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ISSN 2317-3793 Volume 8 Número 5 (2019)

OS ESTUDOS COMPARADOS NO CAMPO CURRICULAR: O ESTADO DA ARTE DE


PUBLICAÇÕES
COMPARATIVE STUDIES IN THE CURRICULUM FIELD: A STATE OF THE ART

Carla Tereza Pessoa da Rocha Dantas1, Ibsen Perucci de Sena2, Juliana de Oliveira
Freire3, Paulo Alves da Silva4*

Resumo
Este artigo realizou um levantamento de publicações que abordam o currículo como objeto de
pesquisa em uma perspectiva comparada com o objetivo de descrever recentes contribuições dos
Estudos Comparados para o campo do currículo. A metodologia consistiu em uma pesquisa
bibliográfica realizada em periódicos especializados no campo dos Estudos Comparados em
Educação. A análise dos resultados foi realizada com base nos estudos de Schriewer (2018) e
revelou que o campo do currículo sob o enfoque da Educação Comparada apresenta um terreno
multifacetado, em grande parte descritivo, mas que permite a compreensão de diferentes formas de
organização curricular nos sistemas de ensino por meio de categorias mais amplas, tais como:
trabalho e sociedade, bem como de categorias mais específicas como: integração,
interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade.
Palavras-chave: Currículo. Estudos Comparados. Educação.

Abstract
This article has reviewed publications that approach the curriculum as a research object from a
comparative perspective to describe recent contributions of Comparative Studies to the curriculum
field. The methodology consisted of bibliographic research conducted in specialized journals in the
field of Comparative Studies in Education. The analysis of the results was based on the studies by
Schriewer (2018) and revealed that the field of the curriculum under the focus of Comparative
Education presents a multifaceted, largely descriptive terrain, but allows the understanding of different
forms of curriculum organization in the curriculum. education systems through broader categories such
as work and society, as well as more specific categories such as integration, interdisciplinarity, and
multidisciplinarity.
Keywords: Curriculum. Comparative Studies. Education.

1
Mestre em Linguística, Universidade de Brasília - UnB, Brasília/DF, UF, Brasil,
carladantaspos@gmail.com
2
Mestre em Música, Instituto Federal de Brasília/DF, Brasil, Ibsenperucci@gmail.com
3
Mestre em Educação Física, Universidade de Brasília - UnB, Brasília/DF, Brasil,
juliana2609@gmail.com
4
Mestre em Educação, Universidade de Brasília - UnB, Brasília/DF, Brasil,
pauloeducador@gmail.com
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1 INTRODUÇÃO

Segundo Lourenço Filho (2004), comparar é um recurso fundamental nas


atividades de conhecer. Como menciona Schriewer (2018), a Educação Comparada é um
campo proteico, ou seja, é um campo com possibilidades para compreender a história e o
presente da educação e para construir as perspectivas do futuro. O nome Educação
Comparada reserva-se, no entanto, a designar certo ramo de estudos que primeiramente
se caracterizam pela vasta escala de observação de que se utilizam, por força de seu
objeto. Esse objeto são os sistemas nacionais de ensino. E por tratar de sistemas
nacionais de ensino, a Educação Comparada não é um conceito unifacetado, mas é inter
e multidisciplinar (KAZAMIAS, 2012). Como acrescenta Weller (2017), a riqueza de um
estudo comparado não está apenas na capacidade de desvelamento de situações e
realidades desconhecidas, mas também daquilo que não sabíamos sobre nós mesmos. O
outro (o diferente), visto de fora, não é simplesmente uma medida a ser contrastada à
outra medida que seria o nosso (o familiar). Pelo contrário, o familiar e o estranho se
encontram em uma relação de referência mútua. Em outras palavras, a existência do
“nós”, implica a existência de um “outro”. A partir destes apontamentos, o presente estudo
tem como escopo a análise de currículos em perspectivas comparadas.

