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Orientador:
Professor Doutor Vasco Branco Guimarães, Professor Auxiliar do ISCTE
– Instituto Universitário de Lisboa –
Outubro, 2018
Resumo
Por fim, desenvolvemos uma solução para fazer face aos desafios da economia digital,
sobretudo a dificuldade em determinar a jurisdição fiscal competente, apresentada pela
OCDE, no âmbito do projeto BEPS, e recentemente concretizada pela Comissão
Europeia.
Pretendemos assim contribuir para uma reflexão sobre as implicações a nível tributário
da digitalização da economia e sobre a admissibilidade de um elemento de conexão
baseado na presença económica significativa através de uma presença digital
significativa.
Palavras-chave:
ii
Abstract
This characteristic has a profound effect on direct taxation, namely on the operation of
the traditional elements upon which taxation relied, strongly dependent on the existence
of physical elements.
Firstly, we shall analyse the basic principles of International Tax Law, in order to
contextualize the impact of technological developments on the economy and taxation.
Secondly, we shall consider the issue of digital economy. With recourse to the reports
produced by international organizations, we shall identify the main characteristics and
challenges, namely regarding the operation of the traditional elements upon which
taxation relied.
Key-words:
iii
Índice
Índice de Figuras ...................................................................................................................vi
Introdução .............................................................................................................................. 9
Objeto .................................................................................................................................... 9
Estrutura .............................................................................................................................. 11
iv
2.1.3. A importância da informação ................................................................................. 69
v
Índice de Figuras
Figura 1. Proposta Regime Tributário (Fonte: Serviços da Comissão Europeia) ..................... 134
Figura 2. Imposto sobre serviços digitais (Fonte: Serviços da Comissão Europeia) ................ 138
vi
Glossário de siglas
vii
8
Introdução
Objeto
9
No entanto, os atuais elementos de conexão, nomeadamente o estabelecimento
estável, não conseguem captar as atividades digitais, para as quais a presença física deixou
de ser um requisito.
10
Estrutura
Com o intuito de cumprir o objetivo a que nos propomos começaremos por
abordar a questão dos conflitos de tributação internacional, por forma a compreender a
necessidade de desenvolvimento de mecanismos que dirimam estes conflitos permitindo
a atribuição e repartição do poder tributário dos Estados.
Ainda neste capítulo, abordaremos em específico uma das soluções proposta pela
OCDE para ultrapassar os desafios colocados pela economia digital: um novo elemento
de conexão baseado no conceito de presença económica significativa. Faremos também
menção à recente concretização deste novo elemento de conexão por parte da Comissão
Europeia através de uma proposta de Diretiva.
11
12
Capítulo 1. Os conflitos de tributação internacional
1
Uma situação de concurso de normas.
2
Importa referir que o facto tributário é um facto de estrutura complexa, constituído por diversos
aspetos: material, subjetivo, espacial e temporal.
3
O conceito de dupla tributação tem subjacente um caso de concurso de normas. Há concurso de normas
quando o mesmo facto se integra na previsão de duas normas jurídicas diferentes.
4
Distinto do conceito de dupla-não tributação aparece o conceito de evasão fiscal internacional, muitas
vezes associado à questão da dupla tributação. Como referido, o conceito de dupla-não tributação surge
associado aos casos de situações jurídicas que, não obstante a aparente integração na previsão de normas
de diferentes Estados, acabam por não ser alvo de tributação por nenhum deles. Por sua vez, o conceito
de evasão fiscal internacional – enquanto ação voluntária de escapar ao pagamento dos tributos
(impostos) estipulados por lei –, pode compreender duas aceções distintas: i) atos ilícitos pelos quais o
contribuinte viola os deveres decorrentes de uma relação jurídica tributária; ii) atos lícitos pelos quais um
particular, influenciando voluntariamente elementos de conexão, procura evitar a aplicação de certo
ordenamento jurídico. Nesta segunda aceção englobaria, além da tax evasion propriamente dita, a figura
da tax avoidance ou elisão fiscal internacional. Para uma análise mais detalhada do conceito de dupla-não
tributação e evasão fiscal internacional, vide (Xavier, 2011, pp. 44-49). De referir ainda que associados à
questão da evasão fiscal internacional aparecem os regimes de tributação privilegiada, claramente mais
favoráveis, comumente conhecidos por “paraísos fiscais”, criados por alguns Estados, através da respetiva
legislação, com o objetivo de atraírem pessoas e/ ou capitais aos seus territórios. Neste sentido, Lista dos
países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, conforme Portaria n.º 150/2004, de
13 de fevereiro, disponível em www.dre.pt.
13
De todo o modo, os conflitos positivos são mais frequentes e tendem a ter um
maior impacto na manutenção e desenvolvimento das relações económicas
internacionais. Neste sentido, por forma a evitar o risco de uma possível tributação por
mais de um Estado, de uma mesma situação, muitos agentes económicos poderão optar
por não desenvolver a sua atividade com mais de uma ordem jurídica. 5
Todavia, para haver dupla tributação (aqui já entendia como conflito positivo de
normas, dado o particular interesse para o objeto deste trabalho) é indispensável que se
verifique a identidade do facto e a pluralidade de normas tributárias6.
Caso não estejamos perante um “mesmo facto”, quando normas distintas recaiam sobre
factos diversos, então não há dupla tributação.
Neste sentido, e através de uma regra formulada pela doutrina que se tem ocupado
da construção do conceito de dupla tributação – a regra das quatro identidades –, para
que se possa falar de identidade do facto mostra-se necessário ocorrer a (i) identidade do
objeto, (ii) a identidade do sujeito7, (iii) a identidade do imposto8 e (iv) a identidade do
período tributário910.
5
Pense-se no quão gravoso seria para uma sociedade comercial ser tributada pelo Estado em cujo
território tem a sua sede, por todos os rendimentos obtidos, e ser tributada, por esses mesmos
rendimentos, nos diversos Estados onde não tenha sede, mas desenvolva a sua atividade.
6
No mesmo sentido, (Nabais, A Soberania Fiscal no actual quadro de internacionalização, integração e
globalização económicas, 2006, p. 500 e ss).
7
Sobre a identidade dos sujeitos, muito tem sido as divergências e posições díspares suscitadas sobre a
sua essencialidade ao conceito de dupla tributação. Há quem entenda que a identidade do sujeito não é
exigida, bastando-se assim a dupla tributação com as restantes três identidades. Não sendo oportuno
detalhar a problemática em causa, entendemos ser de exigir para a existência de dupla tributação a
identidade do sujeito, distinguindo assim a dupla tributação jurídica – em que a identidade se verifica –
da dupla tributação económica (ou dupla imposição económica ou, ainda, sobreposição de impostos) –
em que a identidade do objeto coexiste com a diversidade de sujeitos. Como referido anteriormente, a
dupla tributação económica não é ainda objeto de tratamento por parte do Direito Fiscal Internacional ou
do MC OCDE (não obstante algumas Convenções entretanto celebradas já contenham algumas normas
que procuram ultrapassar o problema) o que se lamenta. Ainda, para uma análise mais detalhada do
problema da identidade dos sujeitos, vide (Xavier, 2011, pp. 35-36).
8
Ou seja, quando o facto integra a hipótese de incidência de duas normas tributárias materiais distintas,
deve fazê-lo por referência se não a impostos idênticos, pelo menos análogos.
9
O requisito da identidade do período só fará sentido em sede dos impostos periódicos por natureza.
10
Como nos ensina ALBERTO XAVIER, “(…) a averiguação da identidade pressupõe, por vezes, um problema
de “adaptação” (Anpassung, Angleichung), entendido este conceito com o significado específico que
assume na Teoria Geral do Direito de Conflitos. E isto é assim, porque as normas em concurso provêm de
ordenamentos distintos, inspirados por princípios porventura diversos, utilizando técnicas e conceitos
diferentes também, de tal sorte, que a comparação não pode ater-se a critérios formais rígidos” (Xavier,
2011, p. 34). Em sentido semelhante, refere José Casalta Nabais que, “tanto no respeitante à identidade
do sujeito, como no respeitante à identidade do imposto, não nos devemos guiar por rígidos critérios
formais, considerando que as mesmas se verificam sempre que haja uma identidade substancial. Por
exemplo, no respeitante à identidade do imposto, o que é necessário é que dos aspectos materiais e bases
14
Além da identidade do facto11, o conceito de dupla tributação implica ainda a
pluralidade de normas.
Como nos ensina ALBERTO XAVIER, “o instituto da dupla tributação foi haurir as suas
raízes na problemática dos conflitos de leis no espaço, no princípio da territorialidade,
isto é, nas questões referentes aos concursos de normas interterritoriais, tendo sido
sempre alheia à matéria de delimitação dos diversos poderes tributários concorrentes
dentro de um mesmo território, ou seja, concursos intraterritoriais”.
A dupla tributação traduz-se, face ao exposto, num concurso real de normas, cuja
aplicação autónoma e independente resulta na produção conjunta das consequências
de cálculo ou de outras características resulta uma analogia substancial” (Nabais, A Soberania Fiscal no
actual quadro de internacionalização, integração e globalização económicas, 2006, p. 501).
11
Refira-se, entre a doutrina portuguesa, a rejeição por MIGUEL PIRES da regra das quatro identidades. Para
uma análise mais detalhada desta posição, vide (Pires M. , 1984, pp. 70-76).
12
Não nos ocuparemos, neste trabalho, do tema da dupla tributação interterritorial dadas as suas
especificidades técnicas e a irrelevância para as conclusões que pretendemos apresentar a final. Todavia,
sobre o tema vide (Xavier, 2011, pp. 37-38).
13
Por outro lado, importará não se confundir o fenómeno de aplicação de duas normas distintas a um
mesmo facto tributário, de que temos vindo a tratar, daquele outro, que ocorre no âmbito do direito
interno de um Estado, relacionado com a pluralidade de aplicações da mesma norma, ou seja, há uma só
pretensão duplamente exigida – um fenómeno de duplicação. Para melhor ilustração do que aqui se diz,
veja-se, no caso português, o n.º 1 do artigo 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
15
jurídicas de ambas – mais exatamente, num concurso real cumulativo14. Ou seja, no caso
da dupla tributação, as normas em concurso não se contradizem, operando uma exclusão
recíproca, antes pelo contrário.
Ora, é a atenuação ou eliminação deste cúmulo real de normas ou pretensões que constitui
o objeto das medidas tendentes a evitar a dupla tributação.
14
Entendido como cúmulo de normas ou cúmulo de pretensões.
15
Como nos ensina PAULA ROSADO PEREIRA, “Perante a multiplicidade das situações conexas com mais do
que um ordenamento jurídico-tributário, e tendo em conta o prejuízo para a fluidez das transações
internacionais que decorre do fenómeno da dupla tributação internacional, é essencial que exista uma
actuação concertada a nível internacional, no sentido de criar um ambiente fiscal que não desencoraje
nem distorça os investimentos e o comércio internacionais” (Pereira P. R., Princípios do Direito Fiscal
Internacional, Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, 2010, p. 22). A este propósito, refere ainda
EDUARDO PAZ FERREIRA que “o movimento de liberalização da circulação de capitais, como mais
16
Ora, o crescimento da intensidade das relações económicas internacionais tem,
naturalmente, como consequência, um aumento da ocorrência de situações cujo facto
tributário, gerador de rendimento, está ligado a mais do que um ordenamento jurídico-
tributário16.
genericamente a globalização, nas suas diferentes modalidades, veio trazer para a primeira linha das
atenções a possibilidade de uma regulação fiscal a nível mundial, ou, pelo menos, a necessidade de
desenvolvimento de formas intensas de cooperação entre diferentes administrações fiscais” (Ferreira,
Ensinar Finanças Públicas numa Faculdade de Direito, 2005, p. 130). A crescente necessidade de
harmonização fiscal entre Estados e, bem assim, de cooperação entre diferentes administrações
tributárias potenciou o surgimento das CDT, como veremos.
16
Sobre a evolução histórica do comércio internacional, vide (Pereira P. R., Princípios do Direito Fiscal
Internacional, Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, 2010, pp. 27-36) e (Ferreira & Atanásio,
Textos de Direito do Comércio Internacional e do Desenvolvimento Económico, 2004). Segundos estes
últimos autores, “o século XXI será, ainda mais do que o final do século XX, marcado pela globalização. A
interdependência entre os diferentes países e continentes é cada vez maior e, à medida que o esforço e
o tempo se contraem progressivamente, as fronteiras vão desaparecendo com o aumento das trocas
comerciais, o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, a expansão do
investimento estrangeiro e as constantes inovações (…)” (Ferreira & Atanásio, Textos de Direito do
Comércio Internacional e do Desenvolvimento Económico, 2004, p. 33). Também sobre a evolução e
importância do fenómeno comercial, vide (Araújo, Adam Smith - O conceito Mecanicista de Liberdade,
2001, pp. 1141-1228).
17
O que não significa que esta não fosse já uma matéria tratada pelos Estados antes daquele período.
Sempre se diga que antes do século XIX já haviam sido celebradas algumas convenções em matéria
tributária. Tinham por objeto, fundamentalmente, questões específicas de assistência fiscal entre os
Estados (Pires M. , 1984, p. 182).
18
“É o caso da convenção entre a Prússia e a Saxónia relativa a impostos directos, de 16 de Abril de 1869,
das convenções entre a Áustria e a Hungria relativas à tributação de empresas comerciais e industriais,
de 18 de Dezembro de 1869 e 7 de Janeiro de 1870, e da convenção entre a Áustria e a Prússia relativa à
eliminação da dupla tributação (abordada pela primeira vez de forma global), de 21 de junho de 1899”
(Pereira P. R., Princípios do Direito Fiscal Internacional, Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu,
2010, p. 28).
17
Foi imbuído neste espírito que, no seio da Sociedade das Nações, surgiram os
primeiros Modelos de Convenção fiscal. Quer estes Modelos, quer os estudos que os
antecederam e precederam, têm ainda reflexos nas regras de distribuição do poder de
tributar tal como se encontram atualmente previstas no MC OCDE.
Foi já no seio da OCDE, pouco depois da sua criação19, que foi publicada, em
1963, a primeira versão do MC OCDE e dos respetivos Comentários. Nos anos seguintes
o MC OCDE e os seus Comentários foram sendo sucessivamente revistos e adaptados à
realidade internacional em constante mutação20.
19
A Convenção que criou a OCDE, em substituição da OECE, foi assinada em 14 de dezembro de 1960.
20
Esta revisão conduziu a diversas alterações ao MC OCDE, registando-se as mais recentes em 2000, 2003,
2005, 2008, 2015 e 2017. Estas revisões sempre se pautaram pela preocupação em aperfeiçoar
tecnicamente as soluções consagradas em termos de repartição do poder tributário entre os Estados e de
preencher lacunas sentidas a este nível
21
O que tem gradualmente facilitado o processo de negociação de convenções bilaterais entre Estados
os Estados-membros da OCDE e não só, contribuindo para o contínuo aumento do número de CDT
concluídas.
22
A este respeito, Rui Duarte Morais refere-se a um elevado grau de consenso relativamente às “soluções
consagradas nas principais propostas elaboradas a nível internacional para delimitar os poderes
tributários dos Estados em ordem a minorar o surgimento das situações de dupla tributação” (Morais,
Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, 2005, p.
132).
18
se orientam e fundamentam (nomeadamente o princípio da fonte, o princípio da residência
e o estabelecimento estável23.
Assim, cada CDT represente um acordo bilateral entre Estados contratantes quanto à
distribuição do poder de tributar e o método de eliminação da dupla tributação que
considerem mais conveniente face às circunstâncias e interesses em jogo.
Nestes termos, podemos identificar na estrutura das CDT dois momentos que se
encadeiam: um primeiro momento de distribuição do poder de tributar entre os Estados-
contratantes, de forma a prevenir a ocorrência de dupla tributação internacional24; e um
segundo momento em que se prevê os métodos para eliminar a dupla tributação25, caso a
aplicação das regras de repartição do poder tributário previstas não tenha permitido evitar
a dupla tributação26.
23
Os referidos princípios já foram objeto de análise neste trabalho, tendo a mesma se mostrado oportuna
aquando da exposição feita sobre o Direito fiscal internacional supra.
24
Reconhecida a competência para tributar, o Estado considerado competente exerce-a de acordo com
as suas leis tributárias, exceto quando incompatíveis com o disposto numa CDT aplicável à situação.
25
Sobre os métodos usados para eliminar a ou reduzir a dupla tributação internacional, (Teixeira G. ,
Manual de Direito Fiscal, 2012, pp. 290-296).
26
Fundamentalmente, os casos de reconhecimento de competência cumulativa ao Estado da fonte e ao
Estado de residência. Como menciona Paula Rosado Pereira, “A coordenação das soberanias fiscais
permite que as CDT consagrem soluções técnicas e mecanismos de resolução do problema da dupla
tributação mais desenvolvidos, começando pela repartição do poder tributário entre os Estados da forma
mais adequada a cada caso concreto e, quando necessário, culminado o processo com a aplicação dos
métodos de eliminação da dupla tributação” (Pereira P. R., Princípios do Direito Fiscal Internacional, Do
Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, 2010, p. 38). Também a este propósito, (Vasques, 2011, p.
119 e ss).
27
Aspeto de grande relevância no contexto do DFI, dado que uma das suas fontes, talvez a mais
importante, é justamente, a CDT. Sobre a limitação da soberania dos Estados pelo Direito Internacional
Público vide, (Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal
Privilegiado, 2005, p. 45). Também sobre esta questão, vide (Cunha, 2006, pp. 174-176). O autor critica a
conceção de soberania como um poder absoluto e ilimitado. Ainda, sobre a questão dos limites
heterónomos ao âmbito da incidência das leis fiscais do Estado, vide (Pereira & Quadros, 2007, p. 83).
19
O processo de negociação de uma CDT entre Estados permitirá, desde logo,
limitar o exercício arbitrário da soberania fiscal e a utilização de conexões abusivas por
parte de um deles28. Por outro lado, sempre se diga que a auto-vinculação do Estado
mediante a celebração de CDT com outros Estados é ainda uma manifestação da sua
soberania tributária não obstante a existência de limitações à mesma, em parte
consequência de cedências mútuas entre Estados.
Sendo o objeto do DFI constituído pelas situações de vida conexas com mais do que um
ordenamento tributário soberano30, o seu conteúdo é constituído por uma multiplicidade
de normas, podendo as mesmas ser classificadas em função da fonte (interna ou
internacional), natureza (direta ou indireta) e função (substancial ou instrumental).
28
As próprias CDT constituem limites autónomos ao âmbito de incidência das leis tributárias do Estado,
já que procedem a uma delimitação negativa da incidência criada por tais leis (Pereira P. R., Princípios do
Direito Fiscal Internacional, Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, 2010).
29
Sobre a natureza do Direito Tributário Internacional e a problemática associada, vide (Xavier, 2011, pp.
65-94).
30
A este propósito, alguma doutrina faz a distinção entre Direito Tributário Internacional e Direito
Internacional Tributário, baseando-se a mesma na relação entre o Direito Internacional e o Direito
Interno. Nos termos desta teoria dualista, o Direito Tributário Internacional seria constituído por normas
internas e destinado a disciplinar a competência tributária internacional dos Estados, ao passo que o
Direito Internacional Tributário seria constituído por normas de origem internacional e destinar-se-ia a
disciplinar as relações entre Estados (enquanto sujeitos de Direito Internacional Público) no que toca a
matéria tributária. Atenta a definição de Direito Fiscal Internacional apresentada neste trabalho,
rejeitamos a aludida teoria dualista. Sobre esta questão, Alberto Xavier refere ser “evidente o preconceito
dualista que está na origem desta distinção. Com efeito, à luz desta visão, as normas de origem
internacional nunca regulariam como tal as questões tributárias internacionais, independentemente,
portanto, da sua “transformação” em direito interno, limitando a sua eficácia a disciplinar relações inter-
estatais. Para quem não aceitar a perspectiva dualista de encarar de encarar as relações entre direito
internacional e direito interno, também não poderá manter a distinção acima referida, pelo menos nos
termos em que é formulada” (Xavier, 2011, p. 91). No mesmo sentido, (Pereira P. R., Princípios do Direito
Fiscal Internacional, Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, 2010, p. 21).
20
Relativamente à natureza, o DFI contém normas indiretas ou de conflitos (também
apelidadas de normas de conexão), bem como normas de regulação direta ou material.
31
Numa articulação entre esta classificação de normas e a relativa à fonte, podemos distinguir entre:
normas de conflito de fonte interna ou normas de delimitação (numa denominação avançada por ALBERTO
XAVIER) – normas que se cingem a definir unilateralmente o âmbito espacial de incidência do ordenamento
jurídico tributário, sem no entanto tomar posição quanto a um qualquer concurso eventualmente
decorrente da aplicação cumulativa deste ordenamento com um outro que também se ache competente
para tributar; e normas de conflito de fonte internacional ou normas de colisão (numa denominação
também avançada por ALBERTO XAVIER) – normas constantes de tratados contra a dupla tributação que,
não se cingindo a definir os casos em que o ordenamento interno é aplicável, decidem, em tese, qual dos
dois ordenamentos jurídicos potencialmente interessados na tributação se aplica à situação concreta. Ao
contrário das primeiras, destas últimas resulta a definição do âmbito espacial de um ordenamento frente
a outro ordenamento distinto (em concurso), procedendo ao reconhecimento das respetivas
competências em termos exclusivos ou cumulativos. Nestes termos, as normas de colisão podem revestir
duas modalidades, consoante reconheçam a competência exclusiva de um dos ordenamentos (normas de
repartição ou de reconhecimento de competência exclusiva) ou, pelo contrário, reconheçam a
competência cumulativa (normas de cumulação ou de reconhecimento de competência cumulativa). As
normas de repartição cingem-se apenas ao problema dos limites das leis, não tendo por objeto um caso
de concurso de leis (poder-se-ia referir, em tese, que se está, através destas normas, a prevenir um
concurso de leis). Por seu turno, as normas de cumulação reconhecem a competência tributária
cumulativa entre dois Estados. São normas convencionais que estabelecem que determinados tipos de
rendimentos podem ser tributados quer pelo Estado da residência quer pelo Estado da fonte, assim
originando um concurso real de pretensões (sem avançar, contudo, uma possível solução que ultrapasse
este concurso). Sobre este tema, permitindo um estudo mais aprofundado, vide (Xavier, 2011, pp. 53-62).
