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ANAIS
UFES – Vitória / ES
ANAIS DO SEMINÁRIO
DERMEVAL SAVIANI E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
ISBN: 978-85-8263-186-7
Anais
Vitória – Espírito Santo
UFES – Campus de Vitória
2017
875 p.
Disponível em:
http://ocs.ifes.edu.br/index.php/seminario_demervalsaviani/
index/announcement/view/52
ISBN: 978-85-8263-186-7
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................... 4
GT1 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA ..... 5
GT2 – CURRÍCULO, DIDÁTICA E PRÁTICA PEDAGÓGICA HISTÓRICO –
APRESENTAÇÃO
RENOIR, Pierre Auguste. A lição. 1900. Óleo sobre tela, 85 x 65 cm.
GT1 - FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
SUMÁRIO (GT1)
Introdução
Consequentemente,
face ao que consideram ser uma imposição da Matemática universal, uma matemática
ocidental imposta para o mundo.
Por conta da metodologia etnográfica, com a realização de entrevistas
decorrentes da inserção do pesquisador ao contexto social investigado, as pesquisas
etnomatemáticas limitam-se às primeiras manifestações da realidade investigada, não se
atendo às relações não imediatamente perceptíveis entre a produção da matemática em
contextos sociais diversos e a matemática escolar, como resultado da universalidade
processada pelo gênero humano.
A Etnomatemática não adota, em seus pressupostos teóricos, um conceito
similar de gênero humano. Consequentemente, a investigação da realidade quanto à
produção da matemática restringe-se à sociedade local que se apresenta de imediato,
“esquecida”, “negada” pela sociedade “ocidental”. Dessa forma, as pesquisas
etnomatemáticas não percebem que a matemática emergida da singularidade dos
indivíduos pesquisados é, na verdade, a particularidade como a universalidade, que se
apresenta diante de circunstâncias próprias das desigualdades sociais.
E mais, práticas sociais em contextos sociais específicos evidenciam a
particularidade de um momento processual da historicidade formadora do gênero
humano. Saviani (1985, p.122) afirma que “[...] o que diferencia uma cultura de outra é
a direção seguida pelo processo cultural; é, em suma, o tipo, as características de que se
revestem os instrumentos, idéias e técnicas.” Portanto, cumpre entender a direção do
processo histórico realizada pela formação do gênero humano. Uma “matemática”
presente em uma determinada comunidade no Brasil, por exemplo, uma particular
medição, uma forma particular de cálculo, não trabalhada na escola, carrega na história
dos processos de imigração da comunidade investigada (como comunidades polonesas,
italianas, etc.) práticas matemáticas em seus países de origens em tempos passados.
Entendemos esse fato como similaridade na diversidade constituída e cumpre resgatar
essas particulares direções do processo histórico. Maiores considerações sobre essa
questão serão objeto de um outro trabalho científico.
Voltando à reflexão sobre a matemática emergida da singularidade dos
indivíduos pesquisados na particularidade como a universalidade se apresenta diante de
circunstâncias próprias oriundas das desigualdades sociais. Vamos considerar um
exemplo: a matemática de um pedreiro, em Cláudia G. Duarte (2004, p. 189). Trata-se
de uma pesquisa etnográfica em que a autora constata a utilização do Teorema de
Pitágoras por parte de um pedreiro de nome “Aristóteles”.
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maior referência teórica. A ideia nesse texto é retornar à pesquisa realizada em 1999,
mas interpretando-a à luz da relação dialética entre o singular, o particular e o universal.
Borba (1987) estava preocupado em valorizar o saber cotidiano proveniente da
produção desse conhecimento de práticas de dois pedreiros de nomes “Pedro” e “seu
João”. Destacando a matemática pretensamente “original” de “seu Pedro” e “seu João”,
esse autor assim o fazia sem perceber a promoção da supervalorização do saber
cotidiano em detrimento da relação para com o saber não-cotidiano, secundarizando este
último, com prejuízos à tarefa de garantir aos trabalhadores o acesso aos conhecimentos
“clássicos” de Matemática. (SAVIANI, 2003; GIARDINETTO, 2010).
Interessante observar que os trabalhadores investigados por Borba (1987), sem
que esse autor percebesse, conclamavam, por conta de suas limitações (considerando
suas particularidades em face às dificuldades em suas vidas), a necessidade de terem
acesso à matemática universal, via escola, tanto que “seu Pedro” declara em um
momento da entrevista: “Pra mim já num conheço, sei que nem a gente vê como trabaio,
vô indo e faço, né! Só sabe porque aprendeu fazeno, né, e não estudano (grifos meus –
JRBG]”. O mesmo faz “seu João” como se percebe no trecho da entrevista abaixo
realizada pelo pesquisador (grifos meus – JRBG]:
Somente via escola seria possível o acesso à matemática universal e, por conta
das consequências da vida alienada, os trabalhadores percebiam a necessidade dela,
pois, na particularidade de suas vidas, a forma como tal conhecimento universal foi
apropriado não era suficiente para eles .
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Conclusão
Referências
_____. Marxismo, cultura e escola: contribuições para a reflexão sobre a questão cultural na
Educação Matemática. In: MENDES, Iran Abreu; FARIAS, Carlos Aldemir (orgs.). Práticas
culturais e educação matemática. São Paulo: Editora Livraria da Física, pp. 69-115, 2014.
Introdução
1
Robson Machado é professor de história na educação básica e mestrando em Educação pela
Universidade Federal de Lavras no estado de Minas Gerais. E-mail: robson_historia@yahoo.com.br
2
Ao longo do texto utilizaremos a sigla PHC para nos referirmos à pedagogia histórico-crítica.
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3
A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica,
mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter
terreno de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade do pensamento isolado da práxis
é uma questão puramente escolástica. (Marx, 2006, p. 112).
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advoga que Marx situa-se no ápice da filosofia moderna, pois supera a dialética idealista
de Hegel ao delinear uma concepção ontologicamente realista e gnosiologicamente
objetivista da realidade no processo de produção de conhecimento. (SAVIANI, 2012c,
p. 63).
Nesse sentido, a lógica dialética, que supera a lógica formal, empreende um
movimento que vai do empírico ao concreto mediado pelo abstrato, ou seja, o
movimento parte do objeto tal como se apresenta à contemplação imediata, desprovido
de sentido, sobre o qual se tem uma visão sincrética e desorganizada, e chega ao objeto
pensado, sintético, constituindo-se como “uma rica totalidade de determinações
numerosas”, por meio da análise e das conceituações. (MARX, 1973, p. 229).
Assim, cabe distinguirmos o “concreto real” do “concreto pensado”, uma vez
que o concreto real é aquele que se apresenta no ambiente conservando sua
independência fora do pensamento e o concreto pensado é a apropriação do mundo pelo
cérebro pensante, é a reprodução do concreto pela via do pensamento. De acordo com o
precursor da PHC ,essa lógica se assenta em duas premissas fundamentais:
Notamos que o empírico a que nos referimos é um dado concreto e está posto no
mundo materialmente, tornando-se cognoscível se submetido ao crivo do espírito, o que
implica sua reelaboração mental passando pela análise de algumas categorias dialéticas
(totalidade, a contradição, mediação, historicidade, etc.), que tornam viável o
aprimoramento do entendimento humano acerca do mundo em que está inserido.
Podemos observar, por exemplo, que o concreto se apresenta como ponto de partida e
ponto de chegada quando o submetemos à dialética materialista, pois a existência da
coisa (aqui a realidade social, o trabalho educativo, etc.) se dá independente de a
conhecermos ou não, isto é, é a apropriação que fazemos do real que nos possibilita, por
meio da mediação abstrata, compreendê-la e agir de modo crítico sobre ela, mas sua
existência real é um fato que independe do pensamento.
Dessa forma, também na metodologia proposta pela PHC, que é dialético-
histórica, tanto o ponto de partida como o ponto de chagada é a prática social. Assim, a
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PHC entende a educação escolar como mediação no seio da prática social global, o que
implica dizer que a prática social já existia antes do processo de ensino-aprendizagem,
contudo, após o ato educativo - explicitado na problematização, instrumentalização e
catarse -, as condições para entendê-la se tornam outras, sendo também outro o modo
como sujeito se insere na prática social.
Por consequência, Saviani assegura que para superar a concepção hegemônica
burguesa é indispensável um domínio lógico-metodológico que seja capaz de captar a
realidade concreta em sua complexidade e contraditoriedade, como forma de competir
com força e coerência com a concepção de mundo dominante. Trata-se de compreender
a educação como um elemento inserido no movimento dialético de transformação da
realidade, pois se a educação não é capaz de por si só desencadear o processo
revolucionário socialista, sem ela a revolução não seria possível na atual conjuntura,
dada à necessidade de apropriação do saber produzido historicamente pela coletividade
dos homens. (OLIVEIRA, 1994, p. 122).
O professor Newton Duarte, em seu texto “Fundamentos da pedagogia histórico-
crítica: a formação do ser humano na sociedade comunista como referência para
educação contemporânea”, defende que a prática educativa inserida no ideário histórico-
crítico exige que o professor se posicione numa perspectiva de classe e assuma,
explicitamente, os interesses da classe trabalhadora como sua responsabilidade, lutando
em sua área de ação, o magistério, para revolução socialista na intenção da promoção de
uma estrutura societária comunista. Apoiando-se em Marx e Engels, Duarte compreende
que os pressupostos da sociedade comunista estão dados na sociedade do capital,
cabendo a classe despossuída apropriar-se da riqueza material e espiritual em sua
totalidade para superar o capitalismo. Desse modo, concebe o comunismo como
“movimento real que supera o estado das coisas atual”. (DUARTE, 2011, p. 8).
Verificamos que só é possível compreender como o comunismo pode se dar a
partir da realidade capitalista se lançamos mão do método dialético-histórico
anteriormente enunciado, pois é na dialética intrínseca a realidade que captamos o
movimento das contradições que permeiam a própria realidade. Contradição existente,
por exemplo, nas relações de produção do sistema capitalista, na qual a propriedade dos
meios e o lucro são privados e o trabalho produtivo é socializado. Essa contradição
manifesta-se no trabalho alienado, pois o trabalhador o empreende única e
exclusivamente para garantir suas condições materiais de existência, sendo levado a
vender sua atividade vital. É nesse sentido que o trabalho, que deve ser atividade
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O trabalho não material divide-se, de acordo com Marx (1978, p.79), em duas
modalidades. A primeira é aquela em que a “[...] mercadoria pode circular isoladamente
em relação ao produtor, ou seja, que podem circular como mercadorias no intervalo
entre a produção e o consumo”. Já na segunda, o produto não é separável do ato de
produção; nessa modalidade se encaixa o trabalho educativo, pois “o ato de dar aula é
inseparável da produção desse ato e de seu consumo. A aula é, pois, produzida e
consumida ao mesmo tempo (produzida pelo professor e consumida pelos alunos)”.
(SAVIANI, 2012b, p. 12).
Para Marx, na sociedade comunista, o trabalho se constitui em uma necessidade
vital de realização dos homens, pois nessa fase do desenvolvimento histórico estaria
superado o trabalho como ação alienada, os indivíduos não se restringiriam a atividades
vazias de sentido para mera garantia de sua sobrevivência. A alienação seria suplantada,
pois haveria a “[...] elevação do trabalho a um nível no qual o ser humano possa
desenvolver-se de forma omnilateral”. Assim, será derrubada a divisão do trabalho e a
educação se transformará na essência do trabalho. (DUARTE, 2012b, p. 152).
Em outras palavras, o que faz dos indivíduos seres genéricos, portanto
representantes do gênero humano, é a atividade que possibilita as objetivações que
garantem a sobrevivência de sua espécie. Nesse sentido, a atividade vital dos homens é
o trabalho. Ocorre que o desenvolvimento da atividade se faz pela incorporação
histórica da natureza ao campo dos fenômenos sociais ampliando as necessidades
humanas para além da sobrevivência, surgindo necessidades propriamente sociais.
Portanto, é no processo produtivo que os homens se realizam enquanto homens
apresentando-se o trabalho como atividade vital de realização. No entanto, com a
divisão da sociedade em classes antagônicas, houve a apropriação das objetivações
produzidas pelo trabalho das classes dominadas pelas classes dominantes.
Na sociedade do capital tanto a apropriação da atividade humana objetivada no
mundo da cultura, quanto à objetivação da individualidade por meio da atividade são
deficientes. A primeira, porque o trabalhador não dispõe de condições de se apropriar
daquilo que ele próprio produz, pois quanto mais valiosa é a produção, tanto mais sem
valor o trabalhador se torna, quanto mais espiritualmente elaborado se mostra o
trabalho, tanto mais desespiritualizado é o trabalhador e quanto maior é a quantidade
que se produz, tanto menos o trabalhador tem para consumir; a segunda, em função de o
trabalhador estar condicionado à divisão do trabalho e não usufruir de liberdade para
22
realizar sua individualidade, ficando sua atividade produtiva a cargo da classe que o
explora. (MARX, 2008b).
Tal fato implica dizer que há na análise marxiana a acusação da exteriorização
do objeto de trabalho ao trabalhador, que com ele deixa de se identificar e, ao invés de
se realizar com o processo de produção, desrealiza-se, pois o objeto não pertence a
quem produziu, posto que se torna mercadoria e, portanto, de propriedade do capital. O
objeto assume, agora, forma de capital e subjuga o homem que o produziu, deixando o
processo de trabalho de ser fonte de realização, porque se converte em processo de
valoração do próprio capital. Assim, “[...] a objetivação, que é a única forma do ser
humano efetivar-se, desenvolver-se, torna-se uma objetivação alienante”. (SAVIANI;
DUARTE, 2012, p. 24).
Para que na sociedade comunista a relação do homem com seu trabalho mude
radicalmente é preciso superar a atividade produtiva alienada em que a realização do
trabalhador só pode se dar fora do trabalho. Isso porque o trabalhador se encontra em si
quando está fora do trabalho e quando está no trabalho não se encontra; sua realização e
seu prazer só são possíveis fora da atividade produtiva, que o explora e o denigre.
Nessa sociedade, a atividade produtiva alienada converte-se em autoatividade,
pois o trabalho agora não é um meio para realização, mas a própria expressão da
realização do gênero humano, o trabalho não é um meio que os indivíduos têm para
sobreviver, mas o sentido da própria vida, o trabalho apresenta-se, na sociedade
comunista, reconhecidamente como atividade vital do sujeito genérico.
Destacamos que a sociedade em questão não nega as riquezas produzidas pela
sociedade do capital, bem como não abomina o trabalho dos homens, ela não representa,
portanto, a destruição dos elementos da sociedade que a precede, mas sua superação, já
que socializa as riquezas e torna o processo produtivo expressão de autorrealização. A
autoatividade, que suplanta a divisão do trabalho, não aprisiona o trabalhador,
possibilitando que seu desenvolvimento seja omnilateral, assim como também se torna
omnilateral sua apropriação das objetivações humanas que deixam de ser privadas e
passam a ser coletivas, pois as objetivações da individualidade de cada homem tornam-
se objeto social.
Ocorre que a abolição do trabalho alienado e a emersão da autoatividade,
implicam em mudanças determinantes que possibilitam o desenvolvimento livre e
universal. Essas mudanças dizem respeito à transformação de quatro aspectos da
atividade humana: “[...] a relação do sujeito com os resultados da atividade humana, a
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relação do sujeito com sua própria atividade, a relação do sujeito consigo mesmo como
ser genérico, isto é, representante do gênero humano, e a relação do sujeito com os
outros sujeitos”. (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 23).
Essas transformações são a expressão da humanização possível para além da
sociedade do capital; provas da inteligência humana que não se permite viver em estado
de selvageria, numa guerra de todos contra todos. É a manifestação, como salienta
Duarte, de uma sociedade que produz o homem verdadeiramente rico.
Apoiando-se em Marx, Saviani e Duarte nos falam da relação dos homens e do
modo como a pobreza e a riqueza se apresentam na sociedade comunista (a qual a PHC
tenciona) de forma totalmente diversa da sociedade do capital. Nessa sociedade, têm a
riqueza e a pobreza significado humano, o que implica dizer que inclusive a pobreza
mostra-se na perspectiva de superação e desenvolvimento para o indivíduo:
Mas qual então o papel da educação escolar para uma teoria pedagógica de
inspiração marxista na sociedade do capital? O papel da educação escolar, na PHC, “[...]
define-se pela importância do conhecimento na luta contra o capital e na busca pela
formação plena do ser humano”. (DUARTE, 2012b, p.153).
É nesse sentido que Saviani (2012b, p. 13) afirma que “[...] o trabalho educativo
é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”, uma
24
vez que “[...] lutar pelo socialismo é lutar pela socialização da propriedade dos meios de
produção” (DUARTE, 2012b, p. 153) e os conhecimentos científicos produzidos
historicamente pela humanidade não podem ser dissociados dos meios de produção,
pois é o conhecimento que permite sua existência.
Se reconhecemos que o processo de trabalho humano, bem como o de produção
dos meios de produção, exigem um antecipação da ação pelo pensamento, não podemos
negar que os meios de produção contém conhecimentos científicos objetivados. Isso
implica dizer que ao socializar o conhecimento produzido historicamente pela
coletividade dos homens com a classe trabalhadora estaremos socializando os meios de
produção. O ideário histórico-crítico reconhece que a socialização plena dos meios de
produção não pode ocorrer na estrutura societária capitalista, mas evidencia que a
contradição imanente a essa realidade permite se iniciar o processo em direção ao
comunismo. (DUARTE, 2011).
Tomemos agora os escritos de Saviani para melhor compreendermos como se dá
a relação do trabalho educativo com os conhecimentos científicos sistematicamente
elaborados. De acordo com Saviani, os conhecimentos científicos se produzem e
aprimoram-se tendo finalidade neles próprios. Portanto, os que se ocupam das ciências
matemáticas produzem o conhecimento matemático para o desenvolvimento da
sociedade; mas, primeiramente, sua atenção se volta ao estudo da matemática aplicada
como ciência, isso significa que não dispõe de relação imediata com os homens. O
mesmo ocorre com outras áreas do conhecimento como a Física, Química, História,
Filosofia e assim por diante. É nesse aspecto que a educação e o trabalho educativo se
distância das outras ciências. O ideário histórico-crítico compreende a educação como
uma ciência que enxerga o conhecimento científico como algo que não lhe interessa em
si mesmo, não é exterior aos homens; desse modo, o cientista tem uma perspectiva
diferente do professor. (SAVIANI, 2012b, p. 65).
Do ponto de vista da pedagogia, o conhecimento científico interessa quando é
assimilado pelos homens, constituindo-se em sua segunda natureza4. O objeto da
educação diz respeito aos elementos culturais - que precisam ser assimilados pelo
conjunto dos homens, para que se tornem homens - e as formas que possibilitem da
maneira mais adequada à transmissão da cultura em seu modo mais desenvolvido.
4
A categoria segunda natureza que a PHC lança mão é retirada da obra do marxista sardo Antônio
Gramsci.
25
Conclusão
humana tem motivação material; mas é norteada, apesar das determinações da realidade
objetiva, por um resultado ideal, uma finalidade que possibilita um produto efetivo.
Nesse caso, “[...] os atos não só são determinados casualmente por um estado anterior
que se verificou efetivamente, como também por algo que ainda não tem uma existência
efetiva e que, não obstante, determina e regula os diferentes atos antes de culminar num
resultado real”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 187).
A práxis se depara, contudo, com a inadequação entre a intenção e o resultado,
pois a elaboração mental da atividade dos indivíduos para sua ação prática, que busca a
produção ou transformação das condições objetivas, tem de lidar com a objetividade
que não obedece aos seus anseios. Isso porque a ações dos homens também produzem
situações que não estão em conformidade com suas intenções. “As relações de
produção, por exemplo, são relações que os homens contraem independente de sua
vontade e de sua consciência”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 188).
Nesse sentido, conforme Saviani (2012b, p. 121), as novas gerações estão
determinadas pelas gerações anteriores e dependem delas. “Mas é uma determinação
que não anula sua iniciativa histórica, que se expressa justamente pelo desenvolvimento
e pelas transformações que ela opera sobre as bases de produção anterior”, pois “[...] o
progresso histórico se caracteriza, entre outras coisas, por uma superação dessa
inintencionalidade, [promovendo] conscientemente, a destruição das relações
capitalistas de produção e a instauração do socialismo”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 188).
A atividade da antecipação mental do que se pretende transformar, isto é, a
produção dos objetivos que prefiguram idealmente o resultado real que se pretende
obter, manifesta-se também na produção do conhecimento em forma de conceitos,
hipóteses e teorias mediante as quais os homens conhecem a realidade. Temos nisso
uma questão cara a práxis no que diz respeito à relação do conhecimento com a
transformação social, haja vista que entre a atividade cognoscitiva e a teleológica há
diferenças importantes, “[...] pois enquanto a primeira se refere a uma realidade presente
que se pretende conhecer, a segunda diz respeito a uma realidade futura, portanto ainda
inexistente”. (VÁZQUEZ, 1990, p. 191).
Isso nos arremete para questão do conhecimento e da consciência, bem como da
competência técnica e do comprometimento político antes enunciado, pois de nada
adianta a atividade cognoscitiva sem atividade teleológica, uma vez que “[...] a
atividade cognoscitiva não implica numa exigência de ação efetiva, [já] a atividade
teleológica traz implícita uma exigência de realização, em virtude da qual se tende a
30
fazer da finalidade uma causa de ação real”, mas sem atividade cognoscitiva a
finalidade nunca poderia se realizar. (VÁZQUEZ, 1990, p. 191).
Nesse sentido, advertimos que a práxis na PHC se relaciona, como prioridade, ao
humano, quer se trate da sociedade quer se trate de indivíduos concretos, por isso
encontra seu ponto de partida e de chegada na própria prática social e tenciona a
revolução.
Referências
MARX, Karl. Contribuição para a critica da economia política. Lisboa: Estampa, 1973.
__________. Capítulo VI (inédito). In: MARX, K. O Capital. São Paulo, Ciências Humanas,
Livro I, 1978.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. 2 ed. Campinas: Autores
Associados, 2008.
1
Priscila de Souza Chisté, doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
professora do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Espírito Santo, Brasil.
E-mail: pchiste@ifes.edu.br
32
Cabe colocar que o significado marxiano de prática não se identifica com a ação
concreta e imediata de um indivíduo particular (ao cotidiano); mas, com a prática social
34
e histórica do conjunto dos homens, disponibilizada aos seres singulares como base de
suas realizações como seres sociais, ou seja, com a forma como estão sintetizadas as
relações sociais em um determinado momento histórico.
Nesse contexto, a educação é entendida como o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Como a melhor forma já criada pelos seres
humanos de produção, nos indivíduos, dos atributos que definem os níveis mais
desenvolvidos que o gênero humano já alcançou em sua história até aqui percorrida.
(SAVIANI, 2003).
226).
A autora pontua que a metodologia proposta por Saviani possui cunho filosófico
e não procedimental. Em consonância com Marsíglia, Martins (2011) coloca em
discussão o trabalho pedagógico como uma das formas de expressão da prática social,
na base da qual residem as relações sociais de produção que geram, para além de
“coisas”, a própria subjetividade humana como intersubjetividade. Como tal, tanto os
professores quanto os alunos são partícipes da prática social e expressam nela
objetivamente diferentes formas de participação.
Esse problema, por sua vez, emerge da prática social como fenômeno
histórico, tanto naquilo que se refere aos seus condicionantes objetivos
quanto às possibilidades para sua superação. Portanto, sob nosso
entendimento, o segundo momento aponta na direção das condições
requeridas ao trabalho pedagógico, à prática social docente. Aspectos
infraestruturais, salariais, domínios teórico-técnicos, estrutura
organizativa da escola e, sobretudo, a qualidade da formação docente,
são algumas questões a serem problematizadas. Da mesma forma deve
se impor à problematização as razões das conquistas e também dos
fracassos que permeiam a aprendizagem dos alunos – dado
umbilicalmente relacionado à qualidade do ensino, quiçá o verdadeiro
e maior problema enfrentado pela educação escolar – especialmente, a
pública. (MARTINS, 2011, p. 229).
Conclusão
Referências
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma
teoria crítica do fenômeno educativo. São Paulo: Cortez, 2000.
PRESTES, Zoia. Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch
Vigotski no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
________. Escola e democracia. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1984.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar os pressupostos teóricos que balizaram o
modelo de ensino da leitura do PROFA. Neste texto, analisaremos a concepção de alfabetização
que orienta o programa de formação e, também, a concepção de leitura. Metodologicamente o
estudo se configura como uma análise documental, pautada pela perspectiva dialógica, e,
teoricamente se embasa na pedagogia histórico-crítica e no referencial bakhtiniano de
linguagem. Os documentos analisados permitiram observar a necessidade de um
redimensionamento das concepções de língua, de sujeitos e de interações que subjazem ao
processo de ensino aprendizagem e, também, uma proposta de trabalho com a leitura que seja
pensada de forma intencional, organizada e sistemática a partir da mediação qualificada do
professor alfabetizador para que se possam operar mudanças no ensino da leitura na escola.
Introdução
Esse trabalho tem por objetivo apresentar reflexões advindas de uma pesquisa
que se prendeu a analisar os pressupostos teóricos que balizaram o modelo de ensino da
leitura do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), o qual foi
considerado, pela Secretaria de Educação Fundamental (SEF) do Ministério da
Educação e Cultura (MEC), adequado para orientar a prática dos professores, no que se
refere à organização do trabalho com a leitura nas classes de alfabetização.
Para compreender se os fundamentos teóricos que sustentaram essa abordagem
contribuíram para promover práticas de ensino da leitura consideradas pela produção de
conhecimento como favorecedoras da formação do leitor crítico, tomamos por base as
contribuições da pedagogia histórico-crítica e da perspectiva bakhtiniana de linguagem.
Considerando a abordagem metodológica de caráter qualitativo, adotamos a
pesquisa documental, pautada numa perspectiva dialógica do discurso, tendo em vista o
diálogo que tecemos com um conjunto de documentos que compõem uma das ações
46
1 Pontos de ancoragem
sentido que Duarte (1999, p. 36-37) esclarece que “[...] a análise da relação entre
objetivação e apropriação, enquanto dinâmica própria da atividade vital humana e
geradora do processo histórico, não pode ser reduzida ao processo de produção e
utilização de instrumentos, de objetos”.
Esse processo de caráter ativo que se produz na dinamicidade das práticas
sociais, como atividade real dos homens, capaz de proporcionar a conversão das funções
que foram construídas no plano social (interpsíquico) para o plano individual
(intrapsíquico) foi denominado por Vigotski de internalização. Para esse autor, toda
função aparece em cena duas vezes, em dois planos: “[...] primeiro no plano social e
depois no psicológico, no princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo
no interior da criança como categoria intrapsíquica”. (VIGOTSKI, 2000, p. 150,
tradução nossa).
Desse modo, dizer que toda função aparece primeiro como função interpsíquica,
equivale a dizer que ela foi, inicialmente, social, uma vez que se formou com base nas
relações interpessoais, para depois aparecer como função intrapsíquica, ou seja,
interiorizada no indivíduo. No entanto, conforme ressaltam Pino (1992) e Gontijo
(2003), o termo internalização tem produzido polêmicas entre os autores da perspectiva
histórico-cultural sobre a sua inadequação, devido à corrente filosófica em Marx que
fundamenta os estudos de Vigotski. Assim, concordamos que o termo apropriação,
utilizado por Leontiev (1978), para designar a conversão das funções que são
constituídas na atividade social em atividade individual, seja mais coerente.
Segundo Leontiev (1978, p. 268), para o homem se apropriar das funções que
são constituídas no plano social, ou seja, “[...] dos objetos ou dos fenômenos que são o
produto do seu desenvolvimento, é necessário desenvolver em relação a eles uma
atividade que reproduza pela sua forma, os traços essenciais da atividade encarnada,
acumulada no objeto”.
A reprodução dos traços essenciais da atividade humana acumulada não
pressupõe, nessa perspectiva, a repetição das características da espécie (raça, sexo) nem
a adequação natural e imediata do indivíduo às exigências do meio, mas a apropriação
do significado de um produto da história humana que não é transmitido pela
hereditariedade, isso porque “[...] o processo de apropriação é aquele no qual o
indivíduo se apropria das características do gênero e não da espécie”. (DUARTE, 1999,
p. 42).
48
Considerando que a práxis compreende tanto a atividade objetiva pela qual o ser
humano se relaciona com o mundo natural e social, por meio dos instrumentos,
transformando-o em um mundo humano, quanto à atividade intersubjetiva que
possibilita aos homens transformarem a si mesmos e aos outros, ou seja, se constituírem
como seres genéricos, cabe entender que não existe uma oposição, nem uma separação
rígida entre a atividade teórica e a atividade prática.
Desse modo, estamos afirmando que a prática educativa escolar, como práxis,
abarca tanto a atividade teórica quanto a atividade prática, porque não existe a menor
possibilidade de realizarmos uma classificação das atividades humanas em atividades
teóricas, de um lado, e atividades práticas, de outro.
51
Nesse cenário, cabe ressaltar que também consideramos importante a relação dos
alunos com diferentes textos no trabalho com a leitura nas classes de alfabetização. A
mediação, por parte do professor, entretanto, no processo de ensino aprendizagem da
leitura é fundamental, uma vez que as crianças não se apropriam de características
específicas do sistema de escrita, necessárias para a aprendizagem da leitura, sem a
mediação do outro e tampouco de modo espontâneo.
Partimos do princípio de que, para a criança, na fase inicial de alfabetização,
aprender a ler, faz-se necessário que o professor realize um trabalho de ensino que lhe
possibilite se apropriar da linguagem escrita e se relacionar com ela nas suas diversas
formas de existência na sociedade, de maneira crítica.
Não estamos querendo dizer que a escola deva primeiro ensinar a escrever e só
depois ensinar a ler, pois reconhecemos a alfabetização como “[...] uma prática social
em que se desenvolve a formação da consciência crítica, as capacidades de produção de
textos orais e escritos, de leitura e de compreensão das relações entre sons e letras”. Isso
significa dizer que o ensino da leitura, na alfabetização, deve se efetuar de forma
integrada, articulando aprendizagem da linguagem escrita com a inserção do indivíduo
em práticas de leitura e de produção de texto. (GONTIJO, 2006, p. 8).
Nessa perspectiva, o ensino da leitura deve ser encarado como uma atividade
55
Como o aluno pode apropriar-se da produção humana? Ele vai ter que
‘recriar’ o mundo? E, também, como poderá humanizar-se? [...] o
processo de humanização se dá por meio da apropriação das
objetivações humanas, entretanto, como se apropriar dessas
objetivações, se o que interessa não é o conteúdo, mas sim a forma de
56
Considerações finais
Referências
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1999.
______. Jean Piaget. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (coleção Os Pensadores).
SAVIANI, D. Pedagogia histórico crítica: primeiras aproximações. 10. ed. Campinas: Autores
Associados, 2008.
César Augusto Rodrigues (UNIMEP)1
Introdução
O presente artigo tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre um dos
fundamentos cruciais da Pedagogia histórico-crítica: a educação como “uma atividade
mediadora no seio da prática social global”. Entendemos que educação escolar é por
excelência socialização do conhecimento. No entanto, qual o significado dessa
socialização? (SAVIANI, 1996, p. 131).
Para responder a essa questão, veremos, no primeiro momento, o caráter da
dependência ontológica da educação em relação ao trabalho e, em seguida, a forma
como ocorre a cisão na unidade entre trabalho e educação a partir do surgimento e
desenvolvimento das sociedades divididas em classes e suas contradições decorrentes.
Partindo do pressuposto de que as relações sociais que compõem a prática social
sob a ordem da sociedade capitalista estão permeadas por interesses de classes, o artigo
1
Doutorando em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, São Paulo, Brasil. E-mail:
augrogues@gmail.com
61
2
Título de um dos livros do intelectual liberal Milton Friedman.
65
Podemos afirmar, então, baseado nos preceitos acima, que a consciência não está
na relação imediata. As ações de outros conferem sentido à ação do indivíduo e a ação
do indivíduo justifica as ações dos demais. De outro modo, as ações individuais só
tomam significado nas ações coletivas. A consciência, portanto, é a reflexão que
permite estabelecer a relação entre o motivo objetivo da relação entre os indivíduos e o
seu objeto. Por essa razão, não por acaso, tomamos a figura do professor – qualquer
outro profissional caberia como exemplo – para exemplificar a questão da atividade
humana, por ele se constituir como um trabalhador cujo trabalho, segundo Saviani
(2000), está inserido na categoria de “trabalho não-material” e o produto de sua
atividade não se separa do ato de produção.
Aqui entra a importância da categoria mediação, pois é um conceito-chave para
entender a educação escolar como processo para a apropriação das propriedades
culturais desenvolvidas historicamente pela humanidade. Antes, vale ressaltar que a
Pedagogia histórico-crítica concebe a escola como
67
É por isso que esse relacionar, no caso da educação escolar, sob o ponto de vista
da pedagogia histórico-crítica é processo pedagógico, ou seja, encontro entre desiguais.