Conforme Moreira e Candau (2007) as diferentes concepções da palavra currículo


derivam dos diversos modos como a educação é concebida historicamente, bem como
das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento.
Nessa direção, diferentes fatores socioeconômicos e culturais têm contribuído para que o
currículo seja entendido como: a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; b) as
experiências de aprendizagem a serem vividas pelos alunos; c) os planos pedagógicos
elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; d) os objetivos a serem
alcançados por meio do processo de ensino; e) os processos de avaliação que terminam
por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da
escolarização (MOREIRA; CANDAU, 2007).

Em síntese, o currículo pode ser entendido como “as experiências escolares que se
desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem
para a construção das identidades dos estudantes” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 21).
Associa-se, portanto, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções
educativas nas instituições de ensino, daí a necessidade de constantes discussões e
reflexões sobre o currículo e sobre os estudos que o tomam como objeto de análise
(MOREIRA; CANDAU, 2007).
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Neste sentido, Bray, Adamson e Mason (2015) apresentam elementos que auxiliam
a comparação entre currículos a partir da perspectiva da pesquisa, quer seja
avaliativa, interpretativa ou crítica. As pesquisas avaliativas buscam evidenciar melhores
propostas, a partir de critérios como notas em um ranking. As investigações com
características interpretativas ou hermenêuticas consideram o currículo como um artefato
cultural e multifacetado, portanto se pautam nas articulações entre os diversos fatores e
não buscam comprovações dogmáticas, mas argumentações que incitam reflexões, por
exemplo. busca analisar e explicar fenômenos. Por outro lado, a comparação em uma
perspectiva crítica, além de ser necessária uma fundamentação predeterminada, tem
como objetivo identificar aspectos dos currículos que foram incorporados acidentalmente
ou deliberadamente, e que tenham se revelado desejáveis ou indesejáveis. Nessa
direção Antônio Flavio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva ressaltam que “não é mais
possível alegar qualquer inocência a respeito do papel constitutivo do conhecimento
organizado em forma curricular e transmitido nas instituições educacionais” (MOREIRA;
SILVA, 2011, p. 28).

A partir destes apontamentos, o presente trabalho teve como objetivo descrever


recentes contribuições dos Estudos Comparados para o campo do currículo por meio de
um levantamento de publicações em periódicos especializados do campo dos Estudos
Comparados em Educação.

2 METODOLOGIA

A metodologia adotada consistiu em um levantamento de publicações em


periódicos especializados em Estudos Comparados, seguido de um aprofundamento
bibliográfico1 nos trabalhos buscando os modos de comparação adotados nas produções,
conforme detalhado no quadro 1. A busca pelas publicações seguiu como critérios: ter o
currículo como objeto de pesquisa em uma perspectiva comparada. Para tanto, realizou-
se uma revisão nos sites de dez periódicos do campo dos Estudos Comparados em
Educação. A partir dos descritores [curricul* AND (comparative OR comparison)] nos
títulos e encontrados 11 artigos publicados entre os anos 2013 e 2017.

 Quadro 1: Informações sobre os periódicos e quantidade de artigos publicados entre 2013 e 2017
nº Periódicos Qtd Ano de Periodicidade Link do periódico
criação da publicação

1 Research in Comparative and 2 2007 Trimestral http://journals.sagepub.com/


International Education home/rci 

1 Alguns periódicos disponibilizam o conteúdo integral das produções somente mediante assinatura anual das revistas.
Nestes casos adotamos o levantamento bibliográfico a partir dos resumos e na temática investigada.
37

2 Current Issues in Comparative 1 março Anual https://www.tc.columbia.edu/


Education (CICE) 1997 international-and-
transcultural-studies/
international-and-
comparative-education/
program-news/current-issues-
in-comparative-education-
cice-journal/

3 Compare: A Journal of 2 1970 Bimestral https://www.tandfonline.com/


Comparative Education toc/ccom20/current

4 PROSPECTS: Comparative 0 1970 Quadrimestral https://link.springer.com/


Journal of Curriculum, journal/11125
Learning, and Assessment

5 Comparative Education 1 1957 Mensal/ https://www.cies.us/page/


Review (revista da CIES) Journal CERJournal/Comparative-
Education-Review-
Journal.htm