32
Como bem expõe Alberto Xavier, as normas de conflito (na modalidade de delimitação e colisão) dizem
respeito à definição da competência, ao passo que as normas materiais são normas de limitação de
competência tributária dos Estados (Xavier, 2011, p. 63).
33
Sobre as normas materiais, importa referir que estas já não se debruçam sobre o reconhecimento da
lei aplicável (de forma exclusiva ou cumulativa). Sendo certo que pressupõem aquele momento prévio,
estas normas procuram resolver o concurso real de pretensões que as regras delimitação ou repartição
de competências entre Estados originou. São normas de limitação de competência. Nestes termos, já não
revestem a natureza de normas de conflitos, mas sim de normas materiais de solução de conflitos. As
normas matérias podem revestir duas modalidades: normas de regulamentação direta (internas) e
normas de limitação de competência ou atenuação (internacionais). As normas de regulamentação direta
ditam a disciplina substancial das situações tributárias com elementos de conexão com mais de um
Estado: é o caso das normas de fonte interna que, por exemplo, disciplinam o modo como são tributados
os não residentes ou as sucursais de empresas estrangeiras. As normas de limitação de competência ou
atenuação (internacionais), são disposições convencionais que determinam de modo direto como a
tributação deve operar: no que concerne ao Estado da residência, através dos “métodos” clássicos da
isenção ou da imputação; e no que concerne ao Estado da fonte, por via do estabelecimento de limites
máximos às taxas aplicáveis. Sobre este tema, permitindo um estudo mais aprofundado, vide (Xavier,
21
Neste âmbito, importa referir que também a norma de conflitos do DFI, seja ela
de fonte interna ou internacional, apresenta uma estrutura de que fazem parte uma
previsão e uma estatuição. A previsão da norma de conflitos do DFI abrange dois
elementos: o conceito-quadro e o elemento de conexão.
Por sua vez, o elemento de conexão é o instrumento técnico através do qual aquela
definição atua e consiste na ligação do facto (tributário) descrito no conceito-quadro à
ordem jurídica que se irá aplicar à questão em causa34. Após este momento, seguir-se-á,
logicamente, a estatuição ou consequência da norma de DFI.
2011, pp. 53-64), (Pereira P. R., Dupla tributação internacional e convenções, 2007, pp. 49-51) e (Guerra,
2007, pp. 62-67).
34
Sobre a diferença entre objeto da conexão e elemento de conexão, vide (Pires M. , 1984, p. 472).
35
Cf. (Xavier, 2011, pp. 55-56).
36
Como refere ALBERTO XAVIER, “As normas de Direito Tributário Internacional podem, assim, ter um duplo
objecto: o problema do âmbito espacial de incidência das leis – limites das leis – que é objecto de normas
de conflitos em sentido técnico; e o problema da solução dos casos de aplicação cumulativa das leis, em
virtude da sobreposição dos respetivos âmbitos de incidência – o concurso de leis – que é objecto de
normas materiais” (Xavier, 2011, p. 57).
37
Conforme nos explica ALBERTO XAVIER, “A solução prevalecente na actual fase de convívio entre os
Estados é a da inadmissibilidade da produção automática dos efeitos jurídicos típicos de tais actos de
direito público, sendo, por isso, necessárias medidas de assistência administrativa ou judiciária (Amtshilfe,
Rechtshilde), pelas quais determinado Estado pratica, a solicitação do outro, os actos administrativos (por
22
Do DFI fazem parte um conjunto de princípios fundamentais que definem as
grandes linhas orientadoras desta ordem jurídico-tributária, fornecendo uma justificação
para as normas concretas, constituindo a sua base e explicando as razões da sua existência
e teor. Princípios perfeitamente reconhecidos por parte dos diversos intervenientes na
ordem jurídica em apreço, sejam eles Estados, Instituições Internacionais, agentes
económicos ou os próprios cidadãos.
A análise das normas supra referidas permite identificar, dada a sua presença
constante, diversos princípios característicos do DFI, os quais podemos, num primeiro
exercício de classificação, dividir entre princípios estruturais e princípios operantes.
exemplo, notificações, pedidos de informações) ou judiciais requeridos (por exemplo, execução forçada
de créditos), mas sempre em obediência aos procedimentos previstos pelas leis internas dos Estados
solicitados” (Xavier, 2011, p. 59). Ou seja, é necessária para o efeito a cooperação entre Estados e
respetivas administrações fiscais e autoridades judiciais.
23
1.2.1.1. Princípio da soberania
No caso das CDT, esta limitação é por demais evidente, existindo uma limitação
do Estado na definição dos elementos de conexão através de um processo negocial
(bilateral). O resultado é repartição do poder de tributar entre estados, tendo, como
consequência, a limitação do exercício arbitrário da soberania fiscal e a utilização de
conexões abusivas por parte de um dos Estados (com o intuito de arrecadar, por hipótese,
maior receita)40.
38
Estamos no âmbito da margem de liberdade dos Estados para, em primeiro lugar, “definirem quais os
elementos de conexão que considerem relevantes para fundamentar o seu poder de tributar situações
fiscais internacionais; em segundo lugar, para definirem os contornos de cada um dos elementos de
conexão consagrados na sua legislação interna; e, em terceiro (mas em íntima conexão com os dois pontos
anteriores), para determinarem a extensão do seu poder de tributar”, cf. (Pereira P. R., Em Torno dos
Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, pp. 206-207).
39
Para aprofundamento do tema da evasão fiscal no plano internacional, vide (Menezes Leitão L. T., 1993,
pp. 299-330), (Menezes Leitão L. M., 1999) e também (Saldanha Sanches J. L., Os Limites do Planeamento
Fiscal - Substância e Forma no Direito Fiscal Português, Comunitário e Internacional, 2006, pp. 259-446).
40
Sobre a problemática da soberania fiscal face à internacionalização e à integração europeia, vide
(Nabais, Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de Direito Fiscal, 2005, pp. 184-202).
24
Por outro lado, as próprias CDT “constituem limites autónomos ao âmbito de
incidência das leis tributárias do Estado, na medida em que procedem a uma delimitação
negativa da incidência criada por tais leis”41.
41
Cf. (Pereira P. R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, p. 207).
Curiosamente, e como já aflorado, podemos identificar no DFI e nas CDT uma dupla vertente: por um lado
consubstanciam um exemplo de limitação da soberania fiscal do Estado, do seu poder tributário; por
outro, enquanto processo de auto-vinculação do Estado, consciente e voluntário, as CDT são a expressão
última do exercício da soberania fiscal por parte desse mesmo Estado (contratante).
42
Sobre a problemática de decidir com recurso à equidade, (Cordeiro, 1990). Também sobre o tema,
(Ribeiro, 1997).
43
Associado a este princípio, está a ideia de que a distribuição da carga fiscal entre os indivíduos deve ser
equitativa e não arbitrária, devendo cada um suportar uma parcela considerada justa dos encargos em
função da sua capacidade contributiva.
44
Sobre o princípio da equidade, vide (Vogel, Worldwide vs. source taxation of income - A review and re-
evaluation of arguments (Part III), 1988, p. 393 e ss).
45
Sobre o conceito de sujeito passivo: A incidência subjetiva ou pessoal pode ser encontrada, no caso
português, em vários códigos fiscais, mas o conceito de sujeito passivo encontra-se consagrado na Lei
Geral Tributária, tendo a mesma surgido com o objetivo de clarificar e sistematizar os direitos e garantias
dos contribuintes e os poderes da Administração fiscal. Assim, nos termos do artigo 18.º n.º 3 da LGT, “O
sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que,
nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo,
substituto ou responsável”. O mesmo diploma considera sujeito passivo quer o contribuinte direto
(entidade relativamente à qual se verifica o facto gerador do imposto), quer o substituto ou responsável,
adiantando, contudo, a alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo que não é sujeito passivo quem suporta o
encargo do imposto “por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação
ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias”. Ainda sobre o conceito, vide (Vasques,
2011), (Nabais, Direito Fiscal, 2017), (de Freitas, 2014) e (Campos & Soutelinho, 2012).
25
A equidade entre sujeitos passivos está relacionada com as posições relativas dos
sujeitos passivos e com a justiça e adequação do tratamento fiscal que lhes é imposto.
Por outro lado, a equidade entre Estados está relacionada com a definição do
Estado que envolvido numa situação tributária internacional deverá ter o direito de
tributar e em que medida. A equidade entre Estados é fundamental no contexto de
repartição do poder de tributar entre Estados, da definição da extensão desse poder e das
correspondentes receitas fiscais.
Não obstante tratar-se de uma problemática complexa, sempre se diga existir uma
clara prevalência da tributação no Estado da residência sobre a tributação no Estado da
fonte.
46
“O princípio da equidade também logra aplicação no âmbito internacional. Este princípio indica uma
distribuição justa do rendimento entre países importadores e exportadores (inter-country equity)”
(Teixeira G. , Manual de Direito Fiscal, 2012).
47
Que não desenvolveremos neste trabalho.
48
Ideia que desenvolveremos mais adiante para justificar a reformulação dos atuais elementos de
conexão.
26
gerado por transações internacionais49, o que, segundo tem sido defendido, permitira
alcançar uma distribuição mais equitativa dos poderes tributários entre Estados 50.
Este aspeto terá particular importância uma vez que o agente económico, na
análise que efetuar, comparará o rendimento líquido de impostos que poderá obter nos
vários Estados candidatos à localização do investimento.
Os impostos deveriam assim ser, tanto quanto possível, neutrais, ou seja, não
deveriam influenciar ou distorcer as decisões dos investidores52.
49
Vide (Source and Residence: New configuration of their principles).
50
Cf. (Pereira P. R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, p. 210).
51
Para uma análise aprofundada do princípio da neutralidade, vide (Pereira P. R., Em Torno dos Princípios
do Direito Fiscal Internacional, 2015, pp. 210-215), (Vogel, Wich method should the European Community
adopt for the avoidance of double taxation?, 2002, p. 4 e ss) e (Vogel, Worldwide vs. source taxation of
income - A review and re-evaluation of arguments (Part III), 1988, p. 311 e ss).
52
Conforme nos ensina PAULA ROSADO PEREIRA, em concretização do princípio da neutralidade, o Direito
Fiscal Internacional “deve procurar não interferir na afectação óptima, em termos económicos, dos
recursos produtivos existentes, tentando reduzir ao mínimo as distorções provocadas por aspectos fiscais
nas decisões dos agentes económicos” (Pereira P. R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal
Internacional, 2015, p. 211).
27
além daqueles que inevitavelmente decorrem da interação entre diferentes sistemas
fiscais, configurando assim também uma limitação ao exercício de soberania por parte
dos Estados.
Nestes termos, importa referir que os princípios operativos devem, sempre, ser coerentes
com o conteúdo dos princípios estruturais e espelhar os valores por estes definidos.
28
Dada a importância para o que nos propomos discutir no presente trabalho,
analisaremos com maior grau de pormenor os princípios relativos à repartição do poder
de tributar e à extensão do mesmo, não obstante algumas breves referências e
considerações en passant quanto aos restantes sempre que necessário.
53
Tratando-se de matéria que será desenvolvida com maior detalha adiante, procuraremos apenas nesta
fase avançar com um enquadramento genérico do princípio da residência e do princípio da fonte. Sobre
estes princípios, remetemos para (Pereira P. R., Princípios do Direito Fiscal Internacional, Do Paradigma
Clássico ao Direito Fiscal Europeu, 2010, pp. 85-131), (Xavier, 2011, pp. 22-30 e 226-232) e (Pires M. ,
1984, pp. 212-239).
54
Cf. (Pereira P. R., Dupla tributação internacional e convenções, 2007, pp. 48-49).
55
Como refere ALBERTO XAVIER, para além do papel desempenhado pelo elemento de conexão no seio da
previsão da norma de conflitos, a “sua influência também se faz sentir na estatuição da norma, pelo que
nos situamos no grupo daqueles que pensam ser tal elemento “bifrontal”, no sentido de que que ocupa
posição em ambos os setores da proposição normativa” (Xavier, 2011, p. 223).
56
No caso da conexão subsidiária, a norma prevê duas ou mais conexões, sendo que uma delas
(secundária) só se aplicará na falta ou impossibilidade da conexão primária. Por outro lado, no caso da
conexão alternativa, a norma prevê duas conexões igualmente aptas para produzir o mesmo efeito. Por
último, na conexão cumulativa, a norma prevê dois ou mais elementos de conexão cuja ocorrência em
simultâneo é necessária para determinado efeito se produza. Para uma análise mais aprofundada desta
29
Uma outra classificação entre elementos de conexão que fará sentido mencionar
é a que separa elementos de conexão variáveis ou móveis dos elementos de conexão
invariáveis ou fixos. Os primeiros, como se antevê, caracterizam-se pela suscetibilidade
de mudar no tempo e no espaço (como a residência e a sede), ao contrário dos últimos
(como o lugar da celebração de um contrato ou o lugar da situação do imóvel). Daí a
importância, sobretudo no contexto dos impostos periódicos por natureza, de fixar o
momento temporal relevante para efeitos de delimitação da ordem jurídico-tributária com
competência para tributar57.
distinção, vide (Xavier, 2011, p. 224), (Colaço, Direito Internacional Privado, 1959, p. 20 e ss) e (Colaço, Da
qualificação em Direito Internacional Privado, 1964, p. 19 e ss).
57
Para demonstrar a importância de fixar o momento temporal relevante para efeitos de tributação, e
pegando num exemplo apresentando por ALBERTO XAVIER, pense-se numa sociedade que transferiu a sua
sede de um país abrangido por tratado contra a dupla tributação para outro país dele excluído (Xavier,
2011). Exemplo este que até poderia configurar uma situação de treaty shopping: quando um sujeito não
residente em nenhum dos Estados partes de um tratado, residente, portanto, num Estado terceiro,
desloca a sua residência para um daqueles Estados apenas com o intuito de beneficiar do regime favorável
do tratado, regime do qual, de outro modo não beneficiaria.
58
A residência, por exemplo.
59
No presente trabalho, analisaremos, sobretudo, os elementos de conexão nos impostos sobre o
rendimento.
60
A este propósito, veja-se (Pires M. , 1984, pp. 260-293), (Xavier, 2011, pp. 226-230), (Dourado, A
tributação dos rendimentos de capitais: a harmonização na comunidade europeia, 1997, pp. 59-92).
30
investimento e no qual o rendimento é produzido (Estado da fonte) e o Estado no qual
reside o titular do rendimento de origem estrangeira (Estado da residência)61.
A única divergência que vai subsistindo, e que importa referir, está relacionada
com a maior ou menor amplitude do próprio conceito de fonte, ou seja, com os critérios
que permitem ligar a fonte a um dado território. Sendo certo que é uma divergência que
ganhou algum fulgor nos últimos anos, dados os novos e crescentes problemas suscitados
pela realidade intangível/ digital/ virtual/ incorpórea típica da economia digital e do
comércio eletrónico face a uma realidade até então profundamente marcada pela
“fisicalidade” dos elementos64, a verdade é que esta divergência não é nova. Tem vindo
a ocupar o DFI e a sua evolução, acompanhado a crescente complexidade das situações
fiscais internacionais.
Neste sentido, certas legislações não se bastam com o critério da fonte para
fundamentar a tributação dos não-residentes, limitando-se a tributá-los apenas nos casos
61
Importa não esquecer, como refere Alberto Xavier, a existência de “casos em que a lei se utiliza da
técnica das presunções ou ficções para definir elementos de conexão caracterizados pelo recurso a um
conceito mais amplo. São exemplos, as normas segundo as quais um serviço se considera prestado no
território do domicílio do prestador ou do domicílio do beneficiário; um tripulante de navio ou aeronave,
se considera residente no território em que se localiza a direção efetiva da empresa que os explora (…)”
(Xavier, 2011, p. 226).
62
Embora, como já referido, com uma prevalência do princípio da residência. Esta realidade tem sido
criticada por diversos autores, como (Vogel, Worldwide vs. source taxation of income - A review and re-
evaluation of arguments (Part III), 1988, p. 216), (Pires M. , 1984, p. 266 e 273) e (Pistone, 2002, pp. 200-
222).
63
Sobre a ponderação relativamente aos princípios da residência e da fonte, (Pereira P. R., Em Torno dos
Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, pp. 226-230).
64
Sobre esta contraposição, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011,
p. 257).
65
As sucessivas alterações à MC OCDE são disso exemplo.
31
em que disponham de um estabelecimento estável66 que exprime uma formulação restrita
do princípio da fonte.
1.2.2.1.1. A residência
66
Como veremos mais adiante, conexo ao estabelecimento estável está a ideia de economic allegiance.
Segundo RITA CALÇADA PIRES, deve ser entendido que, “mesmo sendo o E.E. a figura-base reveladora da
possibilidade de efectivar a tributação na fonte, não é o E.E. a razão de ser última. Essa tributação deriva
da existência de uma forte ligação económica (economic allegiance) do facto tributário a determinado
território” (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 237), fortemente
representada pelo Estabelecimento Estável.
67
Sobre a residência, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, pp.
214-227) e (Xavier, 2011, pp. 226-230).
68
De referir que a noção de residência ou domicílio para efeitos da delimitação da esfera de incidência
das normas tributárias de um Estado é distinta da noção de domicílio fiscal de direito interno, este último
diz respeito a um lugar determinado que serve de referência ao exercício de direitos e cumprimentos de
deveres estabelecidos pelas normas tributárias e para efeitos de circunscrição territorial em cuja área se
situem os serviços de administração competentes para a prática de atos relativos à situação fiscal do
contribuinte (cf. no caso português o art.º 19 da LGT).
69
Para uma explicação concisa de residência, (Pereira P. R., Dupla tributação internacional e convenções,
2007, pp. 51-52).
32
O princípio da residência escora-se na ideia de que o estado em que uma pessoa
singular ou coletiva reside é aquele com o qual são mais intensos os vínculos de
solidariedade que fundamentam o dever de pagar impostos70.
Assim, e face aos critérios do direito interno de cada um deles, pode suceder que
dois Estados considerem a mesma pessoa como residente no seu território, configurando
um caso de dupla residência (ou dual residence). Nestes termos, e na ausência de uma
convenção contra a dupla tributação, ambos os Estados podem ter a pretensão de tributar
a mesma pessoa por todos os seus rendimentos independentemente da respetiva origem
(world wide income), na medida em que cada um deles a considera residente no seu
território.
Ora a função da CDT é, justamente, definir qual das residências prevalecerá para
efeitos tributários, escolhendo uma (residência escolhido) em detrimento de outra
(residência preterida)72.
70
A residência pode ser aferida em função de duas conceções: uma conceção subjetivista e uma conceção
objetivista. Em traços gerais, a noção subjetivista de residência referir exige, para além da permanência
física num dado local (corpus), a intenção de o sujeito se tornar residente de um certo país (animus), ou
seja, implicam a cumulação de dois elementos. Pelo contrário, a noção objetivista de residência implica
apenas a presença física de uma pessoa num certo território (corpus), fixando a duração necessária para
que a estadia se converta em residência.
Sobre o conceito de residência ou domicílio e sobre as noções subjetivistas e objetivistas de residência,
vide (Xavier, 2011, pp. 280-296). A título de exemplo, o direito português define o conceito de residência
que se situa a meio caminho entre a noção meramente objetiva e a noção subjetiva (cf. respetivamente,
alíneas a) e b) do art.º 16.º do CIRS, no caso de pessoas singulares). A de residência das pessoas coletivas
no direito português é aferida através de dois elementos de conexão alternativos: a sede e a direção
efetiva (cf. respetivamente, alínea a) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 2 do CIRC).
71
Como refere RITA CALÇADA PIRES, o “conceito tradicional de residência no plano internacional constrói-se
com recurso aos conceitos de residência presentes nos ordenamentos jurídicos nacionais” (Pires R. C.,
Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 214). Tendo apenas por limite a “natureza
da conexão adoptada, que deve ser o domicílio, a residência, o local da direcção ou qualquer outro critério
de natureza análoga” (Xavier, 2011, p. 291).
72
Importa referir que no sistema convencional a residência fiscal só pode ser uma (princípio da unicidade
da residência). Razão pela qual se, em face dos critérios da convenção, uma pessoa for considerada
residente num Estado contratante, passa a ser automaticamente “não residente” no outro, ainda que o
estatuto de residente também lhe seja atribuído pela lei interna deste último (Xavier, 2011, p. 292).
33
O MC OCDE, no n.º 2 e n.º 3 do seu artigo 4.º73, aplica um sistema baseado em
regras de preferência ou conexões subsidiárias para definir a única residência fiscalmente
relevante no caso da mesma pessoa ser considerada residente por ambos os Estados
contratantes. Trata-se de um conjunto de hipóteses a serem aplicadas respeitando a
sequência constante do artigo 4.º da MC OCDE. O caráter exaustivo destes critérios de
conexão subsidiária, aptos a resolver uma multiplicidade de situações de dupla residência,
são comumente designados por tie-breaker rules74.
73
A MC OCDE adota como sinónimos os conceitos de domicílio e residência.
74
Sobre a dupla residência das pessoas singulares, vide (Xavier, 2011, pp. 291-294).
75
Como identifica RITA CALÇADA PIRES, para a “residência individual, a OCDE apresenta uma listagem
hierarquicamente organizada, completa e clara, o mesmo não acontece para a residência societária. De
facto, no referente a esta, o único critério a ter em consideração, no caso de dupla residência de pessoas
colectivas, será a direção efectiva” (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial,
2011, p. 216).
