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PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)
Diretoria Nacional National Board of Directors
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DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2000-2003) NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2000-2003)


Presidente Sarah Escorel (RJ) President Sarah Escorel (RJ)
1 Vice-Presidente
O
Armando de Negri Filho (RS) 1 Vice-President
st
Armando de Negri Filho (RS)
2O Vice-Presidente Eduardo Freese de Carvalho (PE) 2nd Vice-President Eduardo Freese de Carvalho (PE)
3O Vice-Presidente Carlos Botazzo (SP) 3rd Vice-President Carlos Botazzo (SP)
4O Vice-Presidente Alcides Silva de Miranda (CE) 4th Vice-President Alcides Silva de Miranda (CE)
1O Suplente Rogério Renato Silva (SP) 1 st Substitute Rogério Renato Silva (SP)
2O Suplente Maria José Scochi (PR) 2 nd Substitute Maria José Scochi (PR)

CONSELHO FISCAL FISCAL COUNCIL


Anamaria Testa Tambellini (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) & Anamaria Testa Tambellini (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) &
Ary Carvalho de Miranda (RJ) Ary Carvalho de Miranda (RJ)

CONSELHO CONSULTIVO ADVISORY COUNCIL


Antônio Ivo de Carvalho (RJ), Antônio Sérgio da Silva Arouca (RJ), Emerson Elias Merhy (SP), Antônio Ivo de Carvalho (RJ), Antônio Sérgio da Silva Arouca (RJ), Emerson Elias Merhy (SP),
Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Luiz Augusto Facchini (RS), Gastão Wagner de Souza Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Luiz Augusto Facchini (RS), Gastão Wagner de Souza
Campos (SP), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), Campos (SP), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ),
José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), Roberto Passos Nogueira (DF), José Gomes José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), Roberto Passos Nogueira (DF), José Gomes
Temporão (RJ), Luíz Carlos de Oliveira Cecilio (SP) & Paulo Sérgio Marangoni (ES) Temporão (RJ), Luis Carlos de Oliveira Cecilio (SP) & Paulo Sérgio Marangoni (ES)

CONSELHO EDITORIAL PUBLISHING COUNCIL


Coordenadora: Ana Maria Malik (SP) Coordinator: Ana Maria Malik (SP)
Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco de Castro Lacaz (SP), Guilherme Loureiro Werneck (RJ), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco de Castro Lacaz (SP), Guilherme Loureiro Werneck (RJ),
Jairnilson da Silva Paim (BA), José da Rocha Carvalheiro (SP), Lígia Giovanella (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), José da Rocha Carvalheiro (SP), Ligia Giovanella (RJ), Luis
Luis Cordoni Jr. (PR), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Cordoni Júnior (PR), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA),
Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo D. de C. Amarante (RJ), Renato Peixoto Veras (RJ), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo D. de C. Amarante (RJ), Renato Peixoto Veras (RJ),
Ronaldo Bordin (RS) & Sebastião Loureiro (BA) Ronaldo Bordin (RS) & Sebastião Loureiro (BA)

SECRETARIA EXECUTIVA EXECUTIVE SECRETARIES

Ana Cláudia Gomes Guedes & Renata Machado da Silveira Ana Cláudia Gomes Guedes & Renata Machado da Silveira

EDITOR PUBLISHER

Ana Maria Malik Ana Maria Malik

EDITORA EXECUTIVA EXECUTIVE PUBLISHER

Ana Cláudia Gomes Guedes Ana Cláudia Gomes Guedes

INDEXAÇÃO INDEXATION

Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)

Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica The articles about Health History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica
em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in
Latin America and the Caribbean)

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A Revista Saúde em Debate é
associada à Associação Brasileira
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normatização bibliográfica standardization

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Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em novembro de 2003. This publication was printed in Rio de Janeiro on november, 2003.
Capa em papel couche 180 gr Cover in couche paper 180 gr
Miolo em papel off set 75 gr Core in off set paper 75 gr

Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./dez. 1976)
– São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2003.

v. 27; n. 64; 27 cm

Quadrimestral
ISSN 0103-1104

1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES

CDD 362.1
Rio de Janeiro v. 27 n. 64 maio/ago. 2003

ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES


Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
ISSN 0103-1104

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 91-92, maio/ago. 2003 89


SUMÁRIO / SUMMARY

EDITORIAL / EDITORIAL ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 91 Saúde é Política de Estado, não de Governo


Health is a State Policy, not a Government Policy
Sonia Fleury ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 153
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Quando as campanhas viram uma mania: avaliação da eficácia da campanha ENSAIO / ESSAY
de controle do câncer de colo uterino realizada em Santos em 1998
When campaigns turn into a fad: evaluation of the efficacy of the campaign Tendências quanto à universalidade nos sistemas de saúde em
for the control of uterine lap cancer accomplished in Santos in 1998 países periféricos
Ademar Arthur Chioro dos Reis; Angel Soubhie; Tatiana Pinheiro Ferro Trends of universal access in health systems of peripheral countries
Tavares de Almeida & Thalia Rodrigues Trielli 93 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Lígia Giovanella ○ ○ ○ ○ ○ 155
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

A indústria de vacinas e as estratégias de comercialização


The vaccine industry and the marketing strategies DOCUMENTOS / DOCUMENTS
José Gomes Temporão ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 101
12a Conferência Nacional de Saúde Sergio Arouca: “Saúde: um Direito de
O singular processo de coordenação dos hospitais Todos e Dever do Estado – A Saúde que temos, o SUS que queremos”
The unique process of coordination in hospitals 12th Sergio Arouca National Health Conference: “Health: Right of All
Emerson Elias Merhy & Luiz Carlos de Oliveira Cecilio ○ ○ ○ ○ ○ 110 and Duty of the State – The Health we have, the Health System
we want”. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 165
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Reflexões sobre o conceito de humanização em saúde


Reflections on the concept of humanization in health Em defesa da saúde que queremos
Rosana Onocko Campos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 123 The fight for the health we want ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 173

Conselhos de Saúde: espaços de participação social, constituição de Nota do CEBES sobre o financiamento do SUS
sujeitos políticos e co-produção de sujeitos coletivos CEBES’ note on SUS financing ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 175
Health Councils: spaces of social participation, constitution of political actors
and co-production of collective actors
RESENHA/REVIEW
Maria Ieda Gomes Vanderlei & Regina Rigatto Witt 131 ○ ○ ○ ○ ○ ○

Os Sinais Vermelhos do PSF


Reflexos da capacitação na atuação dos conselheiros de saúde Red Lights for the Family Health Program
Impacts of training programs on the performance of health council members Lislaine Aparecida Fracolli 176
Maria Valéria Costa Correia 138
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

A relação entre os órgãos executivos e o Conselho Nacional de Saúde na


Gestão do SUS: um relato comentado
The relation between executive organs and the National Health
Management Council in SUS: a report with comments
Nelson Rodrigues dos Santos ○ 148 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

90 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 91-92, maio/ago. 2003


EDITORIAL

V ivemos tempos muito especiais. Passado um se-


mestre do governo Lula, eleito com amplo apoio po-
pular, voltamos a enfrentar situações freqüentes de quan-
tético, mas cujo conteúdo permita orientar as ações dos
gestores e trabalhadores e o exercício do controle social.
Diante da convocação da 12a Conferência Nacional de
do éramos governados pelos representantes da elite: a Saúde, a Diretoria Nacional decidiu selecionar os artigos
proposta orçamentária de 2004 para a Saúde desrespeita que já haviam recebido pareceres positivos de publica-
a EC 29. Para cumprir o percentual fixado constitucional- ção e que abordassem os eixos temáticos. Publicamos
mente, o governo federal incorporou gastos com sanea- também as diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde
mento básico e ações que deveriam ser financiadas pelo em seu documento que constitui o principal texto em tor-
Fundo de Combate à Pobreza. Argumenta-se que são ações no do qual deverá acontecer todo o processo de delibera-
que fazem mais pela saúde dos cidadãos que aquelas do ção da Conferência. Assim, conseguimos constituir um
próprio setor. Não negamos a sua importância e conside- primeiro conjunto de textos que podem servir de referên-
ramos a ampliação do saneamento básico e o combate à cia para os debates que já estão acontecendo nas Confe-
fome ações da maior relevância para que todos os cida- rências Estaduais de Saúde. E esta é só uma prévia: di-
dãos possam usufruir de boas condições de saúde. Esse ante da excelente resposta à ampla convocação para o
não é o ponto. O que é criticado por todos os envolvidos envio de artigos sobre os eixos temáticos, a Saúde em
na luta pela Reforma Sanitária, de todos os matizes ideo- Debate 65 promete vir a constituir os Cadernos da 12a.
lógicos e de todos os partidos, é que esses deveriam ser
recursos financeiros além daqueles fixados na EC 29, ou Estamos de luto. Sergio Arouca morreu, no dia 2
seja, recursos novos, adicionais. O bolo teria de crescer de agosto, aos 61 anos de idade. Cebiano histórico,
para que ações articuladas, de diversos setores e ministé- presidente do CEBES entre 1979 e 1980, integrante do
rios, pudessem alterar de fato as condições de saúde e de Conselho Consultivo de várias gestões da Diretoria
atendimento da população brasileira. Nacional, militante da Reforma Sanitária, liderança
Mas, são tempos também de esperança. Foi convocada imprescindível, nos fará uma enorme falta.
a 12a Conferência Nacional de Saúde que se realizará em Já bastante doente, ao ser perguntado o que gos-
Brasília entre 7 e 11 de dezembro deste ano para discutir taria de fazer se pudesse levantar da cama e sair de
o tema “Saúde: Direito de Todos e Dever do Estado – A casa, ele respondeu: – “Queria fazer a Conferência!”.
Saúde que Temos, o SUS que Queremos”. A antecipação Secretário de Gestão Participativa do Ministério da
da Conferência, o tema proposto, o amplo processo de Saúde desde janeiro deste ano, foi nomeado Coor-
denador Geral da 12a Conferência Nacional de Saú-
debate que desencadeia em todo o território nacional e no
de e estava feliz. Queria contribuir para que a 12a
qual participam todos os segmentos sociais, a posição do
fosse o salto de qualidade no modo de conceber e
Ministério da Saúde de apresentar suas teses e compro-
fazer Saúde já que a 8a, da qual também fora Coor-
meter-se em acatar e implementar as deliberações da
denador Geral, havia sido para sedimentar a idéia
12a Conferência Nacional de Saúde são alvissareiras.
de Saúde como Direito e da constituição do Sistema
A 12a terá uma metodologia bem diferente das ante-
Único de Saúde. Em sua homenagem, a 12a Confe-
riores: na etapa nacional será discutido o documento con-
rência recebeu o nome de Conferência Sergio Arou-
solidado dos Relatórios Estaduais. Isso possibilitará efe-
ca. O CEBES ainda organizará uma homenagem es-
tivamente um debate ascendente e um processo delibera-
pecífica, mas este número e o próximo da Saúde em
tivo em torno de propostas objetivas de como orientar
Debate são, de certa forma, o seu início.
as políticas de saúde nos próximos anos. Dessa forma,
pretende-se que o Relatório Final seja um documento sin- A Diretoria Nacional

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 91-92, maio/ago. 2003 91


EDITORIAL

W e live in very special times. After six months


under the Lula government, elected with broad
popular support, we once again have to face situations
document, but that its contents guide the actions of
managers and staff, as well as social control actions.
With the scheduling of the 12th National Health
we faced when representatives of the elite governed the Conference, the National Board of Directors decided to
country: the proposed budget for health in 2004 goes select articles already approved for publishing which
against the EC 29. To fulfill the percentage established dealt with the subjects in question. We also publish the
by the Constitution, the federal government included guidelines proposed by the Ministry of Health in the
resources destined to basic sanitation measures and main document around which the deliberations will
actions that should be financed by the Fundo de occur during the Conference. We manage, that way, to
Combate à Pobreza (Fund for Fighting Poverty). It is frame a first group of texts that can serve as reference
argued that these are measures that do more for for the discussions already going on in State Health
citizens’ health than actions by the health sector itself. Conferences. And this is just a preview: due to the
We do not deny their importance and consider the excellent response to the broad call for papers on the
expansion of basic sanitation and the fight against subjects in question, issue 65 of Saúde em Debate will
hunger of utmost relevance so that citizens can enjoy constitute the Cadernos da 12a (Reports of the 12th).
good health conditions. That is not the question. The
criticized issue, by everyone involved in the fight for the We mourn. Sergio Arouca died, on August 2nd,
Sanitary Reform, of any ideology and any party, is that 61 years old. A historic participant of CEBES, being
those resources should be established as an addition to its chairman in 1979 and 1980, member of the
those established by the EC 29. The stake should get Consulting Board in many administrations of the
larger so that actions articulated between various National Board, militant of the Sanitary Reform,
Ministries and sectors could actually change the health vital leadership, we suffered a great loss.
and care condition of the Brazilian people. Already considerably ill, when questioned
But this is also a time for hope. The 12th National what he would do if he could get out of bed and
Health Conference is scheduled to take place in out of his house, he answered, “I would like to
December 7th – 11th, 2003, to discuss the subject do the Conference!” Appointed secretary of
“Health: Right of All and Duty of the State – The Health Collective Management of the Ministry of Health
We Have, the Health System We Want”. The earlier date in January of this year, he was also appointed
for the conference, the subject proposed, the broad General Coordinator of the 12th National Health
discussion it triggers throughout the country with every Conference and was very happy. He wanted the
social segments, the position of the Ministry of Health, 12th to be a step forward in quality for
to put forward its visions and to pledge the conceiving and providing health, since the 8th, of
implementation of the deliberations in the 12th National which he also was General Coordinator, had
Health Conference are auspicious. served to root the idea of health as a right and to
The Conference will have a different methodology establish the Unified Health System. To honor
than its predecessors: in the national phase the him, the 12th Conference is called Sergio Arouca
consolidated document of the State Reports will be Conference. CEBES will organize a specific tribute,
discussed. That will allow an actual ascending debate but this issue and the next issue of Saúde em
and a deliberative process involving objective Debate are, in a way, the start of it.
proposals to guide health policies in the years ahead.
The aim is that the Final Report will be a synthetic The National Board of Directors

92 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 91-92, maio/ago. 2003


Quando as campanhas viram uma mania: avaliação da eficácia da campanha de controle do câncer de colo uterino realizada em Santos em 1998
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Quando as campanhas viram uma mania: avaliação da eficácia da


campanha de controle do câncer de colo uterino realizada em
Santos em 1998
Ademar Arthur Chioro dos Reis1 When campaigns turn into a fad: efficacy evaluation of the campaign for uterine
Angel Soubhie2 cancer control accomplished in Santos in 1998
Tatiana Pinheiro Ferro Tavares de Almeida3
Thalia Rodrigues Trielli 4
RESUMO

O câncer de colo uterino apresenta elevada incidência, evolução lenta e


Recebido em 14/11/2001 fatores de risco identificáveis. Dispõe de exame preventivo, mas sua cobertu-
Reencaminhado em 19/02/2002
ra é extremamente baixa e a mortalidade não diminuiu. Campanhas têm sido
Aprovado em 30/04/2002
realizada para ampliar sua oferta. Este estudo analisa a eficácia da campa-
1
Médico sanitarista, mestre em Saúde nha de prevenção desenvolvida pela Secretaria Municipal de Saúde de Santos
Coletiva pela Universidade Estadual de (SMS), em março de 1998, avaliando a situação das mulheres que tiveram
Campinas (UNICAMP ), professor de Saúde exames alterados. A campanha demonstrou absoluta ineficiência e ineficá-
Coletiva da Faculdade de Ciências
cia. Foi incapaz de ampliar a cobertura de exame preventivo do câncer gineco-
Médicas de Santos (UNILUS ) e da
Faculdade de Fisioterapia da UNISANTA lógico (PCG), informar melhor as mulheres sobre a gravidade do problema de-
(Santos), ex-secretário municipal de saúde tectado, garantir o tratamento adequado e controlar os casos detectados. Deve-
de São Vicente (SP) e ex-presidente do
se repensar a estratégia assistencial calcada no ‘campanhismo’, no marketing
COSEMS -SP
Departamento de Saúde Coletiva da e nas ações descomprometidas com a vida e a saúde da população.
Faculdade de Ciências Médicas de
DESCRITORES: Carcinoma; Colo Uterino; Política de Saúde; Saúde Pública.
Santos (U NILUS)
Rua Doutor Oswaldo Cruz, 237
CEP 11045-101 – Boqueirão – Santos – SP
e-mail: arthur@iron.com.br ABSTRACT
2Acadêmica da Faculdade de Ciências
Médicas de Santos (UNILUS) Uterine cancer has a high incidence, a slow evolution and identifiable risk
Rua Doutor Oswaldo Cruz, 237 factors. There are preventive tests available, but their coverage is extremely low
CEP 11045-101 – Boqueirão – Santos – SP and mortality rates have not decreased. Various campaigns have tried to spread
e-mail: arthur@iron.com.br
the offer of tests. This study analyzes the efficacy of a preventive campaign
3
Acadêmica da Faculdade de Ciências developed by the Santos Health Secretariat (SMS), in March 1998, assessing
Médicas de Santos (UNILUS) the situation of women whose results were altered. The campaign presented
Rua Doutor Oswaldo Cruz, 237
CEP 11045-101 – Boqueirão – Santos – SP total inefficiency and inefficacy. It was unable to expand preventive test coverage
e-mail: arthur@iron.com.br for gynecological cancer (PCG), to better inform women of the seriousness of
the detected problem, to assure adequate treatment, and control detected cases.
4Acadêmica da Faculdade de Ciências
Médicas de Santos (UNILUS) It is time to rethink the assistance strategy based on campaigns, marketing
Rua Doutor Oswaldo Cruz, 237 and actions not related to the life and health of the population.
CEP 11045-101 – Boqueirão – Santos – SP
e-mail: arthur@iron.com.br DESCRIPTORS: Carcinoma; Cervix Uteri; Health Policy; Public Health.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003 93


REIS, Ademar Arthur Chioro dos et al

INTRODUÇÃO sos de câncer) e o herpesvírus tipo vados contratados) e também em


II (HSV) têm importante papel no serviços particulares.
O câncer de colo de útero é o de desenvolvimento da displasia das Apesar de todos os recursos para
maior incidência em mulheres, repre- células cervicais e na sua transfor- a prevenção do câncer de colo uteri-
sentando 15% dos tumores malignos, mação em células cancerosas (INCA, no estarem disponíveis no Brasil,
além de ser o segundo mais comum 2000; HALBE, 1994). desde a década de 1940, o número
na população feminina (INSTITUTO NA - O exame preventivo do câncer de óbitos não diminuiu nos últimos
CIONAL DO C ÂNCER, 2000). É uma neo- ginecológico (PCG), pelo método Pa- vinte anos. Contribui para esta rea-
plasia maligna primária da cérvice panicolau, detecta o câncer do colo lidade a utilização inadequada da
uterina que pode apresentar-se em uterino e também identifica fungos, tecnologia e dos recursos disponí-
diversos ‘estágios’, desde o carcino- bactérias e vírus. É um exame in- veis à medida que seu uso não está
ma in situ até a disseminação a ór- dolor, barato e eficaz, cuja realiza- prioritariamente dirigido à popula-
gãos distantes (CARVALHO, 1994). ção é preconizada, no mínimo, uma ção sob maior risco (INCA, 2000).
A importância desta doença, em Em março de 1998, a Secretaria
termos diagnósticos e terapêuticos, Municipal de Saúde de Santos (SMS)
reside no fato de apresentar evolu- realizou uma Campanha para Con-
ção lenta e poder passar, em um ESSE CÂNCER MATA, trole do Câncer de Colo Uterino, uti-
período de aproximadamente dez lizando a rede pública de unidades
PRINCIPALMENTE, MULHERES AINDA
anos, da fase precursora para o cân- básicas de saúde. A campanha foi
cer. Portanto, quanto mais rápida a EM FASE PRODUTIVA E É O ÚNICO desenvolvida, tomando por base o
intervenção, maior a chance de so- PARA O QUAL SE DISPÕE DE TECNOLOGIA modelo tradicional de organização
brevivência e menor o custo do tra- de ações desta natureza proposto
PARA PREVENÇÃO , DETECÇÃO
tamento. Esse câncer mata, princi- pelo Ministério da Saúde, em cinco
palmente, mulheres ainda em fase PRECOCE E TRATAMENTO etapas fundamentais: recrutamento
produtiva e é o único para o qual da população-alvo, coleta do mate-
se dispõe de tecnologia para pre- rial para o exame, processamento
venção, detecção precoce e trata- em laboratório de citopatologia, tra-
mento (BRASIL , 2000). vez ao ano, em todas as mulheres tamento dos casos diagnosticados,
Vários são os fatores de risco após o início de atividade sexual, e avaliação da campanha.
identificados para o câncer do colo independentemente da faixa etária Com a campanha, a SMS deveria
do útero, tais como: baixas condi- (INCA, 2000). assumir a tarefa de desenvolver es-
ções socioeconômicas, atividade O acesso para a realização do tratégias para garantir o atendimen-
sexual antes dos 18 anos de idade, exame preventivo do câncer gineco- to das mulheres que procurassem
pluralidade de parceiros sexuais, lógico é feito por intermédio da rede os serviços de saúde para realizar o
tabagismo, maus hábitos de higie- de unidades básicas de saúde e clí- exame preventivo do câncer gineco-
ne e alteração de condições imuno- nicas privadas. A colposcopia e a lógico, garantir o tratamento das
lógicas locais na área comprometi- biópsia são procedimentos efetua- alterações mais simples detectadas,
da. Estudos recentes mostram ain- dos pelo Sistema Único de Saúde encaminhando as demais para col-
da que o HPV – vírus do papiloma (SUS) em ambulatórios de referên- poscopia e outros procedimentos em
humano (presente em 94% dos ca- cia especializada (públicos ou pri- unidade de referência especializada.

94 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003


Quando as campanhas viram uma mania: avaliação da eficácia da campanha de controle do câncer de colo uterino realizada em Santos em 1998

Deveria criar, ainda, mecanismos de enorme rede assistencial - pública e lecer, por meio de uma análise des-
controle das pacientes, garantindo privada - de saúde (erigida em nos- critiva, o perfil das mulheres que
informações sobre o comparecimen- so país ao longo das últimas déca- apresentaram alterações no exame
to destas ao exame e acompanhan- das), da introdução de tecnologia de preventivo do câncer ginecológico.
do todas com citologia positiva até última geração e da existência de Pretende-se, ainda, verificar a
a conclusão do tratamento. recursos humanos qualificados, eficácia da campanha, investigando
Até agora os programas de pre- observa-se a reintrodução de anti- o desempenho de importantes indi-
venção do câncer de colo uterino, gas práticas sanitárias, em caráter cadores de avaliação em Saúde Pú-
levados a cabo no Brasil, com al- prioritário pelos órgãos de direção blica, tais como:
gumas exceções que obtiveram su- do SUS, como se as mesmas condi-
• a ‘cobertura’ do evento em re-
cesso pontual embora sem impac- ções que justificaram anteriormen-
lação à população santista;
to importante sobre a mortalidade, te o seu surgimento validassem a
têm falhado devido à falta de orga- retomada destas superadas práticas • a ‘acessibilidade’ da popula-
nização e continuidade (baixa co- ção feminina de Santos ao exame
bertura e adesão). Ademais, esses preventivo, entendida como a rela-
programas não costumam assegu- ção entre os casos efetivamente aten-
didos em função dos referidos;
rar o tratamento dos casos diagnos-
C OMO A COBERTURA POPULACIONAL
ticados, nem contam com uma ava- • a ‘oportunidade’, procurando
liação adequada das várias etapas
DO EXAME VEM SE MANTENDO
estabelecer a adequação entre o mo-
e dos resultados finais. Como a co- EXTREMAMENTE BAIXA AO LONGO mento em que o serviço foi solicitado
bertura populacional do exame vem
DAS ÚLTIMAS DÉCADAS, OS GESTORES e o momento em que foi prestado;
se mantendo extremamente baixa
ao longo das últimas décadas, os DO SUS TÊM REALIZADO CAMPANHAS • a ‘continuidade’ (seguimento dos
protocolos estabelecidos para confir-
gestores do SUS têm realizado cam- ESPORÁDICAS, VISANDO AMPLIAR SUA OFERTA
mação diagnóstica e/ou tratamento);
panhas esporádicas, visando am-
pliar sua oferta. Os indicadores epi- • o ‘grau de adesão’ à proposta
demiológicos, entretanto, demons- da campanha.
tram que a mortalidade e letalida- assistenciais, em uma espécie de
de não diminuíram. ‘neocampanhismo’ (REIS, 2001). MATERIAIS E MÉTODOS
Observa-se, ainda, que ao longo
dos últimos anos, as autoridades OBJETIVOS Este estudo consiste na avaliação
sanitárias têm pautado a interven- de eficácia de uma ação de saúde
ção em graves e crônicos problemas Esse estudo tem por objetivo ava- coletiva empreendida pela SMS, a
de saúde da população a partir de liar a eficácia da campanha de pre- partir de indicadores clássicos em
campanhas, reproduzindo um mo- venção do câncer de colo uterino Saúde Pública, tais como: cobertu-
delo de práticas de saúde pública desenvolvida pela Secretaria Muni- ra, acessibilidade, oportunidade, con-
que historicamente foi denominado cipal de Saúde de Santos (SMS), em tinuidade, e grau de adesão (RAMOS ,
‘sanitarismo campanhista’ (COSTA , março de 1998. 1974; USP, s/d).
1986; M ERHY, 1987; M ERHY, CECÍLIO , A partir dos dados obtidos na O grupo em estudo foi seleciona-
NOGUEIRA F ILHO, 1991). A despeito da SMS, os autores procuram estabe- do por meio de listagem obtida na

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003 95


REIS, Ademar Arthur Chioro dos et al

SMS, na qual foi possível identifi- ço de referência especializado a ser malidade, duas faleceram por cau-
car 68 mulheres que apresentaram utilizado para a conduta terapêuti- sas não relacionadas (2,9%) e 45 não
exames com algum grau de altera- ca e/ou diagnóstica indicadas foram puderam ser localizadas (66,2%).
ção entre as 3.034 submetidas ao definidos a partir do protocolo dos Entre as mulheres entrevistadas,
exame preventivo, realizado duran- serviços de ginecologia do Hospi- seis tinham de 21 a 35 anos (28,5%),
te a campanha, em março de 1998. tal Guilherme Álvaro e de tocogine- quatro de 36 a 49 anos (19%), cinco
Para a investigação de campo, uti- cologia da Faculdade de Ciências de 50 a 64 anos e outras cinco pas-
lizou-se um questionário estrutura- Médicas de Santos. savam dos 65 anos de idade (23,8%).
do, aplicado após a realização de um Apenas uma entrevistada tinha me-
pré-teste com dez pacientes do servi- RESULTADOS nos de vinte anos. Quanto ao estado
ço de ginecologia do Hospital Gui- civil, nove eram casadas ou com
lherme Álvaro (HGA), que se dispu- Durante a campanha de preven- união estável (42,8%), três solteiras,
seram voluntariamente a respondê- ção do câncer cérvico-uterino, com quatro separadas ou divorciadas e
lo. Os entrevistadores foram os pró- cinco viúvas.
prios autores do estudo e a aplica- Em relação ao grau de escolari-
ção do questionário ocorreu no pe- dade, duas eram analfabetas, 13
ríodo entre março e maio de 2001. possuíam o primeiro grau incomple-
As mulheres foram visitadas em CONSIDERADO FATOR to (61,9%), três o primeiro grau com-
seus domicílios a partir dos endere- DE RISCO PARA O pleto, duas o segundo grau comple-
ços por elas disponibilizados (para to, e apenas uma o terceiro grau
CÂNCER DO COLO DO ÚTERO ,
a realização da campanha) e que completo. O nível de renda familiar
constavam do relatório fornecido 1/3 DAS ENTREVISTADAS estava distribuído da seguinte for-
pela SMS com os resultados altera-
DECLARARAM -SE TABAGISTAS ma: duas viviam com menos de um
dos identificados. Das 68 mulheres salário mínimo, oito com rendimen-
com alterações no laudo do exame tos entre um e três salários míni-
preventivo do câncer ginecológico, mos, outras oito entre três e dez sa-
foram encontradas, efetivamente, lários mínimos, e três com mais de
apenas 21 (33,8%). Com o objetivo uma população alvo, segundo o Ins- dez salários mínimos.
de obter informações sobre as 45 tituto Brasileiro de Geografia e Es- Quando lhes foi perguntado so-
mulheres não encontradas no ende- tatística (IBGE), de 176.248 mulhe- bre a utilização de métodos anti-
reço fornecido e de complementar as res com idade superior a 15 anos concepcionais, 18 mulheres afirma-
informações obtidas nas entrevistas em Santos, foram realizados 3.034 ram não fazer uso de qualquer
realizadas, os autores solicitaram (e exames, o que corresponde a uma método (85,7%). Considerado fator
obtiveram) autorização da SMS para cobertura populacional de 1,7%. Fo- de risco para o câncer do colo do
a análise dos prontuários de todas ram detectadas alterações no preven- útero, 1/3 das entrevistadas decla-
as mulheres com exames alterados. tivo de 68 mulheres (2,2% das mu- raram-se tabagistas.
O período de tempo máximo para lheres submetidas ao exame). Em relação à freqüência com que
a realização da conduta indicada No momento da entrevista, ob- as entrevistadas procuram atendi-
(em função do resultado do exame) servou-se que das 68 mulheres, cu- mento ginecológico ou outro servi-
e o grau de complexidade do servi- jos PCG apresentaram alguma anor- ço médico para realização de exa-

96 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003


Quando as campanhas viram uma mania: avaliação da eficácia da campanha de controle do câncer de colo uterino realizada em Santos em 1998

me ginecológico, seis (28,6%) afir- (47,6%) souberam responder com A busca de mais informações –
maram que comparecem eventual- precisão e o mesmo percentual não relativas ao universo das 68 mu-
mente, em datas oportunas, dez soube responder a questão. lheres com exames alterados – nos
(47,6%) anualmente, e, cinco Depois de feito o exame preven- prontuários médicos das unidades
(23,8%), semestralmente. Já em re- tivo, três mulheres realizaram o tra- básicas de saúde foi infrutífera,
lação ao Papanicolau, quatro afir- tamento indicado em trinta dias, pois em função do ‘bug do milênio’
maram realizar o referido exame duas o fizeram em um período que a SMS não dispunha mais de pron-
semestralmente (19%), dez anual- variava entre noventa e cento e vin- tuários com as informações regis-
mente (47,6%), duas com freqüência te dias, uma efetuou no prazo de um tradas até 31/12/1999.
superior a três anos (9,5%) e outras ano, três realizaram em um período
duas faziam o preventivo eventu- não especificado, cinco não soube- DISCUSSÃO
almente. Três entrevistadas não ram informar (23,8%) e sete não ha-
souberam informar a freqüência de viam realizado o tratamento (33,4%). A Campanha de Prevenção do Cân-
realização do exame. cer do Colo Uterino, realizada em
Depois de colhido o exame, 14 março de 1998, a despeito da ampla
mulheres voltaram espontaneamente divulgação nos meios de comunica-
à unidade básica de saúde para sa- A CAMPANHA DE PREVENÇÃO ção, obteve resultados pífios, confor-
ber o resultado (66,7%), cinco foram me pode ser observado no quadro 1,
DO CÂNCER DO C OLO UTERINO ,
convocadas a comparecer ao servi- ampliando em apenas 1,7% a cober-
ço (23,8%) e duas não voltaram para REALIZADA EM MARÇO DE 1998, tura populacional de exames preven-
saber o resultado do exame (9,5%). tivos do câncer ginecológico em mu-
A DESPEITO DA AMPLA DIVULGAÇÃO
Entre as mulheres entrevista- lheres com mais de 15 anos. Como a
das, cinco sabiam informar o tipo NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, SMS não possuía, na ocasião, dados
de alteração detectado em seu exa- OBTEVE RESULTADOS PÍFIOS sobre a cobertura estimada deste exa-
me preventivo (23,8%), outras cin- me, não foi possível avaliar se a bai-
co não sabiam informar e o mes- xa cobertura pode ser explicada pelo
mo número sabia informar, parci- fato de que as mulheres santistas já
almente, o significado do resulta- Entre as 15 mulheres que sou- fazem regularmente o exame (e neste
do do exame realizado. Entretan- beram responder qual o serviço de caso a campanha demonstrar-se-ia
to, 23,6% (seis entrevistadas) ale- saúde em que o tratamento indica- inoportuna) ou, como acreditamos, se
garam que o resultado de seu exa- do foi realizado, 11 informaram ter a cobertura acompanha os parâme-
me havia sido normal. sido atendidas em unidades básicas tros nacionais e a campanha foi inefi-
Onze entrevistadas (52,4%) não de saúde, uma em hospital e três ciente e ineficaz.
souberam informar o tratamento em locais não especificados. O percentual (1,7%) de detecção
médico indicado para a alteração Quando perguntadas se haviam de alterações encontradas em re-
detectada, sete (33,3%) souberam, e feito novamente o exame preventi- lação aos exames realizados está
três (4,3%) também souberam, po- vo em 1999, 16 entrevistadas res- dentro dos parâmetros disponíveis
rém de maneira imprecisa. Quando ponderam afirmativamente (76,2%). na literatura.
indagadas sobre qual tratamento de No ano de 2000, apenas 13 volta- Discute-se a realização de cam-
fato foi realizado, dez entrevistadas ram a realizar o exame (61,9%). panhas que sequer conseguem

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003 97


REIS, Ademar Arthur Chioro dos et al

identificar a procedência ou a loca- panha como a empreendida pela acesso às consultas ginecológicas,
lização dos sujeitos submetidos a SMS (e as que se seguiram sob o uma vez que a maioria das entre-
exames ou provas de detecção, ain- comando do Ministério da Saúde) vistadas passa por consultas anu-
da mais em situações como o caso não tenha investido em uma dimen- almente ou em data oportuna, mas
da prevenção do câncer cérvico-ute- são educativa, ampliando a consci- no modelo vigente de atenção à saú-
rino, cujas lesões precursoras po- ência sanitária, das mulheres e da de: de baixa qualidade, curativo,
dem ser identificadas com dez anos própria comunidade, provocada pe- centrado no médico, e pouco reso-
de antecedência. Mais grave ainda los meios de comunicação de mas- lutivo. Mesmo em relação ao exa-
foi a perda de toda a informação sa. Corrobora essa análise o percen- me Papanicolau, a despeito da cam-
contida nos prontuários médicos em tual de entrevistadas que nos dois panha, 66,7% das entrevistadas ale-
função de um evento anunciado e anos seguintes à realização da cam- garam que já realizavam exame pre-
evitável (o ‘bug do milênio’), que panha deixaram de fazer o exame. ventivo semestral ou anualmente.
tornou indisponível toda e qualquer Vale lembrar que cinco das entrevis- Os dados referentes à continuida-
informação sobre a saúde dos mu- de comprovam que as campanhas de
nícipes santistas. prevenção têm sido ineficientes e ine-
A aparente indiferença com que ficazes. Da mesma forma, a quanti-
a perda dos registros médicos vem
MAIS GRAVE AINDA FOI dade de mulheres que apesar de te-
sendo tratada pode ser explicada rem sido submetidas a tratamento
pelo modelo assistencial hegemôni-
O ÍNDICE DE MULHERES não sabiam informar os procedimen-
co na rede pública de saúde de San- ENTREVISTADAS QUE NÃO tos indicados demonstra a forma
tos (tipo ‘queixa-conduta’ ou pron- impessoal com que o sistema de saú-
SE SUBMETERAM A QUALQUER
to-atendimento), mas é inadmissível de e os médicos (em particular) agem
sob o ponto de vista ético, legal e TRATAMENTO APESAR DA nessas situações, impedindo que os
técnico, uma vez que o perfil epide- ALTERAÇÃO NO EXAME PREVENTIVO pacientes possam apropriar-se de
miológico deste município é clara- informações tão importantes para
mente marcado por doenças crônico- suas vidas. Mais grave ainda foi o
degenerativas que requerem avalia- índice de mulheres entrevistadas que
ção e acompanhamento permanente, tadas (23,8%) realizaram o exame não se submeteram a qualquer tra-
e a garantia da preservação da infor- preventivo do câncer ginecológico tamento apesar da alteração no exa-
mação é um direito de cidadania. pela primeira vez em 1998, ilustran- me preventivo (33,4%).
A enorme dificuldade apresenta- do a ineficácia da campanha. Avaliando-se o tratamento reali-
da pelas entrevistadas em respon- O mais grave nessa situação é zado a partir do protocolo de refe-
der às questões formuladas e que que 2/3 das mulheres entrevistadas rência para o estudo, pode-se afir-
dizem respeito à sua saúde pode ter não possuíam nenhum tipo de con- mar que para onze mulheres entre-
sido determinada pelo grande inter- vênio privado ou seguro-saúde, de- vistadas (52,4%) o tratamento reali-
valo de tempo entre o evento – cam- pendendo exclusivamente do SUS zado não foi adequado, para ape-
panha – e a entrevista (cerca de três para assistência à saúde e aos me- nas cinco foi adequado (23,8%), para
anos) e pelo baixo nível socioeco- canismos de prevenção e controle de uma foi parcialmente adequado
nômico e de escolaridade. Não se doenças. Observa-se que o proble- (4,8%) e em relação a quatro casos
justifica, entretanto, que uma cam- ma não está centrado na falta de não foi possível caracterizá-lo (19%).