6 Comparative Education - 1 1961 Anual https://www.cese-europe.org/


Europe

7 International Journal of 0 1989 Trimestral https://ceshk.edu.hku.hk/


Comparative Education and
Development

8 International Journal of 2 1981 Anual https://


Educational Development www.sciencedirect.com/
journal/international-journal-
of-educational-development/
issues

9 Revista Española de 2 1995 Semestral http://revistas.uned.es/


Educación Comparada - index.php/REEC
REEC

10 Revista Latinoamericana de 1 2010 Anual http://www.saece.com.ar/


Educación Comparada – relec/index.php
RELEC

Fonte: Os autores

Na segunda etapa, foram identificados 14 artigos os quais estão agrupados no Quadro 2


abaixo e que abordam o currículo como objeto de pesquisa numa perspectiva comparada:

Quadro 2: Artigos selecionados, objetivos, tipos de estudo e níveis da comparação


Autor (ano) Título do artigo Objetivo Nível da comparação

Hughes, Print e Curriculum capacity Examinar os recentes Comparação entre os


Sears (2010) and citizenship desenvolvimentos na educação currículos de países:
education: a para a cidadania em quatro Austrália, Canadá,
38

comparative analysis of importantes democracias Inglaterra e EUA


four democracies ocidentais - Austrália, Canadá,
Inglaterra e EUA

Lo (2010) The primary social Comparar e contrastar os Comparação entre


education curricula in principais currículos de educação currículos das cidades de
Hong Kong and social em Hong Kong e Hong Kong e Singapura
Singapore: A Cingapura, a fim de traçar as
comparative study diferenças e semelhanças nas
respostas dessas duas cidades
asiáticas a forças externas e
internas desde a virada do século

Pilz e Li (2012) What Teachers in pre- Comparar os planos curriculares Comparação entre
vocational education de ensino pré-profissional nas currículos de países:
should teach and what escolas do ensino secundário na Alemanha e China
they actually teach: a Alemanha e na China Continental,
comparison of curricula e a sua implementação
and teaching in
Germany and China

Leask e Bridge Comparing Apresentar um quadro conceitual Comparação entre


(2013) internationalisation of para a internacionalização do currículos de
the curriculum in action currículo que explicar os universidades
across disciplines: fundamentos de construções australianas
Theoretical and alternativas de um currículo
practical perspectives internacionalizado

O’Downd (2013) A Educação Infantil na Discutir a Educação Infantil na Comparação entre o


Suécia: o currículo de Suécia na perspectiva histórica e setor público e privado
mercado conceitual analisando as na Suécia
implicações curriculares na
atualidade

Pulido et al Re-framing, re- Pesquisar o trabalho do grupo Chicago


(2013) imagining, and re- Grassroots Curriculum Taskforce EUA
tooling curricula from (CGCT) ao construir um currículo
the grassroots: The colaborativo.
Chicago grassroots
curriculum taskforce

Kang (2014) A cross-national Comparar livros didáticos de Comparação entre livros


  comparative study of matemática nos Estados Unidos e didáticos de países:
  first- and fourth-grade Coreia do Sul Coreia do Sul e Estados
  math textbooks Unidos da América
between korea and the
united states

Wang e Clark The practicum Analisar as questões enfrentadas Comparação entre as


(2014) experiences of English pelos estudantes-professores percepções dos
Language Major chineses e seus supervisores estudantes, professores
student teachers during e supervisores chinese
a period of profound
curriculum reform in
China
39

Haus (2015) Ideas, Institutions, and Comparar os currículos de história Comparação entre
School Curricula: das escolas secundárias francesa currículos de países:
explaining variation e inglesa. Inglaterra
between England and  e França
France

Hung (2015) From regime change to Pesquisar sobre a mudança de Comparação entre
paradigm shift: A paradigma curricular conservador currículos: conservador e
philosophical para um paradigma liberal liberal em Taiwan
perspective on the
development of
Taiwan's citizenship
curriculum

Fairstein (2016) Debates curriculares Revisão de pesquisa sobre o Comparação sobre a


en Educación currículo da Educação Cívica seleção e organização
Ciudadana de conteúdos em
currículos escolares,
conceitos e a influência
do campo político na
instabilidade curricular.

