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Referência:
SCARTON, Gilberto. Guia de produção textual: assim é que se escreve... Porto Alegre:
PUCRS, FALE/GWEB/PROGRAD,
[2002]. Disponível em: < http://www.pucrs.br/gpt >. Acesso em: dd mm. ANO.

COMO DESENVOLVER A COMPETÊNCIA TEXTUAL

Creio

CREIO que a função principal da educação formal é a de


desenvolver ao máximo a competência da leitura e da escrita em
seus alunos.
CREIO na leitura, porque ler é conhecer - o que aumenta
consideravelmente o leque de entendimento, de opção e de
decisão das pessoas em geral.
CREIO na leitura como uma reação ao texto, levando o leitor a
concordar e a discordar, a decidir sobre a veracidade ou a
distorção dos fatos, desmantelando estratégias verbais e fazendo
a crítica dos discursos - atitudes essenciais ao estado de
vigilância e lucidez de qualquer cidadão.
CREIO na escrita como instrumento de luta pessoal e social, com
que o cidadão adquire um novo conceito de ação na sociedade.
CREIO que, quando as pessoas não sabem ler e escrever
adequadamente, surgem homens decididos a LER e ESCREVER
por elas e para elas.
CREIO que nossas possibilidades de progresso são determinadas
e limitadas por nossa competência em leitura e escrita.
CREIO, por isso, que a linguagem constitui a ponte ou o arame
farpado mais poderoso para dar passagem ou bloquear o acesso
ao poder.
CREIO que o homem é um ser de linguagem, um animal
semiológico, com capacidade inata para aprender e dominar
sistemas de comunicação.
CREIO, assim, que a linguagem é um DOM, mas um DOM de
TODOS, pois o poder de linguagem é apanágio da espécie
humana.
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CREIO que o educando pode crescer, desenvolver-se e firmar-se


lingüisticamente, liberando seus poderes de linguagem, através
da simples exposição a bons textos.
CREIO, por isso, em M. Quintana, que afirmou: "Aprendi a
escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo,
naturalmente."
CREIO, pois, no aluno que se ensina, no aluno como um
auto/mestre, num processo de auto-ensino.
CREIO que o ato de escrever é, primeiro e antes de tudo, fruto do
desejo de nos multiplicarmos, de nos transcendermos, e mesmo
de nos imortalizarmos através de nossas palavras.
CREIO, por isso, na tua paixão pela palavra. Para anunciar
esperanças. Para denunciar injustiças. Para in(en)formar o
mundo com a-vida-toda-linguagem.
PORTANTO, vem! Levanta tua voz em meio às desfigurações da
existência, da sociedade: tu tens a palavra. A tua palavra. Tua
voz. E tua vez.

Gilberto Scarton

1. Introdução

No processo de ensino e de aprendizagem, tudo gira em torno do


ensino: ensina-se Português, Matemática, Geografia, etc., mas pouco
ou nada se fala de como se aprende. Até mesmo nas Faculdades de
Educação, haja vista as disciplinas de Didática (em que se discutem
técnicas e métodos que o professor deve usar para produzir um
ensino eficaz), Prática de Ensino, Avaliação de Ensino. Em suma, tudo
voltado para a transmissão do saber.

A ênfase não deve recair sobre o que os professores devem fazer


para ensinar bem, mas sobre aquilo que os alunos devem fazer para
aprender bem ... e como os professores podem ajudá-los. A escola de
que precisamos é uma escola centrada no desenvolvimento de
competências, de habilidades, na aprendizagem e no aluno - o ator, o
protagonista de sua própria educação, de sua vida.

Levar o aluno a aprender a aprender como se desenvolve a


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competência textual deve ser, pois, tarefa da escola, preocupação de


um aluno de redação. É por essa razão que dedico neste manual
GUIA DE PRODUÇÃO TEXTUAL um capítulo em que exponho minha
convicção acerca de como se desenvolve a competência textual, que
se realiza mediante a leitura inteligente, que decodifica o texto em
sua forma, ultrapassando sua superfície e o interesse apenas por seu
conteúdo. O "truque" a ser explicado é que tudo aponta para a
imperiosa necessidade de aprendermos a escrever a partir do que
lemos.

O presente capítulo tem como fio condutor o texto de Frank Smith


(1983) "Ler como um escritor", em diálogo com outros textos, o que
explica as inúmeras citações.

2. O texto: uma vitrine de palavras

Nas primeiras linhas do texto de Frank Smith, lê-se o que segue:

Questionei o mito segundo o qual uma pessoa pode


aprender a escrever através da educação e prática
constantes. E deparei com um sério problema: escrever
requer uma enorme bagagem de conhecimentos específicos
que não podem ser adquiridos em palestras, livros-texto,
treinamento, tentativa e erro, ou mesmo pelo próprio
exercício da escrita. Um professor pode lançar aos alunos
tarefas que resultem na produção de uma quantidade
pequena, mas aceitável de textos, mas é necessário muito
mais do que isso para que alguém se torne um competente e
versátil escritor de cartas, relatórios, memorandos, atas,
monografias, e talvez até alguns poemas ou obras de ficção
esparsos, adequados às exigências e oportunidades de
situações extra-classe. Onde é que as pessoas que escrevem
adquirem todo o conhecimento de que precisam?

A conclusão a que cheguei então era tão problemática


quanto o problema que precisava resolver: concluí que
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somente através da leitura é que os escritores aprendem


todos os mistérios que conhecem (...) Para aprender a
escrever, os alunos precisam ler de uma maneira muito
especial.

É muito antiga a fórmula "é lendo que se aprende a escrever", e


tão divulgada, tão conhecida que parece valer por si mesma, um
postulado, que carece demonstrar.

A mim não me parece que tenhamos que aceitar essa fórmula


como uma obviedade, sem mais, nem menos. Acredito que é função
da Escola levar os alunos a "aprender a aprender", e, por isso, em
nosso caso, refletir e aprofundar a discussão sobre o processo de
aprendizagem da escrita, que se dá através da leitura e vivenciá-lo, é
tarefa que se impõe em nossas aulas de Língua Portuguesa.

Feita a observação, seguem mais algumas passagens do autor:

Mesmo os tipos mais comuns de texto envolvem um


vasto número de convenções de complexidade tal que nunca
poderiam ser organizados como procedimentos de educação
formal. A abrangência de tais convenções é geralmente
desconhecida, tanto por professores quanto pelos
aprendizes.

Onde é que todos estes fatos e exemplos podem ser


encontrados, quando não disponíveis em palestras, livros-
texto e exercícios a que as crianças são expostas em sala de
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aula? A única resposta possível parece-me tão óbvia quanto


espero que agora seja ao leitor - devem ser encontrados no
que outras pessoas escreveram, em textos já existentes.
Para se aprender a escrever para jornais, deve-se ler
jornais: livros-texto sobre o assunto não serão suficientes.
Para escrever artigos de revista, deve-se folhear uma revista
antes de fazer um curso por correspondência que ensine a
escrever para revistas. Para escrever poesia, ler poesia. Para
aprender o estilo convencional de memorando de sua escola,
consulte os arquivos de sua escola.

Isto tudo me pareceu extremamente evidente assim que


deixei de lado a ilusão de que a instrução prescritiva podia e
tinha que ser suficiente para transmitir pelo menos uma
parte daquilo que um escritor precisa saber. Todos os
exemplos de língua escrita em uso mostram suas próprias
convenções relevantes. Todos demonstram sua própria
gramática adequada, sua pontuação e recursos estilísticos
variados. Todos são como que vitrines de exposição de
palavras. Agora, então, sei onde se encontra o conhecimento
de que os escritores necessitam: nos textos existentes. Está
lá para ser lido. A questão agora é: como este conhecimento
penetra a mente do leitor de modo que ele se torne um
escritor? (...)

Aprendemos a escrever sem saber que estamos


aprendendo ou o que aprendemos. Tudo aponta para a
necessidade de aprendermos a escrever a partir daquilo que
nós lemos. E este é o truque a ser explicado.
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3. Ler como um escritor

A questão que, a seguir, Smith aborda é: como os conhecimentos


de que necessitamos e que estão nos textos penetram na mente do
leitor? O autor explica que esse conhecimento é adquirido a partir de
um processo especial de leitura, que ele domina "ler como um
escritor", conforme exemplifica:

Quando começamos a ler, não esperávamos ter uma lição


de ortografia, e nem ao menos estamos conscientes de
estarmos prestando atenção à ortografia (ou qualquer outro
aspecto técnico da escrita) à medida que lemos. Mas
notamos aquela grafia desconhecida - do mesmo modo que
notaríamos uma incorreta - porque estamos escrevendo o
texto à medida que o lemos. Estamos lendo como um
escritor, ou no mínimo como um ortografista.

Eis um segundo exemplo. Estamos casualmente lendo, e


novamente encontramo-nos parando para reler uma
passagem. Não por causa da ortografia, desta vez, nem
porque não tenhamos compreendido o trecho. Na verdade,
entendemos muito bem. Voltamos porque alguma coisa
naquele trecho foi especialmente bem colocada, porque
respondemos ao toque do artista. É algo que nós mesmos
gostaríamos de fazer e, ao mesmo tempo, algo que
acreditamos não estar fora de nosso alcance. Estivemos
lendo como um escritor, como um membro do clube. (...)

O que se disse pode ser ilustrado mediante o seguinte


exemplo, que evidencia possíveis reações de quem lê como um
escritor:
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Talvez a maximização da fórmula de "ler como um escritor" seja a


de "ler com um lápis na mão":

Existem dois tipos de livros, os que se lê e os que se lê


sublinhando. Na adolescência, eu certamente teria
sublinhado essa frase. Fui uma sublinhadora voraz e nem
sempre imune aos clichês. Certos trechos que pareciam
encerrar toda a sabedoria do mundo e a chave para decifrar
o sentido da vida conquistavam a glória suprema de ganhar
um espaço na parede do quarto - copiados com caligrafia
caprichada e fixados com durex enroladinha. Quando, enfim,
a cola sumia e o cartazinho desabava junto com a pintura, já
a tal frase havia ficado invisível no mosaico de fotografias,
cartazes e recortes de revistas que então cumpriam a função
de anunciar ao mundo - se por acaso o mundo um dia
espiasse pela porta do meu quarto - quem morava ali e com
o que sonhava quando estava acordada.
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Claudia Laitano
Zero Hora, 1/10/03

Um exemplo:

Ao se ler como um escritor o texto abaixo, os seguintes aspectos


deviam ser notados ou apreciados (entre outros): as repetições, as
enumerações e o uso de ponto-e-vírgula nas enumerações.

Último discurso de Martin Luther King

Freqüentemente imagino que todos nós pensamos no dia em


que seremos vitimados por aquilo que é dominador comum e
derradeiro da vida, essa alguma coisa a que chamamos de
morte.
Freqüentemente penso em minha própria morte e em meu
funeral, mas não num sentido angustiante.
Freqüentemente pergunto a mim mesmo que é que eu
gostaria que fosse dito então, e deixo aqui com vocês a
resposta.
Se vocês estiverem ao meu lado quando eu encontrar o meu
dia, lembre-se de que não quero um longo funeral. Se vocês
conseguirem alguém para fazer a oração fúnebre, digam-lhe
- para não falar muito;
- para não mencionar que eu tenho trezentos prêmios, isto
não é importante;
- para não dizer o lugar onde estudei.
Eu gostaria que alguém mencionasse aquele dia em que
- eu tentei dar minha vida a serviço dos outros;
- eu tentei amar alguém;
- eu tentei ser honesto e caminhar com o próximo;
- eu tentei visitar os que estavam na prisão;
- eu tentei vestir um mendigo;
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- eu tentei amar e servir a humanidade.