98 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003


Quando as campanhas viram uma mania: avaliação da eficácia da campanha de controle do câncer de colo uterino realizada em Santos em 1998

A análise dos indicadores clássi- que, além da falta de acompanha- avaliação da qualidade da atenção
cos de avaliação em Saúde Pública mento e controle das mulheres com à saúde da mulher, no tocante à pre-
demonstra que a ‘oportunidade’ – alterações no exame preventivo, venção do controle do câncer do colo
entendida como o tempo observado houve a perda de toda e qualquer uterino e das demais ações de saú-
para a realização do tratamento em informação registrada nos prontuá- de, tende a ser muito mais crítica
relação ao tempo indicado pelo pro- rios médicos, pode-se afirmar que a do que aqui apresentada.
tocolo de referência – foi inadequa-
da para 18 mulheres entrevistadas QUADRO 1 – Análise dos indicadores de saúde da Campanha de Prevenção do Câncer do Colo
(85,7%), adequada para apenas duas Uterino – Santos, 1998
mulheres (9,5%) e em relação a um
caso não foi possível obter informa- Cobertura populacional 1,7%
ções conclusivas. Inadequada – 85,7%
Em apenas 1/3 dos casos entre- Oportunidade adequada – 9,5%
vistados, o tratamento foi efetiva- informações inconclusas – 4,9%
inadequada – 61,9%
mente realizado na unidade de refe-
Acessibilidade adequada – 33,4%
rência para a qual a paciente foi en-
informações inconclusas – 4,8%
caminhada (‘acessibilidade’), sendo
52,4% o tratamento não foi adequado
que 13 mulheres foram atendidas em
66,2% não tiveram nenhum acompanhamento
unidades de saúde inadequadas em
Continuidade 47,4% não sabiam sequer o resultado
relação ao conjunto de procedimen- 23,0% achavam que o resultado era normal
tos diagnósticos e terapêuticos indi- 33,4% não foram tratadas
cados pelo protocolo de referência Deixaram de realizar o PCG nos 1999 23,8%
para o estudo. Em um caso não foi anos seguintes (adesão à
proposta da campanha): 2000 38,1%
possível fazer essa avaliação.
Análise geral da eficácia da Atingiram os objetivos 19,0%
A campanha foi ineficaz, tam-
campanha de prevenção ao Atingiram parcialmente 23,8%
bém, para ampliar a adesão das câncer de colo uterino: Não atingiram os objetivos 57,2%
mulheres entrevistadas à realização Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Santos, SP.
permanente de exame preventivo do
câncer ginecológico, uma vez que,
em 1999, 23,8% das entrevistadas CONCLUSÃO de por meio de campanhas como
deixaram de fazer o exame e, em uma estratégia inadequada, inefi-
2000, 33,4% não o realizaram. Com base nos dados apresenta- ciente e ineficaz.
A análise das diferentes variáveis dos, podemos concluir que a Cam- A campanha realizada pela SMS
em estudo nos permite afirmar que panha de Prevenção do Câncer de não foi capaz de produzir uma am-
a campanha não atingiu seus obje- Colo Uterino, realizada em Santos, pliação da cobertura populacional
tivos em relação a 12 mulheres en- em março de 1998, apresentou bai- do exame preventivo e não garantiu
trevistadas (57,2%). Entretanto, se xa eficácia, corroborando a análi- o acompanhamento e a adesão das
for levado em consideração que essa se crítica de especialistas que vêem pacientes aos protocolos estabeleci-
análise restringe-se ao universo de a retomada pela opção do modelo dos para o tratamento da patologia
mulheres que foram localizadas e de expansão dos cuidados em saú- ou de suas lesões precursoras.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003 99


REIS, Ademar Arthur Chioro dos et al

Quanto à análise de indicadores de C ARVALHO, F. M. Câncer de colo uteri- o processo de planejamento partici-
saúde (e também de cidadania), a no: anatomia patológica e história pativo e de gestão estratégica de
oportunidade e a acessibilidade fo- natural. In: Tratado de Ginecologia. serviços básicos de saúde. 2001.
ram consideradas inadequadas. São Paulo, p. 1813:174, 1994. Dissertação (Mestrado) – Programa
Torna-se urgente a superação do de Pós-Graduação em Saúde Coleti-
C OSTA , Nilson do Rosário. Lutas ur-
modelo de atenção à saúde calcado va, Universidade Estadual de Cam-
banas e controle sanitário: origens
no pronto-atendimento (ou queixa- pinas, SP, 2001.
das políticas de saúde no Brasil. 2.
conduta). E para tanto, não é possí-
ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 1986, 115p. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP) Fa-
vel continuar insistindo na realiza-
culdade de Saúde Pública. Curso de
HALBE , H. W. Tratado de Ginecologia.
ção de estratégias isoladas sem or-
Especialização em Planejamento do
2. ed. São Paulo: Roca, 1994. 2v.
ganização, continuidade, adesão,
Setor Saúde. São Paulo, [s.d.]. (Tra-
avaliação adequada; desarticuladas I NSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER (INCA ).
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. Brasília, DF: Brasil. Mi-
SUS, demonstrou ser absolutamente
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ineficiente e ineficaz, incapaz de am-
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pliar a cobertura de exame preventi-
programas/viva-mulher/index.html>
vo do câncer ginecológico, de infor-
Acesso em: 22 out. 2000.
mar melhor as mulheres sobre a gra-
vidade do problema detectado, e de M ERHY, Emerson Elias; CECÍLIO , Luis
garantir tratamento, oportunidade e Carlos de Oliveira; NOGUEIRA FILHO ,
acessibilidade adequados. Deve-se Roberto Costa. Por um modelo tec-
repensar a estratégia assistencial no-assistencial da política de saúde
pautada no ‘campanhismo’ inconse- em defesa da vida: contribuição
qüente, dirigido por táticas de mar- para as conferências de saúde. Saú-
keting descomprometidas com a vida de em Debate, Londrina, PR, n. 33,
e com a saúde da população. p. 83-89. 1991.

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cer/estrategias.html> Acesso em: 25 R EIS, Ademar Arthur Chioro dos. Car-
out. 2000. tas sanitárias: um instrumento para

100 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 93-100, maio/ago. 2003
A indústria de vacinas e as estratégicas de comercialização
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

A indústria de vacinas e as estratégicas de comercialização1


The vaccine industry and the marketing strategies

José Gomes Temporão2

RESUMO

Analisam-se as práticas concorrenciais prevalentes na indústria de va-


cinas. Toma-se como estudo de caso uma empresa multinacional sediada
no Brasil com alto grau de participação no mercado internacional de vaci-
nas. A partir de entrevistas com alguns dirigentes e análise do material
Recebido em 13/09/2002 utilizado junto a médicos e instituições potencialmente consumidoras de
Aprovado em 21/02/2003
vacinas, foi possível obter uma caracterização das principais estratégias e
das tendências que se colocam para este segmento do mercado da indús-
1
Este artigo foi originalmente redigido
tria farmacêutica em nosso país.
como parte de minha tese de
doutoramento, “Complexo Industrial da DESCRITORES: Indústria Farmacêutica; Vacinas.
Saúde: público e privado na produção e
consumo de vacinas no Brasil”,
defendida no Instituto de Medicina Social
(IMS) da Universidade Estadual do Rio ABSTRACT
de Janeiro (U ERJ).
This article analyzes marketing practices present in vaccine industry. A
2
Médico, doutor em Saúde Coletiva,
multinational company, with headquarters in Brazil, and with high degree of
pesquisador titular da Escola Nacional de
Saúde Pública (ENSP); diretor-geral do participation in the international vaccine market is taken as case study.
Instituto Nacional do Câncer ( INCA ) From interviews with some controllers and analysis of marketing materials
Escola Nacional de Saúde Pública
presented to physicians and target institutions, it was possible to characterize
Departamento de Administração e
Planejamento em Saúde the main strategies and trends for this market segment of the pharmaceutical
Av. Leopoldo Bulhões, 1.480 – 7° andar industry in Brazil.
CEP 21041-210 – Rio de Janeiro – RJ
e-mail: temporao@ensp.fiocruz.br DESCRIPTORS: Drug Industry; Vaccines.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003 101
TEMPORÃO, José Gomes

INTRODUÇÃO gico, abre-se um leque diferenciado cionais, algumas localizadas em


de associações e parcerias (joint- países em desenvolvimento. O su-
Ao longo das duas últimas déca- ventures, alianças estratégicas, re- cesso das atividades de pesquisa e
das do século passado, o mundo vem des tecnológicas, etc.). As empresas desenvolvimento (P&D) e o lança-
assistindo a uma revolução tecnoló- passam a entrelaçar suas ativida- mento de novos produtos no merca-
gica e organizacional que represen- des, envolvendo também institui- do fizeram surgir o interesse das
tou forte descontinuidade com o pa- ções de pesquisa e desenvolvimen- grandes empresas da área de medi-
drão vigente no pós-guerra. As formas to tecnológico. A competição e a camentos. Hoje, a produção indus-
de organização da produção, as no- cooperação aparecem como momen- trial de imunobiológicos depende
vas biotecnologias e a revolução mi- tos diferenciados e relacionados com cada vez mais das grandes empre-
croeletrônica, entre outras tecnologi- as estratégias empresariais. sas da área farmacêutica.
as, transformaram o ambiente com- Na realidade, esta dinâmica es- A produção de vacinas ainda é
petitivo de diversos setores industri- truturou-se a partir dos anos 1980, um dos segmentos de mercado da
ais, notadamente daqueles intensivos indústria farmacêutica menos estu-
em tecnologia e pautados no conheci- dado em nosso país, entretanto al-
mento científico. No caso específico gumas produções recentes permitem
das vacinas, surgem a cada momen- uma aproximação a esse campo de
O CRESCENTE INTERESSE DAS GRANDES
to novos produtos e processos. conhecimento, importantíssimo para
A revolução da biotecnologia EMPRESAS MULTINACIONAIS PELO SEGMENTO a saúde pública.
contribuiu para que ressurgisse o DE VACINAS, COM O LANÇAMENTO DE NOVOS As distintas estratégias comerci-
interesse privado das grandes em- ais da indústria farmacêutica refe-
PRODUTOS, INTRODUZIU NESSE CAMPO UM
presas farmacêuticas pela área de rentes à comercialização das dife-
vacinas. Desde o sucesso do desen- CONJUNTO DE PRÁTICAS QUE JÁ VIGORAVAM rentes classes terapêuticas no país
volvimento de vacina contra a he- NO RESTANTE DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA já haviam sido objeto de estudos
patite B por engenharia genética, e anteriores (T EMPORÃO, 1986; B ARROS,
com a crescente preocupação com 1995). O crescente interesse das gran-
as doenças emergentes (destacando- des empresas multinacionais pelo
se a AIDS ), a lógica empresarial pas- quando as bases industrial, tecno- segmento de vacinas, com o lança-
sou a dominar o cenário, trazendo lógica e empresarial que envolviam mento de novos produtos, introdu-
consigo uma tendência à restrição os produtores da área de vacinas ziu nesse campo um conjunto de
da difusão de novas tecnologias sofreram uma ruptura radical. Até práticas que já vigoravam no res-
para outros concorrentes. o final da década de 1970, as tecno- tante da indústria farmacêutica.
O novo dinamismo em termos do logias existentes para a produção Enquanto no caso de medicamen-
progresso técnico vem ocorrendo das principais vacinas eram razoa- tos o médico ainda é o centro do pro-
simultaneamente com o processo velmente difundidas e os preços dos cesso dos esforços de vendas, no das
conhecido como globalização, no produtos, em média baixos, não vacinas este processo envolve tam-
qual as grandes empresas passam atraíam os grandes produtores da bém as relações entre as práticas ins-
a competir ao redor do planeta, es- indústria farmacêutica para este titucionais e o Programa Nacional de
tabelecendo bases e acordos em to- segmento de mercado. A maioria dos Imunizações (PNI). A inexistência, em
das as regiões. No campo tecnoló- ‘produtos’ eram de empresas tradi- tese, da automedicação, somada ao

102 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003
A indústria de vacinas e as estratégicas de comercialização

fato de a demanda para os produtos sões. Primeiro, terão que elaborar men- dos quatro grandes produtores mun-
sagem mais próxima das preocupações
modernos ser altamente ‘inelástica’ diais, com fortes interesses no mer-
dos médicos. Em segundo lugar, preci-
ao preço (para pessoas e empresas), cado brasileiro. 1
sarão compreender que tipo de mídia é
faz com que os rumos do mercado mais efetivo para cada tipo de médico e Procedeu-se, ainda, a análise do
sejam a prescrição médica trabalha- desenhar a partir daí suas estratégicas material utilizado na formação dos
da pela indústria em bases similares de marketing e, por último, terão de profissionais de venda dos produ-
reconhecer a influência crescente do
aos medicamentos de patentes. De tos e também dos documentos insti-
conjunto de decison make, entre os
fato, as diferenças e especificidades quais pacientes, farmacêuticos, finan- tucionais. Além disso, para avaliar
existentes são atribuídas ao próprio ciadores e provedores da assistência ... de que modo distribuidoras e clíni-
objeto de análise: a vacina. (MERCER MANAGEMENT C ONSULTING, 2001, cas trabalham ‘seu mercado’, reali-
p. 5, tradução nossa).
Segundo a Mercer Management zaram-se entrevistas com uma dis-
Consulting (2001), o exame da ca- Essas mudanças em processo tribuidora de São Paulo e quatro clí-
deia de atividades da indústria far- apontam para a transformação den- nicas de imunização, sendo três do
macêutica revela nos campos emer- Rio de Janeiro e uma de São Paulo.
gentes de competição entre as em-
presas os esforços de marketing vol- ESTRATÉGIAS DE COMERCIALIZAÇÃO
tado para os médicos. Segundo aná- NA INDÚSTRIA DE VACINAS
lise de documento dessa empresa de NÃO SURPREENDE QUE
consultoria, na segunda metade dos Apesar de a estrutura básica das
OS MÉDICOS ESTEJAM
anos 1990, o número de represen- atividades de marketing ser semelhan-
tantes de vendas nos EUA crescia a
CADA VEZ MENOS DISPOSTOS te à da indústria farmacêutica, como
uma taxa anual de quase 20%, en- A PERDER TEMPO EM ENCONTROS COM o financiamento de revistas, congres-
quanto o número de médicos per- sos, produção de artigos e folhetos,
REPRESENTANTES DA INDÚSTRIA
manecia estável. Por outro lado, em além da visita do ‘consultor’ (COR-
1989, enquanto 85% dos médicos REIA , 2002), percebeu-se um conjunto

concordavam em receber os repre- de especificidades que lhe conferem


sentantes de laboratórios, esse per- características próprias. O levanta-
centual caía para 65% em 1999 tro das práticas de vendas da in- mento de campo permitiu perceber
(MERCER MANAGEMENT CONSULTING, 2001). dústria, que tende a envolver cada um processo em andamento voltado
Segundo esse estudo, não sur- vez mais pacientes, farmacêuticos, para a reestruturação global das es-
preende que os médicos estejam police makers e outros autores cen- tratégias de marketing, pela indús-
cada vez menos dispostos a perder trais do Complexo Médico-industrial tria de vacinas, especificamente
tempo em encontros com represen- (C ORDEIRO, 1980). quanto à preparação dos propagan-
tantes da indústria. Portanto, a com- Com o objetivo de estabelecer as distas e do material pedagógico e
petição pela sua atenção será feroz: bases sobre as quais se organizam informativo utilizado para esse fim.
as atividades de marketing na indús- O primeiro fato a ser destacado é
Para vencer neste campo emergen-
te de competição, as empresas precisa- tria de vacinas, foram realizadas que o profissional de vendas na in-
rão se sobressair dentro de três dimen- entrevistas com executivos de um dústria de vacinas recebe outro

1 Por questões de sigilo, a empresa será denominada Alfa.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003 103
TEMPORÃO, José Gomes

nome, o de consultor médico. Não ção do mercado a ser visitado. São sas; ao longo do ano, o trabalho vol-
se trata apenas de uma nova deno- trabalhados apenas os médicos, as ta-se para outra doença, como a ca-
minação, mas de um novo conceito clínicas e as empresas com alto po- tapora, por exemplo, e, além dos
para o relacionamento entre a em- tencial de prescrição de vacinas. consultórios, trabalha-se diretamen-
presa produtora e o mercado. Ele é Em relação ao processo de ca- te com as escolas. Durante o desen-
denominado de ‘consultor de vaci- pacitação, leva-se em conta a neces- volvimento das campanhas, os con-
nas’ ou ‘consultor médico’ e tem um sidade de prover o consultor de fer- sultores médicos recebem apoio de
perfil distinto do trabalho profissio- ramentas no campo das relações hu- uma equipe com cerca de 136 repre-
nal de vendas da indústria farma- manas, dado que “ele (o consultor sentantes. Essa equipe, em sua visi-
cêutica. A indústria busca um per- médico) tem de ser polivalente. Hoje ta regular de divulgação das distin-
fil mais específico, com capacitação contata a diretora de uma escola, tas classes terapêuticas, apresenta ao
mais detalhada. Além disso, o tem- amanhã o chefe de um serviço, o médi- médico algum tipo de informação
po de visitação ao médico em vaci- co de uma empresa, depois o mé- também sobre vacinas, mas diferen-
nas é maior do que em remédios. te da que está sendo trabalhada no
“Ele leva ao médico material deta- mesmo período pelos consultores
lhado que só a indústria pode for- médicos (CORREIA , 2002).
necer. Esta é uma tendência inter- A CENTRALIDADE DO MÉDICO NO No caso da vacina contra a vari-
nacional e não específica do Bra- cela, a empresa Alfa utiliza a mídia
TRABALHO DE PROPAGANDA É MUITO FORTE.
sil” (CORREIA, 2002). A constatação (impressa e televisiva) para informar
pela indústria do crescente grau NO CASO DAS VACINAS PEDIÁTRICAS, as famílias sobre a importância da
de informação obtido pelos paci- ESTA INTERMEDIAÇÃO É CLARAMENTE doença e estimulá-las a consultar
entes, inclusive por meio da Inter- seu médico de confiança.
ESTABELECIDA EM CONSULTÓRIOS PRIVADOS,
net, exige maior qualidade do tra- A centralidade do médico no tra-
balho desenvolvido com o médico, MATERNIDADES E SERVIÇOS DE SAÚDE balho de propaganda é muito forte.
e torna disponível a esse profissio- No caso das vacinas pediátricas,
nal informação mais detalhada do esta intermediação é claramente es-
ponto de vista técnico. tabelecida em consultórios priva-
A empresa Alfa tem no país 380 dico especialista em seu consultó- dos, maternidades e serviços de
representantes de laboratório, sen- rio” (CORREIA , 2002). saúde. Percebeu-se a realização per-
do que 21 são consultores de vaci- Por outro lado, o planejamento manente de pesquisas que orienta-
nas. “Apesar de seu número reduzi- das atividades e a delimitação do vam a indústria em seu trabalho
do, sua produtividade medida pelo público alvo estabelecem uma dinâ- de divulgação. Uma pesquisa rea-
retorno em vendas é muito maior do mica específica para o funcionamento lizada com 22 mil pediatras pela
que o do representante tradicional.” do setor de marketing da empresa. O empresa Alfa mostrou que um per-
(C ORREIA, 2002). trabalho obedece à sazonalidade: no centual considerável não usava a
O desempenho diferenciado des- início do ano, todos os esforços vol- vacina como prescrição a seus pa-
ses representantes seria explicado tam-se para a venda da vacina con- cientes. Por isso, a indústria envol-
por dois fatores principais: um pro- tra gripe e os principais alvos são os ve-se cada vez mais com projetos
cesso de capacitação diferenciada e serviços médicos e os departamen- de educação médica continuada por
um detalhado trabalho de delimita- tos de saúde ocupacional de empre- meio de parcerias com universida-

104 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003
A indústria de vacinas e as estratégicas de comercialização

des, associações médicas, clínicas teriais bibliográficos, pôsteres para desde o final da década de 1990. Por
determinação do Ministério da Saúde
de vacinação, financiamento de cur- campanhas, etc.
(MS), passou a haver extensão da faixa
sos de especialização, etc. Segun- obrigatória de vacinação até a adoles-
Nosso trabalho de marketing
do o gerente de vendas da empresa está centrado basicamente junto aos cência, devendo ser atendidos todos os
Alfa, “este é o maior desafio da in- médicos, enviamos informativos para menores de 20 anos. Esta medida aju-
pediatras, clínicos, ginecologistas, da a diminuir a propagação de doença,
dústria” (ANDRADE, 2001). 2
dermatologistas e infectologistas. pois a transmissão por via sexual é a
As empresas são o grande mer-
(TAVARES, 2001). forma mais comum de acometimento,
cado para a vacina contra gripe, sendo a maior incidência nesses casos
dentro de políticas voltadas para a Um outro exemplo de estratégia na faixa etária de 18 a 39 anos. A clíni-
é o procedimento de ‘cooperação’ ca X, cônscia de sua missão de esclareci-
redução do absenteísmo. Este é um
mento à população, vem através desta
mercado específico, que usa um com o PNI, estabelecendo uma ‘pon-
encaminhar proposta de entregar a seus
marketing específico, no qual há te’ com o segmento privado. Uma
alunos orientações sob a forma de carta
uma triangulação entre o laborató- das clínicas entrevistadas enviou na qual a gravidade e seriedade da do-
ença serão relembradas e comunicare-
rio produtor, as clínicas de vacinas
mos o fato de estar a vacina disponibi-
e a empresa cliente. Dentro do mer-
lizada nas redes pública e privada e, no
cado de gripe este segmento repre- caso de opção pelo uso da última ofere-
sentaria entre 60 e 70% (GOMES, 2002). cer convênio através do qual os alu-

Já as clínicas utilizam diversas


AS EMPRESAS SÃO O GRANDE nos de sua entidade de ensino passam
a ter 20% de desconto em cada dose
estratégias em seu trabalho promo- MERCADO PARA A VACINA
efetuada. (Clínica X, levantamento de
cional, algumas delas até inovado-
CONTRA GRIPE, DENTRO campo, 2001).
ras. O depoimento da proprietária de
uma clínica de pequeno porte, loca-
DE POLÍTICAS VOLTADAS A estratégia cumpre o papel pe-
dagógico referente à informação (não
lizada na zona sul da cidade do Rio PARA A REDUÇÃO DO ABSENTEÍSMO
cumprida integralmente pelo PNI)
de Janeiro, é um exemplo:
sobre a doença e como se proteger;
Mala direta, palestras abertas ao informa que a mesma pode ser obti-
público em geral sobre temas de inte-
da tanto no setor público como no
resse geral em saúde... Organizamos
uma correspondência à direção de privado; e oferece um desconto para
talk shows sobre saúde e prevenção
em parceria com empresas do bairro. uma escola chamando a atenção aqueles que optarem pelo último.
Queremos nos caracterizar como um para a importância da vacinação Diferentemente do perfil de con-
serviço do bairro através de uma mai- contra a hepatite B e destacando as sumo de medicamentos, em que são
or participação na via comunitária. recentes mudanças no calendário múltiplos e complexos seus deter-
(TAVARES , 2001).
oficial do governo. minantes, no caso das vacinas a in-
A indústria usa, em geral, o mes- termediação entre produção e con-
A vacinação contra a hepatite B faz
mo material de marketing utilizado parte do calendário obrigatório de vaci- sumo é fortemente – se não exclusi-
com os médicos, como folhetos, ma- nas para crianças menores de 2 anos vamente – dada pelo médico e pelas

2
Pesquisa realizada por Melo (1998) durante um congresso médico, visando avaliar o nível de conhecimento dos pediatras a respeito das
hepatites virais na infância. Obtiveram-se os seguintes resultados: apenas 50,2% dos médicos eram vacinados contra hepatite B; 61,5%
nunca haviam orientado seus pacientes a utilizar esta vacina; 41,5% deles, na sua orientação das vacinas de rotina, obedeciam apenas ao
calendário básico da OMS e apenas 38,3% sabiam da existência de vacinas para as hepatites A e B.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003 105
TEMPORÃO, José Gomes

práticas dos serviços de saúde. Nes- As mudanças detectadas, sobretu- enças, são apresentadas informa-
te espaço, o autoconsumo não se do na formação do consultor em saú- ções detalhadas sobre as doenças
apresenta como possibilidade con- de, apóiam-se em vasto material de que podem ser prevenidas por imu-
sistente. O fato de não ser comerci- uso interno, voltado para o treinamen- nização, incluindo epidemiologia,
alizada no varejo farmacêutico e de to e educação continuada desses pro- características clínicas, agentes etio-
ser um produto biológico com pa- fissionais. Procedeu-se à análise de lógicos, período de incubação, en-
râmetros de utilização e manuseio parte do material utilizado pela em- tre outros. No terceiro volume são
mais específicos, restringe os espa- presa Alfa para esse fim. O material apresentadas as vacinas utilizadas
ços possíveis para sua oferta. utilizado para o treinamento básico pela empresa, seu perfil, lógica da
Ao contrário das mensagens pu- do consultor em vacinas da empresa composição e de armazenamento,
blicitárias voltadas para a ampliação em referência consta de três volumes: vias de administração e de possí-
do consumo de remédios – por meio fundamentos básicos, doenças e va- veis eventos adversos e contra-in-
da propaganda de medicamentos –, a cinas fabricadas pela empresa. dicações (Manual de Treinamento
publicidade institucional do MS, com de Vacinas – empresa Alfa). Os
ênfase na convocação da população conteúdos são explicados em ter-
para os dias de vacinação, atuaria mos técnicos, não se percebendo
como amálgama nesse processo.
NO ANO DE 2000, EM I SRAEL, UMA
nenhum esforço de ‘tradução’ dos
Entretanto, os conflitos éticos pre- GRANDE EMPRESA FARMACÊUTICA FINANCIOU significados para o leitor leigo que
sentes com freqüência no conjunto de
A VEICULAÇÃO NA TEVÊ, RÁDIO E JORNAIS DE permitam detectar a preocupação
estratégias da indústria de medica-
em possibilitar um domínio dife-
mentos podem estar se aproximando UMA CAMPANHA ESTIMULANDO OS PAIS A
renciado dos códigos e saberes ci-
da indústria de vacinas. No ano de VACINAREM SEUS FILHOS CONTRA A VARICELA entíficos. Em um mercado no qual
2000, em Israel, uma grande empre-
NO MERCADO PRIVADO (A VACINA NÃO É o tempo disponibilizado por médi-
sa farmacêutica financiou a veicula-
cos para receber representantes da
ção na tevê, rádio e jornais de uma OFERECIDA PELO PROGRAMA PÚBLICO)
indústria é extremamente precio-
campanha estimulando os pais a va-
so, saber se comunicar de ‘igual
cinarem seus filhos contra a varice-
para igual’ com estes profissionais
la no mercado privado (a vacina não No volume de fundamentos bá-
sicos, entre outros conteúdos en- torna-se um diferencial no proces-
é oferecida pelo programa público).
contram-se: histórico da descober- so de competição.
A campanha foi organizada pela
Associação de Pediatria de Israel e As- ta das vacinas; conceitos de imu- Outro material utilizado é o Bo-
sociação de Médicos de Família e per- nologia, bacteriologia e virologia; letim, publicação periódica mais
cebida por aquele país como uma técnicas de aplicação de vacinas e ágil, em que são apresentadas, de
forma de pressão para a inclusão da controle de infecção; armazena- forma dinâmica, situações específi-
vacina no programa oficial do gover- mento e glossário de termos técni- cas do cotidiano da utilização des-
no (SIGEL-ITZKOVICH, 2000). cos utilizados. No volume de do- ses produtos.3 Esse material, com-

3
O número de março de 2002 traz matérias sobre: o fator preço na estratégia de vendas, a discussão de situações concretas registradas pelos
operadores de telemarketing, a análise de comparação entre formas de apresentação de vacinas antiinfluenza, a apresentação do novo
calendário de vacinação da Academia de Pediatria, além de testes dinâmicos que permitem avaliar o desempenho dos consultores diante de
situações hipotéticas da realidade da prática clínica e institucional da área de vacinas (Boletim da Empresa Alfa, 2002).

106 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003
A indústria de vacinas e as estratégicas de comercialização

plementar aos manuais de formação, cilitadores do conceito da vacina • o treinamento de enfermeiras


evidencia o que foi dito antes. A in- hexavalente; dessas 30 clínicas sobre os produ-
dústria prepara um técnico com for- tos a serem trabalhados;
• o financiamento da ida de mé-
mação diferenciada, que fala a lin-
dicos e jornalistas para um sim- • a publicação de artigos em re-
guagem do médico e está em condi-
pósio internacional sobre vacinas vistas e jornais de circulação nacio-
ções de responder a questões técni-
no exterior; nal (Empresa Alfa, 2002).
cas e práticas, a informar e formar.
• a divulgação na mídia, leiga e Neste exemplo, o alvo são as clí-
A análise de documentos internos
médica, sobre vacinas combinadas nicas de vacinação, os médicos e o
da empresa Alfa permite aprofundar
e especificamente sobre seu produ- consumidor. As estratégias, ao mes-
o entendimento das diversas e múlti-
to hexavalente; mo tempo em que buscam atingir os
plas estratégias utilizadas no proces-
so de competição. Em um deles é espaços especializados de oferta,

apresentado o processo de estratégi- preocupam-se também em estimular

as de vendas de dois produtos, per- a demanda por parte de pessoas e


mitindo entendimento mais adequa- empresas a partir da disseminação
do de como as empresas percebem o de matérias referentes direta e indi-

mercado brasileiro e suas potenciali- A INDÚSTRIA PREPARA UM retamente aos produtos. A análise do
material permite, também, captar
dades. As vacinas são produtos mo-
TÉCNICO COM FORMAÇÃO DIFERENCIADA,
dernos: uma combina a vacina DtaP preocupações e esforços da empresa

com Hib e poliomielite (pentavalen-


QUE FALA A LINGUAGEM DO MÉDICO na busca de ampliar seu espaço no
mercado: realização de pesquisas, fi-
te), enquanto a outra acrescenta a essa E ESTÁ EM CONDIÇÕES DE RESPONDER
nanciamento de viagens para médi-
composição a hepatite B (hexavalen-
A QUESTÕES TÉCNICAS E PRÁTICAS, cos e jornalistas, treinamento de fun-
te). A partir de uma avaliação da atu-
al situação do PNI na oferta desse con- A INFORMAR E FORMAR cionários de clínicas e capacitação

junto de produtos, o laboratório colo- de líderes de opinião para atuar como

cou como objetivo para aquele ano divulgadores do conceito destes no-
vos produtos. A proposta de desen-
(2001) manter a mesma média de ven-
volver um esforço de inclusão dos
das do produto pentavalente e alcan-
produtos no calendário oficial da So-
çar a participação de 40% da vacina
ciedade Brasileira de Pediatria levan-
hexavalente no conjunto de vacinas • a realização de pesquisa de sen-
ta a possibilidade de que interesses
dessa família de produtos. As propos- sibilidade de preços e sua disponibi-
econômicos possam interferir no pro-
tas apresentadas evidenciam que as lização para as clínicas de vacinação;
cesso de definição das vacinas reco-
estratégias de marketing para esse
• a inclusão das duas vacinas mendadas pelas sociedades médicas.
segmento do mercado acompanham
no calendário de vacinação da So-
Muitas das atividades propostas nes-
estratégias gerais para o conjunto da
ciedade Brasileira de Pediatria;
se campo aproximam-se perigosa-
indústria farmacêutica.
• atingir, nesse esforço, cerca de mente das fronteiras da ética.
Destacam-se:
dois mil médicos prescritores de Outro exemplo é o de uma estra-
• o treinamento de oito líde- vacinas e 30 clínicas com potencial tégia voltada especificamente para
res de opinião para serem os fa- para esses produtos; o segmento empresarial, no caso

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003 107
TEMPORÃO, José Gomes

para a venda de vacina contra a gri- tra ou se ausenta, instaura-se um REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
pe. Aqui, ganha destaque a estru-
4
processo competitivo entre os dois,
turação de um conjunto de ativida- no qual o segundo perde clientes ANDRADE, Carlos. Entrevista realiza-
des voltadas para as empresas alvo. (TEMPORÃO , 2002). Esse processo se da com o gerente de marketing da
Após o primeiro contato, as em- dá a partir do desenvolvimento das empresa Alfa. Rio de Janeiro: Em-
presas alvo são divididas em dois estratégias de comercialização presa Alfa, 13 set. 2001.
grupos: as que já haviam vacinado aqui apresentadas.
BARROS, José Augusto Cabral de. Pro-
seus funcionários contra gripe e as Embora as práticas empresariais paganda de medicamentos: um aten-
que ainda não haviam feito isso. A e as distintas estratégias abordadas tado à saúde? São Paulo: HUCITEC,
partir daí, estabelecem-se estratégi- guardem similitude com as pratica- 1995.
as distintas. A infra-estrutura dis- das no conjunto da indústria farma-
BENCHIMOL, Jaime L. (Coord.). Febre
ponibilizada é relevante: construção cêutica, evidencia-se um leque de
Amarela: a doença e a vacina, uma
de base de dados, contratação de iniciativas que introduzem mudan-
história inacabada. Rio de Janeiro:
empresa de marketing, aquisição de ças importantes. O fato de a tradicio-
FIOCRUZ, 2001. 470p.
bases de dados das maiores compa- nal indústria de vacinas ter sido
nhias, desenvolvimento de relatóri- substituída pelas grandes empresas CORDEIRO, Hésio. Indústria da saúde
farmacêuticas inseriu a gerência de no Brasil. Graal: Rio de Janeiro,
os estatísticos, entre outras. O uni-
vendas e o departamento de marke- 1980. 229p.
verso a ser trabalhado possui cerca
de 7.200 companhias em todo o ting na nova racionalidade prevale- CORREIA, João Carlos. Entrevista rea-
país, sendo a meta vender para cer- cente no campo da vacinologia. lizada com o gerente da área de trei-
ca de 500 delas. Chama a atenção a A competição neste segmento namento da empresa Alfa. Rio de
preocupação com as relações entre ocorre em bases semelhantes as do Janeiro: Empresa Alfa, 18 mar. 2002.
este processo de esforço de vendas e restante da indústria farmacêuti-
GADELHA , Carlos; TEMPORÃO, José Go-
a postura de introduzir, ao mesmo ca, com base em práticas promo-
mes. A indústria de vacinas no Bra-
tempo, outros produtos com poten- cionais (propaganda e marketing) sil: desafios perspectivas. Rio de
cial futuro para aquele cliente. que observam princípios conceitual Janeiro: BNDES, 1999. 101 p.
Estas informações caracterizam o e comercial semelhantes. Entretan-
GOMES, Amauri. Entrevista realizada
desenvolvimento de uma área especí- to, percebem-se tendências a uma
com o gerente de produção de vaci-
fica de marketing da indústria de va- mudança no padrão de preparação
nas da empresa Alfa. Rio de Janei-
cinas (aquela voltada para o forneci- dos ‘consultores médicos’, de seg-
ro: Empresa Alfa, 18 de mar. 2002.
mento de produtos para empresas). mentação das práticas concorren-
ciais a partir das especificidades GRASSO, Waldir. Entrevista realizada

CONCLUSÃO dos produtos envolvidos e de bus- com o diretor da distribuidora de


vacinas Express. São Paulo: Ex-
ca de novas mídias que possam
press, 27 de nov. 2001.
Como o segmento privado cres- ampliar o acesso a médico, con-
ce e desenvolve-se nos espaços e sumidores, empresários, provedo- HOMMA , Akira (Org.). Proceedings of
nichos nos quais o PNI não pene- res e financiadores. the international workshop on vac-

4
O mercado institucional para essa vacina representou cerca de 60% do volume de vendas desse produto comercializado no ano 2001 (GOMES,
2002; GASSO , 2001).

108 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003
A indústria de vacinas e as estratégicas de comercialização

cine development and production:


vaccine development; new chal-
len ges. Rio de Janeiro: FIOCRUZ /NS,
1999. 641 p.

M ELO, R. C. F. Conhecimento dos pe-


diatras sobre hepatites virais. 1998.
87p. Dissertação (Mestrado) – Facul-
dade de Medicina, Universidade Fe-
deral da Bahia, Salvador, 1998.

MERCER MANAGEMENT CONSULTING. Where


are the next profit zones in phar-
maceuticals? 2001. (Mimeo.).

S IGEL-ITZKOVICH, J. Drug company pays


for campaign for chickenpox vacci-
nation. BMJ, London, v. 321, p. 656,
sep. 2000.

T AVARES, Regina. Entrevista realiza-


da com a proprietária da clínica de
vacinação P REVCLIN. Rio de Janeiro:
P REVCLIN, 21 de set. 2001.

T EMPORÃO, José Gomes. A propagan-


da de medicamentos e o mito da
saúde. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
183p.

. O complexo industrial da
saúde: público e privado na produ-
ção e consumo de vacinas no Bra-
sil. 2002. 257 p. Tese (Doutorado) –
Instituto de Medicina Social da Uni-
versidade do Estado do Rio de Ja-
neiro, Rio de Janeiro. 2002.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 101-109, maio/ago. 2003 109
MERHY, Emerson Elias & CECILIO Luiz Carlos de Oliveira
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

O singular processo de coordenação dos hospitais


The unique process of coordination in hospitals

Emerson Elias Merhy1 RESUMO


Luiz Carlos de Oliveira Cecilio2 Discute-se o tema da coordenação do hospital, tendo como ponto de
partida a crítica ao paradigma estrutural-funcionalista hegemônico na ad-
ministração hospitalar. Propõe-se a necessária ampliação do instrumental
teórico para pensar a singularidade da coordenação dos hospitais, utili-
zando-se tanto do pensamento mais crítico do campo específico da Teoria
das Organizações como das contribuições do Institucionalismo. Tendo como
referência as experiências de ensino, pesquisa e consultoria dos autores, as
organizações hospitalares apontam um conjunto de dispositivos analíti-
cos/práticos com grande potência para ‘abrir’ a micropolítica do hospital,
em particular a construção dos mapas de contratualidade e de conflito.

DESCRITORES: Administração Hospitalar; Serviços de Saúde; Planejamento Hos-


pitalar; Política de Saúde.