O outro não pode ser um igual do ponto de vista do conhecimento, pois não se discute
aqui conhecimento espontâneo. Segundo Saviani (2013, p. 69), “[...] a educação supõe a
desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de chegada” e, nesse caso, o
professor é fundamental no processo de formação de conceitos – fator também
primordial para o desenvolvimento das FPS –, pois é impossível ao ser humano atingir a
consciência sem o pensamento em conceitos. Isso não significa que a pedagogia
histórico-crítica conceba a criança como um ser passivo nesse processo, nem muito
menos como tábula rasa; pois, ao contrário, por seu método prever a vinculação entre
educação e sociedade, “[...] professor e alunos são tomados como agentes sociais”.
(SAVIANI, 2012, p. 63).
E qual é a razão para afirmar a necessidade desse “encontro entre desiguais” na
educação escolar? A resposta está na base teórica que sustenta a pedagogia histórico-
crítica. Facci (2006, p. 129-130) explica que para a psicologia histórico-cultural, a raiz
do desenvolvimento dos processos que possivelmente darão lugar à formação dos
conceitos está na primeira infância e, conforme se desenvolve, a criança se apropria dos
instrumentos e dos mediadores culturais, desenvolvendo-se plenamente na adolescência,
sendo que este desenvolvimento ocorre sob a influência dos adultos e da participação da
linguagem reorganizando a estrutura das funções psicológicas necessária para a
formação de conceitos. A mediação da palavra e dos signos é fundamental no processo
de formação de conceitos que “[...] pressupõe a aprendizagem do domínio do curso dos
processos psíquicos próprios”. Nesse caso, segundo a autora, o contexto cultural é
fornecedor dos significados das palavras e ao adquirir conceitos, vários significados se
relacionam. Assim, todo conceito é resultado de uma generalização, pois parte de
generalizações elementares, é substituído por generalizações mais complexas e culmina
em conceitos verdadeiros.
Essas estruturas de generalizações determinam a equivalência dos conceitos.
Facci (2006, p. 132) sustenta, com base na abordagem histórico-cultural, que a
organização dessas estruturas conduz o indivíduo a reorganizar e a transformar a
estrutura de todos os conceitos anteriores e, a partir da internalização de novos
conceitos, mobiliza-se a reelaboração de vários conhecimentos uma vez apropriados,
69
Conclusão
pela socialização dos meios de produção, a classe trabalhadora deve lutar pela
socialização dos conhecimentos; pois, embora não seja garantida pela história a
afirmação de que o conhecimento é imprescindível para a tomada de consciência
revolucionária, não parece razoável abdicar-se dele. Até porque nenhuma teoria
revolucionária se abstém desses conhecimentos, pelo contrário. E se é essa teoria que
interessa ao conjunto dos trabalhadores, ela só pode ser apropriada e produzida por
indivíduos que se apropriaram de conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos,
conforme defende a pedagogia histórico-crítica.
Por fim, o que evidenciamos nessa investigação como ponto de chegada e, ao
mesmo tempo, como ponto de partida é a seguinte consideração: se a tomada de
consciência dos indivíduos é indispensável para a transformação social, a consciência
precisa ser formada sobre uma base que objetivamente tenha condições de recepcionar
uma teoria social da transformação. Essa base objetiva é justamente a apropriação do
patrimônio genérico do ser social produzido por homens e mulheres ao longo da história
humana e que está contido, de certa forma, nos conteúdos escolares, independentemente
da forma social vigente.
Nesse caso, há que se levar em conta a contradição. O surgimento dos partidos
de massa dos trabalhadores no século XIX, por exemplo, é uma contradição da própria
democracia burguesa. Os partidos não eram e não são fins em si mesmos, mas foram e
ainda são meios importantes na luta do proletariado. A educação escolar, por sua vez,
também se constitui como um meio importante nesta luta, ademais, a educação escolar
possui contradições que emanam do seu próprio sistema de ensino. A revolução
certamente não é papel da escola. Essa é uma competência ontológica da classe
trabalhadora; contudo, por mais que a escola seja uma instituição essencialmente
burguesa, isso não impossibilita a ação transformadora dentro da escola; se não para
transformá-la, ao menos para transformar as pessoas dentro dela, contanto que a pauta
coletiva seja conhecer para transformar.
Isso denota restabelecer conexões entre as diversas lutas. Não se contentar
apenas com a particularidade das questões mais imediatas dos ambientes diários ou,
ainda, limitar-se a pautas pragmáticas e imediatistas de cada grupo ou dimensão da vida
social, por meio de lutas isoladas por mais reconhecimento, por mais direitos ou por
mais inclusão social. Conhecer para transformar significa ter no horizonte a
emancipação humana, consequente da superação da ordem do capital, isto é, das classes
72
Referências
DERMEVAL SAVIANI:
O PRECURSOR DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
Introdução
1
Pedagoga, mestre em educação, integrante do Grupo Estudos e Pesquisas História, Sociedade e
Educação no Brasil – GT da Região Oeste do Paraná (HISTEDOPR), da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (UNIOESTE), campus de Cascavel, Paraná, Brasil. E-mail: sandratonidandel312@gmail.com.
74
2
Dados conforme currículo lattes do autor. Cf.: SAVIANI, D. Currículo Lattes. In: PLATAFORMA
LATTES. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780404P8>.
Com acesso em maio 2016.
3
Cf.: SEMINÁRIO DERMEVAL SAVIANI E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: CONSTRUÇÃO
COLETIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA. Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, Espírito Santo. 18 a 20 out. 2016. Disponível em:<
http://ocs.ifes.edu.br/index.php/seminario_demervalsaviani/50anos>. Com acesso em: jun. 2016.
75
6
Exemplos desses “textos de apoio” figuram nas referências: SAVIANI, D. O fundamento da atividade
sistematizadora. In:______.Educação brasileira: estrutura e sistema. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p.
30-65;______. A filosofia na formação do educador. Didata. n. 1, jan. 1975; ______ Valores e objetivos
na educação. Didata, São Paulo: Arlete D´Antola, n. 6, p. 44-49, 1977.
7
Posteriormente denominado Colégio Estadual Professor Ataliba de Oliveira.
78
9
Em 1973, pela Editora Saraiva, a tese foi publicada em livro com o título Educação brasileira: estrutura
e sistema, cujo livro encontra-se atualmente na 11ª edição, publicado em 2012.
80
10
Antigo Instituto Educacional Piracicabano de São Paulo.
11
Na PUC, Joel Martins coordenou o Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia da Educação,
cuja equipe promoveu a organização da Pós-Graduação desta instituição. Figuraram neste grupo, além de
Saviani, Newton Aquiles Von Zuben, Geraldo Tonaco e Antônio Joaquim Severino. Segundo Saviani
(2002a, 2005), além da influência dos professores formados na PUC que passaram a atuar em diferentes
Universidades, aquela equipe passou a atuar diretamente na organização da Pós-Graduação em outras
instituições.
81
12
As minúcias e contradições deste contexto social, quando o ME constatam a insuficiência da política
educacional do regime militar, refutaram as Pedagogias vigentes, impuseram sua autoridade na direção
dos problemas educacionais, do que desembocou na sistematização da PHC ao longo da década de 1980,
podem ser consultadas em: TONIDANDEL, S. Pedagogia Histórico-Crítica: o processo de construção e o
perfil do “Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná” (1980-1994). 223 f. 2014.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2014.
Disponível em: <http://www.unioeste.br/pos/educacao/>. Com acesso em jun. 2016.
82
[...] em lugar de gastar papel e tinta criticando esses autores, por essas
supostas insuficiências, eu optei por me apoiar em seus elementos
indiciários, apoiar naquelas pistas que eles davam com os estudos dos
clássicos do marxismo e principalmente no seu percurso por esses
clássicos para procurar elaborar a teoria de que sentia necessidade.
(SAVIANI, 2011d).
[...] implica não somente assumir seu caráter científico, seu poder
esclarecedor da realidade, implica também assumir uma concepção
geral da vida, do homem e do mundo. A ciência do marxismo não é
somente reveladora da realidade, é também uma ciência que busca –
expressamente – a transformação da realidade (SAVIANI, 1988, p.
131).
16
Com o título “Educação e contradição”, foi publicada em 1985, pelas Editoras Cortez e Autores
Associados.
87
Conclusão
Referências
DUARTE, N. Elementos para uma ontologia da educação na obra de Dermeval Saviani. In:
SILVA JÚNIOR, C. A. (Org.). Dermeval Saviani e a educação brasileira: o simpósio de
Marília. São Paulo: Cortez, 1994. Fundamentação teórica, p. 129-149.
88
MELLO, G. N.; VELLOSO, J. R.; CUNHA, L. A. et. al. Apresentação. In: CBE – I
CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 1980, São Paulo. Anais da 1ª Conferência
Brasileira de educação, São Paulo: Cortez, set., 1981. p. 1-2.
POPPOVIC, A. M. Enfrentando o fracasso escolar. ANDE, São Paulo, São Paulo, ano 1, n. 2, p.
17-21, 1981.
REIS FILHO, C. Depoimento. ANDE, Perdizes, São Paulo, ano 4, n. 8, p. 36-39, 1984.
Entrevista concedida a Cléa Nudelman.
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Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, Educação e marginalidade na América Latina, São Paulo,
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. Escola e democracia: para além da “teoria da curvatura da vara”. ANDE, São Paulo, São
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. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação
política. 1. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1983a. Coleção Polêmicas do nosso
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89
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Entrevista concedida à Portal da Fundação Maurício Grabois. Disponível em:
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MARSIGLIA, A. C. G. (Org.). et. al.. Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Campinas, São
Paulo: Autores Associados, 2011b. Coleção Memória da Educação. p. 197-225.
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.Pressupostos e fundamentação teórica da pedagogia histórico-crítica. In:
VIDEOCONFERÊNCIA SEMINÁRIO PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E
MOVIMENTOS SOCIAIS. FE 192, Turma A – Seminário III. Grupo de Estudos e Pesquisas
História, Sociedade e Educação no Brasil – HISTEDBR. Aula 03. 17 ago. 2011c. Disponível em
<http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/NO2ND83USGO3/>. Com acesso em jun. 2014.
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e ontologia. V ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO – V EBEM.
Marxismo, educação e emancipação humana. Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, Santa Catarina. 14 abr. 2011d. Disponível em:
<http://www.5ebem.ufsc.br/programacao.php>. Com acesso em jun. 2014.
______
. Especialista em filosofia da educação fala sobre os dilemas da universidade
contemporânea. Agência de Notícias UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Não paginado.
09 out. 2012. Entrevista concedida à Agência de Notícias UFSM. Disponível
em:<http://200.18.45.28/sites/noticias_ufsm/exibir_noticia.php?id=4836>. Com acesso em jun.
2016.
Resumo: O artigo objetiva refletir sobre a mediação do trabalho e da filosofia por meio das
contribuições da filosofia da práxis para a formação humana e para filosofia. Nesse sentido,
buscamos embasamento, princiapalmente, em Karl Marx (1818-1883), Antônio Gramsci (1891-
1937) e Paulo Freire (1921-1997), situando a filosofia da práxis como atividade prático-teórica
formadora do ser social. Filosofia que entendemos ser meio de transformação e superação da
dimensão alienante do trabalho imposta pela sociedade capitalista. Por isso, é necessário
conhecer a realidade e agir de tal forma que a realidade social e pessoal seja transformada na
perspectiva de uma sociedade emancipada e de um ser humano humanizado. A relação entre
práxis, trabalho e filosofia não permite que esta se perca em abstrações metafísicas ou no
intimismo.
Introdução
1 1
Douglas Christian Ferrari de Melo. Doutor em educação no Programa de Pós-graduação em Educação pela Ufes.
Possui graduação (2003), especialização (2004) e mestrado (2007) em História pela mesma universidade.
Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo, Brasil. E-mail: dochris.ferrari@gmail.com
2
Eliesér Toretta Zen. Licenciado em filosofia pela PUC/MG. Mestre e doutorando em educação pelo Programa de
Pós-graduação em Educação pela Ufes. Professor efetivo de filosofia do instituto federal do espírito santo (Ifes).
Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo, Brasil. E-mail: elieserzen@hotmail.com
91
Para Freire (1987), a formação humana do ser individual precisa estar situada
dentro do vir-a-ser histórico-social, pois é somente nessa tessitura histórica e social que
o ser do oprimido pode desenvolver-se enquanto um ser social. Portanto, para Duarte
92
(1993) e Freire (1987), o caráter contraditório das relações sociais capitalistas tem
gerado tanto a possibilidade histórica de humanização como o seu oposto, a
desumanização. Desse modo, um processo educativo que possibilite o pensar crítico
frente aos problemas vivenciados em nossa realidade social, econômica e política verá
que:
Decerto, o indivíduo para se realizar, ou seja, para tse ornar propriamente ser
humano, superando e não suprimindo sua dimensão animal, precisa se objetivar na
natureza, transformando-a por meio do trabalho, adequando-a às suas necessidades
vitais, tanto as materiais como as imateriais. Desse modo, o ser humano não pode se
desenvolver, se humanizar sem se objetivar e se apropriar da natureza, transformando-a
e adequando-a às suas necessidades vitais. No entanto, nas relações sociais regidas pelo
sistema do capital, em que as objetivações humanas (Estado, cultura, arte, filosofia,
ciência, escola) estão privatizadas e não coletivizadas, ocorre concretamente o processo
de alienação (dominação) e a negação de sua vocação ontológica de ser mais, de fazer-
se humano.
Destarte, para a filosofia da práxis a formação do indivíduo (ser animal) em ser
humano se dá por um duplo processo. Em um primeiro momento pela relação com o
coletivo, isto é, a apropriação das características humanas objetivadas pela humanidade
em seu percurso histórico-social e ao mesmo tempo, pela apropriação individual que
cada um de forma singular faz das objetivações produzidas coletivamente pelo gênero
humano. Duarte (1993) faz uma distinção entre espécie humana e gênero humano que é
fundamental para pensarmos sobre o processo contraditório de formação humana no
interior das relações sociais capitalistas. Assim diz:
um ser humano. Isso significa que não é a espécie que contém essas
características, não é na espécie que as características humanas
possuem uma existência objetiva. A objetividade das características
humanas historicamente formadas constitui o gênero humano. A
categoria gênero humano não se reduz àquilo que é comum a todos os
seres humanos, não é uma mera generalização de características
empiricamente verificáveis em todo e qualquer ser humano. Gênero
humano é uma categoria que expressa a síntese, em cada momento
histórico, de toda a objetivação humana, uma objetivação genérica.
(DUARTE, 1993, p.18).
Dessa forma, podemos afirmar que para se formar enquanto ser genérico, um ser
natural-humano, o indivíduo tem se objetivar e apropriar-se enquanto ser social, mas
essa sociabilidade, sendo formada no interior das relações sociais capitalistas, não
possibilita o seu processo de humanização e sim sua alienação enquanto indivíduo e
enquanto gênero humano. Em O Capital (vol.1), Marx desenvolve uma compreensão
ontológica que nos ajuda a distinguir o ser humano dos demais animais por meio do
trabalho:
Assim, entender o trabalho como atividade vital humana significa que para
realizar o seu ser os seres humanos não podem prescindir dele, sendo ele (trabalho),
portanto, uma dimensão fundamental no processo de formação humana do ser genérico.
Nessa perspectiva, vejamos o que nos diz Marx (2002, p.116-117):
dimensão sócio-cultural pelo lugar e utilidade que os mesmos ocupam ou ocuparão nas
relações e práticas sociais. Mas ao longo da história humana e mais especificamente
com o surgimento da propriedade privada e da divisão social do trabalho os produtos da
atividade vital humana, passaram a ser propriedade de uma única classe,
impossibilitando a socialização e apropriação universal dos bens produzidos pelo ser
humano. Desse modo, o trabalho se transmutou em meio de alienação humana. A
compreensão dessa questão nos remete novamente a Marx (2002, p.113):
humano estão alienados, embrutecidos pelo modo ter de existência. A alienação dos
sentidos humanos não possibilita o desenvolvimento do ser humano em sua totalidade e
sua humanização enquanto ser particular e genérico.
Assim, ao analisar a questão da alienação como constitutiva das relações sociais
capitalistas, Gramsci (1978) afirma que essas relações ao mesmo tempo dificultam e
potencializam o desenvolvimento dos sentidos materiais e imateriais do ser humano em
sua plenitude. Desse modo, se por um lado a sociabilidade do capital, por meio da
apropriação privada unilateral da riqueza produzida coletivamente, exclui imensa
parcela dos seres humanos do acesso aos bens que são indispensáveis à reprodução
biológica e cultural do gênero humano; contraditoriamente, as classes trabalhadoras, por
meio de uma vontade coletiva podem organizar-se para conquistar a hegemonia
enquanto classe dirigente dispondo as relações sociais a serviço da formação
omnilateral do ser humano. Dessa forma, a possibilidade:
desigualdad em los países em desarollho" (2012) apenas um (1%) dos ricos detém 40%
por cento de toda a riqueza produzida no mundo; enquanto que os 40% mais pobres tem
apenas 1% do total da riqueza produzida pela humanidade.
Na perspectiva crítica das relações sociais geridas pelo capital, Fromm
(1977) observa que a sociedade industrial, capitalista, busca desenvolver nas pessoas o
modo ter de existência. Esse modo caracteriza-se pela ganância, pelo acúmulo de
riquezas, pelo consumismo, pela competição e pela supremacia do poder do dinheiro em
escala planetária sobre a vida humana e a natureza. A sociedade aquisitiva tem como
direitos intransferíveis do indivíduo adquirir, possuir e obter lucro. Dessa forma, pode-
se caracterizar o modo ter de existência como o modo de vida do próprio metabolismo
do capital. Com efeito,
Dessa forma, em sua concepção original de história, Freire (1993) nos ajuda a
pensar os limites e possibilidades da prática educativa dentro das relações sociais
99
capitalistas de contribuir para a formação humana em vista ao ser mais dos educandos.
Assim, faz a crítica à concepção de História como algo já dado, como fatalidade, na
qual o ser humano não tem nada a fazer a não ser aceitar o “destino”. Essa concepção de
História anula a possibilidade do ser humano de por meio de sua ação-reflexão ser
sujeito transformando-o em objeto. Também rejeita a concepção de história como se a
mesma caminhasse de forma mecânica e determinista para uma finalidade portando em
si mesma um sentido. A história é o horizonte aberto e fecundo de possibilidades do
fazer-se humano. A radicalidade e originalidade da concepção de História de Freire
contribuem para a compreensão dialética da formação humana e do ser humano como
ser de possibilidades de humanização/desumanização. Em síntese, o ser humano é a
unidade na diversidade das dimensões que o constitui como ser de busca de ser mais, de
humanizar-se a si, aos outros e ao mundo; e a educação, como um processo de formação
humana comprometido com o desenvolvimento e a integração dessas dimensões do
humano.
Como visto anteriormente o homem é um ser natural e enquanto tal não pode
viver sem a natureza. Também, é um ser de carecimento, pois necessita constantemente
manter um intercâmbio com a natureza externa (corpo inorgânico do homem) para
manter-se vivo. É por meio de sua atividade vital (o trabalho) que o homem transforma
a natureza exterior adequando-a à sua natureza. Nesse processo, tanto a natureza externa
se modifica pela ação consciente do homem, quanto a própria natureza humana se
humaniza. Essa relação do homem com a natureza é insuprimível, pois que:
própria vida material é que possibilitou que por meio do trabalho os seres humanos
transformassem a natureza adequando-a às suas necessidades e foi nesse intercâmbio
com a natureza que homens e mulheres inicialmente desenvolviam os saberes
fundamentais necessários a manutenção da vida individual e coletiva. (SAVIANI,
2012).
Em A ideologia alemã, Marx e Engels (2009) afirmam que podemos distinguir os
homens dos animais pela consciência, religião ou por qualquer outro atributo, educação,
por exemplo; mas os seres humanos se distinguem fundamentalmente dos animais à
medida que produzem seus meios de vida por meio do trabalho. Assim, Marx e Engels
(2009) resgatam a centralidade do trabalho como atividade ontológica formadora do
mundo humano e social. Desse modo, do ponto de vista da filosofia da práxis significa o
reconhecimento dessa relação prática do homem com o mundo e no conhecimento que o
homem tem do mundo e de si mesmo se dá por meio dessa relação prática.
Em consonância com a tese defendida por Marx de que a tarefa fundamental dos
filósofos consiste em transformar o mundo, podemos afirmar que o conhecimento é
parte constitutiva do processo de transformação prática, ou seja, para transformar a
realidade necessitamos conhecê-la. Desse modo, a teoria cumpre uma função prática
não por si mesma, pois as ideias por si só não operam nenhuma transformação, mas
tampouco a realidade pode ser transformada sem um arcabouço teórico. Dessa forma,
Considerações finais
Referências
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Tradução de Álvaro Pina, 1ª edição.
São Paulo: Expressão Popular, 2009.
Introdução
106
satisfazer suas necessidades físicas imediatas e nessa luta quase não há ou não há
nenhum espaço para a formação estética.
Diante dessa situação, Ferreira (2012) defende que a arte é uma necessidade
ontológica que está diretamente ligada ao processo histórico de autoformação da
humanidade e que nos termos de uma estética marxista não pode ser vista como
contemplação imparcial, desconectada do todo social, nem como apenas entretenimento.
Duarte (2009, p. 470) defende que: “Se a arte propiciar aos indivíduos uma
vivência subjetiva intensificada de conflitos que impulsionem a autoconsciência a níveis
cada vez mais elevados, ela desempenhará uma função formadora, isto é, educativa”.
Portanto, segundo o autor, a arte possui a função social4 de produzir a desfetichização
da realidade social e de fazer o receptor da obra artística deparar-se com o
questionamento acerca do próprio núcleo humano de sua individualidade. Segundo
Lukács (apud DUARTE, 2009, p. 471), a realidade expressa na obra de arte é sempre a
realidade humana, é sempre o mundo dos homens. O autor afirma que toda arte e
literatura de qualidade são humanistas, não por apenas estudarem o homem, mas
também por defenderem apaixonadamente a integridade humana do homem.
Ao afirmar que a literatura pode promover a catarse5 nos indivíduos que dela se
apropriam. Ferreira (2012) explicita que o termo catarse foi vastamente utilizado por
Aristóteles, em um sentido médico que significava purificação, purgação. Ele também
foi o primeiro a usar o termo para designar o fenômeno estético, no sentido de
libertação, serenidade que a poesia provocaria no homem. A autora esclarece que a
catarse é um momento de superação radical e sem retorno da visão de mundo que o
sujeito antes possuía, com consequências tanto para sua subjetividade como para suas
ações concretas, em suma, é a chegada a um estágio de plena consciência, a
antialienação. Também destaca, em consonância com a pedagogia histórico-crítica, que
a catarse é a expressão da ascensão da consciência a um nível superior de compreensão
da prática social. Sobre a arte, Duarte (2009, p. 473) afirma que esta pode provocar a
catarse estética no indivíduo. Nesse sentido, o autor explica que a arte:
4
Abrantes (2013) aponta três níveis de arte: Arte elitista, arte para as massas e arte social. A arte social é
a que estamos considerando, assim como o autor, como aquela que tem função desfetichizadora da
realidade.
5
O conceito de catarse vem sendo utilizado no platonismo, aristotelismo, na psicanálise e em outras áreas
de conhecimento, não sendo um conceito restrito ao campo da estética. Neste texto, tomaremos a catarse a
partir de seu entendimento estético e fundamentado no materialismo histórico-dialético. Para um
detalhamento sobre a origem e desenvolvimento mais amplo do conceito de catarse, confira Ferreira
(2012).
110
Assim, referindo-se à catarse que pode ser produzida pela literatura, Ferreira
(2012, p. 16) assinala que “[...] inserida no patrimônio histórico humano-genérico está a
literatura e que, como valioso legado cultural necessita ser socializada pelas vias da
educação escolar”. Segundo Ferreira (2012), a vivência estética e a atividade educativa
se assemelham; porém, como alerta Duarte (2008), nenhuma delas transforma
diretamente a sociedade nem diretamente a vida do indivíduo, mas podem exercer
influência direta tanto na transformação da sociedade como na vida dos seres humanos.
Ao defender a importância do ensino de literatura, Ferreira (2012) esclarece que
não é qualquer tipo de leitura que produz a catarse estética, pois nem toda leitura será
capaz de produzir o efeito de elevação acima da vida cotidiana. Segundo ela, esse
objetivo só pode ser alcançado pelo trabalho com os clássicos, pois estes não dizem
respeito a tempo ou território. Nesse sentido, Calvino (1993) advoga que um livro
clássico exerce influência particular, impondo-se como inesquecível; é aquele que
persiste no tempo, “nas dobras da memória”, sempre precisando ser relido.
A compreensão de clássico literário é de extrema importância para a seleção de
materiais que sejam adequados e de qualidade, que possam ser trabalhados na sala de
aula e que proporcionem aos alunos a possibilidade de produzir esse salto cognitivo
para além de sua vida cotidiana. Eleger tais materiais não é uma tarefa fácil e nem deve
ser feita individualmente; pois, segundo Ferreira (2013) a alienação e a emancipação
estão contidas no conteúdo escolar, já que esses conteúdos surgem da história. Ter
consciência disso é um grande passo na luta contra as pedagogias hegemônicas.
Conforme Abrantes (2011), a literatura cumpre papel formativo na existência
individual, pois representa o mundo, coloca problemas, revela injustiças, explicita a
atividade humana e suas principais contradições. Desse modo, o autor afirma que a
literatura apresenta-se como força que interfere na vida, na medida em que atua
111
6
Ainda que o autor esteja se referindo especificamente sobre a educação infantil, podemos tomar suas
observações para além desse segmento.
112
necessidade não lhes foi motivada em seu interior. Diante disso, entende-se que é papel
da escola criar a necessidade da arte na vida dos indivíduos.
Abrantes (2011) ressalta ainda que a literatura infantil é uma arte literária e
como tal deve apresentar textos de valor literário às crianças, pois o fato de ser um
material destinado ao público infantil não justifica a aceitação de produtos de menor
qualidade.
Considerações finais
O estudo dos clássicos é de extrema importância, já que esses trazem aquilo que
se estabeleceu como primordial para a formação do intelecto humano e que cabe à
escola o papel de transmitir esses saberes que vão para além do senso comum. No que
diz respeito à literatura, entende-se que ela é um legado artístico humano, capaz de
promover a catarse estética nos indivíduos, fazendo-os avançar em conhecimento, desde
que os materiais utilizados sejam selecionados de forma criteriosa para que sejam
utilizados materiais de qualidade reconhecida.
Apontamos com essa pesquisa que a pedagogia histórico-crítica, como
fundamento teórico para a prática docente, contribui diretamente no trabalho do
professor, conscientizando-o e auxiliando-o em seu papel de transmissor de
conhecimento. Tal corrente teórica valoriza o trabalho docente, destacando a escola
como espaço privilegiado para a socialização dos saberes já alcançados pela
humanidade, dentre os quais se encontra a literatura, que como forma artística humana é
capaz de produzir no sujeito avanços intelectuais que não seriam possíveis por outros
meios.
Em suma, esse trabalho nos permitiu a aproximação com a importância de se
trabalhar com textos clássicos e de qualidade reconhecida, para que os alunos tenham
contato com materiais que fujam à sua rotina, podendo, enfim, humanizar-se pela
aquisição desses conhecimentos.
Referências
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1993. p. 9-
16. Disponível em: <http://docente.ifrn.edu.br/marcelmatias/Disciplinas/orientacoes/por-que-
ler-os-classicos>. Acesso em: 21 abril 2015.
DUARTE, Newton. Luta de classes, educação e revolução. In: SAVIANI e DUARTE (Org.).
Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores
Associados, 2012, p. 149-165.
______. Arte e formação humana em Lukács e Vigotski. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED,
31., Caxambu, MG. Trabalhos GTs. Caxambu: Anped, 2008. Disponível em:
<http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT17-4026--Int.pdf.> Acesso em 18 abril
2015.
FERREIRA, Nathalia Botura de Paula. Catarse e literatura: uma análise com base na pedagogia
histórico-crítica. In: MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (Org.). Infância e pedagogia
histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2013, p. 197-212.
GOMES, Juliana Pereira Rageteles; MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão. Monteiro Lobato na
sala de aula: a pedagogia histórico-crítica e o ensino de leitura dos clássicos. In: CONGRESSO
INTERNACIONAL SOBRE A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL. Jornada do Núcleo de
Ensino de Marília, 11., 2012, Marília, SP. Anais... Marília, SP: UNESP, 2012b.
Resumo: O presente trabalho é fruto de uma pesquisa em fase inicial, voltada à elaboração de
dissertação de mestrado em educação. Apresentamos aqui uma reflexão inicial sobre a
perspectiva marxista de formação omnilateral e suas implicações para uma educação
verdadeiramente integral, que não se identifica automaticamente com educação em tempo
integral. A educação integral, ou omnilateral, refere-se à produção, nos alunos, de necessidades
relacionadas às mais ricas formas de objetivação do gênero humano, como a ciência, a arte e a
filosofia. Trata-se, portanto, da superação dos limites do pragmatismo cotidiano. Já a educação
em tempo integral refere-se à duração da jornada escolar diária que, no contexto educacional
brasileiro atual, tem caminhado na direção oposta a uma formação omnilateral, desfocando a
educação escolar da tarefa de socialização do saber sistematizado e ocupando o tempo de
permanência na escola com atividades limitadas às demandas do cotidiano capitalista alienado.
Introdução
1
Elaine Cristina Melo Duarte, Mestranda em educação, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil.
E-mail: elainecmduarte@outlook.com.br
2
Mara Regina Martins Jacomeli, Professora, Universidade Estadual de Campinas,. SP, Brasil. E-mail:
mararmj@unicamp.br
115
Segundo essa concepção de Marx, o ser humano, o homem rico é alguém que
tem a necessidade de se apropriar das objetivações do gênero humano nas suas formas
mais desenvolvidas. É nesse sentido que a escola deve produzir essa riqueza nos alunos,
116
não riqueza no sentido econômico tão idolatrada na sociedade capitalista, mas sim
riqueza plena de conteúdo.
A escola destinada às crianças da classe trabalhadora, na maioria das vezes,
limita-se a reproduzir necessidades imediatas da vida cotidiana, ao passo que a
pedagogia histórico-crítica defende a produção de necessidades que ultrapassem os
limites do pragmatismo cotidiano, fazendo com que haja a apropriação das objetivações
humanas como a arte, a ciência, a filosofia, levando o indivíduo uma formação integral,
omnilateral. Esclarece, porém, Duarte (2013, p. 215) que se faz necessário trabalhar
com uma contradição:
(...) é aquilo que resistiu ao tempo, tendo uma validade que extrapola
o momento em que foi formulado. Define-se, pois, pelas noções de
permanência e referência. Uma vez que, mesmo nascendo em
determinadas conjunturas históricas, capta questões nucleares que
dizem respeito à própria identidade do homem como um ser que se
desenvolve historicamente, o clássico permanece como referência para
as gerações seguintes que se empenham em se apropriar das
objetivações humanas produzidas ao longo do tempo. (SAVIANI;
DUARTE, 2012, p. 31)
Os clássicos precisam ser incorporados à escola de período integral, de forma
rica e sistematizada. A arte, a filosofia, a ciência têm grande riqueza e valor na história
humana, precisam ser transmitidas para as novas gerações por meio da educação
escolar. A educação integral deve articular uma formação completa em todas as
dimensões, contribuindo para o desenvolvimento físico e psíquico dos educandos.
Considerações Finais
A educação integral, para tornar-se efetiva e não ser mera ampliação do tempo
de permanência na escola, necessita ser articulada à pedagogia histórico-crítica e ao
marxismo, superando-se o risco da ampliação do tempo ocorrer de uma forma
desestruturada, sem foco na aquisição de conhecimento. Sabendo-se que a educação
participa na vida e no crescimento da sociedade, a escola tem por obrigação ensinar o
conhecimento humano na sua forma mais elevada.
A educação integral, a escola integral, portanto deve formar seres integrais de
modo pleno, ela precisa assumir uma proposta pedagógica que verdadeiramente
121
Referências
FRIGOTTO; CIAVATTA, Maria. Trabalho como princípio educativo. In: SALETE, R.;
PEREIRA, I.B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). Dicionário da educação do campo.
Rio de Janeiro:Escola Politécnica Joaquim Venâncio; São Paulo: Expressão Popular, p. 748-
759, 2012.
JACOMELI, Mara Regina Martins. Dos Estudos Sociais aos Temas transversais: uma
abordagem histórica dos fundamentos teóricos das políticas educacionais brasileiras
(1971-2000). Tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação da Universidade Estadual
de Campinas. Campinas:SP, 2004.
Resumo: A função social da escola foi se modificando conforme o contexto político, social e
econômico de cada época. Na contemporaneidade muitas funções são atribuídas à escola, e nem
sempre elas têm relação com os processos de ensino e aprendizagem ou com o ato de ensinar –
função precípua da escola. Vivenciamos a secundarização da importância da escola e do ato de
ensinar, e a escola não tem desempenhado sua função precípua, que na perspectiva da
Pedagogia Histórico-Crítica é garantir processos de ensino e aprendizagem humanizadores, ou
seja, a efetiva apropriação das objetivações humanas mais elaboradas. Neste sentido,
objetivamos apresentar a função social da escola em sua concretude e totalidade. Para tanto,
apresentaremos como a função da escola é entendida do comunismo primitivo ao
neoliberalismo. Em seguida, defenderemos a função social da escola a partir dos fundamentos
da Pedagogia Histórico-Crítica.