Sim, se quiseres dizer algo, digam que
EU FUI ARAUTO:
- arauto de justiça;
- arauto de paz;
- arauto do direito.
Todas as outras coisas triviais não têm importância.
Não quero deixar atrás
- nenhum dinheiro;
- coisas finas e luxuosas.
Só quero deixar atrás
- uma vida de dedicação.
E isto é tudo o que tenho a dizer:
SE EU PUDER
- ajudar alguém e seguir adiante;
- animar alguém com uma canção;
- mostrar a alguém o caminho certo;
- cumprir meu dever de cristão;
- levar a solução para alguém;
- divulgar a mensagem que o Senhor deixou;
então,
MINHA VIDA NÃO TERÁ SIDO EM VÃO.

4. O que Sherlock Holmes tem a ver com isso

Para caracterizar este processo de ler como um escritor, que


estou tentando descrever, é útil fazer referência à figura legendária
de Sherlock Holmes, para quem o bom investigador deveria ter duas
grandes qualidades:

 acurado senso de observação;


 grande conhecimento de muitas áreas;

Eis algumas passagens que foram trazidas ao debate,


aproximando as qualidades do aprendiz da escrita às de um bom
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investigador.

Sobre a observação:

"Há muito adoto o axioma de que as pequenas coisas são


infinitamente mais importantes." "Você conhece meu
método. Ele está baseado na observação das
insignificâncias."

"Você parece ter visto nela uma série de coisas que


permaneceram invisíveis para mim", foi meu comentário.
Não invisíveis, mas despercebidas, Watson. Você não sabia
para onde olhar e por isso perdeu tudo que era importante.
Eu nunca consigo fazer você perceber a importância das
mangas das roupas, o caráter sugestivo das unhas dos
polegares ou as grandes pistas que estão atadas aos
cadarços de uma bota. Agora, o que você conseguiu
perceber da aparência daquela mulher? Descreva."

"Bem, ela tinha um chapéu de palha de aba larga, de um


azul-acinzentado, com uma pluma de cor vermelho-tijolo.
Sua jaqueta era preta, bordada com contas negras e com
uma franja de delicados ornamentos negros. Seu vestido era
marrom, mais escuro do que cor de café, com detalhes em
pelúcia púrpura na gola e nas mangas. Suas luvas eram
acinzentadas e estavam gastas na ponta do dedo indicador
direito. Não observei suas botas. Ela usava um pequeno
pingente de ouro redondo nas orelhas e um certo ar de estar
razoavelmente bem para ir levando uma vida vulgar,
confortável, despreocupada."

Sherlock Holmes estalou as mãos em um aplauso suave e riu


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furtivamente.

"Palavra de honra, Watson, você está se saindo muito bem.


Fez um ótimo trabalho de fato. É bem verdade que deixou
escapar todas as coisas importantes, mas você acertou no
método e, ademais, tem um olho clínico para as cores.
Nunca confie nas impressões gerais, mas concentre-se nos
pormenores, meu caro. Eu sempre lanço o olhar,
primeiramente, nas mangas de uma mulher. Em um homem,
talvez seja melhor considerar primeiro a parte dos joelhos
das calças. Como você observou, a mulher tinha pelúcia em
suas mangas, o que é um material muito útil para mostrar
pistas. A linha dupla um pouco acima do punho no exato
lugar que a datilógrafa pressiona contra a mesa estava
maravilhosamente definida. Uma máquina de costura, de
tipo manual, deixa marca semelhante, mas apenas no braço
esquerdo, e na parte que é mais distante do polegar, ao
contrário desta marca que mostra o vinco em quase toda a
extensão. Então, dei uma olhadela no seu rosto e,
observando a mancha deixada por um pince-nez de ambos
os lados do nariz, aventurei um comentário sobre vista curta
e datilografia, o que a deixou surpresa."

Sobre o conhecimento:

"Veja você... considero que, originalmente, o cérebro de um


homem é semelhante a um ático vazio, que pode ser
povoado com a mobília que se desejar.

Um tolo abarrota-o com toda a espécie de traste que


encontra pela frente, de modo que o conhecimento que lhe
pode ser útil fica de fora ou, quando muito, soterrado no
meio de muitas outras coisas, tornando-se assim muito difícil
o acesso até ele.
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Agora, o profissional hábil é muito criterioso com o que


introduz em seu cérebro-ático."

O perfil de um investigador segundo Sherlock Holmes ilustra


perfeitamente o processo de aperfeiçoamento da competência textual
e a própria habilidade de expressão escrita. Não é demais repetir que
tal aprimoramento ou habilidade não se explica, não se processa pelo
estudo de regras gramaticais, pela leitura de manuais de redação,
nos bancos escolares onde se realizam exercícios de redação. Explica-
se pela assimilação. Segundo o crítico francês Albalat, talento nada
mais é do que assimilação. Assimilação que decorre do ler, do saber
ler, do monitorar a própria leitura, do surpreender-se, do admirar-se
diante do texto, do observar os seus recursos, o que leva a escrever
o que se lê, a internalizar recursos de expressão, a imitar, a recriar, a
encontrar nosso estilo.

O que importa é ler com olhos de detetive, cujo método "se


baseia na observação". Observação de detalhes, de aspectos que
podem passar despercebidos, observação da forma lingüística ... e
não apenas preocupação em decodificar o conteúdo.

Por outro lado o conhecimento que deve abarrotar o cérebro de


um detetive-escritor diz respeito à leitura, ao conhecimento de
textos. Quem escreve não escreve no vazio, pois um texto não surge
do nada. Nasce de/em outros textos. Pode-se dizer que escrever é a
habilidade de aproveitar criticamente, criativamente outros materiais
interdiscursivos, outros textos. Assim, para resumir, pode-se dizer
que o escritor se constrói a partir da observação do que está nos
textos e de um cérebro-ático "povoado com a mobília da leitura".

5. O que acontece quando estamos lendo?

Para aprofundar a questão central da tese de Smith, busquei


auxílio em autores que tratam de estratégias de leitura, pois "ler
como um escritor", ler observando os recursos lingüísticos do texto é
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uma delas. Tenho como fundamentação o capítulo "A metacognição",


de Vilson J. Leffa (1996).

Uma das características fundamentais do processo de leitura é a


capacidade que o leitor possui de avaliar, de monitorar a qualidade
da compreensão do que está lendo. O leitor, em determinado
momento de sua leitura, volta-se para si mesmo e se concentra não
no conteúdo, mas no processo que conscientemente utiliza para
chegar ao conteúdo. É o fenômeno da metacognição.

A metacognição envolve, portanto:

a) a habilidade para monitorar a própria compreensão ("Estou


entendendo muito bem o que o autor está dizendo", "Esta parte está
mais difícil, mas dá para pegar a ideia principal", etc.);

b) a habilidade de tomar as medidas adequadas quando a


compreensão falha, ("Vou ter que reler este parágrafo", "Essa deve
ser uma palavra chave no texto. Vou ver no glossário", etc.).

Brown (apud Leffa, 1996) define metacognição como um conjunto


de estratégias de leitura que se caracteriza pelo "controle planejado e
deliberado das atividades que levam à compreensão". Entre essas
atividades, destacam-se:

 Definir o objetivo de uma determinada leitura ("Vou ler este


texto para ver como se monta este brinquedo", "Só quero ver a
data da morte de Napoleão". "Vou correr os olhos pelo sumário
para ter uma ideia geral do livro").
 Identificar os segmentos mais e menos importantes de um
texto ("Aqui o autor está apenas dando mais um detalhe". "Esta
definição é importante").
 Distribuir a atenção de modo a se concentrar mais nos
segmentos mais importantes ("Isto aqui é novo para mim e
preciso ler com mais cuidado". "Isto eu já conheço muito bem e
posso ir apenas passando os olhos"). A importância de um
segmento pode variar não só de um leitor para outro, mas até
de uma leitura para outra.
 Avaliar a qualidade da compreensão que está sendo obtida da
leitura ("Estou entendendo perfeitamente o que o autor está
tentando dizer". "Este trecho não está muito claro para mim").
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 Determinar se os objetivos de uma determinada leitura estão


sendo alcançados ("Estou lendo este capítulo para ter uma idéia
geral do que é fenomenologia, mas ainda não consegui ter uma
noção clara do assunto").
 Tomar as medidas corretivas quando falhas na compreensão
são detectadas ("Vou ter que consultar o dicionário para
entender esta palavra, já que o contexto não me bastou".
"Parece que vou ter que ler aquele outro artigo para poder
entender este").
 Corrigir o rumo da leitura nos momentos de distração,
divagações ou interrupções ("Estou tão distraído que passei os
olhos por este parágrafo sem prestar atenção no que estava
lendo; vou ter que relê-lo").

A metacognição, no entanto, não se refere apenas ao


monitoramento na compreensão do conteúdo. Estamos também
envolvidos num processo de metacognição quando analisamos a
forma lingüística do texto, a linguagem. Isso se dá quando lemos
como um escritor. Aqui também o leitor volta-se para si mesmo e
avalia, analisa a forma ou reflete sobre ela. ("Ah! este texto começa
mediante uma fórmula muito empregada, através de uma
pergunta"... "Muito bem estruturado este texto... com importantes
elementos coesivos". "Esta frase curta e esta outra construção
nominal estão bem inseridas nesta passagem"... "Ah! é assim, então,
que se escreve esta palavra!...").

Para finalizar, registre-se, com base em Leffa (1996), que

a) a metacognição desenvolve-se com a idade;

b) a metacognição correlaciona-se com a proficiência em leitura.


Leitores fluentes têm mais consciência de seus comportamentos de
leitura. São mais capazes de avaliar sua própria compreensão,
selecionar as melhores estratégias de reparo, etc.

c) O comportamento metacognitivo melhora com a instrução.


Tem-se observado, por exemplo, que crianças expostas ao
treinamento sistemático de monitoramento melhoram a compreensão
do texto. Nós temos observado também que alunos universitários,
levados ao longo de dois ou três meses de aula a observarem ou
monitorarem a forma lingüística do texto, têm um desempenho
lingüístico melhor.
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6. E Vygotsky?

Na verdade, conheci um pouco de Vygotsky depois que trabalhei


com estas ideias que estou a expor. É que uma aluna me chamou de
"construtivista", e eu tive que saber o que eu era mesmo. Socorreu-
me na empreitada a Profª Carmem Sanson, mestre em Educação.

A repercussão que as ideias do psicólogo russo vem obtendo no


Brasil tem o sentido de uma redescoberta: tendo falecido em 1934,
sua obra enfrentou décadas de censura imposta pelo regime
stalinista, e somente em meados dos anos 60 seus estudos chegaram
ao Ocidente. Hoje, representa uma tendência cada vez mais presente
no debate educacional, pois Vygotsky deixou idéias extremamente
sugestivas que devem continuar inspirando por este século afora
diferentes tentativas de renovação para a construção de uma nova
escola.

Se fosse sintetizar a aplicação de seu pensamento na educação,


poder-se-ia dizer que de sua linha socioconstrutivista se depreendem
novos referenciais, levando a uma nova pedagogia, a uma pedagogia
interativa, mediatizada, colaborativa, ativa, dialógica, construtivista
com características sociointeracionistas.

A ideia de que nenhum conhecimento é construído pela pessoa


sozinha, mas sim em parceria com os outros, que são os mediadores,
é própria da psicologia socioconstrutivista de Vygotsky, teoria que
traz em seu bojo a concepção de que todo o ser humano se constitui
como tal mediante as relações que estabelece com os outros.

Essa concepção de mediação está claramente posto em Frank


Smith: o escritor se constitui como tal, se constrói mediante as
relações que estabelece com os textos de outros escritores. É por isso
que se deve insistir na ideia que os textos são vitrines de exposição
de palavras, o melhor manual ou guia para a produção textual. Para
alcançar competência na escrita é essencial, pois, observar o que se
lê e abarrotar o terreno com leituras.
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Já discutíamos como os adultos e amigos mais competentes


agem como colaboradores involuntários à medida que a
criança aprende sobre a linguagem falada. As crianças
aprendem indiretamente (...) O argumento que usarei agora
é que todo aquele que se torna um escritor competente usa
os autores exatamente do mesmo modo, mesmo as crianças.
Elas devem ler como um escritor, a fim de aprender a
escrever como um escritor. Não existe outra maneira de
adquirir o conhecimento de um escritor em sua intricada
complexidade.

