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Questões sobre os oito livros da Física de

Aristóteles (trechos)
Jean Buridan (ca. 1295-1358)

Livro 08, questão 12


1. Investiga-se se um projétil, após deixar a mão do lançador é movido
pelo ar, ou por quê ele é movido.
Argumenta-se que ele não é movido pelo ar, pois o ar parece resistir,
já que é necessário que ele seja dividido. Além disso, se você disser que o
atirador moveu inicialmente o projétil e o ar ambiente junto com ele, e então
o ar, tendo sido movido, move o projétil ainda além, até tal e tal distância,
continuaria a dúvida sobre o que move o ar depois que o atirador cessou de
movê-lo. Pois, há tanta di…culdade em relação a isso (ao movimento do ar)
quanto em relação à pedra que é atirada.
[...]
2. Considero essa questão muito difícil, pois Aristóteles, parece-me, não
a resolveu bem. Pois, ele cita duas opiniões. A primeira, que ele denomina
antiperistasis, supõe que o projétil deixa rapidamente o lugar em que estava,
como a natureza não permite um vácuo, o ar rapidamente preenche o espaço
vazio. O ar assim movido rapidamente e atingindo o projétil, impele-o mais
além. Isso se repete continuamente até certa distância [...]. Mas, apesar de
tal solução, parece-me que este método não tem valor, por causa de muitas
experiências.
A primeira experiência refere-se ao pião e a roda, que se movem por muito
tempo, sem deixar seus lugares. Portanto, não é necessário que o ar vá atrás
e preencha o lugar de onde parte um pião desse tipo, ou uma roda. Assim,
não se pode dizer (que o pião e a roda são movidos pelo ar) dessa maneira.
A segunda experiência é esta: uma lança que tenha na porte posterior um
cone tão agudo quanto sua ponta, move-se após ser lançada tão rapidamente
quanto no caso em que não tem o cone posterior. Mas, certamente o ar
não poderia empurrar atrás uma terminação aguda tão bem, pois o ar seria
facilmente dividido pela ponta aguda.
A terceira experiência é esta: quando um barco é puxado rapidamente em
um rio, mesmo contra a correnteza, após cessar-se o puxão, ele não pode ser

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parado rapidamente, mas continua a mover-se muito tempo. E, no entanto
um marinheiro no convés não sente qualquer vento empurrando-o por trás.
Ele apenas sente o ar à sua frente, resistindo. Além disso, supunha que o
dito navio estivesse carregado com grão ou madeira, e um homem estivesse
situado atrás da carga. Então, se o ar tivesse um ímpeto tão forte que fosse
capaz de empurrar o barco tão fortemente, o homem seria violentamente
empurrado para a carga, pelo ar de trás. A experiência mostra que é falso.
Ora, pelo menos se o barco estivesse carregado com grãos ou palha, o ar
vindo de trás e empurrando encurvaria os ramos que estivesse atrás. Isso
também é falso.
3. Outra opinião, que Aristóteles parece aprovar, é que o atirador move o
ar adjacente ao projétil junto com o projétil, e que o ar rapidamente movido
tem poder de mover o projétil. Ele não quer dizer com isso que o mesmo
ar se move do lugar da projeção até o lugar onde o projétil para, mas que o
ar próximo ao atirador é movido por ele, e que esse ar que foi movido move
outra parte do ar próximo a ele, e essa parte move outra, até uma certa
distância. Assim, o primeiro ar move o projétil até o segundo ar, e o segundo
ar até o terceiro ar, e assim por diante. Aristóteles diz, portanto, que não há
movente, mas muitos. Portanto, ele também conclui que o movimento não é
continuo, mas consiste em entidades sucessivas ou contíguas.
Mas, essa opinião e método parece-me tão impossíveis quanto a opinião
e método precedente. Pois, esse método não pode resolver o problema de
como o pião ou a roda giram depois que a mão foi removida. Pois, se você
prender o ar em todos os lados em torno de uma roda por um pano, a roda
não para por causa disso, mas continua a mover-se muito tempo. Portanto
ela não é movida pelo ar.
Da mesma forma um barco puxado rapidamente move-se muito tempo
depois que se parou de puxá-lo. O ar em volta não o move, pois se ele fosse
coberto por um pano e o pano com o ar circundante fosse retirado, o barco
não pararia seu movimento por isso. E mesmo se o barco estivesse carregado
com grão ou palha e fosse movido pelo ar ambiente, então esse ar deveria
soprar ramos para frente. Mas, vê-se o contrário, que os ramos são soprados
para trás, por causa do ar ambiente que resiste.
Além disso, o ar, por mais depressa que ele se mova, é facilmente divi-
dido. Portanto, não é evidente como ele poderia sustentar (o movimento) de
uma pedra que pesa mil libras (aproximadamente 450 kg), atirada por uma
máquina.
Além disso, você pode, empurrando sua mão, mover o ar adjacente, se
não há coisa alguma em sua mão, tão rapidamente ou mais rapidamente do
que se você estivesse segurando em sua mão uma pedra que deseja lançar.
Se, portanto, o ar, por causa de sua velocidade, tem um ímpeto su…ciente