ABSTRACT
Recebido em 10/10/2001 The authors bring into consideration the topic of hospital coordination.
Aprovado em 20/06/2002
The starting point thereto is a criticism on the hegemonic structural-
functionalist paradigm involving Hospital Administration. They also
1
Livre-docente, professor da
propose an imperative widening of theoretical instruments to think over
Universidade Estadual de Campinas
(U NICAMP) the singularities regarding hospital coordination by means of employing
Rua Ana Fratta de Paula, 176 the most critical reasoning related to the Organization Theory as well as
CEP 13104-028 – Campinas – SP
the contributions arising from Institutionalism. Taking their own teaching,
e-mail: emerhy@fcm.unicamp.br
research, and consulting experiences linked to hospital organizations into
2 Doutor em Saúde Coletiva, professor da
account, the authors contemplate a set of analytical/practical mechanisms
Universidade Estadual de Campinas
(U NICAMP) e da Pontifícia Universidade to ‘open’ hospital micropolitics – mainly the construction of both
Católica de Campinas (PUCCAMP ) contractuality and conflict maps.
Rua da Tijuca, 1302 – Sousas
CEP 13104-180 – Campinas – SP DESCRIPTORS: Hospital Administration; Health Services; Hospital Planning;
e-mail: cecilioluiz@uol.com.br Health Policy.

110 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio/ago. 2003
O singular processo de coordenação dos hospitais

INTRODUÇÃO funciona como um verdadeiro siste- dernização, competitividade e eficiên-


ma, ou melhor, um subsistema den- cia que parecem dar o tom nestes tem-
Pretendemos fazer uma reflexão tro do sistema social mais amplo. Esse pos de globalização.
sobre o tema da coordenação dos subsistema consome insumos (huma- O paradigma ainda é funcionalis-
hospitais. Estamos chamando de nos, materiais, tecnológicos e finan- ta/sistêmico, porque vê o hospital
coordenação do hospital o conjunto ceiros) para desenvolver certos pro- constituído por ‘partes’ – seus vári-
de atividades ou ações desenvolvi- cessos internos que vão resultar em os serviços ou setores – bem articu-
das por um grande número de pes- determinados produtos/serviços para ladas entre si e trabalhando dentro
soas, com ou sem função formal de os seus clientes. Na lógica do merca- da lógica dos ‘objetivos organizacio-
gerência, que possibilita ao hospi- do (e a produção da área de ‘adminis- nais’. Não é demais destacar a idéia
tal manter-se em funcionamento 24 tração hospitalar’, hoje, está muito de que por essa lógica os trabalha-
horas por dia, de segunda a segun- voltada para esta lógica), é este feed- dores são ‘recursos humanos’, que
da, atendendo a pessoas e, de algu- back da satisfação do usuário que devem ser selecionados e socializa-
ma forma, cumprindo a ‘missão’ dos para cumprir, ‘parsoniamente’ 1,
que o justifica e legitima socialmen- seus papéis dentro da organização
te. ‘Coordenação’ será usado como (peças da engrenagem sistêmica).
sinônimo de ‘gestão’ nas reflexões
SOBREVIVE O HOSPITAL QUE PRODUZ Este ‘modelo mental’ para pensar
que se seguem. O termo coordena- o hospital é claramente insuficiente
ção remete a um tema caro aos fun-
MELHORES ‘PRODUTOS’ POR MEIO para o pensamento crítico comprome-
dadores da Teoria das Organizações, DE UMA AGRESSIVA POLÍTICA DE tido com a construção do Sistema
que é o ‘milagre’ de se incutir uma Único de Saúde (SUS) no nosso país.
INCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA E
certa direcionalidade ou uma ‘ma- Em primeiro lugar, porque o hospital
crorracionalidade’ nas organizações, DE UM CRESCENTE APERFEIÇOAMENTO E que estamos buscando construir, mais
a partir de uma miríade de interes- CONTROLE DOS SEUS PROCESSOS INTERNOS do que uma ‘empresa’ que precisa
ses, de projetos em disputa, de vi- sobreviver no mercado, deverá estar
sões, etc., que caracterizam os tan- comprometido com a efetivação da
tos atores que a constróem com suas política de saúde global como parte
práticas cotidianas. realimenta o sistema e assim se fe- de um complexo jogo de interesses
Boa parte da produção teórica so- cha o ciclo. Sobrevive o hospital que econômicos, culturais, políticos, en-
bre a gestão dos hospitais é feita a produz melhores ‘produtos’ por meio tre outros. Esta outra ‘razão de ser’
partir do referencial que poderíamos de uma agressiva política de incor- do hospital, e em particular do ‘pú-
designar de funcionalista/sistêmico – poração tecnológica e de um crescen- blico’, apresenta o desafio de ter que
hegemônico no campo que se conven- te aperfeiçoamento e controle dos seus lidar com temas como a universali-
cionou denominar ‘Administração processos internos. Quem não se ‘atu- dade, a eqüidade e a qualidade do
Hospitalar’ – e que não considera pro- aliza’ buscando reengenharias inter- atendimento para cidadãos no exercí-
blemática a existência de uma ‘ma- nas, de alguma forma não moderniza cio de seus direitos, mais para seus
crorracionalidade’ organizacional. O seus processos de gestão, acabando dirigentes do que para ‘clientes’ com
hospital, por esse tipo de abordagem, por ser ultrapassado pela onda de mo- liberdade de escolha dos produtos que

1
Referente à linha de pensamento do sociólogo Parsons.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio/ago. 2003 111
MERHY, Emerson Elias & CECILIO Luiz Carlos de Oliveira

desejam consumir. Para tanto, são tes na gestão/coordenação dos hos- grande importância para se pensar
necessárias estratégias que não se pitais enquanto um território com- as dificuldades e contradições na
esgotam nos estabelecimentos hospi- plexo de relações institucionais. coordenação dos hospitais. A outra
talares, mas que terão de ser entrela- Graça Carapinheiro (1997), par- vertente que ela apresenta é aquela
çadas com uma ampla rede de outros tindo de uma discussão construída construída a partir das contribuições
serviços de saúde e tantas outras po- no campo da Sociologia, problema- de Foucault, em particular o tema
líticas governamentais de defesa da tiza o hospital a partir de três ver- do poder enquanto disciplina e as
vida dos cidadãos. Trata-se, então, de tentes teóricas principais. Numa pri- relações poder/saber para uma
um novo lugar do hospital no siste- meira aproximação ao tema, utili- compreensão mais adequada das
ma de saúde e não no mercado. za a produção de autores que vão complexas maneiras que os médi-
Mas isto não é o que se deseja tentar revelar o quanto o hospital é cos estabelecem com a instituição, as
enfocar no texto. O que é tomado ou não uma burocracia, no sentido outras categorias profissionais e os
como fio condutor deste artigo é a weberiano do termo, para concluir pacientes. Finalmente, a autora não
reflexão sobre a insuficiência do recusa as contribuições de um con-
modelo funcionalista/sistêmico para junto de autores que, a partir de um
abordar com competência as ques- marco teórico assentado na fenome-
tões da micropolítica do hospital, nologia e na teoria da ação de base
em particular de seus mecanismos A ABORDAGEM DE CARÁTER weberiana, vão nos dizer que o hos-
de coordenação. É claro que o para- MAIS FUNCIONALISTA SATISFAZ MUITOS pital pode e deve ser visto a partir da
digma que questionamos dá supor- perspectiva da ordem negociada.
ASPECTOS DA COORDENAÇÃO HOSPITALAR E,
te a certas questões da administra- As contribuições de Carapinhei-
ção hospitalar à medida que o hos- POR ISSO, LEGITIMA -SE E REPRODUZ-SE ro nos remetem, entre outras coisas,
pital também funciona como um ao velho debate entre a ‘estrutura’,
COMO O MODELO A SER PENSADO
‘sistema’, ou melhor, tem aspectos com seus constrangimentos, e os
de funcionamento sistêmico, tem graus de liberdade da ação huma-
‘partes’ mais estruturadas e previ- na, que, no caso do hospital, assu-
síveis, tem fluxos de insumos, tem me tinturas muito vivas e contras-
processos com certa materialidade que é uma ‘burocracia de tipo espe- tadas. Por exemplo, o paradigma
e tem outputs claramente reconhe- cial’, ou melhor, é um tipo de orga- funcionalista/sistêmico é insuficien-
cidos. A abordagem de caráter mais nização que apresenta componentes te para tratar o hospital, pois privi-
funcionalista satisfaz muitos aspec- de funcionamento burocrático. Pode- legia mais os aspectos ‘estruturais’
tos da coordenação hospitalar e, por se dizer que é uma burocracia mo- – o ‘instituído’ – do que a ebulição
isso, legitima-se e reproduz-se como dificada ou uma burocracia convi- instituinte da vida hospitalar, com
o modelo a ser pensado. Este é o ponto vendo de modo tenso com uma or- seus múltiplos atores batalhando e
a se considerar nesta introdução: a ganização que também funciona mobilizando recursos para os seus
necessidade de uma reflexão teórica dentro de uma lógica adocrática . 2
objetivos operacionais, seus interes-
mais elaborada para dar conta da Tais considerações, mais do que um ses pessoais, corporativos e de gru-
singularidade e dos desafios presen- interesse meramente acadêmico, têm pos (BAREMBLITT, 1995). Basta ver como

2
Adocrático refere-se ao que tem o poder de dominar um saber específico.

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O singular processo de coordenação dos hospitais

o tema da delicada inserção dos mé- de assistencial (um pronto-atendi- No exemplo anterior, estávamos
dicos na vida hospitalar (não) é tra- mento por exemplo), na qual atuam refletindo a partir de uma única
tado nos textos de administração múltiplos profissionais e/ou equipes, unidade assistencial. O que dizer,
hospitalar, em particular nos orga- com distintas jornadas e regimes de então, da necessária coordenação
nogramas propostos que, de alguma trabalho, damo-nos conta do quão entre os vários serviços ou unida-
forma, traduzem (e reproduzem) os complexos, sutis, pouco explícitos des quando pensamos na integrali-
mecanismos de (não) coordenação do e ambíguos são os seus mecanis- dade do cuidado? Há sinais de ‘des-
trabalho destes profissionais. mos de coordenação. Ficamos, mui- coordenação’, facilmente encontrá-
Uma vez assumido que o hospi- tas vezes, com a sensação de uma veis na maioria dos hospitais, que
tal é ‘sistema’, podemos dizer que orquestra funcionando sem um re- resulta em uma avalanche de pro-
ele é também ‘estrutura’, ou, usan- gente; em outras palavras, a sensa- blemas para a direção superior,
do as indicações de Carapinheiro, ção de um imenso desencontro en- constituindo-se em boa parte de sua
tem uma reconhecível racionalida- tre os profissionais, uma grande ten- agenda de trabalho. A ‘descoorde-
de (do tipo racional-legal) com seus nação’ levada ao extremo significa-
mecanismos de autoridade, linhas ria a impossibilidade da realização
de mando, regras escritas e forma- do cuidado devido à dramática in-
lizadas típica das organizações que
QUANDO FALAMOS DE COORDENAÇÃO, terdependência das várias unidades
se aproximam da burocracia de tipo ou serviços do hospital entre si.
ideal weberiano. Mas, se o hospital
DEVEMOS ESTAR ENFOCANDO TANTO A Então, quando falamos de coorde-
é estrutura e, portanto, burocracia, COORDENAÇÃO DOS MEMBROS DAS VÁRIAS nação, devemos estar enfocando tan-
ordem, e lugar de reprodução, ele to a coordenação dos membros das
EQUIPES QUE COMPÕEM UM DETERMINADO
é, também, lugar de forças insti- várias equipes que compõem um
tuintes, de marcantes graus de li- SERVIÇO COMO A COORDENAÇÃO DOS VÁRIOS determinado serviço como a coor-
berdade para a ação dos atores ins- SERVIÇOS HOSPITALARES ENTRE SI denação dos vários serviços hospi-
titucionais, de negociação e cons- talares entre si. Com isso, nos de-
trução de complexas e fluidas re- frontamos com algumas perguntas:
des de contratualidades, de confli- Quem faz essa coordenação de fato?
tos, de configuração de coalizões são no cotidiano, quase o caos. Ape- Haveria múltiplas coordenações si-
e grupos de interesse e disputas e, sar de tudo, constatamos que, afi- multâneas? Quais os atores estra-
por tudo isso, campo de possibili- nal, ‘a coisa funciona’, isto é, a aten- tégicos para a coordenação? Há
dades em que se propagam outros ção é realizada, o hospital mantém- uma coordenação tipo topo-base?
sentidos e direções. se com as portas abertas de segun- Há um centro coordenador (ou cen-
da a segunda, 24 horas por dia, e o tros coordenadores), ou a coorde-
A TENSA COORDENAÇÃO DO HOSPITAL: O atendimento tem começo, meio e fim. nação se faz mais como rede, sem
QUE OS MODOS REAIS DE GOVERNAR OS Interrogar este ‘milagre’ da coorde- um centro único? Só governa quem
HOSPITAIS NOS ENSINAM nação, que no cotidiano vamos na- tem lugar nas estruturas formais,
turalizando, pode ser um bom pon- ou todos governam na cotidianida-
Quando nos detemos em proble- to de partida para tentarmos com- de das organizações?
matizar determinado setor do hos- preender um pouco melhor o que se O esforço para tentar responder
pital, em particular alguma unida- passa na vida do hospital. melhor a estes questionamentos,

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio/ago. 2003 113
MERHY, Emerson Elias & CECILIO Luiz Carlos de Oliveira

indo um pouco além do que apa- denominando de coordenação por respondência’ nos organogramas que
rentemente nos revelam os organo- unidade de produção. Se por uma conhecemos. Uma lógica não enun-
gramas tradicionais, vai nos mos- certa tradição que se mantém, as che- ciada, não reconhecida. Por que, en-
trar que o hospital não tem uma fias das áreas assistenciais são sem- tão, esta lógica sendo essencial, não
única, mas três bem marcadas lógi- pre prerrogativas dos médicos, eles, é reconhecida? Uma explicação pos-
cas de coordenação. A mais eviden- de fato, não coordenam o serviço sível: a lógica do cuidado, apesar de
te de todas, aquela que nos ocorre como um todo. A lógica da coordena- ser essencial ao funcionamento do
de imediato quando pensamos em ção por profissões coloniza de tal hospital, fica ‘desqualificada’ porque
coordenação, é a que segue a lógi- maneira tais unidades, que afinal, ela é feita, de fato, pela enfermagem,
ca das profissões, corporações ou não é possível reconhecer um, ou que no complexo território de poder
especialidades: a chefia médica, a melhor, ‘o’ coordenador de toda a equi- do hospital tem uma relação de su-
chefia de enfermagem, a chefia do pe assistencial. O que acontece então? balternidade em relação ao médico.
serviço social, o chefe dos aneste- Como se ‘coordena o cuidado’ de for- Então, há de se reconhecer que
sistas. Essa é a lógica inscrita nos existe a seguinte tensão constituti-
organogramas tradicionais, com va no processo gerencial (M ERHY,
suas bem marcadas linhas verticais 2000b) das áreas assistenciais: o
de comando ou de coordenação ho- A LÓGICA DA COORDENAÇÃO POR modo fragmentado de se coordenar
rizontal entre ‘pares’ (em particular todo o processo do cuidado, na ló-
PROFISSÕES COLONIZA DE TAL
entre os médicos), com graus dis- gica das profissões, tem que ser, de
tintos de autonomia em relação à MANEIRA TAIS UNIDADES QUE , AFINAL , alguma forma, integrado, ‘unificado’,
direção superior. Pode-se dizer que consertado, para que o cuidado, afi-
NÃO É POSSÍVEL RECONHECER UM,
esta é a forma predominante de co- nal, se realize. Há uma indefinição
ordenação pensada para a área as- OU MELHOR, ‘ O’ COORDENADOR DE de papéis, ou melhor, uma ambigüi-
sistencial. A segunda lógica é a da TODA A EQUIPE ASSISTENCIAL dade no processo de coordenação,
coordenação por ‘serviços’ ou uni- na qual os atores formalmente su-
dades de produção, e predomina na balternos (a enfermagem) têm um
coordenação das áreas-meio, sejam papel fundamental no processo da
elas mais ‘técnicas’ (laboratório, ma que, numa enfermaria, por exem- coordenação. Cremos que mesmo o
radiologia, banco de sangue, servi- plo, o paciente seja internado, receba pensamento mais crítico produzido
ço de esterilização de materiais, etc.) cuidados de vários tipos de profissio- pela enfermagem tem deixado de per-
ou mais administrativas (pessoal, nais, seja submetido a uma grande ceber o quanto esse aspecto tem
finanças, manutenção, serviços ge- variedade de exames complementa- centralidade. Dito de outra forma, a
rais, etc.). Essa lógica também é res, sua família seja contactada e, em enfermagem não faz ‘apenas’ a co-
bem representada nos organogramas algum momento, tenha alta? ordenação do seu pessoal. Ela vai
tradicionais, tais como a chefia do Para avançar nessa reflexão, é além, lançando um papel muito mais
laboratório e a chefia do serviço de necessário reconhecer uma terceira ‘estratégico’ para a vida hospitalar e
nutrição e dietética. Vale dizer que lógica de coordenação: a do cuida- muito mais complexo e difícil do
nas áreas assistenciais não há nada do. Tal lógica, apesar de sua impor- ponto de vista de sua operacionali-
parecido com uma coordenação ‘uni- tância, aparece ‘desqualificada’, in- zação: a gestão do cotidiano das
ficada’ do serviço ou o que estamos clusive sem uma tradução ou ‘cor- unidades assistenciais.

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O singular processo de coordenação dos hospitais

As coisas, de fato, se passariam o ‘cuidado’ da enfermagem. Os mé- áreas assistenciais, aqui definido
da seguinte forma: a enfermagem, até dicos ‘passam’ pelo cotidiano do como algo que transcende a coorde-
por seu discurso fundador enquanto hospital quando o tema é a sua co- nação especificamente da ‘catego-
categoria profissional, é a ‘cuidado- ordenação. A coordenação, embora ria’, pode ser melhor evidenciada
ra’, no sentido de ‘dar suporte’, ser não seja por ‘direito’, é da enferma- quando se constrói o que vamos
continente, buscar suprir as necessi- gem. Isto constitui outro lugar de denominar de ‘rede de contratuali-
dades dos pacientes na sua integra- poder no hospital. dade’ do hospital. Os hospitais po-
lidade biopsicossocial. A radicaliza- Pode-se dizer que esta tensão dem ser pensados como uma com-
ção dessa função cuidadora impli- constitutiva do hospital, revela, se plexa rede composta por centros de
caria em uma relação muito mais de bem olhada, um paradoxo: quem escuta e de fala ou de petições e
‘equipe’, horizontal, de colaboração coordena o cuidado é o pólo domi- compromissos. Relações de petições
da enfermagem tanto com os médi- nado em uma relação de domina- e compromissos são relações biuní-
cos quanto com as várias outras ca- ção. Tal violência é compreendida vocas, ou seja, relações que se es-
tegorias: o assistente social, o psicó- tabelecem aos pares, e do tipo: A
logo, a nutricionista, etc. Um ‘traba- espera que B cumpra tal coisa, ex-
lhador coletivo’, cuja alma fosse cui- pectativa que é completada pelo
dar (MERHY, 2000a). Ora, o que acon- compromisso de B em cumprir a
tece na prática? Se de alguma forma C OM GRAUS DISTINTOS DE coisa esperada ou demandada por
a enfermagem consegue construir a
FORMALIZAÇÃO, ENUNCIAÇÃO OU A. Da mesma forma que B espera
integralidade do cuidado em parce- que A cumpra tal coisa quando A se
ria com algumas categorias profis-
RECONHECIMENTO, O HOSPITAL FUNCIONA, compromete a tanto.
sionais, numa relação mais horizon- E SÓ PODE FUNCIONAR , DEVIDO A ESTA Com graus distintos de formali-
tal e realmente negociada, comparti- zação, enunciação ou reconheci-
AMPLA REDE DE CONTRATUALIDADE
lhada com os médicos, as coisas se mento, o hospital funciona, e só
dão numa relação muito mais des- pode funcionar, devido a esta am-
favorável porque os últimos, na mi- pla rede de contratualidade. Se sua
cropolítica do hospital, mantêm his- unidade de construção é biunívoca
toricamente relações de poder em re- em toda a sua dimensão, inclusive, ou aos pares (A com B), estas ‘uni-
lação à enfermagem. Aqui não se quando nos deparamos com os me- dades relacionais’ (entre A e B) vão
fala, como nas outras categorias pro- canismos institucionais que ‘natu- se reproduzindo ao infinito, de for-
fissionais, de ‘negociação’. Trata-se, ralizam’ ou ocultam tal paradoxo. ma móvel, dinâmica e com intensi-
na verdade, de típicas relações de dades diferentes, construindo com-
dominação no sentido weberiano do A CONSTRUÇÃO DA REDE DE plexas figuras multidimensionais,
termo. Poderíamos afirmar que os CONTRATUALIDADE: REVELANDO AINDA sem limites muito precisos e que
médicos atuam, de fato, como ‘cli- MAIS O QUANTO SÃO NECESSARIAMENTE constituem a ‘materialidade’ da or-
entes’ do hospital. Agem como clien- DESCENTRADOS OS PROCESSOS DE ganização. Esta idéia que estamos
tes do hospital que lhes garante os COORDENAÇÃO DO HOSPITAL apresentando está referenciada amais
‘insumos’ para a sua prática profis- de uma concepção das organizações,
sional: exames complementares, ho- A função estratégica da enferma- entre as quais a destas como ‘fenô-
telaria, medicamentos e, inclusive, gem na coordenação gerencial das menos lingüísticos’ (F LORES, 1987),

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MERHY, Emerson Elias & CECILIO Luiz Carlos de Oliveira

como ‘ordem negociada’ (S TRAUSS ‘áreas-meio’ ou de apoio do hospi- omisso, e que a contratualidade até
apud CARAPINHEIRO, 1997) ou Silver- tal. Nestas últimas, o A construtor seja construída por demais membros
man (1975). Compreender como fun- da contratualidade, ou seja, quem da equipe, há uma referência reco-
ciona esta rede de contratualidade oferece produtos para B ou quem de- nhecida institucionalmente de quem
tem sido nosso trabalho, tanto numa manda de B ‘insumos’ para alimen- é A. Há, em potência, a possibilida-
lógica mais analítica como mais tar o processo de trabalho de suas de de ser o A real, em toda a plenitu-
‘instrumental’. unidades é o ‘chefe’ do serviço (che- de. Poderíamos dizer que esta é uma
Este esquema analítico vai se fe do serviço de pessoal, chefe do característica das unidades-meio dos
tornando mais complexo quando nos laboratório, chefe do banco de san- hospitais, que apresentam o que se
indagamos ‘quem’ são A e B. Se gue, etc.). Interessa ressaltar que designa como o tipo burocrático em
pensarmos em uma organização do este é um A formalmente investido funcionamento.
tipo ideal, na qual predominasse a para esta função ‘de ser A’ dentro da As coisas se passam de maneira
coordenação por unidades de pro- racionalidade formal-legal das orga- bem diferente nas unidades assisten-
dução, A e B seriam sempre unida- ciais. Nelas, o A que tem mais peso
des de produção: contratualidades é a enfermagem. É claro que há ou-
construídas entre equipes ou gerên- tros ‘A’, ou seja, profissionais da
cias, tendo como ‘moeda de troca’ equipe que também constróem ou
os respectivos ‘produtos’ de cada QUEM ‘GERENCIA contribuem para a construção da
unidade de produção. Em outra or- O CUIDADO’ É A rede de contratualidade, imprescin-
ganização, também de tipo ideal, dível para o funcionamento da uni-
ENFERMAGEM. A PRÁTICA
na qual predominasse uma coorde- dade. Por exemplo, o assistente so-
nação por profissões, A e B seriam DA ENFERMAGEM ‘VERTEBRA ’ cial que atua na enfermaria estabe-
profissionais diferentes que fariam lece ‘contratos’ com o chefe da frota
O CUIDADO
uma ‘troca de saberes’ para com- de veículos para a condução de pa-
por o cuidado. Neste caso, os sabe- cientes ou com o pessoal do setor
res seriam a ‘moeda corrente’ de financeiro para obter passes para
troca. Na verdade, nos hospitais pacientes carentes. Tal prática, po-
coexistem as duas lógicas, ou seja, nizações burocráticas. É claro que rém, fica muito longe da viabiliza-
na gestão do cotidiano, tanto sabe- há a discussão entre autoridade for- ção do cuidado de forma integral.
res quanto ‘produtos’ mais objeti- mal/legal e liderança, no sentido do Como já afirmamos antes, quem ‘ge-
vados (refeições, radiografias, exa- líder ser capaz de conduzir sem es- rencia o cuidado’ é a enfermagem.
mes laboratoriais, roupa limpa, tar investido de uma posse formal. A prática da enfermagem ‘vertebra’
etc.) são moedas de troca corrente Não é essa discussão que se deseja o cuidado. O seu poder de articula-
entre os vários trabalhadores para, fazer aqui. Neste momento, estamos ção e contratualização é muito mais
num complexo processo de coorde- querendo destacar que nas áreas- ampliado. Por exemplo, a contratu-
nação, produzirem o cuidado final. meio do hospital é possível reconhe- alidade que o assistente social faz é
Apresentadas estas idéias, in- cer um A que é legitimado, investi- subordinada a um certo ‘plano de
teressa-nos, agora, refletir um pou- do formalmente do poder e dever de cuidado’ que é de responsabilidade
co sobre ‘quem’ é o A nas unida- construir a rede de contratualidade. da enfermagem (F RANCO , 1999).
des assistenciais e nas chamadas Por mais que delegue ou até seja Quando dizíamos que a enfermagem

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O singular processo de coordenação dos hospitais

era um lugar de poder, estávamos cumprir compromissos (oferecer a enfermagem, no caso que estamos
nos referindo exatamente a isto: a medicamentos na quantidade, espe- apresentando, só terá sucesso na
enfermagem tem, de alguma forma, cificação e agilidade necessários construção da contratualidade com
o monopólio da gestão do cuidado. para o atendimento) exige da equi- a farmácia se conseguir estabelecer
Mas esta afirmação precisa ser pro- pe assistencial, por exemplo, que um contrato com os médicos, pelo
blematizada ou relativizada. determinados pedidos de medica- qual um dos compromissos destes
Precisamos deixar mais clara a mentos controlados sejam feitos de últimos com a enfermagem seja pre-
idéia de que há uma ‘tensão consti- determinada forma e em determina- encher adequadamente os impressos
tutiva’, uma espécie de pecado ori- do impresso padrão. Ora, quem pre- necessários ao bom fluxo das coisas.
ginal, na gestão das unidades as- enche tal impresso, legalmente, é o Este tipo de situação multiplica-se
sistenciais. A enfermagem é, inega- médico. Se o médico, como é usual ao infinito no cotidiano das unida-
velmente, o A mais ‘poderoso’ que acontecer, deixa de cumprir tal for- des assistenciais e é fonte permanen-
tece de forma mais articulada e com- malidade, inviabiliza o compromis- te de conflitos e ruídos. A enferma-
plexa a rede de contratualidade ne- gem precisa ir construindo uma rede
cessária ao cuidado, mas é um A muito extensa de contratos para ge-
que não coordena uma equipe como renciar o cuidado, mas não tem po-
nas áreas-meio. Ele não está inves-
SE A CONTRATUALIDADE É UMA der formal para garantir os outros
tido de uma autoridade legal-formal RELAÇÃO BIUNÍVOCA , AOS PARES, contratos essenciais para esta rede.
para fazer esta coordenação de for- Este dilema poderia ser contorna-
ELA SÓ PODE SER ENTENDIDA
ma abrangente, em toda a sua po- do dizendo que ela constrói, com o
tência, por uma simples razão: é um DENTRO DE UMA REDE MUITO MAIS médico, contratos, e que os médicos
A que é o pólo dominado na relação COMPLEXA E MULTIDIMENSIONAL DE também são B. Até poderia ser pen-
que o médico estabelece com todos sado assim e, então, seria possível
RELAÇÕES QUE ENVOLVE TANTAS
os profissionais da equipe e com os afirmar que a enfermagem faz, de
pacientes. Estabelece-se uma tensão, OUTRAS CONTRATUALIDADES fato, a gestão do cuidado. O proble-
fonte de conflitos permanentes: a ma é que o médico não é um B qual-
enfermagem ‘é e não é’ a gestora da quer, ele é um B interno à equipe;
contratualidade nas áreas assisten- so da enfermagem com a farmácia, mais do que isso, o médico dá o eixo
ciais, ‘tem e não tem’ o monopólio que deixa de cumprir o seu compro- e estabelece os ritmos do cuidado;
da gestão do cuidado. Como exem- misso também (oferecer o medica- mantém, cioso, o monopólio do di-
plo: a enfermagem tem uma intensa mento na agilidade requerida). agnóstico final e da indicação tera-
necessidade de ‘contratualização’ O exemplo citado, apesar de sim- pêutica, comanda o protocolo de cui-
com o pessoal da farmácia para ples, ilustra bem o que já havíamos dados, tem o poder de definir sobre o
garantir a finalização do cuidado. apontado antes, em particular que momento da alta e sobre tantas ou-
A enfermagem (A) precisa, então, se a contratualidade é uma relação tras coisas que têm uma importân-
estabelecer com a farmácia (B) um biunívoca, aos pares, ela só pode cia enorme para a configuração da
conjunto de petições e compromis- ser entendida dentro de uma rede assistência ao paciente. A relação dos
sos razoavelmente bem definidos muito mais complexa e multidimen- médicos com a enfermagem é de do-
para que o fluxo de medicamentos sional de relações que envolve tan- minação – e de um certo modo de
seja adequado. A farmácia, para tas outras contratualidades. Ou seja, hegemonia cultural-científica – por-

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MERHY, Emerson Elias & CECILIO Luiz Carlos de Oliveira

que ele, mesmo ausente fisicamente área assistencial seja a solução adequada para a rede da contratua-
do local de trabalho, estabelece o para os problemas apontados. Pelo lidade seria imaginar A como uma
campo no qual se estabelece a práti- contrário, estamos apenas queren- ‘condensação’ no centro de uma fi-
ca da enfermagem. A autonomia da do caracterizar a complexidade de gura multidimensional, irregular,
prática da enfermagem, e ela exis- tal atividade de coordenação e móvel e que se articulasse com ou-
te sempre, em ato, é claro (M ERHY , apontar novas formas de encará- tras condensações por meio de li-
2000b), dá-se dentro dos limites la, em particular a superação da nhas com tamanhos e, principalmen-
que o médico estabelece: o ‘pode’ e coordenação por profissões e a te, intensidades diferentes. O mapa
o ‘não pode’, o ‘deve’ e o ‘não deve’ necessidade de uma verdadeira ‘in- do conflito não seria, então, algo
já estão, em boa medida, instituí- vestidura’ do gerente (ou um gru- ‘justaposto’, mas algo ‘imanente’,
dos. Então, o médico não é um B po de gestão) com um maior po- entrelaçado, inseparável do mapa
‘qualquer’ quando olhado pela en- der de contratualidade com os ou- da contratualidade. Um mapa tam-
fermagem. Não é um B que se con- tros setores do hospital. bém móvel e com ligações entre as
tratualize numa relação horizontal, condensações de intensidades dife-
de troca, de relação entre iguais. A rentes, como situações de composi-
‘equipe’, que médicos e enfermei- ção de territorialidades em produ-
ros supostamente compõem, não O MAPA DO CONFLITO ção permanente, nas quais o outro
passa de um arranjo institucional também opera instituindo (GUATTARI,
NÃO SERIA , ENTÃO,
que indica pessoas marcadas por 1985; L APASSADE, 1987).
papéis e funções rigidamente defi- ALGO ‘JUSTAPOSTO’, Autores como Hall (1984) consi-
nidas para trabalharem em um
MAS ALGO ‘IMANENTE’, deram que o poder e o conflito es-
mesmo espaço, a partir de uma cer- tão no cerne da compreensão da vida
ta divisão do trabalho. Em oposi-
ENTRELAÇADO, INSEPARÁVEL da organização. Reconhecemos que
ção à visão funcionalista que nos DO MAPA DA CONTRATUALIDADE há conflito na vigência de uma rela-
parece ser insuficiente para pensar ção entre dois ou mais atores dis-
a micropolítica do hospital – ao ‘na- tintos que não se põem de acordo
turalizar’ esta divisão e vê-la como em relação a determinado ‘objeto’,
uma articulação harmônica, ‘fun- O MAPA DE CONFLITOS: ESCUTANDO entendido aqui como uma definição
cional’, para conseguir determina- A ORGANIZAÇÃO RUIDOSA de situação visando a ação. Não há
dos fins – ficamos com a idéia de conflito, pela definição adotada, se
que esta divisão do processo de tra- Há outros ‘mapas’ que podem há apenas um ator (a menos que
balho marca lugares de poder de ser lidos quando vamos explorando seja algo como ter um ‘conflito inte-
forma muito rígida e inegociável, a micropolítica da vida organizacio- rior’, coisa que escapa ao nosso in-
cujo ‘efeito’ mais visível são cla- nal. Por exemplo, é possível reco- teresse) ou se os atores presentes
ras relações de dominação como nhecer um mapa de conflitos ‘justa- estão de acordo com o ‘objeto’. Es-
nos referimos antes. posto’ ao mapa da contratualidade. tamos usando a idéia de conflito
Estas reflexões não significam Na verdade, um mapa sobre outro tanto para nomear o ‘observável’, o
que os autores estejam advogan- não seria uma figura adequada, ‘comportamental’, o ruidoso, aqui-
do que ‘oficializar’ as enfermeiras porque nos remeteria à idéia de pla- lo que a instituição já está enunci-
como gerentes das unidades da no. A representação gráfica mais ando, o que se fala pelos corredores

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O singular processo de coordenação dos hospitais

e dá identidade discursiva às coali- Fazer a gestão do conflito é o opos- pessoais entre os trabalhadores e
zações (ou ‘panelinhas’), embora to de negar o conflito, ‘jogando-o gerentes envolvidos. Nesta medida
nem sempre se manifeste em espa- para debaixo do tapete’. Também é que se diz que os organogramas
ços mais público de gestão (a fofoca não é negar ou tentar abolir o con- tradicionais não refletem, de fato, o
é ruído, o som do conflito), como o flito normativamente (‘por decreto’). mundo real em que vivem as pesso-
ainda não visível, o não dito, o mal- Fazer a gestão do conflito significa as e a intensa rede de comunicação
estar institucional, que quando tra- dotar os gerentes e as equipes de – no sentido que lhe dá Fernando
balhado por meio de determinados alguma teoria e competência práti- Flores (1987) “a comunicação como
dispositivos, a fala corre solta e no- ca para trabalhá-lo, fazer dele ma- o entendimento para a ação” – es-
vas camadas silenciosas vão emer- téria-prima da gestão. sencial para a garantia do cuidado.
gindo como ‘barulhos’, questionan- Pelo que foi dito até agora, as-
do o que era antes ‘justo’ e ‘natural’. sumimos como explicação para o ANALISANDO O RUIDOSO TERRITÓRIO
Há várias possibilidades de se conflitivo e ruidoso cotidiano do DA MICROPOLÍTICA DO TRABALHO
pensar a origem ou a gênese do con- NO HOSPITAL: AS CONTRIBUIÇÕES
flito. Nós vamos trabalhar com a DO INSTITUCIONALISMO
idéia de que os conflitos são mani-
festações fenomênicas de ‘superfí- FAZER A GESTÃO DO CONFLITO Poderíamos pensar um gerente de
cie’, de tensões constitutivas da vida área assistencial como alguém que
SIGNIFICA DOTAR OS GERENTES
organizacional, que localizamos em tem de compatibilizar, o tempo todo,
nível mais ‘profundo’, na ‘estrutu- E AS EQUIPES DE ALGUMA TEORIA o produtivo campo de autogovernos
ra’. Assim, o conflito observado, (dos trabalhadores de saúde) com
E COMPETÊNCIA PRÁTICA PARA
enunciado, reconhecido pelos atores certas diretrizes, propostas e interes-
institucionais quando ‘a instituição
TRABALHÁ- LO, FAZER DELE ses que constituem a lógica de go-
fala’, seria a parte visível, dinâmi- MATÉRIA-PRIMA DA GESTÃO verno da direção ‘superior’ do hos-
ca, multiforme de determinações pital. Os gerentes intermediários do
mais estáveis, ‘estruturais’ e cons- hospital exercem sua prática em um
titutivas da vida organizacional. As tenso território atravessado por es-
tensões constituem, modelam a or- hospital, o fato da sua coordenação tas lógicas e disputas de projetos. A
ganização, e são produtivas/destru- se fazer a partir de uma rede de con- questão que se apresenta é: como
tivas. Há uma relação dialética en- tratualidade ‘defeituosa’, irregular, compatibilizar a prática autônoma
tre tensão constitutiva, conflito e distorcida pelas relações de poder dos trabalhadores de saúde essen-
mudança (C ECILIO , 1999). Como nos institucionais e não problematizada cial para a qualidade do cuidado em
indica Hall (1984) “é a partir do con- pelo processo de gestão. As diferen- saúde com a necessária criação de
flito que muitas mudanças impor- tes contratualidades vão sendo cons- espaços decisórios mais públicos e
tantes ocorrem”. Concordamos com truídas por múltiplos atores em si- mais ‘coordenados’?
esta visão e pensamos em tencioná- tuação, com distintos graus de Um dos grandes desafios para a
la ou radicalizá-la no sentido de afir- ‘acerto’ e fluidez, mas sempre de ação gerencial no hospital refere-se
mar que alguma abordagem do con- forma espontânea, contínua e dinâ- à possibilidade de – partindo-se de
flito precisa ser assumida no pro- mica, na dependência, fundamental- um terreno de políticas e organiza-
cesso de coordenação do hospital. mente, dos conhecimentos e relações ções fortemente instituído pela pre-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio/ago. 2003 119
MERHY, Emerson Elias & CECILIO Luiz Carlos de Oliveira

sença de forças políticas hegemôni- certo modo de cuidar, que não é ne- do e um público, inscrito no modo
cas muito bem estruturadas histó- cessariamente sentido como ‘cuida- de operar o trabalho vivo no ato em
rica e socialmente, como no caso dor’ pelo usuário, embora seja con- relações intercessoras; e entre as dis-
dos modelos médicos e sanitários siderado como tal pelo trabalhador putas permanentes de distintas inten-
de intervenção em saúde – almejar que executa o ato de saúde. ções em torno do que são o objeto e
a exploração de territórios de po- Esta situação nem sempre per- o sentido das ações de saúde.
tências singulares a esse campo de mite a produção da saúde, pois Para quem almeja explorar as
práticas sociais (a saúde), dispa- implica que o processo produtivo im- ‘tensões-potências’ constitutivas do
rando-se a produção de novos ló- pacte ganhos ou, mesmo, recupere campo da saúde, a fim de desenvol-
cus de poderes instituintes (L OUREAU, graus de autonomia no modo do ver novos arranjos institucionais e
1987; G UATTARI, 1987). A função ge- usuário viver. As produções de atos processos de coordenação que resul-
rencial hospitalar tomará, então, de saúde podem ser simplesmente tem numa direcionalidade de um
como ponto de partida, o hospital ‘centradas em procedimentos’ e nos modelo de atenção centrado nas ne-
como lugar de instabilidades e in- cessidades dos usuários, não há
certezas permanentes, o que possi- como ignorar o desafio de intervir
bilitaria a construção de múltiplos no campo da gestão a partir das se-
guintes ‘polaridades’ que caracteri-
projetos tecnoassistenciais.
PODE-SE DIZER QUE
Pensar sobre esta ‘dobra’ entre zam o agir em saúde:
o instituído – lugar de poderes ter-
TODO PROCESSO DE
• produzir o cuidado em saúde
ritorializados – e os processos ins- TRABALHO EM SAÚDE
de modo centrado no usuário – que
tituintes disparados a partir desses
PARA PRODUZIR O CUIDADO mobiliza estrategicamente o territó-
locci de potências, é o que deve ser
rio das tecnologias leves e leve-du-
enfocado pela gestão em saúde, TEM QUE PRIMEIRO PRODUZIR
ras – ‘sem descartar’ a utilização
principalmente considerando-se que ATOS DE SAÚDE dos processos de produção de pro-
qualquer perspectiva de mudança
cedimentos mobilizadores de tecno-
está calcada em alta concentração
logias duras e leve-duras e, em re-
de poder para movimentar um se-
gra, centradas no profissional;
tor instituído muito bem estrutura- interesses da organização em si, e
do, e por isso de alto poder conser- não nas necessidades de saúde dos • produzir o cuidado em saúde,
vador, ou em estratégias que explo- ‘usuários’. A finalidade última pela que está sempre inscrito em uma

rem as ‘tensões-potências’ para ge- qual esta produção se realiza esgo- dimensão pública de jogos de inte-

rar novos desenhos territoriais ta-se na produção de um paciente resses e representações, ‘sem elimi-