Ferrández- Work-Based Learning Descrever os resultados de um Comparação entre


Berrueco et al as Integrated projeto internacional de estudo de estratégias de
(2016) curriculum in Higher caso sobre a implementação de aprendizagem dos
Education. Experiences estratégias de aprendizagem currículos dos países:
in Europe. Remaining baseadas no trabalho em sete Alemanha, Áustria,
questions países europeus Espanha, Finlândia,
Polônia, Reino Unido e
República Checa

  Are we on the same Discutir a identidade única de Currículo nacional da


Min (2016)  page? Examining the Hong Kong e a influência de República Popular da
“good citizen” in the fatores políticos, históricos e China e a implementação
curriculums of econômicos sobre eles, a fim de na Região Administrativa
citizenship education in mostrar o valor de desafiar a de Hong Kong
Hong Kong. abordagem de “cidadania
nacional” como um discurso
dominante no currículo pretendido
na educação para a cidadania de
Hong Kong; analisar os esforços
da República Popular da China
(RPC) para promover um forte
sentido da identidade nacional
chinesa nos estudantes de Hong
Kong; e terceiro, avaliar a
adequação dessa abordagem
nacionalista, examinando sua
compatibilidade e coerência em
relação ao currículo implementado
e atingido

Aman (2017) Colonial Differences in Compreender a interculturalidade Conceitos da União


Intercultural Education: em suas raízes na experiência Europeia e da Unesco, e
On Interculturality in histórica do colonialismo e no o sentido para a
the Andes and the particular, em vez de em população da região
Decolonization of afirmações de universalidade, na andina da América
Intercultural Dialogue. perspectiva de que Latina.
a interculturalidade se baseia em
outras epistemologias e em
contextos geopolíticos, portanto
40

inter-epistêmica e não
simplesmente intercultural
Fonte: Dados da pesquisa

3 ANÁLISES

Em relação à educação para a cidadania, Hughes, Print e Sears (2010) realizaram


um estudo comparado cross-national entre os currículos de Austrália, Canadá, Inglaterra
e Estados Unidos, por considerá-las importantes democracias ocidentais. Comparando os
currículos os investigadores concluíram que é necessário ampliar os aspectos retóricos,
buscando atitudes práticas quando se trata de educação para a cidadania. Na tentativa de
compreender as razões para diferentes perspectivas, considera-se um estudo analítico.
Por sua vez, Lo (2010) compara os principais currículos de educação social de
Hong Kong e Singapura, buscando similaridades e diferenças. Os autores utilizam
elementos teórico-metodológicos do campo dos estudos comparados como Bray,
Adamson e Mason (2015) para justificar a opção dos níveis geográficos da pesquisa.
Além disso, apresentam os resultados de contextualizado, explicitando o caráter analítico
deste estudo cross-national. Apontam ainda a realização de outros estudos no cotidiano
escolar, para compreender a relação entre a teoria e a prática.
Pilz e Li (2012) comparam os currículos pré-vocacionais da Alemanha e China,
buscando as relações entre aspectos teóricos e práticos. Os autores destacam a estrutura
dos sistemas educacionais, justificam as escolhas das escolas, regiões e os currículos
analisados, descrevem as disciplinas que compõem esses currículos, apresentam as
análises de conteúdo desses documentos, em seguida as entrevistas e por fim realizam a
comparação entre os dois países (similaridades e diferenças). Trata-se de um estudo
cross-national analítico, por buscar explicações e não apenas descrever os fatos.
Leask e Bridge (2013) realizaram uma comparação entre currículos de três
universidades australianas, que apresentavam disciplinas sobre a internacionalização da
formação superior. É um estudo internacional em que os autores discutem questões
relevantes acerca da complexidade dos aspectos que influenciam a internacionalização
dos currículos.
O’Dowd (2013) ao empreender uma investigação no sistema de ensino sueco,
concentrando sua análise na Educação Infantil, descreve um trajeto histórico em que
observa as mudanças nas políticas públicas educacionais comparando as estratégias
curriculares em gestões governamentais que ora centralizaram o setor público, ora o setor
privado. Nessa direção dimensiona que grande parte da reforma privada foi realizada em
curto período e sem laboratório, enquanto o setor público galgou experimentos antes de
implementar novas propostas educacionais. Assim, mostraram-se interessantes as
propostas que foram implementadas em menor escala e, mais adiante, ampliadas no
sistema de ensino. Em síntese, explicita que em gestões neoliberais ficaram marcadas as
intenções curriculares concentradas na consolidação de objetivos de aprendizagem,
desempenho, qualidade, bem como um currículo comum a todos.  Nessa direção, as
reformas analisadas deslocam a ênfase da igualdade, democracia e solidariedade para
eficiência qualidade e liberdade individual.
Pulido et al (2015), pesquisou o trabalho do grupo Grassroots Curriculum
Taskforce (CGCT) que lida com a construção colaborativa do currículo envolvendo os
educadores, pais, alunos e membros da comunidade. Essa construção colaborativa tem
como objetivo trazer para o currículo os aspectos culturais, econômicos e políticos da
realidade dos alunos que frequentam as escolas públicas de Chicago (K-12=educação
primária e educação secundária=kindergarten – 4 a 6 anos to twelfth grade – 17 a 19
41