7. Frank Smith e Celso Luft

Frank Smith e Celso Luft têm o mesmo entendimento acerca do


processo de internalização das convenções da escrita.

De Frank Smith:

A alternativa que tenho a propor é a de que o conhecimento


de todas as convenções da escrita penetra em nossa mente
assim como a maior parte do nosso conhecimento da
linguagem falada, e até do mundo em geral, sem consciência
do aprendizado que está ocorrendo. A aprendizagem é
inconsciente, sem esforço, acidental, indireta e
essencialmente cooperativa. É acidental porque aprendemos
quando aprender não é nossa principal intenção; indireta
porque aprendemos através do que outra pessoa faz; e
cooperativa porque aprendemos pela ajuda de outros para
que alcancemos nossos próprios objetivos.
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De Celso Luft, ao propor uma aprendizagem natural de língua


materna:

A primeira aprendizagem da língua: um processo natural.


Base (natural): a capacidade humana inata da linguagem (o
homem é um ser de linguagem), capacidade de aprender e
dominar sistemas de comunicação verbal.
Teoricamente, pode uma pessoa chegar a manejar
superiormente (e até artisticamente) seu idioma mediante
conhecimento e domínio apenas intuitivo (gramática
implícita), educada habilitada pela prática natural de
linguagem (muita leitura, muita exposição a bons textos, e
muita escrita: "Aprendi a escrever lendo, da mesma forma
que se aprende a falar ouvindo naturalmente..." M.
Quintana). Grandes escritores, oradores e poetas
comprovam Isso. Que estudos gramaticais realizou Machado
de Assis? Quem ensinou Gramática (e análise sintática d' Os
Lusíadas...) a Camões?

8. Assimilação, imitação e plágio

Recorrendo a Albalat (1934), encontro no capítulo dedicado à


leitura, a seguinte passagem:

O talento nada mais é do que assimilação (p.28)


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Assimilação, naturalmente, do que encontramos em outros textos.

Antes, no entanto, o crítico francês já havia escrito na mesma


obra:

A admiração conduz à imitação, e a imitação é um meio de


assimilar as belezas alheias (p.15)

A propósito do assunto, mais três referências:

A primeira é de Olavo Carvalho, extraída do artigo "Aprendendo a


escrever" (O Globo, 03/02/01).

A seleção das leituras deve nortear-se, antes de tudo,


pelo anseio de apreender, na variedade do que se lê, as
regras não escritas desse código universal que une
Shakespeare a Homero, Dante a Faulkner, Camilo a Sófocles
e Eurípides, Elliot a Confúcio e Jalal-Ed-Din Rûmi.
Compreendida assim, a leitura tem algo de uma aventura
iniciática: é a conquista da palavra perdida que dá acesso às
chaves de um reino oculto. Fora disso, é rotina profissional,
pedantismo ou divertimento pueril.
Mas a aquisição do código supõe, além da leitura, a
absorção ativa. É preciso que você, além de ouvir, pratique a
língua do escritor que está lendo. Praticar, em português
antigo, significa também conversar. Se você está lendo
Dante, busque escrever como Dante. Traduza trechos dele,
imite o tom, as alusões simbólicas, a maneira, a visão do
mundo. A imitação é a única maneira de assimilar
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profundamente. Se é impossível você aprender inglês ou


espanhol só de ouvir, sem nunca tentar falar, por que seria
diferente com o estilo dos escritores?
O fetichismo atual da "originalidade" e da "criatividade"
inibe a prática da imitação. Quer que os aprendizes criem a
partir do nada, ou da pura linguagem da mídia. O máximo
que eles conseguem é produzir criativamente banalidades
padronizadas.
Ninguém chega à originalidade sem ter dominado a
técnica da imitação. Imitar não vai tornar você um idiota
servil, primeiro porque nenhum idiota servil se eleva à altura
de poder imitar os grandes, segundo porque, imitando um,
depois outro e outro e outro mais, você não ficará parecido
com nenhum deles, mas, compondo com o que aprendeu
deles o seu arsenal pessoal de modos de dizer, acabará no
fim das contas sendo você mesmo, apenas potencializado e
enobrecido pelas armas que adquiriu.
É nesse e só nesse sentido que, lendo, se aprende a
escrever. É um ler que supõe a busca seletiva da unidade
por trás da variedade, o aprendizado pela imitação ativa e a
constituição do repertório pessoal em permanente acréscimo
e desenvolvimento. Muitos que hoje posam de escritores não
apenas jamais passaram por esse aprendizado como nem
sequer imaginam que ele exista.
Mas, fora dele, tudo é barbárie e incultura industrializada.

As duas outras são de nossos escritores:

De Moacyr Scliar:

"...que o ato de escrever é uma seqüela do ato de ler. É


preciso captar com os olhos as imagens das letras, guarda-
las no reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las
para compor depois nossas próprias palavras.
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Aprendi que, quando se começa, plagiar não faz mal


nenhum. Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro
Lobato, Viriato Correa e outros; não se incomodaram com
isso e copiar me fez muito bem."

De Luis Antonio de Assis Brasil:

"Todo mundo começa imitando alguém. É na vida. É nas


artes. Não há mal nenhum. A leitura de um livro empolgante
desperta o imediato desejo:
- Eu gostaria de escrever assim.
O primeiro romance que li inteiro foi "O Primo Basílio", isso lá
pelos 13 ou 14 anos. Ao terminá-lo, decidi que, se me
tornasse escritor, escreveria um livro igualzinho."

Para encerrar, deve-se mencionar ainda como os maiores


autores de todos os tempos costumam buscar seus temas nas obras
de seus colegas de ofício. Antonio Fernando Borges, em suas aulas da
Oficina Literária do Portal Literal
(http://portalliteral.terra.com.br/Literal/calandra.nsf/0/F5E8E1D40F2
8232103256F77005A3E1F?OpenDocument&pub=T&proj=Literal&sec
=Agenda) extrai da obra "A ilusão literária", de Eduardo Frieiro, os
seguintes exemplos).

 Virgílio escreveu suas epopeias (a Eneida em especial)


inspirando-se na obra de Homero;
 O poeta e dramaturgo francês Corneille escreveu seu épico Lê
Cid a partir de uma conhecida lenda espanhola (El Cid
campeador).
 Todos os enredos de Shakespeare foram extraídos de autores
como Plutarco, Hollinshead e de diversos contistas populares
italianos - sem falar de seus dramas e tragédias históricas,
inspirados diretamente nos fatos;
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 Miguel de Cervantes buscou o tema de Dom Quixote num


escritor italiano mal conhecido;
 E a história de Fausto, a obra prima de Goethe, já tinha sido
contada por Christopher Marlowe, no século 16;
 Entre os brasileiros, pode-se dizer que o "condoreirismo" de
Castro Alves sempre fez eco ao enfático romantismo de Victor
Hugo;
 E o grande Machado de Assis, sabe-se, foi buscar muitos de
seus enredos e tramas em romancistas ingleses menores, cujos
nomes se perderam com o tempo.

Certamente, esta constatação não diminui em nada o mérito de


nenhum desses autores. Mas tem, em compensação, o "mérito" de
dar um bom conselho aos que se iniciam na arte da escrita: não se
preocupem em ser originais, mas em escrever bem - com clareza,
verdade e beleza.

9. Conclusão

A convicção de que o aprimoramento da competência textual se


processa mediante a leitura e a observação de textos fundamenta-se
nos seguintes autores e fatos:

 Em Frank Smith, que questiona o mito segundo o qual uma


pessoa pode aprender a escrever através da educação e prática
constantes. O autor enfatiza que somente através da leitura é
que os escritores aprendem todos os mistérios que conhecem.
Para aprender a escrever as pessoas precisam ler de uma
maneira especial: ler como um escritor, isto é, observando os
recursos de expressão, a forma lingüística.
 Na comparação entre o perfil de um investigador segundo
Scherlok Holmes e os requisitos que deve ter quem almeja ser
escritor: o primeiro deve ser um meticuloso observador do
suspeito e do cenário do crime; o segundo, dos textos. O
primeiro deve ter conhecimento de várias áreas; o segundo, de
textos, pois escrever é aproveitar criativamente os materiais
interdiscursivos.
 Na estratégia de leitura denominada de metacognição,
estratégia em que o leitor monitora sua leitura, avaliando,
analisando a forma lingüística dos textos.
22

 Em Vygostky, que defende em seus estudos que nenhum


conhecimento é construído por uma pessoa sozinha, mas em
parceria com outros, que são as mediadoras. Nos processos de
ampliação da competência textual, a mediação se dá mediante
as relações que o leitor estabelece com os textos, os autores -
a melhor escola, os grandes mestres na construção do escritor.
 Em Celso Luft, para quem a aprendizagem da língua culta (e de
todos os recursos de expressão) é um processo natural,
semelhante à aquisição da língua materna (primeira
aprendizagem), que se dá mediante a exposição de modelos
lingüísticos.
 Em críticos, como Albalat ("O talento nada mais é do que
assimilação."); em escritores como Scliar ("... o ato de escrever
é uma seqüela do ato de ler."), Assis Brasil ("Todo mundo
começa imitando alguém.").
 Na vivência de sala de aula, em que experimentei a convicção
aqui exposta. A propósito, anexamos o testamento de alunos,
"aprendizes" que foram neste processo de melhoria da
competência Textual.

COMO INICIAR TEXTOS

1. Introdução

A forma como se inicia um texto - e o próprio título - são


importantes estratégias argumentativas na medida em que é decisiva
no sentido de levar o leitor a ler o texto. De nada adiantam os
argumentos, a relevânica do conteúdo ou a própria informatividade,
se o leitor não for persuadido a ler o que foi escrito. O esforço do
escritor deve se concentrar, pois, em captar o interesse do
destinatário de sua comunicação mediante um título e uma
introdução atraente. "Te pego pela palavra", dizemos quando
queremos cobrar de alguém coerência ou a manutenção da palavra
dada. "Te pego pela introdução" - podemos parodiar - para retratar o
principal empenho de quem escreve, que é o de conquistar o leitor.

2. Fórmulas para iniciar textos

A seguir, apresentam-se doze fórmulas - as que se julgou mais


comuns - para se iniciar textos.

2.1 Divisão
23

Consiste em citar os aspectos que serão abordados ao longo do


texto. É uma fórmula bastante empregada, que facilita a organização
do que se vai expor.

Cuidado especial merece a retomada dos pontos mencionados


nesse tipo de introdução no desenvolvimento do texto. Expressões do
tipo "Quanto ao primeiro item", "No que tange ao...", "Finalmente, no
que diz respeito..." vão dar coesão ao texto.

Exemplos:

A falta que faz a leitura

Quando assumi o cargo de Editor de Qualidade no JB, em 1º


de outubro de 1995 (deixei-o em 15 de outubro de 1996,
para tornar-me, com grande alegria para mim, um auxiliar do
velho amigo Orivaldo Perin no trabalho de dar forma final à
1ª página), tinha três preocupações básicas: 1. o
empobrecimento da linguagem de jornal; 2. a vulgarização da
linguagem de jornal; 3. a correção dessa mesma linguagem.

A característica básica do empobrecimento é a preguiça, a


falta de imaginação ou de originalidade, e, finalmente, a falta
de informação literária ou de intimidade com o idioma, pois
(...)

Vamos ao segundo item, a vulgarização da linguagem,


que busquei combater sempre nos relatórios a que minha
função de Editor de Qualidade me obrigava.

Por fim, no terceiro ponto, em que a correção dessa mesma


linguagem deve ser....

Marcos de Castro
(Revista de Comunicação, maio, 1997).

Os meus medos

Tenho vários medos.


24

Escuro, cachorro, ficar sozinho.

Tenho medo do escuro, porque....

Já sobre cachorro, o medo que me persegue...

De ficar sozinho: tenho medo de...

Medos pueris para um adulto, que deveria se atentar às


questões mais existenciais da vida¿....

Willian S. Buchiviese

2.2 Citação Direta

A citação direta é a reprodução literal do que alguém falou ou


escreveu.