Sobre a escolha do critério da direção efetiva, parágrafo 22 dos comentários ao n.º 3 do art.º 4.º do MC
OCDE: “Não se afigura uma solução adequada conferir importância a um critério puramente formal, como
é o registo. Daí que o número 3 tome em consideração o local em que a sociedade, etc., é efectivamente
dirigida” (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015, p. 138).
76
Cf. parágrafo 24 dos comentários ao n.º 3 do art.º 4.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015).
77
Sobre a dupla residência de pessoas coletivas, vide (Xavier, 2011, pp. 294-296), (Pires R. C., Tributação
Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, pp. 215-217) e (Câmara, 2001, p. 69 e ss).
78
Sobretudo, por comparação à residência individual.
34
oferecer como critério delimitador da residência a figura da direção efetiva, cuja definição
é omissa79.
A direção efetiva envolve uma análise factual, onde o decisivo não é o local onde
se opera o resultado das diretivas de gestão, mas onde elas são efetivamente tomadas,
sendo que, caso haja uma impossibilidade de determinar esse local, tem sido admitido a
utilização do local da residência dos administradores ou, caso não seja possível, do
acionista único ou principal, aplicando-se, em caso de uma nova dupla residência, os
critérios oferecidos pelo n.º 2 do artigo 4.º do MC OCDE.
Neste sentido, têm sido identificados diversos indicadores que pretendem auxiliar na
localização da direção efetiva de uma pessoa coletiva:
79
O parágrafo 24 dos comentários ao n.º 3 do art.º 4.º do MC OCDE, numa tentativa algo débil, procura
definir o local de direção efetiva como o local onde são tomadas as decisões estratégicas e determinantes
para a atividade da pessoa coletiva, quer do ponto de vista da gestão quer do ponto de vista comercial,
ou seja, o local da gestão global. Contudo este comentário não parece ser suficientemente elucidativo,
sobretudo porque procura definir um conceito através da remissão para outros conceitos que também
carecem de concretização. Razão pela qual sempre se observou um esforço por parte da doutrina, da
jurisprudência e das administrações tributárias dos diferentes Estados em construir e preencher este
conceito.
80
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, pp. 216-218) e (Vogel,
Double taxation conventions, 1997, pp. 262-263).
35
A existência de outros corpos sociais, por exemplo conselhos consultivos, e com
que tipo de poderes; (vi)
Apuramento sobre se o Conselho de Administração recebe instruções de terceiros,
residentes noutros Estados, para deliberar;
Quem celebra os contratos societários, bem como determinar se estes contratos
estão sujeitos a outras aprovações prévias ou ratificações posteriores, além das
possíveis autorizações concedidas pela Assembleia Geral no âmbito normal de
um controlo do Grupo;
Lugar onde são celebrados os demais contratos da Sociedade;
Verificar a existência de contratos de administração celebrados por entes terceiros
que não os administradores eleitos pela Assembleia Geral”81.
Significa isto que se deverá privilegiar a essência das coisas mais do que as meras
formalidades.
81
Cf. (Câmara, 2001, p. 69 e ss).
82
Diversos argumentos têm sido esgrimidos em prol ou contra a aplicação do princípio da residência. Não
cabendo no objeto do presente trabalho a tomada de posição sobre esta temática, importa, todavia,
identificar os principais argumentos utilizados. Para o desenvolvimento deste tema, vide (Pereira P. R.,
Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, pp. 218-221).
36
todos os seus rendimentos independentemente da respetiva origem (world wide income)
– quer sejam eles obtidos no Estado de residência ou no estrangeiro.
Estamos perante uma extensão “extra-territorial” da lei interna83. Não optar pela
tributação segundo o princípio da universalidade deixando de parte os rendimentos de
fonte estrangeira faria, muito provavelmente, o Estado em questão incorrer na violação
do princípio da igualdade – próprio dos impostos pessoais sobre o rendimento – ao
discriminar entre os seus residentes, dado que uns, por só auferirem rendimentos de fonte
interna, ficariam com uma maior sobrecarga fiscal face aos demais.
83
Conforme, (Pereira P. R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, p. 231)
84
Conforme (Xavier, 2011, p. 229) e (Pires M. , 1984, p. 237).
85
(Xavier, 2011, p. 231).
86
Estamos no contexto do princípio da fonte e da sua relação com a amplitude do poder de tributar, como
veremos em seguida.
37
1.2.2.1.2. A fonte
Por seu turno, de acordo com o princípio da fonte87, a conexão relevante para
fundamentar o poder tributário de um Estado é o local de origem ou proveniência dos
rendimentos. Segundo este princípio, o Estado tem o direito de tributar os factos ocorridos
no seu território, independentemente de os titulares do rendimento serem ou não seus
nacionais, serem ou não-residentes.
87
Sobre a fonte, vide (Xavier, 2011, pp. 297-305) e (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento
Empresarial, 2011, pp. 227-228).
88
No imposto sobre o rendimento, que particularmente nos interessa, o elemento de conexão
fundamental é o lugar da situação da fonte dos rendimentos. Contudo, importa referir que os elementos
de conexão objetivos tendem a variar conforme os tributos em causa. Por exemplo, nos impostos prediais,
o elemento de conexão dominante é o lugar da situação do imóvel (locus rei sitae); nos impostos
sucessórios, pode ser o lugar da abertura da herança ou situação dos bens.
89
Cf. (Vasques, 2011, p. 118).
90
Quanto a distinção entre ambos, refere ALBERTO XAVIER que, no caso da noção de fonte de rendimento
enquanto fonte da sua produção existe um nexo causal direto entre o rendimento e o fato que o
determina; pelo contrário, na noção de fonte de rendimento enquanto fonte do seu pagamento está em
causa a origem dos recursos que representam rendimento para o respetivo beneficiário (Xavier, 2011, p.
298). A este respeito, também PAULA ROSADO PEREIRA refere a necessidade de se recorrer a dois conceitos
de fonte: (i) Fonte (de produção) do rendimento ou fonte em sentido económico – trata-se da fonte de
rendimento propriamente dita. É um conceito económico, referente à produção do rendimento (…); (ii)
Fonte de pagamento ou fonte em sentido financeiro – é um conceito financeiro, relativo à realização do
rendimento e não à sua produção (…). Para além das duas acepções de fonte acima referidas, os
elementos de conexão objectivos compreendem ainda elementos de conexão reais (também designados
por elementos de conexão “lex rei sitae”). Os elementos de conexão reais respeitam à localização de bens
móveis e imóveis, em função da qual determinam o âmbito espacial de aplicação do imposto” (Pereira P.
R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, p. 222).
38
respeita à sua realização. Releva que “a determinação do lugar da fonte de cada tipo de
rendimento deve ser efetuada, caso a caso, face ao direito positivo interno e
convencional91”, ou seja, a interseção das duas dimensões é necessária por forma a
fundamentar o poder de tributar do Estado fonte do rendimento.
Ou seja, esta pertença económica (economic allegiance) apenas se manifesta quanto aos
rendimentos originados nesse território visto ser esse único vínculo existente com o
Estado fonte, já que o beneficiário desses rendimentos assume-se como um não-residente.
91
Cf. (Xavier, 2011, p. 299).
92
Os casos de atribuição ao Estado da fonte de um direito exclusivo de tributação são, nos termos da MC
OCDE, bastante restritos e relativos apenas a tipos de rendimentos muito específicos, conforme nos
demonstra o artigo 19.º do MC OCDE (OCDE C. , Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o
Património, 2011).
93
Em sentido idêntico ao referido relativamente ao princípio da residência, também sobre o princípio da
fonte têm sido esgrimidos vários argumentos em prol e contra a sua aplicação. Para o desenvolvimento
deste tema, vide (Pereira P. R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, pp. 223-226).
94
De referir que no caso dos rendimentos decorrentes da atividade de um ente coletivo, o elemento que
surge normalmente como limite mínimo (ou limiar mínimo de presença) para existir tributação é o
Estabelecimento Estável.
95
(Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 227).
39
Relativamente ao Estado fonte, observa-se que prevalece, na maioria dos sistemas
fiscais, a regra da tributação dos não-residentes apenas pelos rendimentos obtidos de
fontes localizadas no seu território (source principle) – obrigação tributária limitada,
numa clara aceção à limitação de base territorial – princípio da territorialidade96.
96
Segundo alguns autores estará aqui em causa não o princípio da territorialidade per se, mas o princípio
da limitação territorial. Como ensina PAULA ROSADO PEREIRA, o princípio da limitação territorial, “exprime
bem a existência de uma limitação da obrigação tributária numa base territorial, ou seja, limitação da
obrigação tributária aos rendimentos obtidos de fontes localizadas em determinado território” (Pereira
P. R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, p. 205). Compreendendo-se o esforço
conceptual da autora, entende-se, contudo, que o conteúdo do princípio da territorialidade é o bastante
para exprimir esta ideia de (de)limitação do alcance do âmbito de incidência da legislação fiscal interna
do Estado através das suas fronteiras. Subjaz desde logo ao princípio da territorialidade, a existência de
uma ligação entre o facto tributável e o ordenamento jurídico do Estado em virtude daquele ocorrer/ ter
como fonte o território deste, assim legitimando o seu poder de tributar. Assim parece-nos não ser
necessário um outro conceito que expresse esta limitação do poder tributário pelo território, sendo o
princípio da territorialidade suficientes conceptualmente para o efeito.
97
No mesmo sentido, (Nabais, A Soberania Fiscal no actual quadro de internacionalização, integração e
globalização económicas, 2006, p. 499).
98
Existindo essa conexão subjetiva relevante, a legitimidade tributária do Estado adviria dela e já não da
posição de Estado fonte.
40
estável enquanto elemento de conexão relevante para fundamentar o poder de tributar do
Estado99.
Diz-nos a prática que os rendimentos de uma empresa são tributados pelo Estado
onde se localiza a respetiva residência (sede).
99
Como nos ensina LUÍS DE MENEZES LEITÃO, o “conceito de estabelecimento estável consiste, como se sabe,
num importantíssimo elemento de conexão nas normas de conflitos relativos à tributação do rendimento,
e aparece como uma consequência da mobilidade das empresas e dos cidadãos que livremente se vêm
instalar em Estados diferentes do seu Estado nacional, ao abrigo do direito de estabelecimento” (Menezes
Leitão L. M., 1999, p. 137).
O conceito de estabelecimento estável encontra-se previsto no artigo 5.º do MC OCDE. Não obstante uma
certa harmonização do conceito, subsistem algumas interpretações diversas em diferentes CDT.
Ainda, sobre o atual conceito de E.E. e os problemas com a sua interpretação, vide (Santos & Lopes, Tax
Sovereignty, Tax Competition and the Base Erosion and Profit Shifting Concept of Permanent
Establishment, 2016).
100
Cf. (Guimarães, O conceito de estabelecimento estável e o comércio electrónico, 2000, p. 161). Estas
condições decorrem do art.º 5.º do CIRC, no caso português, e do artigo 5.º do MC OCDE, os quais
apresentam definições semelhantes. Assim, quando abordarmos o E.E. real no MC OCDE
desenvolveremos com maior pormenor estas condições.
101
Na terminologia do art.º 5.º, n.º 1 do MC OCDE.
102
Tributação que terá de respeitar várias regras e princípios jurídicos, incluindo o princípio da não
discriminação caso conste da CDT uma cláusula idêntica ou similar à do artigo 24.º, n.º 3 do MC OCDE.
103
Com interesse, refere RITA CALÇADA PIRES a existência de outros elementos reveladores da economic
allegiance “no referente aos rendimentos provenientes de actividades móveis, em especial para os
rendimentos provenientes de actividades móveis” (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento
Empresarial, 2011, p. 237).
41
Este princípio desempenha um papel importantíssimo na articulação entre o
princípio da residência e o princípio da fonte104.
Esta regra implica que só serão tributadas atividades económicas quando existam
laços significativos entre a empresa e esse Estado105. Consagra-se por este meio uma ideia
de pertença económica.
104
Nesse sentido, (Pereira P. R., O papel do estabelecimento estável no Direito Fiscal Internacional, 2013,
p. 573 e ss).
105
Em consequência, a “legitimidade do Estado fonte para tributar os lucros empresariais depende,
portanto, do modo como a atividade que os origina é exercida no seu território e da estrutura material
ou pessoal de que a empresa estrangeira ali dispõe para o seu exercício. Deste modo, escapam ao poder
tributário do Estado fonte os lucros de atividades que, embora exercidas no seu território, não recorram
a uma estrutura que corporize um estabelecimento estável aí existente” (Pereira P. R., Em Torno dos
Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, p. 233).
106
Sobre o conceito de estabelecimento estável na ordem jurídica interna e nas Convenções celebradas
por Portugal, (Cardona, 1995, pp. 265-273). Para a compreensão da evolução do conceito no âmbito das
instituições internacionais, vide breve explicação de (Pereira P. R., O papel do estabelecimento estável no
Direito Fiscal Internacional, 2013).
42
entidades não-residentes pelos rendimentos empresariais obtidos (enquanto Estado
fonte), também o é no âmbito internacional a propósito da regulamentação de normas de
repartição do poder de tributar entre aquele Estado (fonte) e o Estado da residência da
sede da entidade (do qual o estabelecimento estável é uma extensão)107, cuja pretensão de
tributar se baseia no princípio fundamental de que estão sujeitos à respetiva soberania
tributária os seus residentes pela totalidade dos rendimentos auferidos, ainda que
provenientes de fonte estrangeira108.
107
Cf. (Pereira P. R., O papel do estabelecimento estável no Direito Fiscal Internacional, 2013, p. 573). Ou
seja, o conceito de estabelecimento estável tem uma dupla valência: nacional e internacional.
108
Ou seja, a utilização deste expediente (o estabelecimento estável) implica uma situação de dupla
tributação jurídica que cumprirá resolver, na medida em que o Estado do estabelecimento estável vai
tributar os rendimentos obtidos pelo estabelecimento estável que a ele sejam imputados por virtude de
estar fisicamente situado naquele Estado e os rendimentos serem aí percebidos, e o Estado da residência
da sociedade a que aquele estabelecimento estável está associado vai tributar os rendimentos dessa
sociedade, nos quais se inclui os rendimentos do estabelecimento estável, havendo assim sobreposição
de tributação sobre o mesmo rendimento (Guerra, 2007).
109
Cuja existência e verificação vai depender o exercício do poder de tributar do Estado da respetiva
instalação.
110
No mesmo sentido do que foi ora dito, vide (Menezes Leitão L. M., 1999, pp. 137-138) e (Cardona,
1995, pp. 247-257).
111
Cf. (Xavier, 2011, p. 311).
43
Quanto ao tipo de organização associada ao conceito de estabelecimento estável
a doutrina tem vindo a distinguir entre estabelecimentos reais – que se traduzem em
instalações fixas, propriamente ditas – e estabelecimentos pessoais – os quais se traduzem
em representações112.
Há, assim, uma tributação baseada num nexo pessoal de conexão, idêntico ao
aplicável em relação às pessoas coletivas residentes114.
112
Sobre esta distinção, vide (Pereira P. R., O papel do estabelecimento estável no Direito Fiscal
Internacional, 2013, pp. 572-573). Abordá-la-emos com maior detalhe nos capítulos sobre
Estabelecimento Estável Real e Estabelecimento Estável Agência, respetivamente.
113
Quanto a esta matéria, vide (Pereira P. R., Princípios do Direito Fiscal Internacional, Do Paradigma
Clássico ao Direito Fiscal Europeu, 2010, pp. 138-144).
114
A este propósito, (Teixeira M. D., 2007).
115
Ao contrário do que sucede com as filiais, sociedades afiliadas ou subsidiárias. Assim, os
estabelecimentos estáveis, por não terem personalidade jurídica, nunca são parte de qualquer contrato
que concluam. O sujeito que figura como parte em qualquer contrato será a sociedade matriz que
representam.
116
Esta autonomia patrimonial conferida pelo Direito Tributário, conexa com o princípio da tributação
como entidades independentes, subjacente ao regime previsto nos artigos 7.º e 9º do MC OCDE,
pressupõe que cada unidade de um grupo de empresas seja tratada como uma entidade autónoma e
independente das restantes. Para uma análise detalhada do princípio da tributação como entidades
independentes, vide (Pereira P. R., Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional, 2015, pp. 240-
243) e, especificamente no caso português, (Teixeira M. D., 2007, pp. 49-91).
44
Verifica-se o apuramento do lucro tributável e o pagamento do correspondente
imposto relativamente a cada empresa associada ou estabelecimento estável,
individualmente considerada e enquanto empresa distinta e separada a exercer uma
atividade, independentemente de estar integrada um grupo empresarial internacional.
117
Nos termos dos artigos 9.º n.º 1 e 7.º n.º 2 do MC OCDE, respetivamente, são estabelecidas as regras
de determinação do rendimento tributável tanto de empresas associadas como de estabelecimentos
estáveis
118
Segundo GLÓRIA TEIXEIRA, “Regra geral, os lucros do estabelecimento estável são tributáveis segundo os
mesmos critérios de tributação aplicáveis às sociedades residentes. No entanto, poderão ser aplicadas
algumas disposições fiscais especiais” (Teixeira G. , Manual de Direito Fiscal, 2012, pp. 280-282).
119
Sobre o tratamento do não residente em Portugal como sujeito passivo de IRC, (Teixeira M. D., 2007,
pp. 16-20).
45
Em qualquer atividade, com qualquer duração, para existir um estabelecimento
estável exigir-se-ia a presença física. Assim, requer-se que a instalação em análise seja
corpórea, palpável e percetível ao olhar humano120.
Todo o modelo e corpus legislativo que daí adveio regeu-se, naturalmente, pelo
elemento corpóreo e pela ocupação visível e palpável daí decorrentes. Trata-se de um
elemento ainda muito presente nos cânones do Direito Fiscal Internacional.
120
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 253).
121
A propósito da contextualização do aparecimento do estabelecimento estável, (Skaar, 1991, p. 65 e
ss), (Pereira P. R., O papel do estabelecimento estável no Direito Fiscal Internacional, 2013, pp. 572-586),
(Cardona, 1995, pp. 250-256) e (Menezes Leitão L. M., 1999, pp. 138-139).
46
1.2.2.2.1. Estabelecimento Estável no Modelo de Convenção OCDE
Apresenta uma construção cuja ideia de “fisicalidade” surge como elemento central do
estabelecimento estável.
122
No mesmo sentido, RITA CALÇADA PIRES ao referir que se encontra ausente da noção geral de
estabelecimento estável a “exigência de produtividade da instalação. Não foi aqui aceite a teoria da
realização, mediante a qual um E.E. só seria E.E. quando a sua exploração gerasse directamente um
benefício. Pelo contrário, o disposto nas primeiras disposições do artigo 5.º revela a adopção da teoria da
pertença económica. Segundo esta teoria, e como se viu, permite-se que toda e qualquer estrutura
económica situada num pais possa vir a ser considerada E.E., mesmo que contribua apenas
indirectamente para a produção do lucro empresarial” (Pires R. C., Tributação Internacional do
Rendimento Empresarial, 2011, p. 239).
47
instalação, espaço. Estes conceitos carregam uma exigência de “fisicalidade”. Só
existem pela presença de um elemento físico que lhes dá forma;
No parágrafo 5 dos comentários ao n.º 1 do artigo supra, a propósito da referência
a fixa, quando afirma a necessidade de uma ligação entre a instalação e um ponto
geográfico, recorre-se, uma vez mais, à ideia de “fisicalidade”;
No n.º 2 do artigo em apreço, todos os exemplos apresentados têm uma natureza
física e dependem da presença dos requisitos exigidos para efeitos do n.º 1 (cf.
parágrafo 12 dos comentários ao n.º 2 do artigo), o que reforça a exigência de
“fisicalidade” e de consideração de um elemento geográfico;
No caso das ficções de estabelecimento estável, no caso da cláusula relativa ao
estaleiro de construção, ainda que contornando o elemento fixidez, valorizando o
elemento temporal, insiste-se na “fisicalidade” ao prever-se a necessidade de
mobilidade do estaleiro permanente e ao apelar a uma avaliação da unidade/
coerência comercial e geográfica123.
123
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 158).
124
(Liquito, 2010, p. 779).
48
1.2.2.2.1.1. Estabelecimento Estável Real125
Não existindo uma fórmula que nos permita de imediato reconhecer uma
instalação fixa, enquanto elemento característico e obrigatório de um estabelecimento
estável, o legislador, quer nacional quer internacional, optou por fazer uma referência a
diversas realidades que, por terem associadas uma certa estrutura física, consubstanciam
em si mesmo um estabelecimento estável.
125
Ou estabelecimento estável por natureza ou conceito básico, cf. (Pires R. C., Tributação Internacional
do Rendimento Empresarial, 2011, p. 239).
126
Designa-se de estabelecimento estável real por referência à expressão “res”, que significa “coisa”, que
exprime a ideia de uma instalação física.
127
Cf. RITA CALÇADA PIRES, “Da conjugação destes três elementos resulta um E.E. quando as instalações de
uma empresa se inserirem na economia de um país, independentemente do seu imediato carácter
produtivo” (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 239). No mesmo
sentido, (Cardona, 1995, p. 259)
128
Carecendo por isso de ser preenchido.
49
De todo o modo, e não obstante a falta de regras que nos levem a definir
exatamente o que é uma instalação fixa129, os comentários relativos aos artigos da MC
OCDE promovidos pelos diferentes Estados parte desta organização permitem
compreender a ratio que subjaz à utilização daquela expressão.
Por “fixa” entende-se um local físico determinado, ou seja, uma ligação entre a
“instalação” e um certo ponto geográfico131, com um certo grau de permanência132.
129
O que poderá ser entendido como uma vantagem. Uma definição muito rígida de instalação fixa
deixaria, certamente, de fora muitas realidades que a ela poderiam ser reconduzidas pela partilha de
diversos elementos comuns a ambas.