anos). Desenvolver o currículo a partir das perspectivas dos povos historicamente


marginalizados.
Kang (2014) comparou 3 livros didáticos de matemática do primeiro e do quarto
ano sendo usados nos Estados Unidos e na Coreia do Sul: Harcourt and Investigations
(EUA) e o sétimo livro de matemática nacional sul-coreano. Os livros didáticos norte-
americanos contêm diferentes características: o currículo tradicional (Harcourt) e o
currículo baseado em padrões (Investigações). O estudo pesquisou primeiro como o
conteúdo é organizado em sequência didática e, em seguida, deu atenção especial aos
capítulos sobre número e operação e os problemas matemáticos apresentados nos três
livros didáticos. As descobertas relatam que o livro didático sul-coreano apresenta o
conceito avançado de número e operação para os dois níveis, em comparação com os
livros didáticos norte-americanos, que não o fazem. As estratégias dos alunos e a
compreensão conceitual foram mais destacadas nas investigações. Entre os três livros
didáticos, Harcourt mostrou a maior tendência de enfatizar o conhecimento processual da
aprendizagem.
Wang e Clark (2014), fizeram uma análise das questões enfrentadas pelos
estudantes-professores chineses e seus supervisores no período em que a reforma
curricular questiona as práticas existentes nas escolas e universidades. O artigo baseia-
se nas experiências de 10 estudantes-professores do curso de Inglês a respeito do que
eles pensam quando realizam seu estágio no quarto ano de seu curso de formação de
professores. Esses estudantes estudam em uma Escola de Línguas Estrangeiras de uma
importante universidade de formação de professores na região nordeste da China
Continental e são desafiados pela complexidade do estágio, na medida em que tentam
negociar as diferentes expectativas dos seus conselheiros escolares e supervisor da
universidade. A análise destaca duas questões relacionadas: as dificuldades enfrentadas
durante a reforma na China e a desarticulação entre a escola e as expectativas dos
estudantes na universidade em relação ao estágio. 
Haus (2015), levanta a questão sobre os currículos de história da escola
secundária francesa introduzidos no final dos anos 2000, em que era prescrito uma
cobertura mais extensa de histórias plurais do que os currículos de história da escola
secundária das escolas inglesas introduzidos no mesmo período. 
Hung (2015), espera-se que a educação para a cidadania configurada de acordo
com diferentes paradigmas curriculares produza resultados diferentes. Os paradigmas de
cidadania conservadora, liberal e comunitária exibem variedades de personagens e
papéis sociais dos cidadãos. Durante o período autoritário em Taiwan, as autoridades
criaram uma versão conservadora da educação para a cidadania, enfatizando a
moralidade e as obrigações, a fim de cultivar cidadãos "obedientes" que seriam fáceis de
dominar. Na esteira da democratização desde o final dos anos 80, os pensamentos
liberais gradualmente permearam a sociedade taiwanesa. O mais novo currículo de
cidadania, introduzido oficialmente em 2010 em escolas secundárias, se distancia do
conservadorismo em relação a outros dois tipos, como os 18 designers de currículo
entrevistados revelaram na pesquisa. Mudando de um currículo orientado para obrigações
para um currículo baseado em direitos, as novas diretrizes visam enfatizar o valor
indispensável da agência humana e a capacidade crítica e reflexiva do indivíduo. Com
base no "individualismo holista" de Charles Taylor e Wilhelm von Humboldt, é criada uma
abordagem integrativa para superar a tensão liberal-comunitária. O novo currículo está
enraizado no construto liberal e suavizado pelo comunitarismo para evitar a promoção de
indivíduos com interesse próprio e para incentivar a participação social mais ampla.
Fairstein (2016), apresenta uma revisão sobre o currículo de educação cívica.
Explicita que a área experimenta, nos últimos anos, um importante crescimento em
pesquisa e desenvolvimento, devido à crescente atenção que, a partir da área de política,
42