Trata-se de uma fórmula que pode ser bastante importante e, ao


mesmo tempo, uma importante estratégia argumentativa, uma vez
que invoca, já no início do texto, a voz da autoridade.

Exemplos:

A invenção da infância

"Você sabe mais do que pensa." Com essas seis palavras,


Benjamin Spock iniciou Meu Filho, Meu Tesouro - e alterou
radicalmente a criação dos filhos. Spock, porém, cedeu a
primazia revolucionária ao bispo morávio Johann Amos
Comenius, que viveu 300 anos antes. Quando aconselhou
em A Escola da Infância que os bebês tivessem seus espíritos
estimulados por "beijos e abraços" e escreveu que as crianças
precisam brincar para aprender, Comenius se tornou um
pioneiro.

Veja - Especial do Milênio


25

Mais amigável

"Os computadores não são máquinas simpáticas", diz o


canadense Sidney Fels, professor da Universidade da
Colúmbia Britâncica. "Poucos conseguem interagir com o
micro com a mesma intimidade com que um pintor usa um
pincel." Em busca de uma melhor interação, o cientista
desenvolveu o Glove Talk, uma espécie de luva feita por
realidade virtual que é capaz de transformar sons em
linguagem de sinais, usada por surdos-mudos. Fels também é
o inventor do Iamascope, um caleidoscópio que identifica o
rosto do usuário e toca melodias conforme este se
movimenta.

Época, 29 de junho de 1998

"O cliente é rei!", afirma John Wanamaker, fundador da


grande cadeia de lojas que leva seu nome. "O cliente é
ditador", acrescenta Sir Richard Greennsbury, diretor-
executivo da Mrak & Spencer. "O cliente é Deus"", defende
Michael Dell, diretor-executivo da Dell Computer Corporation
- e todas as empresas querem ter mais clientes. Muitas
empresas, no mundo e no Brasil, criam mecanismos para
satisfazer os clientes que já possuem.

Revista Amanhã - agosto de 1998

2.3 Citação Indireta

É a reprodução não-literal do que alguém falou ou escreveu. A


fórmula deve ser usada quando não sabemos textualmente a citação,
pois assim não estaremos adulterando o que foi dito ou escrito,
acrescentando, subtraindo ou substituindo palavras de seu autor.
26

Exemplo:

Ser ou não

Disse Alexandre Dumas que Shakespeare, depois de Deus, foi


o poeta que mais criou. Aos 37 anos, já escrevera 21 peças e
inventara uma forma de soneto. Era um rico proprietário de
terras e sócio do Globe Theatre, de Londres. Suas peças eram
representadas regularmente para a rainha Elizabeth I.
Na Tragédia de Hamlet, Prícipe da Dinamarca, publicada em
1603, Shakespeare superou a si mesmo, tomando uma antiga
história escandinava de fraticídio e vingança e transformou-a
numa tragédia sombria sobre a condição humana, traduzida
quase 1000 vezes e encenada sem cessar. Sarah Bernhardt,
John Gielgud, Laurence Olivier, John Barrymore e Kenneth
Branagh, todos buscaram entender o melancólico
dinamarquês.

Veja - especial do Milênio

2.4 Pergunta

Iniciar o texto mediante pergunta(s) desperta a atenção, o


interesse do leitor para o tema, levando-o a refletir sobre ele.

A(s) pergunta(s) orienta(m) o desenvolvimento do texto, todo seu


processo argumentativo.

Exemplos:

Onde estão os melhores programas da TV a cabo? Que


programas merecem que se reserve um bom tempo para a
televisão? Quais as diferenças entre canais que oferecem
programação do mesmo gênero? Onde encontrar bons
documentários, filmes inéditos, notícias ao vivo, transmissões
esportivas? A equipe da revista da TV sentou-se na frente da
televisão, de controle remoto em punho, e apresenta este
número especial, concebido como um guia da TV que os
gaúchos assinam.
27

Que ninguém se enrosque nos cabos, nas antenas ou na


informação. Televisão por assinatura é toda modalidade que
se paga pra acessar. (...)

Zero Hora, 27 de junho de 1999

Adiós, Neruda

Poeta chileno não serve mais nem para arranjar


namorada

Sabe aquele Neruda que você me tomou - e nunca leu?


Pode ficar com ele. O tempo mostrou que o chileno Pablo
Neruda foi um poeta interessante, mas não um dos maiores
da língua espanhola. Atingiu cedo o auge, com Residência na
Terra (1925-1931), mas nas outras 7000 páginas que se
gabava de ter escrito mais diluiu do que refinou esse êxito.
Tratava-se também de uma personalidade notável, só que
pelo narcisismo e pelo dogmatismo político. Escreveu que
Stalin era "mais sábio que todos os homens juntos". Jamais
aceitou que o assassinato de milhões pela ditadura soviética
pudesse ter algo de criminoso.

Veja, 12 de setembro de 1998.

O armazenamento de ódios

Como descrever a atual configuração do poder mundial?


Desapareceu a terrível simplicidade do conflito bipolar leste-
oeste, mas não voltamos ao mundo multipolar do balanço
europeu no século passado, quando várias potências
competiam pela liderança. Existe hoje uma única
superpotência - Os Estados Unidos - com poderio global,
político, militar, econômico e cultural. Mas seria exagero falar
num mundo unipolar, como nos tempos do Império Romano,
o qual podia impor sua vontade sem buscar ou temer
28

coligações.

Veja, 28 de abril de 1999

2.5 Frase Nominal

Uma fórmula bastante criativa de se iniciar textos é mediante o


emprego de uma ou mais frases nominais, seguida(s), em geral, de
uma explicação.

Exemplos:

Decepção. Foi o que os moradores de Pelotas e distritos


sentiram após o anúncio do plano rodoviário do governo do
Estado para 1999. Nenhuma das estradas com a conclusão
prevista para este ano passa pelo município. (...)

Zero Hora - 30 de maio de 1999

Garra. Determinação. Entusiasmo. Esse é o espírito que


parece estar de volta ao Estádio Olímpico. Desde os tempos
de Felipão como técnico do tricolor não se via um time com
tanto afinco no gramado do Olímpico.

Zero Hora - 21 de junho de 1999

Com respeito e dedicação. É dessa forma que você e seus


investimentos serão tratados no Citigold.
29

Anúncio do CITYBANK - Exame, 30 de junho de 1999

ADÚLTERA, MÁ COMPANHEIRA, TRAIDORA... ZÁS!! Lá se


ia um nariz. Entre os séculos V e VI, as mulheres indianas
(sempre as mulheres...) que eram julgadas por prevaricação
tinham os narizes amputados. Essa atrocidade machista levou
um cirurgião chamado Susruta a usar um retalho de pele
retirado da testa para reconstruir o nariz. A técnica é utilizada
até hoje para algumas cirurgias reconstrutoras e é chamada
de retalho indiano.

De lá para cá, muita coisa mudou. Mas, se a questão não


é mais acabar com a má fama, muita gente sofre por causa
de um nariz desproporcional ao rosto.

Revolucionário, vencedor e grande companheiro. Palavras


como estas foram ditas com orgulho, saudade e muita
emoção pelos vários amigos que compareceram ontem à
capela do Beira-Rio para o velório de Gilberto Tim, enterrado
à tarde no Cemitério Jardim da Paz, na Lomba do Pinheiro.

Zero Hora, junho de 1999

2.6 Alusão a um romance, filme, conto, etc.

Escrever é aproveitar criativamente outros materiais


interdiscursivos, isto é, outros textos. É muito comum, portanto, ao
escrevermos sobre determinado assunto, nos reportamos a outros
textos, como romances, filmes, contos, poemas, etc.
30

Exemplos:

Nas Profundezas do Mar sem Fim, Michelle Pfeifer


interpreta uma mãe que perde um de seus filhos, de três
anos, num saguão de hotel e só volta a encontrá-lo nove anos
mais tarde. O roteiro preguiçoso resultou num filme raso, mas
uma frase dita pela personagem de Whoopi Goldberg é o que
destaca-se aqui. Depois de todos os abalos familiares
decorrentes do desaparecimento do filho do meio, a mãe
vivida por Michelle Pfeifer se refaz e constrói, aos poucos, o
que a detetive vivida por Whoopi chama de "uma boa
imitação de vida".

Pessoas que passam por uma grande tragédia pessoal têm


vontade de dormir para sempre. Nos dias posteriores ao fato,
não encontram forças para erguer uma xícara de café ou
pentear o cabelo. Sorrir passa a ser um ato transgressor, que
gera uma culpa imensa, pois é como estivéssemos nos
curando do sofrimento. Passada a fase de hibernação
voluntária, porém, é isso que tem que acontecer: curar-se.
Voltar a viver. Mas como, se já não existe a alegria original?
Rastreando a alegria perdida para tentar imitá-la.

Zero Hora, 20 de julho de 1999


Martha Medeiros

Na mitologia grega, Prometeu é o titã que rouba o fogo


dos deuses e é por eles condenado a um suplício eterno.
Preso a uma rocha, uma águia devora-lhe constantemente o
fígado. Trata-se de uma lenda altamente simbólica e aplicável
à época atual. O fogo aí alude ao conhecimento, à técnica.
Por esse conhecimento, por essa técnica, paga o ser humano
um preço às vezes muito alto. Isso é particularmente
verdadeiro no campo da medicina, sustenta, em artigo
publicado no New England Journal of Medicine, o geriatra
James S. Goodwin (Universidade do Texas).
31

Zero Hora, 12 de julho de 1999


Martha Medeiros

2.7 Narração - descrição por flashes

Introduzir um texto narrando - descrevendo um fato, uma cena


de forma cinematográfica, mediante flashes, isto é, mediante frases
curtas, nominais é uma forma bastante surpreendente de obter a
atenção do leitor, fazendo com que ele se interesse pelo texto.

Exemplos:

Chegam à casa ao entardecer. São um pequeno grupo de


policiais. Todos uniformizados. Passeiam pela sala e olham a
biblioteca. Riem com sarcasmo. Pegam o livro História da
Diplomacia. "Assim que os kosovares descendentes de
albaneses também querem ser diplomatas?" Mudam o tom da
conversa. Gritam. "Nos dê chaves", exigem. "Pegue uma
mala", ordenam. "Deixa o resto. Tens 10 minutos. Logo irás
para a Albânia e nunca mais voltarás. Nem sequer poderás
voltar a sonhar com Kosovo", profetizam.

Zero Hora, 16 de junho de 1999


Martha Medeiros

Favela. Clima tenso no ar. Polícia. Tiroteio, desespero.


Angústia, apreensão. Uma vítima: menino, 13 anos de idade,
sonhador.

Daniel lemos

2.8 Narração de um fato


32

Pode-se desenvolver determinado tema iniciando-se o texto com


a menção a um fato. Tal procedimento ajuda a despertar a atenção
do leitor, ao mesmo tempo em que empresta ao tema exposto maior
realismo.

Exemplos:

A nave se prepara para pousar. Da escotilha enxerga-se o


solo arenoso e acidentado da Lua. É dia. O Sol brilha, intenso
e dourado, como você o vê aqui da Terra, só que cercado de
estrelas, num céu completamente negro. É que na Lua não
existe atmosfera e, sem atmosfera, não tem os gases que,
espalhando a luz solar, nos dão a ilusão de que o céu é azul.
Na Lua, o firmamento é sempre escuro. A nave se aproxima
ainda mais. Dá para ver, lá em baixo, jipes e robôs que
zanzam pelas colinas. Homens vestindo macacões super-
refrigerados e capacetes com oxigênio caminham pela
planície como que em câmera lenta. É que lá a gravidade é
uma lei mais fraca, mal corresponde a um sexto da gravidade
que nos prende à Terra. O foguete pousa suavemente. Os
passageiros se preparam para desembarcar. Colocam suas
roupas com proteção térmica. Fora da cúpula protetora da
primeira colônia terráquea, a temperatura atinge
esturricantes 123 gruas Celsius.