(GUATTARI , 1985) e novas direciona- operado, vacinado e ‘ponto final’. nar’ o exercício privado das produ-

lidades no agir em saúde. Por isso trabalhamos com a idéia ções intercessoras, base de consti-

Pode-se dizer que todo processo de que os processos de produção do tuição de qualquer ato de saúde,

de trabalho em saúde para produzir cuidado – centralmente processos mas tomando o território particular

o cuidado tem que primeiro produ- intercessores (MERHY , 2000b) – ex- do usuário como eixo de ‘publici-

zir atos de saúde. Criar um procedi- põem várias tensões: entre o cuida- zação’ dos outros;

mento é produzir um ato de saúde, do centrado nos procedimentos ou • atuar em ambientes organiza-
mas isso pode ser feito dentro de um nos usuários; entre um agir priva- cionais assentados em muitos gru-

120 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio/ago. 2003
O singular processo de coordenação dos hospitais

pos de interesses, ‘sem deixar’ de po de práticas, o que constitui, em dos atores em cena, com arranjos
pactuar o interesse do usuário como si, desafios constantes para qualquer que se abram para as suas expres-
se fosse de todos. paradigma a ser adotado. Esses de- sões e decisões;
safios, em síntese, expressam-se nos
Essas três ‘polaridades’ devem • ‘publicizar’ o exercício privado
seguintes terrenos:
ser tomadas como alvos para ope- do agir – sem ‘matá-lo’ – por meio
rações/dispositivos que podem dis- • dos processos de legitimação de de processos organizacionais que,
parar potencializações vitais na di- uma certa política, em um campo respeitando as competências especí-
reção de novos processos de pro- altamente partilhado e disputado; ficas (profissionais e cuidadoras) dos
dução de saúde e, como desdobra- múltiplos trabalhadores de saúde,
• dos mecanismos de captura dos
mento, resultar em novas formas reconheça a conformação multirre-
autogovernos nas organizações,
de se pensar a coordenação no hos- ferenciada do campo da saúde, ten-
autogovernos estes que não podem
pital. São elas que marcam os gran- do como eixo de ordenamento o
ser eliminados;
des temas contemporâneos dos de- mundo dos interesses do usuário,
bates sobre as práticas da gestão, único ator que pode colocar seu foco
tanto para os que visam arranjos privado para ‘publicizar’ os outros
institucionais que permitam a es- na constituição de um modelo des-
tabilização de certos modelos de NÃO HÁ COMO DEIXAR DE SE centrado da lógica dos meios;
atenção, quanto para os que apos- EXPERIMENTAR, O TEMPO TODO, • produzir ganhos de autonomia
tam na sua mudança. Ao seu modo,
A EMERGÊNCIA DE NOVOS PROCESSOS dos usuários a partir de tutelas cui-
em qualquer uma dessas direções
dadoras, com configurações tecno-
(conservação ou mudança), procu- INSTITUINTES QUE PODEM SER A
lógicas do agir em saúde que sejam
ra-se criar estratégias de ação para
CHAVE PARA A PERMANENTE REFORMA comandadas pela centralidade das
impactar os exercícios privados dos
DO PRÓPRIO CAMPO DE PRÁTICAS tecnologias leves;
profissionais, tornando-os mais
controlados, produzindo com isso • organizar serviços focados nos
serviços mais centrados ou descen- núcleos cuidadores, que otimizem
trados das óticas corporativas; e o uso de procedimentos dentro de
atuar sobre as disputas que ocor- • das práticas que procuram or- uma lógica usuário-centrada;
rem cotidianamente, procurando denar a produção de atos de saú-
• adotar lógicas administrativas
impor controle sobre as mesmas e de, que são sempre trabalho vivo
que permitam a construção de um
impor certos interesses particulares em ato centrado.
agir em saúde mais eficiente, sem
como universais.
O processo de construir modelos que este seja econômico-centrado;
Qualquer arranjo que se impo-
de atenção usuário-centrados deve-
nha, não há como anular aquele ter- • operar a gestão cotidiana, de
rá utilizar, assim, de forma criativa
ritório tenso e aberto do ‘fazer em modo partilhado, por problemas,
e flexível, uma ‘caixa de ferramen-
saúde’, e não há como deixar de se como um dispositivo que explora o
tas’ que aumente a capacidade do
experimentar, o tempo todo, a emer- mapa cognitivo, o protagonismo do
gerente no sentido de:
gência de novos processos institu- coletivo de trabalhadores em situa-
intes que podem ser a chave para a • governar arenas institucionais, ção, e as suas capacidades de nego-
permanente reforma do próprio cam- atravessadas pelas multiplicidades ciar e pactuar contratos ‘públicos’.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio/ago. 2003 121
MERHY, Emerson Elias & CECILIO Luiz Carlos de Oliveira

Para tudo isso – pela singular mi- lhadores: a gestão do poder no hos- . Reflexões sobre as tec-
cropolítica do hospital, com sua com- pital. Ciência & Tecnologia, v. 4, n. nologias não materiais em saúde e
plexa e conflitiva rede de contratuali- 2, p. 315-329. 1999. a reestruturação produtiva do se-
dade – é necessário viabilizar, propi- tor: um estudo sobre a micropolíti-
F LORES, Fernando. Inventando la
ciar e experimentar determinados ar- ca do trabalho vivo. 2000. 227f. Tese
empresa del siglo XXI. Santiago:
ranjos institucionais que sejam facili- (Livre Docência) – Faculdade de Me-
Hateche, 1987.
tadores de novos processos de comu- dicina, Universidade Estadual de
F RANCO, Túlio Batista. O uso de Fer-
nicação e coordenação dentro da insti- Campinas, São Paulo, 2000b.
ramentas Analisadoras para apoio
tuição. Pensamos, também, ser ne-
S ILVERMAN, D. Teoria de las orga-
ao planejamento dos serviços de
cessário construir e tornar disponí-
nizaciones. Buenos Aires: Nueva
saúde: o caso do Serviço Social do
vel uma ‘caixa de ferramentas’ para
Visión, 1975.
Hospital das Clínicas da Universi-
os gestores do cotidiano que conte-
dade Estadual de Campinas. 1999.
nha tanto a inteligência já produzida
Dissertação (Mestrado) – Faculdade
para administrar processos estrutu-
de Medicina, Universidade Estadual
rados, como permita que os mesmos
de Campinas, São Paulo, 1999.
se abram para a incorporação de
qualquer saber que possibilite atuar G UATARRI , Felix. Revolução molecu-
sobre esses processos em produção, lar: pulsões políticas do desejo. 2.
que emergem sempre em fluxos de ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
grandes incertezas. Concluiremos re-
G UATARRI, Felix. Entrevista. In: PLAZA
afirmando que o hospital precisa ser, y VALDÉS (Org.). La Intervención Ins-
cada vez mais, pensado a partir de titucional. México, 1987.
uma construção teórica mais elabo-
HALL, R. Organizações, estruturas e
rada e que de alguma forma tente
processos. Rio de Janeiro: Prentice/Hall
superar as insuficiências e lacunas
do Brasil, 1984.
que temos herdado do paradigma
estrutural-funcionalista. L APASSADE, Georges. La intervención
en las instituciones de educación y
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS de formación. In: P LAZA y VALDÉS
(Org.). La Intervención Institucio-
BAREMBLITT, G. Compêndio de análi- nal. México, 1987.
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L OUREAU, R. Balance de la interven-
MG: Rosa dos Tempos, 1995.
ción socioanalítica. In: PLAZA Y VAL-
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res no hospital: uma sociologia dos México, 1987.
serviços hospitalares. Porto: Afron-
M ERHY, Emerson Elias. Ato de cui-
tamento, 1997.
dar: a alma dos serviços de saú-
CECILIO , Luis Carlos de Oliveira. Au- de. São Paulo: Cadernos CINAEM
tonomia versus controle dos traba- – Fase III, 2000a.

122 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio/ago. 2003
Reflexões sobre o conceito de humanização em saúde
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Reflexões sobre o conceito de humanização em saúde1


Reflections on the concept of humanization in health

Rosana Onocko Campos2

RESUMO

Neste trabalho, discute-se o conceito de humanização, destacando as


múltiplas determinações que caracterizam o mundo humano. Analisam-se
também as relações entre conhecimento técnico e ético para propiciar uma
reflexão sobre as práticas clínicas que inclua a humanização do atendi-
mento nas suas dimensões intersubjetivas e éticas. Ressalta-se a indubitá-
Recebido em 21/08/2002 vel tendência da eficácia técnica ser ora reificada, ora banalizada, o que
Aprovado em 12/06/2003 poderia ser evitado com um posicionamento ético e um questionamento
sobre o sentido das práticas. Sugere-se que o planejamento em saúde se
1
Texto elaborado a partir da incumba destas questões.
apresentação realizada em São Paulo em
2000, no 1 o Seminário do Programa DESCRITORES: Planejamento em Saúde; Assistência ao Paciente; Ética Institucional.
Nacional de Humanização da Assistência
Hospitalar do Ministério da Saúde

2
Médica, doutora em Saúde Coletiva, ABSTRACT
pesquisadora convidada do
Departamento de Medicina Preventiva e This paper discusses the concept of humanization, focusing on the multiple
Social da Faculdade de Ciências determinations that characterize the human world. It also analyzes the
Médicas da Universidade Estadual de
relationship between technical and ethical knowledge, in order to stimulate
Campinas (U NICAMP ), coordenadora do
Núcleo de Capacitação do Programa a reflection over the clinical practices that emphasize on their subjective and
Nacional de Humanização da ethical dimensions. The tendency for technical efficacy to be reified or banalized
Assistência Hospitalar (PNHAH) do
is highlighted, something that could be avoided through questioning the
Ministério da Saúde (MS)
Rua Américo de Campos, 93 – Cidade meaning of our practices. The paper suggests that health planning must be
Universitária involved with these issues.
CEP 13083-040 – Campinas – SP
e-mail: rosanaoc@mpc.com.br DESCRIPTORS: Health Planning; Patient Care; Ethics Institutional.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003 123
CAMPOS, Rosana Onocko

INTRODUÇÃO fere no processo técnico do trabalho manso? Ou que ainda precisaría-


em saúde? Gostaríamos de proble- mos civilizar-nos?
O presente texto foi elaborado por matizar um pouco esse conceito. Desde Freud e Marx, já sabemos
ocasião do 1 Seminário do Progra-
o
que também faz parte do humano a
ma Nacional de Humanização da As- SIGNIFICADO exploração do outro, a alienação, a
sistência Hospitalar (PNHAH) do Mi- agressão, o equívoco e a culpa. Os
‘When I use a word’, Humpty
nistério da Saúde (MS) em junho de Dumpty said, in rather a scornful neobiologicistas argumentam que
2000. Pretendia-se naquela oportuni- tone, ‘it means just what I choose it somos produto – pura e simplesmen-
dade problematizar o conceito de hu- to mean – neither more nor less’ te – da combinatória genética. Os
(C ARROLL , 1960. p. 188).
manização que seria explorado pelo neo-relativistas sustentam que tudo
programa na sua fase piloto (jul.- dez. No dicionário, humanização é o é intersubjetivo e relativamente jus-
de 2000), envolvendo 10 hospitais em ato ou efeito de humanizar, que por tificável. E o social? O social foi
todo o território nacional. Ao finali- sua vez significa: para o fundo da gaveta pós-moder-
zar a terceira etapa do programa, que na, saindo de vez em quando somen-
se estendeu a numerosos hospitais e te para justificar que nada de novo
às respectivas Secretarias Municipais é possível no mundo humano.
e Estaduais de Saúde, consideramos Defenderemos a posição de que
que aquela reflexão continua a ter sen- A TEMÁTICA DA HUMANIZAÇÃO humano quer dizer ‘humano’, ou
tido e mostra-se oportuna, em vista seja, biológico, subjetivo e social; e
DOS SERVIÇOS DE
da definição da humanização como soma: múltipla determinação. Somos
uma das diretrizes do Ministério da
SAÚDE VEM GANHANDO isso o tempo todo, misturado, inse-
Saúde na nova gestão. ESPAÇO NAS DISCUSSÕES parável, ao mesmo tempo. Não pa-
A temática da humanização dos ramos de ser biológicos quando ama-
DE SAÚDE
serviços de saúde vem ganhando mos ou nos submetemos. Continua-
espaço nas discussões de saúde em mos a ser sujeito quando nos rebela-
um espectro tão diverso, que abar- mos contra as injustiças. Não deixa-
ca processos de acreditação hospi- mos de ser socialmente produzidos
talar, intervenções na linha da qua- no momento do ódio mais intenso.
1. Tornar humano; dar condição
lidade e reformulação de propostas Se esta multiplicidade vale para
humana a; humanar. 2. Tornar bené-
assistenciais específicas como o todos os humanos, vale também
volo, afável, tratável; humanar. 3. Fa-
caso da humanização do parto, ou zer adquirir hábitos sociais polidos; para os constructos humanos, como
do atendimento à criança. civilizar. 4. Bras. CE. Amansar (ani- é o caso dos serviços de saúde, en-
Ao final, vindo de espaços de for- mais). 5. Tornar-se humano; huma- tre eles o hospital – objeto do proje-
nar-se. (FERREIRA, 1999).
mulação tão diversos, o que real- to em discussão.
mente analisamos quando falamos Esta primeira consulta semân- Quem pretende explicar a exis-
em humanização? Trata-se simples- tica leva-nos à pergunta: o que é tência de hospitais como uma or-
mente de alguma intervenção na o humano? Será que podemos nes- ganização destinada a tratar do
estética hospitalar? Trata-se de am- te começo de século assumir que corpo biológico engana-se, come-
pliação de direitos? Trata-se de uma é humano o que é afável, benévo- tendo uma redução. Ainda que nos
cosmética sorridente que não inter- lo, como diz Ferreira? Ou o que é hospitais ocorra uma ênfase em

124 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003
Reflexões sobre o conceito de humanização em saúde

processos curativos que operam Questionamos essa simplificação, produzindo valor de uso e acumu-
sobre o corpo (biológico), esses que não é inócua, pelo contrário, lação de mais valia.
mantêm sua condição de produto tem sido danosa em algumas expe- “A utilidade de uma coisa faz dela
social e de espaço de trocas inter- riências que conhecemos. um valor de uso”, disse Marx (1985.
subjetivas. Trocas essas que acon- Propomos que a identidade pro- p. 45). Esses valores são socialmen-
tecem sobre os corpos, nos corpos fissional deva ser interrogada, não te determinados e pensamos que in-
e além dos corpos biológicos. somente em relação às competênci- terrogá-los pode ajudar às pessoas
O sujeito está anestesiado numa as técnicas, mas às suas finalidades. que trabalham a procurar o sentido
mesa cirúrgica: ele está nesse mo- A pergunta teleológica por ex- de seu trabalho. A pergunta sobre o
mento reduzido ao grau máximo celência interroga o sentido das ‘valor de uso’ do trabalho pode con-
de ‘coisificação’, de corpo biológi- práticas e dos saberes. “A que se tribuir para indagar as finalidades,
co puro. Contudo, não foi assim destina?” – diria o poeta Caetano o ‘para que’ do trabalho. Campos
dez minutos antes, nem o será dez Veloso; ou “Para quê?”, o sanita- (2000) propôs pensar as instituições
minutos depois da operação. Não de saúde como produtoras de ‘valor
estão reduzidos ao nível de máqui- de uso’, tanto no sentido da eficácia
nas os outros humanos que ali es- das práticas sociais que ali se de-
tão trabalhando. Alguém já se ima- senvolvem como da possibilidade de
ginou sendo operado por um cirur- O SUJEITO ESTÁ ANESTESIADO produção de novas formas de subje-
tivação, capazes de tornar os sujei-
gião que na noite anterior teve uma NUMA MESA CIRÚRGICA: ELE ESTÁ
terrível briga com a amante? Nes- tos que nelas trabalham mais livres
NESSE MOMENTO REDUZIDO AO e satisfeitos. Pensamos que este ar-
te momento deve haver quinhen-
tas cirurgias acontecendo nessas GRAU MÁXIMO DE ‘COISIFICAÇÃO’, gumento e sua exploração têm con-

circunstâncias... a enfermeira di- seqüências interessantes: os sujeitos


DE CORPO BIOLÓGICO PURO
luindo potássio enquanto pensa no que trabalham são também objetivo

filho doente. Essas coisas aconte- e finalidade da organização, não po-


dem mais, então, ser pensados e tra-
cem o tempo todo!
tados como meios (a clássica defini-
Há uma produção social que pro-
ção dos recursos humanos).
tege as pessoas dos erros, mas tem rista Mario Testa (1997). Nos dois
caído em desprestígio ultimamente. casos o interrogante se inclui no
É a formação técnica. Não se erra
SENTIDO
âmbito das finalidades.
mais do que a conta porque as pes- Quando Marx fala de alienação ‘Would you tell me, please, which way
soas sabem o que estão fazendo, mostra que o trabalhador não sabe I ought to go from here?’
foram treinadas, profissionalizadas. ‘That depends a good deal on where
‘para que’ trabalha. Ele não sabe que
you want to get to’ – said the Cat.
Ultimamente, o reconhecimento do ao mesmo tempo em que produz seu ‘I don’t much care where...’ – said Alice.
trabalho interdisciplinar como fun- trabalho concreto está cumprindo ‘Then it doesn’t matter which way you
damental e necessário tem sido unâ- com as regras de produção do tra- go’, said the Cat.
nime. Contudo, às vezes, parece que ‘... so long as I get somewhere’, Alice
balho abstrato. O que foi retirado de
added as an explanation.
essa interdisciplinaridade tão alme- sua compreensão é a possibilidade
‘Oh, you’re sure to do that’, said the
jada poderia ser empreendida com de entender que, ao mesmo tempo Cat, ‘if you only walk longenough’.
o vazio como ponto de partida. em que produz valor de troca, está (CARROLL, 1960. p. 64-65).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003 125
CAMPOS, Rosana Onocko

Para Gadamer (1997), a concei- Jullien é outro autor que procura sendo em grande parte o nosso) não
conseguiria apreender esse perpétuo
tualização da ética feita por Aristó- em Aristóteles as origens dessa lon-
movimento no qual se debate a ação?
teles produziu uma modificação fun- ga viagem empreendida pela civili-
O fato é que essa eficácia prática, pelo
damental da relação conceitual en- zação ocidental. “Mesmo quando as menos do lado grego (...) permanece
tre meios e fins, constituindo a dife- ‘coisas’ se tornam as questões hu- impensada (1998. p. 22).

rença entre o saber ético e o saber manas, não se deixaria de gostar de


A ‘eficácia prática’ referida quan-
técnico. O direcionamento do saber permanecer na tranqüilizadora posi-
do interrogada, muitas vezes, susci-
sobre o fazer aparece de maneira ção de ‘técnicos’ – artífices ou de-
ta uma sensação de ‘não saber’ que
exemplar na tekne (técnica). Uma miurgos” (JULLIEN, 1998. p. 16).
resulta quase que insuportável aos
tekne aprende-se e pode-se esquecer, Esse autor analisa a falha entre
profissionais de saúde. Assim, vá-
mas, dada uma tekne, saber-se-á teoria e prática como um fracasso
rias vezes, utiliza-se a técnica como
sempre escolher os meios idôneos. inaceitável para a filosofia ociden-
um álibi, como uma defesa, como
Contudo, na aplicação (das leis, tal. Poderia ela deixar o homem tão
uma prescrição descompromissada
por exemplo) Aristóteles não fala de com as finalidades, alienante.
tekne e sim de phronesis. O concei- Pensamos que o movimento de
to de phronesis (prudência) é então se voltar para as finalidades do pró-
distinto do de tekne. A phronesis, prio trabalho e as suas conseqüên-
A PONDERAÇÃO DOS MEIOS
componente essencial do saber éti- cias é próprio da práxis, no sentido
co, requer sempre buscar conselho É TAMBÉM UMA PONDERAÇÃO que lhe outorga Castoriadis:
consigo próprio. ÉTICA E SÓ POR MEIO DELA Chamamos de práxis este fazer no
Portanto, para esse autor, é falso qual o outro ou os outros são visados
SE CONCRETIZA A CORREÇÃO
dizer que com a expansão do saber como seres autônomos e considera-
técnico poder-se-ia prescindir do ÉTICA DO FIM ADEQUADO dos como agente essencial da sua pró-
pria autonomia. A verdadeira políti-
saber ético.
ca, a verdadeira pedagogia, a verda-
O saber ético não poderá nunca deira medicina, na medida que algum
revestir o caráter prévio (...) A rela- dia existiram, pertencem à práxis
ção entre meio e fim não aparece aqui (1986, p. 94).
desarmado? Incapaz de manobrar e
nos moldes que se pode dispor com
triunfar em seus projetos? Aristóte- Para esse autor, também a prá-
anterioridade de um conhecimento
dos meios idôneos, e isso pela razão les teria identificado uma faculda- xis não pode ser reduzida a um es-
de que o saber do fim idôneo não é, de capaz de dar conta da mediação quema de fins e meios. Essa jamais
por sua vez, mero objeto de um saber teoria/prática. Seria essa a ‘prudên- pode reduzir a escolha de sua ma-
(G ADAMER , 1997. p. 477).
cia’ (phronesis). A prudência, no neira de operar a um simples cálcu-
A ponderação dos meios é tam- sentido da tekne, não seria então lo, pois ela não pode ser justificada
bém uma ponderação ética e só por uma ciência, nem tampouco uma por um saber prévio, à maneira da
meio dela se concretiza a correção arte, já que ela visa à práxis (a técnica (e isto não significa que não
ética do fim adequado. O ‘saber-se’ ação) e não à produção. possa se justificar).
aristotélico contém a aplicação com- Jullien interroga:
Ela se apóia sobre um saber, mas
pleta e aciona seu saber na imedia- (...) não seria antes porque o instru- este é sempre fragmentado e provisó-
tez da situação dada. mental teórico grego (que continua rio. É fragmentário, porque não pode

126 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003
Reflexões sobre o conceito de humanização em saúde

haver teoria exaustiva do homem e Concordamos com Castoriadis ao dispositivo intermediário: ‘aquilo que
da história; ele é provisório, porque a
pensarmos o projeto como propicia, faz advir’ (ONOCKO, 1998;
própria práxis faz surgir constante-
2001). Esta forma de encarar o plane-
mente um novo saber (C ASTORIADIS, elemento da práxis (...) intenção de
1986. p. 95). uma transformação do real, guiada por jamento ressalta o espaço do projeto
uma representação do sentido desta e relativiza o do plano.
Para esse autor, a práxis apóia-
transformação (...) O que é, a este res-
se em um saber ‘efetivo’, que é li- É preciso não confundir projeto e
peito, o núcleo do projeto, é um senti-
plano. O plano corresponde ao mo-
mitado e provisório como tudo o do e uma orientação (...) (CASTORIADIS,
mento técnico de uma atividade (...)
que é efetivo. Ela só pode existir 1986. p. 97).
quando a ordenação recíproca dos
na lucidez. “Sendo uma atividade Para Testa (1997), os projetos meios e dos fins apóia-se sobre um
lúcida, não pode invocar o fantas- saber suficiente do domínio em ques-
deveriam operar como ‘analisado-
tão (CASTORIADIS , 1986. p. 97).
ma de um saber absoluto ilusório” res’ da situação. A escolha de prio-
(CASTORIADIS , 1986. p. 96). A luci- Tal momento é muitas vezes ne-
ridades poderia resultar da análise
dez relativa relaciona-se a dois cessário, possível de ser encarado
aspectos: o primeiro é que o pró- quando pensado como cristalização
prio objeto da práxis é o novo, que provisória, e no qual predominará
não se deixa reduzir a um decal- uma elaboração técnica (um saber-
que materializado de uma ordem O PLANEJAMENTO EM SAÚDE fazer prévio que operacionaliza fi-
racional pré-constituída; o segun- nalidades dadas pelo projeto).
CLASSICAMENTE OCUPOU-SE
do é que o próprio sujeito da prá- Todavia, muitas vezes constata-
xis é transformado constantemente DE DESENVOLVER TÉCNICAS mos que as dificuldades não estão
a partir da experiência na qual está PARA TRANSFORMAR inseridas na operacionalização téc-
engajado e que ele faz, mas pela nica, na elaboração de um plano,
PROJETOS EM PLANOS
qual ele é também feito. senão na impossibilidade de formu-
Assim, aplicarmos a práxis nas lar coletivamente um projeto. Para
práticas de saúde implicaria em des- se possuir um projeto, é preciso fa-
locá-las de seu puro lugar técnico, zer uma passagem para um agenci-
reconhecendo que sempre estarão de vários fatores, entre eles a análi- amento subjetivo, o grupo – ou co-
envolvidas questões éticas – que têm se histórica da instituição e dos cam- letivo –, podendo escolher uma ori-
relação com o sentido – com a dire- pos de força dos interesses em jogo. entação, um sentido para a trans-
ção que desejemos dar ao produto As prioridades apareceriam assim formação do real.
do trabalho em saúde. como linhas de sentido. Enfatizamos que o subjetivo é
O planejamento em saúde clas- próprio do projeto, assim como o
PROJETO sicamente ocupou-se de desenvolver técnico é do plano. O momento que
técnicas para transformar projetos indaga o sentido – o para que das
... though she managed to pick plenty em planos. O projeto, como rumo ou práticas –, o momento em que pos-
of beautiful rushes as the boat glide so desejar projetar(me) com os ou-
sentido, era objeto da política para
by, there’s was always a more lovely
esta vertente planejadora. tros para transformar o real é o do
one that she couldn’t reach.
The prettiest are always further! – she Contrariamente, temos proposto projeto. “O projeto visa sua realiza-
said at last (C ARROLL, 1960. p. 180). pensar o planejamento em saúde como ção como momento essencial” (C AS-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003 127
CAMPOS, Rosana Onocko

TORIADIS, 1986. p. 97). É este o mo- Temos trabalhado a partir de rio, deveria contaminar a clínica de
mento mais complexo do ponto de Campos (1987) e sua formulação de promoção e prevenção, reconhecen-
vista da constituição da grupalida- clínica ampliada. Para este autor, do que esta se nutre de clínica. A
de, no qual consensos e representa- seria esta uma clínica que dialoga taxa de mortes infantis por diarréia
ções diversas virão à tona, assim com outros saberes e que ele con- caiu estrepitosamente depois da in-
como conflitos e desencontros. trapõe aos conceitos de clínica tra- trodução da reidratação oral. Rei-
O projeto tem permanência e o dicional (fechada sobre si e seus dratar é uma medida clínica. O estí-
plano é uma figura fragmentária e saberes prévios) e de clínica degra- mulo à difusão desta técnica foi uma

provisória. Tendo-se um projeto, dada (queixa-conduta, a clínica dos medida de Saúde Pública para a qual

passar dele ao plano resulta de uma prontos-atendimentos). adquiriu-se serviços de médicos,

aplicação técnica, depende de um Temos proposto que o planeja- enfermeiros, auxiliares, etc.
mento em saúde se incumba de uma O que tem a ver tudo isto com o
saber prévio e é relativamente fácil
atitude frente à clínica (O NOCKO, planejamento de serviços de saúde?
se conseguir (O NOCKO, 2001).
A esta altura de nosso percurso,
defendemos que um projeto de um
REFORMA DA CLÍNICA
serviço de saúde deva incluir uma
proposta clínica (O NOCKO, 2001). E
Begin at the beginning, the King
COMO TRABALHAR EM PLANEJAMENTO,
esta indagação parece-nos intrínse-
said very gravely, and go on till you AJUDANDO A FORMULAR PROJETOS, ca à discussão de humanização,
come to the end: then stop (C ARROLL,
1960. p. 113). DESDE A POSIÇÃO DE PRÁXIS , SEM pois pensamos que se a proposta de
humanizar não estiver fortemente
Como trabalhar em planejamen- ADMITIR E ESTIMULAR QUE OS SUJEITOS
vinculada com a reforma das mo-
to, ajudando a formular projetos, QUE FORMULAM ESSES PROJETOS FAÇAM dalidades clínicas que se desenvol-
desde a posição de práxis, sem ad-
PRÁXIS NA SUA PRÓPRIA PRÁTICA? vem em hospitais, será provavelmen-
mitir e estimular que os sujeitos que
te banalizada, encarada como uma
formulam esses projetos façam prá- maquilagem superficial.
xis na sua própria prática? A lucidez Para conseguir repensar suas
relativa a que se refere Castoriadis 1999; 2001; 2001a). Uma clínica práticas, os trabalhadores da saú-
tem a ver com isso: na práxis, o su- preventiva; uma clínica que se de devem poder apoiar-se em algum
jeito faz a experiência em que está questiona, que não se prende a dog- lugar. Apesar de sua pesada deter-
inserto e a experiência o faz. matismos, que desafia suas fron- minação técnica, a clínica manterá
No caso dos serviços assisten- teiras e que se compromete com os sempre a característica de ser um
ciais de saúde (como os hospitais) resultados de sua prática; uma clí- encontro singular. Merhy (1997) de-
pensamos que este aspecto deve nica que preste contas e se abra, fende que o trabalho em saúde tem
ser interrogado a partir da análise generosa, para que dela ‘bebam’ uma capacidade inexplorada de li-
das formas de cuidados que ali se outros, aprendendo. berar trabalho vivo, o que sempre
desenvolvem. Se houver um proje- Em relação aos serviços de saú- aconteceria ‘em ato’. Cabe abrir es-
to de mudança é porque avalio ne- de, estender a prevenção e a promo- paços de análise coletivos para in-
cessário mudar as formas vigen- ção não deveria significar reduzir terrogarmos esse fazer em ato, in-
tes de atendimento. (ou excluir) a clínica. Pelo contrá- dagando o quanto há de trabalho

128 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003
Reflexões sobre o conceito de humanização em saúde

criativo (‘vivo’) ou de repetição es- parte da alienação no trabalho. Te- samos que para não homologar os
truturada tecnologicamente (‘traba- mos que voltar a juntar aquilo que processos de humanização a sim-
lho morto’). no processo histórico foi separado ples intervenções cosméticas, seria
Indagar coletivamente os gradi- por prescrições técnicas, pela divi- sempre necessário colocar nesses pro-
entes de autonomia criadora ou de são social do trabalho e pela recusa cessos uma reflexão sobre o sentido
alienação repetitiva presente nas à subjetividade. das práticas, a conformação dos pro-
práticas cotidianas. Evidentemente O processo de trabalho em saúde jetos e a reforma da clínica, entenden-
isso só poderá ser feito se como pon- opera sobre o corpo e as mentes de do-os como produtos intersubjetivos,
to inicial criarem-se espaços de en- pessoas concretas. O grau de ‘obje- técnicos e políticos que operam – sem-
contro e reflexão. O ritmo do traba- tualização’ nunca será absoluto. O pre – tanto sobre usuários como so-
lho em saúde costuma ser rápido desafio é reduzi-lo, alargando a pos- bre os profissionais de saúde.
demais. As formas de contratação sibilidade de encontros intersubjeti- Seriam nesses processos de re-
muitas vezes atentam também con- vos. E isso é possível de ser tentado flexão que a ampliação do foco po-
tra a possibilidade de encontros: por meio do contato direto com as deria superar a restrita discussão

plantões, turnos diferentes, alta ro- pessoas envolvidas na assistência. A sobre questões técnicas, ampliando

tatividade de pessoal em áreas crí- riqueza da análise do cotidiano não o escopo para a dimensão ética e
intersubjetiva das práticas cotidia-
ticas, tudo isso dificulta a criação pode ser substituída pelo envolvi-
nas nos serviços de saúde.
desses espaços. mento da gerência ou de comissões,
Contamos hoje com algumas pro- ainda que elas possam ser importan- ... thinking while she ran, as well she
postas de organização do trabalho tes para a viabilidade do processo. might. What a wonderful dream it had
que visam interferir nessas mazelas: Pensamos que ao não implicar- been (CARROLL , 1960. p. 117).

colegiados gestores, unidades de mos o Projeto de Humanização às


produção, equipes de referência pessoas que trabalham na assistên-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(CAMPOS, 1998; 1999; 2000; CARVALHO; cia direta, há o risco desse virar pla-
CAMPOS, Gastão Wagner de Souza.
C AMPOS, 2000), etc. Contudo, às ve- no ou programa (não mais projeto),
Reflexões sobre a clínica. Campinas,
zes, algum tipo de apoio diferencia- e perder a sua potencialidade de
SP: [s.n.], 1987. (Mimeo).
do (CAMPOS, 2000) será necessário construir linhas de sentido para as
para que as pessoas ali reunidas práticas. Enxergamos como o mai- . O anti-Taylor: sobre a
sintam-se encorajadas a efetivar ver- or desafio do projeto, precisamente invenção de um método para co-go-
dadeiras trocas e reflexões e não o de virar projeto, ser agenciado, vernar instituições de saúde produ-
meras reuniões burocráticas. modificado e re-projetado pelos ou- zindo liberdade e compromisso. Ca-
Temos chamado a atenção para tros para poder assim entrar no ce- dernos de Saúde Pública, Rio de Ja-
a necessidade desse novo papel pro- nário da saúde brasileira. neiro, v.14, n. 4, p. 863-870, out.-
fissional do apoiador ser enriqueci- dez. 1998.
do com uma formação mais ampla CONCLUSÃO PROVISÓRIA . Equipes de referência e
em relação aos grupos humanos apoio especializado matricial: um
(ONOCKO, 2001). Os processos subje- Tentamos problematizar para ensaio sobre a reorganização do tra-
tivos nunca poderão ser dissociados além do senso comum alguns con- balho em saúde. Ciência & Saúde
dos processos políticos e técnicos. ceitos habitualmente envolvidos nas Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2,
Nessa dissociação reside grande discussões sobre humanização. Pen- p. 393-403. 1999.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003 129
CAMPOS, Rosana Onocko

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Edição Nova Cultural, 1985. v. I

MERHY , Emerson Elias. Em busca


do tempo perdido: a micropolítica

130 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 123-130, maio/ago. 2003
Conselhos de Saúde: espaços de participação social, constituição de sujeitos políticos e co-produção de sujeitos coletivos
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Conselhos de Saúde: espaços de participação social, constituição de


sujeitos políticos e co-produção de sujeitos coletivos1
Health Councils: spaces of social participation, constitution of political actors and
co-production of collective actors

