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Pragmática

Universidade Federal da Paraíba


Calendário suplementar: 2019.4
Oriana Fulaneti
POLIDEZ
Perguntas motivadoras

• Como as pessoas se relacionam entre si? Elas


cooperam umas com as outras? Evitam
conflitos? São solidárias?
• Que regras ou princípios de comportamento
atuam como reguladoras das interações
humanas?
Polidez: etimologia do termo

• Raiz latina: politus – brilhoso


• Raiz grega: politizmos – civilidade, progresso
social.
• Dicionário Houaiss online: 1. caráter ou
qualidade do que é polido; 2. atitude gentil,
cortesia, civilidade.
Polidez e cortesia

• Corte francesa (final do século XVII, início do


século XVIII): boas maneiras, etiqueta.
• Necessidade de agir de acordo com as normas
sociais para ser considerado “cortês”.
• Construção da visão de superioridade da
nobreza.
• Resquícios atuais: fulano é educado, é “de
berço”, é “bem nascido” etc.
(PAIVA, 2008, p.23-25)
Polidez linguística

• Polidez, de forma geral: convenção social, pacto,


conjunto de normas.
• Pressuposto da polidez linguística: pacto de
paz/harmonia.
“A noção de ‘polidez’ é aqui entendida em sentido
amplo, recobrindo todos os aspectos do discurso que
são regidos por regras, cuja função é preservar o
caráter harmonioso da relação interpessoal.
(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 77)
Linguagem e interações sociais

• Interações sociais geram


tensão/relaxamento: guerras, festas etc.
• Atos de fala (ação por meio da linguagem)
são elementos fundamentais na construção
do equilíbrio/desequilíbrio nas interações:
injúria, insulto, desacato, elogio,
agradecimento, pedido de desculpas...
Face para Goffman

• “imagem pública, negociada e interiorizada


pelo falante, que este quer ver socialmente
aprovada, segundo as normas e valores
estabelecidos pelos membros de uma
comunidade”
• “seria então uma noção psicológica e social
de autoestima” (RODRIGUES, 2014, p. 158)
Face para Goffman

• Para Goffman (2011), a manutenção e preservação da face


envolve sentimentos como honra (dever social), orgulho
(dever a si mesmo), dignidade (manutenção da postura).
• As pessoas investem energia mental e emocional em sua
representação social: busca de prestígio, preocupação com a
reputação.
• Nações, marcas, times ... também constroem faces (estudos
de Sociologia, Publicidade, entre outras).
• Face é um empréstimo social e, por isso, pode ser tirada do
sujeito.
Face para Brown e Levinson

• Face positiva: “conjunto de imagens valorizantes


que os interlocutores constroem de si e que tentam
impor na interação”
• Face negativa: territórios do eu (território
corporal, espacial ou temporal, bens materiais
ou saberes secretos...)
(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 78)
Situações constrangedoras:
como (re)agir?

• Você está na lanchonete e pede um hambúrguer e,


no lugar, recebe um misto quente.
• Você emprestou dinheiro a um colega. Três meses
depois, ele não lhe pagou e nem tocou no assunto.
• Você emprestou um livro para um amigo e ele
devolveu danificado.
• Você está sem crédito no seu celular e precisa fazer
uma ligação urgentemente. Sua amiga lhe empresta
o celular e, ao desligar, você, sem querer, apaga
algum arquivo dela.
Exemplos de ameaça à face
negativa
Ameaça à face negativa
• Território temporal: você poderia me fazer um favor? Você
está ocupada? Você estava dormindo?
• Território espacial: aparecem na tua casa sem avisar.
• Território corporal: referências inadequadas a partes do corpo.
• Segredos/tabus: perguntas indiscretas (preferências sexuais,
salário etc)
• Bens materiais: pedem algo emprestado, pedem dinheiro no
ônibus, no sinal.
• Ordens, pedidos, sugestões, conselhos etc.
Exemplos de ameaça à face
positiva

• Crítica: precisa de uma revisão no


texto...
• Acusação: a última pessoa que usou o
computador foi você...
• Reclamação: você está 40 min
atrasada...
Situações constrangedoras:
como (re)agir

O que considerar na decisão?


