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Frank Smith2
A complexidade da escrita
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Tradução para o português de Giselle Olívia Mantovani Dal Corno a partir do texto original em
Language Arts. Urbana: National Council of Teachers of English, 60 (5): 627 – 643, may 1983.
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Frank Smith é professor na área de Educação na University of Victoria, British Columbia.
zação de toda e qualquer palavra que possamos algum dia vir a escrever3. As “regras”
de ortografia podem ser numeradas às centenas, e ainda assim só terão uma
probabilidade de cinqüenta por cento de serem aplicáveis a uma palavra qualquer. São
tantas as alternativas e exceções que devemos confirmar e memorizar a grafia correta de
cada palavra que esperemos escrever com segurança no futuro, mesmo que ela seja
“regular”. Quando é que qualquer pessoa verifica a grafia de todas as palavras que
ordinariamente são escritas de forma correta, ou, menos provável ainda, memorize-as?
Pontuação, uso de maiúsculas, e outras “regras” gramaticais são essencialmente
redundantes e sem sentido para qualquer pessoa que não possa fazer sequer o que está
sendo “explicado”. As crianças recebem a instrução de começar uma frase com letra
maiúscula e terminá-la com um ponto; mas se elas perguntarem o que é uma frase, mais
cedo ou mais tarde alguém lhes diz que uma frase é algo que começa com letra,
maiúscula e termina com um ponto. A afirmação de que a frase é um “pensamento
completo" é tão inexata e inútil quanto a asserção de que uma palavra é “uma unidade
de significado” ou de que um parágrafo está organizado em torno de um único assunto.
Como é que alguém pode reconhecer uma unidade de significado, um pensamento
completo ou um assunto isoladamente? Os lingüistas são incapazes de fazer qualquer
uso construtivo de tais afirmações, que são definições, e não regras de aplicação. Não
tem sentido para qualquer pessoa que não tenha uma compreensão implícita das
convenções que determinam o que constitui ume palavra, frase ou parágrafo,
convenções que diferem de uma língua para outra. Infelizmente, aqueles que têm essa
compreensão implícita tendem a considerar as definições tão transparentemente óbvias e
a tomá-las como base da aprendizagem, e não como a conseqüência de ter aprendido.
Qualquer pessoa que sabe escrever, é claro, deve ter conhecimento destas convenções,
mas este conhecimento não pode ser explicitado e ensinado por outros.
Até mesmo regras, descrições e definições arbitrárias nos fogem quando se está
lidando com questões mais sutis como estilo, os vários níveis de linguagem, que
dependem do assunto a ser discutido e da audiência a que se destina, e os “esquemas”
apropriados ao meio especificamente utilizado. Cartas, telegramas, mensagens formais e
informais, artigos de jornal, artigos de revista, contos e poemas não só devem ser
escritos diferentemente como também a própria estruturação do gênero varia de acordo
com seus propósitos específicos. Cartas a amigos íntimos e ao gerente do banco têm
tanto em comum quanto uma reportagem da Geográfica Universal e da Veja. Estas
convenções estão ainda por ser investigadas pelos lingüistas, que só recentemente
começaram a analisar muitos aspectos críticos da linguagem que todos observam e
esperam, na fala e na escrita competente, sem consciência de sua existência. Existem,
por exemplo, as complexas regras de “coesão” que unem frases umas as outras e ao
contexto extralingüístico (Halliday e Hassan,1976). Como é que estas regras poderiam
ser reduzidas a prescrições, fórmulas ou exercícios de treinamento? Mesmo que
pudessem, e que aprendêssemos algumas centenas de grafias, algumas construções
gramaticais úteis e algumas regras de pontuação pelo estudo, aplicado na escola, seriam
apenas uma fração da perícia que ser um escritor competente médio exige.
E quanto à aprendizagem por tentativa e erro ou “testagem de hipóteses”? Eu
pensava que aprendemos a escrever escrevendo até que refleti sobre quão pouco alguém
escreve na escola, mesmo os alunos mais aplicados, e quão pouco feedback lhes é dado.