Maria Iêda Gomes Vanderlei 2


Regina Rigatto Witt 3

RESUMO

Discute-se a participação social nos Conselhos de Saúde, como órgãos


Recebido em 21/05/2002
Reencaminhado em 16/07/2003 colegiados responsáveis pelo controle social e pela análise e deliberações
Aprovado em 29/07/2002 das ações de saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir
da experiência das autoras nesses fóruns, são destacados elementos cons-
1
Trabalho elaborado para a disciplina
titutivos do Método da Roda proposto por Campos (2000) para análise e co-
Políticas e Práticas em Instituições de
Saúde do curso de pós-graduação do gestão de coletivos. Recomenda-se a utilização do referido método, devido à
Departamento de Medicina Preventiva e capacidade do mesmo em operar mudanças no cenário da compreensão e
Social da Faculdade de Ciências Médicas
da dinâmica do controle social da política de saúde e também porque po-
da Universidade Estadual de Campinas
(U NICAMP). tencializa a ação dos sujeitos e da instituição por meio da construção de
2 Enfermeira, professora assistente do espaços coletivos.
Departamento de Saúde Pública da
DESCRITORES: Conselhos de Saúde; Participação Comunitária; Controle Social.
Universidade Federal do Maranhão e
doutoranda em Enfermagem de Saúde
Pública na Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da Universidade de São ABSTRACT
Paulo (USP)
Rua Santa Isabel, quadra H, casa 13 This article discusses social participation in health councils, as a
CEP 65076-240 – São Luis – MA
e-mail: iedavanderlei@yahoo.com deliberative assembly responsible for social control and for the analysis and
deliberations on the issue of health actions, in the Unified Health System.
3
Enfermeira, professora assistente do
From their experience in these forums, the authors point out elements of a
Departamento de Assistência e Orientação
Profissional da Universidade Federal do method proposed by Campos (2000) for analysis and management of collectives.
Rio Grande do Sul e doutoranda em The use of this method is recommended, because of its capacity to stimulate
Enfermagem de Saúde Pública na Escola
changes in the comprehension of social control dynamics of health politics
de Enfermagem de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (USP) and also to stimulate the actors and institution actions, by the construction
Rua Tamoios, 262/91 of collective spaces.
CEP 14020-700 – Ribeirão Preto – SP
e-mail: witt@eerp.usp.br DESCRIPTORS: Health Councils; Consumer Participation; Social Control.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 131-137, maio/ago. 2003 131
VANDERLEI, Maria Iêda Gomes & WITT, Regina Rigatto

ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL E lho et al. (1995. p. 32), remete a foram frutos de um movimento or-
CONSTITUIÇÃO DOS SUJEITOS POLÍTICOS 1937, quando a Lei 378, de 13 de ganizado que se desencadeou com
janeiro, deu nova organização ao o processo de redemocratização do
A Constituição promulgada em Ministério da Educação e Saúde e país. A partir da década de 1980/90,
1988 traz em vários momentos a instituiu o Conselho Nacional de esses Conselhos passaram a se cons-
concretização do direito de partici- Saúde (CNS), ao qual juntamente tituir num espaço de gestão colegi-
pação social e do exercício de cida- com o Conselho Nacional de Educa- ada, apontando para a possibilida-
dania em busca do controle social, ção foi dada a atribuição de assistir de de transformação dos sujeitos
isto é, os diferentes segmentos da ao Ministério. sociais em sujeitos políticos.
sociedade organizada, fiscalizando Após mais de trinta anos, o De- Para Merhy (1993. p. 47),
os diferentes níveis de governo e tam- creto 67.300/70 definiu o CNS como
os sujeitos sociais, como sujeitos polí-
bém as instituições responsáveis ‘órgão de consulta’ e estabeleceu ticos, se caracterizam a partir de seus
pela prestação dos benefícios soci- uma composição sem a presença do projetos, em torno dos quais articu-
ais. Tais direitos, conquistados por lam seus interesses e expõem suas
vontades como ação. Encontrando-se
essa nova Constituição, principal-
em determinados contextos sociais (...)
mente nas áreas de educação e saú- encontram-se sempre em disputa com
de, apontam para a possibilidade da A PARTIR DA DÉCADA DE 1980/90, outros sujeitos sociais (...). É na luta
formação de instâncias de discus- que os sujeitos sociais se conformam
ESSES CONSELHOS PASSARAM A SE como formuladores, portadores e exe-
são e decisão denominadas Conse-
cutores de políticas, isto é, como su-
lhos de Escola, de Saúde e outros. CONSTITUIR NUM ESPAÇO DE GESTÃO
jeitos políticos.
A participação social nos órgãos COLEGIADA, APONTANDO PARA A
colegiados, exercendo o controle Para Fleury (1997), o sujeito so-
POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DOS cial passa a ser sujeito político quan-
social dos serviços de saúde, é apon-
do sua ação é proveniente de um
tada pelo conjunto de entidades re- SUJEITOS SOCIAIS EM SUJEITOS POLÍTICOS
presentativas que compõem o mo- projeto político, seja individual/cor-
porativo ou coletivo. Para que um
vimento da Reforma Sanitária Bra-
projeto seja identificado como de
sileira como uma das condições ne-
cessárias para a viabilização desse interesse coletivo é preciso que seus
usuário, sendo todos os seus inte-
objetivos ultrapassem os interesses
projeto. Assim, o controle social grantes, direta ou indiretamente,
individuais e corporativos.
poderá ocorrer com a efetiva parti- indicados pelo poder executivo. Esse
cipação dos diversos segmentos da A noção de sujeito coletivo de
CNS não teve muita importância
Sader (1995. p. 55) insere-se na mes-
sociedade civil organizada, por in- para o setor, pois quando o Decreto
ma concepção de sujeito político
termédio de suas entidades represen- 99438/90 criou o novo Conselho
tativas – sindicatos, associações de adotada por nós, ou seja:
Nacional de Saúde, o antigo prati-
bairro, associações profissionais, camente não existia mais. Quando usa a noção de sujeito co-
associações de portadores de defi- Com relação aos Conselhos de letivo é no sentido de uma coletividade
ciências, de patologia e outros – , Saúde, no âmbito estadual e muni- onde se elabora uma identidade e se
organizam práticas através das quais
formando os Conselhos citados. cipal, observa-se que de um modo
seus membros pretendem defender seus
A idéia da criação de Conselhos geral sua criação e constituição, do interesses e expressar suas vontades,
de Saúde no Brasil segundo Carva- ponto de vista legal e organizativo, constituindo-se nessas lutas.

132 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 131-137, maio/ago. 2003
Conselhos de Saúde: espaços de participação social, constituição de sujeitos políticos e co-produção de sujeitos coletivos

Para Carvalho et al. (1995), os bém a ele a responsabilidade de par- cializar os espaços de participação
Conselhos de Saúde possuem uma ticipar das decisões. e de decisão do SUS, como os Con-
dupla caracterização, atuando Além de buscar soluções concre- selhos de Saúde.
‘como atores e como arena políti- tas para os assuntos do dia-a-dia, o Portanto, os Conselhos de Saúde
ca’, justamente por estarem cons- colegiado precisa e deve atuar no constituem-se em espaços conflituo-
tituídos de segmentos da socieda- âmbito mais geral da política mu- sos por integrarem atores que por-
de, os quais nem sempre partici- nicipal de saúde, pois como aponta tam diferentes projetos e interesses.
pam dos referidos Conselhos com Carvalho (1997. p. 106-107): São arenas de disputas e concentra-
os mesmos interesses. ções desses interesses, servindo tam-
como portadores ou sinalizadores do
Para Sposati; Lobo (1992. p. 375), interesse público, os Conselhos de bém como possíveis espaços para os
Saúde, no contexto do processo de sujeitos sociais que deles participam
O movimento social não deve se
reforma do Estado, podem muito bem construírem a sua cidadania, e ao
transformar em uma ‘personalidade ju-
cumprir a função de indutores de res-
rídica’. (...) É próprio do movimento a exercerem o ‘poder participativo’,
ponsabilidade governamental (...) os
sua capacidade instituinte. Todavia, o constituírem-se em sujeitos políticos
Conselho de Saúde, que não é, nem
com capacidade e potência para in-
pode ser, o movimento, ainda que deva
fluenciarem, positivamente, a im-
com ele manter uma relação orgânica,
necessita ser institucionalizada a fim ENTRE OS PRINCÍPIOS DO SISTEMA plementação do SUS no nível local.
de constituir uma regularidade no flu- Em estudo realizado, constata-
xo decisório de instituição. (...) neces- ÚNICO DE SAÚDE (SUS), AQUELE QUE mos que o controle social, quando
sita constituir um sujeito coletivo re-
APONTA AS CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO comparado ao preconizado pela
gular ou contínuo, com delegação de
Constituição e pelas Leis 8.080/90 e
autoridade para poder influir na ges- DA CIDADANIA POR MEIO DA PARTICIPAÇÃO
tão e produção das políticas de saúde. 8.142/90, em termos de participação
DA POPULAÇÃO NOS ÓRGÃOS COLEGIADOS É, da comunidade, pouco avançou. Na
Entre os princípios do Sistema
Único de Saúde (SUS), aquele que AO NOSSO VER, UM DOS MAIS IMPORTANTES prática, verificamos que mesmo os
mecanismos legalmente constituí-
aponta as condições para o exercí-
dos não conseguiram ainda evoluir
cio da cidadania por meio da partici-
na efetivação desse controle, por
pação da população nos órgãos co-
Conselhos de Saúde estariam preci- várias razões, mas principalmente
legiados é, ao nosso ver, um dos mais
sando não de mais normas, ou mais
importantes, porque ao mesmo tem- pela falta de preparação dos conse-
poderes legais, ou mais instituciona-
po em que permite ao cidadão a pos- lidade, e sim de mais política, mais lheiros que muitas vezes têm difi-

sibilidade de praticar o controle e a vocalização, mais visibilidade, envol- culdades em fazer uma avaliação da
vendo de forma muito mais direta e política de saúde (VANDERLEI , 1995).
fiscalização das ações de saúde, dá
orgânica as questões de informação
a este, também, o direito e a respon- A análise referente a esse aspecto
qualificada (...) as enormes desigual-
sabilidade de tomar decisões, as dades de acesso à informação vigen- demonstrou que o Conselho Muni-
quais podem ter como conseqüência tes no Brasil são uma dificuldade, mas cipal de Saúde ainda está na fase de
atestam a necessidade de se caminhar construção do relacionamento inter-
a melhoria da assistência à sua saú-
nesta direção.
de, à de seus familiares e à de sua no com a burocracia estatal.
comunidade. Isto quer dizer que o Campos (1994) afirma que “é Esse estudo indicou que ainda
exercício do controle social confere necessário e possível revolucionar não existe um controle social efeti-
ao cidadão esse direito e atribui tam- o cotidiano”, assim como poten- vo por parte dos conselheiros de

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 131-137, maio/ago. 2003 133
VANDERLEI, Maria Iêda Gomes & WITT, Regina Rigatto

saúde – representantes institucio- tre autonomia e controle social nos e ‘regiões’ existenciais que confor-
Coletivos Organizados para a produ-
nais – ,tampouco dos usuários, ten- mam espaços de existência e de ex-
ção. Inventar um sistema de gestão
do em vista que a prática do contro- pressão para o sujeito e, em certa
participativa, um sistema de co-ges-
le social sobre as políticas de saúde tão em que coubesse vários tipos de medida, para os coletivos, isto é,
é um processo inovador dentro do arranjos institucionais, ou várias espaços que configuram modos de
SUS. Tudo indica que sua evolução modalidades de espaços coletivos, ou
ser e de práxis, bem como modos
várias rodas de análise e de co-gestão.
depende da tomada de posição dos próprios de constituição de ‘sujei-
Conselhos de Saúde, que devem sair O autor destaca, ainda, que: tos’, modos de ‘ser’ e de ‘agir’ e tam-
do âmbito interno da burocracia e bém modos de se constituir.
A construção de espaços coleti-
instituir mecanismos mais eficien- Tomando o ‘sujeito’ ou um ‘cole-
vos e a co-gestão se faz pela relação
tes de contato com a população e entre os contrapoderes e o poder em tivo’ como referência, poderíamos
com as próprias entidades represen- construção dentro de cada coletivo, agrupar esses ‘planos’ em três ‘re-
tadas no Conselho, a fim de que a e esta é o substrato para a formação
giões’ existenciais. Partindo-se de
população os conheça de fato e de uma dimensão interna – a dos deter-
direito como um dos mecanismos minantes biológicos do ‘desejo’ e do
importantes do controle social. ‘interesse’ – para uma seqüência em

APÓS A COMPREENSÃO DO que a interferência do social fosse


A CO-PRODUÇÃO DE SUJEITOS COLETIVOS: crescente, teríamos a ‘determinação
O MÉTODO DA RODA MÉTODO, ESSES ELEMENTOS biológica’, o ‘desejo’ e o ‘interesse’
TORNARIAM OPORTUNA OUTRA compondo uma região na qual a ima-
A partir da experiência das auto- nência reinaria quase como sobera-
ATUAÇÃO E, CONSEQÜENTEMENTE,
ras nos Conselhos de Saúde, identi- na, de modo que esses três planos
ficam-se alguns elementos como: A CO -PRODUÇÃO DE ‘SUJEITOS’ indicassem potências internas ao
caracterização de ‘espaços coleti-
E DE ‘COLETIVOS ’ sujeito e agissem com relativa inde-
vos’; ‘desejos’; ‘interesses’; ‘forma- pendência das circunstâncias.
ção de compromissos’, ‘contratos e ‘Necessidades sociais’ e ‘institui-
vínculos’; ‘emergência de temas’; e
ções’ compõem uma ‘região’ em que
‘efeito pedagógico’. Após a compre- de compromisso e o estabelecimento as forças agem principalmente de
ensão do método, esses elementos de contratos entre a autonomia (pre- fora sobre o ‘sujeito’, aparecendo,
tornariam oportuna outra atuação domínio de elementos internos) e o
então, como constrangimentos estra-
controle (predomínio de forças exter-
e, conseqüentemente, a co-produção
nas ao coletivo). nhos e externos a ele, sobre os quais
de ‘sujeitos’ e de ‘coletivos’.
o mesmo teria influência pequena
Campos (2000. p. 142) enfati- O Método da Roda analisa a cons-
(ou somente a médio ou longo pra-
za que: tituição do sujeito e dos coletivos
zo). Esses ‘planos’ são produzidos
em função de ‘planos’ situados en- mais pelo social do que diretamen-
Para melhor operar com a polari-
dade controle institucional e autono- tre o seu interior e a sua circuns- te pelo ‘sujeito’ ou pelo ‘grupo’.
mia do sujeito, o Método da Roda pro- tância (o mundo externo), trabalhan- A ‘formação de compromisso’, a
põe a construção de arranjos volta-
do com a noção de uma permanente elaboração e gestão de ‘contratos’ e
dos centralmente para ampliar a ca-
pacidade de direção dos trabalhado- interprodução entre o externo e o de ‘projetos’ criam uma região in-
res. Construir uma nova dialética en- interno. Uma seqüência de ‘planos’ termediária, um espaço de media-

134 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 131-137, maio/ago. 2003
Conselhos de Saúde: espaços de participação social, constituição de sujeitos políticos e co-produção de sujeitos coletivos

ção entre forças imanentes ao sujei- ram da determinação do cumprimen- ceitos, Campos (2000) trabalha com
to e outras produzidas com grande to de ‘tarefas’ para alguns, suben- o desejo e o interesse. Para o autor,
exterioridade a ele. Enfim, são nes- tendendo-se que essa determinação o primeiro manifesta-se com gran-
tes espaços que a práxis concreta tendia mais para os ‘militantes mis- de autonomia em relação ao mun-
dos sujeitos, o agir interpessoal, a sioneiros’ do que para a formação do externo, ou seja, a manifestação
política, ou a gestão propiciam re- de compromisso e de contratos, ten- mais particular do sujeito, enquan-
lativo grau de autonomia. Analisan- do em vista que estes exigem inter- to o segundo indica um compromis-
do esses planos, percebemos que a venção deliberada do sujeito nessas so maior com o real. Portanto, exis-
‘formação de compromisso’ ocorre relações. te possibilidade de contraposição
de forma inconsciente ou com pe- A ausência da formação de com- entre desejo e interesse.
queno grau de interferência delibe- promisso e, conseqüentemente, de Com o conhecimento do que seja
rada do ‘sujeito’. A gestão de ‘con- contratos que possibilitassem uma interesse e desejo, ‘compreendemos
tratos’ e de ‘projetos’, ao contrário, maior capacidade de análise e de melhor a prática de todos nós con-
exige uma intervenção do sujeito selheiros’. Percebemos, então, que
nas relações, ou seja, o ‘sujeito’ não ficávamos no âmbito do ‘plano par-
é senhor completo destes movimen- ticular’, em que as manifestações do
tos nem se submete absolutamente desejo e do interesse não ocorriam
a eles; não se anula nem é comple- OS CONSELHOS DE SAÚDE no sentido da ‘constituição de sujei-
tamente anulado; e tampouco elimi- SÃO SEMPRE ESPAÇOS tos’, isto porque essas manifestações
na sua dependência nestes planos. se davam no sentido de queixas e
DE LUTAS, DE CONFLITOS,
Assim, o ser humano não é só demandas em que sempre havia um
um produto circunstancial desses DE JOGOS DE INTERESSES ‘responsável’ indicado pelo usuário.
distintos planos, mas também um E DISPUTAS DE PODER Assim, o profissional na maioria das
co-produto decorrente de sua capa- vezes assumia uma posição de defe-
cidade de reagir a essas influências, sa, de conotação corporativa, e não a
podendo recompor esses mesmos de que o Conselho constituía um ‘es-
‘planos’, o que significa ‘sujeitos’ paço coletivo’, em que os atores soci-
sofrendo e fazendo a história ao intervenção contribuíram para que ais expressavam seus desejos e inte-
mesmo tempo. houvesse um ‘emperramento’ das resses, confrontando-os entre si e com
Dentro dessa visão dos planos, deliberações e decisões a serem to- a realidade, para que desses proces-
constatamos que a nossa capacida- madas, devido à falta de compreen- sos de luta/negociação surgissem con-
de de síntese foi baixa e que a for- são dos conselheiros, da necessida- tratos potentes capazes de orientar a
mação de compromisso não resul- de de se estabelecer vínculos que produção de bens e serviços.
tou das relações entre o atendimen- resultassem da disposição de aco- O profissional de saúde deixava,
to do desejo e da necessidade social, lher de uns e da decisão de buscar assim, de assumir sua função pe-
entre o interno e o externo, de forma apoio em outros (CAMPOS, 2001). dagógica, que dava uma nova vi-
inconsciente ou com pequeno grau Os Conselhos de Saúde são sem- são sobre a educação continuada,
de interferência deliberada do sujei- pre espaços de lutas, de conflitos, com a inclusão de atitudes de or-
to. Isto porque, na maioria das ve- de jogos de interesses e disputas de dem educativa, decisões etc. Essa
zes, as ações do Conselho resulta- poder. Levando em conta esses con- visão coaduna com a recomenda-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 131-137, maio/ago. 2003 135
VANDERLEI, Maria Iêda Gomes & WITT, Regina Rigatto

da por Paulo Freire (1979): “apren- políticos, organizacionais e subjeti- tituir um grande ‘desafio’ – o pró-
de-se melhor e mais profundamen- vos. O Método da Roda pretende ate- prio autor coloca, repetidas vezes,
te quando o objeto de estudo coin- nuar ou contornar esses obstáculos essa palavra em sua produção – é
cide com objetos ligados à existên- com a criação de espaços coletivos também um determinante capaz de
cia concreta dos sujeitos”. que facilitem a constituição de su- operar mudanças no cenário da com-
Essa educação não estaria pro- jeitos com capacidade crítica de aná- preensão do controle social das polí-
pondo um adestramento especializa- lise (C AMPOS, 2000). ticas públicas e, conseqüentemente,
do para a guerra, a arte, a política da política de saúde brasileira.
ou os negócios, mas preocupada CONCLUSÃO Conclui-se que esse é um cami-
com o desenvolvimento integral das nho difícil, principalmente porque
pessoas, o que naturalmente inclui A contextualização sobre o Mé- abre espaço para a manifestação do
adestramento de uma série de ha- todo da Roda serviu de base para a ‘interesse’ e do ‘desejo’, estabelecen-
bilidades que não se encerrariam reflexão dos autores e, sobretudo, do que o ‘contrato’ deve ser feito a
nas citadas, tendo em vista que a partir do desejo, mas havendo a ne-
educação tem de ser também um cessidade de que este seja controla-
processo de construção consciente do pela ‘instituição’, uma vez que é
(JAEGER , 1986).
NA PRÁTICA, VAMOS ele o qual dá os limites para o ‘inte-
Tratando-se de ‘espaços coletivos’, resse’. Isso de fato é um grande de-
os Conselhos, por sua própria consti-
DESCONSTRUINDO OS safio, mas também é motivador,
tuição e de acordo com o conceito de OBSTÁCULOS ESTRUTURAIS, porque dá esperanças por sabermos
Campos (2000), têm o formato de es- que podemos potencializar os ‘su-
CULTURAIS E SUBJETIVOS
paços concretos de tempo e lugar, jeitos’ e a ‘instituição’ por meio de
porém ainda possuem essa perspecti- À POSSIBILIDADE DE uma nova lógica de gerenciar. Na
va de ‘co-produção’ de ‘sujeitos’ e ANÁLISE DOS ‘COLETIVOS’ prática, vamos desconstruindo os
de ‘coletivos’ e não o entendimen- obstáculos estruturais, culturais e
to de uma relação dialética que parte subjetivos à possibilidade de análi-
do pressuposto da estrutura/con- se dos ‘coletivos’ (CAMPOS , 2000).
texto/história produzindo ‘sujeitos’. para a caracterização dos efeitos Concordamos mais uma vez com
O Método da Roda trabalha com ‘não-paidéia’ constatados no Conse- Campos (1991) quando, ao indicar
a noção de que há simultaneidade lho Estadual de Saúde durante a nos- que é necessário ultrapassar os
entre a geração, a coleta e a análise sa experiência como conselheiras. A mecanismos administrativos/buro-
de informações. Em função do in- nossa apreensão sobre o método cráticos que ‘emperram’ a produção
terpretado tomam-se decisões e são mostra que o mesmo contém elemen- dos serviços de saúde, indica o cam-
desencadeadas ações práticas medi- tos suficientes para a proposição de po político como uma possibilidade
ante a distribuição de tarefas entre uma nova lógica, na qual a constru- de aumentar quantitativa e qualita-
os membros de um ‘coletivo’. Em ção de espaços coletivos estimule e tivamente a produção de serviços de
geral, a dificuldade de um coletivo facilite a participação de outros saúde. As novas alianças e meca-
analisar não decorre da ausência de agentes que não apenas aqueles com nismos de negociação entre presta-
informação ou da dificuldade de função de direção. Nos possibilita, dores de serviços, usuários e tra-
acessar dados; resulta de entraves ainda, constatar que, além de cons- balhadores deverão ocorrer no in-

136 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 131-137, maio/ago. 2003
Conselhos de Saúde: espaços de participação social, constituição de sujeitos políticos e co-produção de sujeitos coletivos

terior dos Conselhos de Saúde, sen- C ARVALHO, Antônio Ivo de et al. Con- VANDERLEI, Maria Ieda Gomes. A mu-
do que a função paidéia – a consti- selhos de Saúde no Brasil: partici- nicipalização das ações e serviços
tuição de sujeitos políticos e a co- pação Cidadã e Controle Social. Rio de saúde e o controle social: expe-
produção de sujeitos coletivos – se de Janeiro: IBAM/FASE , 1995. riência dos municípios de São Luis,
dará pela participação social con- Caxias e Mata Roma – MA. 1995.
C ARVALHO, Antônio Ivo de. Conselhos
cretizada nesses espaços. Cientes de Dissertação (Mestrado) – Universi-
de Saúde, Responsabilidade Públi-
que este processo encontra-se ainda dade Federal do Maranhão, São
ca e Cidadania: a Reforma Sanitária
em uma fase incipiente, acreditamos Luis, MA, 1995.
como Reforma do Estado. In: FLEU-
que os entraves e as limitações por RY, Sonia (Org.). Saúde e democra-
nós apontados constituem-se em um cia: a luta do CEBES. São Paulo: HUCI-
momento dele, e esperamos que es- TEC , 1997. p. 93 – 111.
tas reflexões ajudem no seu andamen-
F LEURY, Sonia. A questão democráti-
to, pois temos a convicção de que só
ca na saúde. In: FLEURY, Sonia (Org.).
é possível aprender a participar,
Saúde e democracia: a luta do CEBES.
quando já estamos participando!
São Paulo: Lemos Editorial, 1997.
p. 25 – 41.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
F REIRE, Paulo. Pedagogia do opri-
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derativa do Brasil. Brasília, DF: Se- JAEGER , Werner. Paidéia: a formação
nado, 1988. do homem grego. São Paulo: Mar-
C AMPOS, Gastão Wagner de Sousa. A tins Fontes, 1986.
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São Paulo: HUCITEC , 1991.
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. Considerações sobre a pios têm algo a dizer sobre isto,
arte e a ciência da mudança: revo- para a montagem do SUS? Saúde
lução das coisas e reformas das pes- em Debate, Londrina, PR, n. 39. p.
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S ADER, Emir. Quando novos persona-
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gens entram em cena: experiência
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e lutas dos trabalhadores da grande
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(mimeo.). ro, v. 8, n. 4. p. 366-378, 1992.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 131-137, maio/ago. 2003 137
CORREIA, Maria Valéria Costa
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Reflexos da capacitação na atuação dos conselheiros de saúde


Impacts of training programs on the performance of health council members

Maria Valéria Costa Correia1

RESUMO

Este artigo trata da importância da capacitação de conselheiros de


saúde para o fortalecimento do controle social no Sistema Único de
Saúde (SUS), destacando a metodologia participativa como a mais ade-
quada para este processo. Demonstra, por meio de dados de pesquisa
com Conselhos/conselheiros, os reflexos positivos dessa capacitação na
atuação dos mesmos.

DESCRITORES: Capacitação; Conselheiros; Controle Social.


Recebido em 26/03/2003
Reencaminhado em 18/06/2003
Aprovado em 11/07/2003 ABSTRACT

1Assistente social, professora do This article deals with the importance of training health council
Departamento de Serviço Social da members to strengthen the social control of SUS (Unified Health System),
Universidade Federal de Alagoas (UFAL ), with emphasis on the collective methodology as the most adequate for
doutoranda em Serviço Social pela
Universidade do Estado do this processes. It demonstrates, through research data obtained from
Rio de Janeiro (UERJ ) Council/council members, the positive results of these training programs
Rua Augusto Dias Cardoso, 872 on their performance.
CEP 57050-680 – Maceió – AL
e-mail: mvcc@fapeal.br DESCRIPTORS: Training; Trustees; Social Control.

138 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003
Reflexos da capacitação na atuação dos conselheiros de saúde

INTRODUÇÃO cias. Entretanto, a existência legal de em Plenárias, Encontros, Con-


destes não tem sido suficiente para gressos e Conferências.
O controle social foi concebido a efetivação do mencionado contro-
na área da saúde para a fiscaliza- le. São muitas as dificuldades para A CAPACITAÇÃO DE CONSELHEIROS PARA O
ção da sociedade sobre as ações do o seu exercício: a fragilidade do ní- FORTALECIMENTO DO CONTROLE SOCIAL
Estado neste campo. Esse controle vel de organização dos movimentos
se dará à medida que a sociedade populares e sindicais; a cultura de A urgência em capacitar bons
organizada “interferir na gestão pú- submissão arraigada na população conselheiros tem razões concretas.
blica, colocando as ações do Esta- brasileira; a baixa representativida- Com a institucionalização dos Con-
do na direção dos interesses da co- de e, conseqüentemente, a baixa le- selhos de Saúde, surgiram novos
letividade” (CORREIA , 2000). Vários gitimidade dos conselheiros pela sujeitos políticos no SUS com o pa-
autores vêm trabalhando este tema: pouca organicidade com sua base; pel de atuarem “na formulação de
Victor Valla (1993), Elizabeth Barros a desarticulação em vários níveis; estratégias e no controle da execu-
(1994), Antônio Ivo de Carvalho ção da política de saúde na instân-
(1995), Soraya Maria Vargas Côrtes cia correspondente, inclusive nos
(1998; 2000), Maria Inês Souza Bra- aspectos econômicos e financeiros”
vo (2000; 2002), Maria Valéria Costa C OM O SUS, FORAM (Lei 8.142/90). A responsabilidade
Correia (2000; 2002), entre outros. atribuída legalmente a estes novos
CRIADOS LEGALMENTE
Este artigo não pretende discor- sujeitos políticos do SUS – conselhei-
rer sobre o referido tema, mas res- DOIS MECANISMOS DE ros de saúde – para que deliberem
saltar a importância da capacitação sobre a política de saúde tem reque-
CONTROLE SOCIAL:
continuada de conselheiros de saú- rido deles o acesso às informações e
de como uma estratégia de contri- OS CONSELHOS E aos conhecimentos necessários para
buição para o fortalecimento do con- AS CONFERÊNCIAS o desempenho dessas atribuições.
trole social no Sistema Único de A capacitação dos conselheiros
Saúde (SUS), enfatizando a adoção é apenas uma contribuição para a
da metodologia participativa, por efetivação do controle social, pois
considerá-la a mais adequada aos a desinformação generalizada; a abrange determinações que estão
processos de capacitação que en- pouca transparência dos recursos além do espaço dos conselhos, en-
volvem setores organizados da so- financeiros (CORREIA, 1996). tre as quais destacamos o fortale-
ciedade. Serão apresentados os re- A efetivação do controle social cimento das entidades populares e
sultados positivos da capacitação no SUS tem sido um desafio para sindicais com representação nos
na atuação de conselheiros a par- os Conselhos de Saúde. Tratare- mesmos. Isto porque o fortaleci-
tir de dados de uma pesquisa que mos da capacitação de conselhei- mento do controle social na dire-
teve como objetivo avaliar o im- ros como um dos fatores que faci- ção da defesa dos interesses da
pacto dessa capacitação no desem- litam esta efetivação, abordando- maioria da população está direta-
penho dos mesmos. a como um processo contínuo de mente relacionado à força dessas
Com o SUS, foram criados legal- formação e informação, necessida- organizações sociais para imporem
mente dois mecanismos de controle de apresentada constantemente suas demandas – daí a importân-
social: os Conselhos e as Conferên- pelos próprios conselheiros de saú- cia dessa capacitação ser estendi-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003 139
CORREIA, Maria Valéria Costa

da aos movimentos populares e sin- ros, exteriorizados com a utiliza- Concordamos com Jara (1985)
dicais representados no conselho. ção de dinâmicas de grupo adequa- quando aponta que
Fazer a capacitação de conselhei- das. A capacitação constitui-se em
a questão metodológica vai além do
ros é um processo de aprendizagem um momento de informação e for- uso de determinadas técnicas e da apli-
contínuo que se dá no dia-a-dia do mação, em que educadores e edu- cação de determinados métodos. O pro-
conselho. Porém, para preencher a candos trocam conhecimentos e blema metodológico de fundo está em
como desenvolver todo um processo
lacuna do desconhecimento das leis experiências.
de conhecimento que permite nos apro-
que regem o SUS e de conteúdos que priar-nos criticamente da realidade
os conselheiros precisam dominar A METODOLOGIA PARTICIPATIVA para transformá-la.
para o exercício pleno de suas atri-
O conceito de ‘práxis social’ é con-
buições, se faz necessário A perspectiva metodológica des-
templado nesta proposta metodológi-
sa capacitação deve se fundamen- ca, à medida que se concebe o ato de
Promover uma Política Nacional de
Capacitação de seus Conselheiros, rea- tar na concepção dialética de edu- conhecer como um caminho para a
lizando cursos de capacitação e pro- compreensão da realidade e para a
gramas de educação continuada sobre sua transformação, ou seja, a conver-
aqueles conteúdos indispensáveis para
são do conhecimento construído em
a sua atuação, os quais serão custea-
dos pelo Ministério da Saúde e pelas AS TÉCNICAS EDUCATIVAS ação que modifica a realidade.
Secretarias Estaduais e Municipais de O ponto de partida desta proposta
ADOTADAS SÃO FERRAMENTAS de formação é a prática social, enquan-
Saúde. Essas atividades devem ser de-
senvolvidas pelos Conselhos de Saú- DE APOIO PARA TORNAR OS to conjunto de atividades realizadas
de, Universidades Públicas e Núcleos no econômico, político, ideológico,
de Saúde, Escolas de Saúde Pública, CONSELHEIROS SUJEITOS cultural e cotidiano mergulhado na re-
Sindicatos, Centrais Sindicais e outras
organizações, de forma intersetorial.
ATIVOS, CRÍTICOS E CRIADORES alidade objetiva (LIMA, 1992; PEREIRA,
1992). Parte-se da prática social dos
Além das atividades de capacitação, DA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA
essas entidades deverão prestar asses- conselheiros e/ou dos movimentos po-
soria permanente aos Conselhos de pulares e sindicais articulando-a ao
Saúde (Relatório Final da X CNS/96). contexto mais geral, à estrutura glo-
bal, para que estes percebam o movi-
As capacitações devem ter cação popular que se constitui em
mento da sociedade, a dinâmica das
como base uma metodologia par- uma opção político-pedagógica de contradições como motor da história,
ticipativa1 , que permita aos con- formação de sujeitos coletivos, com- e possam superar o dado como natu-
selheiros serem sujeitos do seu prometidos com os interesses da ral, superar o aparente, analisando as
processo de capacitação, inclusi- maioria da população, e não em um questões com base em uma dimen-
ve apontando temas e conteúdos a simples método. As técnicas edu- são de totalidade.
serem desenvolvidos. Essa meto- cativas adotadas são ferramentas Os conteúdos são discutidos e
dologia tem como ponto de parti- de apoio para tornar os conselhei- aprofundados a partir do que os
da o conhecimento, as dúvidas e ros sujeitos ativos, críticos e cria- conselheiros e/ou membros dos
os questionamentos dos conselhei- dores da construção da história. movimentos populares e sindicais já

1 A metodologia participativa foi adotada nas capacitações de conselheiros de saúde realizadas em Alagoas pelo NUSP/U FAL e pela Secretaria de
Estado da Saúde, em 1995, financiadas pela Coordenação de Informação, Educação e Comunicação em Saúde (IEC) do Ministério da Saúde (MS).

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Reflexos da capacitação na atuação dos conselheiros de saúde

conhecem ou pensam a respeito, e A partir das experiências de ca- grupo: acirrar os conflitos se for
depois explicitados com o auxílio de pacitação de conselheiros desenvol- conveniente;
técnicas de dinâmicas de grupo. A vidas sob a coordenação do Núcleo • ter sempre uma postura de quem
partir daí, o coordenador sistemati- de Saúde Pública (N USP) da Univer- está ali para trocar conhecimentos;
za as informações e opiniões apre- sidade Federal de Alagoas (U FAL), en-
sentadas, destacando para o debate
• apreender e anotar os caminhos
tre os anos 1994 e 1998, elabora-
que eles mesmos traçam no decor-
as questões polêmicas e/ou contra- mos os seguintes passos orientado-
rer da capacitação e devolvê-los
ditórias. Em alguns momentos são
res para instrutores/monitores/asses-
como sugestões em forma de ‘lições
utilizados subsídios para auxiliar as
sores que se propõem a trabalhar
tiradas’, ‘lições para a prática’, etc.;
discussões, como documentos, leis,
com a metodologia participativa:
dados estatísticos ou textos. • ter uma postura equilibrada e
A relação entre coordenador e con- • tomar por base o conhecimen- não extrema, ou basista e espontane-
selheiros é uma relação horizontal, to dos participantes da capacitação; ísta, de que tudo os mesmos já sa-
em que cada uma das partes tem o bem e está correto. Deve-se intervir
que dizer sobre o que está sendo tra- sempre que necessário;
balhado. Todo processo é construído
• proporcionar um clima no qual
coletivamente e o participante perce-
os participantes sintam-se à vonta-
be sua contribuição no que é produ- TODO PROCESSO É
de para fazer colocações;
zido – cria-se, um sistema de cola- CONSTRUÍDO COLETIVAMENTE
boração e troca de saberes. Entretan- • estar sempre atento para a reali-
E O PARTICIPANTE PERCEBE dade local que pode servir como refe-
to, é importante que o coordenador
rência ou parâmetro nas intervenções;
domine o conteúdo abordado e inter- SUA CONTRIBUIÇÃO NO
venha quando necessário para escla- • relacionar as questões locais
QUE É PRODUZIDO
recimentos teóricos ou questiona- com as macrodeterminações econô-
mentos provocativos. Como esclare- micas, políticas e sociais;
ce Jara (1985): “Trata-se, pois, de
• avaliar o desenvolvimento das
gerar uma dinâmica de reflexão co-
capacitações com os participantes
letiva, onde os conhecimentos exis- • destacar o que estiver coerente ao final de cada etapa, levantando
tentes sejam ativamente reafirmados, com o conteúdo trabalhado;
o que foi positivo e o que precisa
aprofundados, modificados ou aban-
• chamar a atenção para as in- melhorar. Lembrar que existem vá-
donados de maneira consciente”.
terpretações confusas ou mesmo rias técnicas de avaliação que po-
Essa metodologia baseia-se na
distorcidas da realidade e politica- dem ser utilizadas;
participação efetiva dos componen-
mente incorretas, trazendo-as para
tes da capacitação, articula-se a um
• introduzir técnicas de animação
debate;
e/ou recreação sempre que os partici-
projeto de transformação do setor
saúde e, conseqüentemente, da rea-
• ampliar as informações que pantes revelarem sinais de cansaço;
eles trazem, dando-lhes uma dimen-
lidade social, à medida que os ha- • organizar o curso/capacitação
são histórica, política e teórica;
bilita também para o exercício do com equipes de trabalho, no qual
controle social no SUS, relacionan- • verificar o que é mais polê- os participantes sintam-se co-respon-
do-o à totalidade social. mico e voltar a discussão para o sáveis pelo seu desenvolvimento.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003 141
CORREIA, Maria Valéria Costa

Ex.: equipe de mural (uma parte com cipação Popular e ao Controle Social NUSP /UFAL, com realização, de mar-
artigos sobre o tema em questão e no SUS , realizada pelo NUSP /UFAL em
2
ço a abril de 1995, de oficinas de
outra parte livre), de cronometrista parceria com o setor de informação, capacitação de conselheiros em 88%
(para ajudar no controle do tempo), educação e comunicação da Secre- dos Conselhos de Saúde até então
de animação, de organização, etc. taria de Estado da Saúde de Alago- existentes naquele estado. A pesqui-
as (SESAU), no período de março a sa avaliou o referido impacto, apon-
Os temas das capacitações de-
maio de 1998, pesquisa esta subsi- tando diferenças entre conselhos ca-
vem variar de um Conselho para o
diada pelo Ministério da Saúde, ten- pacitados e não capacitados 4 em re-
outro, a depender da necessidade de
do como objetivo central avaliar o lação à efetividade de sua atuação,
cada um e do nível de atuação já
impacto do processo de capacitação ou seja, à capacidade de influenciar
alcançado. Há Conselhos/conselhei-
de conselheiros sobre o desempe-
3
concretamente nas decisões e ações
ros que ainda não sabem bem o seu
nho do Conselho/conselheiro, uma governamentais, como demonstra o
papel e querem se habilitar nesse
das metas em avaliação. quadro a seguir:
sentido. Outros querem conhecer os
Esse projeto foi desenvolvido em Observa-se na maioria dos indi-
aspectos legais do SUS ou o plane-
Alagoas, sob a coordenação do cadores um percentual maior nos
jamento participativo. Uma dificul-
dade comum aos Conselhos/conse-
lheiros tem sido não só o acesso às QUADRO 1 – Indicadores de efetividade na atuação dos conselhos capacitados e não capacitados
informações sobre os recursos finan-
ceiros como a compreensão das
mesmas devido aos termos técnicos Indicadores Conselhos Capacitados (%) Conselhos Não Capacitados (%)

usados nesta área. Melhoria das ações de saúde após a


81,8 50
criação do Conselho

OS REFLEXOS DA CAPACITAÇÃO NA Participação no Plano Municipal de


45,5 50
Saúde
ATUAÇÃO DOS CONSELHEIROS
Acesso à movimentação dos
72,7 –
recursos financeiros
A importância da capacitação
Interferência no processo de
27,3 –
pode ser constatada a partir da apre- alocação de recursos financeiros
sentação dos resultados de uma pes-
quisa que evidenciou os efeitos po-
sitivos de uma capacitação na atua- Conselhos capacitados, demonstran- de Saúde (PMS). Porém, os 50% de
ção do Conselho/conselheiro. Trata- do que estes tiveram mais efetivi- Conselhos não capacitados partici-
se da Pesquisa de Avaliação do Im- dade na atuação, exceto em relação param do Plano apenas na sua apro-
pacto do Projeto de Incentivo à Parti- à participação no Plano Municipal vação, enquanto que entre os 45,5%

2
Projeto criado em 1993 pelo IEC – ligado à Assessoria de Comunicação (ASCOM ) do Ministério da Saúde, e financiado com recursos do Projeto
Nordeste. Em 1998, com o encerramento do Projeto Nordeste, o IEC passou a vincular-se ao Programa de Educação em Saúde, do Ministro
da Saúde José Serra, pela Portaria 3.124, de 9 de julho de 1998.
3
A maioria dos conselheiros, 75,5%, foi capacitada através de oficinas: 8,1% através de cursos e o restante por conferências, plenárias,
reuniões e encontros.
4
A pesquisa foi realizada através de entrevistas coletivas semi-estruturadas aos Conselhos capacitados e não capacitados em reuniões
marcadas antecipadamente com este fim.