• Gravidade do ato
• Distância social
• Relação de poder
• Situação (sem querer? De propósito?)
Ameaça a face implicitamente

De forma indireta. O enunciador não se


responsabiliza pelo dito.
• Subentendidos: insinuações, ironias
• Tautologias
• Metáforas
• Enunciados vagos
• etc
Ameaça a face explicitamente

• Sem ação reparadora: insulto, injúria,


desacato.
• Com atos reparadores: as estratégias
de polidez.
Manifestações linguísticas da
polidez

• Os atos reparadores (suavizadores) podem


ser de natureza não verbal: suavização da
voz, sorriso, inclinação da cabeça etc.

• os suavizadores de natureza verbal dividem


–se em substitutivos e acompanhantes.
Atos reparadores:
procedimentos substitutivos

• Formulação indireta: para ordem, reprovação,


refutação, confissão de incompreensão etc
• Desatualizadores modais, temporais ou pessoais
• Pronomes pessoais
• Lítotes, eufemismo, tropo comunicacional
Atos reparadores: procedimentos
subsidiários (acompanhantes)

• Uso de enunciado preliminar


• Pedidos de desculpas, justificação
• Minimizadores
• Modalizadores
• Desarmadores
• Moderadores
Muitas vezes, o que se tem é um acúmulo de
recursos e não apenas um único – (KERBRAT-
ORECCHIONI, 2006, p.90)
Polidez positiva e negativa
Brow e Levinson

• Polidez negativa: ação de reparo dirigida à face


negativa de um indivíduo e é a marca de um
comportamento extremamente respeitoso.
• Polidez positiva: uma ação de reparo dirigida à face
positiva desse indivíduo e destaca-se como uma
forma de minimizar o distanciamento social.
(RODRIGUES, 2014, p. 165-166)
Estratégias de polidez
Orecchioni

• Polidez negativa: abrandar a ameaça à face


positiva ou negativa.

• Polidez positiva: utilizar uma estratégia


positiva, para “elevar” a face positiva ou
negativa.
Estratégias de polidez positiva
(Orechionni)

• Manifestação de acordo
• Convite
• Agradecimento
• Elogio
• Oferta
• Enquanto os FTAs tendem a ser minimizados, os FFAs
são potencializados, ou seja, há uma tendência de se
produzir críticas de modo contido e elogios de modo
exacerbado, superlativo:
- Está um pouco salgado.
X
- Está divino! Delicioso!
Polidez: balanço

• A polidez é a norma: observa-se que o


enunciado polido é dito muito mais
fluidamente do que o “impolido”,
normalmente mais demorado, com mais
ressalvas.
• Lei da modéstia: aconselha-se evitar e/ou
minimizar o autoelogio.
Conflitos no interior do sistema
da polidez
• Respeitar o território do outro x mostrar
interesse
• Preferir o acordo x refutar o elogio (ser
modesto)
• Ser sincero x ser polido
Polidez: balanço

• A polidez é uma necessidade social.


• A polidez é um fenômeno universal para garantir as
interações.
• As formas de polidez variam de uma cultura para
outra.
• Trata-se de um comportamento “contra a natureza”
humana, que tende a ser egoísta.
Alguns exemplos

Diálogo entre Benjamin e um integrante do circo – acrobata

- A gente acha que precisa dar uma sacudida nas coisas, uma
repaginada. O povo adora artista gringo, a gente pinta o
cabelo de loiro e fala que é russo. Tu podia arrumar o
dinheiro para a gente fazer isso?
- Depois a gente vê isso.