Erros podem ser corrigidos, mas com que freqüência modelos corretos são fornecidos,
especialmente além do nível da palavra? Com que freqüência este feedback é
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Os argumentos apresentados nesta seção com relação à inadequação das “fórmulas”, a mais comum e
conhecida maneira de ensinar a escrever, são extraídos, de forma condensada, do capitulo 10 de Smith
(1982).
consultado, e aproveitado, especialmente por aqueles que mais precisam de correção?
Ninguém escreve o suficiente para aprender mais do que uma pequena porção daquilo
que os escritores têm que saber. Escritores experientes, em sua maioria, podem produzir
um texto perfeito desde o começo, ou pelo menos podem alterar ou reescrever de forma
convencional, sem muito feedback, os textos que produzem às pressas. Além disso, se
aprendemos a escrever testando hipóteses de escrita, de onde vêm as hipóteses? A
prática e o feedback podem ajudar a refinar habilidades de escrita, mas não podem, de
modo algum, explicar a sua aquisição.
Os aprendizes devem encontrar e assimilar uma multiplicidade de fatos e
exemplos que variam desde grafias individuais à organização adequada de textos
completos. Onde é que todos estes fatos e exemplos podem ser encontrados, quando não
disponíveis em palestras, livros-texto e exercícios a que as crianças são expostas em sala
de aula? A única resposta possível parece-me tão óbvia quanto espero que agora seja ao
leitor - devem ser encontrados no que outras pessoas escreveram, em textos já
existentes. Para se aprender a escrever para jornais, deve-se ler os jornais. Livros-texto
sobre o assunto não serão suficientes. Para escrever artigos de revista, deve-se folhear
uma revista antes de fazer um curso por correspondência que ensine a escrever para
revistas. Para escrever poesia, ler poesia. Para aprender o estilo convencional de
memorandos de sua escola, consulte os arquivos de sua escola.
Isto tudo me pareceu extremamente evidente assim que deixei de lado a ilusão de
que a instrução prescritiva podia e tinha que ser suficiente para transmitir pelo menos
uma parte daquilo que um escritor precisa saber. Todos os exemplos de língua escrita
em uso mostram suas próprias convenções relevantes. Todos demonstram sua própria
gramática adequada, sua pontuação e recursos estilísticos variados. Todos são como que
vitrines de exposição de palavras. Agora, então, sei onde se encontra o conhecimento de
que os escritores necessitam: nos textos existentes. Está lá para ser lido. A questão
agora é: como este conhecimento penetra a mente do 1eitor, de modo que ele se torne
um escritor?
A resposta não pode ser que todo este conhecimento específico seja adquirido
através da análise formal deliberada, que alguém tome um determinado texto e faça
anotações exaustivas, memorizando dados e exemplos. O que se aprende é por demais
intricado e útil para isso, e não é pouca coisa. Não há tempo suficiente para tudo. Ao
invés disso, o que deve acontecer é que a aprendizagem se realiza sem esforço
deliberado, até mesmo sem consciência. Aprendemos a escrever sem saber que estamos
aprendendo ou o que aprendemos. Tudo aponta para a necessidade de aprendermos a
escrever a partir daquilo que nós lemos. E este é o truque a ser explicado.
O papel do professor
Infelizmente, nem sempre e escola é um bom lugar para a criança se ver como um
membro do clube dos escritores. As taxas de inscrição podem estar fora do alcance de
muitas delas. A maneira como a escola está organizada não favorece a colaboração;
prevalece a instrução em vez da demonstração, e a avaliação em vez do propósito. Uma
abordagem “programada” pode reduzir a alfabetização a um ritual trivial para muitas
crianças (Smith, 1981, b) e deixar pouco tempo para engajamento em linguagem escrita
significativa. Os professores nunca poderão ser colaboradores de crianças que os
consideram capatazes e antagonistas.
Exercícios de treinamento, repetições e aprendizagem mecânica de atividades de
alfabetização programadas são tão difundidos que alguns professores tendem a esquecer
pare que se aprende a escrever. Posso oferecer uma lista curta e incompleta que engloba
mais leitura e escrita de que é possível em qualquer dia de aula.