130
Cf. parágrafos 4, 4.1 e 4.2 dos comentários ao n.º 1 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho
2015, pp. 146-147). Do exposto, o mais relevante parece ser a verificação do controlo efetivo do espaço.
Assim, tentar-se-á evitar a manipulação dos dados pelo contribuinte com objetivos evasivos ou
fraudulentos.
131
Acrescenta MARIA CELESTE CARDONA que, “Conexionado com este elemento deve ter-se em atenção, para
efeitos de qualificação de certa instalação fixa como estabelecimento estável, que é fundamental a
«intenção» (elemento subjetivo) que preside à ligação com certo espaço geográfico” (Cardona, 1995, p.
262).
132
Cf. parágrafos 5, 5.1 e 6 dos comentários ao n.º 1 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho
2015, pp. 151-160).
133
Sobre este elemento, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p.
242).
134
Cf. parágrafos 2, 7 e 10 dos comentários ao n.º 1 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho
2015, pp. 146, 152 e 154).
50
Do exposto ressalva a presença de uma certa fixidade e fisicalidade135 do conceito
de instalação fixa e, por via de regra, do conceito de estabelecimento estável tradicional.
135
Aquilo a que ALBERTO XAVIER chama de “fixidez, necessária para que o estabelecimento se considere
estável (Xavier, 2011, p. 312).
136
Cf. (Pires M. , 1984, p. 746). No mesmo sentido, refere MARIA CELESTE CARDONA que, os “exemplos
incluídos na enumeração constante do parágrafo 2 do artigo 5.º beneficiam de uma presunção de jure,
por razões de segurança jurídica, não admitindo em consequência qualquer prova em contrário, no
sentido da existência de um estabelecimento estável” (Cardona, 1995, p. 260).
137
Cf. (Xavier, 2011, p. 339) e (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p.
244).
51
“só constituem estabelecimento estável se satisfizeram as condições estipuladas no
número 1” (relativo à noção geral)138.
Ora, para existir estabelecimento estável real (ou por natureza), a atividade
desempenhada não pode consistir numa atividade preparatória ou auxiliar. Esta exigência
surge na sequência de elementos como a permanência, a substancialidade, bem como a
consistência no exercício de uma atividade serem essenciais para se estar perante um
estabelecimento estável.
138
Como refere Rita CALÇADA Pires, nos parágrafos 12 a 15 dos comentários ao n.º 2 do art.º 5.º do MC
OCDE “vislumbra-se a preocupação de enfatizar que os exemplos apresentados devem ser conjugados
com as exigências previstas no primeiro número, pois só se estiverem de acordo com essas exigências
incorporarão o conceito de E.E., com todas as consequências de tributação envolvidas” (Pires R. C.,
Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 244).
139
Para uma análise mais pormenorizada dos elementos negativos do conceito de estabelecimento
estável, (Cardona, 1995, pp. 263-266).
140
Segundo MARIA CELESTE CARDONA, esta “qualificação está, no entanto, dependente da natureza
estatutária das actividades prosseguidas pela empresa. Com efeito é através da análise da relação
existente entre a actividade económica da empresa, consagrada no seu objecto social, e, as outras
actividades por ela desenvolvidas, que deverá ser aferido o carácter auxiliar ou preparatório destas
últimas” (Cardona, 1995, p. 264).
141
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 245) e parágrafo 24 dos
comentários ao n.º 4 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015).
52
projeto142 e o estabelecimento estável agência. Com interesse para o presente trabalho,
destacaremos apenas este último. Contudo importa apresentar alguns considerandos
prévios sobre estas figuras.
142
Ou cláusula do estaleiro de construção (cláusula de construção), na terminologia usada por RITA
CALÇADA PIRES (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 246).
143
Para uma análise mais detalhada do tema, (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento
Empresarial, 2011, pp. 246-252).
144
Cf. parágrafo 32 dos comentários ao n.º 5 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015,
p. 166).
53
existência de um agente dependente como modo alternativo para a presença de um
estabelecimento estável real em determinado território145.
145
Cf. parágrafo 31 e 35 dos comentários ao n.º 5 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho
2015, p. 166 e 168).
146
Por contraposição ao estabelecimento estável de caráter real.
147
Cf. (Xavier, 2011, p. 316).
148
Cf. RITA CALÇADA PIRES (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 249) e
parágrafo 33.1 e 32 dos comentários ao n.º 5 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015,
p. 168 e 166).
149
Ou “agente”, na formulação utilizada pelo MC OCDE.
54
imputável a uma organização de pessoas e bens equiparada, para efeitos tributários, a
empresa independente, ou seja, como se fosse imputável a uma pessoa jurídica residente
naquele Estado150.
Ou seja, desde logo se estabelece que a existência de uma afiliada não constitui,
por si só, um elemento que a reconduza a um estabelecimento estável da sociedade sede
(matriz), em virtude de a afiliada constituir uma entidade jurídica independente.
Aliás, o próprio facto de a atividade da afiliada ser dirigida pela sociedade sede (matriz)
não faz da afiliada um estabelecimento estável desta153. Não existe essa correlação direta.
150
Cf. (Xavier, 2011, p. 342).
151
Sobre os diversos tipos de representantes, vide (Brito, 1990, p. 101 e ss).
152
Cf. (Xavier, 2011, p. 322).
153
Cf. parágrafo 40 dos comentários ao n.º 7 do art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015,
p. 173).
55
Na esteira de RICARDO REIGADA PEREIRA, e por forma a prevenir interpretações
“mais arrojadas – como aquelas que foram ensaiadas em Itália154 – alteraram-se os
Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da
OCDE de forma a clarificar que a existência num Estado de um estabelecimento estável
de uma sociedade do grupo não será relevante no que diz respeito a saber se uma outra
sociedade do grupo possui um estabelecimento estável nesse Estado155”.
Passámos a observar colisões ente normas de Direito interno que podem criar uma
dupla tributação jurídica relativamente ao mesmo facto tributário, dando origem à
constituição de mais do que uma obrigação de imposto, quando esse facto apresente uma
conexão com mais do que uma ordem jurídica (situações internacionais).
154
Acórdão do Supremo Tribunal Italiano n.º 3368, 20 de dezembro de 2001 a 7 de março de 2002.
155
Cf. (Pereira R. R., 2014-2015).
56
A tributação internacional, relativamente ao reconhecimento e à repartição de
competências tributárias, recorre, sobretudo, à residência do contribuinte ou à fonte do
rendimento156, considerados por referência a um território.
156
Exemplo disso é a utilização no MC OCDE, instrumento de grande importância no contexto
internacional dos conceitos de residência e de fonte como forma de distribuição do poder tributário dos
Estados Contratantes.
157
Cf. (Pereira P. R., O papel do estabelecimento estável no Direito Fiscal Internacional, 2013, p. 571).
158
Cf. (Arnold, Threshold requirements for taxing business profits under tax treaties, 2003, p. 483 a 488).
57
Sendo certo que no estabelecimento estável tradicional a “fisicalidade” sempre foi
um elemento importante é, também, e ao mesmo tempo, o mais rígido. Foi justamente a
insuficiência e rigidez atribuída ao conceito tradicional de estabelecimento estável (real
ou por natureza), em acomodar outras realidades empresariais, económicas e comerciais
que tendem a fugir àquela conceção, que motivou a eclosão de outras formulações do
conceito de E.E. (estabelecimento estável projeto, estabelecimento estável agência).
58
na fonte. Não fará sentido aplicar uma tributação regular, e os mecanismos de controlo
inerentes, no caso de atividades desenvolvidas de forma ocasional ou isolada 159, daí que
as atividades económicas desenvolvidas por um não-residente impliquem, para que exista
uma conexão relevante, a continuidade da intervenção dos agentes no mercado.
159
Como nos ensina RITA CALÇADA PIRES, “Uma actuação isolada apenas dará lugar a tributação se se estiver
perante o plano nacional e um residente” (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento
Empresarial, 2011, p. 255).
160
Sobre a aplicabilidade do conceito de estabelecimento estável ao caso concreto, vide (Pires R. C.,
Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, pp. 255-257).
161
Sobretudo num contexto empresarial, cuja atividade e formas de organização são premiáveis a
múltiplos fatores económicos, políticos, jurídicos, tecnológicos.
59
virtual onde a presença física e mecanismos contínuos de intervenção dos agentes não são
uma realidade162.
RITA CALÇADA PIRES fala, por referência ao mundo virtual, no desprendimento da realidade física e de
162
uma “monocontinuidade” (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 257).
60
Capítulo 2. A economia digital
163
Entre outras.
164
Sobre as potencialidades da globalização, vide (Stiglitz, Making Globalization Work, 2006).
165
Neste sentido, (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 36 e ss).
166
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 38). Assim, a par da
denominada globalização económica, podemos também identificar a globalização social, a globalização
política e a globalização cultural. Sobre estes tipos de globalização, vide (Santos B. d., 2002).
167
Sobre a história, evolução e efeitos da globalização, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do
Rendimento Empresarial, 2011, pp. 40-54).
168
De todo o modo, e como acontece noutros casos, são múltiplas as tentativas de explicar o fenómeno
da globalização A propósito, a doutrina tem vindo a identificar, fundamentalmente, três escolas: os
HiperGlobalistas, os Céticos e os Transformistas. Quanto a este tema, refira-se apenas que a escola dos
Transformistas parece a mais condizente com o que foi dito anteriormente, na medida em que entende
a globalização como um fenómeno não apenas adstrito à economia, mas transversal a diversas áreas,
reconhecendo a complexidade e pluralidade do fenómeno. Na busca por uma definição de globalização,
e pela identificação de elementos que pela sua constante presença a possam caracterizar, esta tem sido
associada aos conceitos de heterogeneidade, pluralismo, democracia, liberalismo/ neoliberalismo,
tecnologia, inovação, conhecimento, interdependência, mobilidade e globalidade. Para desenvolvimento
do tema, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, pp. 38-40).
61
Recorrendo a uma expressão muito comum, sempre se diga que a globalização
consubstancia uma quebra das barreiras tradicionais do espaço e do tempo.
Esta ideia de mobilidade170 faz surgir novas realidades que, por um lado, consubstanciam
verdadeiros desafios para os Estados, tendencialmente alicerçados em estruturas datadas
no tempo e com isso acarretando uma maior morosidade na adaptação à nova conjuntura
entretanto criada, por outro, um manancial de oportunidades, sobretudo para empresas e
agentes económicos.
169
Hoje fortemente potenciado pelas TIC – Tecnologias de Informação e comunicação.
170
Para além da mobilidade, podem ser apontados outros elementos caracterizadores da globalização
como sendo os elementos nucleares que influenciam o Direito Fiscal, nacional e internacional, a saber: (i)
a tecnologia; (ii) os novos atores do poder nacional e internacional; (iii) a interdependência e (iv) o
enfraquecimento do poder público (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial,
2011, p. 94).
171
O rendimento, o património e a despesa.
172
A mobilidade prossupõe um menor vínculo a um território. Assim, a base sobre qual recai o tributo
diminui, diminuindo também o montante sobre o qual o imposto deveria recair e, consequentemente, o
quantitativo resultante da sujeição fiscal.
173
Cf. Sobre a mobilidade desenvolveremos mais adiante.
174
“O progresso da globalização, e a envolvente tecnológica que a possibilita e fomenta, juntamente com
a menor dependência dos constrangimentos geográficos, têm operado uma redistribuição de poder da
esfera pública para a esfera privada e da comunidade para o individuo. Os estados nacionais vêem a sua
liberdade de acção corroída e o alcance efectivo da sua soberania limitado, ao mesmo tempo que os
indivíduos, as empresas e os demais agentes privados adquirem crescente poder efectivo e uma mais lata
margem de manobra” (Bento, 2004, p. 132).
62
O desenvolvimento dos meios de comunicação permite também uma maior e mais
rápido acesso à informação, quer em qualidade quer em quantidade175. Não basta o acesso
a informação. Exige-se que essa informação seja adequadamente tratada, pois só assim
se estrai conhecimento e se gera valor176.
175
“As novas tecnologias vieram, de facto, alterar de fora radical o mundo e a percepção do mundo. De
uma economia de base industrial, assente na matéria, em átomos, transita-se para uma economia em que
o factor imaterial – dados, informação, conhecimento técnico-científico, bits – ganha proeminência e se
transforma, ele mesmo, num produto com valor económico, virtualmente comercializável. Indústria da
informação, nova economia são, aliás, expressões que procuraram, ainda que de forma parcelar, dar
conta destes fenómenos. De forma mais ampla, é, aliás, corrente falar-se não apenas de economia ou
indústria da informação, mas de era da informação e de sociedade de informação” (Santos A. C.,
Sociedade de informação, globalização e desenvolvimento: paradoxos da crescente complexidade do
mundo, 2007, p. 30).
176
Sobre a importância da informação, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento
Empresarial, 2011, p. 43 e ss) e (Castells, 2004, p. 35 e ss).
177
Doravante, TIC.
178
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 47).
179
Como nos ensina RITA CALÇADA PIRES, “A economia como uma economia global, privilegiada na relação
com as novas tecnologias e o impacto que estas produzem no universo económico, coloca a questão de
saber se se está perante uma nova economia. Em 1997, Kevin Kelly, redactor de uma revista especializada
em novas tecnologias, publicou um artigo (artigo que resultou em livro – New rules for the new economy.
10 radical strategies for a connected world) onde apelava ao nascimento de uma nova economia
caracterizada por ser uma economia global, que privilegia os objetos imateriais e é marcada pela
interconexão e conectividade. Depois de uma temporada de recusa, por parte dos economistas, quanto
ao nascimento de uma nova economia, verifica-se, atualmente, uma crescente tendência para a admitir”
(Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, pp. 47-48).
63
A presença física deixa de ser determinante para a realização do negócio. O
envolvimento tecnológico no processo económico e comercial permite um processo de
intangibilidade de bens e serviços e, consequentemente, de afastamento do elemento
físico, com o objetivo de derrubar as barreiras próprias da distância geográfica e temporal.
180
Cf. (Comissão Europeia, 2014, p. 5).
181
Cf. (Comissão Europeia, 2014, p. 5).
64
oportunidades criadas pela economia digital surge também um conjunto de desafios à
conformação destas duas realidades182.
182
Por inadequação da respetiva estrutura, os Estados veem-se incapazes de acompanhar esta mudança.
De todo o modo, não cremos poder falar-se em esgotamento dos modelos de tributação existentes. É
certo que existe um desajustamento entre os atuais sistemas fiscais e a realidade digital, mas há que
promover um encontro entre ambos. Nesse sentido, os sistemas fiscais e os elementos de conexão
tradicionais, desde que adaptados às novas realidades, poderão ainda mostrar-se aptos já que as
premissas que os compõem não estão absolutamente ultrapassadas.
183
Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015).
184
Cf. (OCDE, Interim Report , 2018).
185
Num relatório do Comité dos Assuntos Fiscais (CAF) da OCDE apresentado à Conferência Ministerial de
Outubro de 1998, denominado como «A Borderless World – Realising the potencial of Electronic
Commerce», foi estabelecida a regra de que deveriam ser aplicadas ao comércio eletrónico as mesmas
regras e princípios que se aplicam ao comércio tradicional (Guimarães, A Tributação do Comércio
Electrónico: Uma perspectiva jurídico-fiscal, 2001). Como refere M AARTEN DE WILDE, “The OECD stated in
its ‘September 2014 deliverable’ that the digital economy could not be treated separately from the rest
of the economy. In other words, ‘ring-fencing’ the digital economy is not an option. Indeed, the fact that
the overall economy is increasingly becoming digital means that devising rules specificaly for the digital
economy may well be inappropriate. That will simply create complex of delineation” (Wilde, 2015, p. 802).
65
direta) da economia digital que não de uma forma integrada com o atual quadro jurídico-
tributário.
2.1.1. A mobilidade
É cada vez mais fácil deslocalizar a produção para territórios que se apresentem
economicamente mais vantajosos (com menores níveis de tributação), mantendo o centro
de decisões noutro território, havendo a possibilidade de as empresas operarem em
186
Quer pela digitalização de bens materiais como da criação de novos produtos e serviços.
187
Cf. (Comissão Europeia, 2014, pp. 11-12).
66
diversos mercados dispersos por todo o mundo, sem para isso precisar de manter qualquer
estrutura física de apoio188.
188
Com efeito, a intangibilidade dos bens e serviços resulta também na sua mobilidade geográfica e na
capacidade de as empresas chegarem a novos mercados, oferecendo os seus produtos e serviços a
clientes dispersos pelo globo, com custos reduzidos.
189
Observa-se uma degradação das bases sobre as quais deverá incidir o tributo. As Administrações
tributárias podem ver uma redução nas receitas fiscais porque os impostos indiretos são difíceis de coletar
e a empresa não-residente não tem presença para se aplicarem impostos diretos.
190
Cf. (Comissão Europeia, 2014, p. 12).
67
Outro exemplo é o dos sistemas operativos adotados por um elevado número de
utilizadores: a adoção de um sistema operativo por um grande número de utilizadores
incentivará o desenvolvimento de software para essa plataforma, que por sua vez resulta
numa maior utilidade do sistema, o que o tornará mais atrativo e com maior capacidade
de atrair novos utilizadores191.
As empresas dedicadas a este tipo de negócios veem o seu valor e o valor dos seus
produtos e serviços aumentarem pelo aproveitamento dos denominados efeitos de rede,
sejam estes potenciados apenas pela adesão gratuita de novos utilizadores, seja pela
implementação de políticas que incentivam interações.
191
Como caso paradigmático temos a Nokia e a Apple. A Nokia, um dos maiores fabricantes a nível mundial
de telemóveis sofreu um revés quando o seu sistema operativo começou a ser cada vez menos utilizado.
Em sentido contrário, a Apple e o seu sistema IOS foi acumulando utilizadores o que incentivou outros
desenvolvimentos no sistema tornando-o hoje um sucesso.
68
2.1.3. A importância da informação
192
Cf. (Comissão Europeia, 2014, p. 13). Embora seja possível a tradução de Big data para português como
“meta dados”, a mesma não se mostra uma definição suficiente por mais restrita. Por Big data traduz-se
na possibilidade e nas ferramentas utilizadas para armazenas, agregar e combinar dados para a utilização
em análises direcionadas que, eventualmente, se traduzam na criação de valor.
193
Com menores custos associados à inovação, em termos de medição e análise, tornando mais fácil
executar experiências controladas e medir seu sucesso com grande precisão do que na era pré-digital.
69
Em suma, a economia digital, sendo parte integrante da economia, apresenta
algumas características relevantes para efeitos de tributação.
Acresce que estas características acabam por levar a uma tendência para o
monopólio em certos negócios, embora contraposta a uma volatilidade natural de uma
realidade em rápida mutação, em que as barreiras de entrada no mercado são reduzidas.
194
Como refere (Guimarães, O conceito de estabelecimento estável e o comércio electrónico, 2000, p.
155).
195
Cf. (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, pp. 304-305).
70
Assim, pela importância da presença física e geograficamente localizada, as
operações desenvolvidas no contexto da economia e comércio tradicionais são tangíveis
e facilmente conhecidas. Ou seja, dada a materialidade das coisas, os elementos
constitutivos destas operações são facilmente identificados, conhecidos. Trata-se de uma
realidade mais facilmente apreensível.
196
“O comércio eletrónico vem alterar profundamente a forma como a administração fiscal pode,
efetivamente, exercer a sua atividade, efetivar as suas obrigações, bem como garantir o cumprimento das
obrigações fiscais dos contribuintes”, Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial,
2011, p. 201).
197
Não obstante as transações terem como referência um qualquer ponto geográfico, as fronteiras não
desapareceram.
198
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, pp. 202-203).
71
Antevê-se um impacto da economia digital e dos seus elementos na soberania
fiscal dos Estados.
Mesmo na parcela que mantém, é cada vez mais difícil fazer a sua apologia.
Observa-se hoje, muita por culpa da digitalização e dos sistemas fiscais que não a
souberam competentemente acompanhar, um desajustamento e inadequação destes
últimos à realidade virtual, justificados pela limitação e fragmentação da soberania fiscal,
pela degradação das bases de tributação tradicionais e pela consequente diminuição de
receita fiscal.
Face a tudo o quanto exposto, identificamos três grandes desafios suscitados pela
economia digital na esfera das administrações Fiscais:
72
2.2.1. Os elementos de conexão tradicionais
O Direito Fiscal Internacional tem como uma das suas missões dirimir os conflitos
que surgem da pretensão de dois ou mais Estados em tributar um mesmo facto. Fá-lo
através de um conjunto de regras cujo objetivo é a repartição do poder tributário entre
Estados.
199
Cf. (Xavier, 2011, p. 224).
73
Parece clara a desarticulação entre a realidade presente nos elementos de conexão
tradicionais e a realidade sobre a qual pretendem incidir.
Segundo alguns autores, isto demonstra a existência de uma crise no seio dos elementos
de conexão tradicionais.
200
Verdadeiramente, os problemas que ora se identificam não têm origem com o advento da economia
digital, mas sim com a globalização. Verifica-se, contudo, um desenvolvimento considerável dos mesmos
com a economia digital. Estes problemas são a face visível da inadequação dos sistemas fiscais tradicionais
e, em certa medida vigentes, à realidade global, interligada e interdependente.
74
pessoas singulares ou pessoas coletivas, podemos distinguir entre residência singular e
residência de entes coletivos, respetivamente.
No caso português, a residência individual afere-se segundo o disposto no artigo 16.º do CIRS.
201
Para desenvolvimento desta questão, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento
202
75
dispersão dos processos de tomada de decisão por diversos Estados203, criando
dificuldades acrescidas ao preenchimento do conceito de direção efetiva da pessoa
coletiva.
O processo de tomada de decisão pode estar de tal modo disperso que será
virtualmente impossível reconduzir a gestão estratégica, ou mesmo a gestão corrente,
maioritariamente a um único lugar, por forma a poder considerar-se determinado ponto
geográfico o local onde se desenvolve a direção efetiva de determinada pessoa coletiva204.