é atribuída como uma ferramenta para o fortalecimento da democracia. Em síntese, o


formato e localização são discutidos no currículo (variando sua denominação, carga de
trabalho e caráter) e o peso dos componentes conceituais e práticos na seleção e
organização de conteúdos educacionais.
Ferrández-Barrueco et al (2016) contextualiza que no século XXI as universidades
são encorajadas a considerar o mercado de trabalho para responder mais rapidamente às
necessidades da sociedade. Neste contexto, as estratégias de aprendizagem baseadas
na experiência de trabalho (WBL) são apresentadas como uma opção relevante a ser
levada em conta. Os estudos de caso foram empreendidos nos países: Alemanha,
Áustria, Espanha, Finlândia, Polônia, Reino Unido e República Checa (14 casos - 2 por
país) atendo-se às engenharias, ciências sociais e humanidades. Os objetivos do projeto
centraram especificamente na busca de exemplos em que as competências e habilidades
válidas para o empregador fossem integradas com as habilidades, o pensamento crítico e
os conteúdos do currículo universitário na perspectiva de currículo integrado. Os
resultados da pesquisa apontaram para diferenças de nível nacional e regional com
sistemas de ensino detendo grande flexibilidade para implementação de currículos e
planos de ensino na perspectiva do WBL, bem como sistemas rígidos, com regulamentos
internos criteriosos e forte enquadramento institucional. Os casos estudados mostraram
diferentes metodologias como a aprendizagem baseada em projetos ou problemas em
que a fronteira entre teoria e prática oscilaram entre metodologias mais livres e outras
tradicionais com clara divisão entre o estudo e o trabalho. Quanto aos elementos comuns
destacou-se a organização dos participantes, a estrutura dos programas e as pessoas
envolvidas. 
Min (2016) analisou a imagem desejável do bom cidadão como espelhado em três
tipos de currículo - pretendido, implementado e alcançado - no contexto de Hong Kong, a
partir das perspectivas do governo da RPC e de professores e estudantes locais em Hong
Kong. Mostrou que os pontos de vista do currículo implementado e atingido sobre a
natureza do bom cidadão em Hong Kong diferem daqueles expressos pelo currículo
pretendido. Refletindo sobre o interesse da República Popular da China em construir a
identidade nacional dos estudantes de Hong Kong como chineses, o bom cidadão
sonhado no currículo pretendido da educação para a cidadania é acrítico mas patriótico,
com um forte senso de pertencer à China, enquanto o currículo implementado e
alcançado não realiza o mesmo sonho para o bom cidadão na prática educativa. Esta
descoberta elucida a discrepância de valores desejáveis para os cidadãos em Hong Kong,
sugerindo que a abordagem nacionalista não é a melhor maneira de reunir os dois
sistemas dentro de um país.
Aman (2017) propõe formas alternativas de pensar o conceito de interculturalidade,
a depender de onde e por quem ele está sendo articulado (a geopolítica e o corpo político
do conhecimento). Para ilustrar isso, o foco foi desviado das políticas da União Europeia e
da UNESCO para a região andina da América Latina, onde a noção de interculturalidade
não é apenas um assunto na agenda educacional, mas também se tornou um
componente central dos movimentos sociais indígenas, que demandam por
descolonização. Parte do argumento deste artigo é que a interculturalidade, com suas
raízes na experiência histórica do colonialismo e no particular, mais do que em afirmações
de universalidade, oferece uma perspectiva sobre a interculturalidade que se apoia em
outras epistemologias. Embora cada um seja o equivalente pretendido do outro, seus
respectivos esquemas de linguagem, o argumento apresentado aqui é que inter-
culturalidad como usada nos Andes não é necessariamente interculturalidade;
consequentemente, os substantivos serão distinguidos ao longo do texto. Enquanto
inseparável uns dos outros, o argumento é que a interculturalidade atualiza uma questão
de direitos epistemológicos e não culturais como a diferença que os contextos
43