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para mover a pedra rapidamente, parece que se eu impelisse o ar em direção
a você com igual rapidez o ar deveria empurrá-lo impetuosamente, e com
força sensível. Mas, não percebemos isso.
Além disso, segue-se que você atiraria uma pena mais longe do que uma
pedra, e algo menos pesado mais longe do que algo mais pesado, supondo
iguais tamanhos e formas. A experiência mostra que isso é falso. A conse-
qüência é clara, pois, o ar, tendo sido movido, deveria sustentar ou carregar
ou mover uma pena mais facilmente do que algo mais pesado.
[...]
4. Assim, podemos e devemos dizer que na pedra ou outro projétil existe
alguma coisa impressa que é a força motriz (vitrus motiva) daquele projétil.
E isso é evidentemente melhor do que recair na a…rmação de que o ar continua
a mover esse projétil. Pois, o ar parece, pelo contrário, resistir. Portanto,
parece-me que se deve dizer que o motor ao mover um corpo imprime nele
certo ímpeto (impetus) ou certa força motriz (vis motiva) sobre o móvel,
na direção em que o movente estava movendo o móvel, seja para cima ou
para baixo, ou lateralmente, ou circularmente. E quanto mais rapidamente
o movente mover esse móvel, tanto mais forte será o ímpeto que ele lhe
imprimirá. É por esse ímpeto que a pedra é movida depois que o atirador
cessou de mover-se. Mas, esse ímpeto é continuamente diminuído pelo ar
resistente e pela gravidade da pedra, que a inclina para uma direção contrária
aquela para o qual o ímpeto estava naturalmente predisposto a movê-la.
Assim, o movimento da pedra se torna continuamente mais lento, e …nalmente
esse ímpeto …ca tão diminuído ou corrompido que a gravidade da pedra o
vence, e move a pedra para baixo, para seu lugar natural.
Esse método, parece-me, deve ser defendido, pois os outros métodos não
parecem ser verdadeiros, e também porque todas as aparências estão em
harmonia com esse método.
5. Pois, se alguém investiga por eu lanço uma pedra mais longe do que
uma pena, e ferro ou chumbo do tamanho de minha não mais longe do que
igual quantidade de madeira, eu respondo que a causa disso é que a recepção
de todas as formas e disposições naturais ocorre na matéria e pela matéria.
Portanto, quanto mais matéria houver, maior o ímpeto e maior a intensidade
que o corpo pode receber. Ora, em um corpo denso e pesado, se tudo o mais
for igual, há mais matéria do que em um leve e rarefeito. Portanto, um corpo
denso e pesado recebe desse ímpeto, e mais intensamente, assim como o ferro
pode receber mais calor do que a madeira ou água de mesma quantidade.
Além disso, uma pena recebe um ímpeto tão fraco, que tal ímpeto é ime-
diatamente destruído pelo ar resistente. E assim também, se madeira leve
e ferro pesado de mesmo volume e forma movidos igualmente depressa pelo
atirador, o ferro se moverá até uma distância maior, pois nele há um ímpeto

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mais intenso, e ele não se corrompe tão depressa quanto o menor ímpeto se
corrompe. Essa é também a razão pela qual é mais difícil parar uma grande
roda que está se movendo rapidamente do que uma pequena, evidentemente
porque na maior, se tudo o mais for igual, há mai ímpeto. E por essa razão
você pode atirar uma pedra de peso igual a meia libra (aproximadamente
230 gramas) ou uma libra (aproximadamente 450 gramas) mais longe do que
pode atirar um milésimo dela (aproximadamente cinco miligrama). Pois, o
ímpeto nessa milésima parte é tão pequeno que é imediatamente vencido pelo
ar resistente.
6.Por essa teoria vê-se também a causa pela qual o movimento natural
de um corpo pesado, para baixo, torna-se continuamente mais veloz. Pois,
inicialmente há apenas a gravidade a movê-lo. Portanto, ele se move deva-
gar, mas ao movê-lo (gravidade) imprime no corpo pesado um ímpeto. Esse
ímpeto agora, junto com sua gravidade, move o corpo. Portanto, o movi-
mento se torna mais rápido; e quanto mais rápido, maior se torna o ímpeto.
Portanto, o movimento se torna evidentemente continuamente mais rápido.
[...]
Além disso, como a Bíblia não a…rma que há inteligências apropriadas
movendo os corpos celestes, pode ser dito que não parece ser necessário supor
inteligência desse tipo, pois, seria respondido que deus, ao criar, moveu cada
um dos orbes celestes como desejava, e ao movê-los ele lhe imprimiu ímpetos
que moveram sem que fosse necessário que ele os movesse mais, exceto pelo
método de in‡uência geral pelo qual ele atua como co-agente em todas as
coisas que acontecem; "pois assim no sétimo dia. ele descansou de todo o
trabalho que havia executado, e deixou a outros as ações e paixões." E esse
ímpeto que Ele imprimiu nos corpos celestes não diminuiu ou se corrompeu
depois, pois os corpos celestes não têm tendência a outro movimento. Nem
resistência que pudesse corromper ou reprimir esse ímpeto. Mas, isso eu não
digo a…rmativamente, mas hipoteticamente, de tal modo que eu possa receber
dos mestres em teologia aquilo que eles possam ensinar-me sobre essas coisas,
sobre como tudo isso ocorre [...].

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