Introdução
123
[...] quer dizer, os trabalhadores têm que ter instrução, mas apenas
aquele mínimo necessário para participarem dessa sociedade, isto é,
da sociedade moderna baseada na indústria e na cidade, a fim de se
inserirem no processo de produção, concorrendo para seu
desenvolvimento. (SAVIANI, 2012b, p. 85).
126
suma, para manter a hegemonia a burguesia não pode socializar os meios de produção,
como o saber sistematizado pelo proletariado, por isso, temos uma educação escolar
pobre para pobres.
Desse modo, não preterimos que a escola possa ser considerada um aparelho
ideológico do Estado. Ela, ao assumir a função de reproduzir as relações materiais e
sociais de produção, além de atuar a serviço do mercado, transforma-se em uma fábrica
de mão-de-obra, exercendo a função de um expressivo aparelho ideológico. Existe todo
um processo para que o indivíduo se submeta às regras previamente estabelecidas e esse
processo ocorre por meio da transmissão de valores e comportamentos condizentes com
a ideologia dominante, e quem executa este papel é a escola, que não cria a divisão de
classes, entretanto, contribui para sua reprodução hegemônica (ALTHUSSER, 1998). O
indivíduo, consequentemente, aceita passivamente sua condição de classe, já que foi
educado para agir dessa maneira. Foi educado para não questionar, para não pensar e
não agir criticamente. Ele foi educado para ser útil, empregável, eficiente, se adaptando
e competindo a uma vaga no mercado de trabalho. “Porém, se a escola tem a sua
participação no processo de reprodução social, ela não é a única instituição responsável
por tal reprodução. A começar pelas questões macroeconômicas da qual fazem parte
outros fatores de ordem política, social e cultural”. (MOTTA, 2001, p. 84).
No entanto, não podemos nos restringir à análise unilateral dos crítico-
reprodutivistas, que acreditam que não há alternativas para a escola, sendo ela um braço
do Estado, e que, portanto, só lhe resta reproduzir as relações sociais dominantes. Ora,
se a escola pode exercer a função de reproduzir as relações hegemônicas do sistema
capitalista de produção, ela também pode e deve exercer a função contra-hegemônica,
formando os indivíduos para que apreendam as relações sociais em que estão inseridos,
de forma concreta, com vistas a transformar a sociedade:
132
A escola pode ser muito mais do que uma mera reprodutora das relações
hegemônicas da sociedade capitalista. Ela deve ser um meio, mesmo que inicial, de
libertação das relações de desigualdade do sistema vigente. A escola exercerá sua
função contra-hegemônica socializando, transmitindo os conteúdos do saber
sistematizado, instrumentalizando os indivíduos para que possam compreender os
fenômenos naturais e sociais a partir da consciência filosófica e não do senso comum.
Entretanto, isto não ocorrerá se os processos de ensino e aprendizagem se derem
pautados em conteúdos da vida cotidiana, sincréticos e de senso comum, sem ter como
núcleo do trabalho educativo os conteúdos que expressam os conceitos científicos, pois
Considerações Finais
O que devemos compreender é a função social da escola e como ela pode ser bem
desempenhada por meio de diversos recursos materiais e imateriais, como livros,
jogos, métodos, técnicas e recursos humanos (direção, coordenação e professores). O
professor exerce função imprescindível nos processos de ensino e aprendizagem, é o
seu trabalho que dá vivacidade e materialidade à ação pedagógica.
Questionamo-nos se seria suficiente ter os melhores recursos materiais (livros,
jogos, equipamentos tecnológicos e etc.) e a melhor infraestrutura (salas amplas,
número reduzido de alunos, entre outros) sem ter professores com formação
qualificada e com fundamentos teóricos e práticos para atuação docente.
O que devemos ter em mente que uma das condições para que a função social da
escola seja realmente efetivada é a superação das visões dicotômicas, unilaterais por
uma visão dialética dos processos de ensino e aprendizaem e que compreenda que na
educação escolar a tríade professor – aluno – conhecimento é indissolúvel.
Referências
CAMBI, F. (1999). História da pedagogia. São Paulo, SP: Fundação Editora da UNESP
(FEU).
SAVIANI, D. (2007). Educação: do senso comum à consciência filosófica. 17. ed. Campinas,
SP: Autores Associados, 2007.
______. (2009). Escola e democracia. 41. ed. Campinas, SP: Autores Associados.
______. (2012a). Debate sobre educação, formação humana e ontologia a partir da questão do
método dialético. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (Orgs.) Pedagogia histórico-crítica e luta
de classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, p. 121-147.
______. (2012b). Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. Campinas, SP:
Autores Associados.
Resumo: O objetivo deste trabalho é refletir sobre como a Educação Física e a pedagogia
histórico-crítica podem se articular para formar sujeitos que compreendam a realidade e possam
intervir na sociedade para transformá-la. Nesse sentido, far-se-á uma breve aproximação teórica
entre a pedagogia histórico-crítica e a teoria histórico-cultural, articulando com a Educação
Física e a abordagem crítico-superadora, para que possamos contribuir qualitativamente no
debate de uma Educação Física que vislumbre a formação humana.
1
Camila Castello Branco de Almeida Porto, Mestrado em Educação - UFF, Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, PR, Brasil. E-mail: camila.porto@ifpr.edu.br
138
Cabe ressaltar que os saberes que devem ser transmitidos aos alunos têm base
científica, ou seja, aqueles que não podem ser apropriados na vida cotidiana e que
servem de alicerce para compreensão da realidade. Nesse sentido,
Dessa forma, entendemos que a Educação Física deve escolher trabalhar com
os saberes sistematizados e acumulados historicamente no que tange a cultura corporal,
portanto, cabe a ela desenvolver na escola
E diante disso,
Sendo assim, o ponto de partida da PHC não poderia ser outro senão a prática
social, que se apresenta como as objetivações humanas enquanto resultado das relações
sociais em condições historicamente dadas.
precisam ser compreendidos e alterados da prática social, assim como identificar quais
conteúdos são essenciais para conhecê-la e alterá-la.
Por exemplo, no caso da Educação Física, as práticas sociais que estariam
ligadas à cultura corporal teriam as problematizações relacionadas ao modo como estas
práticas estão inseridas na sociedade atualmente e como o capital as tem incorporado e
influenciado, revelando o caráter contraditório de suas práticas.
Mas esse ponto de chegada não garante que a realidade irá se alterar, pois quem
altera a realidade são os próprios homens em condições historicamente dadas. Ou seja, o
que este ponto de chegada quer dizer é que os sujeitos já percebem a realidade em suas
múltiplas determinações e, que, portanto, está mais preparado para a luta pela superação
do modo de produção capitalista. Dessa forma,
Por fim, diante do que foi apresentado, esperamos ter contribuído para a defesa
da educação escolar como um lugar fundamental para a formação da classe trabalhadora
e, especificamente, da Educação Física enquanto uma disciplina cujo objetivo é
colaborar na compreensão e reflexão sobre a realidade, através da cultura corporal em
toda a sua multiplicidade de determinações históricas.
147
Referências
LAVOURA, Tiago N. Cultura corporal e tempo livre em áreas de Reforma agrária: notas
acerca da educação escolar e da emancipação humana. 2013. 352f. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, 2013. Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS-
97HHPT/tese_texto_final_tiago_nicola_lavoura.pdf?sequence=1>. Acesso em: 17 jul. 2014
______. O choque teórico da politecnia. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz/Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, v. 1, n. 1, p. 131-152,
2003.
1
Doutoranda – FE UNICAMP
2
Faculdade de Educação - UNICAMP
149
da herança cultural que é transmitida pelo processo educativo. Por esse motivo, a
categoria de objetivação é decisiva para a compreensão do desenvolvimento histórico e
cultural do ser humano na PHC.
Desse modo, os seres humanos, como produtos da cultura e da sociedade,
produzem também a cultura e a sociedade pela atividade humana. O trabalho educativo
significa exatamente defender que o ser humano pode formar as novas gerações e isto
implica em assumir um projeto que é político-ideológico-pedagógico-filosófico de
produzir nos indivíduos a humanidade produzida historicamente. E é nesse sentido que
precisamos analisar a educação escolar, situando-a no posicionamento em relação à
sociedade capitalista e, portanto, em relação à luta de classes, o que significa que não
podemos desconsiderar o fenômeno social da alienação que, no tocante à educação das
novas gerações, tem assumido na atualidade atitudes e posicionamentos ingênuos,
idealistas e acríticos em relação à herança cultural da humanidade.
O capitalismo foi fundamental para o desenvolvimento da humanidade, pois
possibilitou aos homens estabelecerem relações mundiais e superarem os limites da vida
local, porém pela via da universalização das relações de mercado, ou seja,
universalização da alienação, da produção da mercadoria e do valor de troca; fazendo do
dinheiro o representante universal da riqueza humana. Parafraseando Marx, nos
Grundrisse (2011): numa sociedade capitalista, o indivíduo é o que ele carrega no
bolso, ou seja, o seu dinheiro.
A PHC, por ser uma pedagogia contra-hegemônica, situa a educação escolar no
processo de transformação e superação da sociedade capitalista geradora de alienação.
A escola é o espaço de socialização do saber sistematizado. Não se trata de apropriação
privilegiada do saber sistematizado, ou seja, apropriação por poucos, como também não
se trata da socialização de qualquer tipo de saber, é a socialização das formas mais
desenvolvidas dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos que a humanidade
já produziu.
A visão negativista da escola como uma instituição essencialmente burguesa e,
por isso, fundamentalmente alienante, precisa ser combatida, pois essa postura tende a
desdobra-se na atitude negativa em relação à socialização do conhecimento e em relação
à importância do conhecimento acumulado para a prática social. Reforça ainda a noção
utilitarista do conhecimento com a mesma lógica da produção de mercadorias no
capitalismo contemporâneo. (DUARTE, 2011).
155
Para alcançarmos este patamar, são necessárias ações de caráter imediato, como
a valorização do magistério; e ações de caráter mediato, como, por exemplo, a
promoção de debates nas instituições de organização coletiva, como grêmios,
sindicatos, partidos, possibilitando assim uma reorganização da transição, entendida
como a superação do capitalismo com vistas à sociedade socialista rumo ao comunismo.
A PHC não pode ser apenas contra-hegemônica, mas também deve buscar sua
hegemonia, constituindo-se em força política capaz de transformar a sociedade.
Ao advogar o desenvolvimento das múltiplas capacidades humanas em busca de
sua emancipação, a PHC está, na realidade, defendendo o desenvolvimento pleno das
capacidades humanas, ou seja, a cognoscibilidade (inteligência), a sensibilidade
(música, dança, teatro, artes visuais e plásticas), a habilidade (esporte e formação
profissionalizante) e a sociabilidade (exercício político). A escola da atualidade tem
desenvolvido, de forma precária e sucateada, apenas uma faculdade humana (cognitivo),
com o objetivo restrito de inserção no mercado de trabalho em condições subalternas.
A partir dessas considerações, podemos concluir que, na perspectiva histórico-crítica, a
luta pela educação pública coincide com a luta pelo socialismo, pois socializando os
meios de produção, socializa-se o saber aos trabalhadores, o qual deixará de ser
propriedade privada para tornar-se propriedade coletiva, propriedade socializada. Isto
não é possível na sociedade capitalista e, portanto, é preciso superá-la.
Assim, quanto às possibilidades de implementação da PHC na educação pública,
é importante que tenhamos clareza que elas existem, porém estão condicionadas pela
situação objetiva, dependendo, fundamentalmente, da consciência dessa necessidade de
implementação assumida coletivamente e da decisão de efetivar esta intervenção.
Quanto às perspectivas de êxito, ainda que tenazmente buscadas; subjetivamente estarão
determinadas objetivamente pela correlação de forças na dura luta de classes que
compõem o cenário nacional e internacional da atualidade.
No entanto, não podemos perder o horizonte de que é pela militância na luta de
classes e luta contra o capital que devemos nos posicionar, tendo a PHC e o marxismo
como fundamento científico no processo de formação de professores. Parafraseando
Marx (1977), que as forças teóricas ganhem força material para a transformação!
Referências
-MARX, Karl. (1977). Introdução à critica a filosofia do direito de Hegel. Temas de Ciências
Humanas Vol. 2. São Paulo: Editorial Grijalbo.
- ______ (1996) O Capital: Crítica da Economia Política. Volume 1. Livro Primeiro. São
Paulo: Editora Nova Cultural.
Rosana Soares
Introdução
160
As produções que o autor aponta são parte do cenário cotidiano e afeta quem os
consome, incluindo os alunos que estão em nossa sala de aula e por isso, o lugar da Arte
na educação como parte desta realidade precisa ser problematizado. Tendo nossos
sentidos alterados, nossas relações sociais se tornam ainda mais conflituosas, e esses
conflitos se expandem para o espaço dimensionado da sala de aula afetando o processo
ensino/aprendizagem. É nessa espacialidade-temporal que ocorre na relação aluno e
Arte a mediação do professor no estudo da pintura, da escultura, do teatro, da música e
das demais manifestações artísticas. Há de se entender que construir uma educação
emancipadora em sala de aula significa derrubar barreiras múltiplas, questionar
ideologias e enfrentar desafios em todas as áreas de conhecimento.
Acredita-se que a aprendizagem que a Arte proporciona é um ganho existencial,
pois não tem a necessidade da materialização em forma de produto para o consumo.
Através do acesso aos códigos culturais, mas principalmente em seu conteúdo material
humano as obras de arte são as possibilidades concretas de resistência a sociedade de
consumo. Concorda-se com Fischer (2002) que, ao analisar o mundo capitalista na
161
relação entre arte e as massas, aponta que existe uma produção de narcóticos lucrativos
que modificam de forma perversa o conto de fadas e atinge nossa imaginação,
depravando-a. Somos vistos pelo capital como trogloditas, que devem ser saciados em
seus instintos bárbaros e até as imagens dos sonhos são comercializadas. O professor
como agente transformador assume as discussões em torno do papel da arte na
sociedade e da Arte na educação.
A relação dos sentidos humanos com a realidade objetiva revela a força livre do
homem criador e a obra de arte ligada a esta premissa. Mesmo sob a influência das
estruturas sociais, ele conserva a sua autonomia ainda que muitas vezes alienado de sua
potencialidade de lutar pelas transformações sociais.
Em seu livro Convite a Estética, Sánchez Vásquez (1999) defende uma estética
da vida e estuda a relação do sujeito e os objetos, sejam eles obras de arte ou ainda
objetos comuns que possuem elementos estéticos. Sem ignorar o caráter universal desta
relação, para o autor é em suas individualidades que os sujeitos mantêm uma relação
163
Significa que essa percepção foi além da sua aparência ao buscar o sentido dessa
experiência a partir de sua história pessoal, mas não se resumindo a ela, antes
identificando as marcas do sujeito histórico. As situações vividas na experiência estética
são revividas perante o objeto estético sensível em sua forma; ocorre uma identificação
do sujeito com o objeto estético em seu conteúdo.
Para os autores, a arte verdadeira está comprometida com a humanidade, e sua
estética revela essa legitimidade. É possível identificar na estética da obra de arte o
homem concreto e a sua vida em um contexto amplo de compreensões da condição
humana. A universalidade da obra de arte se revela neste potencial unificador dos
sujeitos. “A arte verdadeira, portanto, promove uma ruptura na fetichização por conta
do seu caráter humanizador: ao refletir de forma sensível o destino dos homens [...]”.
(FREDERICO, 2013, p.91).
A partir dessas considerações, funda-se a necessidade de desenvolver nossa
percepção para compreensão da obra de arte. No agitado e atarefado cotidiano, a
educação estética nas aulas de Arte que ignoram estas premissas, corre o risco constante
de se tornar dogmática ou ainda se fragmentar, diluir, tornar-se estéril “no
comportamento cotidiano com as coisas que nos rodeiam e que utilizamos, a redução
dos dados sensíveis é tão grande – dada a automatização perceptiva – que quase
desaparecem”. (SÁNCHEZ VÁSQUEZ, 1999, p. 143).
Do homem para o homem, se organiza o que se constitui a estética. A educação
e a arte fazem parte da sociedade, lugar do desenvolvimento humano, por isso é nossa
responsabilidade como educadores buscar responder as necessidades de uma educação
estética que promova a emancipação dos sujeitos. Para isso, temos a arte e seus objetos
dotados de qualidades estéticas; temos os sujeitos capazes para a relação estética; nos
resta como professores o cuidado para que situações estéticas permeiem os encontros de
Arte na educação gerando competências através dos saberes adquiridos. Defender uma
educação estética emancipadora, a partir dessa compreensão, é acreditar que ela faz
parte do processo de formação humana.
Tal afirmação movimentou a pesquisa de doutorado defendida em agosto de
2015 intitulada “A Educação Estética como possibilidade de Emancipação dos Sujeitos
no Ensino da Arte: desdobramentos e implicações”. Neste artigo apresento um pequeno
fragmento da tese onde aponto os pressupostos sobre educação estética revelando
limites e possibilidades existentes hoje ao se ensinar arte objetivando a emancipação
dos sujeitos.
165
5
Usaremos no texto o termo Arte em maiúsculo por se tratar da área curricular e estar de acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais. Quando no texto utilizarmos arte em letra minúscula, entende-se
como uma referência a obra de arte em suas múltiplas linguagens sem estar diretamente ligada a área
curricular, que compreende a ação pedagógica. Importante frisar que nos artigos analisados não existe tal
diferenciação
168
6
Em uma entrevista para a revista Contrapontos da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
7
Apenas 07 artigos apresentam de forma objetiva seus fundamentos filosóficos.
8
A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência
e produtividade, a Pedagogia Tecnicista advogou a reordenação do processo educativo de maneira a
torná-lo objetivo e operacional. Disponível em:
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_pedagogia_tecnicista.htm >
Acesso em 20 de abril de 2015, as 0946h. Destacou-se a influência do tecnicismo, mas também o ensino
da Arte sofreu influências da Pedagogia Tradicional e Escola Nova
169
do sujeito que a interpreta, e por isso a sensibilidade é um valor a ser cultivado. Sobre
fenomenologia e educação:
não produz somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”
(MARX e ENGELS, 2010, p. 137).
A escola se propõe a educar o homem e o educa. Educa para que? É preciso ter
respostas claras, saber os caminhos escolhidos e onde queremos chegar com nossa
prática pedagógica. A Arte adentra na escola e quer também educar o homem e o educa.
Educa pra que? É preciso ter consciência das intenções e dos valores do ato educacional
que operam na formação cultural que responde hoje, o ensino da Arte. Sobre a
legitimidade pedagógica da educação estética para a emancipação que as considerações
em torno da obra de arte como imanente ao homem social e histórico a partir de Lukács,
e, a escolha da pedagogia histórico-crítica representada por Saviani concebe um
caminho possível para a construção da educação estética para a emancipação. Os
desdobramentos e as implicações já estão aqui (parcialmente) revelados, espera-se que
possam atingir o maior número de professoras e professores para o profícuo diálogo
transformador.
Referências
FISCHER, Ernst, 1899 1972. A necessidade da arte.9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2002.
FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: o itinerário de Lukács. 1.ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2013
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Cultura, arte e literatura: textos escolhidos. Tradução de
Jose Paulo e Miguel Makoto Cavalcanti Yoshida. 1.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
______. Sobre a literatura e a arte. Coleçao Teoria n 7. Traduçao de Albano Lima. Lisboa:
Estampa, 1971. 239 p
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo . Convite à Estética. Tradução de Gilson Baptista soares. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
Resumo: Este texto tem como objetivo apresentar elementos para a discussão do planejamento
no trabalho docente. Para tanto, toma-se como base o conceito de trabalho em Marx, a discussão
sobre a teleologia do trabalho engendrada por Lukács e a concepção de trabalho educativo
defendida por Saviani. A partir da análise desses teóricos foi possível entender o planejamento
como uma parte essencial da atividade docente. Compreende-se o ensino como a razão de ser do
trabalho educativo. O pôr-teleológico da atividade vital humana faz do planejamento um
momento crucial que atua diretamente na qualidade da atividade de ensino. Entendendo que a
capacidade do ser humano de antecipação mental de sua ação tem, no trabalho docente, um
caráter não-cotidiano. Isso significa que o planejar docente tem uma complexidade muito maior
que de outras ações na esfera cotidiana da vida.
173
2 Trabalho educativo
De acordo com Leontiev (1978, p. 301), “[...] o homem não nasce dotado das
aquisições históricas da humanidade”. Mesmo diante da realidade do trabalho
estranhado descrito anteriormente, os processos de apropriação e objetivação não
deixam de acontecer. Nesse sentido, ainda que de forma estranhada, há produção e
reprodução da vida humana e, justamente por não nascer dotado das aquisições
históricas, o ser humano depende diretamente dos pares mais experientes para lhes
transmitir os conhecimentos produzidos pela humanidade.
A apropriação e objetivação da história humana dependem diretamente das
relações entre os seres. Em sentido lato, isso é o que perfaz o processo educativo. Sobre
isso, Leontiev (1978, p. 291) afirma que, “[...] o movimento da história só é, portanto,
176
possível com a transmissão, às novas gerações, das aquisições da cultura humana, isto é,
com educação”. Portanto, a educação é o trabalho cujo objetivo é proporcionar às
gerações mais novas, o contato com o patrimônio cultural produzido pela humanidade
até aquele momento histórico. Logo, a educação como trabalho é fundamento
ontológico para a existência da humanidade.
O modo de produção capitalista, independente de seus equívocos e nuanças
duvidosas, é o modo de produção da vida mais evoluído que a humanidade já
desenvolveu. A forma de transmissão dos saberes produzidos também se desenvolveu.
E a educação escolar legitimou-se como forma dominante de educação.
Saviani (1992) explica que o processo educativo presente desde a origem do ser
humano coincidia com o próprio ato de viver e foram as mudanças na organização
social que proporcionaram as progressivas diferenciações na educação até que o caráter
institucionalizado passasse a predominar. A escola
Ainda sim, não é possível deixar de considerar que as relações sociais e o ato de
viver produzam processos educativos. O trabalho educativo nesse sentido está imbuído
de cotidianidade. A vida cotidiana, segundo Agnes Heller (1992), é a vida de todos nós.
Todo indivíduo vive na cotidianidade desde seu nascimento. A vida cotidiana refere-se
àquelas ações espontâneas que realizamos a todo instante como, por exemplo, atravessar
a rua, regular a temperatura do ar condicionado, dirigir um carro, fazer compras, que
podem ou não acontecer diariamente. São momentos de nossa vida que não exigem uma
reflexão mais apurada, busca de teorizações para resolver tais questões, tomar tais
atitudes.
O caráter metódico e sistemático do saber do qual fala Saviani não está presente
na vida cotidiana; pois, para chegar ao patamar de saber elaborado, é preciso uma
relação diferenciada do ser humano com e na produção do saber. Com isso, o saber
apontado por Saviani como de responsabilidade da escola em socializá-lo não é
produzido na esfera cotidiana da vida, mas nas esferas não-cotidianas.
177
[…] não basta formar indivíduos, é preciso saber para que tipo de
sociedade, para que tipo de prática social o educador está formando os
indivíduos. [...] [a prática pedagógica] precisa ser intencionalmente
dirigida pelo educador desde o início do processo educativo.
(DUARTE, 1996, p. 51-52).
Diante dessa reflexão, concordamos com Della Fonte e Loureiro (2013, p. 117),
quando sinalizam que
Nesse sentido, o trabalho docente envolve essa relação, que não pode ser
desarticulada, pois a prioridade ontológica da prática sobre a teoria não deve ser
entendida com o abandono desta. A intenção da atividade docente, como é possível
perceber na articulação entre teoria e prática, está em constante relação com a realidade.
Não existe por teleológico, não há pensamento que não seja a partir da realidade
concreta. Entretanto, a capacidade de transformação a partir do trabalho cria a
possibilidade, o por vir, tanto da natureza quanto do ser humano. Como afirma Gramsci
(1987, p. 38), “[...] digamos, portanto, que o homem é um processo, precisamente o
processo de seus atos”.
Diante disso, o planejamento docente está constante e diretamente ligado à
realidade – o que é o ser humano – e à possibilidade – o vir a ser do humano. Assim,
182
retomamos mais uma vez a necessidade de conhecer a realidade para que possamos
efetivar sua transformação.
E o trabalho docente, como uma posição teleológica secundária, tem a
transformação da consciência de outros seres humanos como objetivo. Para tanto, ao
planejar o ato de ensino, o professor precisa ter consciência dessa possibilidade/
potencialidade de seu trabalho. Por seu turno, isso só é possível conhecendo bem a
realidade em que se encontra, para se reconhecer nela os germens de sua transformação.
Nesse sentido, o planejar docente se alimenta da tensão entre a realidade tal como é e o
horizonte de uma realidade transformada.
Considerações finais
4
A medida da interferência da cotidianidade no trabalho docente implica da relação pensamento empírico
e pensamento teórico discutido anteriormente.
183
acontece com o trabalho fabril. Barbosa (2009) cita dois elementos que compõem essa
diferença: o trabalho do professor tem certa autonomia e não produz diretamente mais-
valia; enquanto o trabalho fabril é totalmente mecânico e a produção de mais-valia é
direta. Nesse sentido, a partir de Basso (1998), Barbosa (2009, p. 51) afirma “[...] que o
controle do trabalho do professor se dá pela falta de qualificação profissional” e não
pela falta de autonomia na execução do seu trabalho. E ainda podemos pensar que a
autonomia na execução do trabalho do professor é exaurida pela falta de qualificação
em sua formação.
O fenômeno de intensificação do trabalho docente repercute no planejamento de
ensino-aprendizagem. Como um ato que aglutina a tensão e complementaridade entre
teoria e prática, causalidade e casualidade, realidade e possibilidade, esse planejamento
é esvaziado pela inflação de tarefas a serem cumpridas pelo docente, torna-se
pragmático e tem arrancado o seu caráter mediador entre teoria e prática, rende-se aos
improvisos e casualidades de ações individuais, não projeta a possibilidade de mudança,
apenas afirma o que já existe. Com isso, a complexidade do trabalho docente é
rebaixada ao nível de uma ação eminentemente cotidiana, espontânea, de reações
imediatas, não conscientes e fragmentadas.
Em tempos de neoliberalismo nos quais a flexibilidade, o “multifuncionalismo”
ou a “polivalência” são características indispensáveis ao trabalhador, “o artifício da
multivariedade de funções impostos ao professor que trabalhe com diferentes temas,
métodos e perspectivas, ou seja, uma ‘diversificação de habilidades’ impinge-lhe uma
desqualificação intelectual por meio da dependência cada vez maior do planejamento de
experts”. (BARBOSA, 2009, p. 49).
Referências
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
______. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a
educação política. 41. ed. revista. Campinas: Autores Associados, 2009.
SUMÁRIO (GT2)
Resumo: O trabalho que ora se apresenta presta-se a traçar algumas reflexões acerca da
influência do lema “Aprender a aprender” no campo do ensino da Língua Portuguesa e,
portanto, de Literatura, e suas implicações para o processo de desenvolvimento humano. O
artigo concentra-se na tese segundo a qual tal influência é um dos aspectos característicos das
concepções pós-modernas, cuja origem deve ser averiguada nas primeiras manifestações do
processo de decadência ideológica da burguesia, no século XIX.
Introdução
191
contribuir para a plena humanização do indivíduo. Acreditamos que uma dessas formas
seja o ensino de Literatura que, privilegiando o conhecimento clássico possa colaborar
de modo significativo para o desenvolvimento plenamente livre e universal do homem.
o padrão de norma lingüística a ser seguido, de modo que os livros didáticos daquela
época conservavam textos e fragmentos de autores considerados clássicos. A gramática
normativa apresentava suas regras e, para exemplificá-las, utilizavam-se também dos
clássicos. A relação entre a norma culta da língua e a linguagem literária clássica era
evidente, mas com promulgação da referida lei o ensino de gramática é questionado e
passa a ser minimizado. Dessa forma, o ensino da Língua Portuguesa vai se
desvencilhando da influência da literatura clássica e, consequentemente, o conteúdo
passa a ser esvaziado, fato que se agrava no decorrer das próximas décadas.
No referido documento, a alusão feita à Língua Portuguesa e à Literatura
Brasileira revela uma separação entre o ensino de gramática e o de literatura e a
exclusão do ensino de Literatura Portuguesa. Essa separação acentuou a tendência
marcada pelo espírito tecnicista de dividir conteúdos e professores de uma mesma
disciplina para especializar e, consequentemente, fragmentar o ensino.
A ditadura militar chega ao fim com o processo de redemocratização do país nos
anos de 1980, mas esse movimento de reabertura política vem acompanhado de
imposições mundiais, caracterizadas pela globalização da economia na perspectiva
neoliberal. Nessa mesma década, desponta com força a busca de teorias que não apenas
se apresentassem como alternativas à pedagogia oficial, mas que a ela se
contrapusessem. A despeito do clima propício à emergência das pedagogias contra-
hegemônicas na década de 1980, os resultados não foram animadores, pois as tentativas
de implantar políticas educativas de esquerda por parte de governos estaduais e
municipais foram frustrantes.
Segundo Saviani (SAVIANI, 2008a), na década de 1990, há a ascensão de
governos ditos neoliberais, são promovidas em diversos países reformas educativas
caracterizadas pelo neoconservadorismo e, dessa forma, o discurso e a prática
governamentais brasileiros reconstituem a aliança entre educação e desenvolvimento
econômico. Reformas educacionais são efetuadas conforme diretrizes de organismos
internacionais e com isso se dá a atualização do lema “Aprender a aprender”, o qual
influenciará sobremaneira o ensino de Língua Portuguesa e, logo, o de Literatura.
A lei 9394/96, publicada durante a ascensão dos governos neoliberais no Brasil,
faz referência também ao ensino de Português; mas, conforme atesta Cereja (2005), o
faz de modo muito vago e o lema “aprender a aprender” é expresso em seus artigos.
Para Cereja (2005), nesse documento, a ênfase quanto ao papel social das linguagens
recai na concepção segundo a qual a linguagem é um “meio de expressão, informação e
197
comunicação”. De acordo com o autor, no novo ensino preconizado por tal documento,
a história da literatura se desloca para segundo plano e o ensino de literatura se integra à
leitura de texto.
Tais documentos preconizam que o aluno deva ser o protagonista do processo de
aprendizagem e, assim, revelam sua relação com o lema “aprender a aprender” que, de
acordo com Duarte (2006), é a expressão da descaracterização do papel do professor
como alguém que detém um saber a ser transmitido aos alunos.
Outras características dos documentos mencionados que revelam seu
comprometimento com o lema “aprender a aprender” são a exclusão do ensino de
Literatura Portuguesa e o deslocamento da história da literatura para segundo plano,
relacionando o ensino de Literatura apenas à leitura de textos literários. Essas
características denotam o núcleo definidor do lema “aprender a aprender”: a negação do
ato de ensinar, o rebaixamento da transmissão do saber objetivo.
Em relação ao ensino de história de literatura, podemos dizer, como atesta
Saviani (2008b), que os conteúdos históricos sempre serão relevantes e determinantes,
porque é por meio deles que se apreende a perspectiva histórica, o modo de situar-se
historicamente. O conteúdo histórico no ensino de literatura pode contribuir
efetivamente para que o aluno tenha uma visão totalizadora do que antes era visto de
modo fragmentado.
Diante do exposto, acreditamos que os documentos abordados proclamam um
ensino de Língua Portuguesa e, portanto, de Literatura, cujo comprometimento não é
com a plena formação dos indivíduos e sim com a ideologia da classe dominante para
esvaziar a educação escolar destinada à maioria da população; pois tais documentos
estão pautados no lema “Aprender a aprender”.
Dessa forma, podemos atestar que, se o lema “Aprende a aprender” pauta as
atuais concepções de ensino de Língua Portuguesa, tal ensino vem carregando nas
últimas décadas a influência do ideário pós-moderno, sombra da decadência ideológica
burguesa do século XIX, marcadamente presente nos atuais parâmetros curriculares
nacionais.
É perante esse contexto que defendemos a necessidade de se pensar em um
ensino de Língua Portuguesa e, no caso do foco desse artigo, em um ensino de
Literatura que vá de encontro à ampla difusão das teorias epistemológicas, psicológicas
e pedagógicas de cunho construtivista, expressões, no campo educacional, da
decadência ideológica do pensamento burguês. É diante desse panorama que
198
seja, apresenta ao sujeito receptor situações nas quais decisivas experiências humanas
despontam intensificadas e configuradas de modo que consigam impelir o leitor a
compreender-se na totalidade do mundo, subjugar seu modo habitual de contemplar o
mundo, impor-lhe - por meio do efeito catártico - uma nova concepção de mundo que
lhe fortaleça a consciência de si e a sua responsabilidade em relação aos problemas da
esfera pública.