A cena descrita acima não é real, claro. Mas poderá ser. Já


há cientistas da Nasa sonhando com ela, estimulados pela
descoberta de que os pólos lunares contêm água congelada.
Os primeiros cálculos sobre as observações da sonda Lunar
Prospector, em março passado, mostram que o fundo das
gélidas crateras polares guarda entre 11 bilhões e 330 bilhões
de litros de água congelada. Derretido e purificado, o gelo
serviria para matar a sede de mais 200 mil habitantes de uma
base lunar por dois séculos. E também serviria de fonte de
oxigênio, elemento indispensável para criar uma atmosfera
artificial.

Paulo Nilson
33

O número de processos aumentou sete vezes em


apenas uma década

Na sala de cirurgia, o médico Pedro Paulo Monteleone


prepara-se para retirar o útero de Rosa Gonçalves Dias. Ás 7
horas da manhã, a paciente teve o intestino lavado e os pêlos
pubianos raspados. Anestesia peridural que corta qualquer
sensibilidade da cintura para baixo, faz efeito. Como Rosa
tivera seus três filhos por meio de cesariana, Monteleone abre
12 centímetros de pele logo acima do púbis, no mesmo local
dos cortes anteriores, para evitar uma nova cicatriz. É
trabalhoso chegar até o útero. O médico corta uma primeira
camada de gordura, abra à aponeurose, um tecido fino que
envolve toda a cavidade abdominal, afasta os músculos
peritoniais, e alcança o intestino. A cada etapa, grampos
metálicos são colocados nas bordas das incisões para manter
os órgãos afastados. O intestino é empurrado, com uma
compressa, em direção ao umbigo. Em meia hora, o médico
já enxerga bem o útero da paciente. A fase mais crítica da
cirurgia começa agora. Com todo o cuidado, Monteleone corta
os ligamentos que unem as trompas ao útero. Quando a
paciente está deitada, a bexiga fica apoiada sobre o útero. É
preciso afastá-lo com uma gaze, lentamente, e ir cortando
com uma pequena tesoura os pedaços de tecido que unem as
finas paredes dos dois órgãos. É como abrir um envelope,
descolando as bordas, sem rasgar o papel. Monteleone sabe
que qualquer corte 1 milímetro mais profundo pode perfurar a
bexiga. Foi exatamente isso que aconteceu naquela manhã de
agosto de 1994. O médico Monteleone furou a bexiga de sua
paciente Rosa.

Monteleone, 58 anos, obstetra e ginecologista há 33, é


formado em uma das melhores universidades do país, a
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São
Paulo, onde também foi professor durante três décadas.
Naquela manhã, ao perceber que tinha cortado a bexiga de
Rosa, parou o que estava fazendo. Pediu fio e agulha
apropriados à instrumentadora, costurou o órgão afetado com
cinco pontos e só depois prosseguiu na retirada do útero.
Duas horas mais tarde, quando a paciente já estava no
quarto, ainda levemente sedada, o médico explicou-lhe o que
ocorrera durante a operação. Se não fosse pelo rompimento
da bexiga, Rosa teria alta do hospital em menos de 24 horas.
Em razão do acidente, ela ficou com uma sonda e a
internação foi prolongada por uma semana, até a ferida
interna cicatrizar. Hoje, acadêmico renomado e profissional
34

de sucesso, Monteleone preside o Conselho Regional de


Medicina de São Paulo, Cremesp. Por sua mesa, na sede da
entidade, passam quilos de papéis repletos de acusações
graves contra seus colegas de profissão. São casos de erro
médico. Em uma década, o número de processos por
negligência ou imperícia encaminhados anualmente ao
Conselho Federal de Medicina, CFM, a última instância por
onde passam processos vindos de todo o Brasil, aumentou
sete vezes. Ao todo, foram 356 processos . O número de
condenados caiu porque o Conselho diz que não consegue
julagr tantos casos. Há 200 na fila de espera.

Alexandre Mansur

2.9 Citação de Provérbio

O provérbio é utilizado, muitas vezes, como estratégia


argumentativa, para sustentar o ponto de vista que se pretende
defender ao longo do texto.

Exemplos:

"Querer é poder", diz o ditado. Há 130 anos os cientistas


querem encontrar um substituto para o sangue que, como
ele, transporte o oxigênio para as células."

Lúcia Helena de Oliveira, revista Superinteressante, junho de


1998

2.10 Alusão Histórica

Para iniciar textos, pode-se lançar mão de fatos históricos,


confrontando-os com o presente.

Exemplos:
35

Imitação de Jânio

Itamar usa a oposição para espicaçar FHC

Em 1961, o então presidente da república Jânio Quadros


condecorou o guerrilheiro esquerdista Che Guevara com a
Ordem do Cruzeiro do Sul. Como Jânio não rezava pela
cartilha marxista, na época muitos acharam que, ao tomar a
decisão, ele estivesse duas doses a mais do que o resto da
humanidade. Não estava. Ao homenagear Che Guevara, Jânio
queria alvejar os adversários da direitista UDN, o partido que
o ajudara a ser eleito e com o qual havia rompido. O tiro
janista saiu pela culatra, mas a medalha concedida ao
guerrilheiro entrou para a História como um clássico da
provocação política. Quase quarenta anos depois, o
governador de Minas Gerais, Itamar Franco, resolveu imitar
Jânio. No dia de Tiradentes, em Ouro Preto, o socialista de
estilo montanhês distribuiu medalhas da Inconfidência, a mais
alta honraria do governo mineiro, a personalidades da
oposição. Só para espicaçar o presidente Fernando Henrique
Cardoso, seu desafeto.

Veja, 28 de abril de 1999

Diplomacia americana usa como parceiro o míssil que


atinge um alvo em qualquer região do planeta

No início do século, com os Estados Unidos recém-


chegados ao time das potências internacionais, o presidente
Teddy Roosevelt adotou a doutrina do porrete - "big stick", no
inglês original - para impor a hegemonia americana aos
vizinhos latino-americanos. Na essência, significava que
Washington tinha disposição para desembarcar seus mariners
onde quer que seus interesses fossem desafiados. Quase 100
anos depois, Bill Clinton escolheu como seu melhor
argumento diplomático uma bomba voadora que pode atingir
virtualmente qualquer alvo na superfície do planeta. O nome
do porrete é Tomahawk. Na semana passada, com Saddam
Hussein desafiando outra vez as Nações Unidas, o Tomahawk
estava como nunca na ordem do dia.
36

Veja, 18 de novembro de 1998

2.11 Omissão de Dados Identificadores

Trata-se de iniciar um texto omitindo o tema nas primeiras linhas


ou em todo o primeiro parágrafo, esclarecendo-o em seguida. Cria-
se, assim, certa expectativa em relação ao que será abordado.

Exemplos:

Ilegal, Imoral ou Irracional?

Tente adivinhar sobre a que se referem essas


definições: a) O seu consumo é expressamente condenado
no Antigo Testamento. b) Os consumidores desta substância
foram ameaçados de excomunhão pelo papa Urbano VII. c)
As pessoas que o usavam eram sumariamente condenadas à
morte pelo sultanato turco no século 17.

De que estamos falando? De cocaína, de heroína, de


crack? Não. A terceira afirmação se refere ao tabaco. A
segunda ao rapé. E a primeira à carne de porco.

Nos três casos, a condenação resultou principalmente de


razões morais. Podemos falar, mais apropriadamente, de
tabu.

Moacyr Scliar

"Elas já foram finíssimas, como as de Greta Garbo e da


top model Twiggy. Ou médias, como as das divas Audrey
Hepburn e Marilyn Monroe. Nos anos 90 já num tamanho
intermediário e com desenho recurvado. As sombrancelhas
afinam e engrossam conforme a moda..."

Marília Cecília Prado, Elle, abril de 1998


37

Está sempre rondando todos nós. Chega pelo ar e muitas


vezes faz tantas vítimas que se constitui em uma epidemia.
Estamos falando de uma moléstia comum, reincidente, chata:
a gripe ou resfriado. Na linguagem médica, os termos se
equivalem. Mas o uso consagrou o nome gripe para designar
a doença mais intensa. Mas a pergunta que atinge a todos é:
como podemos nos defender? O resfriado é uma infecção
respiratória aguda causada por vírus específicos.

Super Interessante, setembro de 1990

2.12 Declaração

Uma declaração forte lançada no início do texto surpreende o


leitor, desperta seu interesse e pode levá-lo facilmente à leitura.

Exemplos:

Exagero na dose

É meritório o esforço do Ministério da Saúde para prevenir


a transmissão da Aids entre usuários de drogas injetáveis. A
mais recente campanha com tal fim, no entanto, exagera na
dose ao apelar a imagens como a de papel higiêncico,
absorvente feminino e preservativo usados. A intensão é fazer
uma associação direta com os perigos do compartilhamento
de seringas descartáveis, fato responsável por um terço dos
casos da doença registrados em Porto Alegre. Ao chocar o
público-alvo pela crueza da temática, porém, os cartazes da
campanha correm o risco de agredi-lo moralmente e afastá-lo
dos programas de prevenção.

Zero Hora, 27 de junho de 1999


38

A marca do século é a comunicação. O diretor-presidente


da RBS, Nelson Pacheco Sirotsky, provou sua afirmação no
último dia do 12º Festival Mundial de Publicidade de Gramado
com imagens, gravações antológicas do rádio brasileiro, trilha
sonora de cinema e história da evolução dos meios de
comunicação em quase cem anos. Começou com o código
morse e desembarcou no ciberespaço da Internet.Tudo para
indicar que o avanço dos meios intensificou as relações
interpessoais. A grande produção, em estilo road-movie e
exibida por quase uma hora, atraiu a platéia recorde do
principal evento do setor na América Latina, que começou na
última quarta-feira.

Zero Hora, 12 de junho de 1999

COMO ESTRUTURAR UM TEXTO ARGUMENTATIVO

1. O texto argumentativo

COMUNICAR não significa apenas enviar uma mensagem e fazer


com que nosso ouvinte/leitor a receba e a compreenda. Dito de uma
forma melhor, podemos dizer que nós nos valemos da linguagem não
apenas para transmitir ideias, informações. São muito freqüentes as
vezes em que tomamos a palavra para fazer com que nosso
ouvinte/leitor aceite o que estamos expressando (e não
apenas compreenda); que creia ou faça o que está sendo dito ou
proposto.

Comunicar não é, pois, apenas um fazer saber, mas também


um fazer crer, um fazer fazer. Nesse sentido, a língua não é apenas
um instrumento de comunicação; ela é também um instrumento de
ação sobre os espíritos, isto é, uma estratégia que visa a convencer,
a persuadir, a aceitar, a fazer crer, a mudar de opinião, a levar a uma
determinada ação.

Assim sendo, talvez não se caracterizaria em exagero afirmarmos


39

que falar e escrever é argumentar.

TEXTO ARGUMENTATIVO é o texto em que defendemos uma


ideia, opinião ou ponto de vista, uma tese, procurando (por todos os
meios) fazer com que nosso ouvinte/leitor aceite-a, creia nela.

Num texto argumentativo, distinguem-se três componentes: a


tese, os argumentos e as estratégias argumentativas.

TESE, ou proposição, é a ideia que defendemos, necessariamente


polêmica, pois a argumentação implica divergência de opinião.

A palavra ARGUMENTO tem uma origem curiosa: vem do


latim ARGUMENTUM, que tem o tema ARGU , cujo sentido primeiro
é "fazer brilhar", "iluminar", a mesma raiz de "argênteo", "argúcia",
"arguto".

Os argumentos de um texto são facilmente localizados:


identificada a tese, faz-se a pergunta por quê? (Ex.: o autor é contra
a pena de morte (tese). Porque ... (argumentos).

As ESTRATÉGIAS não se confundem com os ARGUMENTOS.


Esses, como se disse, respondem à pergunta por quê (o autor
defende uma tese tal PORQUE ... - e aí vêm os argumentos).

ESTRATÉGIAS argumentativas são todos os recursos (verbais e


não-verbais) utilizados para envolver o leitor/ouvinte, para
impressioná-lo, para convencê-lo melhor, para persuadi-lo mais
facilmente, para gerar credibilidade, etc.

