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nário natural da revolução industrial. Profunda-
mente inserida na construção do espaço entre os
Estados soberanos,surge uma nova ordem produ-
tiva sob a égide da divisão internacional do traba-
lho. Em 1802, a língua francesa ratifica esse novo
projeto de economia política mundial ao incor-
porar o anglicismo “international”.
O Caudal do Iluminismo
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as fronteiras.Apostrofando o censor, Denis Dide-
rot (1713-1784) escreve em sua Carta sobre o
Comércio de Livros, em 1763: “Podereis ponti-
lhar, prezado senhor, toda a extensão de vossas
fronteiras com soldados, armá-los com baionetas
para que rechassem quaisquer possíveis amea-
ças, mas estes livros, queirai perdoar-me a ex-
pressão, passarão pelo meio de suas pernas e, sal-
tando por suas cabeças, saberão chegar até nós.”
O paradoxo do Iluminismo é que, para
ilustrar os benefícios da livre circulação das
idéias e mercadorias, os autores da Enciclopé-
dia não hesitam em invocar a seu favor a China
do despotismo esclarecido.Voltaire (1694-1778)
engrandece o papel desempenhado pelas gaze-
tas de notícias da Corte de Pequim na gestão da
coisa pública enquanto François Quesnay
(1694-1774), primeiro teórico dos fluxos da ri-
queza, louva a perfeição das estradas e dos ca-
nais no Império do Meio para legitimar a divisa
da escola fisiocrática: Laissez faire, laissez pas-
ser (Deixai fazer, deixai passar).
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aqueles que, por sua condição, eram os únicos
que podiam comunicar-se fluentemente e todos
os demais, tidos como ineptos para a comunica-
ção entre si, a política revolucionária de unifica-
ção lingüística visava absorver as diferenças e
derrubar as barreiras dos particularismos rema-
nescentes do feudalismo e das monarquias ab-
solutas. Para o déspota, declara Bertrand Barère
em 1794 ante o Comitê de Saúde Pública, “era
imperioso isolar os povos, separar os países, en-
fraquecer interesses, dificultar as comunica-
ções, suspender a simultaneidade das idéias e a
identidade dos movimentos”.A unidade lingüís-
tica libera as energias do “caudal do Iluminis-
mo” e converte cada tipógrafo num “mestre pú-
blico de língua e legislação”.
Para possibilitar as relações, era necessário
não apenas “acabar com os dialetos e adotar uni-
versalmente a língua francesa” (título do relató-
rio do abade Dom Gregório, em junho de 1794),
mas também “revolucionar o próprio idioma”.
Condorcet havia já há muito sonhado com uma
“língua universal”, rigorosa como a geometria e
que seria fruto da “aplicação dos métodos mate-
máticos a novos objetos”. A política lingüística
dos revolucionários é obcecada por um modelo
de “língua universal”: a linguagem de sinais. A
linguagem dos surdos-mudos, inventada pelo
abade de l’Epée e aperfeiçoada por Dom Sicard,
exerce grande fascínio sobre muitos dentre eles.
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3. Comunicação por sinais. - A invenção
do telégrafo de tipo visual pelos irmãos Chappe
insere-se nessa busca por uma “linguagem de si-
nais”. Este sistema repousa sobre um princípio
lingüístico: quanto maior for a quantidade de si-
nais disponíveis, menor será a quantidade ne-
cessária para transmitir uma informação, e mais
rápida será essa transmissão. Por ocasião da
inauguração da primeira linha em 1794, Barère
exulta:“É um meio que tende a consolidar a uni-
dade da república pela ligação íntima e imedia-
ta com que favorece as partes. Os povos mo-
dernos, pela invenção da imprensa, da pólvora,
da bússola e da linguagem de sinais telegráficos
conseguiram derrubar os grandes obstáculos à
civilização humana.” Surgem as especulações so-
bre o possível emprego civil desta técnica; os
pensadores revolucionários acreditavam que
bastaria multiplicar as linhas e publicar seu alfa-
beto cifrado para possibilitar a todos os cida-
dãos da França “comunicar entre si suas idéias e
anseios”. Ficariam assim reproduzidas, em esca-
la nacional, as condições da ágora grega e, ao
mesmo tempo, o argumento de Jean-Jacques
Rousseau contra a possibilidade das “grandes
Repúblicas democráticas” perderia todo seu va-
lor.Assim, desde os primeiros tempos, a técnica
da comunicação a distância ficou consagrada
como um sinal da nova democracia.
A seqüência da história é conhecida. O re-
gime de exceção, que lhe havia destinado para
uma finalidade exclusivamente militar e havia
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decretado o segredo dos códigos, tornou-se re-
gra. A “linguagem de sinais telegráficos” perma-
neceu por longo tempo um segredo de Estado.
Foi necessário esperar quinze anos após a in-
venção do telégrafo elétrico (1837) para que o
público fosse autorizado a utilizar esse meio de
comunicação. O socialismo utópico compensa
esse ostracismo da expressão do cidadão confe-
rindo às técnicas de comunicação um papel es-
sencial na construção da Cidade comunitária.
Precedendo a implementação do telégrafo elé-
trico, Charles Fourier (1772-1837) transforma a
linguagem de sinais em base da “unidade uni-
versal” e inventa a “transmissão mirágica” que,
retransmitida pelo planeta Mercúrio, estabelece
uma ligação entre Londres e a Índia em menos
de quatro horas.
Construída em formato de estrela tendo a
capital em seu centro, como todas as grandes re-
des posteriores e como a rede de estradas que a
precedeu, a rede do telégrafo visual garante a
comunicação com as importantes praças fortes
das fronteiras e do litoral e das grandes cidades.
Sob o Império, ela chega até Viena, Amsterdã e
Mayence, somente perdendo sua importância
internacional com a queda de Napoleão.
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