Lukács (1966) encara a catarse como um momento durante o qual o sujeito se vê
perante a necessidade de questionar sua visão da vida e de si mesmo e tal efeito se dá
pela obra de arte porque esta, pela sua universalidade, aproxima o homem do gênero
humano. A catarse, assim, é analisada como um processo de desenvolvimento do
indivíduo em direção a uma relação cada vez mais consciente com o gênero humano.
Dessa forma, podemos dizer que a literatura clássica é capaz de suscitar o efeito
catártico porque pode despertar nos sujeitos a consciência sensível de que a vida
individual e a vida do gênero são interdependentes, porque se dirige à condição do ser
humano, porque realiza uma crítica à vida e, portanto, porque é capaz de convocar o
leitor a descobrir os laços que unem sua vida à do gênero humano.
A literatura, forma de expressão artística, pode exercer um papel desfetichizador
na formação humana, portanto, pode contribuir de modo significativo para a construção
de uma pedagogia marxista que vise à humanização dos indivíduos. Defendemos,
portanto, que, no ensino de Literatura, deva estar presente a literatura clássica, pois
acreditamos que tal literatura seja capaz de provocar o efeito catártico no aluno, isto é,
capaz de mover a sua subjetividade individual rumo às formas mais ricas de
subjetividade já desenvolvidas pelo gênero humano.
sistematizado que precisa ser dosado e sequenciado de uma forma que o educando passe
gradativamente do seu não-domínio para o seu domínio.
A pedagogia histórico-crítica tem, entre outros objetivos, o propósito de lutar
pela valorização da transmissão do saber objetivo - as formas mais desenvolvidas e ricas
do conhecimento até aqui produzido pela humanidade - pela escola, pelo fortalecimento
da função da escola de proporcionar ao educando o acesso à verdade.
Apoiar-nos-emos, assim, na pedagogia histórico-crítica para pensarmos em um
ensino de literatura capaz de transmitir aos alunos o conhecimento artístico-literário em
suas formas mais desenvolvidas; para refletirmos sobre um ensino que proporcione ao
aluno momentos catárticos e elementos culturais necessários à sua formação como ser
humano.
Conforme afirmam Maria Luiza M. Abaurre e Marcela Pontara (2010), um dos
aspectos mais importantes do estudo da literatura é a análise de como os escritores
empregam a língua para sua criação artística; e, para efetivar tal estudo, podemos
focalizar as escolhas específicas (lexicais ou sintáticas, por exemplo) que caracterizam o
texto de um determinado autor ou de uma dada estética. Esse olhar evidenciará
relevantes aspectos do texto literário, mas propomos ainda ir além desse processo
analítico, ou seja, uma vez identificados os usos particulares da língua que definem um
movimento estético determinado (ou a obra de um autor específico), indagar que relação
os fatores extralinguísticos presentes naquele momento têm com tais escolhas.
Levantar informações sobre o público a que se destinam as obras produzidas em
um determinado momento histórico e reconhecer as características do contexto no qual
estavam inseridos os escritores faz com que sejam destacadas as forças que determinam
a eleição de algumas características estéticas que explicam determinados usos da
linguagem, que revelam as intenções dos diferentes projetos literários. Reconhecer
como a literatura descortina o passado e como nos permite identificar a visão de mundo
e o sistema de valores em distintos momentos dá significado ao ensino de literatura.
Devido ao fato de observarmos, frequentemente, no ensino de literatura, uma
grande preocupação em enfatizar o trabalho com a linguagem ou a discussão dos
valores estéticos dos textos literários, sem que o aluno seja convidado a reconhecer ou
analisar de que modo tais textos nos falam sobre seres humanos ou nos revelam a
humanidade de seus autores, apontamos a necessidade de enfatizar a importância do
ensino da história da literatura; pois é por meio desse conhecimento que o aluno
201
Consideracões finais
revolucionária após 1848 até hoje, momento de ápice da difusão do pensamento pós-
moderno, a expressão do plano teórico do processo de mundialização do capitalismo.
Analisamos a influêcnia da decadência ideológica e, portanto, do ideário pós-
moderno no pensamento pedagógico e educacional e concluímos que a emergência e a
difusão da pedagogia escolanovista e todas as suas variantes, ao longo do século XX,
são reflexos, no campo educacional, da decadência ideológica do pensamento burguês.
Argumentamos que as atuais concepções de ensino de Literatura são pautadas nos
princípios do pensamento pós-moderno, cuja origem, como já dissemos, deve ser
averiguada nas primeiras manifestações do processo de decadência ideológica da
burguesia, no século XVIII.
Dessa forma, concluímos que o atual ensino de Língua Portuguesa, pautado pelo
lema “Aprender a aprender”, reflete os instrumentos ideológicos da classe dominante
cujo propósito é esvaziar a educação escolar destinada à maioria da população e está
sintonizado com o universo ideológico pós-moderno, originário da referida decadência
ideológica.
Referências
CEREJA, W. R. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura.
São Paulo: Atual, 2005.
COUTINHO, Carlos Nelson. Literatura e humanismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
______. O estruturalismo e a miséria da razão. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
FREDERICO, Celso. Marx, Lukács: a arte na perspectiva ontológica. Natal: editora da UFRN,
2005.
HOBSBAWN, Eric. A era do capital. 21. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
______. Marxismo e teoria da literatura. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
204
NETTO, José Paulo. Posfácio. In: COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria
da razão. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
1
Lucas Monteiro Pereira, Mestrando em Educação para Ciência, Universidade Estadual Paulista, campus
Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: lucasmontp@gmail.com
2
Luciana Maria Lunardi Campos, Professora Assistente Doutora, Departamento de Educação,
Universidade Estadual Paulista, campus Botucatu, São Paulo, Brasil. E-mail: camposml@ibb.unesp.br
206
3
Com esse recorte, não pretendemos ignorar que a biologia evolutiva se desenvolveu para além da teoria
da seleção natural, em especial com as formulações do neodarwinismo, apenas apontamos a contribuição
fundamental da teoria darwinista para estruturação do pensamento evolutivo e, portanto, das ciências
biológicas. Carvalho, Nunes-Neto e El-Hani (2011, p. 81-86) detalham alguns dos conceitos que
permitiram essa contribuição, como o pensamento populacional e variacional, a ancestralidade comum e a
própria seleção natural.
207
208
209
210
Ainda há uma lacuna no que se refere a trabalhos com uma visão externalista de
ciência, porém, esta é outra questão ainda a ser analisada. O que podemos sintetizar
preliminarmente é que esta abordagem histórico-filosófica leva em conta a relação da
lógica das teorias evolutivas com o desenvolvimento histórico do gênero humano.
Ainda que tenha dificuldades para se consubstanciar em uma proposta didática por
conta da lacuna supracitada, esta abordagem permitirá entender a biologia evolutiva
como objetivação capaz de compreender concreta e racionalmente a natureza, os seres
vivos e suas mudanças ao longo do tempo. Em última instância, esta abordagem
representa um posicionamento mais claro no embate, bastante presente em relação a
este conteúdo, entre as concepções científica e religiosa sobre a realidade objetiva.
SANTOS, 2005).
211
Andrade (2014, p. 309) identificaram que esses professores “relatam uma série de
arranjos nos quais evitam ou contornam a suposta contradição entre criacionismo e
evolução”. Quanto ao respeito às crenças manifestadas em sala de aula, eles se dividem:
enquanto um grupo ensina exclusivamente a teoria evolutiva e não expõe suas crenças
pessoais, o outro aborda “o criacionismo com a intenção de oferecer diferentes pontos
de vista sobre o surgimento da vida e do universo”. OLIVEIRA; BIZZO, 2011).
Então, essa dicotomia pode assim ser expressa: ensinar somente a teoria
evolutiva ignorando outras alternativas de explicações do fenômeno ou ensinar as duas
ideias e deixar que os alunos escolham a que julgarem mais adequada. Para resolvê-la,
Castro e Leyser (2007) propõe a utilização do princípio ético-metodológico dos
Nonoverlapping Magisteria ou Magistérios Não-Interferentes (NOMA ou MNI),
cunhado por Stephen Jay Gould (1997), o qual será objeto de análise crítica a seguir.
Quanto à primeira possibilidade da dicotomia, os autores respondem
negativamente, afirmando que ignorar não só é pouco ético como dificulta a
aprendizagem de conceitos conflitantes com as concepções prévias dos alunos.
Consideramos, igualmente, esta alternativa impraticável, visto que o trabalho educativo
deve atuar justamente na superação dos conceitos cotidianos próprios da prática social
sincrética dos alunos que, no caso, estão associadas a crenças religiosas. Quanto à
segunda possibilidade, Castro e Leyser (2007, p. 10) fazem ressalvas. Eles não
acreditam que o professor de biologia deve ensinar como as religiões interpretam a
natureza, mas advogam que
212
estenderia a questões de significado e valor moral, de modo que o princípio valeria para
ambas as esferas:
É notável que, em um momento posterior, o autor afirma que sua posição moral
se baseia no “banho frio” dado pela ideia de que a natureza pode ser “cruel” e
“indiferente” e indica que essa posição é “[...] libertadora, não deprimente, porque nós
então nos tornamos livres para conduzir o discurso moral em nossos próprios termos”,
ou seja, para ele, uma posição moral tomada a partir das concepções científicas de
natureza pode ser libertadora, mas é aceitável que a religião dite questões morais para
quem se assusta por tais concepções. Nesse aspecto, mesmo que defenda o
conhecimento científico, o princípio NOMA pode conter certa inclinação ao relativismo
moral. (GOULD, 1997, s/p).
Nesse sentido, Dawkins (2007) critica, primeiramente, o pressuposto de que
existam conhecimentos que a religião e os teólogos podem realmente fornecer sobre um
assunto que a ciência não tenha possíveis respostas melhores. Segundo ele, isso não
significa que não existam perguntas que estejam fora do alcance da ciência ou que ela
tenha o direito de nos dar conselhos de valores morais, mas sim de que as contribuições
da religião a esses assuntos (a ela relegados por Gould) sejam ainda menores. Em
seguida, Dawkins (2007, p. 70-73) argumenta que a religião, por definição, se interpõe
em assuntos de natureza empírica e factual. A própria hipótese que Deus existe
213
Portanto, mesmo que não haja como ignorar as concepções prévias associadas a
crenças religiosas, não há como conciliar estas com o conhecimento científico a ser
transmitido em uma aula de biologia, porque ciência e religião possuem distintas
concepções sobre a natureza, a realidade e o mundo. Não é à toa que a história das
teorias evolutivas mostre uma série de conflitos com as instituições religiosas, o que
sugere que simplesmente uma outra conceituação de religião – tal como Gould (1997)
faz – não resolva esses conflitos.
Reconhecemos que Castro e Leyser (2007) defendem, ao fim do texto, que o
professor deve evidenciar que a ciência não somente possui uma explicação mais
poderosa sobre os fenômenos naturais, como dispõe da única forma possível de
explicação. Porém, apesar dessa conclusão com um posicionamento afirmativo quanto
ao conhecimento científico, indicamos que uma pedagogia de base marxista deve ir
além, deve responder negativamente às duas possibilidades da dicotomia com
argumentos fundamentalmente diferentes. Defendemos que não se justifica a adoção ou
aceitação do criacionismo (ou quaisquer outras interpretações da natureza derivadas ou
associadas às religiões) como um conhecimento escolar no ensino de biologia ou,
especificamente, no ensino de evolução biológica, com base em argumentos extraídos
do referencial assumido.
Essa defesa parte da tese de Duarte (2001, p. 2) de que o trabalho educativo deve
mediar a relação entre cotidiano e não-cotidiano na formação do indivíduo de modo a
promover necessidades que “ultrapassam a esfera da vida cotidiana (a esfera das
objetivações genéricas em-si) e situam-se nas esferas não-cotidianas da prática social
(as esferas das objetivações genéricas para-si)”, como a arte, a filosofia e a ciência. Para
o autor, entende-se que a apropriação de determinados conhecimentos pode estabelecer
uma relação consciente do indivíduo com as objetivações genéricas para-si.
Ressalta-se aqui que são determinados conhecimentos, porque não são todos que
podem estabelecer essa relação de modo que o aluno supere sua esfera da vida
cotidiana. Este é um atributo dos conhecimentos clássicos, por estes serem as formas
mais desenvolvidas do saber objetivo produzido historicamente, ou seja, pelo gênero
humano. (DUARTE, 2001; SAVIANI, 2013).
Sendo a religião um aspecto particular da esfera da vida cotidiana do indivíduo,
a apropriação de sua visão da natureza não estabelece uma relação consciente do aluno
214
[...] cabe ao educador assumir sim uma posição consciente quanto aos
rumos da prática social do educando [...]. Isso não significa pretender
anular o cotidiano do aluno, o que seria, por si só, impossível. O que
se pretende é que o aluno possa se relacionar conscientemente com
esse cotidiano, mediado pela apropriação dos conhecimentos
científicos.
215
216
não será simples nem espontâneo, porém requer a apropriação de conceitos científicos
para estabelecer uma relação consciente com o conhecimento biológico.
Considerações finais
217
Referências
DAWKINS, R. Deus, um delírio. Trad. Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
______. Educação escolar, teoria do cotidiano e a Escola de Vigotski. 3. ed. rev. e ampl.
Campinas, SP: Autores Associados, 2001.
LEVINS, R.; LEWONTIN, R. The dialectical biologist. Delhi: Aakar Books, 2009.
218
MARTINS, R. A. Introdução: a história das ciências e seus usos na educação. In: SILVA, C. C.
(Org.). Estudos de história e filosofia da ciência: subsídios para aplicação no ensino. São
Paulo: Ed. Livraria da Física, 2006. Intr., pp. XVI-XXX.
MEYER, D.; EL-HANI, C. N. Evolução: o sentido da biologia. São Paulo: Editora Unesp,
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______; ______. O que está em jogo no confronto entre criacionismo e evolução biológica.
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MOURA, B. A. O que é Natureza da Ciência e qual sua relação com a História e Filosofia da
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SAVIANI, D. Escola e democracia. 42. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas, SP:
Autores Associados, 2013.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
RESUMO: Trata-se de uma pesquisa em desenvolvimento que tem como objetivo estudar o
planejamento de ensino de 1980-2010. O mesmo sustenta-se na pedagogia histórico-crítica e em
seus fundamentos para justificar a importância desta prática no contexto da educação escolar
como atividade indispensável de uma docência que se compromete com uma educação contra a
sociedade capitalista e seus desdobramentos, e defenda uma prática humanizadora e
desalienante. Para isso, realizamos alguns apontamentos que a teoria apresenta neste sentido,
assim como um levantamento das pesquisas recentes em alguns portais de pesquisa em
educação, a fim de perceber em que medida a perspectiva e a temática do presente estudo tem
sido considerado relevante na educação brasileira contemporânea.
Introdução
220
221
Dessa forma, é inviável buscar clareza de determinado objeto sem ter a visão de
sua totalidade, isto é, ter a maior quantidade e qualidade de facetas do objeto para
alcançar a superação de sua aparência e atingir a sua essência, conforme se pode
observar com base no conjunto dos estudos de Marx. Uma visualização e um estudo da
totalidade não é uma dissecação de tudo ou sobre tudo, mas do todo do fenômeno, ou
222
223
assim, pode-se substituir uma visão caótica da realidade constituída de abstrações por
um sistema de conceitos e de determinações logicamente sistematizados”.
Nesse estudo, intenta-se essa clareza sobre o planejamento do ensino. Portanto,
apresentaremos a seguir algumas ideias sobre o tema com base na pedagogia histórico-
crítica, buscando dessa forma, esclarecer os principais apontamentos teóricos a respeito
desta temática.
224
[...] a natureza não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a
base biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens. (SAVIANI, 1992, p. 14, grifo nosso).
225
226
Por isso, para Saviani (2009), o trabalho docente na educação escolar não pode
ser secundarizado, uma vez que efetiva pedagogicamente a função da escola e deve ter
clareza dos pilares da mesma, considerando que esses dados foram constituídos
historicamente e não se estruturam a partir da realidade existente hoje, que privilegia um
e descarta o outro. O que precisa realmente ser feito é instrumentalizar todos os alunos
para que transformem sua prática social em práticas não alienadas, que lutem em favor
de toda a humanidade, assumindo uma pedagogia “[...] que se pretende a serviço dos
interesses populares”. (SAVIANI, 2009, p. 68).
Concordando com a pedagogia histórico-crítica, que reafirma o ensino
fundamentado nas características humanas de planejamento da ação, defendemos que a
escola deve ter uma finalidade, uma intencionalidade, um planejamento que possa de
fato organizar e sistematizar esse processo, encaminhando-se, assim, na contramão da
educação espontaneísta. Isso significa que deve existir no ato de planejar o ensino uma
preocupação não apenas com a seleção dos conteúdos, mas com as formas mais
adequadas de traduzir este conhecimento em saber escolar. Isto é, com a maneira de
desenvolver todo o processo educativo, como planejar o ensino de forma coerente com
o objetivo da escola (SAVIANI, 2009).
Nessa perspectiva, a educação escolar deve se preocupar com duas instâncias
que a compõe: o conteúdo a ser ministrado e sua forma (SAVIANI, 2009). Delas,
decorre uma terceira dimensão: a quem o ensino se destina. Considera-se então a faixa
etária, a prática social do destinatário, não para se deter nela, mas para transformá-la,
enriquecê-la. Para isso, é importante delimitar os objetivos a serem alcançados, os
conhecimentos e os meios para atingir tal finalidade, questionando o quê ensinar? Por
que ensinar? A quem ensinar? Como fazê-lo?
Considerando que os conhecimentos científicos estão presentes nos
conhecimentos empíricos, embora não aparentemente, e que a educação é uma
modalidade contida na prática social, mas que supera sua forma cotidiana e imediata
(sem mediação), Saviani sinaliza que o primeiro momento da prática educativa é a
identificação da prática social, comum a professores e alunos, porém com
posicionamentos diferentes (SAVIANI, 2009). O professor é, nesse contexto, o detentor
do conhecimento pedagógico e da forma de efetivá-lo para o aluno.
Para identificar a prática social é preciso problematizá-la, identificando a
instância da prática social que não se satisfaz em si mesma e que precisa da seleção de
determinados conhecimentos para ser compreendida. Ao reconhecer os problemas da
227
228
registros que por algum motivo não foram informados de forma completa à época de coleta dos dados.
Assim, em um primeiro momento, apenas os trabalhos defendidos em 2012 e 2011 estão disponíveis. Os
trabalhos defendidos em anos anteriores serão incluídos aos poucos”. Essa informação foi publicada em
25 de fevereiro de 2014. Disponível em: http://bancodeteses.capes.gov.br/noticia/view/id/1. Acesso em
14/03/2016.
229
QUANTIDADE
GRUPO ASSUNTOS MAIS
DE DISSERTAÇÃO TESE
TEMÁTICO CITADOS
TRABALHOS
Disciplinas
15 16 0
específicas
Alfabetização e
7 5 0
ensino fundamental
Planejamento
Prática docente /
curricular/ensino
formação de 4 3 1
professores
Ensino Superior 2 2 1
Outros 5 3 2
TOTAL 33 29 4
Quadro 2 – Relação de trabalhos de acordo com o grupo temático Planejamento curricular ou
de ensino Fonte: Portal da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações.
230
231
3
Portal da 32ª reunião da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisas em Educação. Disponível em
<http://32reuniao.anped.org.br/>.
Portal da 33ª reunião da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisas em Educação. Disponível em
<http://33reuniao.anped.org.br/ 35 ANPED>
Portal da 34ª reunião da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisas em Educação. Disponível em
<http://34reuniao.anped.org.br/ 35 ANPED>
Portal da 35ª reunião da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisas em Educação. Disponível em
<http://35reuniao.anped.org.br/ 35 ANPED>
Portal da 36ª reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Disponível em
<http://36reuniao.anped.org.br/ < Acesso em: 07 maio. 2015.
232
Conclusões preliminares
Ao longo das considerações realizadas durante este trabalho, foi possível notar
que o planejamento de ensino é também uma atividade de constituição humana, pois em
sua realização obtemos uma característica humana específica, a prévia ideação dos
resultados de nossas ações.
Sendo assim, sua necessidade e especificidade na educação escolar são
fundamentais para o desenvolvimento ideal do processo ensinoaprendizagem; isto
porque, nos certificamos a partir dos fundamentos da pedagogia histórico-crítica, que o
planejamento enriquece sobremaneira a atividade docente por pontuar e reafirmar a
função, especificidade e intencionalidade da escola e também, porque no contexto
educacional contemporâneo, combate propostas e ações neoliberais que ao invés de
fortalecer a formação e humanização de todos os sujeitos em suas máximas
possibilidades, reitera a consolidação da sociedade capitalista e, consequentemente,
dialoga com a precarização da produção da vida humana.
Pudemos tomar como evidência ainda que as práticas pedagógicas efetivadas na
contemporaneidade reiteram a hegemonia dos referenciais teóricos pós-modernos e seus
desdobramentos, qual seja o fortalecimento e permanência do capitalismo. Em
contrapartida, as poucas referências encontradas sobre o planejamento de ensino no
campo da pedagogia histórico-crítica evidenciam a necessidade de reflexões que por um
lado, denunciem as circunstâncias da educação atual e por outro, avigorem os estudos
das pedagogias contra-hegemônicas, que sejam aliançadas com uma proposta de
sociedade que preze por uma educação com formação plena dos indivíduos, tornando-os
parte do gênero humano, por ter tido o direito de continuar escrevendo esta história.
233
Referências
FARIA, Lenilda Rego Albuquerque de. “As orientações educativas contra hegemônicas de
1980 e 1990 e os rebatimentos pós-modernos”. Tese (Doutorado em Educação) Universidade
de São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-
30082011-134451/pt-br.php>. Acesso em: 01 jun. 2016.
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2ed. São Paulo: Ed. Expressão
Popular, 2008.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
235
2
Vide http://grevenasfederais.andes.org.br/2015/07/31/governo-anuncia-novo-corte-na-educacao-federal-
e-libera-mais-r-5-bi-para-o-fies/; http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1632333-prioridade-de-
dilma-educacao-deve-responder-por-13-do-corte-de-r-70-bi.shtml;
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/01/02/educacao-perde-r-105-bi-em-
2015.htm; http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150108_corte_contas_ms_lgb
236
1 Desenvolvimento:
Apesar de estar tendo apenas neste momento uma visibilidade significativa, a proposta
de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Escolar Brasileira, esta
proposta existe desde a promulgação da Constituição Federal (CF) em 1988, mais
especificamente no seu Artigo 210, Brasil (1988).
Vejamos que não é só a CF que cita a BNCC, mas também na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBN) Lei Federal 9394/1996, que conservou o “[...]
legado do regime militar consubstanciou-se na institucionalização da visão produtivista
de educação. Esta resistiu às críticas de que foi alvo nos anos de 1980 [...]”. (SAVIANI,
2008a, p. 298).
Consta também nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) as quais,
diga-se de passem tem “[...] ênfase excessiva na flexibilização, autonomia e
descentralização do currículo, subordinando a educação às demandas do mundo do
trabalho [...]” e mais atualmente no Plano Nacional de Educação Lei Federal
13.005/2014. (MOEHLECKE,2012, p. 39).
Mas a primeira tentativa de implementar um currículo nacional foi durante o
processo de implementação e ratificação do neoliberalismo da década de 1990
encabeçado pelo (des)governo FHC e suas reformas de Estado; mas com isso “[...] não é
recomendável que acreditemos que ‘a história está se repetindo’. Tal linearidade de
análise nos desarmaria para o enfrentamento local das contradições que estão postas por
esta nova escalada do capital sobre a educação”. (FREITAS, 2014, p.49).
Sendo assim vamos tentar entender os nexos e relações entre a escalada do
capitalismo sobre a educação a os documentos oficiais. Segundo Saviani (2008b) a
produção da legislação oficial na década de 1990 sobre da educação, estiveram
decisivamente atreladas ao “relatório Jacques Delors” que tem como premissa basilar o
lema “aprender a aprender”.
Com isso, para efetivar o “modus operandi” neoliberal, tiveram que implementar
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que apesar de revindicar “neutralidade”,
carrega os quatro posicionamentos valorativos do lema “aprende a aprender”, ou
melhor, segundo Saviani (2008b) nos PCN constam as mesmas justificativas para a
defesa do “aprender a aprender” que estão no “Relatório Jacques Delors”.
Os referidos posicionamentos valorativos segundo Duarte (2008a) vão produzir
cinco ilusões, que em suma podem ser tratadas da seguinte forma: o conhecimento na
237
238
O grande problema, aqui, não é ter ou não ter uma base nacional,
como se quer fazer parecer, mas é a própria concepção de base
nacional que se está usando e seu isolamento da discussão da opção
por uma política educacional nacional que deveria assegurar seu
cumprimento. O processo está invertido. (FREITAS, 2015a, p. 1).
4
Grifos do original.
239
Se não rompermos com esta postura de senso comum que tem se tornado a
política educacional brasileira, encabeçada pelo MEC/Governo Federal e pelas
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, continuaremos enfrentando sérios
problemas educacionais, pois as incompetências técnicas e políticas caminham juntas ao
entreguismo privatista – com poucas exceções – na educação publica brasileira. Essa
postura carrega diferenças abissais com relação aos profissionais da educação que
atuam nas escolas e universidades públicas, entidades nacionais de estudos e pesquisa
em educação, entidades acadêmico-científicas da sociedade civil e nas entidades
representativas da classe.
Segundo Freitas (2014), a política educacional mundial tem uma nova matriz de
controle nos dias atuais sob a guarda da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), que assumiu essa condição “substituindo”
240
Sua ação de controle passa por várias formulações que podem ser
utilizadas em conjunto ou separadamente: conscientes da importância
do professor o foco de controle dos reformadores empresariais é o
professor. Centram sua ação na pessoa do professor propondo que
deixem de ter estabilidade no emprego, tenham salário variável cujo
componente está ligado aos resultados dos testes dos alunos; procuram
estabelecer processos de avaliação personalizados dos professores e,
com isso, controlar as ênfases de formação que desejam, além de
controlar igualmente as agências formadoras; querem controlar a
formação do professor difundindo que ela é muito teórica e precisa ser
mais prática colocando a formação numa perspectiva pragmatista;
apostilam as redes de forma a controlar o conteúdo que é passado para
os estudantes, bem como a sua forma; enfatizam a formação do gestor
de forma a torná-lo um controlador dos profissionais da educação no
interior da escola responsabilizando-o pelos resultados esperados nos
testes; favorecem processos de privatização de forma a abrir mercado
e a colocar a educação diretamente sob controle do empresariado que
atua no mercado educacional (gestão por concessão e vouchers);
provocam o sentimento de que a educação está em crise e que o
direito à aprendizagem está em jogo como forma de sensibilizar a
população, através da mídia, para suas soluções miraculosas; centram
a concepção da qualidade da educação nas notas altas, estabelecendo
uma identidade entre notas altas (às vezes em uma ou duas disciplinas
que mais lhe interessam) e qualidade da educação; reduzem a
formação da juventude à ideia de direito à aprendizagem, estreitando a
concepção de educação e reduzindo-a à aprendizagem no interior da
escola; fortalecem os processos de aprendizagem que isolam a criança
da vida e, portanto, das contradições sociais existentes na vida,
difundindo a meritocracia como base explicativa do funcionamento
social; exercitam processos meritocráticos com alunos, professores e
gestores que ajudam a fixar a meritocracia como forma de progredir
na vida via empreendedorismo; desmoralizam o magistério como
forma de fragilizar a sua articulação política e apresentam os
sindicatos como responsáveis pelo atraso da educação, defensores dos
direitos dos professores e não defensores do direito de aprender do
aluno; desenvolvem processos de avaliação em larga escala censitários
com a finalidade de alavancar processos de responsabilização da
escola ignorando os fatores sociais que dificultam a ação da escola;
propõem e influenciam a elaboração de leis que responsabilizem as
escolas e os gestores; financiam fortemente as suas ideias via
fundações e iniciativa privada; ampliam o tempo escolar destinado a
241
Percebe-se com o pouco que foi exposto que existe uma coalizão dentro do
sistema político brasileiro que envolve políticos, empresários, mídia, institutos,
empresas educacionais5, pesquisadores e fundações privadas que gerenciam todo o
processo de implementação da BNCC.
Segundo Saviani (2008b) e Freitas (2012) podemos chamar este processo de
neotecnicismo, pois se sustenta nos pressupostos “psicologia behaviorista, fortalecida
pela econometria, ciências da informação e de sistemas, elevadas a condição de pilares
da educação contemporânea”. (FREITAS apud FREITAS, 2012, p. 383).
Em suma motivos não nos faltam para irmos contra a implementação da BNCC,
no entanto precisamos analisar as condições objetivas de barrar uma proposta que se
configura como tantas outras implementadas por esse governo de conciliação de classe
que se sustenta por uma Frente Neodesenvolvimentista que desconsidera habitualmente
– principalmente de 2014 até aqui - os interesses da classe trabalhadora em prol dos
interesses da burguesia interna, Boito e Berringer (2013).
Desse modo, entendendo e tentando agir sobre uma conjuntura política
desfavorável - principalmente no que diz respeito à organização dos trabalhadores e
trabalhadoras da educação - para que possamos impedir a promulgação da BNCC, é que
defendemos a necessidade de explorarmos as contradições subjacentes à problemática,
apontando os fundamentos da Pedagogia Histórico-Crítica e conceito de clássico como
indispensáveis para embasarmos a proposta da BNCC.
Considerações finais
A primeira questão que nos aparece deve ser: mas afinal, o que a educação
escolar tem haver com isso? Partindo da compreensão que a educação é uma prática
social tipicamente humana, pois apenas os seres humanos educam, podemos definir
“[...] a educação, enquanto comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de
maturação humana, é promoção do homem, de parte a parte”. (SAVIANI, DUARTE,
2012, p. 14).
Sendo assim podemos dizer que [...] educação é um fenômeno próprio dos seres
humanos, significa dizer que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência de e para o
5
http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/03/1750673-ex-diretor-de-grupo-privado-assume-inep-responsavel-
pelo-enem.shtml
242
243
244
[...] os clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por
amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que você conheça
bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em
relação aos quais) você poderá depois reconhecer os ‘seus clássicos’.
A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar essa opção
[...]. (CALVINO, 2007, p. 12-13).
Estes conhecimentos nos interessam, uma vez que todas as coisas não são
garantidas aos seres humanos pela natureza, devem ser produzidos historicamente pelos
próprios seres humanos inclusive os próprios seres humanos, pois o gênero humano não
é uma herança que vem no código genético, mas o gênero é produzido no processo
ininterrupto de “vir a ser” por meio da objetivação e apropriação. (DUARTE, 1999;
SAVIANI, 2008c).
245
Mas, concluir que a partir disso, que é possível ser comunista sem ter
assimilado os conhecimentos acumulados pela humanidade, seria
cometer um erro grosseiro. Estaríamos equivocados se pensássemos
que basta saber as palavras de ordem comunistas, as conclusões da
ciência comunista, sem ter assimilado a soma de conhecimentos dos
quais o comunismo é consequência. O marxismo é um exemplo de
como o comunismo resultou da soma de conhecimentos adquiridos
pela humanidade. (LENIN, 2015, p. 17).
Por isso, entendemos que o Projeto Popular para Educação é a defesa de que a
escola pública brasileira esteja organizada para transmitir os conhecimentos mais
avançados produzidos e acumulados pela humanidade, sem, no entanto desconsiderar
sua capacidade criativa, lutando para construir uma força social que garanta ao povo
brasileiro um ensino de boa qualidade nas condições históricas atuais. Uma vez que o
domínio da cultura – rudimentos da ciência - é imprescindível para a participação
popular, ou melhor, para o exercício do poder, pois o povo brasileiro efetivamente só
terá dignidade e se libertará da exploração e da opressão cotidiana quanto mais dominar
aquilo que seus exploradores e opressores dominam.
Referências:
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. – 1° ed. – São Paulo : Companhia das Letras, 2007.
246
alternativas necessárias [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica,
2010. 191 p. ISBN 978-85-7983-103-4. Available from SciELO Books
<http://books.scielo.org>.
247
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Introdução
1
Universidade Federal do Paraná – UFPR, doutora, Paraná, Pr, Brasil. consuelo.ufpr@gmail.com
2
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, doutora, Santa Catarina, SC. cristinaudesc@gmail.com
249
250
251
Saviani (2009, p. 4) leva seu leitor à lógica dialética (lógica concreta), como
“[...] processo de construção do concreto de pensamento [...]”, elaborada a partir da
crítica à lógica formal (lógica abstrata): “[...] processo de construção da forma de
pensamento”. A tese central dele, fundada em Marx (1973) e no método explicitado na
obra “Contribuição para a crítica da economia política”, é a de que “[...] não se elabora
uma concepção sem método; e não se atinge a coerência sem lógica [...]”. (SAVIANI,
2009, p. 4).