142 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003
Reflexos da capacitação na atuação dos conselheiros de saúde

capacitados, 72,7% participaram da consideram esta área de atuação apresentadas notas comprobatóri-
elaboração e 18,2% participaram só prioritária para a efetivação do con- as dos gastos, que as receitas fos-
na aprovação. Isto indica que, ape- trole social. Os aspectos econômi- sem apresentadas antes das des-
sar dos capacitados terem um percen- cos e financeiros do SUS são, na pesas, que estas últimas fossem
tual 4,5% menor em participação no maioria das vezes, a ‘caixa de se- mais detalhadas, que fossem dis-
PMS, a qualidade desta foi superior gredos’. As informações a seu res- tribuídas cópias da prestação de
por influenciar na sua elaboração. peito são obscuras, incompletas, contas para cada um deles, e que
Quanto à participação do Con- codificadas, incompreensíveis. fosse apresentada também a pres-
selho na movimentação dos recur- Em uma outra pesquisa , en- 5
tação de contas de recursos extras
sos financeiros da saúde, 50% dos volvendo um Conselho Municipal de convênio. Com essas modifica-
não capacitados afirmaram não ter de Saúde de Alagoas, sobre o con- ções, as contas tornar-se-iam mais
esse tipo de participação e os de- trole social do Fundo Municipal de transparentes e compreensíveis
mais (50%) não responderam; dos Saúde, os conselheiros apresenta- para os conselheiros.
capacitados, 72,7% afirmaram ter ram a necessidade de capacitação Segundo a referida Pesquisa de
participação, sendo 54,5% aprovan- “na parte econômica para entender Avaliação do Impacto do Projeto de
do relatório financeiro, 18,2% como é o orçamento, que é uma Incentivo à Participação Popular e
acompanhando a movimentação fi- coisa muito difícil, e como funcio- ao Controle Social no SUS, os con-
nanceira do Fundo Municipal de na a conta do fundo municipal” selheiros capacitados tiveram uma
Saúde e 9,1% verificando notas de (conselheiro municipal de saúde). média mais alta de intervenção nas
despesa. Em relação à interferên- Nas reuniões, segundo registro nas reuniões e de articulação com sua
cia no processo de alocação de re- atas, os conselheiros solicitaram base do que os não capacitados,
cursos financeiros, 100% dos con- algumas alterações na forma de como demonstra o Quadro 2:
selhos não capacitados nunca in- prestação de contas para torná-la Além deste quadro, que indica
terferiram e 27,3% dos capacitados mais acessível como: que fossem que a capacitação incentivou e me-
interferiram, demonstrando que a
capacitação pode ter influenciado
QUADRO 2 – Intervenções e articulações dos conselheiros capacitados e não capacitados –
nesse resultado. Podemos observar,
Alagoas, 1998
mais adiante, no Quadro 6, o tema
do financiamento sendo apontado Média de
Conselheiros Conselheiro (nº) Intervenção/Articulação (nº) intervenção/Articulação por
por 33,3% dos entrevistados como
conselheiro (%)
necessário ao conhecimento para
Capacitados 058 149 2,63
melhorar a atuação dos mesmos.
Não capacitados 111 203 1,82
Os conselheiros em geral têm difi-
culdade de entender tabelas de-
monstrativas de despesas e/ou de lhorou a atuação dos conselheiros, capacitação também pode ter in-
receitas, ao mesmo tempo em que outro resultado mostra que essa fluenciado positivamente na qua-

5
Pesquisa realizada com o objetivo de verificar o exercício do controle social sobre o Fundo Municipal de Saúde em um Conselho Municipal
de Saúde do Estado de Alagoas, publicada no último capítulo do livro: Que Controle Social? Os conselhos de saúde como instrumento, de
Correia (2000).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003 143
CORREIA, Maria Valéria Costa

lidade da intervenção dos mesmos QUADRO 3 – Fatores que ajudam a atuação do conselheiro – Alagoas, 1998
nas reuniões, pois enquanto os
34,1% dos capacitados intervêm fa- Fatores Facilitadores Respostas dos Conselheiros (%)
zendo propostas depois de questio- Disponibilidade pessoal 026 0016,0
narem, 18,2% intervêm questionan- Capacitação 020 0012,3
do fundamentados na lei e 11,4% Articulação com a comunidade e entidades 019 0011,7
se referem à capacitação como Integração dos conselheiros 018 0011,0

meio de melhorar as intervenções; Nada facilita 016 0009,8


Experiência anterior na área da saúde 014 0008,6
entre os não capacitados, 24,4% in-
Acesso a informações 012 0007,4
tervêm questionando, 19,75% fazen-
Compromisso com a população 011 0006,7
do propostas, 12,7% discutindo pro-
Não-pertinente 008 0004,9
blemas e 12,7% opinando sobre as
Conhecimento da pauta da reunião com antecedência 005 0003,1
questões abordadas. Observa-se que
Formação em outras instâncias de participação 005 0003,1
os capacitados são mais propositi-
Ambiente democrático 004 0002,5
vos e têm maior poder de questio- Adequação das instalações físicas 002 0001,2
namento e argumentação à medida Participação em Conferências 002 0001,2
que conhecem o aparato legal do Não responderam 001 0000,6
SUS. Os próprios conselheiros TOTAL 163 0100,0
apontaram a capacitação como um
dos fatores que contribuíram para
QUADRO 4 – Fatores que dificultam a atuação do conselheiro – Alagoas, 1998
o seu desempenho (Quadro 3) e a
sua ausência como um dos fatores
Fatores Dificultadores Respostas dos Conselheiros (%)
que dificultaram a sua atuação
Desmobilização dos conselheiros 062 0027,7
(Quadro 4), como podemos verifi-
Nenhum 033 0014,9
car nas tabelas a seguir.
Conselheiro não capacitado 024 0010,8
Observa-se, nos Quadros 3 e 4,
Dificuldades pessoais do conselheiro 016 0007,2
que o item mais apontado como fa-
Falta de apoio do gestor ao Conselho 014 0006,3
tor facilitador e sua ausência como Dificuldade de transporte ao local das reuniões 013 0005,9
fator dificultador da atuação do con- Desarticulação com comunidades e entidades 011 0004,9
selheiro está relacionado à sua dis- Prática autoritária dos gestores 011 0004,9
ponibilidade pessoal e à sua des- Deliberações que não são realizadas 010 0004,5
mobilização, respectivamente. Isso Disputas políticas 007 0003,2
demonstra que as motivações para Horário e datas de reuniões inadequadas e sem 007 0003,2
comunicação
o desempenho de papel de conse-
Falta de recursos para a saúde 005 0002,3
lheiro e o compromisso pessoal são
Falta de acesso à informação sobre recurso 005 0002,3
questões importantes para a atua- financeiro e documentação
ção do mesmo. Burocracia no acesso às informações 002 0000,9
Os Quadros 5 e 6 mostram que Desarticulação entre conselheiros 001 0000,5
o papel do conselheiro é a área de Desmobilização do movimento popular 001 0000,5
conhecimento adquirido na capaci- TOTAL 222 0100,0

144 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003
Reflexos da capacitação na atuação dos conselheiros de saúde

tação que mais contribuiu na sua QUADRO 5 – Áreas de conhecimentos adquiridos na capacitação que mais contribuíram para
atuação, ao mesmo tempo em que a melhoria da atuação do conselheiro – Alagoas, 1998
foi a mais apontada como necessi-
Conhecimentos Nº de Respostas (%)
tando de melhora.
Papel do Conselheiro 051 037,8
Quanto às formas de comunica-
Aspectos legais do SUS 034 025,2
ção dos Conselhos com a socieda-
Planejamento das Ações de Saúde 024 017,8
de, fator importante para a garantia
Financiamento 022 016,3
da organicidade com as bases que
Outros 004 002,9
representam e dão legitimidade à
TOTAL 135 100,0
atuação, os não capacitados comu-
Nota: Cada conselheiro respondeu mais de uma opção.
nicaram-se com a população de for-
ma mais tradicional, por meio de
reuniões e conversas informais, en- QUADRO 6 – Temas cujo conhecimento é necessário para melhorar a atuação dos conselheiros
quanto os capacitados mostraram – Alagoas, 1998
uma maior diversidade, criando
novos canais de comunicação apre- Conhecimentos Nº de Respostas (%)
sentados no Quadro 7. Papel do Conselheiro 109 0036,2
De forma geral, verifica-se a partir Financiamento do SUS 100 0033,3
dos resultados da pesquisa em pauta Aspectos legais do SUS 066 0021,9
que a capacitação influencia positiva- Controle Social 026 0008,6
mentenaatuação dosconselheiros,pro- TOTAL 301 100,0
porcionando-lhes melhor desempenho Nota: Cada conselheiro respondeu a mais de uma opção.

no seu papel fiscalizador, propositor e


definidor da política de saúde. Ressal- QUADRO 7 – Formas de comunicação dos Conselhos de Saúde com a sociedade – Alagoas, 1998
te-se, porém, que além da capacitação,
os conselheiros apontaram outros fa- Formas de Comunicação Conselhos Capacitados (%) Conselhos Não Capacitados (%)

tores que contribuíram para as mu- Carro de som 018,2 –


Palestras em igrejas e feiras 018,2 –
danças na atuação dos mesmos, entre
Reuniões 018,2 050
os quais: mudança na gestão munici-
Cartaz 009,1 –
pal (41%), maior apoio do gestor ao
Conversa informal 009,1 050
conselho (28,6%), articulação com ou-
Jornal semanal 009,1 –
tros conselhos (5,3%), vivência no CMS
Rádio semanal 009,1 –
(5,3%), envolvimento com comunida-
Não responderam 009,0 –
de carente (3,6%), militância em outras
TOTAL 100,0 100,0
áreas (3,6%). Observa-se que 69,6% dos
fatores citados estão relacionados di-
retamente à gestão municipal. Isto sig- CONSIDERAÇÕES FINAIS seguiu ter concretização apenas no
nifica que a vontade política tem um aspecto legal, muitas barreiras pre-
peso alto para a viabilização do exer- Para que o Sistema Único de Saúde cisam ser enfrentadas. A capacita-
cício do controle social via conselho. deixe de ser uma proposta que con- ção e a articulação contínua dos

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003 145
CORREIA, Maria Valéria Costa

conselheiros defensores da saúde No segundo semestre de 2002, centralização dos serviços de Saú-
pública, universal e de qualidade, teve início a seleção e o treinamen- de. Incentivo à Participação Popular
na perspectiva do exercício do con- to dos monitores do referido pro- e Controle Social no SUS: textos téc-
trole social sobre a política de saú- grama e em seguida o desenvol-
7
nicos para conselheiros de saúde.
de, inclusive nos seus aspectos eco- vimento do mesmo. Brasília, DF: IEC, 1994.
nômicos e financeiros como propug- Enfim, longe de idealizar que a
BRAVO, Maria Inês de Souza. Gestão
na a Lei 8.142/90, seriam uma ala- capacitação solucionará a fragilida-
Democrática na Saúde: a experiência
vanca para a consolidação prática de da capacidade de intervenção dos
dos Conselhos na Região Metropoli-
do SUS, em uma realidade de Conse- Conselhos/conselheiros, pode-se con-
tana do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO
lhos de Saúde fragilizados, desinfor- cluir por meio dos dados aqui apre-
NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SO -
mados, desarticulados, funcionando sentados, que esta poderá influenci-
CIAL, 7, 2000, Brasília, DF. Anais...
apenas para cumprir o requisito le- ar positivamente na atuação dos
Brasília, DF: ABEPSS, 2000. V. III.
gal. Convém ressaltar que qualquer mesmos no sentido de inserir uma
agenda de lutas na defesa da saúde BRAVO , Maria Inês de Souza; SOUZA,
proposta de capacitação deve levar
pública, universal e de qualidade. Daí Rodriane de Oliveira. Conselhos de
em conta que a renovação dos con-
a necessidade de que se viabilize um Saúde e Serviço Social: luta políti-
selheiros acontece de dois em dois
anos, período de cada gestão. processo contínuo de capacitação, ca e trabalho profissional. Ser So-

Em fevereiro de 2000, foi insti- informação e articulação entre os cial, Brasília, DF, 2002.

tuído no âmbito do Ministério da Conselhos/conselheiros de Saúde em


CARVALHO, Antônio Ivo de. Conselhos
Saúde o “Programa de Apoio ao For- nível nacional, estadual e municipal,
de Saúde no Brasil: participação ci-
talecimento do Controle Social no e, principalmente, entre as entidades
dadã e controle social. Rio de Janei-
SUS: capacitação de conselheiros (movimentos populares e sindicais)
ro: F ASE/IBAM, 1995.
estaduais e municipais de saúde e neles representados, para possibili-
tar a efetivação do controle social no CORREIA, Maria Valéria Costa. O con-
formação de membros do Ministé-
SUS, na perspectiva de fortalecê-lo e trole social na área da saúde. In: Con-
rio Público”6 que se propõe, segun-
do seu termo de referência, a de se criar uma resistência aos en- ferência Estadual de Saúde de Alago-
traves – processos de ‘desuniversa- as, 3, 1996.Textos Técnicos para De-
fortalecer os mecanismos de controle
lização’, privatização e mercantiliza- bates... Alagoas: CES/S ESAU/AL, 1996.
social no Sistema Único de Saúde,
ção da saúde em curso – para a sua
mediante a concepção, formulação, . Que Controle Social? Os
desenvolvimento e implantação de pro- consolidação.
conselhos de saúde como instru-
grama continuado de capacitação de
conselheiros estaduais e municipais de mento. Rio de Janeiro: Editora F IO -
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
saúde e de formação de membros do CRUZ , 2000.
Ministério Público. (Termo de Referên-
cia para Contratação de Instituição ou BARROS , Maria Elizabeth Diniz. O .Que Controle Social na
Consórcio, Brasília, fevereiro de 2000). Controle Social e o processo de des- Política de Assistência Social? Revis-

6
Programa a ser coordenado por um comitê de acompanhamento do projeto formado por uma comissão, com representação do Ministério
da Saúde, Ministério Público e Conselho Nacional de Saúde. A operacionalização do projeto está a cargo de um consórcio, formado pela E NSP/
FENSPTEC ; NESP -UnB/FUBRA; UNICAMP/FUNCAMP e N ESCON-UFMG/FUNDEP .
7
Existe um site com informações sobre tal programa: www.ead.fiocruz.br/conselho.

146 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003
Reflexos da capacitação na atuação dos conselheiros de saúde

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C ÔRTES, Soraya Maria Vargas. Con-


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sibilidade dos usuários participarem
e os determinantes da participação.
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. Balanço de experiências
de controle social, para além dos
conselhos e conferências no Sistema
Único de Saúde brasileiro: constru-
indo a possibilidade da participação
dos usuários. In: Cadernos da 11ª
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JARA , Oscar. Concepção dialética da


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P EREIRA, Margarete (Orgs.). Documen-
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Centro Acotyrene de Formação Popu-
lar, 1992. (mimeo).

R ELATÓRIO DA PESQUISA DE A VALIAÇÃO DE

IMPACTO DO PROJETO DE INCENTIVO À PARTI-


CIPAÇÃO E AO CONTROLE S OCIAL NO SUS.
Coordenadoras: Maria Valéria Cos-
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de Medeiros e Sônia Maria Souza
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VALLA, Victor V. (Coord.). Participação


popular e os serviços de saúde: o
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dadania. Rio de Janeiro: Pares, 1993.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 138-147, maio/ago. 2003 147
SANTOS, Nelson Rodrigues dos
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

A relação entre os órgãos executivos e o Conselho Nacional de Saúde na


gestão do SUS: um relato comentado
The relation between executive organs and the National Health Management Council in SUS: a report with comments

Nelson Rodrigues dos Santos1


1
Médico sanitarista, doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (USP), docente do Departamento de Medicina Preventiva e Social da
Universidade Estadual de Campinas (U NICAMP), diretor na Secretaria de Gestão Participativa
do Ministério da Saúde

Atuar na formulação de estraté- Os costumes e práticas tradicio- nas rotulações apressadas de ambos
gias e no controle da execução das nais de fiscalização e controle da os lados, deixou-se passar inúme-
políticas de saúde, atribuições con- execução não davam conta das ques- ras oportunidades de, com menos
feridas aos Conselhos de Saúde pela tões que iam surgindo, e a imple- preconceitos e maniqueísmos, per-
Lei 8.142/90, imputaram aos Con- mentação das políticas, no dia-a-dia, ceber outras verdades reveladoras
selhos, na sua curta trajetória, a foi trazendo para os Conselhos volu- do grande potencial de reconhecer as
concentração da sua atuação no me cada vez maior de ‘casos’ de má boas intenções e rever as distorções
controle da execução, atividade esta execução, que feriam e ferem os inte- e os vícios dos dois lados, o que
incorporada na cultura e nas práti- resses dos usuários, dos profissionais, aceleraria a construção da gestão
cas de fiscalização. A atuação na dos prestadores de serviços e do pró- participativa. Hoje, se encontra mais
formulação de estratégias, mais prio governo. Os posicionamentos do claro que não há gestor de um lado
complexa e distante das representa- Conselho perante cada ‘caso’, de for- e Conselho de outro lado. Se o Con-
ções sociais, e mesmo dos escalões ma pontual e isolada, não bastavam. selho, ao integrar o Poder Executi-
intermediários do governo, foi fican- Mais que o ‘varejo’, impunha-se en- vo, conforme consta na Lei 8.142/
do em segundo plano, no decorrer tender e reordenar o ‘atacado’. 90, compõe a gestão, e no SUS há
dos anos 1990. Os gestores, por sua vez, condi- uma gestão participativa, os gesto-
Ao longo do tempo, foram sur- cionados à cultura secular de ad- res executivos e o Conselho de Saú-
gindo questões cada vez mais inquie- ministração sem participação da de devem atuar pró-ativamente, a
tantes para os Conselhos de Saúde, população, rotulavam os Conselhos começar pela atuação na formula-
tais como: controlar a execução das de ‘emperradores da gestão’, quan- ção de estratégias, diretrizes e polí-
ações, mas em relação a que for- do não de corporativistas, basistas ticas. É nesse nível que devem ser
mas e métodos de execução? Refe- e partidarizados. Os Conselhos, por definidas as vigas mestras ou os pi-
rentes a quais diretrizes e estratégi- sua parte, consideravam os gesto- lares da construção do SUS, a partir
as? Referentes a que comprovações res autoritários e burocráticos, dos princípios da universalidade,
de que o Sistema Único de Saúde quando não clientelistas, fisiologis- eqüidade, integralidade, descentra-
(SUS) e a cidadania na saúde estão tas e também partidarizados. Ainda lização, hierarquização/regionaliza-
sendo construídos? que houvesse boa dose de verdade ção e participação.

148 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 148-152, maio/ago. 2003
A relação entre os órgãos executivos e o Conselho Nacional de Saúde na gestão do SUS: um relato comentado

O Conselho Nacional de Saúde cípios e regiões, por meio de víncu- Observou-se a baixa ou nenhu-
(CNS), na experiência vivida, a par- los e incentivos estabelecidos por ma transparência e discussão dos
tir de 1997, reflete o grande peso de programas e projetos de oferta de critérios utilizados na execução or-
atuar no controle da execução, mas serviços, inseridos nos repasses fe- çamentária quanto ao tríplice con-
com experiência ainda insuficiente derais, inclusive nos destinados à tingenciamento (orçamentário, fi-
no conhecimento e na formulação de Atenção Básica à Saúde, produzindo nanceiro e dos restos a pagar); aos
estratégias e diretrizes, sob as quais desestímulo e até impedindo o desen- critérios das alocações para inves-
as políticas devem ser executadas, volvimento de planos locais e regio- timento e custeio; aos critérios das
na construção do SUS. nais de saúde, cujas metas prioritá- alocações para Atenção Básica, Mé-
Gradativamente, o CNS tornou- rias deveriam refletir as realidades dia Complexidade e Alta Complexi-
se consciente e passaram a ser mo- sociais e epidemiológicas de cada dade; a ausência de definições so-
tivos de preocupação, entre outros, região. O fracionamento, por coinci- bre o Planejamento e o Orçamento
os seguintes aspectos: dência ou não, foi paralelo, ano a Ascendente como estabelecido no
As informações da saúde não fo- ano, ao desfinanciamento do sistema. Art. 36 da Lei 8.080/90; aos critéri-
ram socializadas com os conselhei- A crescente discrepância entre o os e valores para Remuneração de
ros de saúde que pouco participa- valor do repasse federal e o custo Serviços e Parâmetros Assistenciais
ram na formulação de estratégias e dos procedimentos: quanto maior a (Art. 26 da Lei 8.080/90) e outros.
diretrizes para a construção do SUS. incorporação tecnológica e a espe- Vários itens apresentaram baixíssi-
A aplicação da Norma Operacio- cialização, mais o valor cobre ou ma execução orçamentária ao final
nal Básica (NOB-96) foi retardada em ultrapassa o custo; e quanto mais a do ano sem informação sobre os
mais um ano, sem discutir nem tecnologia é de fácil compreensão e destinos dos saldos.
compartilhar as decisões com o CNS. manejo, e menor o custo, o valor A EC-29 não foi aplicada de for-
O processo de elaboração do or- repassado não remunera adequada- ma coerente com o texto constitu-
çamento federal de Saúde foi sempre mente. Esse fenômeno acontece tan- cional, que previa a alocação de
prejudicado quanto às fontes, aos to na tabela de procedimentos e va- recursos novos, inclusive de fon-
quantitativos e à composição dos lores como também nos repasses tes federais.
itens de investimento e de custeio, globais fundo a fundo. A Política Nacional de Recursos
sem que os procedimentos e as justi- Portanto, a conquista da forma Humanos para o SUS nunca foi apre-
ficativas de sua estrutura fossem dis- de repasse de fundo a fundo man- sentada para discussão e formulação.
cutidos com o CNS e nem mesmo com teve fatores indutores favoráveis ao A aprovação da proposta de Or-
o extinto Conselho Nacional de Se- modelo ‘pré-SUS’, como o fraciona- ganizações Sociais pelo Ministério
guridade Social. Manteve-se a práti- mento da atenção integral, o deses- da Administração e Reforma do Es-
ca da apresentação da peça orçamen- tímulo à qualidade e resolutivida- tado, e sua aplicação na Saúde, não
tária final ao CNS, em prazo insufi- de da Atenção Básica (incluindo as foi discutida nem contou com a par-
ciente para discussão e possíveis al- ações intersetoriais de promoção da ticipação do SUS, tampouco do CNS.
terações. E essa postura foi mantida saúde), a remuneração por produ- Houve retardo da discussão e da
mesmo após a aprovação da Emen- ção e o próprio desfinanciamento, aplicação do princípio da Hierarqui-
da Constitucional 29 (EC-29). compelindo os gestores municipais zação/Regionalização, incluindo a
O fracionamento crescente da e regionais a reproduzirem o mo- inserção dos Hospitais Universitá-
Atenção Integral à Saúde nos muni- delo anterior. rios e de Ensino no SUS.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 148-152, maio/ago. 2003 149
SANTOS, Nelson Rodrigues dos

O SUS esteve ausente na formu- são e da elaboração da proposta de Intensificou-se também a interlo-
lação das estratégias e diretrizes da Medida Provisória 33/02, que dis- cução do CNS com os Conselhos Es-
Política Nacional de Saneamento e põe da transformação da Fundação taduais e Municipais de Saúde, com
Meio Ambiente, conforme dispõe a Lei Nacional de Saúde (FUNASA) na Agên- as comissões afins da Câmara dos
8.080/90, o que gerou o Projeto de cia Federal de Prevenção e Controle Deputados e do Senado, com o Mi-
Lei 4.147/00, que trata da estaduali- de Doenças (A PEC), contendo aspec- nistério Público, com os Tribunais de
zação e privatização das autarquias tos controversos. Contas e outras instituições, a ponto
e empresas públicas de saneamento. O CNS não foi convocado para que a simples comunicação social de
O SUS não participou na formu- participar, no âmbito do Ministério suas deliberações passou a resgatar
lação das estratégias e diretrizes de da Saúde, das discussões e formu- grande parte do poder de influência
Regulação das Operadoras Privadas lações referentes ao Grupo de Transi- do CNS que se encontrava ameaçado
de Planos de Saúde, conforme dis- ção de Governo em novembro/de- pela não-homologação ou por homo-
põe a Lei 8.080/90, o que gerou zembro de 2002. logações com grande atraso.
medida provisória de conteúdo con- As questões acima citadas, en- A reação do CNS, ao contrário de
troverso, com referência aos direi- tre outras, foram objeto de reações justificar o descumprimento legal do
tos dos usuários do SUS e dos con- crescentes do CNS, revelando um procedimento da homologação, re-
sumidores dos planos privados. verdadeiro processo de aprendiza- vela o imenso potencial da gestão
O CNS não participou na formu- do de formulação de estratégias. participativa e o quanto se deve in-
lação de estratégias e diretrizes para Como agravante, as homologações sistir na sua efetivação. Faz parte
a política de assistência farmacêuti- das deliberações do CNS pelo seu da reação do CNS também, a inten-
ca do SUS, o que gerou discutível Presidente (Ministro da Saúde) da- sificação das atividades das suas
fragmentação das iniciativas fede- vam-se com atrasos de meses (até comissões permanentes intersetori-
rais, nas Secretarias Executiva, de mais de um ano), ou simplesmente ais e dos grupos de trabalho, por
Assistência à Saúde e de Políticas de não eram homologadas, acarretan- meio de estudos, formulações, e a
Saúde do Ministério da Saúde (MS), do defasagem ou caducidade das competência de realizar articulações
no Fundo Nacional de Saúde, na Fun- deliberações e em perda da capaci- e promover eventos em conjunto com
dação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), nas dade de influência do CNS. outras instituições.
Forças Armadas e em outros órgãos. Este Conselho foi, porém, com- Podem ser citadas algumas deli-
O delicado e decisivo elo da cor- pensando as dificuldades por in- berações do CNS entre 1997 e 2002
rente da assistência farmacêutica, termédio da intensificação da com- que tiveram repercussão positiva. A
referente aos critérios da indicação, petência e legitimidade do seu Ple- reunião conjunta CNS/Tripartite ao
prescrição, relação com o usuário e nário na identificação dos assun- final de 1997, que resultou na deci-
aviamento, permanece ainda sob tos pela sua relevância e oportu- são do MS de implantar a NOB-96.
pressão maior de interesses que le- nidade, assim como em sua capa- A realização de duas oficinas de tra-
vam, por um lado, à ‘medicaliza- cidade de discutir, articular e pro- balho sobre política de medicamen-
ção’ e, por outro, à ‘repressão da duzir consensos entre os conselhei- tos com ênfase nos Genéricos, na
demanda por medicamentos real- ros e entre os segmentos represen- Organização Pan-Americana da Saú-
mente necessários’. tados, em decisões a favor dos di- de (OPAS) e no Ministério do Planeja-
As instâncias do SUS, inclusive reitos de cidadania e da constru- mento, em 1997 e 1998, com ampla
o CNS, não participaram da discus- ção do SUS. repercussão e participação, contri-

150 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 148-152, maio/ago. 2003
A relação entre os órgãos executivos e o Conselho Nacional de Saúde na gestão do SUS: um relato comentado

buindo decisivamente para a trami- ros de Saúde” que orientaram ini- suais sobre a Implementação e Re-
tação e aprovação da Lei em feve- cialmente o Projeto de Capacitação gulamentação da EC-29”. Por dele-
reiro de 1999. Na Política Nacional do Ministério da Saúde para Con- gação das instituições envolvidas ao
de Medicamentos e de Assistência selheiros de Saúde e membros do CNS, foi elaborada e aprovada a Re-
Farmacêutica, os relatórios de mesa- Ministério Público, bem como foi solução CNS 316/02 que consubs-
redonda – organizada pelo CNS – e realizado o acompanhamento da tanciou as referidas articulações.
do grupo de trabalho específico con- execução do projeto. Por ocasião da Em 2002, o CNS elaborou e apro-
tribuíram de forma consistente e 11ª Conferência Nacional de Saú- vou uma Resolução sobre o acom-
orientaram tanto o Ministério da de, em dezembro de 2000, o CNS panhamento do programa Bolsa Ali-
Saúde quanto a convocação da Con- discutiu, aprovou e divulgou a mentação do Ministério da Saúde e
ferência Nacional sobre esse tema. publicação “Práticas do Controle promoveu, com o Instituto Materno-
A adequada divulgação dos rela- Social – 14 Reflexões”. Infantil de Pernambuco (I MIP), o Se-
tórios de dois grupos de trabalho do Em 1999, foi divulgado o relató- minário sobre Política Nacional de
CNS sobre a proposta das organiza- rio de mesa-redonda promovida pelo Alimentação e Nutrição em Olinda.
ções sociais foi decisiva para a sus- CNS sobre Atenção Básica à Saúde, O Seminário organizado pelo
pensão da sua aplicação no SUS alertando para distorções a serem CNS com a Comissão de Desenvol-
(1999). A adequada divulgação dos evitadas. Em 2000, o relatório do vimento Urbano da Câmara dos De-
relatórios de duas oficinas de traba- Grupo de Trabalho do CNS “Referên- putados, em 2001, resultou na reti-
lho do CNS sobre a ‘Inserção dos cias para a Regionalização das Ações rada do PL nº 4.147/00, que dispõe
Hospitais Universitários e de Ensino e Serviços de Saúde” contribuiu subs- sobre a estadualização e privatiza-
no SUS’ foi decisiva, em 1999, para tancialmente para a adequada orien- ção dos serviços de saneamento bá-
a superação de parte das distorções tação na aprovação da NOAS-01. sico. O Simpósio organizado pelo
constantes na versão inicial do PL nº A decisiva mobilização do CNS, CNS com a Comissão de Assuntos
449 que tramita no Senado. Porém, entre 1999 e 2000, para a aplicação Sociais do Senado resultou na reti-
outras distorções a serem discutidas da EC-29 com o Ministério Público rada da Medida Provisória que dis-
e negociadas ainda permanecem. Federal, a Comissão Mista do Orça- punha sobre alterações controversas
A promoção da Ética em Pesqui- mento do Congresso Nacional, a na regulação dos planos privados
sa que envolve Seres Humanos, por Comissão de Seguridade Social e de saúde, em 2001.
meio de Resoluções do CNS, obteve Família da Câmara dos Deputados, Em 2002, o CNS discutiu, formu-
repercussão nacional e internacional. a Comissão de Assuntos Sociais do lou, aprovou e divulgou a publica-
Em 1999, conseguiu-se delimi- Senado, a Associação Brasileira de ção “Princípios e Diretrizes à NOB
tar os campos de atuação do con- Membros dos Tribunais de Contas, de Recursos Humanos do SUS”.
trole social dos Conselhos de Saúde o Conselho Nacional de Secretários O Relatório de mesa-redonda do
e o da Gestão propriamente dita, in- de Saúde (CONASS ), o Conselho Naci- CNS sobre o Controle do Aedes e da
cluindo a relação entre o CNS e a onal de Secretários Municipais de Dengue resultou na revisão do pro-
Comissão Gestora Tripartite. Saúde (C ONASEMS) e as secretarias de jeto. A discussão, formulação, apro-
Ainda no âmbito do controle so- Planejamento e Orçamento e de In- vação e divulgação de Resolução do
cial foi aprovado e divulgado pelo vestimentos em Saúde do Ministé- CNS solicitando a retirada de pauta
CNS, em 1999, as “Diretrizes Nacio- rio da Saúde resultou no importan- da MP nº 33 que criava a A PEC, e a
nais para Capacitação de Conselhei- te documento “Parâmetros Consen- adequada articulação com as comis-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 148-152, maio/ago. 2003 151
SANTOS, Nelson Rodrigues dos

sões e a Presidência da Câmara dos próprio Conselho e, em parte, devi- Superar a postura tímida ou pas-
Deputados, contribuiu decisivamen- do às resistências e omissões per- siva de grande parte dos conselhei-
te para a sua retirada da pauta. sonificadas em ‘enclaves’ importan- ros, de não insistir em passar para
Em 2002, o CNS promoveu, em tes dos gestores executivos. Estamos a direção da sua entidade, regular-
conjunto com a Comissão de Desen- plenamente convencidos de que a mente, os resultados dos principais
volvimento Urbano da Câmara dos relação entre os órgãos executivos debates, articulações e deliberações
Deputados, a 4ª Conferência Nacio- e o Conselho Nacional de Saúde na do Plenário do Conselho. A atuação
nal das Cidades, que teve a Violên- gestão do SUS experimentará um conjunta das entidades e do Conse-
cia como tema central. salto positivo de qualidade com o lho muito contribuiria para maior
O CNS discutiu, formulou e ini- novo governo e novo gestor federal mobilização, engajamento e efetivi-
ciou o processo de aprovação do do SUS, o que não significa que sua dade das ações, das entidades e
documento Proposta de Diretrizes construção já esteja dada, mas por movimentos sociais na conquista
para a aplicação dos artigos nº 36 e seguramente comprometer-se, de dos direitos de cidadania à saúde e
nº 26 da Lei 8.080/90, que aborda forma mais acentuada, com a cons- da construção do SUS.
as questões do planejamento e or- trução da gestão participativa.
çamento ascendente, da transparên- Finalizando, cremos oportuno
cia do processo orçamentário, dos enfatizar dois importantes desafios
parâmetros assistenciais e dos cri- bastante presentes e que talvez de-
térios e valores de remuneração dos vam ser ‘encarados’ como priorida-
prestadores públicos e privados de de para o funcionamento do CNS e
serviços do SUS. certamente dos demais conselhos.
Em novembro de 2002 foi reali- Superar a postura ainda predo-
zada discussão, formulação, apro- minantemente reativa do Conselho,
vação e divulgação do documento em relação às iniciativas ou omis-
“Desenvolvimento do SUS: Avanços, sões do gestor executivo, tanto no
Desafios e Reafirmação dos seus controle da execução das políticas,
Princípios e Diretrizes”. E, por fim, como principalmente na formula-
o CNS discutiu, formulou e aprovou ção de estratégias e diretrizes. Essa
o documento “Contribuição do CNS postura pode e deve em curto pra-
na Transição de Governo e na Dis- zo ser substituída pela postura pró-
cussão do Orçamento MS – 2003” ativa entre o Conselho e o gestor
no Congresso Nacional. executivo, na qual ambos os la-
Não menos importante que esses dos compartilham suas atribui-
e muitos outros exemplos positivos, ções, cada um sob o seu ângulo,
são as outras deliberações e inicia- sem precisar esperar o que o ou-
tivas do CNS em número bem mai- tro faz, sem consulta e articulação
or, que tiveram pequena ou nenhu- prévias. Essa pró-atividade, além
ma repercussão. Em parte, devido de potencializar a construção do
à inexperiência, limitações e apren- SUS, muito auxiliará na agiliza-
dizado da Secretaria Executiva e do ção das homologações.