Os exemplos a seguir poderão dar melhor ideia acerca do que


estamos falando.

A CLAREZA do texto - para citar um primeiro exemplo - é uma


estratégia argumentativa na medida em que, em sendo claro, o
leitor/ouvinte poderá entender, e entedendo, poderá concordar com o
que está sendo exposto. Portanto, para conquistar o leitor/ouvinte,
quem fala ou escreve vai procurar por todos os meios ser claro, isto
é, utilizar-se da ESTRATÉGIA da clareza. A CLAREZA não é, pois,
um argumento, mas é um meio (estratégia) imprescindível, para
obter adesão das mentes, dos espíritos.

O emprego da LINGUAGEM CULTA FORMAL deve ser visto


como algo muito estratégico em muitos tipos de texto. Com tal
emprego, afirmamos nossa autoridade (= "Eu sei escrever. Eu
domino a língua! Eu sou culto!") e com isso reforçamos, damos maior
credibilidade ao nosso texto. Imagine, estão, um advogado
escrevendo mal ... ("Ele não sabe nem escrever! Seus conhecimentos
40

jurídicos também devem ser precários!").

Em outros contextos, o emprego da LINGUAGEM FORMAL e até


mesmo POPULAR poderá ser estratégico, pois, com isso, consegue-se
mais facilmente atingir o ouvinte/leitor de classes menos favorecidas.

O TÍTULO ou o INÍCIO do texto (escrito/falado) devem ser


utilizados como estratégias ... como estratégia para captar a atenção
do ouvinte/leitor imediatamente. De nada valem nossos argumentos
se não são ouvidos/lidos.

A utilização de vários argumentos, sua disposição ao longo do


texto, o ataque às fontes adversárias, as antecipações ou prolepses
(quando o escritor/orador prevê a argumentação do adversário e
responde-a), a qualificação das fontes, a utilização da ironia, da
linguagem agressiva, da repetição, das perguntas retóricas, das
exclamações, etc. são alguns outros exemplos de estratégias.

2. A estrutura de um texto argumentativo

2.1 A argumentação formal

A nomenclatura é de Othon Garcia, em sua obra "Comunicação


em Prosa Moderna".

O autor, na mencionada obra, apresenta o seguinte plano-padrão


para o que chama de argumentação formal:

1. Proposição (tese): afirmativa suficientemente


definida e limitada; não deve conter em si mesma
nenhum argumento.
2. Análise da proposição ou tese: definição do
sentido da proposição ou de alguns de seus
termos, a fim de evitar mal-entendidos.
3. Formulação de argumentos: fatos, exemplos,
dados estatísticos, testemunhos, etc.
4. Conclusão.

Observe o texto a seguir, que contém os elementos referidos do


plano-padrão da argumentação formal.

Gramática e desempenho Lingüístico

1. Pretende-se demonstrar no presente artigo que o


41

estudo intencional da gramática não traz benefícios


significativos para o desempenho lingüístico dos utentes
de uma língua.

2. Por "estudo intencional da gramática" entende-se o


estudo de definições, classificações e nomenclatura; a
realização de análises (fonológica, morfológica,
sintática); a memorização de regras (de concordância,
regência e colocação) - para citar algumas áreas. O
"desempenho lingüístico", por outro lado, é expressão
técnica definida como sendo o processo de atualização
da competência na produção e interpretação de
enunciados; dito de maneira mais simples, é o que se
fala, é o que se escreve em condições reais de
comunicação.

3. A polêmica pró-gramática x contra gramática é bem


antiga; na verdade, surgiu com os gregos, quando
surgiram as primeiras gramáticas. Definida como "arte",
"arte de escrever", percebe-se que subjaz à definição a
ideia da sua importância para a prática da língua. São
da mesma época também as primeiras críticas, como se
pode ler em Apolônio de Rodes, poeta Alexandrino do
séc.II ª C.:

"Raça de gramáticos, roedores


que ratais na musa de outrem,
estúpidas lagartas que sujais as
grandes obras, ó flagelo dos
poetas que mergulhais o espírito
das crianças na escuridão, ide
para o diabo, percevejos que
devorais os versos belos".

4. Na atualidade, é grande o número de educadores,


filólogos e lingüistas de reconhecido saber que negam a
relação entre o estudo intencional da gramática e a
melhora do desempenho lingüístico do usuário. Entre
esses especialistas, deve-se mencionar o nome do Prof.
Celso Pedro Luft com suas obra "Língua e liberdade: por
uma nova concepção de língua materna e seu ensino"
(L&PM, 1995). Com efeito, o velho pesquisar
apaixonado pelos problemas da língua, teórico de
espírito lúcido e de larga formação lingüística, reúne
numa mesma obra convincente fundamentação para
seu combate veemente contra o ensino da gramática
42

em sala de aula. Por oportuno, uma citação apenas:

"Quem sabe, lendo este livro


muitos professores talvez
abandonem a superstição da
teoria gramatical, desistindo de
querer ensinar a língua por
definições, classificações, análises
inconsistentes e precárias
hauridas em gramáticas. Já seria
um grande benefício". (p. 99)

5. Deixando-se de lado a perspectiva teórica do Mestre,


acima referida suponha-se que se deva recuperar
lingüisticamente um jovem estudante universitário cujo
texto apresente preocupantes problemas de
concordância, regência, colocação, ortografia,
pontuação, adequação vocabular, coesão, coerência,
informatividade, entre outros. E, estimando-lhe
melhoras, lhe fosse dada uma gramática que ele
passaria a estudar: que é fonética? Que é fonologia?
Que é fonemas? Morfema? Qual é coletivo de borboleta?
O feminino de cupim? Como se chama quem nasce na
Província de Entre-Douro-e-Minho? Que é oração
subordinada adverbial concessiva reduzida de gerúndio?
E decorasse regras de ortografia, fizesse lista de
homônimos, parônimos, de verbos irregulares ... e
estudasse o plural de compostos, todas regras de
concordância, regências ... os casos de próclise,
mesóclise e ênclise. E que, ao cabo de todo esse
processo, se voltasse a examinar o desempenho do
jovem estudante na produção de um texto. A melhora
seria, indubitavelmente, pouco significativa; uma
pequena melhora, talvez, na gramática da frase, mas o
problema de coesão, de coerência, de informatividade -
quem sabe os mais graves - haveriam de continuar.
Quanto mais não seja porque a gramática tradicional
não dá conta dos mecanismos que presidem à
construção do texto.

6. Poder-se-á objetar que a ilustração de há pouco é


apenas hipotética e que, por isso, um argumento de
pouco valor. Contra argumentar-se-ia dizendo que
situação como essa ocorre de fato na prática. Na
verdade, todo o ensino de 1° e 2° graus é
43

gramaticalista, descritivista, definitório, classificatório,


nomenclaturista, prescritivista, teórico. O resultado? Aí
estão as estatísticas dos vestibulares. Valendo 40
pontos a prova de redação, os escores foram estes no
vestibular 1996/1, na PUCRS: nota zero: 10% dos
candidatos, nota 01: 30%; nota 02: 40%; nota 03:
15%; nota 04: 5%. Ou seja, apenas 20% dos
candidatos escreveram um texto que pode ser
considerado bom.

7. Finalmente pode-se invocar mais um argumento,


lembrando que são os gramáticos, os lingüistas - como
especialistas das línguas - as pessoas que conhecem
mais a fundo a estrutura e o funcionamento dos códigos
lingüísticos. Que se esperaria, de fato, se houvesse
significativa influência do conhecimento teórico da
língua sobre o desempenho? A resposta é óbvia: os
gramáticos e os lingüistas seriam sempre os melhores
escritores. Como na prática isso realmente não
acontece, fica provada uma vez mais a tese que se vem
defendendo.

8. Vale também o raciocínio inverso: se a relação fosse


significativa, deveriam os melhores escritores conhecer
- teoricamente - a língua em profundidade. Isso, no
entanto, não se confirma na realidade: Monteiro Lobato,
quando estudante, foi reprovado em língua portuguesa
(muito provavelmente por desconhecer teoria
gramatical); Machado de Assis, ao folhar uma
gramática declarou que nada havia entendido;
dificilmente um Luis Fernando Veríssimo saberia o que é
um morfema; nem é de se crer que todos os nossos
bons escritores seriam aprovados num teste de
Português à maneira tradicional (e, no entanto eles são
os senhores da língua!).

9. Portanto, não há como salvar o ensino da língua, como


recuperar lingüisticamente os alunos, como promover
um melhor desempenho lingüístico mediante o ensino-
estudo da teoria gramatical. O caminho é seguramente
outro.

Gilberto Scarton
44

Eis o esquema do texto em seus quatro estágios:

 Primeiro estágio: primeiro parágrafo, em que se enuncia


claramente a tese a ser defendida.

 Segundo estágio: segundo parágrafo, em que se definem as


expressões "estudo intencional da gramática" e "desempenho
lingüístico", citadas na tese.

 Terceiro estágio: terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo e


oitavo parágrafos, em que se apresentam os argumentos.

Terceiro parágrafo: parágrafo introdutório à argumentação.


Quarto parágrafo: argumento de autoridade.
Quinto parágrafo: argumento com base em ilustração
hipotética.
Sexto parágrafo: argumento com base em dados estatísticos.
Sétimo e oitavo parágrafo: argumento com base em fatos.

 Quarto estágio: último parágrafo, em que se apresenta a


conclusão.

2.2 A argumentação informal

A nomenclatura também é de Othon Garcia, na obra já referida.

A argumentação informal apresenta os seguintes estágios:

1. Citação da tese adversária


2. Argumentos da tese adversária
3. Introdução da tese a ser defendida
4. Argumentos da tese a ser defendida
5. Conclusão

Observe o texto exemplar de Luís Alberto Thompson Flores Lenz,


Promotor de Justiça.

Considerações sobre justiça e eqüidade


45

1. Hoje, floresce cada vez mais, no mundo jurídico a


acadêmico nacional, a ideia de que o julgador, ao
apreciar os caos concretos que são apresentados
perante os tribunais, deve nortear o seu proceder mais
por critérios de justiça e eqüidade e menos por razões
de estrita legalidade, no intuito de alcançar, sempre, o
escopo da real pacificação dos conflitos submetidos à
sua apreciação.

2. Semelhante entendimento tem sido sistematicamente


reiterado, na atualidade, ao ponto de inúmeros
magistrados simplesmente desprezarem ou
desconsiderarem determinados preceitos de lei,
fulminando ditos dilemas legais sob a pecha de injustiça
ou inadequação à realidade nacional.

3. Abstraída qualquer pretensão de crítica ou censura


pessoal aos insignes juízes que se filiam a esta
corrente, alguns dos quais reconhecidos como dos mais
brilhantes do país, não nos furtamos, todavia, de tecer
breves considerações sobre os perigos da generalização
desse entendimento.

4. Primeiro, porque o mesmo, além de violar os preceitos


dos arts. 126 e 127 do CPC, atenta de forma direta e
frontal contra os princípios da legalidade e da separação
de poderes, esteio no qual se assenta toda e qualquer
idéia de democracia ou limitação de atribuições dos
órgãos do Estado.

5. Isso é o que salientou, e com a costumeira maestria, o


insuperável José Alberto dos Reis, o maior
processualista português, ao afirmar que: "O
magistrado não pode sobrepor os seus próprios juízos
de valor aos que estão encarnados na lei. Não o pode
fazer quando o caso se acha previsto legalmente, não o
pode fazer mesmo quando o caso é omisso".

6. Aceitar tal aberração seria o mesmo que ferir de morte


qualquer espécie de legalidade ou garantia de soberania
popular proveniente dos parlamentos, até porque, na
lúcida visão desse mesmo processualista, o juiz estaria,
nessa situação, se arvorando, de forma absolutamente
espúria, na condição de legislador.

7. A esta altura, adotando tal entendimento, estaria


institucionalizada a insegurança social, sendo que não
46

haveria mais qualquer garantia, na medida em que tudo


estaria ao sabor dos humores e amores do juiz de
plantão.