O concreto real é o ponto de partida, enquanto que o concreto pensado é o ponto
de chegada. “Assim, o verdadeiro ponto de partida, bem como o verdadeiro ponto de
252
253
Por conseguinte, assumindo uma postura dialética, isto é, sem negar seus
determinantes ou o movimento histórico que lhe é inerente, volta-se à compreensão das
contradições vívidas inerentes à sala de aula e à escola. Nesse sentido, a escuta das
críticas dos professores é vital. Situando suas falas, é preciso esclarecer que essas
entrevistas foram realizadas ao longo de 2014 e início de 2015 como atividade de
pesquisa do “Observatório da Formação de Professores no âmbito do ensino de Arte:
estudos comparados entre Brasil e Argentina”.
Um conjunto de professores, egressos de uma licenciatura em Artes Visuais foi
entrevistado e acompanhado em seu dia a dia com o objetivo de compreender-se como o
aluno, egresso do curso de licenciatura das universidades pesquisadas, vem se
constituindo enquanto professor de Arte e quais problemas esse aluno ressaltaria. Ao
extrair a concepção de Arte recorrente no seu discurso, problematizou-se a seguinte
questão: essa compreensão da Arte que se espraia na prática é a base teórico-
metodológica do processo ensino-aprendizagem?
O materialismo histórico-dialético, como base epistemólogica das pesquisas do
observatório, indicou o caminho da compreensão relativamente à formação-atuação, tal
como propõe Kosik (1976); sobretudo, evidenciou que o concreto histórico é prenhe de
contradições. Após a análise das entrevistas, chamou a atenção, em primeiro lugar e
especialmente, a divisão arte-ciência, fundada na visão de que a primeira pertence ao
campo do mistério, do prazer, da emoção e da criação, enquanto que a segunda pertence
ao campo da razão, do rigor, do pensar e do lugar do trabalho. Segundo, após a análise,
apreendeu-se uma evidente confusão entre objetivos da educação em geral e da Arte em
particular, ou seja, o objetivo (desenvolver a criatividade) cede lugar ao
desenvolvimento da consciência crítica, como tarefa principal da Arte, que se estende ao
seu ensino. Terceiro, após a análise das entrevistas, é cabal a indefinição da
especificidade do conhecimento artístico-científico, a subordinação dos conteúdos às
técnicas, ao como fazer, aos materiais e instrumentos da Arte. Em quarto lugar, a
dicotomia subjetividade-objetividade explicita-se, sobretudo, na oposição pensar e agir.
Nesse caso, é exemplar uma dúvida que foi colocada por uma das professoras
entrevistadas: aceitar ou resistir à exigência de que o professor de Arte tenha que
trabalhar com todas as linguagens? Ela diz: “[...] as quatro linguagens não são um
cabresto, mas se eu não dispuser todos estes conteúdos aos alunos, quem mostrará?”.
Embora as vicissitudes, sua fala demonstra que, imbuída de toda boa vontade – por
vezes, colocada acima de seu conhecimento das quatro linguagens –, sente-se a única
254
255
traz elementos da concepção de Arte como expressão, extraída das teorias que a
concebem como linguagem.
Assim, a Educação Artística, como lugar da livre expressão, filiou-se, de um
lado, à ideia de que a Arte “[...] obedece a leis misteriosas e quase sagradas, baseadas no
dom gratuito, inato, fortuito [...] [e, de outro, consequentemente, de que a Arte é um]
[...] mundo hermeticamente fechado[...]”, só aberto àqueles que têm tempo livre,
obviamente, não distribuído por igual no contexto da sociedade capitalista. (PORCHER,
1982, p. 14).
Assim, o ensino da Arte configurou-se como o espaço do espontâneo, da
sensibilidade imediata, como um momento em que o aluno poderia relaxar, desligar-se
da seriedade das disciplinas da matriz curricular, que exigem aprendizado, disciplina e
trabalho. Analisando a Lei n. 5.692/71 observou-se que “[…] também instituiu a
polivalência sob o princípio de que o professor de artes deveria ser um generalista e não
um especialista em cada linguagem artística [...]”, conforme dados do Relatório de
Pesquisa do Observatório, de 2014.
Como consequência do modelo descrito, a área de artes evidencia um conjunto
de fragilidades na formação de professores, sendo que algumas delas não foram
rompidas até os dias de hoje: a polivalência na formação e na atuação, bem como uma
inserção igualitária no currículo escolar, a última, uma bandeira defendida pela
Federação de Arte Educadores desde sua criação, em 19873. Nessa linha, a falta de
professores específicos de artes nas escolas para ensinar, assim como uma carga horária
pequena na matriz escolar, colaborou para a implementação de duas tendências: uma
que pendeu para a perspectiva do ensino tecnicista, com ênfase no aprendizado e no
exercício das técnicas; e outra pendendo para o ensino escolanovista, fundado na
atividade da livre expressão.
A fragilidade da formação dispensada nas licenciaturas, pois não havia ainda
formação de formadores, a carência de pós-graduação na área e de estudos mais
específicos da realidade brasileira e suas relações com o ensino de Arte deixaram
brechas para uma formação especialmente fragmentada na licenciatura em Educação
Artística, alvo fácil de um discurso pedagógico carente de maior cientificidade e
3
A Federação dos Arte-Educadores do Brasil (FAEB), em diferentes momentos da história do ensino de
Arte, foi fundamental na defesa da manutenção da disciplina na escola e também na ampliação de uma
formação de qualidade.
256
257
for para pagar mensalidades, é melhor buscar cursos que prometam um retorno
profissional maior.
Nas primeiras décadas do século XXI encontram-se as licenciaturas em Artes
lutando por um lugar na escola, mas é somente nos dias atuais que a polivalência na
formação, pelo menos na forma da lei, é derrotada, com a aprovação da Lei n. 13.278,
de 2 de maio de 2016 (BRASIL, 2016), que reformula a LDB n. 9.394/96 e determina,
em seu parágrafo sexto, que “As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as
linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2o deste artigo”.
Ainda, ressalta a referida lei que os Estados têm cinco anos para contratarem
professores suficientes para adequarem-se ao novo contexto. Evidentemente, a lei se
refere às instituições formadoras, enfatizando-se a necessidade da formação específica
do aluno da licenciatura, o que já ocorre na maioria das instituições formadoras. O que
ainda não ocorre é concurso específico nos estados e municípios. Além disso, as novas
políticas públicas, de modo geral e crescente, ainda mantêm a formação de modo
emergencial e com ênfase na modalidade EAD.
Saviani (2014), ao analisar a ampliação da oferta de ensino, praticamente
universalizado no decorrer do século XX, faz uma ressalva: as universidades são
responsabilizadas pela falta de qualidade na formação de professores. Essa visão
simplista que o autor denuncia minimiza o papel do Estado como o provedor das
condições necessárias para a oferta do ensino de qualidade na rede pública. Afinal, a
expansão requer financiamento sistemático para a manutenção, assim como para a
necessária ampliação da demanda no aspecto estrutural das redes de ensino (prédios,
equipamentos, materiais), como também da demanda salarial, intrínseca à qualificação,
especialmente na ampliação do acesso dos professores à pós-graduação.
Mas a questão extrapola a oferta de ampliação de vagas, trazendo à luz outras
questões pertinentes, como: que modelos de formação de professores consolidaram-se?;
quais são seus limites e como superá-los? Saviani (2014), nesse caso, esclarece que dois
modelos históricos de formação consolidaram-se, respondendo às necessidade de
formação de professores, neste caso, às demandas dos cursos de licenciatura em Artes
Visuais. No primeiro modelo, o autor aponta que a formação se esgota no domínio dos
conteúdos específicos da área de conhecimento que, neste caso, são extraídos dos
conhecimentos relativos à produção, circulação e consumo das Artes. Dessa abordagem,
deriva a concepção de que o modelo pedagógico de ensino da Arte deriva do campo da
produção artística ou que uma formação em serviço possibilitará a aprendizagem do
258
fazer pedagógico. Este modelo o autor denomina de “[...] modelo dos conteúdos
culturais-cognitivos de formação de professores”. (SAVIANI, 2014, p. 64).
No segundo modelo, a formação de professores se conclui com a formação
pedagógica. Assim, além dos conteúdos de formação geral, os específicos da área de
conhecimento fazem-se necessários à formação didático-pedagógica. A este modelo,
denomina-se “[...] modelo pedagógico-didático de formação de professores”
.(SAVIANI, 2014, p. 65).
Na continuidade de sua análise, o autor aponta que, desde a década de 1930,
progressivamente, há uma inserção da formação pedagógica, mas que, até o momento,
essa formação também não se consolidou. Seguindo sua linha de raciocínio, o autor
aponta um conjunto de legislações responsáveis por organizar a formação de educadores
no Brasil e sistematiza quatro dilemas em que os documentos encontram-se enredados.
O primeiro, diz respeito ao diagnóstico “relativamente adequado” sobre a realidade
educacional brasileira, mas que se desdobra em situações pouco satisfatórias para a
resolução do problema. Já o segundo dilema, no dizer do autor, aponta que “Os textos
dos pareceres mostram-se excessivos no acessório e muito restritos no essencial [...]”.
(SAVIANI, 2014, p. 67).
Na correlação de forças que aparecem no processo de disputa pelos documentos,
como diz o autor, evidencia-se “[...] o espírito dos chamados novos paradigmas que vêm
prevalecendo na cultura contemporânea, em geral, e na educação, em particular [...]”.
Ele conclui sua análise acerca desse segundo dilema argumentando que a legislação se
dedica muito ao acessório e pouco ao essencial, ou seja, a distribuição dos saberes
socialmente construídos é relegada a segundo plano. (SAVIANI, 2014, p. 68).
Como terceiro dilema, ele coloca o professor em relação à noção de competência
versus incompetência, de superação de sua condição de incapacidade formativa.
Ressalta o modelo de competências e suas relações com a psicologia behaviorista,
focada nos objetivos operacionais. Observa-se que o discurso das competências, trazido
à atualidade através da legislação, é uma herança do modelo de gestão administrativa,
presente na abordagem tecnicista.
Saviani (2014) insere nesse terceiro dilema a intervenção do construtivismo
piagetiano para superar o condutivismo da pedagogia das competências, bem como seus
desdobramentos para o neoconstrutivismo. Em relação ao construtivimo piagetiano,
Ramos (2003, p. 94) explica que a perspectiva que unifica o neoconstrutivismo com o
neopragmatismo substitui o conhecimento ontológico pelo conhecimento experiencial.
259
260
Considerações finais
261
Referências
BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
262
______; ENGELS, F. Cultura, arte e literatura: textos escolhidos. São Paulo: Expressão
Popular, 2010.
PORCHER, L. (Org). Educação Artística: luxo ou necessidade? São Paulo: Summus, 1982.
SAVIANI, D. O Lunar de Sepé: paixão, dilemas e perspectivas na educação. Campinas:
Autores Associados, 2014.
______. A pedagogia no Brasil: história e teoria. 2. ed. Campinas, SP: editores Editores
Associados, 2012. (Coleção memória da educação).
______. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 18. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2009.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar parte da pesquisa de mestrado que visa analisar
obras de arte do acervo do Instituto Federal do Espírito Santo como modo de favorecer a
Educação Estética e Científica de alunos. Para tanto, aproxima-se dos aspectos metodológicos
da Pedagogia Histórico-Crítica como forma de propor práticas pedagógicas realizadas durante a
pesquisa. Para sistematizar essas aproximações, aponta as convergências entre o pensamento de
Dermeval Saviani com a Educação Estética em Marx e Vigotski, a partir dos estudos de Chisté
(2013); com a Educação Científica nos estudos de Vale (2005); e com a leitura de imagens nas
pesquisas de Foerste (2004) e Schlichta (2006). Conclui que o contato com as obras de arte
apresentadas durante essa intervenção e as reflexões sobre suas leituras, mediadas pelo
professor, possibilitam a apropriação do conhecimento artístico e científico em suas formas
mais elaboradas e contribuem para a formação omnilateral dos alunos.
Introdução
1
A intervenção, na perspectiva deste trabalho, é concebida como mudança no processo, transformação,
ressignificação dos pesquisados e do pesquisador, ação mediada e compreensão ativa. Dessa maneira,
pesquisador e pesquisado constituem-se como sujeitos em interação que participam ativamente da
pesquisa, convertida em espaço dialógico, no qual todos têm voz e vez. (FREITAS, 2009).
264
discussões sobre essas duas áreas do conhecimento humano antes de entender de forma
mais específica o objeto da pesquisa.
Tendo em vista a necessidade de se compreender aspectos relacionados à
metodologia de ensino, pretendemos sistematizar essas relações a partir dos
pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, desenvolvidos nos estudos de Dermeval
Saviani, aproximando as propostas de Educação Estética e Científica a esses
pressupostos, mediadas pela ação do professor por meio da leitura de imagens.
Para isso, apresentaremos a Educação Estética relacionando-a a Pedagogia
Histórico-Crítica, a partir dos estudos que oportunizam a reflexão crítica e a
transformação social por meio da Experiência Estética (CHISTÉ, 2013), bem como as
pesquisas sobre Educação Científica que colocam as práticas sociais como
direcionadoras do ensino. (VALE, 2005).
Quanto à leitura de imagens, conduziremos a reflexão com o foco na superação e
transformação da visão alienante por meio das obras de arte analisadas de forma crítica
e sensível (FOERSTE, 2004; SCHLICHTA, 2006). Recorreremos também à proposta
de leitura lenta apresentada por Vigotski, ampliando a leitura da imagem por meio do
conhecimento do contexto histórico, do universo do artista (o contexto de produção da
obra, as referências e influências do artista, seus gostos e histórias) e dos intertextos
relacionados à imagem lida. (CHISTÉ, 2013).
De modo a organizar o artigo, na primeira seção “Educação Estética e Científica
na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica”, explicitaremos possibilidades de
favorecer a Educação Estética e Científica por meio da leitura de imagens, a partir das
aproximações com os pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica. Em seguida, na
seção “Relato da intervenção realizada” exemplificaremos parte de nossa intervenção
pedagógica, a partir dos momentos pedagógicos da Pedagogia Histórico-Crítica.
Esperamos que este texto contribua com as discussões relacionadas com a
interface Ciência e Arte sob a luz da Pedagogia Histórico-Crítica, fato que
consideramos, após realizarmos revisão de literatura, pouco recorrente nas pesquisas
brasileiras.
265
266
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268
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271
272
273
274
tema da arte, a dimensão estética da ciência e a dimensão científica da arte. Nesse dois
jogos disponibilizamos as imagens apresentadas, para que os alunos as utilizassem
como referência para a criação das cenas. Os auxiliamos, com o apoio das professoras
de Arte e de Física, na leitura lenta dessas imagens e nas relações de seus intertextos
com a ciência. Observamos no processo de leitura das imagens para a apresentação dos
jogos teatrais e na transposição dessas imagens para a cena, que os alunos
demonstraram o entendimento das relações entre ciência e arte apresentadas pelos
professores.
Desse modo, consideramos que a leitura das obras e as suas relações com a
ciência, e as vivências com os jogos teatrais, contribuíram de certo modo com a
formação omnilateral dos alunos participantes da intervenção, corroborando a
apropriação do conhecimento estético e científico de maneira integrada e em suas
formas mais elaboradas, contribuindo, desse modo, para a superação da visão
fragmentada da prática social. Além disso, ressaltamos que os momentos pedagógicos
da Pedagogia Histórico-Crítica foram contemplados de modo dialético e reiterativo,
afastando-se das tendências que os consideram como passos procedimentais.
Considerações finais
275
sobre o conhecimento científico, a partir da leitura das obras de arte do acervo do Ifes –
campus Vitória. Direcionamos a proposta de leitura dessas imagens por meio de uma
perspectiva crítica e questionadora, capaz de favorecer múltiplas relações com o
conhecimento científico.
Com o objetivo de refletir sobre as relações entre a ciência e a arte, tendo como
referência os momentos pedagógicos da pedagogia histórico-crítica propostos por
Dermeval Saviani, apresentamos parte de nossa intervenção pedagógica realizada com o
alunos e professores do Grupo de Teatro do Ifes campus Montanha. Para o
desenvolvimento da intervenção utilizamos, com a mediação dos professores, proposta
de leitura de imagens e de jogos teatrais que favoreceram a apropriação do
conhecimento artístico e científico em suas formas mais elaboradas.
Concluímos que a intervenção pedagógica proposta contribuiu com a formação
integral dos alunos participantes, fomentando o desenvolvimento da Educação Estética
e Científica de forma integrada. Ressaltamos que os próximos encontros contemplarão o
contato dos alunos com as obras de arte do acervo do Ifes, na perspectiva de favorecer o
conhecimento científico e artístico, reforçando a proposta de formação omnilateral dos
alunos que apreciam essas obras.
Referências
CHASSOT, A. A ciência através dos tempos. São Paulo: Editora Moderna, 1994.
________. Leitura lenta da obra de arte como proposta para a educação estética: contribuições
de Marx e Vigotski. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.23, n.1, p.276-302,
jan./jun.2015.
________. Contribuições dos estudos marxianos para a Estética: reflexões sobre a sociedade
contemporânea. Filosofia e Educação [rfe], São Paulo, v.7, n.1, p. 33-62, fev./mai. 2015.
276
________. Um Vôo Brechtiano: Teoria e Prática da Peça Didática. São Paulo: Perspectiva;
FAPESP, 1992.
_________. Prefácio. In: DUARTE, N.; DELLA FONTE, S. S. Arte, conhecimento e paixão
na formação humana: sete ensaios da Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, Autores
Associados, 2010.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais para a sala de aula: um manual para professores. Tradução de
Ingrid Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2007.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este artigo procura evidenciar alguns elementos da pesquisa de mestrado que tem
como objeto a avaliação da aprendizagem. Para esta discussão, elegeu-se o seguinte problema:
quais as contribuições da pedagogia histórico-crítica para a compreensão da avaliação da
aprendizagem na educação infantil? Os resultados apontam que a avaliação da aprendizagem
além de ser uma necessidade da atividade escolar, é também uma atividade que contribui na
constituição do psiquismo, como mediação do desenvolvimento humano. Destaca-se ainda que
que tal referencial possui importantes elementos para pensar e organizar a avaliação da
aprendizagem na educação infantil, entendendo-a como um dos componentes do processo
educativo, pois compreende que a atividade de ensino (realizada pelo professor) e atividade de
aprendizagem (realizada pelo aluno) são o centro da ação pedagógica.
Introdução
1
Tainara Pereira Castro, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Espírito Santo, ES, Brasil. E-mail: naracastro19@hotmail.com
2
Ana Carolina Galvão Marsiglia, Doutora em Educação Escolar pela Unesp (Araraquara), Professora do
Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil, E-mail: galvao.marsigli@gmail.com
278
279
potencializar cada vez mais o que está sendo ensinado, buscando estratégias mais
adequadas a atividade de ensino, deflagrando, deste modo, um movimento qualitativo
das práticas pedagógicas, que observa os resultados então alcançados e reorienta novas
possibilidades de encaminhamentos.
3
A pedagogia histórico-crítica tem sua origem nas críticas realizadas às teorias não-críticas e às crítico-
reprodutivistas (SAVIANI, 2008), procurando apresentar uma teoria pedagógica assentada numa reflexão
propositiva, que evidencia a importância do papel da escola, do professor e do conhecimento no processo
de constituição do ser humano. Na atualidade a pedagogia histórico-crítica se coloca em contraposição às
teorias que no campo educacional se materializam nas pedagogias do “aprender a aprender”, que tem
como ideias principais a “[...] desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição do papel da
escola em transmitir esse saber, na descaracterização do papel do professor como alguém que detém de
um saber a ser transmitido aos seus alunos, na própria negação do ato de ensinar” (DUARTE, 2011, p. 9).
4
De acordo com os estudos de Martins (2013), o psiquismo cria por meio da atividade humana, a imagem
subjetiva da realidade objetiva. Para maiores esclarecimentos, sugerimos a leitura da obra da autora,
intitulada O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar.
280
avaliar, agir. Para saber pensar e sentir, para saber querer, agir ou avaliar é preciso
aprender, o que implica o trabalho educativo”.
Cabe ressaltar que o processo educativo está presente desde a origem do ser
humano coincidindo com o próprio ato de viver e este foi se diferenciando mediante as
mudanças na organização social, de modo que o caráter institucionalizado passasse a
predominar, dando origem a escola. Saviani (2013, p. 7) destaca que a escola
[...] a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida
sobre a base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho
educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens.
281
282
conceito de clássico tem a ver com “[...] aquilo que se firmou como fundamental, como
essencial”. Deste modo, o saber da escola tem a ver com aqueles que se colocam na
direção da socialização dos conhecimentos universais, representativos das conquistas da
humanidade, em cuja ausência, torna-se impossível ao homem compreender o
desenvolvimento histórico dos fenômenos sociais. Além disso, salienta que no contexto
da educação escolar, a relação entre professor-aluno é central. Por meio dela desponta-
se a atividade de ensinoaprendizagem, como mediação necessária para o
desenvolvimento humano.
Martins (2013, p. 278), compreendendo dialeticamente a relação entre ensino e
aprendizagem, adverte-nos que o ensino promove o desenvolvimento, e que ambos os
processos possuem especificidades, mas há entre eles
A autora ainda adverte que se deve identificar na ação educativa quais condições
de aprendizagem operam em favor do desenvolvimento dos indivíduos, o que pressupõe
o planejamento das formas didáticas, pelas quais este saber será apropriado pelos
indivíduos, bem como constantes análises e avaliações sobre os fins a que se propõe.
Diante de tais assertivas, partimos do pressuposto de que a educação escolar
deve possibilitar o desenvolvimento humano em suas máximas expressões, em qualquer
segmento, incluindo a educação infantil, o que representa considerar o ensino como
atividade mediadora entre o desenvolvimento e a aprendizagem. Significa afirmar que a
educação infantil integra a educação escolar “[...] e, como tal, [é] responsável pela
transmissão planejada dos conhecimentos historicamente sistematizados”. (ARCE;
MARTINS, 2013, p. 7).
Pasqualini (2011, p.61, grifo da autora), destaca que, historicamente a educação
infantil vem se caracterizando “[...] como uma história da subalternidade, uma história
de desqualificação pedagógica marcada pela redução de finalidades de suas
instituições”. A autora ainda ressalta que no Brasil, a partir da década de 1990, vem se
destacando no debate acerca da educação infantil a busca de uma identidade para esta
etapa, em que tal proposição realizada pelos pesquisadores da área vem centrando-se em
283
6
Pasqualini (2011, p. 61-62, grifo da autora) destaca que “[...] a expressão antiescolar é adotada por Arce
(2004) para referir-se a uma abordagem que tem se tornado hegemônica nas pesquisas em educação
infantil e que se caracteriza pela negação do ato de ensinar e pelas ideias, entre outras, de que o lúdico
(prazeroso) deve ser o eixo central na prática educativa e de que a criança deve ditar o ritmo do trabalho
pedagógico, cabendo ao professor seguir seus desejos, interesses e necessidades. Tal perspectiva vem
sendo denominada por seus proponentes de pedagogia da infância (ou pedagogia da educação infantil).
Nega-se a pertinência do ensino na educação da criança pequena, bem como a adoção das nomenclaturas
aluno e escola para se referir à criança atendida pela instituição de educação infantil e à própria
instituição”.
284
Tendo em vista que o professor antecipa em sua mente os fins de sua atividade,
e, por meio de sua capacidade reflexiva, analisa e avalia se alcançou os seus objetivos, a
avaliação, enquanto atividade inerente à própria atividade do homem, necessita ser
pensada dialeticamente, visando compreender como o sujeito produz e se apropria do
conhecimento em suas reais condições de formação. Implica ir além da verificação ou
constatação dos resultados de aprendizagem, mas torna-se necessária à atuação do
professor com a finalidade de garantir a apropriação dos conhecimentos sistematizados.
No próximo tópico procuraremos avançar em direção as contribuições da
pedagogia histórico-crítica para a avaliação da aprendizagem.
285
286
287
288
289
Considerações finais
Com base nos elementos apresentados ao longo deste artigo, pudemos perceber
que a avaliação da aprendizagem além de ser uma necessidade da atividade escolar
como uma ação deste espaço e do professor para desenvolver o processo de
ensinoaprendizagem, é também uma atividade que contribui na constituição do
psiquismo humano, como mediação do desenvolvimento humano.Com base nos
fundamentos da pedagogia histórico-crítica, evidencia-se a necessidade de reconhecer
que a atividade de ensino (realizada pelo professor) e atividade de aprendizagem
(realizada pelo aluno) constituem o centro da ação pedagógica.
Diante das dificuldades em encontrar referências no campo da pedagogia
histórico-crítica relacionando ao objeto deste estudo, evidencia-se a necessidade de
reflexões que por um lado, apontem as principais concepções presentes nos estudos
290
Referências
ARCE, A.; MARTINS, L. M.M. (org.). Quem tem medo de ensinar na educação infantil?
Em defesa do ato de ensinar. 3 ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2013.
291
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18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar a proposta de formação de professores
defendida e praticada pelo Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social por meio do
Instituto Politécnico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Uma tentativa
promissora de aliar a prática docente aos aprofundamentos teórico-científicos de professores da
Educação Básica, com ênfase no Ensino Médio Integrado.
Introdução
293
294
Dermeval Saviani, em muitos dos seus escritos, nos faz refletir sobre o trabalho
como definidor da essência do ser humano; da perspectiva individual ou social, o
homem se constitui como tal a partir de suas ações no meio e de suas relações com os
outros homens que permeiam estas ações. De maneira resumida, o que Saviani (2007)
esclarece é que somente o trabalho e a capacidade de planejá-lo e organizá-lo nos
diferem dos demais animais. A comparação entre a abelha e o arquiteto2, feita por Marx
n’O Capital, ilustra bem esta diferença.
Conforme Vigotski (2004), o trabalho se define não apenas pela atuação do
homem sobre a natureza, mas também por uma “coordenação de esforços” entre
homens a fim de ajustar seus comportamentos e convencioná-los criando
regulamentações de modo a uni-los em uma conduta coletiva, social.
Podem ser alegadas outras muitas características que distanciam os homens de
outros animais, a consciência é um exemplo, mas poder adaptar a natureza às demandas,
ao invés de adaptar-se à natureza, é uma habilidade única. Assim, “[...] o homem se
diferencia propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir
seus meios de vida, passo este que se encontra condicionado por sua organização
corporal”. (MARX; ENGELS apud SAVIANI, 2007, p. 154).
O desenvolvimento dos modos de produção, da ciência e da tecnologia é que
cria as culturas e gera a história da humanidade. E a educação deve considerar esse
desenvolvimento, incrementando a formação diante de cada novo passo que altera a
forma de trabalho. Todo modelo de formação é, historicamente, fruto do modo de
produção vigente, o que não significa pensar o “trabalho como princípio educativo”,
mas pensá-lo como fim.
Para Ciavatta (20093), “o trabalho não é necessariamente educativo, depende das
condições de sua realização, dos fins a que se destina, de quem se apropria do produto
2
“[...] e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade.
No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do
trabalhador.” (MARX, 1868, p.202).
3
Disponível em www.epsjp.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.html
295
4
Na concepção gramsciana, a “escola unitária” é uma proposta de educação pautada no trabalho cujo
objetivo é a emancipação da classe trabalhadora. Uma educação que possibilite a superação do modelo
capitalista onde o trabalho é dever de alguns e explorado por outros. (NASCIMENTO e
SBARDELOTTO, 2008, p. 289). Uma escola igual para todos, independentemente da origem social. Que
não separe o trabalho manual do intelectual e capaz de formar intelectuais da classe trabalhadora por meio
do acesso aos mesmos conhecimentos, currículo e cultura oferecidos à classe abastada.
5
Intitulada por Marx, a Cooperação Simples foi a maneira inicial de divisão do trabalho em que cada
artesão passou a confeccionar somente uma etapa do produto final, otimizando a relação entre tempo e
quantidade de mercadorias por meio da especialização. (Saviani, 1989). “A forma de trabalho em que
muitos trabalham planejadamente lado a lado e conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em
processos de produção diferentes, mas conexos, chama-se cooperação”. (MARX, 1996 apud
LOMBARDI, 2001, p. 119).
296
297
6
Trabalho alienado é, nesse texto, compreendido como aquele que torna o indivíduo alheio ao resultado
de sua própria atividade, excluído do uso de sua produção, expropriado de sua força de trabalho.
298
conforme Saviani (1989, p.8), “define a existência histórica dos homens”, todo homem
devia ter condições de produzir sua existência de acordo com seu desejo e ter seu
trabalho valorizado tal qual o outro que possa ter feito outra escolha.
Politecnia é, portanto, a possibilidade de formação do homem que prima pela
igualdade de oportunidades para a classe trabalhadora em resposta ao projeto de
educação dividida, imposto pela sociedade capitalista. A modernização do modo de
produção é acompanhada de uma desqualificação progressiva do trabalho, pois a tarefa
fica cada vez mais limitada, distanciando o trabalhador da noção do todo.
Segundo Rodrigues (1998, p. 57), Marx defendia que a maquinofatura “[...]
traria em si a possibilidade de uma formação politécnica e a consequente requalificação
da força de trabalho, superando, assim, a condição de alheamento do operário em
relação ao seu trabalho”. Na dimensão infraestrutural da Politecnia residem os
principais argumentos em que se apoiam as críticas em defesa ou contra a ideia de
politecnia. Não é consenso o significado de qualificar o trabalho e o trabalhador entre os
autores da área.
De um lado existem os que acreditam numa dicotomia, distinguindo a
qualificação do trabalho, relativa aos conhecimentos e habilidades necessários para a
realização de tarefas específicas da função produtiva do operário, da do trabalhador,
relacionada ao acervo geral de saberes agregado ao indivíduo. De outro lado há os que
entendem como indissociáveis os dois aspectos e questionam se o que a área busca não
é, exatamente, romper com esta dicotomia.
Para o segundo grupo, a desqualificação reside na perda de controle e
autonomia, que priva o trabalhador da liberdade no trabalho, fazendo-o perder o
interesse, refletindo na má qualidade de suas tarefas. De maneira geral, a dimensão
infraestrutural da Educação Politécnica preocupa-se em perceber como o
desenvolvimento científico e tecnológico afeta a formação do trabalhador, buscando
potencializar os aspectos positivos e minorar os negativos.
Com isso, a base da Politecnia não pode estar em formas primitivas de produção,
mas na atual. “De fato, a formação humana é sempre ditada, sob o capitalismo, pelas
necessidades de produção, e nenhuma forma de ensino poderá alterar seja o que for”.
(DANGEVILLE apud LOMBARDI, 2011, p. 147).
As novas tecnologias elevam o nível de complexidade demandada do
trabalhador, exigindo certa polivalência, “bem como a especialização flexível com base
na educação geral”. Como já exposto neste estudo, não podemos confundir polivalência
299
com politecnia, mas é preciso encarar esta demanda como aspecto favorável à Educação
Politécnica, não como capacitação máxima, adaptação ou funcionalidade, e sim para ser
incorporada e superada pela politecnia. (PAIVA apud RODRIGUES, 1998, p.64).
O avanço tecnológico simplifica a tarefa, mas a complexidade envolvida na
facilitação do fazer mantém o trabalhador cada vez mais distante da compreensão do
funcionamento da máquina. A politecnia representa a possibilidade de domínio
intelectual sobre a técnica, que torna o trabalhador ciente dos processos envolvidos e
capaz de atuar criticamente sobre sua tarefa, fomentando os aspectos criativos e
autônomos que levam a novos conhecimentos.
Não cabe à Politecnia, como explica Rodrigues (1998), superar por si só a
apropriação privada de riquezas produzidas socialmente, nem a divisão do trabalho em
intelectual e manual, pois isto constitui um limite estrutural da sociedade capitalista;
mas esta concepção define-se pela luta pela liberdade no trabalho por meio do domínio
prático e teórico dos seus processos.
Por fim, há o eixo da politecnia cuja preocupação é propor uma metodologia
pedagógica. Talvez este seja o maior desafio da Educação Politécnica, criar propostas
de ensino que contemplem as duas outras dimensões desta concepção sem partir de
abstrações distantes da conjuntura em que se insere. Vigotski (2004, p.258) aponta a
importância de introduzir na escola um plano de estudos baseado, não no trabalho
primitivo, mas nas “formas de trabalho industrial e tecnicamente aperfeiçoado”.
Repensar a instituição escolar dando espaço para uma ideia de educação
transformadora da realidade social não constitui uma tarefa trivial. Não só pelos
motivos políticos que saltam aos olhos e pela composição do trabalho que exige rapidez
na formação de novos operários, mas pela dificuldade de mudar o que está posto, ou
seja, de construir o novo no interior do velho.
A escola, como conhecemos, impõe uma estrutura rígida, que prima pela
especialização, por meio da fragmentação do saber. Como podemos alterar este quadro
em busca de uma formação omnilateral, integradora e unitária? Como tornar indivisível
o trabalho que ainda separamos entre intelectual e prático?
Vale, diante da missão árdua de encontrar estes caminhos, lembrarmos do trecho
em que Marx coloca-se, senão de maneira determinante das possibilidades, ao menos de
modo esperançoso e incentivador: “a humanidade só levanta os problemas que é capaz
de resolver [...] o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para
300
301
302
7
AMORIM, Fernando, em entrevista. Entrevistador: Jose Cubero. Rio de Janeiro, GEM, 2011.
303
304
305
Conclusão preliminar
306
Referências
MARX, K.; ENGELS, F. Textos sobre Educação e Ensino. Campinas: Navegando, 2011.
