríolas, vênulas e capilares (designadas
vasculites de vasos de pequeno calibre). Algumas entidades envolvem vasos de diversos tipos e/ou
tamanhos. Alem disso, alguns pacientes possuem transtornos que não se encaixam perfeitamente eu
uma única categoria bem definida, tendo características de diversas entidades; assim, essas são
consideradas síndromes de “sobreposição”.
Os dois mecanismos mais comuns de vasculite são a invasão direta das paredes vasculares
por patógenos infecciosos e mecanismos de mediação imune. Não obstante, é importante
reconhecer que infecções podem provocar indiretamente uma vasculite sistêmica não-infecciosa, de
mediação imune, como, e.g., pela produção de imunocomplexos, ou desencadeando reatividade
cruzada. Em cada paciente é fundamental distinguir mecanismos infecciosos de mecanismos
imunes, uma vez que a terapia anti-inflamatória/imuno-supressora é apropriada para vasculites
imunologicamente mediadas, mas seria potencialmente prejudicial na vasculite infecciosa. Lesões
físicas e químicas, como radiação, trauma mecânico e toxinas, também podem provocar lesão
vascular.
Patogênese da vasculite não-infecciosa. Os principais mecanismos imunes que iniciam a
vasculite não-infecciosa são: (1) deposição de imunocomplexos, (2) anticorpos anti-citoplasma de
neutrófilos e (3) anticorpos anti-células endoteliais.
Imunocomplexos. As evidências para envolvimento de imunocomplexos em vasculites
podem ser resumidas da seguinte forma:

 As lesões vasculares se assemelham àquelas encontradas em condições experimentais


mediadas por imunocomplexos, como o fenômeno de Arthur localizado e a doença do soro
(capítulo 6). Reagentes imunes e complemento podem ser detectados no plasma ou nos
vasos de pacientes com vasculite (e.g., complexos DNA-antiDNA estão presentes em lesões
vasculares da vasculite associada ao lúpus eritematoso sistêmico, e IgG, IgM e complemento
são observados na vasculite crioglobulinêmica).
 A hipersensibilidade a drogas provoca aproximadamente 10% das lesões cutâneas
vasculíticas, principalmente através da deposição vascular de imunocomplexos. Algumas
drogas, como a penicilina, conjugam-se com proteínas plasmáticas; outras, como a
estreptoquinase, são consideradas proteínas estranhas. As manifestações variam,
estendendo-se desde hiper-sensibilidade de vasos de pequeno calibre e vasculite leuco-
citoclástica até poliarterite nodosa, granulomatose de Wegener e síndrome de Churg-Strauss,
podendo ter apresentações desde brandas e auto-limitadas até graves e mesmo fatais. O
reconhecimento da doença como uma reação á droga é particularmente importante, pois a
descontinuação do agente ofensivo frequentemente resulta em uma melhora rápida.
 Na vasculite associada a infecções virais, os imunocomplexos podem ser encontrados no
plasma e nas lesões vasculares de alguns pacientes, particularmente em casos de poliarterite
nodosa (e.g. HBsAg-antiHBsAg na vasculite induzida por hepatite).