8. De nada adiantariam as eleições, eis que os


representantes indicados pelo povo não poderiam se
valer de sua maior atribuição, ou seja, a prerrogativa
de editar as leis.

9. Desapareceriam também os juízes de conveniência e


oportunidade política típicos dessas casas legislativas,
na medida em que sempre poderiam ser afastados por
uma esfera revisora excepcional.

10. A própria independência do parlamento


sucumbiaria integralmente frente à possibilidade de
inobservância e desconsideração de suas deliberações.

11. Ou seja, nada restaria, de cunho democrático, em


nossa civilização.

12. Já o Poder Judiciário, a quem legitimamente


compete fiscalizar a constitucionalidade e legalidade dos
atos dos demais poderes do Estado, praticamente
aniquilaria as atribuições destes, ditando a eles, a todo
momento, como proceder.

13. Nada mais é preciso dizer para demonstrar o


desacerto dessa concepção.

14. Entretanto, a defesa desse entendimento


demonstra, sem sombra de dúvidas, o desconhecimento
do próprio conceito de justiça, incorrendo inclusive
numa contradictio in adjecto.

15. Isto porque, e como magistralmente o salientou o


insuperável Calamandrei, "a justiça que o juiz
administra é, no sistema da legalidade, a justiça em
sentido jurídico, isto é, no sentido mais apertado, mas
menos incerto, da conformidade com o direito
constituído, independentemente da correspondente com
a justiça social".

16. Para encerrar, basta salientar que a eleição dos


meios concretos de efetivação da Justiça social
compete, fundamentalmente, ao Legislativo e ao
Executivo, eis que seus membros são indicados
diretamente pelo povo.
47

17. Ao Judiciário cabe administrar a justiça da


legalidade, adequando o proceder daqueles aos ditames
da Constituição e da Legislação.

Luís Alberto Thompson Flores Lenz

Eis o esquema do texto em seus cinco estágios;

 Primeiro estágio: primeiro parágrafo, em que se cita a tese


adversária.

 Segundo estágio: segundo parágrafo, em que se cita um


argumento da tese adversária "... fulminando ditos dilemas
legais sob a pecha de injustiça ou inadequação à realidade
nacional".

 Terceiro estágio: terceiro parágrafo, em que se introduz a tese


a ser defendida.

 Quarto estágio: do quarto ao décimo quinto, em que se


apresentam os argumentos.

 Quinto estágio: os últimos dois parágrafos, em que se conclui o


texto mediante afirmação que salienta o que ficou dito ao longo
da argumentação.

COMO ELABORAR UMA RESENHA

1. Definições

Resumo:
É um texto que se limita a resumir o conteúdo de um livro, de um
capítulo, de um filme, de uma peça de teatro ou de um espetáculo,
sem qualquer crítica ou julgamento de valor. Trata-se de um texto
informativo, pois o objetivo principal é informar o leitor.

Resenha-crítica:
É um texto que, além de resumir o objeto, faz uma avaliação
sobre ele, uma crítica, apontando os aspectos positivos e negativos.
48

Trata-se, portanto, de um texto de informação e de opinião, também


denominado de recensão crítica.

2. Quem é o resenhista

A resenha, por ser em geral um resumo crítico, exige que o


resenhista seja alguém com conhecimentos na área, uma vez que
avalia a obra, julgando-a criticamente.

3. O que deve constar numa resenha

Devem constar:

 O título
 A referência bibliográfica da obra
 Alguns dados bibliográficos do autor da obra resenhada
 O resumo, ou síntese do conteúdo
 A avaliação crítica

4. O título da resenha

O texto-resenha, como todo texto, tem título, e pode ter subtítulo,


conforme os exemplos, a seguir:

Título da resenha: Astro e vilão


Subtítulo: Perfil com toda a loucura de Michael Jackson
Livro: Michael Jackson: uma Bibliografia não Autorizada
(Christopher Andersen) - Veja, 4 de outubro, 1995

Título da resenha: Com os olhos abertos


Livro: Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago) - Veja, 25 de
outubro, 1995

Título da resenha: Estadista de mitra


Livro: João Paulo II - Bibliografia (Tad Szulc) - Veja, 13 de
março, 1996

5. A referência bibliográfica do objeto resenhado

Constam da referência bibliográfica:

 Nome do autor
 Título da obra
 Nome da editora
49

 Lugar da publicação
 Ano da publicação
 Número de páginas

6. O resumo do objeto resenhado

O resumo que consta numa resenha apresenta os pontos


essenciais do texto e seu plano geral.

Pode-se resumir agrupando num ou vários blocos os fatos ou


ideias do objeto resenhado.

Veja exemplo do resumo feito de "Língua e liberdade: uma nova


concepção da língua materna e seu ensino" (Celso Luft), na resenha
intitulada "Um gramático contra a gramática", escrita por Gilberto
Scarton.

"Nos seis pequenos capítulos que integram a obra, o


gramático bate, intencionalmente, sempre na mesma tecla -
uma variação sobre o mesmo tema: a maneira tradicional e
errada de ensinar a língua materna, as noções falsas de
língua e gramática, a obsessão gramaticalista, a inutilidade
do ensino da teoria gramatical, a visão distorcida de que se
ensinar a língua é se ensinar a escrever certo, o
esquecimento a que se relega a prática lingüística, a postura
prescritiva, purista e alienada - tão comum nas "aulas de
português".

O velho pesquisador apaixonado pelos problemas de


língua, teórico de espírito lúcido e de larga formação
lingüística e professor de longa experiência leva o leitor a
discernir com rigor gramática e comunicação: gramática
natural e gramática artificial; gramática tradicional e
lingüística;o relativismo e o absolutismo gramatical; o saber
dos falantes e o saber dos gramáticos, dos lingüistas, dos
professores; o ensino útil, do ensino inútil; o essencial, do
irrelevante".

Pode-se também resumir de acordo com a ordem dos fatos, das


50

partes e dos capítulos.

Veja o exemplo da resenha "Receitas para manter o coração em


forma" (Zero Hora, 26 de agosto, 1996), sobre o livro "Cozinha do
Coração Saudável", produzido pela LDA Editora, com o apoio da Beal.

Receitas para manter o coração em forma

"Na apresentação, textos curtos definem os diferentes


tipos de gordura e suas formas de atuação no organismo. Na
introdução os médicos explicam numa linguagem
perfeitamente compreensível o que é preciso fazer (e evitar)
para manter o coração saudável.

As receitas de Cozinha do Coração Saudável vêm


distribuídas em desjejum e lanches, entradas, saladas e
sopas; pratos principais; acompanhamentos; molhos e
sobremesas. Bolinhos de aveia e passas, empadinhas de
queijo, torta de ricota, suflê de queijo, salpicão de frango,
sopa fria de cenoura e laranja, risoto com açafrão, bolo de
batata, alcatra ao molho frio, purê de mandioquinha, torta
fria de frango, crepe de laranja e pêras ao vinho tinto são
algumas das iguarias".

10. Como se inicia uma resenha

Pode-se começar uma resenha citando-se imediatamente a obra a


ser resenhada. Veja os exemplos:

"Língua e liberdade: por uma nova concepção da


língua materna e seu ensino" (L&PM, 1995, 112
páginas), do gramático Celso Pedro Luft, traz um conjunto
de ideias que subvertem a ordem estabelecida no ensino da
língua materna, por combater, veementemente, o ensino da
gramática em sala de aula.
51

Mais um exemplo:

"Michael Jackson: uma Bibliografia Não


Autorizada (Record: tradução de Alves Calado; 540
páginas, 29,90 reais), que chega às livrarias nesta semana,
é o melhor perfil de astro mais popular do mundo". (Veja, 4
de outubro, 1995).

Outra maneira bastante frequente de iniciar uma resenha é


escrever um ou dois parágrafos relacionados com o conteúdo da
obra.

Observe o exemplo da resenha sobre o livro "História dos Jovens"


(Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt), escrita por Hilário Franco
Júnior (Folha de São Paulo, 12 de julho, 1996).

O que é ser jovem

Hilário Franco Júnior

Há poucas semanas, gerou polêmica a decisão do


Supremo Tribunal Federal que inocentava um acusado de
manter relações sexuais com uma menor de 12 anos. A
argumentação do magistrado, apoiada por parte da opinião
pública, foi que "hoje em dia não há menina de 12 anos, mas
mulher de 12 anos".

Outra parcela da sociedade, por sua vez, considerou tal


veredito como a aceitação de "novidades imorais de nossa
época". Alguns dias depois, as opiniões foram novamente
divididas diante da estatística publicada pela Organização
Mundial do Trabalho, segundo a qual 73 milhões de menores
entre 10 e 14 anos de idade trabalham em todo o mundo.
Para alguns isso é uma violência, para outros um fato normal
em certos quadros sócio-econômico-culturais.

Essas e outras discussões muito atuais sobre a população


52

jovem só podem pretender orientar comportamentos e


transformar a legislação se contextualizadas, relativizadas.
Enfim, se historicizadas. E para isso a "História dos Jovens" -
organizada por dois importantes historiadores, o modernista
italiano Giovanno Levi, da Universidade de Veneza, e o
medievalista francês Jean-Claude Schmitt, da École des
Hautes Études em Sciences Sociales - traz elementos
interessantes.

Observe igualmente o exemplo a seguir - resenha sobre o livro


"Cozinha do Coração Saudável", LDA Editores, 144 páginas (Zero
Hora, 23 de agosto, 1996).

Receitas para manter o coração em forma

Entre os que se preocupam com o controle de peso e buscam


uma alimentação saudável são poucos os que ainda
associam estes ideais a uma vida de privações e a uma dieta
insossa. Os adeptos da alimentação de baixos teores já
sabem que substituições de ingredientes tradicionais por
similares light garantem o corte de calorias, açúcar e
gordura com a preservação (em muitos casos total) do
sabor.

Comprar tudo pronto no supermercado ou em lojas


especializadas é complicado. A coisa complica na hora de ir
para a cozinha e acertar o ponto de uma massa de
panqueca, crepe ou bolo sem usar ovo. Ou fazer uma
polentinha crocante, bolinhos de arroz e croquetes sem
apelar para a frigideira cheia de óleo.

O livro Cozinha do Coração Saudável apresenta 110


saborosas soluções para esses problemas. Produzido pela
LDA Editora com apoio da Becel, Cozinha do Coração
saudável traz receitas compiladas por Solange Patrício e
Marco Rossi, sob orientação e supervisão dos cardiologistas
Tânia Martinez, pesquisadora e professora da Escola Paulista
de Medicina, e José Ernesto dos Santos, presidente do
departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de
Cardiologia e professor da faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto. Os pratos foram testados por nutricionistas da
53

Cozinha Experimental Van Den Bergh Alimentos.

Há, evidentemente, numerosas outras maneiras de se iniciar um


texto-resenha. A leitura (inteligente) desse tipo de texto poderá
aumentar o leque de opções para iniciar uma recensão crítica de
maneira criativa e cativante, que leva o leitor a interessar-se pela
leitura.

11. A crítica

A postura crítica deve estar presente desde a primeira linha,


resultando num texto em que o resumo e a voz crítica do resenhista
se interpenetram. Por outro lado, o resenhista pode dedicar o final da
resenha para fazer avaliações mais pontuais sobre que resumiu nos
parágrafos anteriores.

Vale lembrar que a crítica deve estar sempre fundamentada,


exemplificando as críticas tecida, sempre buscando um tom
respeitoso e sensato para que sua resenha tenha credibilidade diante
dos possíveis leitores.

12. Exemplos de resenhas

Publicam-se a seguir três resenhas que podem ilustrar melhor as


considerações feitas ao longo desta apresentação.

Atwood se perde em panfleto feminista

Marilene Felinto
Da Equipe de Articulistas

Margaret Atwood, 56, é uma escritora canadense famosa


por sua literatura de tom feminista. No Brasil, é mais
conhecida pelo romance "A mulher Comestível" (Ed. Globo).
Já publicou 25 livros entre poesia, prosa e não-ficção. "A
Noiva Ladra" é seu oitavo romance.

