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existência do Desvio diante a Norma. E assim, para "normalizar" o sujeito moderno, foram
desenvolvidos mecanismos e dispositivos de vigilância, capazes de interiorizar a culpa e
causar no indivíduo remorsos pelos seus actos.
O Panóptico era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma
torre no centro. O anel dividia-se em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto
para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia, segundo o objectivo da
instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário a trabalhar, um prisioneiro a
ser corrigido, um louco tentando corrigir a sua loucura, etc. Na torre havia um vigilante.
Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante
podia atravessar toda a cela; não havia nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o
que o indivíduo fazia estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de
persianas, de postigos semi-cerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao
contrário pudesse vê-lo.
Foucault,(1997),pag:166
O Panóptico organiza espaços que permitem ver, sem ser vistos, portanto, uma garantia de
ordem. Assim, a vigilância torna-se permanente nos seus efeitos, mesmo que não fosse na
sua acção. Mais importante do que vigiar o prisioneiro o tempo inteiro, era que o mesmo se
soubesse vigiado. Logo, não era finalidade do Panóptico fazer com que as pessoas fossem
punidas, mas que nem tivessem a oportunidade para cometer o mal, pois sentiriam-se
mergulhadas, imersas num campo de visibilidade.
Em suma, o Panóptico desfaz a necessidade de combater a violência física com outra
violência física, combatendo-a antes, com mecanismos de ordem psicológica.
O Panóptico (...) tem seu principio não tanto numa pessoa como numa certa distribuição
concertada dos corpos, das superfícies, das luzes, dos olhares; numa aparelhagem cujos
mecanismos internos, produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos (...)
Pouco importa, consequentemente, quem exerce o poder. Um indivíduo qualquer, quase
tomado ao acaso, pode fazer funcionar a máquina: na falta do director, sua família, os que o
cercam, seus amigos, suas visitas, até seus criados (...) Quanto mais numerosos esses
observadores anónimos e passageiros, tanto mais aumentam para o prisioneiro o risco de
ser surpreendido e a consciência inquieta de ser observado.
Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as
limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmos; inscreve em si a
relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente os dois papeis: torna-se o
princípio da sua própria sujeição.
Para Bentham, qualquer punição deve ser encarada antes de tudo como espectáculo;
importa menos o seu efeito sobre quem é castigado, do que as impressões que recebem
todos aqueles que vêem o castigo ou que dele são informados.
Neste tipo de instituições, nós somos vistos, ou pensamos que somos vistos, sem vermos
aquele que vê, nós escutamos uma voz, sem vermos o dono da voz. O Panóptico deve ser
governado por um olhar e por uma voz desconectados do seu portador. O inspector
torna-se, então, uma espécie de fantasma. Em última instância, é uma entidade de ficção -
ele não existe. Justamente por isto, ele pode provocar um medo superior ao de um guarda
real, por mais cruel que esse guarda fosse.
A utopia panóptica - em si mesma uma obra de ficção - gerou outras tantas obras de ficção.
Muitos livros tematizaram o Panóptico, em geral para repudiá-lo, ou exorcizá-lo. Dentre eles,
o romance mais conhecido é 1984, de George Orwell, em que a figura omnipresente e
omnividente (entretanto inexistente) do inspector geral toma a forma do Big Brother, enfim,
de um grande olho que pode ver todos os recantos. Orwell escreveu-o em 1948, invertendo
os dois últimos algarismos para situar a sua utopia negativa.
O esquema Panóptico pode ser utilizado sempre que se deseja impor uma tarefa ou um
comportamento a uma multiplicidade de indivíduos.
A base desta arquitectura institucional é o exame contínuo (a prova, o teste), para controlar
"à nascença" as causas dos desvios. O sujeito torna-se culpado (ou "burro", ou louco, ou
doente) até prova (exame) em contrário. Em todos os dispositivos de disciplina, o exame,
então, tem de ser altamente ritualizado.
O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um
controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. estabelece
sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados.
É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame é altamente ritualizado. Nele
vêm-se reunir a cerimónia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o
estabelecimento da verdade (...) A superposição das relações de poder e das de saber
assume no exame todo o seu brilho visível.