Tão pouco os endereços eletrónicos (por exemplo, .pt, .uk) podem ser
considerados fiáveis, por nem sempre existir uma correspondência verdadeira entre a
localização geográfica efetiva e o endereço eletrónico.
Da mesma forma, a utilização dos servidores espelho (mirror servers) aumenta a confusão
na busca da localização (de origem).
A solução passará pela identificação do Estado com o qual a pessoa coletiva tenha
mais forte conexão económica, independentemente de aí residirem os principiais
203
Pense-se, como exemplo, na situação em que as decisões de gestão de uma empresa são tomadas
pelos seus diretores residentes em países diferentes mediantes videoconferência.
204
Por exemplo, os diretores não se encontram em local único e os acionistas não se deslocam a nenhum
local para serem informados/ votarem/ deliberarem, os trabalhadores estão distribuídos por vários países
sem relações hierárquicas entre si.
205
Neste sentido, vide (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 306).
206
A ordem jurídica mostrar-se-ia competente se fosse identificado o elemento conexão.
76
administradores ou acionistas, através de uma construção valorativa que permita
identificar o território onde a atividade empresarial tenha maior grau de implementação.
Por outro lado, o elemento conexão fonte garante o poder de tributação ao Estado
onde se gera/ produz o rendimento. A ideia de pertença económica (economic allegiance),
comumente associada ao Estado fonte enquanto justificação do vínculo criado com
determinado Estado, apenas se manifesta quanto aos rendimentos originados nesse
território, no caso de se verificarem determinados graus mínimos de presença naquele
território, tradicionalmente através da existência de determinados elementos de natureza
material.
Aliás, as regras de tributação na fonte que temos vindo a mencionar ao longo deste
trabalho, sobretudo no âmbito do estabelecimento estável, mostram-se pouco flexíveis
pois procuram manter o mesmo processo de base territorial (associado à presença física
estável) no que se refere ao tratamento da questão fiscal da economia digital 208.
207
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 257).
208
Como procura transmitir JINYAN LI, não sobre a economia digital, mas sobre o comércio eletrónico com
o qual podemos fazer alguns paralelismos, existe uma incompatibilidade do comércio eletrónico com a
ideia de presença física, procurando-se enxertar a “fisicalidade” num universo como o do comércio
eletrónico (Li, 1999, p. 1436). Assemelha-se a algo similar aquele jogo no qual se convida uma criança a
colocar um conjunto peças geométricas na forma geométrica correspondente, e esta procura, sem
sucesso, encaixar/ fazer passar um cubo pela forma geométrica círculo.
209
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 257).
77
de tributação pois, ao contrário das regras existentes, a economia digital não se subsume
à unidade territorial. Trata-se de uma realidade que não utiliza como referencial uma
qualquer noção de território.
Deparamo-nos sim com um espaço virtual uno ao qual corresponderão múltiplos espaços
geográficos no mundo físico.
Assistimos por isso a uma potencial crise do elemento conexão fonte, pois a
economia digital não precisa de presença física num território para desempenhar a sua
atividade.
210
Como a dificuldade em assegurar e controlar o cumprimento tributário.
211
Mas implicará que a ligação a ele subjacente se confirme através de outros elementos.
212
O princípio da territorialidade relaciona-se com o âmbito espacial do facto gerador do imposto,
permitindo estabelecer, através de elementos de conexão, a ligação entre o facto tributável e o
ordenamento jurídico do Estado, assim legitimando a aplicação das respetivas normas tributárias, ou
melhor, o exercício da respetiva competência tributária.
213
No seguimento de outras considerações já tecidas sobre o princípio da territorialidade, e sobre a
vitalidade do mesmo importa dizer o seguinte:
Os impostos sobre o rendimento, a par dos restantes, emanam dos ordenamentos jurídicos nacionais. Os
ordenamentos jurídicos, por correlacionados ao conceito e figura do Estado, vêem-se delimitados por um
território. Assim, os impostos são sempre reconduzidos a um espaço geográfico onde se exerça o poder
tributário correspondente. Não há sobre o rendimento quaisquer impostos supra ou transnacionais que,
pela sua natureza, permitiriam a respetiva aplicação independentemente da geografia em que aquele
tivesse origem/ fonte. A desconsideração da geografia nestes termos permitiria a aplicação de impostos
ao mundo virtual, onde a conexão com determinado território em função de elemento físico pouco
importa. Bastaria, em abstrato, identificar uma transação da qual adviesse um rendimento para que o
mesmo fosse tributado. Sendo certo que sempre seria uma tarefa hercúlea. Os problemas seriam
múltiplos: a soberania dos Estados; harmonizar os diferentes sistemas fiscais existentes para que
pudéssemos ter um imposto sobre o rendimento consensual no alargado universo de Estados e
administrações; divisão das receitas tributárias; a existência de entidades internacionais que pudessem
78
De todo o modo, e para que seja possível a tributação do rendimento gerado no
âmbito da economia digital, sempre terá de haver uma sobreposição entre ambas as
realidades – virtual e real – pois, na prática, é o Estado, enquanto realidade
geograficamente definida, que detém o poder de tributar214, independentemente da
natureza do rendimento, pelo que terão de coexistir.
suportar a aplicação e controlo de tais impostos, assegurar o cumprimento tributário e que regular a
divisão e o destino das receitas que resultassem desta tributação. Não é, porém, esta a atual realidade.
Os impostos, enquanto manifestação do poder tributário dos Estados, estão ligados ao território
correspondente, o que tem um profundo impacto na forma como a divisão de rendimentos é operada
entre as várias jurisdições fiscais. Assim, a tributação de um rendimento, independentemente da sua
natureza, implica a recondução do mesmo a um território e, consequentemente, a um sistema jurídico-
fiscal para se operar a respetiva tributação e assim contribuir para as receitas do Estado aplicadas na
prossecução do interesse público – os fins do Estado. Assim, o caminho parece ser, analisado o atual
contexto, continuar a promover a referida ligação de um facto tributário a um Estado para que seja
possível tributa-lo. Para o efeito, ao invés da “fisicalidade”, deverá ser utilizado um outro elemento que
comprove, tal como aquela o faz, a ligação de determinada fonte de rendimento a um Estado, permitindo
um ajustamento entre as distintas realidades em jogo.
214
Não obstante ser uma preocupação internacional e existir articulação entre Estados e as respetivas
administrações fiscais.
215
Começa-se a perceber que a mesma passará pela recusa à fisicalidade como elemento nuclear ao
estabelecimento de uma conexão entre um facto e um território.
79
necessário um maior grau de concretização, de determinabilidade na aplicação ao caso
concreto216.
Pois é essa ligação/ relação com determinado Estado, e os fins deste, que demonstra a
existência de um vínculo económico entre ambos, o qual justifica que determinado
indivíduo ou ente coletivo estejam na disposição de se sujeitarem a determinados
“sacrifícios tributários”218 como contrapartida dos benefícios particulares e gerais que
recebam em troca219.
216
O princípio e a regra que o concretiza são realidades diferentes. Sendo os princípios conceitos vagos e
indeterminados necessitam de concretizações, o mesmo não se passa com as regras que são aplicáveis
diretamente (Canotilho, 2002, p. 1160 e ss).
217
Como refere RITA CALÇADA PIRES, “O facto de as regras concretizadoras dos elementos de conexão
estarem em crise não implica automaticamente a assunção de que o(s) próprio(s) princípio(s) que essas
concretizam esteja(m) igualmente em crise” (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento
Empresarial, 2011, p. 269).
218
Nas palavras de PEDRO SOARES MARTINEZ, (Martinez, Direito Fiscal, 1993, p. 79).
219
Enquanto fundamento da soberania tributária.
220
Conforme aos princípios da residência e da fonte e os respetivos elementos de conexão.
80
O problema que tem sido revelado pelo advento da economia digital, e dadas as
suas características, reside, justamente, na forma ou através de que regras será
estabelecida essa ligação, dada a incapacidade por parte das regras atuais/ tradicionais em
fazê-lo.
Não estamos por isso perante uma crise no plano dos princípios ou dos respetivos
elementos de conexão221, mas sim perante uma crise no plano das regras que os
concretizam e realizam222.
Para tanto, e como já referido, concorre o facto de a economia digital surgir como
uma realidade diametralmente oposta àquela para a qual os elementos de conexão e
respetivas regras foram então pensados e criados. As atuais regras, datadas no tempo, já
não permitem ser aplicadas a esta nova realidade, pois foram as mesmas pensadas e
construídas para serem aplicadas num mundo muito marcado pela “fisicalidade”, base da
construção tradicional.
Existe, por isso, uma desadequação das regras tradicionais para determinar a
residência e a fonte no âmbito de uma atividade essencialmente global, flexível, móvel e
muitas vezes imediata.
221
Como nos ensina RITA CALÇADA PIRES, a essência de um princípio não é afetada, “(…) porque um princípio,
por contraposição às regras, detém uma capacidade adaptativa permanente e ativa que lhe garante uma
substância sempre atualizada e ligada às realidades contemporâneas” (Pires R. C., Tributação
Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 271).
222
“A regra existe como forma de resolver a aplicação do princípio ao caso concreto” (Pires R. C.,
Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 269).
223
Já por nós caracterizada.
81
Também relativamente ao elemento conexão fonte, têm as atuais regras sentido
dificuldades em identificar a origem de um rendimento, reconduzindo-o a determinado
Estado. Veja-se o exemplo do Estabelecimento Estável tradicional224 que abordaremos
melhor adiante. Considerando-se o Estabelecimento Estável regra de concretização da
fonte, e não a fonte em si mesma considerada, o mesmo tem-se mostrado inadequado a
esse fim.
Como refere RITA CALÇADA PIRES, “A crise nas regras definidoras dos elementos
de conexão demonstra a fragilidade de como as realidades físicas, construídas com base
numa atividade económica permanente e fixa no espaço, e tantas vezes no tempo, são
desadequadas para serem o elemento de conexão de um tipo de atividade essencialmente
flexível, móvel e muitas vezes imediato”225.
Nestes termos, o objetivo passará por procurar novas regras que possam satisfazer
adequadamente as funções que devem cumprir – concretizar e bem executar os princípios
da residência e da fonte.
224
Revelador de uma conexão económica entre determinado Estado e uma pessoa coletiva.
225
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 274).
82
2.2.1.1. O Estabelecimento Estável
226
Cf. (Arnold, Threshold requirements for taxing business profits under tax treaties, 2003, p. 483 a 488).
227
(Garcia Prats, 1996, p. 184).
83
justificar a presença econômica ou um especial vínculo ao Estado, veja-se o caso do
estabelecimento estável agência 228.
Significaria também, desde logo, obstar à utilização desta figura num contexto de
economia digital, condenando-o, de certa forma, à falência. Facilmente se percebe que
assim seria, ou não fosse virtualmente impossível conciliar uma realidade fortemente
marcada pela desmaterialização de processos e elementos com uma outra
tradicionalmente assente num elemento/ ligação física estável com um território.
228
Melhor descrito adiante.
229
Assim se ultrapassando a “(…) inadequação do conceito tradicional de estabelecimento estável –
baseado na presença física estável num território – para continuar a determinar a repartição do poder
tributário entre os Estados, no que toca a rendimentos empresariais” (Pereira P. R., O papel do
estabelecimento estável no Direito Fiscal Internacional, 2013, p. 586).
84
incapacidade daquele conceito (na sua formulação tradicional) em acomodar novas
realidades e a responder às necessidades que delas resultam.
Parece claro que o rápido desenvolvimento das TIC veio agudizar e tornar mais
óbvia uma certa falência daquela característica. Prova bastante, é justamente a construção
de novos tipos de estabelecimento estável, menos dependentes de uma qualquer
instalação física.
A “fisicalidade” não parece, assim, determinante para justificar uma forte ligação
económica entre o facto tributário e determinado território, e assim um limiar mínimo de
presença que justifique a tributação pelo Estado fonte. Pelo recurso a outros elementos
(que não o físico) somos capazes de justificar a existência daquele limiar mínimo.
230
Sendo certo que neste particular sempre se poderia dizer que a “fisicalidade” é assegurada por um
agente, passível de ser considerado um elemento físico presente numa determinada geografia.
231
Procuramos evitar a utilização da palavra estrutura por poder ser, erroneamente, reconduzida a um
elemento físico.
232
Cf. (Pires R. C., Tributação Internacional do Rendimento Empresarial, 2011, p. 259) e (Arnold, Threshold
requirements for taxing business profits under tax treaties, 2003, p. 491).
85
Compreende-se que para a tributação pelo Estado da fonte se tenha de reconduzir
determinado rendimento a um veículo com implementação no território daquele, mas não
deve ser determinante (não obstante algumas dificuldades de conceptualização) que o
mesmo seja apreensível apenas através de um qualquer elemento físico233.
Ora, nos últimos anos a esta parte, o princípio do estabelecimento estável tem
vindo a mostrar-se desadequado face à realidade emergente234. O atual panorama do
comércio internacional, em constante mutação graças à nova realidade imposta pela
economia digital, só possível pela evolução das TIC, permitiu ultrapassar a necessidade
de uma qualquer presença física estável (seja uma instalação física ou recursos humanos)
de uma empresa num Estado para dessa forma desenvolver a sua atividade económica.
Esta característica, por si, coloca em causa elementos sobre os quais assenta a
construção do E.E. tradicional, pois estes têm por base, essencialmente, a ideia de
“fisicalidade” e de presença in loco.
Senão vejamos:
233
Como esperamos conseguir demonstrar mais adiante.
234
O mesmo se diga relativamente ao princípio da residência e ao princípio da fonte.
235
Na medida em que a atual contextualização económica não tem qualquer semelhança com a
contextualização da época do surgimento e desenvolvimento do E.E. na prática internacional.
236236
Cf. n.º 1 do art.º 5.º do MC OCDE.
86
A sua definição como local, material ou instalação utilizados no exercício das
atividades da empresa237 denotam a exigência de uma presença física. Ora, na
economia digital essa “fisicalidade” é tendencialmente inexistente.
Haverá por isso uma dificuldade em corresponder este elemento a uma qualquer
realidade presente na economia digital, obstando assim à concretização de um E.E.
num território.
As dificuldades neste caso colocam-se quer num plano temporal quer geográfico.
O tempo não é mais um fator de limitação. O mundo virtual está ao dispor 24 horas
por dia todos os dias em qualquer parte do globo. Perde-se a própria noção de fuso
horário. Mais, na economia digital e no comércio eletrónico nem existe em muitos
casos uma entrega física. Pelo que o imediato e o agora são os novos ritmos.
Por fixidez entende-se a duração prolongada de uma instalação, a rapidez como que a
economia digital se processa é incompatível com esta ideia.
237
Cf. parágrafo 4 dos comentários ao n.º 1 do art.º 5.º do MC OCDE.
87
dispersão permitida pela economia digital potência justamente o contrário, não se
enquadra no espírito unitário do conceito tradicional do E.E. Caso não haja a referida
concentração numa só jurisdição, não haverá E.E.
De facto, estas atividades podem ser um foco de alguma fisicalidade que se mantem
mesmo no contexto da economia digital. Contudo, a sua desconsideração para efeitos
de E.E. obsta à recondução da atividade da empresa, ou parte dela, ao território de um
Estado e, consequentemente, à tributação do rendimento empresarial gerado na
economia digital.
Por outro lado, as atividades definidas como preparatórias ou auxiliares, por remissão
ao n.º 4 do art.º 5.º do MC OCDE, no âmbito de uma economia digitalizada e
desmaterializada podem, na prática, não ter essa natureza (não obstante se encontrarem
tipificadas como tal). Cumprirá fazer essa distinção.
c) Por último, referir que o E.E. Agência também não se mostra preparado para operar
num contexto de economia digital.
Desde logo porque a regra da agência prevista no n.º 5 do art.º 5.º do MC OCDE se
refere a “uma pessoa – que não seja um agente independente”, entendida nos termos
238
Cf. n.º 4 do art.º 5.º do MC OCDE.
239
Cf. parágrafo 21 dos comentários ao n.º 4 do art.º 5.º do MC OCDE, a “combinação das atividades
referidas nas alíneas a) a e) na mesma instalação fixa não deve ser considerada como constituindo um
estabelecimento estável desde que a atividade de conjunto da instalação fixa resultante desta
combinação seja de carácter preparatório ou auxiliar”.
240
Estão em causa atividades também necessárias aos objetivos da empresa e às quais muitas vezes se
associam recursos humanos, fazendo destas atividades potencialmente geradoras de um vínculo
económico com um Estado. Atividades essas que, além do mais, não obstante tipificadas como
preparatórias ou auxiliares podem na realidade não o ser.
88
da alínea a), do n.º 1 do art.º 3.º do MC OCDE, o que limita a possibilidade de
reconduzir esta figura a um software ou hardware que tivesse o mesmo propósito.
Por outro lado, porque também se exige, nos termos do n.º 5 do art.º 5.º do MC OCDE,
que o referido agente “actue por conta de uma empresa e tenha, e habitualmente exerça,
num Estado contratante”. Ou seja, implica a atuação num território e que essa atuação
seja nuclear no espetro das diferentes atividades que possam ser desenvolvidas do
ponto de vista empresarial.
Fica claro que o E.E. está construído para uma realidade e conjuntura assente na
“fisicalidade”, na presença real e física num território. Daí a inadequação das respetivas
regras na identificação de um E.E. quando confrontadas com a economia digital.
241
Conforme referido anteriormente, o Estado da fonte apenas tem competência para tributar os
rendimentos empresariais produzidos no seu território por um não residente, caso os mesmos sejam
reconduzidos a um estabelecimento estável aí existente. Caso não existe um estabelecimento estável, o
Estado fonte não pode tributar.
89
medida em que esta, pela sua própria natureza, coloca em causa o conteúdo funcional de
muitas das regras inerentes ao conceito tradicional de estabelecimento estável.
90
Capítulo 3. A tributação do rendimento na economia digital
242
Cf. (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 304 e ss).
91
face aos diversos desafios colocados pela economia digital, propiciam a erosão da base
tributável e a transferência artificial de lucros das empresas243.
Este problema, por transversal aos diversos Estados, carece de uma resposta
internacional244.
As soluções que têm surgido são um reflexo da estratégia definida pela OCDE no
combate ao BEPS que passa, maioritariamente, pela manutenção das atuais regras de
243
Cf. (Catarino & Guimarães, 2015, p. 443 e ss).
244
Sendo certo que o facto de a economia digital ser vista como realidade ainda em desenvolvimento tem
criado para a definição de uma ação específica.
245
Cf. (OCDE, Addressing Base Erosion and Profit Shifting, 2013).
246
Sobre este projeto, vide (Arnold, International Tax Primer, 2016, p. 183 e ss) e (Ernick, 2013, pp. 3-7).
247
Sobre o BEPS e o sistema fiscal português, vide (Courinha, BEPS e o Sistema fiscal português: uma
primeira incursão, 2014).
248
Grupo constituído pelos líderes das 20 maiores economias mundiais. Em setembro de 2013, solicitaram
à OCDE a elaboração de um plano de ação. Vide (Machado & Costa, Manual de Direito Fiscal - perspetiva
multinível, 2018, p. 161 e ss).
92
tributação249, procurando construir ligações entre a realidade digital e a realidade
internacional fiscal na sua formulação tradicional. As ditas ligações têm tido por base a
descoberta de um qualquer elemento físico passível de ser identificado na realidade
digital.
A par desta estratégia de manutenção das atuais regras de tributação há uma outra
que insiste na procura de regras especificas para a economia digital.
Defendemos pelo contrário uma terceira estratégia, uma via alternativa: mantendo
os atuais princípios de tributação (residência e fonte) e os respetivos elementos de
conexão, sugere-se a alteração das atuais (e tradicionais) regras que os concretizam por
outras passíveis de serem aplicadas a qualquer contexto, independentemente da natureza
real ou virtual.
O caminho passará, entendemos nós, pela escolha de regras que possam ser
aplicadas a ambas as realidades, sem perda de vigor. Para isso, teremos de abandonar o
249
Como referido anteriormente, a crise dos elementos de conexão explica-se no plano das regras que o
concretizam, não no plano dos princípios. Segundo RITA CALÇADA PIRES, “O que a maioria da doutrina, das
organizações internacionais e dos países defendeu foi a manutenção dos atuais princípios de tributação,
discutindo, no entanto, a validade das atuais regras de tributação internacional em face do comércio
electrónico” (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 327), cujo paralelismo pode ser
feito.
250
Pois está relacionada com as TIC, estando as mesmas em constante desenvolvimento.
93
recurso à “fisicalidade” como característica central da fiscalidade e substitui-la por outra
ou outras características que, de forma idêntica, permitam estabelecer um vínculo
tributável entre uma empresa e um Estado. Mostram-se necessários indicadores
alternativos da presença de uma atividade económica num território, até recentemente
conferidos pela “fisicalidade”.
3.1. A residência251
A primeira solução, mais extrema, passaria pela tributação direta dos acionistas
pelos rendimentos gerados pela empresa. Através da desconsideração da entidade
societária, tributar-se-ia diretamente os acionistas, independentemente da jurisdição em
que residissem. Procura-se o que fisicamente pode ser atingível. Na medida em que a
economia digital não confere uma desadequação tão profunda dos critérios existentes para
determinar a residência individual, aproveita-se esse facto adaptando-o à realidade
tecnológica252.
251
Dada a centralidade do E.E. neste trabalho, não procuremos aprofundar em demasia os
desenvolvimentos ocorridos em sede do elemento de conexão residência.
252
Para o desenvolvimento deste tema, vide (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, pp.
329-337).
253
Segundo RITA CALÇADA PIRES, consideram-se sociedades ou negócios “que envolvam apenas uma
substância electrónica aqueles que têm como principal actividade a exploração de um produto intelectual,
ideia ou conceito, através de equipamento electrónico” (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal,
2018, p. 330).