O livro começa com uma página inteira de


agradecimentos, procedimento normal em teses acadêmicas,
54

mas não em romances. Lembra também aqueles discursos


que autores de cinema fazem depois de receber o Oscar. A
escritora agradece desde aos livros sobre guerra, que
consultou para construir o "pano de fundo" de seu texto, até
a uma parente, Lenore Atwood, de quem tomou emprestada
a (original? significativa?) expressão "meleca cerebral".

Feitos os agradecimentos e dadas as instruções,


começam as quase 500 páginas que poderiam, sem qualquer
problema, ser reduzidas a 150. Pouparia precioso tempo ao
leitor bocejante.

É a história de três amigas, Tony, Roz e Charis,


cinqüentonas que vivem infernizadas pela presença (em
"flashback") de outra amiga, Zenia, a noiva ladra,
inescrupulosa "femme fatale" que vive roubando os homens
das outras.

Vilã meio inverossímel - ao contrário das demais


personagens, construídas com certa solidez -, a antogonista
Zenia não se sustenta, sua maldade não convence, sua
história não emociona. A narrativa desmorona, portanto, a
partir desse defeito central. Zenia funcionaria como superego
das outras, imagem do que elas gostariam de ser, mas não
conseguiram, reflexo de seus questionamentos internos - eis
a leitura mais profunda que se pode fazer desse romance
nada surpreendente e muito óbvio no seu propósito.

Segundo a própria Atwood, o propósito era construir,


com Zenia, uma personagem mulher "fora-da-lei", porque
"há poucas personagens mulheres fora-da-lei". As
intervenções do discurso feminista são claras, panfletárias,
disfarçadas de ironia e humor capengas. A personagem
Tony, por exemplo, tem nome de homem (é apelido para
Antônia) e é professora de história, especialista em guerras e
obcecada por elas, assunto de homens: "Historiadores
homens acham que ela está invadindo o território deles, e
deveria deixar as lanças, flechas, catapultas, fuzis, aviões e
bombas em paz".

Outras alusões feministas parecem colocadas ali para


provocar riso, mas soam apenas ingênuas: "Há só uma coisa
que eu gostaria que você lembrasse. Sabe essa química que
afeta as mulheres quando estão com TPM? Bem, os homens
têm essa química o tempo todo". Ou então, a mensagem
rabiscada na parede do banheiro: "Herstory Not History",
trocadilho que indicaria o machismo explícito na palavra
55

"História", porque em inglês a palavra pode ser


desmembrada em duas outras, "his" (dele) e story (estória).
A sugestão contida no trocadilho é a de que se altere o "his"
para "her" (dela).

As histórias individuais de cada personagem são o


costumeiro amontoado de fatos cotidianos, almoços,
jantares, trabalho, casamento e muita "reflexão feminina"
sobre a infância, o amor, etc. Tudo isso narrado da forma
mais achatada possível, sem maiores sobressaltos, a não ser
talvez na descrição do interesse da personagem Tony pelas
guerras.

Mesmo aí, prevalecem as artificiais inserções de fundo


histórico, sem pé nem cabeça, no meio do texto ficcional,
efeito da pesquisa que a escritora - em tom cerimonioso na
página de agradecimentos - se orgulha de ter realizado.

Estadista de mitra

Na melhor bibliografia de João Paulo II até agora, o


jornalista Tad Szulc dá ênfase à atuação política do
papa

Ivan Ângelo

Como será visto na História esse contraditório papa João


Paulo II, o único não-italiano nos últimos 456 anos? Um
conservador ou um progressista? Bom ou mau pastor do
imenso rebanho católico? Sobre um ponto não há dúvida: é
um hábil articulador da política internacional. Não resolveu
as questões pastorais mais angustiantes da Igreja Católica
em nosso tempo - a perda de fiéis, a progressiva falta de
sacerdotes, a forma de pôr em prática a opção da igreja
pelos pobres -; tornou mais dramáticos os conflitos
teológicos com os padres e os fiéis por suas posições
inflexíveis sobre o sacerdócio da mulher, o planejamento
familiar, o aborto, o sexo seguro, a doutrina social,
especialmente a Teologia da Libertação, mas por outro lado,
foi uma das figuras-chave na desarticulação do socialismo no
Leste Europeu, nos anos 80, a partir da sua atuação na crise
56

da Polônia. É uma voz poderosa contra o racismo, a


intolerância, o consumismo e todas as formas
autodestrutivas da cultura moderna. Isso fará dele um
grande papa?

O livro do jornalista polonês Tad Szulc João Paulo II -


Bibliografia (tradução de Antonio Nogueira Machado,
Jamari França e Silvia de Souza Costa; Francisco Alves; 472
páginas; 34 reais) toca em todos esses aspectos com
profissionalismo e competência. O autor, um ex-
correspondente internacional e redator do The New York
Times, viajou com o papa, comeu com ele no Vaticano,
entrevistou mais de uma centena de pessoas, levou dois
anos para escrever esse catatau em uma máquina manual
portátil, datilografando com dois dedos. O livro, bastante
atual, acompanha a carreira (não propriamente a vida) do
personagem até o fim de janeiro de 1995, ano em que foi
publicado. É um livro de correspondente internacional, com o
viés da política internacional. Szulc não é literariamente
refinado como seus colegas Gay Talese ou Tom Wolfe, usa
com freqüência aqueles ganchos e frases de efeito que
adornam o estilo jornalístico, porém persegue seu objetivo
como um míssil e atinge o alvo.

Em meio à política, pode-se vislumbrar o homem Karol


Wojtyla, teimoso, autoritário, absolutista de discurso
democrático, alguém que acha que tem uma missão e não
quer dividi-la, que é contra o "moderno" na moral, que
prefere perder a transigir, mas é gentil, caloroso, fraterno,
alegre, franco ... Szulc, entretanto, só faz o esboço, não
pinta o retrato. Temos, então, de aceitar a sua opinião: "É
difícil não gostar dele".

Opus Dei - O livro começa descrevendo a personalidade


de João Paulo II, faz um bom resumo da História da Polônia
e sua opção pelo Ocidente e pela Igreja Católica Romana
(em vez da Ortodoxa Grega, que dominava os vizinhos do
Leste), fala da relação mística de Wojtyla com o sofrimento,
descreve sus brilhante carreira intelectual e religiosa, volta à
sua infância, aos seus tempos de goleiro no time do ginásio
""um mau goleiro", dirá mais tarde um amigo), localiza aí
sua simpatia pelos judeus, conta que ele decidiu ser padre
em meio ao sofrimento pela morte do pai, destaca a
complacência de Pio XII com o nazismo, a ajuda à Opus Dei
(a quem depois João Paulo II daria todo o apoio), demora-se
demais nos meandros da política do bispo e cardeal Wojtyla,
cresce jornalisticamente no capítulo sobre a eleição desse
57

primeiro papa polonês, mostra como ele reorganizou a


Igreja, discute suas posições conservadoras sobre a Teologia
da Libertação e as comunidades eclesiais de base, CEBs, na
América latina, descreve sua decisiva atuação na política do
Leste Europeu, a derrocada do comunismo, e termina com
sus luta atual contra o demônio pós-comunista. Agora o
demônio, o perigo mortal para a humanidade, é o
capitalismo selvagem e o "imperialismo contraceptivo" dos
EUA e da ONU.

Szulc, o escritor-míssil, não se desvia do seu alvo nem


quando vê um assunto saboroso como a Cúria do Vaticano,
que diz estar cheia de puxa-sacos e fofoqueiros com
computadores, nos quais contabilizam trocas de favores,
agrados, faltas e rumores. O sutil jornalista Gay Talese não
perderia um prato desses.

Entretanto, Szulc está sempre atento às ações políticas


do papa. Nota que João Paulo II elevou a Opus Dei à
prelatura pessoal enquanto expurgou a Companhia de Jesus
por seu apoio à Teologia da Libertação; ajudou a Opus Dei a
se estabelecer na Polônia, beatificou rapidamente seu
criador, monsenhor Escrivã. Como um militar brasileiro dos
anos 60, cassou o direito de ensinar dos padres Küng, Pohier
e Curran, silenciou os teólogos Schillebeeckx (belga), Boff
(brasileiro), Häring (alemão) e Gutiérrez (peruano), reduziu
o espaço pastoral de dom Arns (brasileiro). Em
contrapartida, apoiou decididamente o sindicato clandestino
polonês, a Solidariedade. Fez dobradinha com o general
dirigente polonês Jaruzelski contra Brejnev, abrindo o
primeiro país socialista, que abriu o resto. O próprio
Gorbachev reconhece: "Tudo o que aconteceu no Leste
Europeu nesses últimos anos teria sido impossível sem a
presença deste papa".

Talvez seja assim também com relação ao que acontece


com as religiões cristãs no nosso continente. Tad Szulc, com
cautela, alerta para a penetração, na América Latina, dos
evangélicos e pentecostais, que o próprio Vaticano chama de
"seitas arrebatadoras". A participação comunitária e o
autogoverno religioso que existia nas CEBs motivavam mais
a população. Talvez seja. Acrescentando-se a isso o lado
litúrgico dos evangélicos que satisfaz o desejo dos fiéis de
serem atores no drama místico, não tanto espectadores,
tem-se uma tese.

O perfil desenhado por Szulc é o de um político


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profundamente religioso. Um homem que reza sete horas


por dia, com os olhos firmemente fechados, devoto de Nossa
Senhora de Fátima e do mártir polonês São Estanislau e que
acredita no martírio e na dor pessoais para alcançar a graça.

Um gramático contra a gramática

Gilberto Scarton

Língua e Liberdade: por uma nova concepção da


língua materna e seu ensino(L&PM, 1995, 112 páginas)
do gramático Celso Pedro Luft traz um conjunto de idéias
que subverte a ordem estabelecida no ensino da língua
materna, por combater, veemente, o ensino da gramática
em sala de aula.

Nos 6 pequenos capítulos que integram a obra, o


gramático bate, intencionalmente, sempre na mesma tecla
- uma variação sobre o mesmo tema: a maneira tradicional
e errada de ensinar a língua materna, as noções falsas de
língua e gramática, a obsessão gramaticalista, inutilidade
do ensino da teoria gramatical, a visão distorcida de que se
ensinar a língua é se ensinar a escrever certo, o
esquecimento a que se relega a prática lingüística, a
postura prescritiva, purista e alienada - tão comum nas
"aulas de português".

O velho pesquisador apaixonado pelos problemas da


língua, teórico de espírito lúcido e de larga formação
lingüística e professor de longa experiência leva o leitor a
discernir com rigor gramática e comunicação: gramática
natural e gramática artificial; gramática tradicional e
lingüística; o relativismo e o absolutismo gramatical; o
saber dos falantes e o saber dos gramáticos, dos lingüistas,
dos professores; o ensino útil, do ensino inútil; o essencial,
do irrelevante.

Essa fundamentação lingüística de que lança mão -


traduzida de forma simples com fim de difundir assunto tão
especializado para o público em geral - sustenta a tese do
Mestre, e o leitor facilmente se convence de que aprender
uma língua não é tão complicado como faz ver o ensino
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gramaticalista tradicional. É, antes de tudo, um fato


natural, imanente ao ser humano; um processos
espontâneo, automático, natural, inevitável, como crescer.
Consciente desse poder intrínseco, dessa propensão inata
pela linguagem, liberto de preconceitos e do artificialismo
do ensino definitório, nomenclaturista e alienante, o aluno
poderá ter a palavra, para desenvolver seu espírito crítico e
para falar por si.

Embora Língua e Liberdade do professor Celso Pedro


Luft não seja tão original quanto pareça ser para o grande
público (pois as mesmas concepções aparecem em muitos
teóricos ao longo da história), tem o mérito de reunir,
numa mesma obra, convincente fundamentação que lhe
sustenta a tese e atenua o choque que os leitores - vítimas
do ensino tradicional - e os professores de português -
teóricos, gramatiqueiros, puristas - têm ao se depararem
com uma obra de um autor de gramáticas que escreve
contra a gramática na sala de aula.

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