152 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 148-152, maio/ago. 2003
Saúde é Política de Estado, não de Governo
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Saúde é Política de Estado, não de Governo


Health is a State Policy, not a Government Policy

Sonia Fleury1
1
Professora titular da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAPE ) da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
(CDES) do governo Lula

Na última semana assistimos a do responsável, provendo o hospi- divulgação de seus pareceres ime-
uma enxurrada de notícias sobre a tal com todos os medicamentos ne- diatamente pela internet e redução
‘crise’ do setor saúde, conseqüên- cessários em uns poucos dias e bus- de seu poder de decisão. Finalmen-
cia do ‘loteamento’ político do Mi- cando uma equipe profissional ca- te, proclamam que o governo atual
nistério da Saúde, que desembocou pacitada para exercer sua direção. quer, com tudo isto, substituir al-
no ultimato dado por um jornalista No entanto, é preciso ir além e guns deles. Os professores e clíni-
para que o Ministro da Saúde se buscar medidas que impeçam o cos que pediram demissão desta
demitisse. Diante desse quadro, de- acontecimento de fatos como este. Câmara foram convidados pelo go-
cidimos refletir sobre o diagnóstico Para tanto, é necessário que o Mi- verno a participar como consulto-
e o prognóstico que circulam na nistério da Saúde transforme o que res e seus pareceres deveriam em-
imprensa sobre a política de saúde. já foi acordado em audiências pú- basar decisões da agência respon-
Tudo começou com a demissão blicas em uma norma para ocupa- sável pela liberação dos medica-
coletiva dos diretores do Instituto ção de cargos, vinculando, por meio mentos. Este convite é pessoal e
Nacional do Câncer (I NCA) diante da de uma portaria, a ocupação do car- discricionário, temporário e revo-
ineficiência da diretoria administra- go a uma qualificação específica. Só gável, ainda que diga respeito a
tiva, o que estaria causando danos desta maneira evitaremos situações cientistas de notório prestígio na
aos pacientes devido à falta de me- equivocadas como a que ocorreu área acadêmica. Não se trata de
dicamentos essenciais ao tratamen- agora, na qual quem termina per- uma representação das associações
to. É absolutamente louvável a ati- dendo é a população. de profissionais e cientistas que tra-
tude dos diretores do INCA, em defe- Imediatamente, e, aproveitando balham neste campo. O que fica de
sa da instituição e dos pacientes, a onda da demissão coletiva do INCA, lição desse episódio é a necessida-
demonstrando o compromisso pú- especialistas que integravam a Câ- de de se alterar a composição da
blico da equipe médica com a po- mara de Medicamentos da Agência Câmara de Medicamentos, de tal
pulação. Também é louvável a ra- Nacional de Vigilância Sanitária forma que ela comporte tanto pro-
pidez com que o Ministério da Saú- (ANVISA) demitiram-se também, de- fissionais de notório saber quanto
de respondeu a esta situação críti- nunciando falta de transparência do representantes de associações cien-
ca, corrigindo o erro na indicação governo, alteração nas rotinas de tíficas e profissionais da área, ga-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 153-154, maio/ago. 2003 153
FLEURY, Sonia

rantindo assim maior estabilidade tado, porque a sociedade brasileira Ainda há muito para fazer na
na sua condução e regras claras havia lutado e se organizado para melhoria das condições de acesso, na
para substituição dos participantes. isso. Desde lá, o SUS tem sofrido gestão das unidades de saúde, na
O papel da imprensa diante des- ameaças constantes com os gover- luta contra a corrupção. O certo é que
tes dois fatos tem sido de magnifi- nos liberais que tentaram impedir a a política de saúde tem atravessado
car os problemas e dar início a uma promulgação da legislação ordiná- governos de diferentes partidos e
caça às bruxas, inesperada em uma ria da saúde, com o impedimento ideologias e se mantido incólume na
democracia. Identificando como cau- da concretização das disposições busca da construção de um sistema
sa dos problemas o ‘loteamento’ dos transitórias que destinavam 30% dos universal e democrático de saúde. Ela
cargos de direção da Saúde, tomou recursos da Seguridade Social para já não é mais uma política de gover-
como prova o fato de que dos dez Saúde, com a apropriação dos re- no, é uma política de Estado.
cargos de direção do Ministério da cursos da CPMF para outros fins e,
Saúde, seis foram preenchidos com ainda agora, com as tentativas de
profissionais que são vinculados ao descontingenciar os recursos muni-
PT, ainda que tenham sido secretá- cipais e estaduais destinados à saú-
rios municipais de saúde, deputa- de. Mesmo depois de promulgada a
dos, prefeitos, gestores, reconheci- Emenda Constitucional 29, no ano
dos nacional e internacionalmente 2000, que vincula recursos para a
por suas experiências inovadoras. área de saúde, 17 das 27 Unidades
Não importa que tenham sido con- da Federação deixaram de aplicar,
siderados casos de best pratices pelo juntas, mais de R$1 bilhão em ações
BID ou pelo UNICEF, foram taxados e serviços de saúde em 2001. A pro-
como gestores provincianos por te- posta orçamentária da União também
rem vindo do interior do Brasil, sem ameaça descumprir a lei ao buscar
entender que esta talvez seja a gran- utilizar R$5 bilhões do orçamento do
de mudança que se está processan- Ministério da Saúde para custear
do no momento atual. ações de Saneamento e do Progra-
Ainda pior, passaram a utilizar ma Fome Zero.
termos como ‘capa preta’ ou ‘co- Apesar da Saúde ter hoje o maior
missariado da saúde’, certamente orçamento entre os Ministérios, o que
com intenção de identificar os diri- está aguçando a cobiça dos políticos,
gentes do Ministério da Saúde com o Brasil gastou, em 2001, apenas
as práticas do partido comunista, R$0,63 por dia em saúde por habi-
em uma modalidade simbólica de tante, o que deveria envergonhar a
perseguição política. todos nós. Mesmo assim, programas
Diante deste quadro, nos resta como o da AIDS, de Imunização, de
lembrar que o movimento sanitário Médicos de Família, de Desospitali-
só conseguiu imprimir na Constitui- zação em Saúde Mental e de Medi-
ção Federal de 1988 a saúde como camentos Genéricos são hoje referên-
direito dos cidadãos e dever do Es- cias, nacional e internacionalmente.

154 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 153-154, maio/ago. 2003
Tendências quanto à universalidade nos sistemas de saúde em países periféricos
ENSAIO / ESSAY

Tendências quanto à universalidade nos sistemas de saúde em


países periféricos1
Trends of universal access in health systems of peripheral countries

Lígia Giovanella2
1
Uma versão parcial deste artigo foi apresentada em oficina organizada pela Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva
(ABRASCO ), no III Fórum Social Mundial, coordenada por Paulo Eduardo Mangeon Elias (USP), em 24 de janeiro de 2002
2 Médica, doutora em Saúde Pública, pesquisadora do Núcleo de Estudos Político-Sociais em Saúde (N UPES) do Departamento de
Administração e Planejamento em Saúde ( DAPS) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (F IOCRUZ)
e-mail: giovanel@ensp.fiocruz.br

INTRODUÇÃO ca e das políticas de ajuste fiscal dos AS POLÍTICAS DE AJUSTE NA AMÉRICA


Estados é, sem dúvida, um grande LATINA E A POBREZA
Discutem-se aqui as perspectivas desafio ao qual não podemos nos fur-
da universalidade do direito à aten- tar. Queremos retomar esse debate no Na América Latina, no decorrer das
ção à saúde, isto é, do direito de todo momento em que se reacendem as últimas décadas do século passado,
cidadão ao acesso a serviços ade- esperanças, vislumbrando as perspec- as políticas de ajuste fiscal, as refor-
quados às necessidades de saúde tivas de mudança de orientação go- mas estruturais neoliberais preconi-
individuais e coletivas. O direito à vernamental no sentido da garantia zadas pelos organismos financeiros
atenção à saúde integra o direito de direitos sociais no Brasil. internacionais – centradas na desre-
social à saúde em um sentido mui- Para discutir o desafio da garan- gulamentação dos mercados com
to mais amplo, que implica na ga- tia do direito universal à atenção à abertura comercial e financeira dos
rantia de outros direitos sociais e é saúde, apontam-se inicialmente os países e na redução do Estado com
dependente da adequada articulação impactos sociais negativos das polí- privatização (de empresas estatais e
de políticas econômicas e sociais. A ticas de ajuste fiscal implementadas de serviços de infra-estrutura e coleti-
busca da universalização na cober- na América Latina. Em seguida, si- vos) –, e consideráveis cortes de gas-
tura dos sistemas de saúde expres- nalizam-se tendências nas reformas tos públicos tiveram graves repercus-
sa a luta por maior justiça social. setoriais em saúde a partir da discus- sões sociais, provocando aumento da
Adotar a universalização como são das modalidades de cobertura nas pobreza e persistência de profundas
diretriz nos sistemas de saúde em um reformas dos sistemas de saúde no desigualdades sociais. Durante a dé-
mundo cada vez mais submetido à Chile, Colômbia e Brasil e da análise cada de 1980, a situação de pobreza
prioridade à racionalidade econômi- da privatização dos gastos setoriais. na América Latina sofreu um agravo.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003 155
GIOVANELLA, Lígia

Segundo dados da CEPAL (2001), o nú- grande maioria dos outros, permane- dade por causas externas no Brasil é
mero de pobres cresceu em 50%, pas- cendo estáveis os elevados índices de 103 por 100 mil, mais de o dobro da
sando de 136 milhões (em 1980) para desigualdade. O problema da profun- taxa no Canadá: 45 por cem mil no
200 milhões (em 1990). A proporção da desigualdade de renda na América período de 1995 a 2000 (OPS, 2001).1
de pobres na população total também Latina não é recente, mas com os pro-
aumentou: em 1980 correspondia a gramas de ajuste econômico a situa- MODELOS DE REFORMAS E REPERCUSSÕES
40,5% da população e em 1990 esta ção se agravou. Países como o Chile SOBRE A UNIVERSALIDADE
proporção cresceu para 48. Durante e a Argentina, por exemplo, tinham
os anos 1990, embora mais lentamen- distribuições de renda mais eqüitati- Acompanhando os ajustes estru-
te, o número de pobres continuou a vas e atualmente estão em situação turais neoliberais, reformas de saú-
crescer, alcançando 211 milhões de pior do que a média da região. Essa de também foram empreendidas nos
pessoas (1999) entre as quais 89 mi- situação contrasta com a tendência, países da América Latina, contudo,
lhões encontravam-se em situação de observada até o início dos anos 1970, mesmo sendo possível identificar
extrema pobreza, vivendo com renda de redução lenta e gradual da con- tendências, os processos e objetivos
insuficiente até para se alimentar, ou centração de renda e da proporção de das reformas nas últimas décadas
seja, aquelas que deveriam ser in- pobres na América Latina. não foram uniformes.
cluídas em um programa de combate Essa situação de pobreza e desi- De modo geral, na América Lati-
à fome continental. gualdade de renda tem conseqüên- na, enquanto concepção, as propos-
A América Latina não é a região cias graves para a condição de saú- tas de reformas de saúde que acom-
mais pobre do planeta (a população de da população. Há evidências panharam as políticas neoliberais de
do continente africano infelizmente amplas de que nas camadas sociais ajuste estrutural preconizavam redu-
vive em uma situação ainda pior), mais pobres, a incidência da maio- ção de gastos em saúde com ‘desres-
entretanto é a região com maior desi- ria das doenças é mais elevada, as ponsabilização’ do Estado pela aten-
gualdade social. Na maioria dos paí- doenças crônicas surgem em idades ção à saúde e privatização. Na con-
ses da nossa região, a parte da popu- mais jovens e a morte ocorre de for- cepção neoliberal, o Estado deveria
lação que reúne os 10% de famílias ma precoce. Outra conseqüência reduzir seus gastos sociais e direcio-
mais ricas recebe cerca de 40% ou mais gravíssima da situação de extrema nar recursos apenas para alguns gru-
da renda nacional, já a parcela da ren- desigualdade e pobreza é a violên- pos restritos da população em situa-
da recebida pelos 40% de famílias cia. Os índices de violência nas so- ção de maior miséria, o que na área
mais pobres é extremamente baixa – ciedades latino-americanas aumen- da saúde significaria garantir apenas
próxima a 10%, variando entre 9 e 15%. taram muito nos últimos anos, viti- políticas focalizadas e cesta mínima
A pior situação é a do Brasil, onde os mando grande número de pessoas, com poucas medidas preventivas e de
10% mais ricos detêm 47% da renda principalmente os homens jovens de atenção primária. A população com
nacional (CEPAL, 2001). estratos de renda mais pobres. As capacidade de contribuição financei-
Na última década, a situação de causas externas entre as quais se ra deveria recorrer ao mercado por
desigualdade e concentração de ren- situam as mortes por acidentes e por meio de compra de seguros privados,
da continuou a piorar em mais da homicídios são a segunda causa de conforme suas possibilidades e riscos.
metade dos países da região e na morte no Brasil. A taxa de mortali- O relatório do Banco Mundial sobre

1
No Brasil são mortas (homicídios) mais de quarenta mil pessoas ao ano (1999).

156 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003
Tendências quanto à universalidade nos sistemas de saúde em países periféricos

saúde, de 1993, apresentou e defen- tes internos dos sistemas públicos de financeiros governamentais, isto é,
deu claramente esta concepção. Na saúde e cortes de gastos, implemen- o mercado desenvolveu-se com im-
concepção neoliberal nega-se o direi- taram mudanças na forma de prote- portantes subsídios públicos.
to universal à atenção à saúde! ção social à saúde, isto é, no acesso O caso chileno ilustra muito bem
Nos anos 1980, as propostas fo- ao sistema de saúde (ALMEIDA, 2002). as desastrosas conseqüências das
ram de privatização e cortes de gas- Mudaram as regras de cobertura e a reformas de saúde voltadas para o
tos. Na América Latina, cortes nos forma de asseguramento, ou seja, mercado. Como a reforma de priva-
gastos sociais e nos gastos públi- quem tem acesso aos serviços de saú- tização ocorreu há quase vinte anos,
cos com saúde têm ainda piores con- de e como pode ter acesso aos mes- pode-se observar resultados concre-
seqüências do que os cortes nos mos: o modo de financiamento. tos. O Chile quase constituíra um
países centrais, pois a maioria dos Na América Latina, o exemplo sistema público de saúde de acesso
países latino-americanos nunca al- mais drástico de privatização do sis- universal e com a reforma criaram-
cançou a meta de construir sistemas tema de saúde ocorreu no Chile, no se seguros de saúde privados e um
de proteção social universais com início da década de 1980, durante a seguro público (L ABRA, 2001). As
sistemas de saúde solidários, finan- ditadura Pinochet. No caso do Chi- principais medidas da reforma neo-
ciados com recursos públicos e aces- le, o Estado interveio para desenvol- liberal quanto à cobertura foram:
síveis à maioria da população. ver o mercado: incentivos financei-
• contribuição obrigatória de to-
Todavia, nem todas as reformas ros governamentais alavancaram o
dos os empregados do setor formal
de saúde implementadas na Améri- desenvolvimento do mercado de se-
e aposentados com 7% de seus salá-
ca Latina, nas últimas décadas, se- guros privados de saúde, produzin-
rios para a saúde, sem participação
guiram à risca esta receita. Pode-se do importante privatização com que-
dos empregadores na contribuição;
caracterizar três modelos de reestru- bra da solidariedade e aumento de
turação de cobertura com diferen- desigualdades de cobertura e aces- • possibilidade de escolha entre
tes repercussões sobre a universali- so ao sistema de saúde. contribuir para seguros privados
dade: incentivos ao asseguramento No Chile, a reforma da saúde fez (Instituciones de Salud Previsional
privado para os setores de mercado parte de um conjunto de medidas – ISAPRE) ou para um seguro público
formal bem remunerados, com pri- econômicas e de privatização dos (Fondo Nacional de Salud – FONASA);
vatização importante – como no setores sociais que incluíram a pri- • estratificação do acesso aos
Chile; seguros públicos diferencia- vatização da Previdência Social por serviços de saúde estatais confor-
dos segundo renda e inserção no meio da transferência de fundos fi- me renda e diferentes taxas de co-
mercado de trabalho – Colômbia; e nanceiros públicos (teoricamente acu- pagamento.
cobertura universal com financia- mulados) da previdência social para
mento fiscal – Brasil (FLEURY, 2001). seguradoras privadas lucrativas e Deste modo foi constituído um

As reformas em saúde na América constituição de regime de capitaliza- sistema dual. “Atualmente (1998),

Latina, nas últimas décadas, podem ção individual. É importante frisar 61% da população estão segurados

ser consideradas mais radicais do que que a criação dos seguros privados por meio do seguro público (FONASA)

aquelas ocorridas nos países centrais, para aposentadorias e para a saúde e 28% por meio dos seguros priva-

pois além da alteração de componen- só foi possível devido aos incentivos dos (ISAPRE)” (OPS, 1999).2

2
Os 11% restantes correspondem ao pessoal das Forças Armadas e a uma parcela não filiada a qualquer sistema.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003 157
GIOVANELLA, Lígia

A reforma teve importantes con- segurados publicamente enquanto administrada para minorar alguns
seqüências sobre o direito à aten- no grupo de 65 anos e/ou mais (nes- dos efeitos danosos produzidos pela
ção à saúde no tocante à universa- ta mesma faixa de renda), mais da privatização.
lidade e à eqüidade. Ocorreu a ‘rup- metade (56%) está filiada ao seguro No caso da Colômbia, o modelo
tura da solidariedade no financia- público. Isso demonstra, claramen- de reforma foi chamado de pluralis-
mento’: os trabalhadores que optam te, a quebra da solidariedade entre mo estruturado, criando-se um sis-
por filiar-se a um seguro privado a população melhor remunerada e tema também segmentado de segu-
(ISAPRE ), não contribuem mais com aquela com rendimentos mais bai- ros. Foram criados, a partir de 1995,
o seguro público, inexistindo redis- xos, e entre os jovens e os velhos seguros públicos e privados diferen-
tribuição entre trabalhadores de (dados para 1996 segundo T ITELMAN; ciados que deveriam abranger toda
maior e menor renda. A segmenta- UTHOFF; JIMÉNEZ, 2000). a população: o objetivo seria alcan-
ção produziu ‘aumento de desigual- Em síntese, no Chile, a conse- çar cobertura universal, porém di-
dades de utilização’. Os seguros pri- qüência da privatização e ruptura ferenciada entre segmentos popula-
vados oferecem diferentes cobertu- da solidariedade foi a criação de um cionais. O novo sistema proposto
ras/planos de saúde com diferentes sistema dual: um sistema para os resultou da tentativa em conciliar
catálogos de serviços e taxas de co- mais jovens e melhor remunerados, posições que defendiam a privatiza-
pagamento conforme a capacidade e um sistema para a maioria pobre ção e aquelas favoráveis à criação
de pagamento do segurado, além de e com maior risco de adoecer. 3
de um serviço nacional de saúde
exigirem contribuição diferenciada Com o processo de privatização estatal (L UJÁN; GOMEZ , 2000). O siste-
conforme o risco. A privatização le- do asseguramento à saúde, os gas- ma criado é misto: o Estado assu-
vou a ‘importante seleção de riscos’ tos públicos em saúde no país di- me o papel de direção e regulação,
com concentração de contribuintes minuíram durante os anos 1980 e mas deixa de ter responsabilidade
de altas rendas e baixos riscos no os salários dos empregados públi- no asseguramento e na prestação de
sistema privado de I SAPRE e maior cos estagnaram, levando à perda de serviços que passam a ser assumi-
participação de pessoas de baixa qualidade nos serviços prestados e dos por instituições públicas e pri-
renda e riscos altos no seguro pú- ao aumento das filas de espera para vadas em competição.
blico (população idosa e doentes tratamento. Na década de 1990, com A população inserida no merca-
crônicos). Entre os 10% de chilenos a coalizão de centro-esquerda no do de trabalho formal (e trabalha-
mais pobres, cerca de 85% estão fi- governo, os gastos públicos em saú- dores autônomos com renda supe-
liados ao sistema público e somen- de voltaram a crescer e diversas rior a dois salários mínimos) faz
te 5% aos seguros privados. Toda- medidas para a melhoria da quali- parte do regime contributivo: con-
via, entre a população de maior ren- dade do sistema foram iniciadas (LA - tribui compulsoriamente para um
da, somente os mais idosos estão BRA, 2001). Em (2002), encontrava- seguro público e com uma pequena
segurados majoritariamente ao se- se em debate a reforma do sistema parcela para o fundo solidário. 4
guro público. Entre os 10% mais ri- chileno de proteção à saúde, inclu- Esse fundo serve para financiar o
cos (em todas as idades), 27% são indo mecanismos de competição regime subsidiado do qual partici-

3
De todo modo, o sistema público de saúde no Chile ainda permanece com importante oferta: cerca de 80% dos leitos hospitalares
permaneceram públicos.
4
A contribuição também não é paritária: o empregado contribui com 8% e o empregador com 4%; 1% vai para um fundo ‘solidário’.

158 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003
Tendências quanto à universalidade nos sistemas de saúde em países periféricos

pam os muito pobres, selecionados los quais competem com os presta- viços diferentes e em geral as clien-
conforme a renda pelos municípios. dores privados. Contudo, esta com- telas utilizam uma rede de serviços
As seguradoras são públicas, priva- petição não é possível e se proces- também distinta, permanecendo,
das ou comunitárias. saria em bases muito heterogêneas, portanto, as consideráveis desigual-
Foram criados diferentes tipos de pois os hospitais públicos em geral dades de proteção.
seguradoras para o regime contri- atendem com maior freqüência ao As novas modalidades de segu-
butivo (Entidades Promotoras de regime subsidiado que cobre a cli- ros públicos (ofertados por segura-
Saúde – EPS, atualmente 29) e para entela mais pobre, e sofreram com doras públicas e privadas) consegui-
o regime subsidiado (Administrado- a falta de financiamento. O regime ram cobrir somente 57% da popula-
ras do Regime Subsidiado – ARS, subsidiado é deficitário e, pouco a ção: 37% no regime contributivo e
cerca de 240) (LUJÁN; G OMEZ, 2000. p. pouco, os municípios foram respon- 20% no subsidiado (1997) 5 (MADIES
37). Essas seguradoras captam os sabilizados pelo financiamento (em et al., 2000. p. 36). Metade da po-
filiados e recebem as contribuições 2000, 50% do financiamento do re- pulação permaneceu ‘não-vincula-
dos segurados, que são parcialmente gime subsidiado eram do fundo de da’, isto é, não pode participar do
redistribuídas entre o conjunto das contribuições e 50% provinham de sistema contributivo por não estar
seguradoras por meio de um fundo receitas dos municípios). formalmente empregada e não foi
nacional único com base em uma Uma importante diferença da focalizada no sistema subsidiado.
unidade monetária de capitação de Colômbia em relação ao Chile é a Deste modo, continua tendo que re-
segurados, cujo valor é estipulado afirmação na Colômbia de que o fi- correr a serviços de saúde públicos,
pelo Conselho Nacional de Seguri- nanciamento da atenção à saúde é agora direcionados a atender somen-
dade Social em Saúde (CNSS). As uma responsabilidade pública. En- te clientelas seguradas. A Colômbia
seguradoras contratam suas redes tende-se que a atenção à saúde é um apresenta elevados níveis de desem-
de serviços de saúde. direito social universal, mas assu- prego e assim como no restante da
O CNSS define também a cesta obri- me-se a segmentação e permite-se a América Latina a participação do
gatória de ações de saúde, as quais criação de entidades privadas para setor informal no mercado de traba-
todas as seguradoras devem ofertar. a provisão do seguro financiado lho é elevada.6 Grande parte da po-
Para o regime subsidiado foi definida solidariamente. Na Colômbia, a par- pulação não pode participar de um
uma cesta de serviços mais reduzida ticipação dos gastos públicos (nos modelo baseado em seguros vincu-
que deveria ser progressivamente gastos totais com saúde) aumentou lados à inserção no mercado formal
ampliada até a constituição de uma após a reforma: passou de 36% em de trabalho e a parcela de contribu-
cesta única – igual à do regime con- 1990 para 55% em 1999 (OPS, 2001). intes é insuficiente para financiar o
tributivo –, mas isso não ocorreu. Em síntese, a reforma colombia- acesso do restante da população.
Os hospitais públicos estão sen- na ampliou, mas não alcançou a O caso da reforma de proteção à
do transformados, gradualmente, universalização da cobertura e esta saúde no Brasil diferencia-se da re-
em entidades autônomas, que deve- ampliação se deu com base na seg- gião, pois é o único país em que se
rão se autofinanciar a partir dos mentação. Cada regime tem segura- propôs um sistema de acesso uni-
contratos com as seguradoras, pe- doras distintas, um catálogo de ser- versal e igualitário. A universaliza-

5
Para os anos subseqüentes, estima-se maior redução nesta cobertura em razão da recessão econômica e dos altos níveis de desemprego.
6
Na América Latina, a taxa de informalidade do mercado de trabalho na zona urbana passou de 43% para 48% na década de 1990 ( CEPAL, 2001).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003 159
GIOVANELLA, Lígia

ção do sistema com a criação do ção (39 milhões de pessoas) tem du- de serviços mais complexos, pro-
Sistema Único de Saúde (SUS) nos pla cobertura e acessa o sistema via porcionando a integralidade da
moldes de um serviço nacional de mercado, por meio de planos de saú- atenção. Contudo, esta ainda não
saúde, financiado com recursos fis- de privados, criando um sistema fun- é a realidade observada na maio-
cais, foi acompanhada de importan- cionalmente dual – ainda que parci- ria dos municípios (ESCOREL et al.,
tes mudanças nos processos de for- almente imbricado. Observam-se de- 2002). No Brasil, a expansão da
mação da política de saúde e na es- sigualdades com maior utilização de atenção básica tem possibilitado a
trutura da tomada de decisão por serviços de saúde pela população inclusão no sistema. Entretanto, no
meio da estratégia de descentraliza- coberta por planos de saúde e entre momento, apenas parte dos muni-
ção e da criação de mecanismos de os usuários do SUS de diferentes cípios (correspondendo a 37% da
controle social (G UERRERO et al., regiões (T RAVASSOS et al., 2000). Em- população do país) tem condições
2002). Hoje, o SUS está presente nos bora tenha ocorrido melhoria da dis- de garantir atenção nos diversos
mais de cinco mil municípios brasi- tribuição regional de sistemas públi- níveis de complexidade, impondo a
leiros e desde a década de 1980, a cos mais resolutivos (VIANA, et al., necessidade de organização de ofer-
oferta pública de serviços foi muito 2002), permanecem importantes dis- ta regionalizada (VIANA et al., 2002).
ampliada. Ocorreram avanços ine- paridades regionais, condicionadas Esse processo recém-iniciado é ta-
gáveis na participação da popula- pelo contexto de restrição fiscal e pela refa urgente.
ção: foram criados mais de cinco mil pesada herança de desigualdades No Brasil, a universalização ain-
Conselhos de Saúde com participa- econômicas e sociais no país. da não se completou. Supõe-se que
ção de usuários nos municípios e O Programa Saúde da Família cerca de 75% dos brasileiros recor-
nos estados, além do Conselho Na- – programa de atenção primária em ram ao SUS, contudo não é possível
cional de Saúde. Mesmo frente a implantação no Brasil – tem-se definir exatamente a cobertura real.
pressões econômicas importantes, a afirmado como estratégia de orga- Há dupla cobertura e segurados pri-
criação do SUS ampliou o acesso, nização do sistema municipal, con- vados também recorrem aos servi-
incluindo novos contingentes popu- tudo merece monitoramento. Ain- ços do SUS, dependendo do tipo de
lacionais até então desassistidos. da não se pode dizer se mascara necessidade. A P NAD-Saúde 1998
Todavia, a construção do SUS, uma política de focalização, que apontou que 65% das internações no
seguindo o modelo de um serviço institucionalizaria para os pobres Brasil ao ano foram realizadas pelo
nacional de saúde financiado por re- somente o acesso a serviços de SUS, e que apenas 50% de todos os
cursos fiscais de acesso universal, menor complexidade, atentando atendimentos à saúde recebidos nos
não se concretizou plenamente. A contra a eqüidade na utilização. O 12 meses anteriores à pesquisa pe-
implementação do SUS ocorreu em programa pode tornar-se estratégia los entrevistados foram realizados
contexto político e econômico desfa- de reorganização da atenção, caso pelo SUS (IBGE, 1998).7 Sem dúvi-
vorável e não foi acompanhada por as unidades de saúde da família das, a criação do SUS foi uma polí-
financiamento adequado. Permane- constituam-se em porta de entra- tica inclusiva e ampliou o acesso
cem desigualdades de acesso e uma da do sistema e se a atenção bási- aos serviços de saúde para cama-
parcela – cerca de 25% – da popula- ca for realmente integrada à rede das populacionais até então desas-

7
Em recente apresentação, o Ministro da Saúde estimou que 90% da população brasileira são de algum modo usuários do SUS, contudo
somente 28,6% seriam usuários exclusivos.

160 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003
Tendências quanto à universalidade nos sistemas de saúde em países periféricos

sistidas, contudo estes dados mos- ampliados, a proporção de gastos (Quadro 1). Cuba e Costa Rica des-
tram que ainda há um longo cami- públicos encontra-se entre 70 e 80% tacam-se com as proporções mais
nho a se percorrer. do total de gastos em saúde (G IOVA- elevadas: acima de 75%. A evolução
Um modo de se aproximar do NELLA , 2001). Na América Latina, da participação dos gastos públicos
acesso real é verificar o uso regular contudo, esta participação é em ge- nas despesas em saúde nos anos de
de serviços de saúde. Segundo a ral muito mais baixa: na maioria 1990 não foi homogênea; em meta-
P NAD-Saúde 1998, no Brasil, 71% dos dos países os gastos públicos não de dos países a situação apresen-
habitantes fazem uso regular de al- alcançam 50% dos gastos totais com tou pequena melhora, todavia os
gum tipo de serviço de saúde, sen- saúde – são, em média, apenas 40% níveis permaneceram extremamen-
do que entre estes cerca de 25% aces-
sam consultórios privados (IBGE,
QUADRO 1 – Gastos públicos em saúde como proporção (%) do gasto total em saúde – países
1998). O que significa dizer que
da América Latina e da OECD selecionados, 1990 e 1998-2000
metade da população faz uso regu-
lar de serviços do SUS, e que para
Países AL 1990 1998-9 Países OECD 1990 2000
os 30% da população que não têm
Argentina 55,6 40,7 Alemanha 76,2 *75,8
serviço de uso regular, o acesso é
Bolívia 27,6 65,6 Austrália 67,1 69,8
inadequado (ressaltando-se que aí
Brasil 38,9 41,0 Áustria 73,5 69,7
está incluída uma parcela de indi- Chile 49,7 54,8 Canadá 74,6 72,0
víduos jovens saudáveis). Colômbia 36,4 55,1 Dinamarca 82,7 82,1
Costa Rica 75,2 75,7 Espanha 78,7 69,9
UNIVERSALIDADE E PRIVATIZAÇÃO Venezuela 34,2 31,9 EUA 39,6 44,3
Cuba 77,0 *82,5 França 76,6 76,0
Uma vez que a universalidade do Equador 47,3 51,0 Itália 79,3 73,7
direito à saúde implica na garantia Guatemala 27,5 26,4 Japão 77,6 77,7

de acesso ao sistema financiado México 47,1 47,2 Noruega 82,8 82,9

com recursos públicos, uma das Nicarágua 78,8 60,8 Portugal 65,5 71,2
Paraguai 8,3 29,9 Reino Unido 83,6 81,0
formas de se aproximar da real uni-
Peru 32,1 48,9 Suécia 89,9 *83,8
versalidade dos sistemas de saúde
Uruguai 34,7 46,5 Suíça 66,4 55,3
é analisar a participação dos gas-
Fonte: OPS, 2001; OECD Health Data 2002.
tos públicos no total de gastos em
*Último ano disponível: 1998 ou 1997.
saúde. Embora a contabilização dos
gastos em saúde apresente dificul-
dades, esta informação serve para te baixos. No Brasil, estimativas da A baixa participação dos gastos
se chegar mais perto da questão. Em O PAS apontam participação inferior públicos no total de gastos com saú-
geral, nos países de industrializa- a 50% de gastos públicos nos gas- de na América Latina mostra como
ção avançada com welfare states tos totais com saúde. 8
poucos países em nossa região con-

8
Segundo o relatório da OMS sobre sistemas de saúde 2000, os gastos públicos no Brasil estariam em 48%. É importante lembrar que nos
gastos totais em saúde estão incluídos gastos com medicamentos, que em geral têm peso importante no conjunto de gastos das famílias com
saúde. Provavelmente, esta participação dos gastos públicos está subestimada.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003 161
GIOVANELLA, Lígia

seguiram construir sistemas públi- 2000; M ADIES et al., 2000) também a necessidade entre grupos sociais de
cos de saúde, de base universal. Para vêm defendendo a constituição de diferentes estratos populacionais.
nós, as propostas de privatização diferentes seguros para ampliar a A prioridade para os grupos so-
podem ser ainda mais perversas, cobertura. Tal cobertura mais am- ciais mais necessitados é diretriz
pois a participação pública em ge- pliada seria conquistada por meio indiscutível das políticas públicas
ral é muito baixa e parcelas consi- de esquemas segmentados de se- em saúde, contudo a ênfase nos
deráveis da população encontram- guros, constituindo-se formal e mais pobres sem a preocupação com
se em situação de pobreza. realmente grupos populacionais a redução de desigualdades leva
com direitos desiguais: uns cida- apenas à focalização, o que tem con-
GARANTIA DA UNIVERSALIDADE dãos com mais, outros com me- seqüências desastrosas para a ga-
COM EQÜIDADE nos direitos. Com a possível me- rantia de direitos sociais universais.
lhoria de acesso, corre-se o sério O grande desafio é distribuir confor-
Quanto às tendências de refor- risco de se estabelecer simbólica, me a necessidade, sem no entanto
ma mais recentes em países peri- objetiva e legalmente cidadãos de segmentar. A resposta a esta ques-
féricos, além da experiência colom- primeira e segunda classe! tão seria a construção de sistemas
biana, outras iniciativas na últi- Neste sentido, o principal desa- de saúde integrados com fluxos ga-
ma década sinalizaram para a am- fio para a universalização encon- rantidos da atenção básica para os
pliação de cobertura por meio de tra-se na garantia de acesso univer- demais níveis de complexidade con-
seguros diferenciados com seg- sal com eqüidade. Quanto mais seg- forme a necessidade de cada paci-
mentação de clientelas. Diversas mentado um sistema, maior a pro- ente, compartilhados pela grande
modalidades de seguros direciona- babilidade de cristalização de de- maioria da população.
dos para segmentos específicos sigualdades de acesso e utilização No caso do SUS, um grande de-
vêm sendo difundidas. Algumas – maior a dificuldade em garantir safio seria aproximar a cobertura
das modalidades de seguros – pri- para todos os cidadãos, independen- real da cobertura formal. Para isso
vados com ou sem fins lucrativos te de sua renda, uma mesma cesta é necessário:
ou públicos – implementadas são: de serviços de saúde adequados às
• ampliar o acesso às populações
microsseguros comunitários e pri- suas necessidades.
ainda não incluídas, expandindo a
vados não lucrativos com contribui- Pressupõe-se, com base na expe-
atenção aos bairros periféricos e às
ções diretas de populações extre- riência européia, que quanto mais um
populações rurais;
mamente pobres (países africanos, sistema de saúde é inclusivo e abran-
Indonésia, obra social municipal na gente, incorporando a grande maio- • facilitar o acesso aos serviços
Argentina); seguros direcionados ria da população, inclusive as cama- por meio de mecanismos ágeis e
aos trabalhadores do mercado in- das médias – isto é, quanto menos mais confortáveis de agendamento,
formal (Guatemala e Índia); seguro segmentado, com direitos iguais de e garantir oferta adequada e sufi-
para escolares (Peru) e seguros para acesso, cestas de serviços iguais, re- ciente em atenção primária, espe-

gastos com catástrofes. des de serviços compartilhadas por cializada e hospitalar;

Pode-se, assim, apontar uma pacientes de diferentes classes soci- • melhorar a qualidade das pres-
tendência mais recente de cristali- ais –, maior a probabilidade de uni- tações ofertadas pelo sistema públi-
zação da segmentação social. Ou- versalidade de acesso e menores as co, qualificando, gratificando e en-
tros autores (R OSENBERG; ANDERSON, desigualdades na utilização conforme gajando os trabalhadores da saúde.