MÉSZÁROS, I. A Educação para Além do Capital. Tradução de Isa Tavares – 2ª ed. – São
Paulo: Boitempo, 2008.
307
VIGOTSKY, L.S. Psicologia Pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra – 2ª ed. – São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
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Resumo: Este trabalho objetiva refletir sobre os dados estatísticos que tornam o PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático) o maior Programa de distribuição gratuita de livros
didáticos do mundo e sobre o possível papel formador destes livros no desenvolvimento do
homem (discente). Para isso, iremos dispor das contribuições de Dermeval Saviani, no que se
refere à educação e a formação do homem, e de dados estatísticos disponibilizados pelos órgãos
governamentais, no que se refere ao funcionamento do PNLD de 2014 à 2016. Dessa forma,
intenta-se contribuir para as discussões acerca do livro didático no ambiente escolar e para os
estudos que apontam a importância de olharmos para estes manuais de maneira analítica e
prudente. 2
Considerações iniciais
309
310
311
312
Ensino
39.606 10.150.460 47.409.364 368.062.791,73 58.727.886,32 Fundamental:
1º ao 5º ano
Ensino
Fundamental:
59.097 2.609.633 9.901.805 57.964.238,45 19.834.945,80 1º ao 5º ano
(Educação do
Campo)
Ensino
51.439 10.995.258 28.170.038 220.253.448,14 54.880.224,96 Fundamental:
6º ao 9º ano
Subtotal:
114.982 23.755.351 85.481.207 646.280.478,32 133.443.057,08 Ensino
Fundamental
PNLD
Ensino Médio:
2016 19.538 7.405.119 35.337.412 336.775.830,99 34.513.659,62
1ª a 3ª série
Educação de
Jovens e
Adultos (2015
25.536 2.650.789 6.998.019 82.651.540,13 16.113.584,34 e 2016):
Ensino
Fundamental e
Médio
Programa
Brasil
*** 701.816 772.092 4.972.194,84 745.644,50
Alfabetizado
(PBA)
Total do
121.574 34.513.075 128.588.730 1.070.680.044,28 184.815.945,54
PNLD 2016
313
Ensino
47.225 10.764.129 25.454.102 173.222.891,86 30.677.077,02 Fundamental:
1º ao 5º ano
Ensino
Fundamental:
58.180 1.950.211 3.609.379 22.178.101,43 10.289.895,22 1º ao 5º ano
(Educação do
Campo)
PNLD Ensino
2015 51.762 10.774.512 27.605.870 192.661.598,51 34.641.441,68 Fundamental:
6º ao 9º ano
Subtotal:
119.345 23.488.852 56.669.351 388.062.591,80 75.608.413,92 Ensino
Fundamental
Ensino Médio:
19.363 7.112.492 87.622.022 787.905.386,58 111.041.941,71
1ª a 3ª série
1.175.967.978,3 Total do
123.947 30.601.344 144.291.373 186.650.355,63
8 PNLD 2015
Tabela 2: Total do PNLD 2015
Fonte: www.fnde.com.br acessado em 15/06/2016 às 17:00
314
Ensino
46.962 11.634.717 27.517.048 187.830.450,00 32.162.604,46 Fundamental: 1º ao
5º ano
Ensino
Fundamental: 1º ao
61.675 2.073.002 4.379.376 26.097.649,80 12.073.521,41
5º ano (Educação
do Campo)
Ensino
50.619 11.818.117 75.657.959 571.265.078,86 88.570.010,26 Fundamental: 6º ao
9º ano
Subtotal: Ensino
113.150 25.525.836 107.554.383 785.193.178,66 132.806.136,13
PNLD Fundamental
2014 Ensino Médio: 1ª a
19.243 7.649.794 34.629.051 292.481.797,74 40.635.131,22
3ª série
Educação de
Jovens e Adultos:
32.864 4.758.832 13.335.546 131.403.418,12 27.671.408,15 Ensino
Fundamental e
Médio
Programa Brasil
*** 1.468.797 1.615.828 8.814.672,90 1.856.225,77 Alfabetizado
(PBA)
Total do PNLD
121.279 39.403.259 157.134.808 1.217.893.067,42 202.968.901,27
2014
Tabela 3: Total do PNLD 2014
Fonte: www.fnde.com.br acessado em 15/06/2016 às 17:00
315
5
Ambos os valores citados se referem ao último registro de repasse disponível no site do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação, e podem ser consultados no endereço www.fnde.gov.br, na aba
individual destinada a cada um dos programas.
316
O que se deseja é que o professor não permita ser influenciado por tais
estratégias e que ele ensine seus alunos a terem a mesma atitude, de maneira que o livro
didático seja questionado, contextualizado, e refletido a todo momento, e assim tornar-
se um potente instrumento na formação de ambos – aluno e professor.
317
318
áreas de biomédicas, por exemplo, não fossem contestados rapidamente por outras
pesquisas, novas descobertas, e diferentes resultados.
Sobre isso, Saviani (1993, p. 148) alerta que “[...] um autor de livro didático
deve ter em mente [..] que não lhe cabe, propriamente, expor as conclusões científicas
(essa é a função dos livros especializados), mas selecioná-las e ordená-las de modo a
atingir o objetivo educacional: a promoção do homem, isto é, do educando”.
A promoção do homem, assim como os livros didáticos, são assuntos que têm
inspirado profundos debates em diversos âmbitos. Entretanto, ainda não observamos o
estabelecimento de uma relação entre estas duas temáticas, tendo em mente que, apesar
de maneiras diferentes, ambas estão presentes na escola e interrelacionam-se ou
poderiam interrelacionar-se a todo momento; pois, se como atesta Saviani (1993), o
objetivo da educação é a formação do homem, por que não dispor dos livros didáticos
para atingir tal objetivo?
Essa questão é rodeada de problemáticas e vem automaticamente acompanhada
de outras questões, dentre elas, o tipo de formação pretendida e de quem parte esta
pretensão. Saviani (1993) afirma que a alta evasão escolar indica que a escola primária,
como é denominado o Ensino Fundamental pelo autor, não é, não se faz necessária à
população brasileira, pois seu modelo elitista não corresponde as aspirações da
sociedade, o que nos permite depreender possíveis conclusões acerca dos manuais que
circulam no ambiente escolar e sua presumível ineficiência na formação do homem.
Saviani também afirma que compomos uma sociedade de laços fracos, e que o
papel da escola seria reforçar estes laços dando voz àqueles que até então foram
silenciados, o povo. Dar voz significa ouvir, confiar a alguém a palavra na certeza de
que ela, somente ela, saberá dizer o que é melhor para si mesma, através de diálogos e
discussões que poderiam (deveriam) ser iniciados na própria escola, com a presença de
diferentes indivíduos, formas de pensar, de agir, de viver, aprendendo desde já a
importância de ouvir e falar.
Como mencionado, o livro didático, a partir do intermédio do professor, pode
contribuir com a incitação de debates e é, segundo Saviani (1993, p.148), “[...] o
instrumento adequado para a transformação da mensagem científica em mensagem
educativa”. Essa transformação se torna muito importante a partir do momento que se
compreende a escola como principal agência de formação e que, ao menos em tese,
caberia a ela capacitar o seu público para compreender, refletir e dialogar criticamente
319
com os mais diversos tipos de informação, incluindo aquela de cunho científico, que por
vezes é inacessível e abstrata.
O que se percebe, pois, é que o livro didático não tem se prestado a discutir o
senso comum, conhecimento elencado nas próprias relações de um determinado grupo
social, tampouco o conhecimento científico como propõe Saviani: conhecimento
selecionado e ordenado para a promoção do educando. Daí a importância em se atentar
para o conteúdo que compõe estes manuais didáticos. A intenção é demonstrar a
responsabilidade que eles portam na tarefa de promover um espaço para o pensamento
coletivo crítico, reflexivo e emancipatório, que torne os agentes sociais indivíduos
ativos de sua realidade, e não passivos, como se tem identificado constantemente.
A responsabilidade atribuída aos livros didáticos nesta tarefa de tornar a escola
um espaço de troca e de formação, é pequena. Disso se tem consciência. O livro
didático não age sozinho e é dependente de muitos fatores, agentes, e circunstâncias.
Porém, mesmo conscientes de tal informação, entende-se que ainda que nossas
responsabilidades sejam pequenas elas devem ser cumpridas, e não ignoradas.
Isso posto, é possível inferir que os livros didáticos, comprometidos com a
responsabilidade de contribuir para a formação do sujeito integral, não surgem de
repente, como afirma Saviani (1993, p. 154), “[...] este tipo de livro não surgirá, porém,
espontaneamente. Estas notas são, pois, apenas um convite para se examinar de modo
mais profundo o problema concernente ao livro didático”.
Dessa forma, retomamos o primeiro parágrafo deste texto, os livros didáticos
têm suscitado nos dias atuais, e há algum tempo, um profícuo interesse entre
pesquisadores que têm construído um domínio de pesquisa em pleno desenvolvimento,
mas, não podemos nos deixar intimidar pela quantidade de pesquisas acerca desta
temática e pelas diferentes abordagens que têm sido dadas ao livro didático, pois,
enquanto ele não se abrir para estas vozes, mais elas devem se manifestar.
Considerações finais
O que se pretendeu defender, neste artigo, é que o livro didático pode sim
contribuir para a formação integral dos jovens, mas, para isso, ele ainda necessita de
muita investigação e de diferentes olhares atentos para seus conteúdos e abordagens.
Por mais que estes livros já sejam um objeto estudado por pesquisadores de diversas
áreas, não devemos nos esquivar de nossas contribuições, pois, além de observamos,
320
professores que se apropriam destes manuais como se mestres fossem, alunos que não
questionam as informações trazidas por estes livros e o cunho mercadológico que recebe
devido à disposição financeira do PNLD, ainda são muitos os questionamentos que
giram em torno destes manuais e de seu programa de avaliação e distribuição.
Ressalta-se, mais uma vez, a necessidade de se olhar com atenção para estes
livros e fazer parte deste processo, como professores, alunos, cidadãos que se
preocupam com o tipo de formação proposta por estes manuais e o que motiva estas
propostas. Ao refletir sobre elas, não intentamos a abolição dos livros didáticos ou sua
demonização, mas a produção consciente de seus conteúdos.
Por fim, recorre-se a Saviani (1993, p. 153) que, ao terminar suas notas sobre o
livro didático e a lei 5692/71 escreve: “[...] esperamos, com isso, ao levantar a questão
do livro didático no quadro da organização escolar brasileira atual, provocar a reflexão
de professores, autores e editores sobre a necessidade e urgência da produção de bons
livros didáticos”.
Referências
CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: Educação e Pesquisa.
Tradução de Maria Adriana C. Cappello. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 549-566,
set./dez. 2004.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Introdução
1
Karyn Meyer, Mestrado em Educação Escolar, Instituto Federal de São Paulo, SP, Brasil. E-mail:
karyn@ifsp.edu.br
322
Desenvolvimento
323
324
325
326
[...] cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de
discurso na comunicação socioideológica. A cada grupo de formas
pertencentes ao mesmo gênero, isto é, a cada forma de discurso social,
corresponde um grupo de temas. Entre as formas de comunicação (por
exemplo, relações entre colaboradores num contexto puramente
técnico), a forma de enunciação (“respostas curtas” na “linguagem de
negócios”) e enfim o tema, existe uma unidade orgânica que nada
poderia destruir. Eis por que a classificação das formas de
enunciação deve apoiar-se sobre uma classificação das formas de
comunicação verbal. Estas últimas são inteiramente determinadas
pelas relações de produção e pela estrutura sociopolítica. Uma análise
mais minuciosa revelaria a importância incomensurável do
componente hierárquico no processo de interação verbal, a influência
poderosa que exerce a organização hierarquizada das relações sociais
sobre as formas de enunciação. (BAKHTIN, 2009, p. 44-45).
327
“[...] A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam
completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da
enunciação”. (BAKHTIN, 2009, p. 117).
Tendo em vista tais considerações, podemos afirmar que os gêneros são
produzidos em determinados contextos e estão diretamente ligados à prática social, ou
seja, embora sejam tipos relativamente estáveis de enunciados, são criados e
modificados a partir da atividade humana organizada em diversos campos de atividades.
A variedade dos gêneros é ilimitada, pois são diversos os campos de atividade humana,
e inúmeras as possibilidades de objetivação da linguagem em cada campo. Isso não quer
dizer, entretanto, que não exista regularidade nos enunciados produzidos em
determinado campo. Quer dizer apenas que a regularidade existente não é a-histórica
nem tampouco independe da prática social humana.
A forma, se considerada independentemente dos outros aspectos que constituem
a unidade do gênero, não o define. Embora possamos reconhecer que determinada
forma remete normalmente a um determinado gênero, há casos em que tal forma se
insere em uma situação de enunciação diferente daquela em que o gênero normalmente
ocorre e traz uma temática diferente da esperada.
Ainda, há situações em que um gênero se insere em outro, o que ocorre com
frequência em textos literários.
Bakhtin apresenta uma distinção entre os gêneros primários e os secundários,
estabelecendo que os gêneros secundários são mais complexos e são formados por
diferentes gêneros primários transformados (como cartas, bilhetes, diários, etc.). Para o
autor, os gêneros literários são, geralmente, constituídos por gêneros secundários.
Assim, a presença de gêneros como cartas, bilhetes dentro do gênero literário
representa uma transformação do gênero original, visto que a situação de enunciação é
diferente. (BAKHTIN, 2011, p.. 305).
Os gêneros do discurso organizam a comunicação humana de sorte que, de
acordo com o autor, do mesmo modo como as formas da língua são interiorizadas
inconscientemente no seio da prática social, assim também o são os gêneros discursivos.
O homem se comunica exclusivamente por meio de tais gêneros, interiorizando suas
formas relativamente estáveis de organização, sem pensar teoricamente sobre elas. Na
prática sabemos as situações em que ocorrem determinados gêneros e os reconhecemos
criando expectativas sobre sua organização e duração. Entretanto, em se tratando da
questão dos gêneros no ensino, há que se pensar sobre a conscientização dos
328
mecanismos de criação e identificação dos mesmos, uma vez que, como afirma o
próprio Bakhtin (2011, p. 285):
O outro, entretanto, não pode ser definido apenas como subjetividade, dado que
ambos, locutor e interlocutor, inserem-se em dadas práticas sociais, em relações sociais
historicamente determinadas, as quais marcam objetivamente as enunciações e, por
conseguinte, os gêneros. A enunciação é sempre socialmente dirigida, sendo
determinada pelas situações concretas em que ocorre, de sorte que, embora haja certa
estabilidade nas formas que o discurso possa assumir, não é esta forma que define a
329
330
331
332
333
gêneros tal qual são tratados no cotidiano faz com que o ensino não seja voltado ao
estabelecimento de uma relação consciente com os mesmos.
A linguagem faz parte das esferas do cotidiano e do não-cotidiano. Na escola,
enquanto espaço privilegiado de transmissão dos saberes historicamente acumulados
pela humanidade, é fundamental que o trabalho com a linguagem possa, partindo do
cotidiano, atingir as manifestações mais elaboradas da mesma. Para isso, é fundamental
que se compreenda, no trabalho com os diferentes gêneros, o papel que a unidade
proposta por Bakhtin entre forma, tema e situação de enunciação desempenha. É preciso
que esteja claro o distanciamento entre o texto na escola e o texto em outras práticas
sociais. O texto na escola é um conteúdo de ensino, e como tal seu ensino deve
favorecer a compreensão da realidade objetiva.
Conclusão
Referências
____. Os gêneros do discurso. IN: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 2011.
334
DUARTE, N. O debate contemporâneo das teorias pedagógicas. IN: ____; MATINS, L.M.
(ORG). Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas necessárias. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2010.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Introdução
336
discussão sobre o esporte e a segunda sobre o trato com este conhecimento no ambiente
escolar.
Tomando a proposição didática da PHC, partimos da prática social realmente
existente, ou seja, o esporte está presente na escola, embora mais como atividade-treino
ou recreação do que como conteúdo de ensino. Então visando superar o senso comum
buscamos demarcar o que sabemos e o que precisamos saber para o trato com o
conhecimento esporte na escola.
Partindo do mais geral, apresentamos dados sobre o esporte no contexto
nacional. A pesquisa DIESPORTE3, executada entre 2010 e 2014, indica que o esporte
é responsável por cerca de 2% do produto interno bruto da Nação, ao mesmo tempo,
apenas 25,6% da população entre os 15-74 anos encontra-se envolvida em atividades
esportivas e o engajamento nestas atividades tende a cair com o avançar da idade. Por
outro lado quanto maior a escolaridade, maior o número de praticantes de esporte.
Contudo, dessa população temos que a maioria também não possui filiação a
instituições esportivas e/ou orientação profissional, assim como não praticam esporte
com fins de participar em competições. Apenas o resíduo de 5,5% quantificados pela
consulta do DIESPORTE pode ser considerado como agregado de opções de esporte
organizado e legalizado. Além disso, quando perguntados se “em sua região os espaços
públicos para a prática de esportes são suficientes?”, 36,4% dos respondentes disseram
que não e 37,0% responderam que sequer existem espaços estruturados pelo poder
público em suas regiões. Estes dados nos mostram que o esporte, apesar de muito
presente, inclusive economicamente, na vida das pessoas, não é algo de fácil acesso nem
em sua prática, e cremos que tampouco seja fácil o acesso ao seu conhecimento.
Em seguida problematizamos qual o conhecimento esporte reconhecido como
aquele a ser ensinado na escola? E qual o lugar deste conteúdo no processo de
desenvolvimento humano? Dessa forma, partimos da questão conceitual: O que é o
esporte? Qual é o esporte que temos em nossas escolas? Para a função social da escola e
do professor: O que justifica a presença do esporte como conteúdo de ensino em nossas
escolas? Nos valemos dos estudos desenvolvidos para instrumentalizar nossas
aproximações, tal como se segue4:
3
Disponível em http://www.esporte.gov.br/diesporte/index.html, acessado em 29/06/2016.
4
Explicamos que o objeto do artigo não é responder de forma conclusiva às questões aqui levantadas,
mas apontá-las como necessárias para o trato com o conhecimento esporte na escola.
337
Desenvolvimento
5
Carmen Lúcia Soares, Celi Nelza Zülke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli
Ortega Escobar e Valter Bracht
338
planos uma perspectiva de formação, que tenha por objetivo final atender a uma
concepção de formação humana/omnilateral.
Em seu processo de surgimento e desenvolvimento o esporte sempre foi reflexo
das relações sociais de produção das sociedades nas quais era, e é, praticado. Outros
animais que não o homem não desenvolvem, não aprendem, não ensinam e não
praticam esporte. Da mesma maneira, o esporte não é algo que nos foi legado de
maneira mítica ou mística, com sentidos e significados encerrados em si mesmo, e não
na sociedade que o concebeu.
[...] a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida
sobre a base da natureza biofísica. Conseqüentemente, o trabalho
educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens.
6
Nos apoiamos aqui no desenvolvimento sobre trabalho material e não-material apresentado no Capítulo
VI – inédito d’O Capital de Marx.
339
340
escolar, é a atividade guia no desenvolvimento da criança. Isso quer dizer que o jogo
possui papel de destaque na formação da personalidade durante esta fase da vida, sendo
uma espécie de porta de entrada para as relações sociais travadas entre os adultos e das
quais a criança procura reproduzir e se apropriar de maneira lúdica convertendo-as em
jogos
O jogo é a atividade principal, não porque a criança de hoje passa a
maior parte do tempo se divertindo, o que não deixa de ser verdade,
mas porque o jogo dá origem a mudanças qualitativas na psique
infantil. (MUKHINA, 1995, p.155, grifo do autor).
Porém, quando se passa à idade escolar esta atividade já não mais satisfaz o
processo de desenvolvimento, deixando de ser guia e tornando-se auxiliar, cedendo a
primazia à atividade de estudo. É nesta linha das atividades auxiliares que
argumentamos que o esporte se apresenta como possibilidade mais complexa, pois ao
contrário do que ocorre com o jogo (especialmente o protagonizado), este não guarda
ligações tão diretas com a realidade concreta, ou seja, com as atividades cotidianas dos
adultos, as relações entre as pessoas e as profissões.
No esporte manifesta-se a necessidade de um grau maior de abstração para, por
exemplo, a internalização tanto das regras quanto dos "papéis" envolvidos na prática
(como defensor, atacante, médio, etc.), pois nele tanto regras como papéis não se
resumem somente a delimitações resultantes do papel assumido na atividade. Como
conteúdo que paulatinamente afasta-se das questões mais diretamente empíricas
presentes no jogo, o esporte pode ser um auxiliar da atividade de estudo no aspecto do
desenvolvimento cognitivo e da capacidade de abstração
341
Não é demais afirmarmos que não fazemos este percurso imbuídos pela
perspectiva do Homo Ludens, famosa obra de Johan Huizinga, que defende uma
propensão do homem ao jogo, como se fosse este intrínseco ao próprio ser do homem,
como se fizesse parte de sua natureza biológica. Tomamos como referência em nossos
estudos a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural. Nos fundamentamos no percurso
sinalizado por Elkonin (2009), em que o pesquisador relaciona o surgimento do jogo
com o momento em que a divisão social do trabalho afasta a criança do processo de
produção.
Dessa forma, seria o jogo “[...] uma atividade em que se reconstroem, sem fins
utilitários diretos, as relações sociais”. Partindo de um argumento apresentado por outro
342
Com base nestes argumentos sobre os nexos e relações do esporte com o jogo e
suas possibilidades em relação ao desenvolvimento humano enquanto atividade auxiliar,
pensamos que ele pode vir a contribuir com o processo de desenvolvimento da
personalidade e do pensamento abstrato por parte dos escolares.
343
344
345
sistematizado; ou seja porque o esporte, por si só, não “salva” ninguém de condição
social nenhuma, que é fruto de relações sociais muito mais amplas e complexas.
Reconhecer o esporte nesta perspectiva, que vai além da compreensão de
modalidades ou visões parciais, nos exige reconhecer também que este conhecimento é
negado na escola. Mas como alterar esta lógica e tratar este conhecimento na escola
real, concreta, abordando o esporte pela contradição agonístico/lúdico no trabalho com
os estudantes e não mais reduzindo-o a um punhado de modalidades ou de práticas
vazias que sequer cumprem o mínimo daquilo que prometem?
Para dar conta deste desafio abordamos a PHC, crítica porque leva em
consideração as condições objetivas da educação, ou seja toma a explicação do processo
de formação (ideias) produzido nas condições objetivas para tal processo (base
material). Desta premissa desdobra-se a questão do conteúdo (os elementos da cultura a
ser ensinados) e do método (as formas mais desenvolvidas para tal). Além disso, nos
valemos da abordagem Crítico-Superadora, a partir do Coletivo de Autores e do uso dos
Ciclos de escolarização para o ensino do esporte, e da Psicologia Histórico-Cultural
como teoria de desenvolvimento humano.
Trabalhando a partir da contradição que apresentamos entre agonístico/lúdico
que caracteriza o esporte, e considerando os argumentos até aqui apresentados, muitos
aspectos dentro deste universo podem ser abordados pedagogicamente. Tomando por
base o conceito dos ciclos de escolarização pensamos em um conteúdo com o qual
pudéssemos demonstrar a possibilidade de ampliação das referências de forma
espiralada, indo da síncrese para a síntese, de forma que os sujeitos possam tornar-se
aptos a, paulatinamente e de forma cada vez mais complexa, constatar, interpretar,
compreender e explicar os dados da realidade, para poder nela intervir na direção dos
seus interesses de classe. (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
Por ser algo que para nós configura-se um grande desafio, decidimos tratar a
competição no esporte de forma científica. Todavia, a própria competição, em que pese
ser um elemento intrínseco ao esporte como já mencionamos, não existe de forma
absoluta e/ou apriorística. Existem outros elementos que compõem as modalidades
esportivas que direta e indiretamente interferem no modo como se dá a competição. No
trato com o conhecimento da competição no esporte, abordamos três destes elementos,
as regras, o instrumento e o ambiente da prática esportiva.
O que são as regras? Regras são o conjunto de convenções que se adotam
buscando regular e uniformizar determinada prática restringindo o leque de ações que os
346
sujeitos podem tomar no desempenho de seus papeis. O que são os instrumentos? São
os diferentes objetos manipulados pelos sujeitos quando do desempenho de suas
práticas, ex. Bolas, tacos, dardos, petecas, pranchas, etc. Lembramos que em diversas
práticas não é necessário que o sujeito esteja de posse do instrumento para que
desempenhe determinada ação dentro da atividade. O que é o ambiente? Trata-se do
local onde são executadas as práticas, se em ambiente aquático, terrestre, aéreo, se o
piso é de areia, cimento, grama, taco, flexível, etc.
O ponto discutido refere-se ao fato de que estes três elementos interferem no
modo como se dá a competição, assim como interferem um sobre o outro. Compreender
como determinada modalidade esportiva se configurou tal qual aparece hoje requer a
observação não somente do desenvolvimento histórico das modalidades, mas também
do próprio desenvolvimento da sociedade de maneira mais ampla, pois determinados
motivos que levaram a certas mudanças, por vezes se deram pra atender necessidades,
por exemplo, econômicas. Em seu livro Sports in the Western World de 1988, William
J. Baker exemplifica a questão de maneira muito interessante ao mostrar, como a
evolução do Boxe e a criação do Futebol Americano, este a partir principalmente do
Rugby, se deram com vistas a atender necessidades como a preservação da mercadoria
(atletas profissionais via de regra oriundos da classe trabalhadora) ou da integridade
física dos participantes (atletas amadores via de regra oriundos da elite), e a atração de
público aos locais dos eventos, e com o desenvolvimento das comunicações ao consumo
pré, durante e pós eventos.
No exemplo prático que trabalhamos em nossa oficina, tomamos uma vertente
do esporte muito trabalhada na escola que é o esporte coletivo. A partir da escolha desta
variante do esporte, fizemos o exercício de procurar elementos que fossem estruturantes
das modalidades coletivas, ou seja, elementos que pudessem ser encontrados em todas
as modalidades coletivas de prática esportiva. Chegamos deste modo ao elemento
“passe”.
E o que é o passe? No esporte coletivo podemos dizer de forma simplista que o
passe é o ato de transferir o instrumento de jogo de um jogador para algum outro
jogador em melhor situação em relação a consecução da conquista da meta de
determinada prática esportiva. Afirmamos na oficina que a maneira como se executa o
passe sofre influência direta das regras, do instrumento e do ambiente onde se dá a
prática esportiva.
347
348
Conclusão parcial
Procuramos neste ensaio demonstrar que uma outra abordagem do esporte é
possível dentro de nossas escolas. Entretanto, mais do que apresentar uma opção,
procuramos também demonstrar que não somente o esporte tem lugar na escola, como
ele, enquanto atividade auxiliar, tem um papel importante na formação da personalidade
do indivíduo, especialmente quando considerado como uma possibilidade ulterior ao
jogo no processo de desenvolvimento humano.
Toda nossa oficina foi pensada a partir do método da Pedagogia Histórico-
Crítica, pois ao tratarmos do conteúdo esporte com os professores da Rede Pública de
Salvador, partimos da prática social real do esporte que temos efetivamente em nossas
escolas, muitas vezes marcado pela competição excludente, pela preparação para
349
campeonatos, pelo professor “rola bola” que é aquele que entrega uma bola no começo
da aula e deixa as crianças jogando, atuando no máximo como árbitro de vez em
quando, e tantos outros exemplos que poderiam encher mais uma página aqui.
Problematizamos esta questão a partir não do trato com modalidades esportivas,
mas a partir do próprio fenômeno esportivo e das possibilidades que se apresentam nas
modalidades competitivas e coletivas, com trabalho específico em relação ao passe.
Discutimos por esta via porque o esporte é importante e porque ele deve estar na escola
e ser de alguma forma parte do processo formativo da personalidade de nossas crianças.
Também aprofundamos o debate de porque o esporte, quando é apresentado em nossas
escolas, normalmente o é na maneira de senso comum descrita acima. Em sincronia
com a problematização também se dava a instrumentalização mas não somente porque
discutimos e fomos a campo “experimentar” maneiras diferentes de praticar esporte e
dar outras opções de trabalho para os participantes, mas sim porque a própria concepção
que subsidiava as atividades era colocada em outra lógica, buscava um outro padrão de
relação entre o homem e a sua criação (o esporte), devolvendo a este o domínio sobre a
coisa e a possibilidade usufrui-la não mais pela perspectiva fechada e rígida que
caracteriza o “ensino do esporte” nas nossas escolas, mas sim através do trato com o
conhecimento esporte que aborda este fenômeno com uma outra perspectiva e com
outros objetivos, reavaliando o próprio conceito de esporte e suas possibilidades. A
catarse no processo pode ser identificada com o momento em que extrapolamos a idéia
do passe como um elemento que circunscreve-se apenas ao ato de se passar o
instrumento de um jogador para outro, para a perspectiva das relações entre aquele que
possui o instrumento e todos os demais jogadores, as regras e o ambiente, o que
representa um salto na complexidade das relações sociais no esporte e de suas
possibilidades.
Com isso finalizamos com a “volta” a prática social (entre aspas porque
sabemos que nunca deixamos a prática social) com uma visão sobre o esporte que
considera sua importância e reafirma seu lugar na escola, não porque queremos formar
atletas, não porque queremos garantir (a falácia da) saúde, não porque queremos incluir
socialmente e não porque queremos estilos de vida ativos, mas sim, porque queremos
contribuir no processo de humanização e de potencialização do alcance das máximas
capacidades de cada ser humano, e isso passa, parafraseando Saviani, pelo ato de
reproduzir direta e intencionalmente em cada um de nós aquilo que de melhor e mais
350
Referências
ADAM, Y. O desporto, objeto de lutas ideológicas e politicas. In: ADAM, Y. et al. Desporto e
desenvolvimento humano. Lisboa: Seara Nova, 1977.
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SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica. 10a ed. rev. e ampliada. São Paulo: Autores
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da Bahia, Salvador, 2011.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
A APROPRIAÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
Introdução
352
353
354
propulsor do desenvolvimento infantil”. Esse deve ser o principal direito, não podendo
ser negado, pois é a garantia desse direito ao conhecimento que possibilitará à criança as
máximas condições de humanização. Dessa forma,
355
(conteúdo dado) A X
X N (Associação recordada)
(marca primitiva)
Quadro 1: Esquema representando a atividade gráfica indiferenciada.
Fonte: Luria (2010).
356
como uma forma de registro mnemônico, mas ainda sem que esteja associado a um
expediente auxiliar de escrita.
A partir do avanço que a criança alcança quando consegue utilizar seus desenhos
como recurso mnemônico, deve-se propor o desafio no qual ela necessitará registrar
algo consideravelmente difícil ou até mesmo impossível por meio de uma simples
figura. A partir deste desafio, a criança desenvolverá formas de superação, levando-a à
consolidação da escrita simbólica.
Um dos caminhos para estabelecer essa superação, segundo os experimentos de
Luria, é a representação de alguma parte do todo que auxilie a criança na recordação do
que registrou, como é o caso de uma criança que ao registrar o termo “Há 1000 estrelas
no céu”, desenha uma linha horizontal representando o céu e afirmando que não pode
desenhar 1000 estrelas, desenha um avião. O outro caminho que se aproxima mais da
escrita simbólica é a representação do item que apresenta dificuldades em seu registro
por signos que a auxiliarão na lembrança do que ele realmente representa. Isso pode ser
visto quando é dado o mesmo termo para outra criança e esta representa as 1000 estrelas
pelo desenho de apenas duas, afirmando que por meio das duas estrelas desenhadas,
lembrará que estas se referem a 1000.
Todavia, constata-se que neste momento a relação com a escrita é puramente
externa e apesar de entender que os signos que lhe foram ensinados podem representar
qualquer coisa, ainda não sabe estabelecer a relação entre o conteúdo, a fonética e
grafia. Em seus experimentos, Luria (2010) nos revela que ao alcançar a escrita
simbólica, a criança volta a passar por todos os processos anteriores. O retorno ao
sistema de signos ocorre quando o sistema pictográfico se torna insuficiente com a
inserção de elementos abstratos nas sentenças ditadas, induzindo à criação de um signo
que represente o termo impossível de ser representado por meio do desenho. Somente aí
o sistema alfabético ganha sentido como o instrumento completo que apresenta a
solução para os desafios que foram colocados para a criança até este momento.
A partir dessa breve exposição acerca dos estágios de desenvolvimento da
escrita propostos por Luria (2010), fica claro que este desenvolvimento acontece antes
do 1º ano do ensino fundamental, considerado responsável por iniciar e dar um salto na
alfabetização da criança. Assim, é importante ressaltar que a educação infantil pode e
deve iniciar este processo, pois “[...] embora saibamos que cabe à primeira série escolar
iniciar formalmente a alfabetização das crianças, é impossível que este tema não esteja
presente no cotidiano infantil [...]”. (STEMMER, 2010, p.131).