Não está claro se os imunocomplexos são depositados nas paredes vasculares a partir da
circulação, se são formados no próprio local, ou ambos (capítulo 6). Contudo, muitas vasculites de
vasos de pequeno calibre apresentam uma escassez de depósitos de imunocomplexos vasculares,
portanto devem ser investigados outros mecanismos para essas vasculites pauci-imunes.
Anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos. O plasma de muitos pacientes com vasculite
reage com antígenos citoplasmáticos nos neutrófilos, indicando a presença de anticorpos anti-
citoplasmáticos de neutrófilos (ANCA). Os ANCA são um grupo heterogêneo de auto-anticorpos
direcionados contra certas enzimas encontradas principalmente no interior dos grânulos azurófilos
ou primário em neutrófilos, no lisossoma de monócitos e nas células endoteliais. A descrição desses
anticorpos se baseia nos padrões de coloração por imuno-fluorescência de neutrófilos fixados por
etanol. Dois padrões principais são reconhecidos: um deles revela uma localização citoplasmática
da coloração (c-ANCA), e o antígeno-alvo mais comum é a proteinase-3 (PR-3), um constituinte
dos grânulos de neutrófilos. O segundo padrão apresenta coloração perinuclear (p-ANCA), sendo
geralmente mais específico para mieloperoxidase (MPO). Ambas as especificidades de ANCA
podem ocorrer em um paciente com vasculite de vasos de pequeno calibre, mas c-ANCA é
encontrada tipicamente na granulomatose de Wegener, enquanto p-ANCA é encontrada na maior
parte dos casos de poliangeíte microscópica e síndrome de Churg-Strauss. As doenças
caracterizadas por ANCA circulantes são chamadas vasculites associadas aos ANCA.
Os ANCA servem como marcadores diagnósticos quantitativos úteis para essas condições, e
seus níveis podem refletir o grau da atividade inflamatória. Os ANCA se elevam em recorrências,
sendo, portanto, úteis em sua administração. Além disso, a forte associação entre títulos de ANCA e
a atividade da doença, particularmente c-ANCA na granulomatose de Wegener, sugere que eles
podem ser importantes na patogênese dessa doença. Dados experimentais são compatíveis com um
mecanismo fisiopatológico para respostas auto-imunes contra ANCA e/ou antígenos de ANCA
nessas doenças, mas os mecanismos exatos são desconhecidos. No entanto, ainda não há provas
definitivas de que os ANCA exerçam um papel etiológico no desenvolvimento da vasculite
sistêmica.
Uma hipótese plausível para o papel dos ANCA como um fator etiológico na vasculite pode
ser resumida da seguinte forma. (1) Uma doença subjacente (e.g., uma infecção) induz citocinas
pró-inflamatórias como TNF e fator estimulador de colônias de macrófagos e granulócitos, e
produtos microbianos como endotoxinas, que juntos provocam a expressão de PR3 e MPO por
neutrófilos e outras células inflamatórias em suas superfícies. (2) Essas estimulam a formação de
ANCA. (3) Os ANCA reagem com neutrófilos marcados por citocinas circulantes, causando sua
desgranulação. (4) PMN ativados por ANCA provocam toxicidade celular e outras lesões teciduais
diretas. É interessante notar que ANCA direcionados contra outros constituintes dos neutrófilos,
além do PR3 e MPO, também são encontrados em alguns pacientes com amplo espectro de doenças
inflamatórias além de vasculite, como doença inflamatória intestinal, doença hepática auto-imune,
colangite esclerosante primária e artrite reumatoide, e em alguns pacientes com malignidades e
infecções.
Anticorpos anti-células endoteliais. Anticorpos contra células endoteliais, talvez induzidos
por defeitos na regulação imune, podem predispor a determinadas vasculites, como aquelas
associadas com LES e doença de Kawasaki.
Classificação. As vasculites sistêmicas são classificadas de acordo com o tamanho dos
vasos sanguíneos atingidos, com o local anatômicos e as características histológicas da lesão e com
a as manifestações clínicas da doença. Há uma sobreposição clínica considerável entre esses
transtornos.