geopolíticos de onde os conceitos são articulados vão além das diferenças culturais, pois
são sobretudo coloniais, isto é, eles historicamente encontram-se uns aos outros em
termos assimétricos e desiguais, termos de inação ou subordinação.

3.1 Classificação dos estudos comparados

Phillips e Schweisfurth (2008) apresenta a classificação dos estudos comparados


por Theisen e Adams como: analítica, descritiva, avaliativa ou exploratória (quadro 3).

Quadro 3: Classificação dos estudos comparados


Analítico Quais são as explicações para as relações entre Descrição de papéis
os componentes?

Por que os atores ou sistemas se comportam da Especificação de relações de causa


maneira que fazem? e efeito ou explicação de relações e
consequências.

Descritivo Qual é o status atual dos fenômenos? Descrição de fenômenos ou


condições.

Quais são as relações entre variáveis? Descrição das relações entre


variáveis.

Avaliativo O programa é melhor ou mais rentável do que o Julgamento do mérito, valor ou valor
programa B? de qualquer programa ou técnica.

O programa ou política é apropriado para um Interpretações úteis para a tomada


contexto específico? de decisões.

Exploratório Que questões relativas a papéis, relacionamentos Geração de novas hipóteses ou


e processos existem que são dignas de serem questões
examinadas por outros modos de pesquisa?

Quais modelos, paradigmas ou métodos podem Exploração de relacionamentos e


ser úteis para projetar pesquisas futuras? funções com potencial para pesquisa
em profundidade.

Fonte: (PHILLIPS E SCHWEISFURTH, 2008, p.104). Tradução nossa.

Com base nestes apontamentos, foi possível observar que grande parte dos
trabalhos encontrados nos periódicos configuram pesquisas descritivas que, embora
apresentem substancial contextualização histórica, política, educacional e social,
descrevem em maior grau semelhanças e diferenças ao apresentar as comparações.
Nessa direção, ressalta-se a importância de levantamentos desta natureza para que as
metodologias no terreno dos Estudos Comparados possam ser identificadas e utilizadas
com vistas à produção científica que, neste trabalho, optamos por focalizar na temática do
currículo. A maioria dos estudos foram realizados entre currículos de mais de um país.
44

CONCLUSÃO

Percebemos com o atual trabalho que os estudos comparados em educação


representam a busca no diálogo com diversas áreas do conhecimento, diferentes formas
de abordagem e análise dos problemas educacionais nas sociedades contemporâneas.
Foi possível identificar - ressalvadas as diferenças de contexto - que o currículo se
apresenta diretamente ligado ao projeto social em que se ressalta a formação para o
trabalho, as diferentes concepções de ensino-aprendizagem no contexto mais amplo
social, econômico, político e cultural no qual as pesquisas foram empreendidas. 
Nessa direção, destacaram-se as potencialidades de desenvolvimento curricular a
partir da integração e da interdisciplinaridade, haja vista a complexa rede de
possibilidades e arranjos curriculares no campo das políticas educacionais. Perante o
exposto, a perspectiva dos Estudos Comparados se mostrou um terreno rico para o
empreendimento de novas pesquisas na temática do currículo, configurando uma lente
teórica consistente para a compreensão das formas de organização curricular a partir da
comparação metodologicamente construída e aplicada. Assim, esperamos que o trabalho
possa trazer a sua contribuição aos pesquisadores e professores que investigam a
educação na perspectiva comparada.

AGRADECIMENTOS

À Profa. Drª Wivian Weller, pelo subsídio epistemológico no campo dos Estudos
Comparados.

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