94
Todas estas soluções apresentam uma mesma crítica: recorrem à residência
individual como forma de definir a residência da sociedade, num fenómeno de
desconsideração e desprestígio da realidade societária.
Para além das anteriores soluções, tem sido avançada uma outra que se diferencia
pelo facto de não ter como premissa a residência individual de algum dos administradores
ou acionistas.
A par destas soluções, também a OCDE procurou oferecer uma solução que
contrariasse as dificuldades de operacionalidade do elemento de conexão residência na
delimitação do poder de tributar de um Estado.
A referência ao local de registo deve ser desde logo desconsiderada, pois privilegia a
forma sobre a substância podendo ser alvo de manipulação254.
254
Pelo que se poderia questionar a correspondência do local de registo à realidade da empresa.
95
A opção pela residência dos diretores, administradores ou acionistas cai nas críticas
anteriormente feitas da desconsideração da realidade societária.
O critério do nexo económico mais forte255 não obstante o seu interesse, foi pouco
desenvolvido. Do que se compreende, este implicaria a definição de um conjunto de
considerações que revelassem as características económicas que ligam uma realidade
empresarial a um Estado.
Por outro lado, a opção pelo aperfeiçoamento do teste da direção efetiva passaria
ou pela definição/ preenchimento deste conceito256 – indeterminado por natureza – ou
pela determinação dos elementos que devessem ser ponderados para alcançar a
concretização do conceito. Esta solução implica que qualquer que seja a definição ou
elementos utilizados para o efeito, se mantenha o conceito de direção efetiva aberto o
suficiente para conseguir enquadrar diversas realidades – sobretudo num contexto
extraordinariamente dinâmico como é o da economia digital.
Esta construção não é, porém, isenta de críticas, desde logo pela complexidade
que lhe é apontada dificultando a aplicação prática. Outra crítica que se aponta relaciona-
se com a necessidade de proceder a um processo de valoração de certos elementos no
caso de igualdade, de múltipla localização ou de conhecimento de apenas alguns
elementos.
255
Numa lógica muito parecida aquela que subjaz ao conceito de E.E. é à ligação por este estabelecido
com o território de determinado Estado (e que adiante utilizaremos como ponto central na adaptação do
tradicional conceito de E.E. à realidade da economia digital).
256
Ao contrário do que hoje acontece no âmbito do n.º 3 do art.º 4 do MC OCDE.
96
Ainda assim, parece a via mais adequada a responder às debilidades sentidas na
definição da residência de um ente coletivo através do conceito de direção efetiva,
agravadas pela economia digital.
257
Já para não falar da compatibilização desta atividade de auxílio com diversos temas como o sigilo ou,
mais recentemente, o regime geral de proteção de proteção de dados.
258
Cf. (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 336).
97
the country of residence, business income was mainly the outcome of production factors
organized under the taxing jurisdiction of such country” (sublinhado nosso)259.
259
Cf. ( Hongler & Pistone , 2015, p. 15).
260
Tensões essas sempre presentes na construção e desenvolvimento do Direito Fiscal Internacional.
261
Cf. (Dourado, Governação Fiscal Global, 2018, p. 86). Reconhece-se na classificação apresentada a
capacidade de abarcar um conjunto de realidades hoje presentes, que advêm de uma interpretação da
realidade desenvolvida pela autora que está para além da letra do MC OCDE. A presente classificação
reconhece alguma mutabilidade e adaptabilidade ao conceito de estabelecimento estável.
262
Cf. parágrafos 42.11, 42.42 e 42.48 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE C. , MC OCDE,
junho 2015).
98
Como explicado, os primeiros constituem um estabelecimento estável, legitimando a
tributação das empresas não residentes no Estado fonte (sendo o E.E. uma extensão
destas). Os segundos, pelo contrário, não constituem um estabelecimento estável.
Também neste caso observa-se uma manipulação das atuais regras por parte das
empresas, as quais, para evitar cair nos pressupostos do E.E. agência, recorrem a pessoal
local sem autoridade formal para a conclusão de contratos263.
A Ação 7265 do BEPS tinha como objetivo prevenir a elisão aos elementos
configuradores de estabelecimento estável. Ou melhor, procura prevenir a atuação
considerada abusiva por parte dos agentes económicos em evitar conscientemente a
constituição de estabelecimento estável nos Estados onde desenvolvem as suas
atividades, através da manipulação dos elementos concretizados do E.E.
A solução, sempre se diga, deveria passar pela alteração profunda das regras
concretizadoras do elemento de conexão estabelecimento estável, por forma a adotá-lo de
meios que lhe permitissem operar no contexto da economia digital.
Não se está com isto a menosprezar as alterações realizadas por força do relatório
final da Ação 7. Aliás, esta ação foi importante para que a natureza de algumas atividades,
até então desconsideradas, passassem a ser consideradas para efeitos de existência de E.E.
263
Como veremos, a Acão 7 do BEPS, reconhecendo este problema, propôs alteração de alguns dos
requisitos através dos quais se configura atuação de um agente por forma a ser considerado um E.E.
264
Cf. (Dourado, Governação Fiscal Global, 2018, p. 86).
265
Cf. (OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final
Report, 2015).
99
Porém, parece ter ficado aquém das expectativas. Ao manter e enfatizar a
exigência da presença física da atividade, a Ação 7 não logrou dar um passo determinante
na tributação dos rendimentos provenientes de contextos caracterizados pela
digitalização.
266
Com diversos estudos efetuados e propostas apresentadas por diversos grupos de trabalho criados
para análise desta temática.
267
Cf. (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015) e (OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital:
Condensed Version, November 2017).
268
Cf. (OCDE, Are the current treaty rules for taxing business profits appropriate for e-commerce?, 2005)
e (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018).
Ao contrário do defendido neste trabalho, o referido relatório defende as atuais regras de concretização
do E.E. recusando alterações fundamentais as mesmas.
100
encontrar elementos físicos que interliguem as duas realidades – permitindo que se
ficcione o E.E. – tenderá a ser cada vez menor.
Numa resposta que se quer coordenada ente diversos Estados e jurisdições, a falta
de resultados de algumas Ações BEPS, nomeadamente a Ação 7, e das opções tomadas
pela OCDE tem motivado a apresentação por parte dos diferentes Estados de soluções
nacionais, descoordenadas, que pretendem dar resposta imediata aos problemas de
tributação sentidos pelos Estados, mas que falham na compreensão do problema que não
é local, mas global269.
269
Com implicações ao nível do princípio da neutralidade e da concorrência fiscal entre os Estados.
270
Cf. parágrafo 125 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
271
Vide (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 337).
101
O MC OCDE, através do parágrafo 125 dos comentários ao seu art.º 5.º272,
apresenta uma distinção entre o hardware e o software, excluindo a possibilidade de este
último poder vir a ser um E.E.
Todavia, não basta existir um servidor para que este concretize um E.E. É
necessário que o servidor preenche todos os requisitos exigidos pelo art.º 5.º do MC
OCDE274.
- A empresa que exerce a sua atividade através de um website tem de ter à sua disposição
o servidor onde está alojado esse website, não havendo necessidade de o servidor ser
sua propriedade. O que releva é a empresa deter o domínio, a exploração do servidor.
Não basta um simples acordo de armazenagem como proprietário do servidor276.
- O servidor tem de ser fixo, não importando a possibilidade da sua deslocação. Importa
sim que o servidor esteja situado num certo local durante um lapso de tempo semelhante
ao considerado para efeitos do n.º 1 do art.º 5 do MC OCDE277.
272
Cf. (OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
273
Nestes termos, parágrafo 124 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention
on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
274
Como se prevê na parte final 125 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax
Convention on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
275
Cf. (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, pp. 338-339).
276
Cf. parágrafo 124 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
277
Cf. parágrafo 125 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
102
- No local onde estiver o servidor, a empresa tem de exercer a sua atividade através desse
equipamento, não sendo necessária a presença de pessoal278, à semelhança do
desenvolvimento da atividade através de equipamento automático279 e devendo a
verificação desta exigência ser efetuada casuisticamente280. Procura-se assim
ultrapassar o recurso ao denominado servidor espelho.
- Por último, refere-se ainda não poder o servidor desempenhar apenas atividades
preparatórias ou auxiliares281, devendo revelar a utilização do servidor o exercício de
atividades essenciais ao labor da empresa, facto apenas verificável caso a caso,
consoante a natureza das atividades implicadas no caso concreto282.
A Cloud não é uma entidade física, tangível, mas sim uma vasta rede de servidores
remotos em todo o mundo que estão interligados e que devem funcionar como um
ecossistema único.
Estes servidores foram concebidos para armazenar e gerir dados, executar aplicações ou
fornecer conteúdos ou um serviço. Como alternativa ao acesso aos ficheiros e dados a
partir de um computador local ou pessoal, permite-se o acesso online a partir de um
278
Cf. parágrafo 127 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
279
Cf. parágrafo 41 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
280
Cf. parágrafo 126 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
281
Cf. parágrafo 128 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
282 Cf. parágrafos 130 e 131 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on
Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
283
Mais um exemplo da dificuldade de adaptação do E.E. à economia digital em virtude do mesmo se
basear na “fisicalidade.
284
Sobre Cloud Computing e o seu enquadramento tributário, vide (Teixeira & Rodrigues, A Tributação do
Comércio Electrónico - Novos Desafios, 2014).
103
dispositivo com Internet — a informação estará disponível onde quer que esteja e em
qualquer altura.
Assim, uma empresa que decida utilizar a Cloud na sua atividade, deixa de
conseguir identificar e localizar o servidor utilizado. Não se trata de uma questão de
vontade, a forma como o sistema está estruturado dificulta muitíssimo essa identificação.
Não podendo identificar o servidor, não se mostra possível reconduzir a atividade da
empresa ao local onde aquele se insere.
Não sendo esta situação subsumível a nenhum dos comentários ao art.º 5.º
presentes no MC OCDE, dificilmente se conseguirá encontrar um elemento físico que
justifique a presença de um E.E., com as demais consequências.
Em linha com o que vem sendo referido, também quando ao E.E. agência observa-
se a manutenção da “fisicalidade” como elemento central na resposta aos desafios criados
pela economia digital.
A OCDE acabou por abandonar o recurso ao FSI na busca pelo dito elemento
pessoal, em virtude de este, em regra, não deter nem atuar com os poderes exigidos no
art.º 5.º n.º 5 do MC OCDE para que haja a qualificação de uma pessoa como agente
dependente.
285
Cf. (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 339).
104
O FSI tem como função/ atividade deter e gerir servidores, onde disponibiliza
espaço para armazenamento de informação digital – incluindo websites. Daqui não
decorrem quaisquer poderes para celebrar contratos que vinculem a empresa286.
Ora, o FSI apenas permite o acesso de uma empresa ao universo digital289. Não há
posteriormente uma atuação no sentido de negociar com terceiros.
Neste sentido, não pode um FSI ser um agente dependente e constituir um E.E.
agência.
286
O ISP é uma entidade que garante o acesso da empresa ao universo virtual/ digital, surgindo como uma
figura com funções autónomas, próprias cuja atividade é proporcionar o acesso à internet. Neste sentido,
o ISP desempenha funções que coadjuvam a atividade desempenhada no universo virtual, permitindo o
acesso à economia digital, ou seja, consubstancia uma atividade auxiliar e não principal.
287
Cf. (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 340) e (OCDE, Model Tax Convention
on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
288
Numa exposição muito simplista.
289
No qual a empresa, se tiver sucesso, celebrará contratos com terceiros.
290
Não se conhecendo outras abordagens entretanto desenvolvidas para o efeito.
291
Em função do que desenvolveremos adiante sobre a possibilidade de um E.E. digital, não se
compreende a necessidade e entendemos até não ser possível manter a figura do E.E. agência no contexto
da economia digital.
105
Ainda neste âmbito, e em linha com o referido no capítulo anterior, a OCDE
recusa a possibilidade de o website gerar um E.E. agência. Com efeito, e tendo por
referência a centralidade da “fisicalidade”, as mesmas razões que conduziram à recusa de
o website vir a constituir um E.E. real, aplicam-se também para o E.E. agência,
acrescentando-se um argumento suplementar: o website nunca poderia ser considerado
“pessoa” nos termos da definição presente no art.º 3 do MC OCDE292.
292
Cf. parágrafo 131 dos comentários ao art.º 5.º do MC OCDE (OCDE, Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, November 2017).
293
Antes da publicação do relatório final, foram consideradas outras possibilidades de alteração. Neste
sentido, vide (Pleijsier, 2015, pp. 14-150).
106
Com efeito, houve, naturalmente, por parte dos agentes económicos uma
manipulação das regras de imputação do ónus de tributação: recorrendo a Agentes
presentes num determinado Estado para a condução do processo negocial, revocam o
processo a final para efeitos de conclusão. Ou seja, recorrem a pessoal local sem
autoridade formal para a conclusão de contratos.
Assim, a prática do (seu) referido Agente não poderia ser considerada como
consubstanciando um E.E., no estrito cumprimento do previsto no artigo em apreço294.
“Não obstante o disposto nos nºs 1 e 2, mas com subordinação às regras do n.º 6,
quando uma pessoa atue num Estado Contratante por conta de uma empresa e conclua
habitualmente contratos nessa qualidade, ou habitualmente desempenhe o papel
principal na conclusão dos contratos que são celebrados rotineiramente, sem
modificações materiais pela empresa e estes contratos tenham sido:
a) em nome da empresa, ou
b) para transferência de propriedade, ou para atribuir um direito ao uso,
propriedade daquela empresa ou aquela empresa tenha o direito de uso,
ou
c) para o fornecimento de serviços por aquela empresa296,
Estas alíneas são alternativas, sendo apenas necessário que uma delas se verifique.
294
Na sua versão original.
295
Cf. (OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final
Report, 2015, pp. 17-18).
296
Negrito nosso para identificar as alterações propostas.
107
Como refere ANA PAULA DOURADO297, “É criticável que a alínea a) «em nome da
empresa» se mantenha, pois é das cláusulas que mais controvérsia têm gerado, dada a
facilidade em ser elidida. Todavia, as alíneas b) e c) pretendem colmatar os esquemas que
elidem a alínea a)”298.
A par das alterações propostas ao artigo, foram também propostas quer alterações
aos comentários ao artigo quer comentários novos.
297
Análise com a qual concordamos.
298
Cf. (Dourado, Governação Fiscal Global, 2018, p. 89).
299
Vide (OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
108
3.2.2.2. Artigo 5.º n.º 6
Como métrica a utilizar para classificar uma atividade como significativa, recorre-
se ao seguinte exemplo:
“where, for exemple, the sales that an agent concludes for enterprises to wich it is not
closely related represente less than 10 per cent of all the sales that it concludes as an
agent acting for other enterprises, that agent should be viewed as acting «exclusively
or almost exclusively” on behalf of closely related enterprises”302.
300
“(…) a person acts exclusively or almost exclusively”, na versão original (OCDE, Preventing the Artificial
Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final Report, 2015).
301
“(…) closely related”, na versão original (OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent
Establishment Status, Action 7: 2015 Final Report, 2015).
302
Cf. (OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final
Report, 2015, p. 26).
109
Por um lado, se considerando todos os factos e circunstâncias do caso concreto é
possível afirmar que uma pessoa tem controlo, ou que ambas estão sobre o controlo das
mesmas pessoas ou empresas303.
A título de exemplo, os casos de acionistas que detêm menos de 50% das ações, mas que
têm certos direitos que lhes conferem a mesma posição que teriam se tivessem mais que
50%.
Por outro lado, considera-se que uma pessoa está “especialmente relacionada com
uma empresa” se uma ou ambas as partes possuam direta ou indiretamente mais de 50%
de participação (beneficial interest) na outra, ou ainda no caso de um terceiro, ainda que
apenas indiretamente.
303
Cf. (OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final
Report, 2015, p. 26).
304
Cf. (Dourado, A tributação dos rendimentos de capitais: a harmonização na comunidade europeia,
1997, p. 89).
305
Vide (OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
110
O relatório final da Ação 7306 reconhece isso mesmo, ao referir que (na versão
original):
“desde que essa atividade ou, no caso da alínea f), o conjunto da atividade da instalação
fixa, tenha carácter preparatório ou auxiliar”307.
306
(OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final
Report, 2015, p. 10).
307
Na versão original:
“provided that such activity or, in the case of subparagraph f), the overall activity of the fixed place of
business, is of a preparatory or auxiliary character”.
Cf. (OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final
Report, 2015, p. 29).
308
Cf. relatório final da Ação 7, “BEPS concerns related to Art. 5(4) also arise from what is typically referred
to as the “fragmentation of activities”. Given the ease with which multinational enterprises (MNEs) may
alter their structures to obtain tax advantages, it is important to clarify that it is not possible to avoid PE
status by fragmenting a cohesive operating business into several small operations in order to argue that
each part is merely engaged in preparatory or auxiliary activities that benefit from the exceptions of Art.
5(4). The anti-fragmentation rule proposed in section B will address these BEPS concerns”. (OCDE,
Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final Report, 2015,
p. 10)
111
Razão pela qual a Ação 7 recomenda a introdução de uma norma anti-
fragmentação – um novo número 4.1.
“4.1. O n.º 4 não é aplicável a uma instalação fixa que seja usada ou mantida por uma
empresa, se a mesma empresa, ou outra com quem ela esteja numa relação especial,
desenvolver atividades no mesmo lugar ou num outro lugar do mesmo Estado
Contratante e
desde que as atividades empresariais conduzidas pelas duas empresas nos dois locais,
constituam funções complementares que sejam parte de uma operação empresarial
coerente”309.
309
Na versão original:
“4.1 Paragraph 4 shall not apply to a fixed place of business that is used or maintained by an enterprise if
the same enterprise or a closely related enterprise carries on business activities at the same place or at
another place in the same Contracting State and
a) that place or other place constitutes a permanent establishment for the enterprise or the closely
related enterprise under the provisions of this Article, or
b) the overall activity resulting from the combination of the activities carried on by the two enterprises
at the same place, or by the same enterprise or closely related enterprises at the two places, is not of
a preparatory or auxiliary character,
provided that the business activities carried on by the two enterprises at the same place, or by the same
enterprise or closely related enterprises at the two places, constitute complementary functions that are
part of a cohesive business operation”.
(OCDE, Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status, Action 7: 2015 Final
Report, 2015, p. 39).
310
Vide (OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
112
A substância económica deve prevalecer sobre a forma e se uma empresa
desenvolve atividades significativamente lucrativas num Estado que não o seu, então esse
Estado deve poder tributar os lucros que estão relacionados com o seu território.
311
(Pereira P. R., O papel do estabelecimento estável no Direito Fiscal Internacional, 2013, p. 575).
312
Tributação que terá de respeitar várias regras e princípios jurídicos de direito fiscal internacional,
incluindo o princípio da não discriminação caso conste da CDT uma cláusula idêntica ou similar à do artigo
24.º, n.º 3 do MC OCDE.
313
O estabelecimento estável, resulta, tradicionalmente, da combinação entre o (i) lugar fixo de negócios,
a (ii) presença física e a (iii) natureza da atividade negocial.
113
utilizadores e a recolha de dados são fundamentais à criação de valor por parte das
empresas que operam no mundo digital314.
O certo é afirmar-se que, “Through the use of remote technology, many digitalised
business can effectively be heavily involved in the economic life of diferente jurisdictions
without any, or any significant physical presence, thus achieving operational scale
without mass. One consequence of this development is that growing number of businesses
may have na economic presence in a jurisdiction without having a physical presence”315.
Contudo, só por si, o referido elemento não é suficiente face aos desafios atuais
impostos pela economia digital.
314
O exemplo do E.E. é paradigmático: reconhecendo-se dificuldades na sua aplicação a situações em que
as empresas, em virtude do desenvolvimento das tecnologias de informações e comunicação, exercem
uma atividade, alguma da qual tendo por base intangíveis, num outro Estado sem necessidade de para
isso aí manter uma presença física estável. Estamos perante uma cross-jurisdictional scale without.
315
Cf. (OCDE, Interim Report , 2018, p. 51).
316
A manutenção da fisicalidade está muito presente nos comentários ao art.º 5 do MC OCDE (OCDE,
Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
317
Não obstante, importa referir que no âmbito do relatório BEPS são conceptualizadas algumas soluções
para os desafios colocados pela economia digital que não se desenvolvem em torno da “fisicalidade”. Vide
neste sentido (OCDE, Action 1: Final Report, 2015) e (OCDE, Interim Report , 2018).
318
Neste sentido, vide (Carvalho, 1997).
114
figura, justificando a ligação de determinada atividade e rendimento a um determinado
território.
319
Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015) e confirmado em (OCDE, Interim Report , 2018).
320
A referida posição não reuniu inicialmente particular apoio por causa das dificuldades perspetivadas
em determinar o rendimento atribuído à presença económica significativa.
321
Entendemos não ser absolutamente inovador a consideração da presença económica significativa para
efeitos de concretização de um elemento de conexão com determinado território. De facto, a referência
ao E.E. enquanto reflexo de uma forte ligação económica (economic allegiance) a um Estado denota, em
si mesmo, a existência de uma presença económica significativa com aquele território. Se a mesma não
existisse, não haveria razão para uma empresa implementar uma extensão de si (o E.E.) no território em
causa. O que é disruptivo é essa presença económica ser apurada e justificada através de elementos
digitais, intangíveis, tecnológicos e outras ferramentas automatizadas. Ou seja, sem necessidade de
recorrer a elementos físicos.
322
(OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 107).
323
( Hongler & Pistone , 2015, p. 23).
115
presença física, e passe a ser feita com recurso à chamada presença digital significativa
num mercado324.
324
Daí a noção de Estabelecimento Estável Digital ou Virtual, de alargamento do conceito tradicional de
E.E.
325
Esclareça-se que, segundo o Relatório Final da Ação 1, quer os fatores digitais quer os fatores baseados
no utilizador terão de ser combinados com o fator baseado na receita ou rendimento.