Todos são trechos do filme O palhaço, lançado em 2011, com direção e atuação de
Selton Mello.
Diálogos e análise encontram-se no seguinte trabalho:
ROCHA, Flávia Andrade. A polidez como estratégia de preservação da face.
TCC em Letras. UFPB, 2014.
Alguns exemplos

• Primeira justificativa: “A gente acha que


precisa dar uma sacudida nas coisas, uma
repaginada”.
• Segunda justificativa: “O povo adora artista
gringo, a gente pinta o cabelo de loiro e fala
que é russo”.
• Pedido: “Tu podia arrumar o dinheiro para a
gente fazer isso?”.
Alguns exemplos

• O prefeito da cidade oferece aos membros do circo


um banquete. E, ao final do almoço, o prefeito diz:
- Benjamin, sabe o que é que é? Meu filho. Acho que
nasceu para artista, a gente sente essas coisas, né?
Olha, eu ia ficar lisonjeado se ele pudesse fazer uma
participação com vocês amanhã. Será que eu posso
pedir para ele declamar um poeminha que ele
escreveu de próprio punho?
• ...

Alguns exemplos

- Benjamin, sabe o que é que é? Meu filho.


Acho que nasceu para artista, a gente sente
essas coisas, né? Olha, eu ia ficar lisonjeado se
ele pudesse fazer uma participação com vocês
amanhã. Será que eu posso pedir para ele
declamar um poeminha que ele escreveu de
próprio punho?
• ...
Polidez, Linguística e
Pragmática

• A linguagem é considerada ação. As trocas


linguísticas são práticas sociais – agir sobre o
outro.
• O outro pode agir verbalmente. Modo
explícito: performativos.
• As interações pressupõem cooperação e busca
de harmonia.
• Os atos de fala indiretos e as quebras das
máximas conversacionais são recursos bastante
empregados como estratégias de polidez.
Alguns exemplos

• Contexto: jogo de futebol entre o Cruzeiro e o


Atlético Mineiro (03/11/2019)
Torcedor ao segurança: “Você pôs a mão em mim,
olha sua cor”
Você pôs a mão em mim = tire as mãos de mim
(ameaça à face sem intenção reparadora)
olha sua cor = ameaça implícita.
Forma indireta de dizer que pessoas daquela cor não
têm poder sobre as pessoas da cor do falante.
Alguns exemplos

• Diante da repercussão, o agressor foi à


imprensa se retratar:
“Eu não sou racista. Estou arrependido por
aquilo que falei. Falei num momento de ânimos
exaltados na hora do jogo. Quero pedir perdão a
ele, por todos os insultos que eu fiz, pelo cuspe
que eu proferi. Aquilo não é da minha índole.
Sou pai de família, crio minhas filhas para
respeitar todos os seres humanos. Se tiver uma
oportunidade, pessoalmente, quero pedir
perdão pelo meu ato, naquele momento”
Alguns exemplos

• Lapso verbal: proferi o cuspe, fiz insultos (palavra


como ação)
• Declara arrependimento, mas apresenta atenuantes
(hora do jogo, ânimos exaltados).
• Sou pai de família: um sujeito do ambiente familiar,
virtuoso. O estádio foi uma exceção (não sou assim)
• Se tiver oportunidade, quero pedir perdão: coloca-
se à disposição da vítima.
(GUARANHA; GOMES, 2019)
Referências

BROWN, P; LEVINSON, S. Politeness: some universals in language usage.


Cambridge: University Press, 1987.
GUARANHA, Manoel Franciso; GOMES, Álvaro Cardoso. Casos de violência verbal no
futebol e nas redes de computados à luz da teoria dos atos de linguagem. Cadernos
de linguagem e sociedade, 20 (especial), 2019, p. 135-149.
GOFFMAN, E. Ritual de interação: ensaios do comportamento face a face.
Petrópolis: Vozes, 2011.
KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Análise da conversação: princípios e métodos.
Trad. Carlos Piovezani Filho. São Paulo: Parábola Editorial, 2006
PAIVA, Georgia M. Feitosa. A polidez linguística em sala de bate papo na internet.
Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Linguística). UFC, 2008.
ROCHA, Flávia Andrade. A polidez como estratégia de preservação da face. TCC
em Letras. UFPB, 2014.
RODRIGUES, Jan Edson. Polidez e indiretividade. In: ESPÍNDOLA, Lucienne (org.)
Teorias pragmáticas e ensino. João Pessoa: Editora da Universidade/UFPB, 2014.

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