162 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003
Tendências quanto à universalidade nos sistemas de saúde em países periféricos

Nos países periféricos, pensar sistema público universal é sem dú- para contribuir financeiramente,
nas perspectivas em garantir a uni- vida a melhor alternativa para ga- exercendo a solidariedade.
versalidade do direito à saúde, em rantir inclusão, ou seja, o acesso No Brasil, a concretização de um
médio prazo, implica em: universal à assistência à saúde. sistema universal, dada a intensi-
No Brasil, a garantia da univer- dade das diferenças e desigualdades
• enfrentar diversos desafios re-
salidade, além da reafirmação dos em nossas sociedades, implica sem
ferentes ao modelo assistencial e aos
preceitos constitucionais e a melhor dúvida em articular as políticas so-
controles sobre produtores de insu-
organização do sistema de saúde ciais às políticas econômicas redis-
mos e prestadores; ampliar a pro-
tornando-o mais eficiente, depende tributivas. Todavia, é necessário
moção da saúde, garantindo uma
também de maior aporte de recur- distribuir mais do que serviços para
vida digna e possibilitando a assun-
sos. A reorientação das políticas garantir direitos de cidadania. É es-
ção de comportamentos mais sau-
econômicas no Brasil é fundamen- sencial que se promovam mudanças
dáveis por meio de condições socio-
tal para que se possa alocar os re- simbólicas e culturais. Em nosso país,
econômicas adequadas;
cursos financeiros necessários para a concretização da universalidade do
• repensar o modo como as ações a melhoria da atenção à saúde de direito à atenção à saúde dependerá
são ofertadas e a organização do nossa população e para outros pro- não apenas da força dos movimentos
sistema e seu modelo assistencial; gramas. No momento atual, os gas- sociais, mas também da revitalização
• a renovação do papel do clíni- tos públicos com pagamentos de
dos preceitos de justiça social e de
co geral na condução do processo juros consomem importante volume
solidariedade como valor ético e mo-
de assistência ao interior de um sis- de recursos financeiros que pode-
ral a ser amplamente compartilhado
tema de saúde integrado; a regula- riam ser direcionados para políticas
em nossa sociedade.
ção e o controle sobre produtores de sociais e de saúde para reduzir as
profundas desigualdades sociais.
insumos e equipamentos que ditam REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
preços e impõem a incorporação de Ainda assim, não seriam sufici-

tecnologias sem as devidas avalia- entes apenas recursos financeiros,


A LMEIDA, Celia. Reforma de sistemas
ções e freqüentemente sem acrescen- mas também uma administração
de servicios de salud y equidad en
tar ganhos de saúde ou conforto para governamental eficiente, transparen-
america Latina y el Caribe: algunas
os doentes; te e participativa – perspectiva esta
lecciones de los años 80 y 90, Ca-
presente no governo do presidente
• exercer o lema ‘saúde não é dernos de Saúde Pública, Rio de Ja-
Luiz Inácio Lula da Silva e na nova
mercadoria’. neiro, v. 18, n. 4, p. 905-925. 2002.
coalizão governamental. Maior
C EPAL. Panorama Social 2000-
Nós brasileiros que defendemos transparência e eficiência no uso dos
2001, Santiago de Chile: Nações
maior justiça social temos que per- recursos públicos e a prestação de
Unidas, 2001.
sistir na luta pela construção de um serviços de qualidade podem ajudar
sistema de saúde universal e solidá- a ampliar a disposição dos grupos ESCOREL , Sarah et. al. Avaliação da
rio. Em nossa realidade – de elevada sociais de rendas médias e altas implementação do Programa Saú-
informalidade e crescente precariza- para contribuir, o que é fundamen- de da Família em centros urbanos,
ção das relações de trabalho –, em tal, pois alcançar a universalidade dez estudos de caso – Síntese dos
que muitas parcelas vivem com ren- depende também de maior disposi- principais resultados, Brasília, DF:
das baixas, persistir na defesa de um ção dos estratos médios e das elites Ministério da Saúde, 2002.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 155-164, maio/ago. 2003 163
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DOCUMENTOS / DOCUMENTS

12ª Conferência Nacional de Saúde Sergio Arouca:


“Saúde: Um Direito de Todos e Dever do Estado – A Saúde que Temos, o Sus que Queremos”
12th Sergio Arouca National Health Conference:
“Health: Right of All and Duty of the State – The Health we have, the Health System we want”

O presente documento do Ministério da Saúde, elaborado como texto de referência para o processo de debates da 12 a
Conferência Nacional de Saúde, terá ampla divulgação na íntegra. Encontra-se disponível em www.12conferencia.saude.gov.br,
integra o Manual da Conferência que já começou a ser distribuído e estará na pasta de todos os delegados da etapa nacional. O
documento contém para cada um dos dez eixos temáticos uma introdução, um tópico sobre os obstáculos, desafios e as diretrizes
propostas. Como registro e como parte do processo de divulgação que permitirá tornar de conhecimento geral as propostas do
Ministério da Saúde para o avanço na consolidação do Sistema Único de Saúde e da Reforma Sanitária, consideramos importante
publicarmos um extrato do documento com as diretrizes para cada eixo temático.

A Diretoria Nacional

PROPOSTAS E DIRETRIZES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA OS EIXOS TEMÁTICOS


Apresentação

“SAÚDE: UM DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO – A SAÚDE QUE TEMOS, O SUS QUE QUEREMOS”.

O Ministério da Saúde expõe o entendimento que temos sobre cada um dos dez eixos temáticos da 12ª Conferência
Nacional de Saúde Sergio Arouca, definidos pela Comissão Organizadora, constituída pela plenária do Conselho
Nacional de Saúde. Nele identificamos as lacunas e os desafios a serem enfrentados e as diretrizes propostas para o
avanço na consolidação do SUS e da Reforma Sanitária.
O texto representa a síntese das discussões realizadas até o momento no âmbito do Ministério da Saúde e está
sendo colocado ao debate da 12ª CNS, nas etapas municipal, estadual e nacional, entendendo ser este o foro político
de maior relevância para as definições que conduzirão o SUS nos próximos quatro anos.
É importante ressaltar que cada conferência municipal tem o caráter deliberativo no âmbito da política local e, ao
mesmo tempo, deve contribuir para a formulação da política de saúde estadual e nacional. Isso deve estar refletido
na forma em que as questões do SUS serão levadas à etapa nacional.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, 165-175, maio/ago. 2003 165
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

O processo de realização desta Conferência difere do das outras em muitos aspectos e, a nosso ver, o mais
importante deles é o compromisso político deste Ministério da Saúde em acatar as orientações que expressem a
vontade e o desejo da maioria dos delegados, definidas em seu Relatório Final. Estas orientações serão o norte pelo
qual definiremos nossas políticas e prioridades.

Humberto Costa
Ministro da Saúde

Eixo temático I:
DIREITO À SAÚDE

Diretrizes
• Garantir atenção à saúde em integração ao Sistema de Seguridade Social, entendido como uma rede de proteção
social às pessoas em todas as fases da vida;

• Legitimação pela sociedade, governo e partidos políticos dos princípios e diretrizes do SUS;
• Fortalecer o papel regulador do Ministério da Saúde em todos os âmbitos nos quais são estabelecidas relações
com o setor privado, como dos planos de saúde, indústria farmacêutica e outros, visando a garantia do direito
universal à saúde;

• Assegurar políticas sociais amplas que assegurem emprego, moradia, segurança, cultura e vida saudável,
articulando-as por meio de projetos intersetoriais com o SUS;

• Criação de uma legislação, amplamente discutida com a sociedade, sobre os direitos dos usuários do SUS,
garantindo a disseminação de seu conteúdo.

Eixo Temático II:


A SEGURIDADE SOCIAL E A SAÚDE

Diretrizes
• Fortalecimento do Sistema de Seguridade Social como responsabilidade do Estado e da sociedade;
• Consolidação do SUS como integrante do Sistema de Seguridade Social;
• Fortalecimento da Rede de proteção social com promoção da eqüidade e inclusão social;
• Mobilização pela manutenção da vinculação da receita da União, dos Estados e Municípios como base de
cálculo do percentual a ser repassado à Saúde.

• Construção de um pacto entre todos os segmentos da sociedade em que sejam definidos os setores a serem mais
beneficiados pelo sistema tributário, e, ao mesmo tempo, os setores que mais contribuirão nas arrecadações, pauta-

166 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 165-175, maio/ago. 2003
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

das pelos princípios da Eqüidade Social e Regional, da Justiça Social, dos Direitos da Cidadania, e da Indução do
Desenvolvimento Econômico com Inclusão.

• Recomposição do Conselho Nacional de Seguridade Social como estratégia de implantar o conceito e o orçamen-
to de Seguridade Social da Constituição Federal;

• Garantia de que o processo de Reforma Tributária contemple a manutenção e o fortalecimento da Seguridade


Social nas três esferas de governo;

• Criação de Rede de proteção social, redistribuição de recursos para redistribuição de renda para a consolidação
de políticas de inclusão.

Eixo temático III:


A INTERSETORIALIDADE DAS AÇÕES DE SAÚDE

Diretrizes
As diretrizes que propomos devem ser entendidas como sintonizadas e harmonizadas numa concepção e busca da
intersetorialidade. E poderão ser desenvolvidas com efetividade na medida em que o debate seja estabelecido franca
e objetivamente em torno da construção solidária da saúde como bem público e do SUS como propriedade coletiva:

• Recuperação e fortalecimento dos princípios da Reforma Sanitária particularmente no que diz respeito à ampli-
ação do conceito de saúde como quantidade e qualidade de vida;

• Produção de informações científicas que fortaleçam as evidências sobre os determinantes e condicionantes


intersetoriais na produção de problemas de saúde;

• Criação de mecanismos de articulação intersetorial para a promoção da saúde como quantidade e qualidade de vida;
• Criação e implementação de uma agenda intersetorial de Governo para a saúde da população brasileira, articu-
lando Ministério do Meio Ambiente, Educação, Trabalho, Cidades, Assistência Social, etc.;

• Fortalecimento da gestão democrática do SUS com co-responsabilização dos distintos setores sociais e econômi-
cos do Governo com a saúde da população e a qualidade de vida.

Eixo temático IV:


AS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO E A CONSTRUÇÃO DO SUS

Diretrizes
• Superação do processo burocrático-normativo, que tem pautado a ordenação de atribuições e responsabilida-
des no processo de habilitação à gestão de municípios e estados, com vistas à formalização de contratos em que se
explicitem responsabilidades, objetivos e metas sanitárias socialmente construídas e passíveis de avaliação;

• Instituição de processos permanentes de avaliação do desempenho do Sistema de Saúde nas três esferas de governo;

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, 165-175, maio/ago. 2003 167
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

• Dinamização e ampliação do processo de negociação e pactuação vigente nas comissões intergestoras, propici-
ando o avanço na regionalização da saúde, atendendo aos requisitos de racionalidade econômica e de efetividade na
atenção, respeitadas as diversidades regionais;

• Revisão dos mecanismos de alocação e repasse de recursos para reorientar a gestão e os modelos de aten-
ção vigentes;

• Regulamentação do dispositivo constitucional, que trata da destinação de recursos para o setor, para precisar
responsabilidades com o financiamento do sistema e definir as modalidades do gasto sanitário;

• Incentivo à participação cidadã e à utilização dos instrumentos legais disponíveis para o controle social e
efetivação de compromissos e responsabilidades entre os gestores, em sintonia com as mudanças desejadas para a
construção do “SUS que queremos”.

Eixo temático V:
A ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE

Diretrizes
Para responder à organização de modelos de atenção capazes de responder a essa complexidade, é necessá-
ria a articulação entre as três esferas de governo na estruturação e implementação de uma rede baseada nas
seguintes diretrizes:

• Ampliação do acesso da população às ações e aos serviços voltados à promoção, proteção e recuperação da
saúde, em todos os níveis de complexidade, com fortalecimento da rede pública, possibilitando ao mesmo tempo
mudanças essenciais no modelo de atenção;

• Implantação da atenção básica, tendo o Programa Saúde da Família como estratégia estruturante da rede de
serviços, baseada nos pressupostos citados acima e que contemple os aspectos da promoção e da resolução da
grande maioria dos problemas de saúde da população, fortemente articulada com o planejamento local e regional;

• Desenvolvimento de políticas específicas direcionadas a grupos vulneráveis, buscando o princípio da eqüidade;


• Estruturação de serviços de média complexidade que sejam complementares à atenção básica, garantindo a sua
resolutividade e qualidade;
• Estruturação de uma rede de urgência e emergência, da pequena à grande urgência, passando pelos serviços
pré-hospitalares, articulada à rede geral de serviços de saúde;
• Estruturação de um setor de alta complexidade que rompa com o princípio da oferta e se oriente pela demanda
gerada pela necessidade. Isso significa mudar a lógica de financiamento da produção de procedimentos para uma
lógica de cuidado com o usuário;
• Estruturação da atenção hospitalar, com mudança da demanda espontânea aos hospitais, em uma perspectiva
de articulação e complementaridade da rede de serviços, adequando os pequenos hospitais aos sistemas locais de
saúde e modificando sua forma de financiamento;

168 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 165-175, maio/ago. 2003
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

• Desenvolvimento da gestão dos riscos relativos aos produtos e processos de interesse para a saúde e garantia
da qualidade e segurança das tecnologias de saúde e uso racional;
• Intensificação das ações de vigilância em saúde, com a articulação das vigilâncias epidemiológica, sanitária
e ambiental.

Eixo temático VI:


GESTÃO PARTICIPATIVA

Diretrizes
• Construção de um pacto entre gestores e Conselhos de Saúde nas esferas municipal, estadual e nacional voltado
ao desenvolvimento de ações para apoio e fortalecimento do controle social, garantindo a estrutura física adequada
e os recursos necessários para o funcionamento dos conselhos;

• Desenvolvimento de mecanismos de difusão de informações a partir de amplo trabalho de comunicação social


com os diferentes meios existentes, visando informar a população sobre os Conselhos de Saúde, seu papel, sua compo-
sição, suas bases de representação e sua importância decisiva para a legitimação das políticas de saúde e do SUS;
• Adoção e implementação de uma política de informação e comunicação entre os Conselhos de Saúde articulada
ao âmbito local, regional e nacional, ampliando o diálogo destes com o governo, favorecendo a qualificação da
participação popular nos processos de formulação e definição de políticas e programas de saúde;
• Desenvolvimento de um processo de monitoramento do controle social no país, incluindo a realização de
estudos e levantamentos que permitam conhecer as condições da ação do controle social da saúde no Brasil e a
criação de uma rede articulada de conselhos.
• Definição e implementação de uma política nacional de Ouvidoria do SUS, de forma a organizar e apoiar as
estruturas de escuta ao cidadão usuário do SUS nas três esferas de governo. Esta política deve ampliar os canais de
relação e participação de escuta ao cidadão, modificar o caráter, a eficiência e o funcionamento das ouvidorias que,
além de estarem voltadas para a resolução pronta dos problemas denunciados, sejam também geradoras de informa-
ções para apoio e qualificação da gestão em saúde;
• Criação de Legislação em Defesa do Cidadão Usuário do SUS a partir do desenvolvimento de amplo processo de
discussão com a sociedade e com o Poder Legislativo;

Eixo temático VII:


O TRABALHO NA SAÚDE

Diretrizes
• A gestão do trabalho e da educação na saúde é uma das prioridades do SUS nesse Governo;
• Criação e implementação de estruturas de gestão do trabalho e da educação na saúde do SUS nos estados e
municípios e de Escolas Técnicas do SUS e de Escolas de Saúde Pública;

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, 165-175, maio/ago. 2003 169
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

• Implementação de uma Política de Desprecarização do Trabalho em Saúde, onde os vínculos trabalhistas e


previdenciários não são respeitados;
• Plano de Carreira, cargos e salários do SUS, o trabalho no SUS passe a ser encarado como Carreira de Estado;
• Desenvolvimento de ações e criação de instrumentos que visem à humanização das condições e das relações de
trabalho entre profissionais e usuários;
• Implantação de Mesa Nacional, Estaduais e Municipais Permanentes de Negociação do SUS ligadas aos respec-
tivos Conselhos de Saúde;
• Regulação das profissões subordinadas às necessidades de saúde da população e aos princípios e diretrizes do SUS;
• Implantação dos Pólos de Educação Permanente em Saúde, com o objetivo de discutir e implementar
projetos de mudança do ensino formal e da educação permanente dos trabalhadores de saúde, agentes sociais
da saúde e gestores;
• Incentivo à mudança na formação técnica, de graduação e pós-graduação para que atenda às necessidades de
saúde da população e aos princípios e diretrizes do SUS;

• Abertura de cursos na área de saúde subordinada à necessidade de profissionais e de especialistas de acordo


com as características regionais, sociais, econômicas, epidemiológicas, demográficas e com as novas orientações
para a organização da atenção à saúde;
• Implantação de residências integradas em saúde, serviço civil profissional e estágio de vivência no SUS;
• Incentivo aos processos de educação popular dos movimentos sociais, da participação e do controle social na Saúde.

Eixo temático VIII:


CIÊNCIA E TECNOLOGIA E A SAÚDE

Diretrizes
• Fomento a pesquisas científicas, tecnológicas e à inovação em saúde, visando o aumento da eqüidade no
cuidado à saúde da população;
• Definição, desenvolvimento e implementação de padrões elevados de ética na pesquisa, na perspectiva da
segurança e dignidade dos sujeitos da pesquisa;
• Apoio ao desenvolvimento tecnológico do complexo produtivo de saúde, visando à diminuição da dependência
nacional no campo tecnológico e produtivo, bem como a garantia de maior auto-suficiência nos itens definidos como
estratégicos para o país;
• Participação na elaboração, implementação e acompanhamento da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa
em Saúde em nível nacional;
• Avaliação tecnológica visando à incorporação crítica de produtos e processos por gestores, prestadores e profis-
sionais dos serviços no âmbito do SUS, com melhor relação custo-efetividade;
• Avaliação, incorporação e utilização dos avanços biotecnológicos no setor saúde, com ênfase na análise,
gerenciamento e monitoramento de biossegurança, assim como às implicações e repercussões no campo da bioética
e da ética em pesquisa;

170 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 165-175, maio/ago. 2003
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

• Fortalecimento das instituições de ciência e tecnologia em saúde (C&T/S), tendo como principais eixos de atuação
a capacitação de recursos humanos, implementação de infra-estrutura e disseminação de informações em C&T/S;
• Aprimoramento do sistema de revisão e aprovação ética das pesquisas envolvendo seres humanos.

Eixo temático IX:


O FINANCIAMENTO DO SUS

Diretrizes
• Cumprimento da Emenda Constitucional nº 29, conforme ficou consubstanciado na Resolução CNS nº 322/03;
• Ação vigorosa na defesa da retomada do desenvolvimento socioeconômico e da elevação da atual porcenta-
gem do PIB destinada à saúde, incrementando, principalmente, a participação do orçamento público no financia-
mento do setor saúde;
• Definição da busca de eqüidade na alocação de recursos como diretriz essencial para a redução das desigual-
dades regionais existentes;
• Prosseguir com a discussão nos Conselhos de Saúde, visando a determinação de parâmetros para a elaboração
de planilha de itens orçamentários, com a finalidade de proporcionar a indispensável visibilidade, sem superposi-
ções, dos seguintes conjuntos de itens: (i) custeio; (ii) investimentos; (iii) atenção básica; (iv) média complexidade; e
(v) alta complexidade;
• Incremento das ações de controle e avaliação do sistema de saúde com vista a eliminar as perdas decorrentes da
má utilização dos recursos;
• Reversão da atual forma de gastos com investimentos, baseada em convênios e emendas parlamentares, para
um padrão de investimentos sustentado em planos diretores discutidos nos conselhos de saúde.

Eixo Temático X
INFORMAÇÃO, INFORMÁTICA E COMUNICAÇÃO

Diretrizes
• Criação da Rede Pública e Nacional de Comunicação de acordo com a recomendação da 11 a Conferência Na-
cional de Saúde, entendendo a Rede como materialização de uma política de comunicação ampla, plural, horizon-
tal e descentralizada;

• Ampliação da capacidade de formulação de políticas e desenvolvimento de estratégias de comunicação no campo


da saúde pública visando aperfeiçoar o controle social, identificar e atender às demandas e expectativas sociais;

• Promoção do diálogo entre a comunidade científica e a sociedade, através de mecanismos de articulação para
a democratização, a compreensão crítica e a participação pública em questões relacionadas à ciência, à tecnolo-
gia e à saúde;

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, 165-175, maio/ago. 2003 171
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

• Implementação do registro eletrônico essencial do evento em saúde, com implantação do Cartão Nacional de
Saúde em todo o território nacional, como sistema de identificação unívoca de usuários, profissionais e estabeleci-
mentos de saúde;

• Estabelecimento de padrões para representação e compartilhamento das informações em saúde com garantia
jurídica de privacidade e confidencialidade da informação individual identificada;

• Estabelecimento de padrão de infra-estrutura de tecnologia da informação (microcomputadores, softwares,


redes e outros insumos) – com ênfase para o software livre e padrões abertos e não-proprietários;

• Integração e articulação da informação e dos sistemas de informação, apoio à prática profissional em saúde e
produção e disseminação da informação, segundo necessidades de usuários, profissionais, gestores, instituições de
ensino e pesquisa e controle social.

172 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 165-175, maio/ago. 2003
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

Em defesa da saúde que queremos1


The fight for the health we want

O Ministro da Saúde Humberto Costa e o Conselho Nacional de Saúde estão fortemente empenhados em realizar a
12 Conferência Nacional de Saúde – Conferência Sergio Arouca: “A saúde que temos, o SUS que queremos” convo-
a

cada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que ocorrerá em dezembro deste ano. Há uma grande expectativa de
que esta Conferência venha consolidar as profundas mudanças que estão sendo implementadas pela atual equipe à
frente do Ministério da Saúde (MS) e que reafirmam os princípios do direito à saúde com qualidade e eqüidade para
todos os brasileiros.
Neste momento de tanta esperança, manifesta-se através da grande imprensa a tentativa de desqualificação e
desestabilização dos dirigentes do MS. As entidades abaixo assinadas vêm a público manifestar seu integral apoio
ao Ministro Humberto Costa considerando que a equipe do MS é constituída por profissionais de reconhecida
competência técnico-gerencial e compromisso com a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e que nestes oito
meses de gestão:
1) Empenhou-se em assegurar os recursos necessários para garantir serviços de saúde de qualidade através do
aumento de repasses a estados e municípios e da defesa do cumprimento da Emenda Constitucional 29, que assegu-
ra o incremento real do orçamento para a Saúde sem que estejam aí contabilizados os gastos com saneamento básico
e bolsa alimentação.

2) Restringiu a publicidade e venda de bebidas alcoólicas e cigarros.

3) Defendeu os direitos dos indivíduos cobertos por planos e seguros de saúde por meio de contratos realizados
anteriormente à Lei 9656/98 e opôs-se às restrições de cobertura, aos limites no atendimento e aos aumentos abusi-
vos das mensalidades.

4) Garantiu o acesso aos medicamentos essenciais, através do controle de preços e do incentivo à produção
pública, manifestando-se inclusive pela quebra de patentes em casos de necessidade epidemiológica.

5) Consolidou o programa brasileiro de controle da AIDS, reconhecido internacionalmente, e afirmou o compromis-


so com a solidariedade internacional, em especial aos países africanos.

6) Expandiu a Atenção Básica em Saúde por meio do Programa Saúde da Família, promovendo sua articulação
com os demais serviços da rede assistencial do SUS.

1
Nota publicada nos jornais O Globo, Folha de São Paulo e Jornal do Commercio.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, 165-175, maio/ago. 2003 173
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

7) Resolveu com presteza situações pontuais de crise da assistência, garantindo a continuidade de tratamento aos
pacientes. A construção do SUS representa um dos grandes momentos da participação democrática no aprimoramen-
to das políticas sociais do país. É de sua essência o constante convívio com a diversidade de opiniões e nossas
entidades têm exercido este princípio com integridade intelectual e responsabilidade social. Esperamos o mesmo
comportamento de órgãos de imprensa. Não podemos aceitar visões mal fundamentadas e parciais, estimuladas por
interesses que historicamente se contrapuseram ao SUS.

Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – A BRASCO


Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – C EBES
Rede UNIDA
Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABRES
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – C ONASEMS
Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS

Brasília, 02 de setembro de 2003

174 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 165-175, maio/ago. 2003
DOCUMENTOS / DOCUMENTS

Nota do CEBES sobre o financiamento do SUS


CEBES’ note on SUS financing

O C EBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – vem a público posicionar-se sobre um conjunto de fatos
largamente divulgado pela imprensa nos últimos dias, com repercussões diretas sobre o financiamento do Sistema
Único de Saúde (SUS).

1. No Brasil, a pobreza, a desigualdade social e as baixas taxas de crescimento da economia são fatores que
contribuem para as iniqüidades presentes no Sistema Único de Saúde (SUS). A reversão desse quadro exige medidas
que fortaleçam o SUS e não que o fragilizem.

2. A construção e o fortalecimento do SUS exigem uma base de financiamento que permita seu pleno
desenvolvimento no sentido de atender com dignidade e qualidade às necessidades de saúde da população brasileira.

3. A proposta de reforma tributária em discussão no Congresso Nacional prevê a desvinculação de uma fonte
estável de receita do setor saúde como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o que
pode levar à redução dos já insuficientes recursos destinados ao financiamento do SUS.

4. Por outro lado, a utilização sistemática de recursos do Orçamento da Seguridade Social (OSS) para garantir
o superávit primário das contas públicas pode deteriorar ainda mais os indicadores sociais, tendendo a ampliar a
própria demanda por serviços públicos de saúde.

5. Finalmente, a decisão do Presidente da República, orientado pelos ministros do Planejamento e da Fazenda,


em ampliar o conteúdo das ‘ações e serviços de saúde’, incluindo aí os gastos com atividades de saneamento e de
segurança alimentar, segundo estimativas de especialistas, pode reduzir em até R$ 5 bilhões os recursos destinados
anualmente ao SUS.

Este conjunto de medidas preocupa enormemente todos aqueles que ao longo dos últimos 13 anos têm lutado
para garantir o direito constitucional à Saúde para o conjunto da população brasileira. O C EBES conclama todos
que participam dessa luta para se contraporem a essas medidas que podem agravar o já combalido sistema
público de saúde.

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2003

A Diretoria Nacional

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, 165-175, maio/ago. 2003 175
RESENHA / REVIEW

Os Sinais Vermelhos do PSF


Red Lights for the Family Health Program
Maria Fátima de Sousa (Org.). São Paulo: HUCITEC, 2002. 219 p.

Em 1994, o Ministério da Saúde propôs a estratégia do Programa Saúde da Família (PSF) como uma forma de
reorganização da produção de cuidados de saúde. O desenvolvimento dessa estratégia tinha como objetivo ‘reorganizar
a prática assistencial de saúde sob novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência,
orientado para a cura de doenças e centrado no hospital’. Assim, o PSF pressupõe que a atenção à saúde esteja focada na
família, a qual deve ser entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social. Para atingir seus objetivos, o PSF
aposta no fortalecimento da Atenção Básica como prioridade de ação, e a compreende como um nível de assistência à
saúde que apresenta menor densidade tecnológica (porque utiliza poucos recursos técnicos para a realização de exames
diagnósticos e a intervenção clínica) e maior complexidade tecnológica (porque para realizar ações de saúde na unidade
indivíduo/família incorpora instrumentos tecnológicos advindos das ciências sociais – antropologia, sociologia, história
– e humanas – economia, geografia – além da clínica para a compreensão do processo saúde-doença).
Após quase dez anos de investimentos públicos na implantação da estratégia do PSF no Brasil é importante que
técnicos e pesquisadores possam apresentar estudos que discutam essa política pública de saúde e seu impacto na
assistência à saúde da população.
É nesse contexto que surge o livro Os Sinais Vermelhos do PSF, buscando discutir a especificidade da implantação do
PSF em grandes cidades brasileiras. Escrito por profissionais de saúde, pesquisadores e gestores, todos inseridos no
PSF, o livro constitui uma leitura instigante e obrigatória para gestores, profissionais de saúde, estudantes e pesqui-
sadores da área de Saúde da Família. Os textos reunidos neste livro reivindicam, cada um à sua maneira, uma forma
de discutir e analisar o que é essencial no processo de implantação do PSF em grandes municípios e inscrevem-se sob
o mesmo pano de fundo – viabilizar essa implantação – ora implícito, ora explícito.
Dividido em onze capítulos, os dois primeiros abordam os determinantes estruturais da organização da assistên-
cia à saúde em grandes municípios de um modo geral e em São Paulo especificamente. Os capítulos três e quatro
analisam aspectos do financiamento do PSF que inviabilizam a implantação dessa estratégia em grandes cidades e,
tomando como exemplo o município de São Paulo, apresentam uma proposta para superação desse problema.
Nos três capítulos seguintes, ou seja, nos capítulos cinco, seis e sete, é apresentada uma discussão relativa à
formação dos profissionais de saúde para o trabalho no PSF nos grandes centros urbanos, apontando a necessidade
de mudanças nos currículos dos cursos de graduação e pós-graduação oferecidos pelas instituições de ensino da área
de saúde. Esses capítulos descrevem em que consiste a intervenção em saúde realizada pela equipe de saúde no PSF,
mostrando assim a natureza cuidadora desse trabalho e terminam apresentando o perfil dos profissionais médicos e
enfermeiros que no momento atuam nas equipes de PSF no Brasil.

176 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 176-177, maio/ago. 2003
RESENHA / REVIEW

O capítulo oitavo é muito interessante, pois aborda de forma muito apropriada a avaliação do PSF, analisando os
indicadores atualmente utilizados e construindo propostas alternativas de avaliação do programa mais adequadas
aos resultados esperados do mesmo. No capítulo nove, a organizadora do livro realiza uma síntese de todas as
discussões apresentadas anteriormente, que resulta em uma proposta factível para a implantação do PSF em grandes
municípios, na qual investiga e aponta as responsabilidades e a necessidade de articulação de todas as instâncias
governamentais para a efetivação dessa estratégia em cidades de grande porte populacional. Nos últimos dois capí-
tulos, a organizadora mostra aos leitores aonde vai buscar fé e energia (quem são seus aliados) para a luta pela
implementação do PSF em todos os municípios do Brasil e aonde vai buscar conhecimento técnico (a bibliografia
consultada) para fundamentar sua luta.
Este livro, ao apostar na estratégia do PSF como forma de reorganização da assistência à saúde no Brasil a
partir do fortalecimento da Atenção Básica, discute a importância de implementar o PSF em todos os municípios do
país, inclusive nos grandes centros, onde sabemos que o modelo médico-centrado mantenedor ideológico do mode-
lo médico-assistencial-privatista prevalece e oferece obstáculos para o sucesso de um modelo de assistência assen-
tado na saúde pública. Conclui-se que a leitura do livro Os Sinais Vermelhos do PSF contribui fundamentalmente para
o debate contemporâneo da reorganização da atenção à saúde no Brasil.

Lislaine Aparecida Fracolli


Professora Doutora
Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 176-177, maio/ago. 2003 177
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tos de casos e resenhas de livros de interesse acadêmico, po- pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma
lítico e social. do Estado. In.: FLEURY, Sônia Maria Teixeira (Org.). Saúde
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de Membros do Conselho Editorial e do quadro de Pareceristas experiência do município de São Paulo. Saúde em Debate,
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de modificações da estrutura ou do conteúdo, por parte da Edi- DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1991. 111p.
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estar escritos em caixa baixa (só a primeira letra
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10520: 2001 (disponível em bibliotecas). Ex.: Con-
forme Mario Testa (2000).
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of the article, according to regulation ABNT NBR 6023: 2000
Journal of the Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (available in libraries). E. g.:
(CEBES) which focuses on Public Health and Collective
Health, published every four months: April, August and CARVALHO , Antonio Ivo. Conselhos de saúde, responsabi-lidade
December, and distributed to all associated individuals pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma
up-to-date with CEBES ’ treasury.
do Estado. In.: FLEURY , Sônia Maria Teixeira (Org.). Saúde
It accepts original studies in the form of original articles,
e democracia: a luta do CEBES . São Paulo: Lemos, 1997.
opinion articles, review or update articles, case studies and
critical book reviews of academic, political or social interest. p. 93-112.
Texts sent for publishing are responsibility of the authors.
Total or partial reproduction of articles is permitted, as COHN , Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo M.; J ACOBI , Pedro.
long as both authorship and source are identified. Participação popular e gestão de serviços de saúde: um
Publication of articles is subject to approval by the Editorial olhar sobre a experiência do município de São Paulo. Saúde
Advisory Board and Ad-Hoc Partners (through a double-blind em Debate, n. 38, 1993. p. 90-93.
system). Any suggestion of changes in structure or content,
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be mentioned. Critical reviews of books of interest to Public Health and
Collective Health, will be accepted, as judged by the
3. Abstract in Portuguese and English, containing a
summary of purpose, used methods and main work Editorial Board. They must discuss book’s content, its
conclusions; descriptors, between three and five words theoretical postulates and the audience it aims to reach, in
(not more than 700 characters (approximately 120 words). up to three pages.
For descriptors use the ones presented in the available
vocabulary (D ECS), which can be found at http://decs.bvs.br, OPINION ARTICLES
in case available descriptors are not found for the articles
theme, terms or expressions of known use can be Articles about previously published articles in this
indicated. journal or about national interest issues will be accepted.
These will be subject to Editorial Board approval. Must be
4. Article.
made up of seven pages maximum.
a) footnote numbers inserted in the text must be
superscripted. E.g.: Reforma Sanitária1 ARTICLE SUBMISSION
b) for highlighting words or excerpts the author
1. Articles should be submitted to the following address
should use simple. E.g.: ‘porta de entrada’.
for appreciation by the Editorial Board: Secretaria Executiva
c) tables and graphics should also be presented in do CEBES – Av. Brasil, 4036 – sala 802 – CEP: 21040-361 –
separate sheets, numbered and correctly named, Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ
with indication of the units used and
Phone: +(55)21 3882-9140 and +(55)21 3882-9141
corresponding sources.
Cellular phone: +(55) 21 9738-4101
d) authors mentioned in the text should be written Fax: +(55) 21 3104-7251
in lower case (only first letters of each name in
2. Articles must be submitted in three copies and in
capital letters), according to regulation ABNT NBR
diskette. We will accept articles in Word for Windows.
10520: 2001 (available in libraries). E.g.: Conforme
Mario Testa (2000). 3. Graphics and/or tables must be presented in a
separate file, in the same diskette.
e) bibliographic references in the text shall be
presented inside brackets and upper case followed
by year and, if applicable, page. E.g.: (MIRANDA N ETTO,
1986; T ESTA, 2000, p. 15).
CURSO GESTÃO EM SAÚDE CURSO DE VIGILÂNCIA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
NÍVEL: Aperfeiçoamento NÍVEL: Aperfeiçoamento
DURAÇÃO: 9 Meses (180 HORAS) DURAÇÃO: 9 meses (180 horas)
MATERIAL DIDÁTICO: Livros (três) MATERIAL DIDÁTICO: CD-ROM, Livro, Vídeo e Internet
PÚBLICO ALVO: Profissionais de nível superior ou PÚBLICO ALVO: Profissionais de Saúde envolvidos
médio, da área da saúde, envolvidos com atividades direta ou indiretamente na implantação de Sistemas de
de gestão Vigilância Alimentar

CURSO AUTOGESTÃO EM SAÚDE


NÍVEL: Especialização CURSO VIGILÂNCIA SANITÁRIA

DURAÇÃO: 16 Meses (384 Horas) NÍVEL: Aperfeiçoamento

MATERIAL DIDÁTICO: Internet, CD-ROM e Livros (quatro) DURAÇÃO: 9 meses (180 horas)

PÚBLICO ALVO: Profissionais de nível superior, que MATERIAL DIDÁTICO: CD-ROM e Livro
atuam em empresas que administram seus próprios PÚBLICO ALVO: Profissionais de Saúde que desenvolvam
Sistemas de Saúde. atividades relacionadas à Vigilância Sanitária

CURSO BIOSSEGURANÇA
NÍVEL: Aperfeiçoamento CURSO GESTÂO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS
MUNICIPAIS E IMPACTO AMBIENTAL
DURAÇÃO: 9 Meses
NÍVEL: Aperfeiçoamento
MATERIAL DIDÁTICO: Internet, CD-ROM e Apostila
DURAÇÃO: 9 meses (180 horas)
PÚBLICO ALVO: Profissionais de nível superior ou
médio que busquem capacitação no desenvolvimento MATERIAL DIDÁTICO: Livros (sete)
de técnicas de Biossegurança e na aplicação e PÚBLICO ALVO: Profissionais de empresas públicas ou
regulamentação de técnicas afins. privadas preocupados com a Gestão de Resíduos Sólidos
Municipais e seus impactos sobre o meio ambiente.
CURSO SAÚDE MENTAL
NÍVEL: Aperfeiçoamento
DURAÇÃO: 10 Meses (240 horas)
PÚBLICO ALVO: Profissionais de nível superior e médio,
com interesse no campo da Saúde Mental
R EV I S TA B RA S I LE I R A DE E DU CA ÇÃ O M É DI CA

Associação Brasileira de Educação Médica – Rio de Janeiro/RJ


A Revista da ABEM está em seu 27 o ano. É uma publicação
indexada ( LILACS, PERIÓDICA E IRESIE) , que aceita
colaborações em português, inglês ou espanhol – em
diversos formatos, de artigos originais, ensaios e relatos
de experiências a resumos de teses e resenhas de livros.
Os textos são submetidos à apreciação do Conselho
Científico, segundo os critérios e normas disponíveis em:
w w w. ab e m- e du c m ed . o r g .b r

Valor da anuidade: Professores, residentes e outros – R$ 75,00 (setenta e cinco reais)


Estudantes: R$ 20,00 (vinte reais)

O pagamento poderá ser efetuado mediante o envio de cheque nominativo à Associação, ou através de depósito bancário para o Banco do Brasil S/A, agência 0249-6, conta
n o 33.369-7 (neste caso solicitamos a gentileza de nos enviar cópia do recibo bancário via fax: (21) 2260-6662).
Prerrogativa do sócio: receber todas as publicações produzidas pela Associação e participar de eventos promovidos por esta, entre eles o Congresso Brasileiro de Educação
Médica anual, com desconto de 50% na inscrição.

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