A escrita serve para histórias para ler, livros para serem publicados, poemas para
serem recitados, canções para serem cantadas, jornais para circularem, cartas para serem
enviadas, piadas para serem contadas, bilhetes para serem passados, cartões para serem
mandados, instruções para serem seguidas, projetos para serem esboçados, receitas para
serem cozinhadas, programas para serem organizados, excursões para serem planejadas,
catálogos para serem comparados, guias de turismo para serem consultados, memos
para serem divulgados, anúncios para serem afixados, cartazes para serem expostos,
dividas para serem cobradas, plágios para serem escondidos e diários para serem
ocultados. Escrever é para idéias, ação, reflexão e experiência. Não é para expor a
ignorância de alguém, destruir sua sensibilidade ou avaliar sua capacidade.
Então como os professores podem ajudar as crianças a ver as vantagens e
possibilidades do clube dos escritores, apesar de todas as limitações da escola? Como já
argumentei anteriormente (Smith, 1981, b), os professores devem envolver as crianças
em aventuras de linguagem significativa sempre que possível, e protegê-las dos efeitos
destrutivos de atividades sem sentido que não possam ser evitadas. O primeiro passo é
que os próprios professores distingam a escrita significativa de rituais sem sentido, e o
segundo é discutir a diferença com as crianças.
De um modo especial, os professores deveriam tentar proteger a si mesmos e as
crianças dos efeitos da avaliação. Onde a avaliação e atribuição de notas forem
inevitáveis, como normalmente o são, deve-se deixar claro para as crianças que
acontecem por razões administrativas, burocráticas ou políticas, e que nada têm a ver
com escrever no “mundo real”. A atribuição de notas nunca ensinou nada a um escritor
(exceto que ele não era um membro do clube). Os escritores aprendem aprendendo
sobre escrever, não tendo números colocados em seus esforços ou habilidades. As
crianças (e os estudantes universitários) que escrevem só pela nota têm uma noção
muito grotesca do que sejam as vantagens do clube dos escritores.
Não é uma questão de “correção”, que, de qualquer modo, não faz de ninguém um
escritor melhor. A correção meramente realça o que o aprendiz quase que certamente
sabe que não pode fazer. A correção só vale a pena se o aprendiz a buscar, e para buscar
correção para o que se faz é preciso considerar-se um profissional, ser um membro do
clube. Não estou dizendo que não deveria haver padrões, mas que os padrões devem vir
daquilo que o aprendiz almeja alcançar. Ênfase na eliminação de erros resulta na
eliminação da escrita.
É difícil para muitos professores não considerar a avaliação como uma
necessidade. Provavelmente, o ar que respiram em seus ambientes de trabalho esteja
impregnado dela. Talvez ninguém lhes tenha contado sobre seu efeito devastador sobre
a sensibilidade, ou sobre sua inevitável relação com a atividade sem sentido. O ato de
escrever que é realizado com um propósito não requer nem permite outra avaliação que
não seja a adequação aquele propósito, que só pode ser avaliada pelo aprendiz em
comparação com o mesmo propósito é atingindo por membros mais experientes do
clube. Mas é sempre assim que as crianças aprendem; não é necessário que se lhes diga
que encontrem a melhor maneira de fazer o que elas querem fazer; elas procuram. As
crianças nunca querem falar uma versão inadequada da linguagem dos grupos a que sê
filiam, assim como não querem se vestir de maneira diferente da convencional. Se são
membros de um clube, querem viver de acordo com seus padrões. Uma criança que não
quer aprender está claramente demonstrando sua exclusão do grupo, seja voluntária ou
imposta.
A escola deveria ser o lugar onde a criança é iniciada no clube dos escritores o
quanto antes, com direitos e privilégios completos, mesmo como aprendiz. Ela lerá
como um escritor, e assumirá seu papel no clube, se não lhe for negada a entrada no
portão.
Referências Bibliográficas