Fenômeno de Raynaud
O fenômeno de Raynaud é caracterizado por uma palidez paroxísmica dos dedos das mãos
ou dos pés, sendo frequente o acometimento das extremidades do nariz ou das arelhas (partes
acrais) em decorrência da vasoconstrição induzida pelo frio das artérias digitais, arteríolas pré-
capilares e shunts arteriovenosos cutâneos. Caracteristicamente, os dedos mudam de cor seguindo
uma sequência branco-azul-vermelho. Alterações estruturais nas paredes arteriais estão ausentes,
exceto numa fase tardia da evolução, quando o espessamento da íntima pode surgir. O fenômeno de
Raynaud reflete um exagero das respostas vasomotoras normais centrais ou locais ao frio ou a
emoções. A prevalência na população geral é de aproximadamente 3% a 5%; a idade média dos
indivíduos atingidos é de 14 anos. Um quarto dos pacientes possui história familiar de fenômeno de
Raynaud em parentes de primeiro grau. O curso do fenômeno de Raynaud é geralmente benigno,
mas casos de longa data podem apresentar atrofia da pele, de tecidos sub-cutâneos e músculos.
Ulceração e gangrena isquêmica são raras.
Contrastando com o fenômeno de Raynaud não-complicado ou primário, o fenômeno de
Raynaud secundário se refere á insuficiência arterial das extremidades causada por diversas
condições, incluindo LES, esclerose sistêmica (esclerodermia), aterosclerose ou doença de Buerger.
De fato, uma vez que o fenômeno de Raynaud pode ser a primeira manifestação dessa condições,
todos os pacientes que manifestam a condição devem se submeter a avaliação, para eliminar uma
causa subjacente, que será aparente em sua apresentação ou irá se desenvolvimento posteriormente
em aproximadamente 10% dos pacientes. Características que sugerem fenômeno de Raynaud
secundário incluem idade de início da doença após os 30 anos, episódios mais severos, lesões
cutâneas associadas e aspectos clínicos de doença do tecido conjuntivo.

Veias e linfáticos
As veias varicosas e flebotrombose/tromboflebite juntas respondem por pelo menos 90%
das doenças venosas clínicas e são discutias mais adiante.
Tumores
Os tumores dos vasos sanguíneos e linfáticos compreendem um espectro que inclui desde
hemangiomas benignos (alguns considerados hamartomas) até lesões intermediárias, agressivas
localmente mas raramente metastáticas, e raros angiossarcomas altamente malignos. Além disso,
mal-formações congênitas podem se apresentar com lesões semelhantes a tumores, assim como o
fazem algumas outras proliferações vasculares reativas não-neoplásicas, com angiomatose bacilar.
Por essas razões, as neoplasias vasculares são difíceis de categorizar clínica e histologicamente.
Neoplasias desse grupo apresentam diferenciação celular endotelial (e.g., hemangioma,
linfangioma, angiossarcoma), ou parecem ser derivadas de células que sustentam ou circundam os
vasos sanguíneos (e.g., tumor glômico, hemangiopericitoma). A maior parte dessas lesões ocorre em
tecidos moles e vísceras. Tumores primários dos vasos de grande calibre, como a aorta, artéria
pulmonar e veia cava, são extremamente raros, sendo a maioria sarcomas do tecido conjuntivo.
Ainda que um hemangioma benigno bem diferenciado possa ser prontamente distinguido de
um angiossarcoma anaplásico de alto grau na maioria dos casos, a divisão entre benignos e
malignos não é nítida em alguns casos. No entanto, os seguintes critérios são úteis:

 Tumores benignos produzem canais vasculares prontamente reconhecidos, preenchidos por


células do sangue ou linfáticos com transudato. Esses canais são revestidos por uma camada
de células endoteliais normais sem atipia.
 Tumores malignos são mais solidamente celulares, com anaplasia citológica, incluindo
figuras mitóticas e geralmente sem formar vasos bem organizados.

A derivação endotelial de proliferações neoplásicas que não formam lúmen vascular distinto
pode ser geralmente confirmada por demonstração imuno-histoquímica de marcadores específicos
de endotélio, como CD31, CD34 ou FvW. Como essas lesões constituem anormalidades de
proliferação vascular desregulada, a possibilidade de controlar esse crescimento com agentes
inibidores de formação de vasos sanguíneos (fatores anti-angiogênicos) é particularmente
entusiasmante.

Patologia das intervenções vasculares


Alterações morfológicas características são introduzidas por métodos atuais de terapia de
doença vascular, como angioplastia com balão e substituição vascular. Algumas considerações
morfológicas fundamentais para cada uma dessas intervenções, e outras correlatas, são discutidas
brevemente.

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