357
358
Outras ações propostas são frases, cartas e músicas enigmáticas, pois, por meio
delas, o aluno vai adquirindo a capacidade de ler com o auxílio do desenho, bem como
precisará realizar a tarefa de substituí-lo pela palavra escrita. As autoras também
sugerem como recursos, jogos e brincadeiras fundamentais para esse período do
desenvolvimento, pois “[...] a brincadeira é fonte do desenvolvimento e cria a zona de
desenvolvimento iminente”. (VIGOTSKI, 2008, p. 35).
A partir das atividades propostas serão possibilitadas às crianças da educação
infantil o conhecimento do sistema alfabético e a compreensão do seu uso social
possível de expressar qualquer conteúdo, tanto para registro quanto para a comunicação.
3
O caderno foi selecionado pela professora, que o considerou o mais avançado da turma.
359
Com base nos experimentos de Luria (2010), podemos dizer que as crianças
estão na fase do desenvolvimento da escrita pictográfica e, assim, utilizam o desenho
como auxílio para a memória. Assim, o professor deve atuar para a sua superação
inserindo elementos que dificultem o registro por meio de desenho, obrigando que
recorram ao sistema alfabético, entendendo-o como um sistema cultural que possibilita
ao ser humano o registro de qualquer conteúdo. No entanto, ao procurarmos atividades
pedagógicas que propiciam esse desenvolvimento entre aquelas planejadas pela
professora, encontramos somente três. Na primeira, era solicitado à criança que
registrasse o/a maior e menor menino e menina da turma (Figura 2)4.
4
Todos os desenhos utilizados foram devidamente autorizados pelo Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
360
O que pode ser analisado sobre essas ações, é que embora elas realmente
proponham, conforme mencionado por Luria (2010), elementos de tamanho e
carregados de significados difíceis de expressar por meio de desenhos, não ocorreu com
essas crianças uma diferenciação nos desenhos que lhes servisse como auxílio para a
memória, pois se constata que na atividade 1 (figura 1), todas as crianças foram
desenhadas da mesma forma, não sendo possível identificar, por meio do desenho o/a
maior e menor menino e menina. Da mesma forma, as atividades seguintes foram
realizadas com o registro simples de representação de figura humana, não sendo
possível estabelecer, por meio do desenho, o que as atividades propunham.
Outro fator que merece destaque é que de 56 atividades registradas no caderno,
apesar de terem sido desenvolvidas 14 com desenhos, somente três delas estavam
direcionadas para o que Luria (2010) nos propõe acerca da inserção de elementos que
exijam, na produção do desenho, o uso de instrumentos que auxiliem na recordação do
que foi registrado. Todavia, conforme demonstram as figuras apresentadas, não foi dado
destaque a nenhuma característica solicitada (tamanho, substantivos abstratos e
361
362
Desta forma, fica claro que assim como são negados os conhecimentos
necessários à formação dos alunos, também o são aos professores e futuros professores,
que acabam por acreditar e valorizar a superficialidade do conhecimento que emerge do
cotidiano dentro das escolas. Assim, muitos professores, sem ter clareza do que fazem,
acabam contribuindo para a perpetuação da sociedade de classes ao não oferecer uma
educação de qualidade aos filhos da classe trabalhadora, que necessitam do
conhecimento para superar a condição de exploração em que vivem, sendo esta também
a sua condição (formação aligeirada e superficial). De fato, é necessário que “[...] os
trabalhadores da educação escolar compreendam que ninguém objetiva aquilo que não
lhe foi dado à apropriação”, pois somente assim será possível alcançar uma educação de
qualidade a todos os indivíduos. (DANGIÓ; MARTINS, 2015, p. 219).
Considerações finais
363
364
Referências
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas, SP:
Autores Associados, 2011.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este estudo teve como objetivo refletir sobre o processo de formação docente , a fim
de identificar as possíveis alterações na prática pedagógica de professores da Educação Básica.
Nesse sentido, foi necessário considerar as interfaces da sociedade capitalista sobre este
fenômeno. Assim, conduzida como expressão da práxis pedagógica, a educação está articulada
como uma problemática mais ampla, constituindo-se como instrumento de mediação para o
desenvolvimento e a humanização do sujeito. Trata-se de uma pesquisa de abordagem crítico-
dialética, de delineamento qualitativo. Por meio das concepções apresentadas pelos professores
entrevistados foi possível constatar que a organização capitalista interfere diretamente no
contexto educacional, entretanto, é preciso destacar que o processo de Formação Continuada
possibilitou aos docentes troca de experiências, partilha dos problemas enfrentados em sala de
aula, conhecimento teórico à luz do Materialismo Histórico e Dialético, da Teoria Histórico
Cultural e da Pedagogia Histórico Crítica, proporcionando aos professores subsídios e propostas
metodológicas que possibilitam uma ação consciente perante a prática e a possível compreensão
e alteração da realidade.
Introdução
1
Nathalia Martins, Mestranda em Educação, Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil. E-mail:
nathaliamartins92@hotmail.com
2
Vânia Alboneti Terra Dias, Graduanda em Pedagogia, Universidade Estadual de Londrina, Paraná,
Brasil. E-mail: vania_terra@hotmail.com
3
Sandra Aparecida Pires Franco, Pós-Doutora em Educação, Universidade Estadual de Londrina, Paraná,
Brasil. E-mail: sandrafranco26@hotmail.com
366
367
o modo como o homem modifica o meio e se modifica a fim de produzir sua vida
material. Observa-se o trabalho como aspecto pontual; o qual, o homem coloca a
natureza a seu serviço, e produz objetos de acordo com as suas necessidades e
interesses, visto que, tal corrobora para o desenvolvimento do mesmo, pois, “[...] o
homem não se faz homem naturalmente”. (SAVIANI, 2000, p. 07).
Dessa forma, afere-se ao trabalho como uma ação pensada e planejada que
transforma a realidade, divergente de outras espécies, as quais realizam ações sem terem
intenção prévia, agindo apenas por instinto, utilizando da natureza apenas para a
sobrevivência.
Nessa perspectiva, afirma-se que o ser humano nasce em um mundo repleto de
objetos, instrumentos, saberes, linguagens, hábitos e costumes, os quais resultam na
cultura acumulada pelas gerações precedentes. Marx (2002) afirmou que o ser humano
se torna humano à medida que atua sobre a realidade apropriando-se da natureza e dos
elementos da cultura, transformando-os e transformando a si mesmo.
Diante dessa afirmação, na Teoria Histórico Cultural, Vigotski tendo como
aporte textos marxianos, não recusou a influência biológica, no desenvolvimento
humano, mas agregou a este a herança social e histórica como elementos essenciais de
conhecimento e exprimiu que “[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza
social específica e um processo através do qual os educandos penetram na vida
intelectual daqueles que as cercam”. (VIGOTSKI, 2010, p. 100).
Por meio dessas constatações, pode-se perceber que as aptidões e caracteres
especificadamente humanos não são transmitidos por hereditariedade biológica, mas
adquirem-se no decurso da vida por um processo de apropriação da cultura criada pelas
gerações precedentes.
Nesse contexto, ao pensar no objeto para sanar necessidades criou-se técnicas
para o resultado final. Assim, ao longo do tempo as gerações posteriores se apropriaram
do seu uso e criaram novas técnicas para novos objetos, ou seja, o homem tem a
capacidade de se apropriar do que já foi elaborado para novas ações. Portanto, o
trabalho passa a ser a forma que o homem transcende a natureza e a si mesmo.
(MARTINS 2011).
Esse processo corrobora para a concepção social e histórica de homem e que
nesta situação é instigado a construir seu pensamento por meio do processo de trabalho.
Assim, Engels (2002, p. 139) afirmou que “[...] a modificação da natureza constitui a
base essencial do pensamento humano; e é na medida em que o homem aprendeu a
368
transformar a natureza que sua inteligência foi crescendo”. Marx (2002, p.42), por sua
vez, expressou que são “[...] as mudanças históricas na vida material e na sociedade que
determinam mudanças na consciência do homem”.
O proposto pelos teóricos citados significa que o desenvolvimento humano está
vinculado à movimentação e à transformação, que são propostos por meio do processo
de trabalho, meios pelo qual transformam a natureza e a si próprios. Entretanto, na
sociedade atual, os indivíduos vivenciam uma vida engendrada nas diferentes situações
que consideram o cotidiano como centro das atenções junto ao capitalismo. Assim,
estima-se que o homem seja mero reprodutor e que dentro deste sistema ele não tenha
consciência da sua condição de sujeito.
Tal aspecto pode ser percebido mediante as falas dos professores entrevistados,
“[...] a primeira impressão que tive ao voltar para universidade foi o distanciamento do
chão da escola com as teorias preconizadas no ensino superior” (p. 1), “[...] não pensava
muito em estudar antes. A rotina da escola pública não nos permite tal luxo” (p. 3), “por
mais que eu falasse que não iria me distanciar dos estudos, acabei sendo corrompida
pelo cotidiano da escola e acabei me acomodando” (p. 5).
Os professores entrevistados expressaram na fala exemplos vivenciados do
quanto o engendramento do cotidiano interfere no fazer docente, visto que, a prática
pedagógica acaba se comprometendo diante de tal situação. Entretanto, tal pesquisa
tendo como foco o pensamento crítico e dialético perante tais constatações, permite
afirmar que a realidade concreta dos professores pautam se em abstrações teóricas para
então retornar à realidade com possíveis alterações em si e na natureza. Este processo é
norteado pelo estranhamento da realidade posta no cotidiano escolar.
Afinal, a sociedade pode ser também um espaço para luta e transformação. “Os
indivíduos podem mover o ambiente no qual participam”, o que envolve a ideia de
mudança, havendo a necessidade de ir além da cotidianidade, possibilitando o pensar
sobre as vias de transformação social. (HELLER, 2008, p. 57).
Cabe dizer que, ao considerar tais pressupostos para orientar a prática
pedagógica em sala de aula, as ações do professor devem ser diferenciadas em todos os
seus aspectos. Isso significa que o exercício docente precisa considerar este movimento
dialético.
Nesse sentido, Saviani (2000) norteia a proposta da pedagogia histórico-crítica
aliada aos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural e do Materialismo Histórico e
369
370
371
transformação sobre suas ações, sobre o que faz, como faz e porque faz, levando em
consideração a consciência sobre suas práticas.
A presença do processo dialético na ação docente reflete diretamente na
formação dos estudantes, pois uma prática pedagógica consciente possibilita um ensino
distanciado do senso comum; no entanto isso não ocorre de forma simples e intuitiva.
Requer uma sólida formação teórica e epistemológica, bem como a compreensão da
realidade, ou seja, a consciência que permite ao professor o exercício constante da
dialética.
Assim, pode-se atingir o proposto, entretanto, é preciso considerar que os
próprios professores não são imunes às transformações sociais, pois estão inseridos
neste contexto. Não existem dualismos entre educadores e educandos, divididos em
homens ativos e passivos, implicando em uma práxis incessante, tanto do objeto quanto
do sujeito e, portanto, jamais poderá haver educadores que não necessitem ser educados.
(VÁZQUEZ, 1968).
Nessa perspectiva, é necessário enfatizar que este percurso não acontece por
meio de um curso oferecido em pacotes fechados com fins imediatos e de forma
‘aligeirada’, nos quais os professores ficam apenas ouvindo sem nenhuma participação,
uma vez que estes deveriam ser os mais atuantes. A proposta da formação continuada
enfatiza um processo que possibilite um pensamento dialético sobre a teoria e a prática.
Portanto, este processo de formação visa que a relação teoria e prática permeie o
trabalho do professor, ou seja, o saber docente é práxis do trabalho elaborado para
intervenção do professor.
A reflexão acerca da práxis, que segundo a perspectiva histórico-cultural, se trata
de uma atividade humana, pressupõe que deva ser realizada como a atividade consciente
do sujeito que irá intervir. Desta maneira, foi questionado aos professores se “Há
influência da Formação Continuada acerca do método e da teoria histórico cultural em
sua prática pedagógica? Qual?”.
372
Com as falas dos professores foi possível perceber que o processo de Formação
Continuada possibilitou aos docentes trocas de experiências, partilha dos problemas
enfrentados em sala de aula, conhecimento teórico que proporcionaram subsídios e um
pensar sobre as propostas metodológicas, sobre a didática utilizada em sala de aula,
possibilitando uma ação consciente perante a prática e a possível compreensão e
alteração da realidade.
Um dos fatores que contribuiu para que os professores conseguissem transcender
a teoria para a realidade da sala de aula foi o sentimento de pertencimento perante a
Formação Continuada que possibilitou apropriação sobre a teoria e a expropriação da
mesma no cotidiano escolar.
O processo dialético que sustenta a perspectiva da Pedagogia-Histórico-Crítica,
segundo Saviani (2000), também é de extrema relevância na formação, visto que, é
possível conhecer a realidade, para então poder negá-la por meio do conhecimento
científico, pois negá-la significa oferecer subsídios para transformá-la. Nessa vertente,
ressalta-se a fala dos professores grifada acima, pois elucida que tal processo propiciou
este perceber e conceber sobre a ação do professor.
A pedagogia histórico-crítica é o empenho em compreender a questão
educacional a partir do desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção
pressuposta nesta visão é o Materialismo Histórico e Dialético, ou seja, a compreensão
da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições
materiais da existência humana. (SAVIANI, 2000, p. 102).
É preciso considerar que a fala dos professores apresenta características destas
determinações, pois, apresenta a atividade docente como um movimento ao
conhecimento, e a relação indissociável entre teoria e prática; todavia há, paralelamente,
um desafio nesta situação, pois formar um educador que trabalhe nesta perspectiva
requer alguns elementos, que é a capacidade de trabalhar com os conhecimentos
sistematizados sem que haja uma anulação sobre aquilo que o educando traz consigo.
373
374
Considerações finais
Referências
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real. 5ª ed. Cortez. São Paulo,
2003.
375
MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Trad. Castro e Costa, L.C São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
NETTO. J. P.; FALCÃO. M. C. Cotidiano: conhecimento e crítica. 4. ed. – São Paulo: Cortez,
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SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 13. ed. São Paulo:
Autores Associados; Cortez, 2000.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses
sobre educação e política. 33.ª ed. revisada. Campinas: Autores Associados, 2000.
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
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18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Nesse artigo apresentaremos os resultados da pesquisa científica que discute os eixos
filosóficos do Projeto Político Pedagógico enquanto norteadores para a construção da rotina
político-pedagógica da escola, desvelando o Currículo escolar em ação. Desta forma, queremos
contribuir com o debate a partir da investigação ao histórico da construção da rotina político-
pedagógica e sua relação com os fundamentos curriculares principalmente quando estes
orientam as ações político-pedagógicas da escola, e sua repercussão quando seu discurso se
volta à formação plena do ser humano. Nosso objeto de análise, neste momento da pesquisa,
serão os eixos que respondem pela “visão de ser humano” e pela “função social da escola”
enquanto vetores que sustentarão este exercício da corresponsabilização dos sujeitos na
elaboração e efetividade prática do Projeto Político Pedagógico, dando-lhe visão de finalidade
(teleologia).
Introdução
377
378
Assim sendo, a transformação que ocorre neste momento histórico define algo
além da gestão escolar, mas reorienta todo o vetor curricular que alimenta a construção
da rotina político-pedagógica e administrativa das unidades de ensino brasileiras. É um
novo paradigma de formação humana proposto, que se evidencia pelo mapa curricular
que orienta as atividades nucleares da escola.
379
O currículo pode ser entendido como um “artefato social e cultural” uma vez que
é constituído por um conjunto de práticas locais, globais, encadeadas, desencadeadas,
conflituosas e integradas. Ainda segundo a autora o processo de educação destacado
num currículo que identifica na formação humana plena sua prioridade, converge num
sentido objetivo o complexo diverso e rico de práticas e conteúdos que “[...] não podem
ser entendidas separadamente”. (LUNARDI, 2004, p. 6).
Ao se falar em “formas de ensinar” deve ficar claro que esta relação não se
restringe apenas entre professor e aluno em sala de aula. Neste contexto, Paro (2007, p.
11) destaca que:
380
lugar desejável pelo aluno, aonde ele não vá apenas para preparar-se
para a vida, mas para vivê-la efetivamente.
381
382
383
384
De acordo com Saviani (1995, p. 22-23), a escola é uma instituição social com
objetivo explícito: a transmissão e assimilação dos saberes epistemologicamente
sistematizados pela humanidade enquanto produto da história:
Considerações finais
385
por meio do ato educacional são encontradas no projeto político-pedagógico (PPP), pois
exerce papel fundamental na orientação colegiada e responsável dos atores escolares
para a realização da formulação do currículo assim como na organização da própria
unidade escolar na promoção do “cotidiano político-pedagógico”. O liame que conduz
a tríade “cotidiano escolar - currículo - PPP” possui centralidade na organização
contemporânea da escola participativa e de qualidade almejada pela sociedade e
proposta pelo Estado.
Nessa perspectiva, verificamos que o Projeto Político Pedagógico norteará o
conjunto de atividades escolares construídas coletivamente a partir da dinâmica do
contexto em que a unidade de ensino e a comunidade estão inseridas. Esta organização
exigirá o exercício político na construção da rotina do currículo em ação. Diante desta
perspectiva, o estudo aponta que os eixos filosóficos aqui investigados (“visão de ser
humano” e “função social de escola”) destacam o norte perseguido pelas atividades de
transmissão e assimilação dos conhecimentos (ensino-aprendizagem, em amplo aspecto)
relevantes à formação humana plena promovidos no próprio cotidiano escolar pelos
sujeitos nela inseridos.
Referências
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Adreana D. Currículo e Formação Humana: princípios, saberes e gestão. Curitiba, PR: CRV.
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Campinas, SP: Papirus,.
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Campinas, SP: Papirus.
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Resumo: Esse texto tem como objetivo relatar o processo de reescrita das Diretrizes
Curriculares para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental I e II da Rede Pública
Municipal de Ensino de Aparecida de Goiânia-GO, iniciado em 2015 e ainda em fase de
elaboração. O referido documento tem como referencial teórico os pressupostos filosóficos,
psicológicos e pedagógicos defendidos pela Pedagogia Histórico-Crítica. Intenta-se também,
apresentar as etapas concluídas e as projeções futuras, os obstáculos e as superações, bem como
os pressupostos teóricos que estão subsidiando a elaboração deste documento, apontando o seu
delineamento com as condições histórico e social, com as concepções de gestão e com o
compromisso e prioridades assumidos pelos professores que compõem o quadro técnico dessa
Secretaria da Educação.
Introdução
Esse texto tem como objetivo relatar o processo de reescrita das Diretrizes
Curriculares para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental I e II da Rede
Pública Municipal de Ensino de Aparecida de Goiânia-GO, iniciado em 2015 e ainda
em fase de escrita, tendo como referencial teórico os pressupostos filosóficos,
psicológicos e pedagógicos defendidos pela Pedagogia Histórico-Crítica.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (BRASIL, 1996),
configura-se incumbência da União: "[...] estabelecer, em colaboração com os estados,
1
Ivone Rodrigues dos Santos, Psicóloga/Pedagoga, Secretaria Municipal da Educação de Aparecida de
Goiânia, Goiás, Brasil. ivonesantospsico@hotmail.com
2
Aline Araújo Caixeta da Silva, Letras (Port/Fran)/Pedagoga, Secretaria Municipal da Educação de
Aparecida de Goiânia, Goiás, Brasil. aline1313@gmail.com
3
Cecília Honória dos Santos Pereira, Pedagoga/Artes Visuais, Secretaria Municipal da Educação de
Aparecida de Goiânia, Goiás, Brasil. ceciliahonoria@gmail.com
388
389
390
Para alcançar esse objetivo, a SME, por meio da Portaria nº 082/2015, instituiu
uma comissão para discutir e re/escrever o documento curricular, desmembrado em três
volumes: Educação Infantil (volume I), Ensino Fundamental I (volume II) e Ensino
Fundamental II (volume III). De acordo com o documento, “II – A referida Comissão
tem por finalidade articular, planejar e executar todo o processo de re/escrita das
Diretrizes Curriculares Municipais, garantindo, nesse processo, a participação de toda
Comunidade Escolar e Local”. (APARECIDA DE GOIÂNIA, 2015).
Nessa direção, a Comissão, formada por professores que compõem o quadro
técnico da Secretaria Municipal da Educação, desde março de 2015, reuniu-se
semanalmente, em sessões de estudos e discussões para elaborar essas Diretrizes.
Inicialmente, optou-se por revisitar leituras que esclarecessem sobre as diferentes
concepções pedagógicas e suas implicações no trabalho educativo. As reflexões e
discussões buscavam identificar a defesa e concepções apresentadas pelas diversas
perspectivas teóricas em relação aos seguintes aspectos: concepção de ser humano,
sociedade e educação; especificidade da educação escolar; concepção de ensino-
aprendizagem e/ou desenvolvimento humano; planejamento e avaliação do trabalho
educativo.
Concomitante a este trabalho, o grupo de profissionais que fazem parte dessa
comissão, fomentaram debates acerca dos aspectos concernentes a realidade da
educação neste município e seus anseios. O que se percebeu foi uma variação teórico
metodológica, consequência das “teorias do Aprender a Aprender”4 nas ações da SME,
das Unidades de Ensino e dos professores, gerando assim, um cenário de ecletismo
teórico, didático e metodológico, no qual se verificou influências do Construtivismo, da
Pedagogia do Professor Reflexivo, da Pedagogia das Competências, da Pedagogia dos
Projetos e da Pedagogia Multiculturalista.
A partir desse movimento, ficou perceptível que havia necessidade de
estabelecer uma concepção teórica para toda rede municipal de ensino, uma vez que a
definição de uma corrente pedagógica, demarca os pressupostos filosóficos,
psicológicos e pedagógicos, oportunizando, assim, a superação desse ecletismo teórico
em busca de avanços para a educação, com o objetivo de formar indivíduos atuantes e
com consciência crítica.
4
Nomenclatura que se refere ao ideário escolanovista, nomeada pelo estudioso Newton Duarte (2010).
391
392
5
Os conceitos marxianos são inerentes aos pensamentos do próprio Marx, distintos, portanto, dos conceitos
marxistas, que se referem à tradição construída a partir de Marx pelos seus seguidores.
393
[...] a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida
sobre a base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho
educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação
diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à
descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.
394
Para Saviani (2013, p. 13) “[...] o trabalho educativo é o ato de produzir direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens”. Busca-se com isso reafirmar o papel da
escola que, ainda de acordo com o autor, “[...] existe, pois, para propiciar a aquisição
dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o
próprio acesso aos rudimentos desse saber”. (SAVIANI, 2013, p. 14).
Considera-se, assim, que o trabalho educativo escolar não se trata de qualquer
ação. É imprescindível a intencionalidade e a organização adequada com fins
direcionados. Sobre a importância da intencionalidade no trabalho pedagógico, Saviani
(2013, p. 7) apresenta sua defesa: “[...] o homem não se faz homem naturalmente; ele
não nasce sabendo ser homem, [...] ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir.
Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que
implica trabalho educativo.
Para esse enfrentamento, a pedagogia histórico-crítica advoga a transmissão de
conteúdos historicamente produzidos e objetivamente interpretados como base para a
organização de um currículo escolar. Saviani (2012, p. 55) afirma que
395
Considerações finais
396
Referências
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
APROXIMAÇÕES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA À EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Resumo: Esse artigo tem por objetivo apresentar análises sobre a produção de pesquisas que
aproximam a teoria formulada por Demerval Saviani, denominada de Pedagogia histórico-
crítica (PHC) à educação de jovens e adultos. Para isso privilegiamos como fonte de pesquisa a
base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BNTD), por meio de
consulta eletrônica. Essa consulta, sistematizada no mês de junho 2016, combina descritores
como: formação de professor, Pedagogia histórico-crítica e Educação de Jovens e Adultos
(EJA). O período delimitado no levantamento compreende os anos de 2005 a 2016. As
pesquisas selecionadas e analisadas evidenciam que a temática da EJA tem sido abordada a
partir dos pressupostos da PHC, contudo, ainda apresenta números que podem ser considerados
de baixa ocorrência. Esse aspecto sinaliza que a PHC possui potencial para investimento em
pesquisas que investem em questões da EJA, especialmente no que diz respeito a prática
pedagógica.
Introdução
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), Campus Vitória, Brasil. E-mail:
ericarenata@ifes.edu.br
2
Dra em Educação e Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES),Campus Vitória, Brasil. E-
mail:Dilzac@ifes.edu.br
398
399
400
401
402
que nas relações sociais produz a sua existência. Assim, a perspectiva de educação é
compreendida dentro de uma característica histórica.
Gonçalves (2014) aponta para a complexidade em tornar garantido a oferta, o
acesso, a permanência e a apropriação do conhecimento para os educandos da educação
de jovens e adultos. Sabe-se que no caso da educação especial e da educação no campo
o cenário é ainda mais complicado. Conforme abordagem da PHC, na perspectiva de
uma prática educativa emancipadora, é por meio da educação e da apropriação do
conhecimento científico, histórico, artístico e filosófico em suas formas mais
desenvolvidas, que será possível participar e transformar essa realidade.
Com o objetivo de problematizar essa situação a autora buscou, nos pressupostos
da PHC, elementos para compreender e analisar criticamente o contexto das teorias
pedagógicas difundidas no contexto educacional brasileiro. Ao descrever os passos
propostos por Dermeval Saviani, apresenta-os como um método dialético que mantém
vinculação entre educação e sociedade.
Conforme dados obtidos nessa pesquisa, infelizmente, a criação de políticas de
inclusão dos alunos da EJA com deficiência não garante atendimento especializado da
educação especial para esses alunos. Quanto às condições complexas do trabalho
docente, evidencia a participação e o empenho das professoras em conduzir o
conhecimento científico de modo a trabalhar os conteúdos numa perspectiva crítica e
emancipatória, mas admite que além da formação para atuar na EJA faz-se necessário a
formação no âmbito da educação especial.
O estudo de Gonçalves (2014) apresenta como desafio a questão de um possível
esvaziamento no que se refere aos conteúdos formais na EJA. Em conformidade com a
autora e apoiada nos pressupostos da PHC, isso consequentemente, causaria o
rompimento com o processo de apropriação do conhecimento sistematizado
impossibilitando a instrumentalização, a catarse e o retorno a prática social conforme
apresentado por Saviani, inviabilizando a libertação das condições de exploração.
A julgar-se pela temática, outro trabalho relevante é a pesquisa de Menezes
(2011) defendida na Universidade Federal do Amazonas-UFAM, intitulada de “A
Práxis do Educador da Educação de Jovens e Adultos: Um estudo de caso na Escola
Estadual Pedro Teixeira”. Nessa dissertação o autor buscou analisar a práxis docente na
Educação de Jovens e Adultos, firmada na perspectiva histórico-crítica.
Menezes (2011) faz alguns apontamentos sobre a formação profissional e o fazer
pedagógico do educador da EJA, para isso toma como referência os estudos
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404
Considerações finais
405
Referências
GONÇALVES, Taisa Grasiela Gomes Liduenha (2014). Alunos com deficiência na educação
de jovens e adultos em assentamentos em assentamentos paulistas: experiências do
PRONERA. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de São Carlos – São Carlos: UFSCar,
2014. 199 f.
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18 a 20 de outubro de 2016
Introdução
1
Rosane de Abreu Farias, Mestre em Políticas Públicas e Formação Humana – UERJ, Supervisora
Educacional da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
Email: ro.afarias@gmail.com
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409
Destacando que a educação não se restringe ao ato ensinar, porém que ensinar é
uma particularidade da natureza própria do fenômeno educativo, e que o mesmo ao ser
410
institucionalizado pela escola reflete uma identidade própria, Saviani (2013, p. 13)
destaca que "[...] a escola configura uma situação privilegiada, a partir da qual se pode
detectar a dimensão pedagógica que subsiste no interior da prática social global". Pode-
se perceber, assim, a constituição do campo de estudo do currículo: a seleção de
conhecimentos e suas formas de transmissão.
Assim, Saviani (2013) defende que a escola é a instituição social cuja tarefa
principal é a transmissão do saber elaborado bem como de seus fundamentos, ou seja,
do conhecimento sistematizado. Sua crítica às novas formas de currículo centrado no
interesse dos alunos, na resolução de problemas por eles escolhidos ou em aspectos da
prática social dissociados de seus fundamentos, tendem a descaracterizar o trabalho
escolar, a ampliar-se de tal maneira o conceito de currículo que se deixa de lado a tarefa
principal da escola, definida por ele como a atividade nuclear da escola, razão de sua
existência.
411
412
413
[…] quando se quer mudar o ensino, guiando-se por uma outra teoria,
não basta formular o projeto pedagógico e difundi-lo para o corpo
docente, os alunos e, mesmo, para toda comunidade escolar,
esperando que eles passem a se orientar por essa nova proposta. É
414
415
416
Considerações finais
417
Referências
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica a razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2013.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
2ª. ed. Belo Horizonte: Autêntca, 1999.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
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18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar as contribuições da pedagogia histórico-
crítica em uma possibilidade de trato com o conhecimento relativo ao trabalho científico na
formação de professores de Educação Física. Nosso campo de pesquisa foi o Eixo Trabalho
Científico do curso de Licenciatura em Educação Física da Faced/Ufba. Situamos estas
contribuições, fundamentalmente, quanto ao estabelecimento da natureza e da especificidade da
educação (que conduzem à definição de trabalho educativo), da delimitação da ciência como o
conhecimento a ser tratado no processo sistemático de escolarização (e, em nosso caso, de
formação universitária) e do conceito de conhecimento clássico.
Introdução
1
Márcia Morschbacher, Doutora em Educação, Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul,
Brasil. E-mail: mm.edufisica@yahoo.com.br.
419
420
421
fornece os meios para a superação deste modo de produção, tendo em conta que,
contraditoriamente, possibilita o conhecimento gradativamente mais concreto da
realidade e fornece uma parcela das bases a partir das quais uma nova sociedade pode
ser erigida. Este componente contraditório nos é particularmente importante, posto que
a ciência tem um papel fundamental na humanização dos indivíduos mediante o
trabalho educativo, na medida em que é a expressão do conhecimento conceitualmente
mais elaborado que a humanidade desenvolveu ao longo da história. (ARRIZABALO;
MONTORO, 2014; SAVIANI, 2012).
Conforme aludimos, com a complexificação do modo de produzir e reproduzir a
vida, complexifica-se o conhecimento adquirido sobre a realidade e desenvolvem-se
formas mais aprimoradas de obter este conhecimento – a ciência. O conhecimento que
se acumula, com o desenvolvimento da escrita, pode ser registrado e transmitido de uma
geração para outra em um patamar superior às possibilidades da transmissão oral. Dessa
complexificação também resulta o desenvolvimento de procedimentos e de instituições
voltadas para a transmissão sistemática deste patrimônio da humanidade4 – a forma
escolar da educação. (SAVIANI, 2012).
Sendo a ciência a expressão mais desenvolvida da capacidade humana de
conhecer a realidade e de expressá-la na forma de conceitos, esta tem um papel
fundamental na humanização que se opera pelo trabalho educativo. A apropriação do
conhecimento científico, bem como o processo e os meios de sua produção,
potencializam a atividade humana de transformação material da realidade: o domínio
dos conceitos, dos processos e das leis que operam na realidade (cuja sistematização é
tarefa da ciência e cuja transmissão é tarefa do trabalho educativo) possibilita aos seres
humanos intervir nesta realidade em um patamar qualitativamente superior.
Conforme Saviani e Duarte (2012), a educação escolar torna-se a forma
dominante de educação no modo de produção capitalista à medida que o conhecimento
científico é incorporado no processo produtivo como força produtiva direta. A produção
da existência material passa a requerer o domínio de conhecimentos mais complexos
cuja transmissão já não pode ocorrer somente pela forma oral e pela experiência
imediata no processo de produção. Coloca-se como demanda a existência de “[...] um
tipo específico de atividade humana, voltado para a formação dos indivíduos”, qual seja,
a educação escolar. (DUARTE, 2012, p. 44).
4
O mesmo pode ser afirmado em relação às instituições voltadas para a produção sistemática deste
patrimônio – como as universidades e institutos de pesquisa.
422
Não se pode olvidar que esta é, também, uma reivindicação histórica da classe
trabalhadora. Há disputa entre os projetos de formação, os ideais pedagógicos e pela
direção das políticas públicas de educação. Tem-se uma correlação de forças no campo
educativo, de conforme as classes em luta. De acordo com Saviani (2003), no
capitalismo, a educação é marcada pela contradição entre a especificidade do trabalho
educativo (a socialização do conhecimento) e especificidade das relações capitalistas de
produção (a propriedade privada dos meios de produção). A correlação de forças entre
as classes em luta impulsionam o movimento em duas direções possíveis: uma
favorável aos interesses da classe capitalista e outra favorável aos interesses da classe
trabalhadora. Enquanto encontrarmo-nos submetidos à contradição entre capital e
trabalho, estes dois componentes interpenetram-se e disputam espaço entre si na
realidade concreta, de acordo com a correlação de forças entre as classes.