326
Modelos de negócio que juntam dois ou mais tipos de clientes/ utilizadores, interdependentes, com o
objetivo de criar valor e facilitar as interações entre os diferentes grupos (efeito rede). Como característica
essencial, verifica-se a necessidade de existir uma plataforma onde os diferentes grupos coexistam em
simultâneo. A plataforma cria valor como intermediária, ligando esses grupos. Como exemplo deste tipo
116
sobretudo os dependentes de efeitos de rede – são largamente sustentados na recolha e
utilização dos dados de clientes ou utilizadores dos serviços, dependendo fortemente do
volume e qualidade de informação obtida para gerar valor.
Assim, presume-se que quanto mais informação for recolhida, maior será a
probabilidade de que o seu tratamento e posterior utilização no desenvolvimento dos
serviços/ produtos da empresa crie valor acrescentado, permitindo que esta aumente as
suas vendas, cobre mais pelos seus serviços ou ambos, gerando, consequentemente,
maiores rendimentos no território fonte dos dados obtidos 327.
de modelo de negócio e de plataforma temos a Amazon, eBay, Google, Uber, UberEATS, OLX, Glovo,
Facebook, entre outros. Para melhor ilustrar este modelo de negócio, deparemo-nos no caso de
Facebook. O Facebook gera valor através da informação/ dados obtidos da interação entre utilizadores e
entre estes e a plataforma, informação essa depois vendida a empresas para efeitos de marketing e
publicidade. Posteriormente, as mesmas empresas que compraram os referidos dados compram espaço
publicitário na plataforma, o qual será preenchido por anúncios que resultam do tratamento da
informação dos utilizadores previamente obtida – refletindo os seus gostos, tendências, etc.
Este modelo só faz sentido e apenas têm valor para um segmento de clientes se os outros segmentos
estiverem presentes, pois o valor criado será sempre maior quanto maior for o número de utilizadores,
criando assim um efeito de rede (Osterwalder & Pigneur, 2011).
Este tipo de modelo de negócio e de plataforma está muito associado à modalidade de comércio
eletrónico Business-to-Consumers (B2C). Sobre esta matéria, vide (Pires R. C., Tributação Internacional do
Rendimento Empresarial, 2011, pp. 142-144).
327
Segundo o relatório AÇÃO 1, “because user data serves to enhance the value of services na enterprise
offers, a strong user network (and the attendant user data) is likely to result in enterprises either selling
more or enterprises charging more for its core products/ services, or both” (OCDE, Action 1: Final Report,
2015, p. 107).
117
verdade, e dada a atual conjetura económica, é uma presença económica significativa
proveniente ou baseada numa presença digital significativa328.
De todo o modo, para que possa ser considerado o rendimento como um fator de
avaliação de existência de presença económica significativa importa ter presente algumas
questões técnicas, nomeadamente: quais as transações a considerar, como estabelecer um
limiar mínimo de rendimento a ser considerado, assim como a forma de o aplicar.
Todavia, reconhecendo que este tipo de abordagem poderá levar a que as empresas
promovam a conclusão das transações (contratos) através de outras vias331, evitando o
estabelecimento de uma conexão (com as demais consequências ao nível da tributação),
sugere-se que para efeitos de concretização do fator rendimento sejam consideradas todas
as transações efetuadas de forma remota por uma empresa não residente com clientes
presentes num determinado Estado.
328
Sublinhado nosso.
329
Vide (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 107).
330
Refere o relatório, na sua versão original; “One approach that could be considered in defining a basic
revenue factor is to include only revenues generated from digital transactions conclded with in-country
customers through na enterprise’s digital platform” (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 107).
331
Por exemplo, através de correio eletrónico ou por telefone (evitando assim a utilização da plataforma
digital para conclusão da transação). Também as empresas, não obstante recorrerem à tecnologia para
alcançar diversos mercados, ao invés de optar por sistemas completamente automatizados poderiam
optar por encaminhar os seus potenciais clientes para de centrais de chamadas para ai concluírem o
contrato (transação), não consubstanciando uma transação digital. Assim, diversas transações ficariam
excluídas de consideração para efeitos da aplicação do fator rendimento.
118
O alargamento da base de incidência que daqui advém poderá criar maiores
problemas a nível de identificação e controlo das operações por parte dos Estados e, bem
assim, problemas para as empresas, pelo aumento dos custos administrativos e dos custos
de conformidade fiscal associados332.
Por outro lado, conexa com a questão anterior, sugere-se, no quadro do relatório
da Ação 1, a definição de um limiar mínimo de rendimento a considerar para efeitos de
concretização do fator rendimento. Ou seja, o elemento central no fator rendimento não
será a existência, só por si, de um rendimento, mas sim um valor de rendimento bruto
proveniente de transações remotas a partir do qual se considere haver uma presença
económica significativa num Estado.
Este valor deve ser enquadrado em termos absolutos e em moeda local, a fim de
minimizar o risco de manipulação.
332
Ou compliance, na versão original. Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 108).
333
(OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 108).
334
À semelhança da regra anti-fragmentação prevista na Ação 7, o limiar mínimo seria tendencialmente
aplicável com base em grupos relacionados do que a entidades separadas, evitando qualquer risco de
fragmentação artificial das atividades de venda à distância. De todo o modo, esta regra deverá basear-se
numa presunção ilidível, podendo o contribuinte provar que não operou artificialmente uma
fragmentação da atividade por forma a manipular aquele limiar mínimo de rendimento.
119
entidades não residentes através de plataformas digitais, e, bem assim, a capacidade de
determinar os seus intervenientes.
335
A OCDE propõe, como forma de resolver o problema de cobrança do IVA no país de destino, no caso
das transações de serviços eletrónicos ou intangíveis, de empresas para particulares (business to
consumers – B2C), a criação de um sistema de registo e de compliance simplificado para as empresas,
onde se reconheça a necessidade de equilíbrio entre a indispensabilidade de informação para
administrações fiscais e a minimização de custos de cumprimento para as empresas. Sobre este tema,
vide (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, pp. 126-129).
336
(OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 108).
337
No caso dos negócios tradicionais, a localização do espaço (físico), estratégias de marketing e
publicidade ou promoções e especiais formas de pagamento.
120
meio da presença online, são em grande medida análogos aos usados pelos negócios
tradicionais, cumprindo funções muito semelhantes. A sua identificação permitirá
estabelecer uma ligação entre uma empresa e um Estado e ajudar a determinar uma
presença económica significativa através da sua presença digital.
Esta opção, para além de estabelecer uma proximidade com o público-alvo, reflete uma
preocupação da empresa em proteger as suas marcas, assegurando a exclusividade da
utilização de domínios que se assemelhem ou se confundam com aquelas.
338
Cf. (OCDE C. , MC OCDE, junho 2015, p. 109).
339
A Amazon, por exemplo, utiliza apenas seis domínios na Europa (alusivos a Espanha, França, Alemanha,
Reino Unido, Holanda e Itália), no entanto não existem dúvidas que deterá uma presença económica
significativa em muitos outros países europeus.
121
As empresas não-residentes ao desenvolverem a sua atividade num determinado
Estado, tendem a estabelecer websites “locais” ou outras plataformas digitais, com relevo
na língua e normas culturais locais, por forma a tornar mais apelativa a apresentação dos
seus produtos e serviços.
340
Recorra-se, uma vez mais ao exemplo da Amazon: apenas nos seis domínios que utiliza na Europa
(alusivos a Espanha, França, Alemanha, Reino Unido, Holanda e Itália) é que adota como uma das
línguas usadas no website o idioma oficial local. Isto não significa que nos restantes Estados onde está
presente e recorre de forma indiferenciada à língua inglesa não possa considerar-se como tendo uma
presença económica significativa.
341
Uma plataforma local pode estar relacionada com uma região, cuja dimensão poderá ultrapassar uma
fronteira politicamente estabelecida.
122
A adoção de certos meios de pagamento está inserida numa preocupação mais
ampla da empresa de que a experiência de compra/ negocial342 dos clientes ou utilizadores
seja o mais confortável e natural possível. Esta preocupação (e sobretudo estratégia)
reflete-se na apresentação dos preços na moeda local, no cálculo de impostos e taxas
específicas do território e na consideração dos meios de pagamento disponíveis no país.
No caso do mercado único europeu esta fator é pouco relevante. Pelo contrário,
em países com regulamentos bancários rigorosos, controlo apertado da moeda ou baixa
penetração de cartões de crédito, a existência de opções de pagamento locais é um fator
bastante relevante.
Na versão original do relatório, “(…) a seamless purchasing experience” (OCDE, Action 1: Final Report,
342
2015, p. 109).
123
sustentada de uma empresa não residente na economia de um Estado, reveladora da sua
participação e presença num determinado mercado.
Esta análise, que utiliza como métrica o número de utilizadores registados que
acedem à plataforma digital, permite medir a base de clientes/ utilizadores num Estado,
quer em termos de tamanho, como no grau de interação e compromisso com a empresa343.
Em relação aos utilizadores, uma outra métrica poderia ser utilizada: o tempo
gasto pelos utilizadores numa plataforma digital especifica, seja ela um website ou uma
App. Esta métrica permitiria aferir do grau de utilização de uma estrutura numa jurisdição
específica, concretizando uma presença e fundamentando a respetiva tributação344.
343
Genericamente, quanto mais utilizadores uma empresa tiver, mais significativa será a sua presença
digital.
344
Especialmente correlacionado com a teoria do benefício como fundamento da tributação pelo Estado
fonte, como veremos melhor adiante.
124
Nestes termos, o número de acordos celebrados com clientes ou utilizadores no
território de um determinado Estado, pode ser uma importante medida para aferir da
presença económica de uma empresa345.
Por último, mas não menos importante, importa considerar um outro fator
relacionado com os utilizadores, neste caso relativo ao volume de conteúdo e informação
recolhidos (dados pessoais, conteúdos criados pelo utilizador, revisões de produtos,
históricos de pesquisas, etc.) através de uma plataforma digital346, proveniente de clientes
e utilizadores residentes num determinado Estado347.
Importa referir, a par do que já foi feito na análise aos fatores anteriores, que, em
certos casos, não haverá uma relação direta entre o volume de informação recolhida e o
valor dos rendimentos gerados por uma empresa não residente348.
Note-se que a utilização dos fatores baseados nos utilizadores não é isenta de
constrangimentos, a começar pela dificuldade de obtenção dos dados necessários: quanto
ao número de utilizadores de uma determinada plataforma; o número de contratos
assinados; e ao volume de dados obtidos destes.
Mesmo sendo possível a obtenção desta informação é necessária que esta seja
identificável com um determinado território, sendo igualmente necessário determinar, a
partir de que limiar, de cada um dos fatores, a presença de uma empresa num Estado é
significativa.
345
Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 110).
346
Para efeitos da verificação do elemento de conexão, não interessa onde é armazenada esta
informação, mas sim onde é recolhida.
347
Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 110).
348
Na medida em que não é fácil quantificar a priori o impacto da informação obtida na atividade da
empresa.
125
3.3.4. Notas finais
349
Utilizando unicamente o fator rendimento, presumir-se-ia a presença económica significativa se o
rendimento gerado ultrapasse o limiar mínimo definido estaríamos. No caso de o rendimento ficar abaixo
do referido limiar o fator rendimento, só por si, obstaria à comprovação da presença económica
significativa mesmo que isso não correspondesse à realidade. A utilização combinada dos diferentes
fatores torna esta proposta muito mais robusta e preparada para se aplicar a uma multiplicidade de
situações.
350
Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 111). Neste sentido, PETER HONGLER e PASQUALE PISTONE,
avançam com um conjunto de fatores representativos de um limiar mínimo para determinação de uma
presença económica significativa e, consequentemente, de um vínculo tributável, para a qual se remete
pela relevância, cf. ( Hongler & Pistone , 2015, pp. 25-26).
351
Reafirmando a prevalência da substância sobre a forma de como uma empresa desenvolve atividades
significativamente lucrativas num Estado que não o seu.
352
Cujo objetivo é a definição da competência tributária dos Estados e a sua repartição.
126
se mostram ultrapassadas as dificuldades relativas à determinação e imputação do
rendimento a tal presença num Estado353.
353
A economia digital coloca um conjunto de desafios ao poder de tributar dos Estados, os quais podem
ser reconduzidos a 3 perguntas concretas: onde tributar (definição da competência tributária)? o que
tributar (determinação do rendimento tributável)? e como tributar? Com o presente trabalho
procuramos, sobretudo responder à primeira pergunta.
354
(OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 111 e 112) para mais desenvolvimentos.
355
Na versão original, “bricks and mortar”.
356
http://ec.europa.eu/taxation_customs/resources/documents/taxation/gen_info/good_governance_
matters/digital/report_digital_economy.pdf
127
março de 2018, um conjunto de propostas para um sistema fiscal justo e eficaz na União
Europeia (UE) para o Mercado Único Digital.
357
Definido como “um mercado em que é assegurada a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços
e capitais e em que os cidadãos e as empresas podem beneficiar de um acesso sem descontinuidades a
atividades em linha e desenvolver essas atividades em condições de concorrência leal e com um elevado
nível de proteção dos consumidores e dos seus dados pessoais, independentemente da sua nacionalidade
ou local de residência” (Comissão Europeia, 6.5.2015, p. 3).
358
Cf. (Comissão Europeia, 6.5.2015, p. 9).
359
Vide (Comissão Europeia, 21.9.2017 , p. 2).
360
Vide (Conselho da União Europeia, 5.12.2017, pp. 4-5).
128
Neste contexto, surgem então, em março de 2018, uma Comunicação, uma
Recomendação e duas Propostas. Todas elas têm presente a necessidade de garantir, face
ao elevado crescimento dos rendimentos dos negócios digitais361, cuja tributação se
mostra diminuta ou inexistente, a sua efetiva tributação.
Bem se percebe esta opção. Relembrando o racional que subjaz a esta figura,
refira-se que o E.E. era, através da presença física (estável) que corporizava, indicador da
361
Em 2017, e em média, os negócios digitais enfrentavam uma taxa efetiva de imposto de 9.5% por
oposição a cerca de 23.2% para os modelos de negócio tradicionais.
362
Vide (Comissão Europeia, 21.03.2018).
363
Vide (Comissão Europeia, 21.03.2018). O ISD deve ser aplicável numa base temporária, até ser
encontrada uma solução mais abrangente.
364
Cf. (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 2).
365
Vide (OCDE, Interim Report , 2018).
366
Cf. (Comissão Europeia, 21.03.2018).
129
existência de uma atividade económica intencional e sustentada num determinado Estado,
ou seja, era sinónimo de uma presença económica significativa.
367
Colocando de uma forma simplista, o que se pretende é transpor uma figura já existente para o século
XXI, em virtude de terem uma mesma lógica subjacente.
368
Como descrito anteriormente, um (i) fator baseado na receita ou rendimento; ii) fatores digitais e iii)
fatores baseados no utilizador.
369
Cf. art.º 7 da MC OCDE.
370
Sobre os métodos aplicáveis na determinação do lucro impotável ao E.E., vide (Teixeira M. D., 2007,
pp. 35-48).
130
compromisso no nível da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que, dado o universo alargado de atores, é considerado como mais capaz de
atingir uma solução.
371
Cf. (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 370).
131
3.4.1. Introdução de um Estabelecimento Estável Digital
Esta Diretiva estabelece também princípios que permitem imputar lucros de uma
empresa digital a uma presença digital significativa num território, para efeitos de imposto
sobre as sociedades372.
372
Nos termos do disposto no art.º 1.º da proposta de diretiva: “A presente diretiva estabelece
disposições que alargam o conceito de estabelecimento estável, na medida em que se aplica para efeitos
do imposto sobre o rendimento das sociedades em cada Estado-Membro, de modo incluir uma presença
digital significativa através da qual a atividade de uma empresa é total ou parcialmente exercida. A
presente diretiva estabelece igualmente certos princípios de imputação de lucros a uma presença digital
significativa ou com ela relacionados, para efeitos de imposto sobre as sociedades”. Vide (Comissão
Europeia, 21.03.2018, p. 15).
373
Cf. art.º 4.º n.º 3 da proposta de Diretiva.
132
i. receitas provenientes da prestação de serviços digitais aos utilizadores
numa jurisdição superiores a 7 000 000 EUR no mesmo período de
tributação;
ii. número de utilizadores dos serviços digitais num Estado-Membro superior
a 100 000 no mesmo período de tributação; ou
iii. número de contratos comerciais para serviços digitais celebrados por
utilizadores situados nesse Estado-Membro superior a 3 000374.
Reconhece-se o poder de tributar do Estado-Membro onde se encontra o utilizador
do serviço digital375, sendo aferida essa presença pelo endereço de IP376;
Os lucros imputáveis à “presença digital significativa” ou com ela relacionados
num Estado-Membro são tributáveis em sede de imposto sobre as sociedades de
Estado-Membro377;
É definida, a forma como os lucros são atribuídos à aos Estados-Membros,
refletindo os mecanismos através dos quais as empresas criam valor no mundo
digital378:
i. recolha, armazenamento, processamento, análise, implementação e venda
de dados ao nível do utilizador;
374
Refere a proposta de Diretiva, por forma a justificar os limites mínimos apresentados (threshold), ser
essencial que cada limiar seja suficientemente elevado para excluir com segurança casos em que os lucros
imputáveis à presença digital significativa nem sequer cobririam os custos de conformidade fiscal
estimados de exploração de um estabelecimento estável (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 9). Também
sobre esta questão, (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, pp. 366-367)
375
Cf. art.º 4.º, n.º 4 da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018).
376
Cf. art.º 4.º, n.º 6 da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018).
377
Nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da referida proposta, “Os lucros imputáveis à presença digital
significativa ou com ela relacionados devem ser aqueles que a presença digital teria obtido se fosse uma
empresa separada e independente a exercer as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas
condições ou em condições semelhantes, em especial nas suas relações com outras partes da empresa,
tendo em conta as funções desempenhadas, os ativos utilizados e os riscos assumidos através de uma
interface digital” (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 18).
378
Segundo RITA CALÇADA PIRES, “a proposta não seria substancialmente suficiente se, a par da identificação
da conexão digital com um território fiscal do Estado-Membro, não apresentasse regra para determinar
o lucro atribuível à presença digital significativa. Surge assim o artigo 5.º da Proposta de Directiva que,
reclamando a aplicação do princípio da plena concorrência (arm’s length) (n.º2), remete o apuramento
do lucro para uma análise funcional” (Pires R. C., Manual de Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 367),
onde “A fim de determinar as funções da presença digital significativa, e imputar-lhe a propriedade
económica dos ativos e os riscos, devem ter-se em conta as atividades economicamente significativas
realizadas por essa presença através de uma interface digital. Para o efeito, as atividades empreendidas
pela empresa através de uma interface digital relacionadas com dados ou utilizadores devem ser
consideradas atividades economicamente significativas da presença digital significativa que imputam os
riscos e a propriedade económica dos ativos a essa presença”, cf. n.º 3 do art.º 5.º da proposta de Diretiva
(Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 18).
O novo sistema garante uma ligação real entre o local onde os lucros digitais são gerados e o local onde
são tributados.
133
ii. recolha, armazenamento, processamento e visualização de conteúdos
gerados pelos utilizadores;
iii. venda de espaços publicitários em linha;
iv. disponibilização num mercado digital de conteúdos criados por terceiros;
v. prestação de qualquer serviço digital que não preencha as situações
anteriores379.
É definido como método de atribuir o lucro em concreto, regra geral, o método do
fracionamento (profit split method) no quadro dos preços de transferência380.
A proposta de diretiva aplicar-se-á às entidades, independentemente do local onde
são residentes para efeitos fiscais das empresas, quer se trate de um Estado-
Membro ou de um país terceiro. No entanto, não afeta os contribuintes
estabelecidos em uma jurisdição fora da UE onde exista um tratado de dupla
tributação em vigor, a menos que tal tratado inclua uma disposição similar sobre
a presença digital significativa.
379
Cf. art.º 5 da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018).
380
Cf. art.º 5.º, n.º 6 da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 19).
381
Disponível em https://ec.europa.eu/taxation_customs/business/company-tax/fair-taxation-digital-
economy_en.
134
Por último, a Comissão recomenda ainda aos Estados-Membros que reproduzam
as disposições constantes da presente diretiva nas convenções em matéria de dupla
tributação com países terceiros, uma vez que, no caso de existir uma convenção para
evitar a dupla tributação entre um Estado-Membro e uma jurisdição fora da União, as
regras da convenção em matéria de dupla tributação aplicável podem prevalecer em
relação às disposições propostas sobre uma presença digital significativa.
As regras da presente proposta devem ser integradas nos sistemas dos Estados-
Membros para tributação das sociedades e na proposta de uma matéria coletável comum
consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS)382 da Comissão, devendo ainda
refletir-se em alterações correspondentes a introduzir no Modelo de Convenção Fiscal
sobre o Rendimento e o Património da OCDE a nível internacional.
382
Enquanto solução ótima para garantir uma tributação mais justa e eficiente das sociedades na UE.
Contudo, o desafio prende-se, em parte, com o facto da atual definição de um estabelecimento estável
na MCCCIS seguir aquela que é atualmente aplicável e, bem assim, as regras de imputação dos lucros não
MCCCIS não refletirem suficientemente as atividades digitais de uma empresa (Comissão Europeia,
21.03.2018, p. 4).
383
Nos termos do n.º 1 e 2.º do art.º 9 da proposta de diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 20)
384
Na expressão original utilizada pela comissão, “brick-and-mortar companies”.
135
3.4.2. Introdução de um Imposto sobre Serviços Digitais385
Segundo a proposta de Diretiva, “In the wait of the comprehensive solution, which
may take time to adopt and implement, Member States face pressure to act on this issue,
given the risk that their corporate tax bases are significantly eroded over time, and also
due to the perceived unfairness of the situation. While unilateral measures are in place
or are concretely planned in 10 Member States for addressing this problem in a limited
way, the trend has been increasing and the measures adopted are very diverse in terms
of scope and their rationale. Such uncoordinated measures taken by Member States
individually risk further fragmenting the Single Market and distort competition,
hampering the development of new digital solutions and the Union's competitiveness as
a whole”387.
385
Na definição apresentada pela proposta de Diretiva, “Um serviço digital é um serviço prestado através
da Internet ou de uma rede eletrónica e cuja natureza torna a sua prestação essencialmente
automatizada, requerendo uma intervenção humana mínima. Esta definição corresponde à definição de
«serviços prestados por via eletrónica» constante do artigo 7.º do Regulamento de Execução (UE) n.º
282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva
2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e inclui o mesmo tipo
de serviços” (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 8).
386
Como definido na proposta de Diretiva em questão, o “ISD deve ser aplicável numa base temporária,
até ser encontrada uma solução abrangente” (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 5).
387
Cf. (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 3).
388
Cumpre esclarecer que a simples venda de bens ou serviços, auxiliada pela utilização de internet ou
uma rede eletrónica não é considerada um serviço digital, não gera um vínculo tributável.
136
Membros, não restringindo389 a capacidade destes em influenciarem o desejado volume
de receitas de imposto.
i. uma receita mundial anual total superior a 750 000 000 EUR;
ii. uma receita anual total proveniente de serviços digitais na UE superior a
50 000 000 EUR391.
389
E dessa forma ainda mais a Soberania tributária dos Estados.
390
Nos termos do art.º 4.º da proposta de Diretiva, cf. (Comissão Europeia, 21.03.2018, p. 25).
391
Estes limiares excluirão, por exemplo, que pequenas empresas a iniciar a sua atividade ou empresas
em expansão não fiquem sujeitas a este imposto.
392
À semelhança do que acontece na primeira proposta de Diretiva.
393
Cf. art.º 5, n.º 1 da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018) e (Pires R. C., Manual de
Direito Internacional Fiscal, 2018, p. 369).
394
Nos termos do art.º 5.º da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018).
137
A Diretiva prevê também a cooperação entre os Estados-Membros sob a forma de
um mecanismo de “balcão único”, permitindo aos contribuintes ter um único ponto de
contacto para cumprir todas as obrigações administrativas em relação ao novo imposto395.
395
Cf. art.º 10.º n.º 1 e 3 da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018).
396
Cf. art.º 15.º da proposta de Diretiva (Comissão Europeia, 21.03.2018).
397
Disponível em https://ec.europa.eu/taxation_customs/business/company-tax/fair-taxation-digital-
economy_en.
138
As referidas propostas legislativas serão agora apresentadas ao Parlamento
Europeu para consulta.
De facto, o grande desafio prende-se com a articulação entre estas duas realidades,
nomeadamente, compreender se os atuais elementos de conexão estão aptos estabelecer
uma ligação entre situações tributárias internacionais e o ordenamento jurídico-tributário
dos Estados envolvidos.
398
Cf. (Guimarães, O conceito de estabelecimento estável e o comércio electrónico, 2000, p. 155).
399
Em rigor, não se trata de uma ficção tout court. Com efeito, existe uma presença, está a ser
desenvolvida uma atividade num Estado. Contudo, em função das suas características, é preciso
139
Assim, o recurso à presença económica significativa, concretizada por uma
presença digital significativa, permite uma continuidade e o alargamento da figura do
E.E. às atividades desenvolvidas na economia digital400.
“the current PE definition is not carved in stone, nor is it a fixed concept (…). The concept
of PE is rather to be regarded as a compromise that strikes a fair balance between the
exclusive taxation of the state of residence of the enterprise and the right of the market
country to have a fair share of taxes in respect of business activities that are stably located
on its territory”402.
concretizá-la num conjunto de elementos de forma a poder apreendê-la de forma semelhante ao que
acontece com o E.E. tradicional.
400
Muitas vezes denominado por E.E. digital ou virtual.
401
Aliás, o novo elemento de conexão em apreço, o novo E.E. baseado na presença digital deve estar em
linha com os princípios gerais do direito fiscal internacional. A conformação do E.E. digital a estes
princípios aumentará as probabilidades de reunir alargado consenso internacional.
402
Cf. ( Hongler & Pistone , 2015, p. 15). Como exemplo, pense-se na concretização de E.E. através de
agente independente. O importante é que mantenha a capacidade de garantir uma justa repartição do
poder de tributar entre o Estado fonte (enquanto mercado onde a empresa não-residente) exerce a sua
atividade) e o Estado residência.
140
Ou seja, o poder de tributação pelo Estado fonte, sendo uma derrogação do poder
tributário do Estado residência, pressupõe a existência de um vínculo entre a atividade de
uma empresa e o respetivo rendimento e um determinado território.
O mérito conceptual desta teoria é permitir que o Estado fonte exerça o seu poder
tributário em relação a atividades que produzam rendimento no seu próprio território.
Quer a economia global, num primeiro momento, quer a economia digital, num
segundo, vieram alterar profundamente a estrutura de criação de valor e de rendimento
normalmente associada ao contexto e período em que a teoria da fonte foi desenvolvida.
403
Em inglês, “the sourcing theory” e a “the benefit theory”.
404
“The existence of a genuine link with the taxing jurisdiction of the country where income is sourced and
the right of such country to tax business income should never be questioned or put in danger in so far as
the presence of a non-resident in the market country is not merely ocasional” ( Hongler & Pistone , 2015,
p. 18).
405
Ligação com o princípio do benefício.
406
Negrito e sublinhado nosso.
141
Permitindo a economia digital a venda de bens e serviços num território sem a
necessidade de presença física (pessoal ou outra), uma conceção moderna da teoria da
fonte poderá ajudar a estabelecer um vínculo – do qual se extrai a existência de uma
presença – com o Estado onde se localiza o mercado onde o rendimento se produz,
justificando a respetiva tributação.
Segundo este autor, é a atividade dos indivíduos na estrutura da empresa que gera
o rendimento passível de tributação. Ou seja, a atividade económica da empresa é
indissociável das pessoas que a compõem, que fazem parte da empresa. Esta teoria não
considera, contudo, que a interação da empresa com os clientes e, no âmbito da economia
digital, com os utilizadores também é um fator gerador de valor e, consequentemente, de
rendimento.
407
Na formulação original, “theory of taxation of income in the country of origin”.
408
Cf. ( Hongler & Pistone , 2015) e (Kemmeren, 2010).
142
mesmos409, como permitirá consubstanciar uma presença reconduzível a um E.E. (in casu
digital).
Esta teoria justifica a tributação pelo Estado da fonte pois considera-se ser ele o
responsável por assegurar as condições necessárias à produção de bens e serviços. Os
impostos cobrados refletem uma contrapartida prestada pela empresa não-residente pela
utilização das infraestruturas de determinado Estado na obtenção de rendimento.
A construção do E.E. com base nesta teoria reflete ainda que nem todos os
benéficos se reportam a uma presença física, na medida em que o art.º 5, n.º 5 do MC
OCDE considera a existência de um agente dependente (pessoa) a concretização de um
E.E. Ou seja, nem todas as empresas não-residentes carecem de uma presença física para
operar, sem que isso obste ao aproveitamento de quaisquer benefícios.
409
Com as demais consequências ao nível da repartição do poder de tributar.
410
Cf. ( Hongler & Pistone , 2015, p. 19) referindo-se a (Pinto, 2006).
143
benefícios físicos que poderiam ocorrer (por exemplo, rodovias, ferrovias, arruamentos,
transporte público, eletricidade, entre outros).
Duas das principais são: (i) a liquidação e cobrança de impostos é muito mais fácil
se houver local fixo de negócios numa jurisdição; e (ii) o local físico confere certeza e
segurança jurídico-tributária quer a contribuintes quer a administrações tributárias.
i. Um sistema legal: Sem um sistema legal que preveja e permita uma realidade
económica digital, as empresas não poderiam oferecer seus produtos online;
411
Cf. ( Hongler & Pistone , 2015, p. 22).
144
ii. Mecanismos que garantam o cumprimento do pagamento por parte do cliente:
sem estas garantias as empresas estariam relutantes em prestar os seus serviços
em determinados Estados;
iii. Proteção dos direitos de propriedade intelectual: na mesma linha que a
anterior, a ausência de garantias afastaria as empresas a prestar os seus
serviços em determinados Estados;
iv. Manutenção de um ambiente digital: sem as necessárias infraescritas técnicas,
os produtos e serviços digitais não podem ser prestados;
v. Energia: sem fornecimento de energia a economia digital e as respetivas
transações não são possíveis;
vi. Reciclagem de lixo: essencial para a indústria de comércio eletrônico; e
vii. Infraestruturas no geral.
Por outro lado, e do que já temos referido, parece claro que o sucesso do projeto
BEPS, sobretudo no que diz respeito à Ação 1, não passará por adaptar as regras existentes
à realidade atual, mas por criar novas regras que permitam estabelecer a conexão entre
determinado facto tributário e um determinado território por forma a garantir uma
atribuição e delimitação do poder tributário dos Estados que seja justa, equilibrada e
perfeitamente adaptada aos novos modelos de negócios desenvolvidos pela economia
digital.
145
(outros) elementos indiciadores de uma presença económica e comercial num
determinado Estado que não passem por uma ideia de “fisicalidade”, permitindo
estabelecer um vínculo tributável com essa jurisdição e com isso manter a coerência da
figura do E.E. (agora digital) como fundamento à tributação.
412
Cf. ( Hongler & Pistone , 2015, p. 23).
413
Ou melhor, da forma como este se estabelece.
414
A OCDE considera que só atividades totalmente desmaterializadas concorrem para este elemento de
conexão, com efeito, avança com um conjunto de características que pretendem identifica-las definidas
da seguinte forma:
1. “The core business of the enterprise relies completely or in a considerable part on digital goods
or digital services;
2. No physical elements or activities are involved in the actual creation of the goods or of the services
and their delivery other than the existence, use, or maintenance of servers and websites or other
IT tools and the collection, processing, and commercialisation of location-relevant data;
3. Contracts are generally concluded remotely via the Internet or by telefone;
4. Payments are made solely through credit cards or other means of electronic payments using on-
line forms or platforms linked or integrated to the relative websites;
5. Websites are the only means used to enter into a relationship with the enterprise; no physical
stores or agencies exist for the performance of the core activities other than offices located in the
parent company or operating company countries;
6. All or the vast majority of profits are attributable to the provision of digital goods or services;
7. The legal or tax residence and the physical location of the vendor are disregarded by the customer
and do not influence its choices;
8. The actual use of the digital good or the performance of the digital service do not require physical
presence or the involvement of a physical product other than the use of a computer, mobile
devices or other IT tools”.
Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015, p. 144) e ( Hongler & Pistone , 2015, p. 30).
146
Neste sentido, também se desaconselha, pelos riscos inerentes, o recurso à
tipificação de situações que pela sua presença digital significativa sejam consideradas
atividades economicamente significativas415.
Deve-se alcançar uma formulação flexível quer permita operar numa realidade
extremamente dinâmica e volátil como é a economia digital.
Neste caso, a definição atual de E.E. seria usada para avaliar a existência de um vínculo
tributável com um Estado. Essa solução tem o condão de representar uma reação imediata
aos desafios atuais, pois os tratados e CDT’s atuais não precisariam ser alterados.
Teria, no entanto, de ser avaliado de que modo tal interpretação poderia ser subsumível
ao disposto no nº 1 do artigo 5º da OCDE Modelo, que ainda inclui a referência a uma
“instalação fixa”.
415
Metodologia seguida no art.º 5.º, n.º 5 da proposta de Diretiva da Comissão Europeia (Comissão
Europeia, 21.03.2018).
416
(Petruzzi & Buriak, 2018, pp. 17-18).
417
(OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, November 2017).
147
Da natureza desta interação, e dos esforços e custos muitas vezes a ela associados,
podemos extrair uma ideia de “permanência” num determinado mercado.
Ora, é justamente esta ideia de “permanência” que encontramos como ratio da ideia de
“instalação fixa”. Admitimos que esta construção poderá ser uma forma de justificar uma
interpretação alargada, mais extensa mantendo uma certa ligação à atual letra da lei.
b) A segunda opção seria desenvolver uma nova definição de E.E., levando em conta
o papel dos clientes/ utilizadores no processo de criação de valor e, por força disso,
realizando um paralelismo com a noção colaboradores/ funcionários de uma empresa
dando origem a um E.E.
Neste caso, no entanto, apenas os clientes/ utilizadores que geram informação/ dados
valiosos para a empresa não-residente, criando com isso valor, poderiam servir como um
vínculo/ conexão com um Estado assim estabelecendo E.E. digital.
“If an enterprise resident in one Contracting State provides access to (or offers) an
electronic application, database, online marketplace, storage room or offers
advertising services on a website or in an electronic application used by more than
1,000 individual users per month domiciled in the other Contracting State, such
enterprise shall be deemed to have a permanent establishment in the other Contracting
State if the total amount of revenue of the enterprise due to the aforementioned services
in the other Contracting State exceeds XXX (EUR, USD, GBP, CNY, CHF, etc.) per
annum”418.
Esta definição, que consideramos um bom ponto de partida para uma futura discussão,
não é perfeita e poderá comportar alguns riscos: poder-se-á contornar a aplicação do E.E.
através de uma estrutura de planeamento fiscal; e a definição poderia facilmente tornar-
se obsoleta, isto é, excluir inadvertidamente novas formas de negócios e atividades
introduzidas no futuro.
c) A alternativa passará por desenvolver uma nova definição de E.E. aliada a uma
reformulação total da redação do art.º 5 do MC OCDE, que permita definir um vínculo
418
Cf. ( Hongler & Pistone , 2015, p. 25).
148
tributável entre os lucros de uma empresa não-residente provenientes de uma atividade
digital e um determinado território, necessariamente acautelando as regras de imputação
do rendimento à presença económica significativa em causa.
Ou seja, mais do que desenvolver uma definição de E.E. especifica para a economia
digital que coexista com a definição tradicional de E.E.419, a solução passará por
desenvolver uma (única) definição de E.E. passível de ser aplicável independentemente
do meio (físico ou digital) através do qual se projete uma presença económica
significativa.
419
Teríamos assim duas definições de E.E. aplicáveis a diferentes realidades.
149
Também se deseja que se mantenha a tributação dos lucros imputáveis a um E.E.
digital de forma semelhança ao que se faz hoje para o E.E. tradicional – ficciona-se uma
entidade separada e aplicam-se por analogia os princípios da OCDE em matéria de preços
de transferência.
Neste sentido, tem sido considerada a redefinição de funções, dos ativos e dos
riscos na cadeia de valor das empresas para efeitos de preços de transferência. Aliás, foi
esta a opção da proposta de Diretiva da Comissão Europeia sobre esta matéria420, nos
termos do n.º 2 do art.º 5 da proposta:
“Os lucros imputáveis à presença digital significativa ou com ela relacionados devem
ser aqueles que a presença digital teria obtido se fosse uma empresa separada e
independente a exercer as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas
condições ou em condições semelhantes, em especial nas suas relações com outras
partes da empresa, tendo em conta as funções desempenhadas, os ativos utilizados e
os riscos assumidos através de uma interface digital”.
Por outro lado, e nos termos do processo de criação de valor associado a este novo
elemento de conexão, considerando que identificação de um vínculo tributável e a
atribuição do poder de tributar é condicionada em função da criação de valor (pela
interação de diversos elementos), então não fará sentido manter, tal como está, a exclusão
de atividades preparatórias ou auxiliares na concretização de um E.E. devendo eliminar-
se, pelo menos no que à economia digital diz respeito, o n.º 4 do artigo 5.º do MC OCDE.
420
Cf. (Comissão Europeia, 21.03.2018).
150
Para mais esta dicotomia entre atividades nucleares ou principais e preparatórias
ou auxiliares tende a ser mais difusa no âmbito da economia digital. Pelo que no contexto
de alargamento do E.E. este artigo terá de ser revisto.
421
A montante tem-se identificado um outro problema relacionado com a escolha do sujeito passivo que
terá de cumprir a obrigação de imposto. Tendo em conta o processo de criação de valor associado à
economia digital alguns autores têm defendido que a empresa que coleta a totalidade do rendimento é
que terá de entregar os impostos correspondentes, mesmo que venham de um E.E. (cujo o imposto é
liquidado considerando tratar-se de uma figura separada da empresa sede).
422
Neste sentido, “The Rubik agreements signed by Switzerland with the United Kingdom and Austria
have shown that the application of an extraterritorial tax enforcement mechanism could be feasible and
lead to a higher degree of enforceability. If so, the tax due to digital presence is collected by one or several
states on behalf of the others” ( Hongler & Pistone , 2015, p. 37).
151
exemplo, do que existe no contexto europeu para o IVA/ VAT, exigindo-se, contudo, uma
particular articulação para o efeito.
Um mecanismo deste género significaria por parte dos Estados uma (nova) auto-
limitação das respetivas soberanias, delegando-se competências a uma determinada
autoridade estrangeira, mas poderia significaria uma maior eficiência na coleta de receita.
Para tanto, concorre o risco de dupla tributação que isso poderia acarretar, com as
demais consequências ao nível do princípio da neutralidade, e a potencial erosão da base
tributável dos Estados em causa.
Além do mais, um problema global dificilmente poderá ser ultrapassado por uma
solução local. Mesmo que fosse tentado, implicaria necessariamente uma articulação com
outras Administrações tributárias425 pois dificilmente se conseguiria identificar os
elementos do facto tributário de forma isolada, pelo que seria mais vantajoso que as
opções fossem tomadas de forma transversal.
423
Por forma a provisoriamente colmatar o atual problema de uma reduzida taxa de tributação da
economia digital.
424
De todo o modo, e por referência a 2018, já haviam sido implementados impostos relacionados com
rendimentos provenientes de produtos e serviços digitais: Reino Unido, Austrália (entretanto declarado
inconstitucional), Israel, India, Kuwait, Arabia Saudita. A China e Itália ponderam aplicar (Petruzzi & Buriak,
2018, pp. 3-4).
425
Com as dificuldades a isso associadas.
152
A aplicação unilateral das normas fiscais não só poderá ser contraproducente
como geradora de conflitos. Desde logo pelo facto de os Estados, isolados, dificilmente
compreenderem de forma holística o fenómeno tributário e económico internacional e as
consequências e impactos da interseção e interligação entre ambos.
Para finalizar, importa referir que esta ou qualquer outra solução que se encontre
para estabelecer um elemento de conexão entre um facto tributário e um território num
contexto digital, terá a mesma de ter em conta e respeitar os mesmos princípios aplicáveis
Caso se tratem de atividades diferentes, não obstante pertencerem à mesma empresa, poderá ser
427
mais fácil.
153
à economia e comércio tradicionais428, nomeadamente: a neutralidade; eficiência, certeza
e simplicidade; justeza429.
428
Cf. Resoluções da Conferência Ministerial de Ottawa (Ottawa Taxation Framework Conditions).
429
Sobre este tema, vide ( Hongler & Pistone , 2015, pp. 41-43) e (Courinha, A Tributação Direta das
Pessoas Coletivas no Comércio Electrónico, 2001).
430
(Courinha, A Tributação Direta das Pessoas Coletivas no Comércio Electrónico, 2001).
154
4. Conclusão
A globalização e o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e
Comunicação geram novos modelos de organização e gestão. Este fenómeno de
transformação está na origem da economia digital.
155
consequente operacionalidade dos conceitos jurídicos hoje vigentes para regulamentar as
relações entre Estados, nomeadamente a (de)limitação do poder tributário.
De referir que esta última sugestão foi concretiza no relatório final da Ação 7.
Contudo, da Ação 7 limitou-se a tecer recomendações às regras respeitantes às atividades
preparatórias e auxiliares (art.º 5.º, n.º 4, do MC OCDE), ao conceito de agente
156
dependente (art.º 5, n.º 5.º, do MC OCDE) e de agente independente (art.º 5.º, n.º 6 do
MC OCDE).
A par desta, existe uma outra estratégia que insiste na procura de regras específicas
para a economia digital, tratando-a de forma autónoma.
Assim, deverá ser considerar uma terceira estratégia, uma via alternativa:
mantendo os atuais princípios de tributação e os respetivos elementos de conexão, sugere-
se a alteração das atuais (e tradicionais) regras que os concretizam por outras passíveis de
serem aplicadas a qualquer contexto, independentemente da natureza real ou virtual.
O caminho passará, entendemos nós, pela escolha de regras que possam ser
aplicadas a ambas as realidades, sem perda de vigor. Para isso, teremos de abandonar o
157
recurso à “fisicalidade” como característica central da fiscalidade e substitui-la por outra
ou outras características que, de forma idêntica, permitam estabelecer um vínculo
tributável entre uma empresa e um Estado.
Esta estratégia permitir-nos-á manter a figura do E.E. e com isso, por se tratar de
uma figura consensual e perfeitamente integrada no corpus legislativo nacional e
internacional, conferir algum conforto, segurança e facilidade no processo de transição
de uma economia tradicional para uma economia digital.
431
Cf. (OCDE, Action 1: Final Report, 2015) e confirmado em (OCDE, Interim Report , 2018).
158
O conceito de presença económica significativa, sobretudo por recurso a uma
presença digital significativa, carece de determinação e concretização.
432
Um sistema assente numa obrigação declarativa auto-imposta.
159
Seja através desta ou de outra formulação mostrar-se-á sempre necessária a
definição de alguns limiares mínimos sob pena de não se conseguir evitar uma excessiva
base de tributação.
É esta rutura com a fisicalidade que permitirá quer a adaptação dos atuais
elementos de conexão à nova realidade económico-comercial quer a viabilidade futura
dos mesmos. Quaisquer soluções que dependam fortemente de um elemento físico, fruto
do crescente desenvolvimento das TIC, tornar-se-ão rapidamente obsoletas.
Em face do exposto, consideramos ser este o caminho que nos levará das
incertezas para as certezas da tributação da economia digital.
160
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