No atual grau de desenvolvimento das forças produtivas (que é marcada pela sua
destruição e pela sua conversão em forças destrutivas) e das relações de produção, a
reivindicação das formas mais desenvolvidas do patrimônio que a humanidade
acumulou (no âmbito da filosofia, da arte e da ciência) como conteúdo a ser tratado nos
processos de escolarização da classe trabalhadora expressa uma necessidade vital sob
um duplo sentido: a) o da socialização parcial de um meio de produção, pelo fato de
que a apropriação da ciência (nos seus processos e resultados) pela classe trabalhadora
implica, ainda no seio deste modo de produção, na socialização de uma parte
constitutiva dos meios de produção que é o conhecimento científico e; b) o da
ampliação da capacidade humana de conhecer, explicar e intervir na realidade
contraditória, seja no quadro de um modo de produção altamente destrutivo e em
decomposição que necessita ser superado mediante a ação organizada e consciente, seja
da construção coletiva de uma nova sociedade baseada na socialização dos meios de
produção. (SAVIANI; DUARTE, 2012).
Com base nestas considerações, defendemos o trato com o conhecimento
científico na universidade, na contramão da tendência à desqualificação dos
trabalhadores no próprio processo de formação. Desqualificação esta que tem como uma
de suas variáveis o rebaixamento e o esvaziamento dos conteúdos tratados na escola e
na universidade. Essa tendência, ao desqualificar a formação dos trabalhadores, visa
rebaixar o valor da força de trabalho, limitando o desenvolvimento da sua capacidade de
pensamento teórico e, por conseguinte, a capacidade de explicação – apreendendo os
processos e as leis de desenvolvimento da sociedade e da natureza – e de intervenção no
423
real, projetando de modo consciente e fundamentado a sua ação prática – incluída, aqui,
a luta organizada e situada nos planos imediato, mediato e histórico para a superação do
capitalismo.
O rebaixamento da capacidade de conhecer a realidade, rebaixa,
tendencialmente, a possibilidade da ação humana sobre a mesma e, no atual grau de
decomposição do modo de produção capitalista, em que o seu funcionamento opera sob
contradições crescentemente insustentáveis à manutenção da vida, este fato é
inevitavelmente problemático à humanidade.
Na formação de professores e, em particular, na formação de professores de
Educação Física, a tendência ao seu rebaixamento também se constitui em situação
problemática, devido às questões anteriormente expostas e ao papel que estes
profissionais possuem na socialização sistemática do conhecimento produzido e
acumulado pela humanidade para a classe trabalhadora no plano da cultura corporal. O
rebaixamento da formação priva os professores do desenvolvimento da capacidade de
explicação e de intervenção na realidade em patamares superiores, considerando-se o
lugar desta capacidade no quadro da especificidade do trabalho professor – o trabalho
pedagógico. Uma formação rebaixada teoricamente, combinada com os problemas
educacionais próprios de uma sociedade dividida em classes e de um país dependente
como o Brasil, limita o trabalho pedagógico do professor e incide sobre a formação das
novas gerações que frequentam a escola pública. (SAVIANI, 2003, 2012; GAMA,
2015).
Uma das expressões da tendência de rebaixamento da formação de professores
consiste na negação e/ou negligência, durante o processo de formação, do trato com o
conhecimento científico e dos meios de produzi-lo. Esta questão têm sido constatada e
criticada por investigações científicas da Educação e da Educação Física. (TAFFAREL,
1993; SANTOS JÚNIOR, 2005; MARTINS, 2010; MARSIGLIA; MARTINS, 2013).
Trata-se de um problema que se intensifica na medida em que é reforçado pela
base teórica hegemônica que fundamenta a formação de professores no Brasil (as
“pedagogias do aprender a aprender”). Essa referência tanto minimiza o papel do trato
com o conhecimento sistematizado, em especial, obtido e exposto de forma científica,
quanto reduz a ciência e a pesquisa à investigação (não raras ocasiões, descrição) da
prática utilitária e pragmática, restrita ao cotidiano. (MARSIGLIA; MARTINS, 2013).
Na fase imperialista do capitalismo, em que os dados da realidade explicitam
claramente que a humanidade defronta-se com a saída pelo socialismo ou pela barbárie,
424
425
objetivo, avaliação, conteúdo, método. É nesse sentido que a formação dos professores
de Educação Física é perspectivada tendo em vista a instrumentalização dos professores
a partir de uma base de conhecimentos que garantam uma base teórica consistente, a
partir da qual estes colocam em movimento os conceitos apropriados consoante a
especificidade de cada campo de atuação. (TAFFAREL; SANTOS JÚNIOR, 2010;
TAFFAREL, 2012).
A opção pela base teórica que funda a proposta da Licenciatura Ampliada
orienta-se pela dialética materialista e seus desenvolvimentos que se expressam na
teoria da aprendizagem e do desenvolvimento, na teoria pedagógica e na metodologia
do ensino, como a expressão das elaborações teóricas mais avançadas para a explicação
e intervenção no real que a humanidade produziu como reflexo da sua relação concreta
com este. Esta opção dá-se enraizada na relação concreta da humanidade com a
realidade e no reconhecimento de que a teoria mais avançada é aquela que permite aos
indivíduos apreenderem o real na sua riqueza de determinações – portanto, na sua
manifestação concreta.
Fundada na concepção de formação omnilateral, a proposta da Licenciatura
Ampliada objetiva uma consistente formação baseada no acervo de conhecimentos
necessários ao trabalho pedagógico com a cultura corporal nos diferentes campos de
trabalho e ao domínio das ferramentas de pensamento e de pesquisa para o acesso e à
produção de conhecimento científico.
O Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura em Educação Física da
Faced/Ufba define o conhecimento como fruto da práxis histórica da humanidade em
profunda conexão com o modo de produzir e reproduzir a vida. A cultura corporal,
objeto de estudo da Educação Física, origina-se da práxis humana na forma de
atividades criativas ou imitativas “das relações múltiplas de experiências ideológicas,
políticas, filosóficas e outras, subordinadas às leis histórico-sociais”. (UFBA, 2011, p.
26).
O trabalho pedagógico é definido como o elemento identificador do trabalho dos
professores de Educação Física; a prática social como como articuladora do
conhecimento e, a história, a matriz científica. Perspectiva-se, neste sentido, que os
professores:
a) Dominem os processos lógicos de construção e os meios, técnicas e métodos de
produção do conhecimento científico que fundamentam e orientam a sua ação
profissional;
426
427
2013a, p. 1). Estes têm lugar na formação de professores de Educação Física tendo em
vista:
a) A superação do senso comum com vistas ao desenvolvimento da consciência
filosófica; b) A formação científica que explique a ciência em perspectiva histórica,
considerando a conexão com o modo como os seres humanos produzem e reproduzem a
vida ao longo da história da humanidade; c) A formação científica situada na filosofia
da ciência, que aborde, principalmente, a relação entre matéria e consciência; d) O
estudo sobre o que é o conhecimento e o processo histórico que permite a sua produção;
e) O estudo do conhecimento sobre o patrimônio que os seres humanos historicamente
produziram sobre a cultura corporal e o processo histórico que possibilitou a sua
produção; f) O estudo das abordagens, métodos e técnicas de pesquisa que predominam
na pesquisa dos elementos constitutivos da cultura corporal e; g) O estudo das
abordagens, métodos e técnicas de pesquisa explicados à luz do estágio de
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção no modo de
produção capitalista, a partir do processo de transição do feudalismo ao capitalismo.
O Eixo Trabalho Científico é composto pelas seguintes disciplinas:
428
documento do Eixo Trabalho Científico. Percebe-se que tal reformulação visou superar
a generalidade de conteúdos de que padecem as ementas vigentes.
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430
431
maneiras mais adequadas de obtê-lo tendo em vista determinadas teorias sobre o que é o
ser (ontologia) e; c) os métodos, técnicas e instrumentos elaborados visando a produção
do conhecimento científico.
Ao analisarmos as contribuições da pedagogia histórico-crítica para o trato com
o conhecimento no Eixo Trabalho Científico destacamos que estas contribuições
situam-se, principalmente, nos componentes a seguir.
Ao definir a natureza e a especificidade, o objeto e a tarefa da educação, e ao
delimitar o papel da educação escolar no processo de humanização, a pedagogia
histórico-crítica fornece elementos para fundamentar e concretizar o trabalho
pedagógico visando a formação de professores com consistente base teórica para o
desenvolvimento do trabalho pedagógico, por sua vez, nos campos de trabalho. No
âmbito da formação de professores em geral e, em específico, de Educação Física, o
domínio do conhecimento científico e dos meios de sua produção é componente
inerente de tal formação: não se eleva o pensamento teórico da classe trabalhadora
mediante os processos de escolarização se os indivíduos responsáveis pela condução
desta tarefa não tenham desenvolvido esta capacidade, bem como se não dominam os
conceitos científicos a serem tratados e as bases científicas do trabalho pedagógico.
Portanto, tendo em conta a tendência à desqualificação da formação da classe
trabalhadora a partir de diferentes meios, entre estes, o rebaixamento teórico dos
currículos devido à negação do acesso ao conhecimento científico, uma proposta de
formação que reivindique e materialize o acesso a este conhecimento apresenta-se como
avançada e como expressão da resistência à referida tendência.
Sobre a seleção do conhecimento, a pedagogia histórico-crítica contribui ao
estabelecer que não é qualquer conhecimento que deve ser selecionado, organizado e
sistematizado no processo educativo. O conhecimento que deve ter lugar no currículo, é
aquele que se expressa nas formas mais elaboradas que a humanidade produziu ao longo
da sua história – a ciência. Além disso, o conceito de conhecimento clássico apresenta-
se como um relevante balizador para selecionar o conhecimento. Considerando o objeto
do Eixo Trabalho Científico e a competência global de domínio dos meios de produção
do conhecimento científico, a seleção do conhecimento fundamenta-se na pergunta pelo
conhecimento clássico da história da ciência, da epistemologia, dos métodos e técnicas
de pesquisa. Trata-se de selecionar o conhecimento que melhor expresse o percurso da
humanidade no processo de conhecer a realidade, considerando a conexão com os
diferentes modos de produzir e de reproduzir a vida.
432
Referências
______. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia alemã clássica. In: MARX, K.; ENGELS, F.
Obras escolhidas em três tomos. Tradução José Barata-Moura. Lisboa: Avante, 1985. t. 3. p.
378-421.
433
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus
representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes
profetas. Tradução Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavino Martorano. São Paulo:
Boitempo, 2007.
______. Manifesto comunista. Tradução Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo, 1998.
______. O capital: crítica da Economia Política (Livro 1). Tradução José Barata-Moura, João
Pedro Gomes, Pedro de Freitas Leal, Manuel Loureiro e Ana Portela. Lisboa: Avante, 1990. t. 1.
______. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 18. ed. Campinas: Autores
Associados, 2009.
______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas: Autores
Associados, 2012.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O presente texto constitui um estudo teórico-bibliográfico, que visa suscitar uma
discussão acerca da organização do trabalho pedagógico na educação infantil para além das
pedagogias hegemônicas que estão presentes em todas as etapas da educação. Para tanto,
compreendemos como possibilidade para abordarmos as questões da educação, incluindo-se a
educação infantil, a pedagogia histórico-crítica, por ser esta, além de uma teoria da educação,
também uma teoria pedagógica que possibilita o ensino e a aprendizagem das crianças pequenas
em seu pleno desenvolvimento, de maneira omnilateral, contribuindo com a perspectiva da
formação para a emancipação humana. O método utilizado para as apreensões acerca do objeto
em questão é o materialismo histórico e dialético e, como procedimento metodológico,
utilizamos a pesquisa bibliográfica. Concluímos que a importância da PHC no campo da
educação infantil fica evidente ao possibilitar o acesso ao conhecimento histórico cultural
produzido pela humanidade, voltada à construção omnilateral do sujeito; demarcamos, por fim,
que apenas o acesso ao conhecimento mais elaborado é capaz de questionar e propor a
transformação das atuais bases societais, tornando-se inegável a importância desta teoria contra-
hegemônica no ensino da educação infantil.
Introdução
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará
(PPGED/UFPA). Membro da Linha de Estudo e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer da
Universidade Federal do Pará (LEPEL/UFPA).
2
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará
(PPGED/UFPA). Professora da Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso (SEDUC/MT).
435
436
nosso país, até então, a educação das crianças pequenas era uma atribuição quase
exclusiva das famílias e das instituições cuidadoras dos menores abandonados.
As concepções teóricas voltadas para a infância se encontram atreladas às ações
de violências, punição e repressão. Perez e Passone (2010, p. 653) assinalam que no
período da colonização esta parte da história do Brasil foi impiedosa, demarcada pela
aculturação imposta às crianças indígenas pelos jesuítas e a segregação e discriminação
racial dos “enjeitados”; posteriormente, a Roda dos Expostos ou Roda da Misericórdia,
em que as crianças eram deixadas em cilindros de madeira localizados em conventos e
Casas de Misericórdias. Quando a campainha era acionada significava que algum menor
acabara de ser abandonado; pelas condições precárias de saúde em que as crianças
chegavam, atreladas às condições de higiene das instituições, ocorria um índice alto de
mortandade infantil nesses locais.
No fim do século XIX e início do século XX, período marcado pela mudança
imperial para a república, diante da situação de calamidade pública e pressão social
colocam-se novos rumos, mesmo que tímidos, no que tange aos cuidados para com as
crianças pequenas em nosso país.
Segundo alguns estudiosos da área, entre eles, Perez e Passone (2010), a história
da institucionalização e legalização da infância é constituída a partir de três principais
momentos políticos do século XX, ocorridos no Brasil; são eles: 1) O Estado Novo,
com Getúlio Vargas no poder e o discurso populista (1930 a 1945); 2) A Ditadura
Militar, controle e repressão dos direitos políticos e civis (1964 a 1985); 3) A
Redemocratização do país, luta pelas garantias dos direitos civis de toda a população
brasileira.
Pelo limite de discussão do texto, destacamos a infância no aspecto educacional.
Compreendemos que, enquanto sujeito omnilateral, também fazem parte do
desenvolvimento do indivíduo os aspectos: familiar, saúde, dentre outros. Entretanto, no
limite de discussão que nos propomos nesse texto, destacamos a infância no aspecto
educacional, em que se tem como marco legal para a institucionalização da educação
infantil a promulgação da Carta Magna, ou seja, da Constituição Federal (CF) de 1988
que, no Artigo 208, dispõe sobre:
437
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 59, 2009); [...]
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5
(cinco) anos de idade (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006); [...]. (BRASIL, 1988, grifo nosso).
438
439
A partir disso, vemos que o trabalho como gerador de cultura assume um posto
de elevada grandeza dentro da discussão que buscamos. Para compreender quais os
fatores implicados na sociedade capitalista em que vivemos, precisamos compreender
de qual forma ocorre o processo onde o produto do trabalho se converte em mercadoria,
levando em consideração a existência de produtos materiais e não materiais. E para
produto não material, temos como exemplo a aula de um professor, que é consumida no
ato de produção. (TAFFAREL, 2010).
O trabalho pedagógico do professor se encontra diretamente condicionado às
demandas do capital, onde a educação, de forma geral, se torna um produto rentável,
440
441
442
443
infantil só poderia gerar dúvidas, desconfianças e, por vezes até sentimentos mais
intensos” (ARCE, 2013, p. 6).
Saviani (2013b, p. 26) afirma que “a primeira condição para se atuar de forma
consistente no campo da educação é conhecer, da forma mais precisa possível, o modo
como se encontra estruturada a sociedade na qual se desenvolve a prática educativa”.
Inevitável assinalarmos que a sociedade vigente se encontra sob o domínio do capital e,
portanto, as práticas pedagógicas da escola contribuem para a manutenção do status
quo, embora contenham, dialeticamente, espaços de contradição a essa ordem.
Portanto, assinalamos que, para se combater a desescolarização na educação infantil e
demais níveis de ensino, é necessária uma pedagogia que se aproprie dos conteúdos de
maneira crítica e contribua com a formação omnilateral da criança.
Nesse sentido, Saviani (2013b, p. 26) sustenta que a pedagogia histórico-crítica
“se posiciona claramente a favor dos interesses dos trabalhadores, isto é, da classe
fundamental dominada na sociedade capitalista. Daí, seu caráter de pedagogia contra
hegemônica inserindo-se na luta pela transformação da sociedade atual”.
Quanto à sua inserção na educação infantil e sobre os questionamentos trazidos
anteriormente, Fleer apud Arce (2013, p. 6) caracteriza o acesso à “educação infantil de
qualidade como um grande diferencial para a escolarização posterior das crianças”. E
Arce (2013) vai caracterizar esta qualidade com um trabalho pedagógico que contribua
para a formação de conceitos científicos, à luz da Teoria Histórico-Cultural aqui
balizada pela Pedagogia Histórico-Crítica.
Nesse sentido, compreendemos que a Pedagogia Histórico-Crítica aplicada à
educação infantil contribui com o desenvolvimento da criança, uma vez que consolida
conceitos científicos e estimula a criança intelectualmente, permitindo o trato
diferenciado com o conhecimento, possibilitando o entendimento de conteúdos de
diversas esferas, sejam estas sociais, econômicas, culturais ou outras. Assim, torna-se
fundamental que, no ensino da educação infantil, o professor estimule a criança a
formar conceitos e confrontar o conhecimento (ARCE, 2013); dessa forma podemos
contar com uma formação integral que possibilite à criança integrar-se às produções
mais ricas já realizadas pela humanidade.
444
REFERÊNCIAS
______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Brasília: DOU, 16.7.1990, retif. 27.9.1990.
______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília:
DOU, 23.12.1996.
______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº
11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo
sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir
dos 6 (seis) anos de idade. Brasília: DOU, 7.2.2006.
445
DUARTE, Newton. O debate contemporâneo das teorias pedagógicas. In: ______; MARTINS,
Lígia. (Orgs.). Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas necessárias.
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
FREITAS, L. C. de. Projeto histórico: ciência pedagógica e “didática”. Educação & Sociedade
– Revista de Ciência da Educação, São Paulo, Cortez, ano IX, n. 27, p. 122-139, 1987.
GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002.
LOMBARDI, José Claudinei. Notas sobre a educação da infância numa perspectiva marxista.
In: MARSIGLIA, A.C.G (Org). Infância e Pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP:
Autores associados, 2013.
PEREZ, José Roberto R.; PASSONE, Eric F. Políticas sociais de atendimento às crianças e aos
adolescentes no Brasil. Cadernos de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, São Paulo, v. 40, n.
140, p. 649-673, maio/ago. 2010.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este artigo busca reafirmar a importância do ensino e do estudo da literatura clássica
na sala de aula. Tendo como referencial teórico os pressupostos da pedagogia histórico-crítica,
foi elaborado e desenvolvido uma plano de trabalho envolvendo a leitura do clássico Dom
Quixote para uma turma do segundo ano do ensino fundamental do município de Serra. Este
trabalho apresenta os momentos desse plano de trabalho assim como os resultados que foram
obtidos. Esclarece também, de maneira geral, o que prega a pedagogia histórico-crítica, o que
ela considera como clássico e o porquê deles serem tão importantes para a formação humana.
Introdução
447
1 A pedagogia histórico-crítica
448
449
450
renomado escritor cujas obras são consideradas clássicas não só na literatura brasileira,
mas também mundial.
Entretanto, a questão que se estabelece é: como ele conseguiu chegar a tamanho
sucesso? Muitas pessoas justificariam, segundo Ferreira (2012), afirmando que foi seu
talento, seu dom, ou mesmo entrariam na questão espiritual. Todavia, o que sucedeu na
história de Machado de Assis foi que ele conheceu em sua juventude uma mulher
francesa e essa mulher começou a lhe dar aulas de francês. Após dominar o idioma, ele
aprendeu inglês e futuramente aprendeu o alemão. Nesse percurso, Machado de Assis
teve contato com grandes obras da literatura mundial, o que serviu de modelo para os
seus trabalhos.
Ferreira (2012) utilizou este exemplo para problematizar a seguinte questão: e
se essa mulher francesa não entrasse na vida de Machado de Assis? Bem,
provavelmente teríamos perdido a chance de conhecer um grande escritor. Isso porque
ele teve acesso às obras clássicas por meio dessa mulher, e não na escola.
A defesa do ensino de literatura clássica na escola se justifica porque não é todo
aluno que terá a oportunidade de estudar e conhecer os clássicos literários fora da sala
de aula. Por isso, é preciso que haja um mediador que possibilite esse acesso, que
apresente esse novo mundo ao aluno. O aluno não descobrirá sozinho as grandes obras
disponíveis no acervo da humanidade, cabe ao professor desempenhar essa função.
Em busca de uma prática pedagógica coerente com os pressupostos da
pedagogia histórico-crítica e tendo os clássicos como referência para o critério de
seleção de conteúdos, foi elaborado um plano de trabalho para ser desenvolvido em uma
turma do segundo ano do ensino fundamental, de uma escola municipal de Serra, que
objetivou possibilitar o acesso dos alunos à clássica história da literatura mundial: Dom
Quixote, de Miguel de Cervantes. O desenvolvimento desse plano de trabalho também
possibilitou trabalhar outros aspectos fundamentais para a formação humana, como a
concentração, a imaginação, a criatividade, o controle do comportamento e a memória,
pois Dom Quixote foi apresentado à turma por meio da leitura realizada pela professora
e, com isso, esses elementos foram fundamentais para que a leitura e a escuta pudessem
se comunicar sem nenhum ruído entre elas.
451
452
De acordo com Ferreira (2012, p. 125), “[...] a literatura pode contribuir para a
emancipação humana”. Desse modo, o plano de trabalho elaborado e desenvolvido
possui uma intencionalidade pedagógica e buscou atuar diretamente no
desenvolvimento psíquico dos alunos. Entretanto, antes de explanar as etapas do plano
de trabalho, cabe mencionar em breves linhas um pouco sobre o psiquismo humano, que
foi citado no parágrafo anterior.
A formação do psiquismo humano se dá por meio da atividade social, que atribui
aos instrumentos o papel de mediador entre o sujeito e o objeto de sua realidade. Não se
pode desconsiderar a parte biológica do psiquismo, visto que também é material, mas
ele tem como base principal para seu desenvolvimento a interação entre o sujeito e o
mundo. (FACCI, 2004).
Para Martins (2011, p. 38, grifo da autora), devemos entender por psiquismo:
453
454
condicionados a associar aula e atividades apenas aos momentos em que estão copiando
algo ou resolvendo exercícios.
Eles compreenderam então que a atividade em que estariam participando seria a
atividade de escuta, e nesse momento seria necessário exercitar a imaginação, a
criatividade, a concentração e principalmente a memória, pois como a leitura era diária,
era preciso recordar o episódio ocorrido no dia anterior para dar continuidade à história.
Com isso, eles foram avaliados diariamente, por meio de observações e
indagações sobre a história. A cada aula, antes de iniciar a leitura do capítulo, os alunos
deveriam recontar o que havia acontecido no capítulo anterior. Desse modo era possível
verificar a atenção que eles davam à história, assim como fazê-los exercitar a oralidade
para contar uma história com coerência e sequência lógica.
O segundo momento do plano de trabalho foi passar um filme de animação, que
contasse as aventuras de Dom Quixote. Esse momento pode ser denominado de
frustração. Os alunos estavam empolgados para assistir ao filme, querendo descobrir se
as imagens criadas por eles em sua imaginação iriam coincidir com as figuras do vídeo,
mas ficaram decepcionados ao perceberem que muitas cenas que estavam ansiosos para
ver, não estavam presentes na animação. Assim, realizaram a comparação entre a
história do livro e a história do filme e chegaram à conclusão de que o filme deixou
muito a desejar.
O terceiro momento se constituiu em uma pesquisa para conhecer um pouco
sobre o autor de Dom Quixote, Miguel de Cervantes, e com isso foram descobertas
algumas curiosidades interessantes, como a história de que foi soldado de guerra e que
foi, inclusive, prisioneiro durante cinco anos.
Saber dessas informações deixaram os alunos ainda mais interessados. Muitos
perguntaram se Dom Quixote realmente existiu ou se ele era o próprio Miguel de
Cervantes. A figura do cavaleiro andante impressionou e encantou as crianças, que
queriam torná-lo real a todo momento.
O quarto e último momento desse plano de trabalho foi a confecção de um
dicionário ilustrado com palavras retiradas do exemplar lido. Após o fim da história, as
palavras que eles anotavam para pesquisar seus significados ao final de cada capítulo
foram compartilhadas e reunidas para a criação de um dicionário ilustrado inspirado em
Dom Quixote. Dessa maneira, cada página possui uma palavra, com seu significado e
uma ilustração feita por uma criança (cada criança ficou responsável por ilustrar uma
palavra).
455
Conclusão
A respeito da educação, Saviani (2008, p. 58) afirma que ela é uma atividade que
possibilita “ [...] uma desigualdade no ponto de partida e uma igualdade no ponto de
chegada”. Essa afirmação consegue explicar a relação que existiu entre a professora, os
alunos e a história, visto que antes de iniciar a leitura para a turma, a história era
considerada legal e interessante, porém, ao perceber o quanto essa história tocou os
alunos e o quanto eles se emocionaram com o seu final, a relação com essa obra atingiu
um patamar mais elevado, pois ela transformou os alunos e os fez aprender a escutar
com paciência e ter mais vontade de ouvir do que falar.
Referências
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Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa do Mestrado Profissional em Letras, a qual objetivou
compreender como a utilização sistematizada dos quadrinhos do Universo Macanudo pode
contribuir com a formação do leitor crítico. A metodologia utilizada foi a pesquisa colaborativa,
pois contou com a participação dos envolvidos para avaliar e repensar as propostas realizadas. A
proposta foi desenvolvida a partir da Psicologia Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-
Crítica. O referencial relacionado à formação do leitor crítico dialoga com os conceitos
bakhtinianos de linguagem, dialogismo e responsividade. Parte do pressuposto de que
quadrinhos tendem a contribuir com a formação leitora dos alunos, por serem atrativos e por
explorarem jogos de linguagem capazes de aguçar o espírito crítico, e conclui que eles podem
formar leitores críticos, desde que haja adequação temática e formal em seu uso.
Introdução
O artigo em tela apresenta uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Letras do Instituto Federal do Espírito Santo (Profletras), a qual propõe a
utilização sistematizada das Histórias em Quadrinhos (HQs) do Universo Macanudo
como modo de contribuir com a formação crítica do leitor na disciplina de Língua
Portuguesa.
A partir de revisão de literatura, consideramos que a formação de leitores tem
sido uma das maiores preocupações dos professores de Língua Portuguesa, pois as
dificuldades em leitura afetam não só o ensino/aprendizagem da língua materna, como
também o de outras disciplinas. Os dados da pesquisa Retratos da leitura no Brasil 3
1
Ana Carolina Langoni, Instituto Federal do Espírito Santo, ES, Brasil. E-mail:
carollangoni@hotmail.com
2
Priscila de Souza Chisté, doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
professora do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Espírito Santo, Brasil.
E-mail: pchiste@ifes.edu.br
458
(FAILLA, 2012) revelam que a leitura no país não tem sido satisfatória e que ela vai
diminuindo com o passar do tempo, o que evidencia a necessidade de pensar em novas
estratégias para formar leitores.
Nota-se que existe uma ausência de informações que orientem uma prática que
produza sentido para a leitura e, em consequência disso, “o ensino da leitura parece ser
realizado ao acaso, fazendo com que os professores ajam através do ensaio-e-erro
quando da abordagem de materiais escritos junto a seus alunos” (SILVA, 2011, p. 37).
Até mesmo os guias curriculares são superficiais e não contribuem com essa orientação.
Dessa forma, muitas vezes a escola não forma leitores críticos, aqueles que se
posicionam de forma ativa diante do que leem após uma reflexão crítica.
Observamos no cotidiano escolar que esse mesmo aluno que diz que não gosta
de ler na escola pratica a leitura constantemente no uso de redes sociais, cada vez mais
presentes na vida dos adolescentes. Percebe-se, então, que uma proposição seria
encontrar formas de despertar nesse aluno o interesse pela leitura também na escola e
encontrar formas de contribuir com a formação dos alunos como leitores críticos, que
têm uma postura ativa diante da leitura, refletindo e se posicionando com relação ao que
leem.
As HQs apresentam-se como alternativa viável nesse sentido, uma vez que
apresentam linguagem simples e acessível e são atrativas para os alunos, por unirem
linguagem verbal e visual na abordagem de situações corriqueiras e cotidianas. Esses
fatores, segundo Mendonça (2010), contribuem para despertar o interesse dos leitores e
melhorar a fluência da leitura.
Ainda existe um certo preconceito com relação ao uso dos quadrinhos no ensino
e muitos os consideram uma leitura de baixa qualidade, por entenderem que é fácil ler
quadrinhos. Entretanto, é preciso observar que, como todas as formas de linguagem, há
aqueles que não levam à crítica e à reflexão, mas também há diversas obras muito ricas,
que exigem conhecimento de mundo do leitor e domínio de algumas estratégias nada
fáceis de leitura.
De acordo com Vergueiro (2014), o uso das histórias em quadrinhos faz com
que os alunos estejam propensos a participar mais ativamente das atividades propostas,
por se tratar de uma leitura com a qual eles já possuem familiaridade. É difícil encontrar
um aluno que não goste de quadrinhos, porque geralmente são as primeiras formas de
linguagem com as quais os alunos têm contato nas séries iniciais. Muito se engana
também aquele que pensa que eles só servem para séries iniciais. Há quadrinhos para
459
atender a todas as faixas etárias, tanto com relação à temática quanto com relação à
linguagem. Cabe ao professor selecionar aqueles adequados ao que pretende trabalhar e
pensar em formas de explorá-los com os alunos
Ao pensar nas HQs mais adequadas para trabalhar a formação do leitor crítico,
deparamo-nos com os quadrinhos do argentino Liniers, autor das tiras Macanudo. Suas
tiras constituem o “Universo Macanudo”, assim chamado porque ele utiliza personagens
variados e foi criando galáxias de personagens dentro desse universo. Cada galáxia é
utilizada para expressar um estado de espírito. Esse Universo será apresentado de forma
mais detalhada na seção a seguir.
1 O Universo Macanudo
460
Fonte: Liniers, Macanudo, n.5. Trad. Claudio R. Martini. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2012, p. 64.
2 As histórias em quadrinhos
461
internalizando e seguindo esses valores sem questioná-los, e que não reflita sobre sua
condição de explorada por esse sistema. Essa indústria atende à demanda das massas ao
mesmo tempo que impõe padrões de consumo, de comportamento e até mesmo
políticos.
As histórias em quadrinhos surgiram como produto da indústria cultural,
seguindo as características dessa indústria e tendo, por isso, um caráter universal, que
poderia ser reconhecido e assimilado por qualquer leitor, de qualquer região. Assim
como os demais produtos da indústria cultural, a linguagem dos quadrinhos deve ser
simples, para ser de fácil decodificação. A influência da indústria cultural nos
quadrinhos faz com que elas reforcem os valores dominantes e não veiculem críticas ao
sistema.
Compreendemos que os quadrinhos surgiram como produto dessa indústria, para
entreterem os leitores e serem consumidos em massa, mas observamos que muitos
deles, apesar de serem “produto” dessa indústria, vão além desse objetivo e apresentam
temas e formas que levam à reflexão crítica sobre a realidade, subvertendo a sua origem.
Sendo assim, eles podem ser usados para esse fim no contexto educacional.
É possível perceber que as HQs,
462
463
De acordo com Schwartz (2006), nota-se que a leitura tem sido trabalhada,
recorrentemente, como decodificação ou simples captura do sentido único do texto,
desconsiderando seus aspectos extralinguísticos e a experiência de vida dos leitores.
Além disso, segundo Orlandi (2012), existe uma certa imposição para que o aluno
atribua ao texto apenas alguns sentidos e não outros. Para a autora, existem leituras
previstas para um texto, mas há sempre novas possibilidades de leitura, que vão variar
de acordo como contexto sócio-histórico. Assim, cabe ao professor mediar o processo
de construção da história de leituras do aluno, estabelecendo desafios para a
compreensão, sem deixar de fornecer condições para que o aluno seja capaz de assumir
esses desafios.
Nesse contexto, “o professor, enquanto alguém que, de certo modo, apreendeu as
relações sociais de forma sintética, é posto na condição de viabilizar essa apreensão por
parte dos alunos, realizando a mediação entre o aluno e o conhecimento que se
desenvolveu socialmente”. (SAVIANI, 2011, p. 122).
Segundo Vigotski (2010), a mediação do professor exerce papel fundamental no
desenvolvimento do educando. Com a ajuda de um indivíduo mais experiente, o aluno
pode realizar reflexões e atividades que não conseguiria fazer sozinho naquele
momento, mas depois, devido ao processo de apropriação do conhecimento, ele adquire
autonomia para desempenhar tais reflexões e atividades.
Geraldi (1984) alerta que, em meio a discussões de como, quando e o que
ensinar, esquece-se de questionar o objetivo do ensino, ou seja, para que ensinar. Esse
objetivo está diretamente ligado à concepção que o professor tem de linguagem e à sua
postura com relação à educação. Nesse sentido, concebemos a linguagem como
processo de interação verbal que considera o leitor um sujeito ativo, constituído de
forma dialógica. Assim, entendemos que por meio da linguagem é possível contribuir
com a formação do leitor crítico desde que a leitura seja compreendida como prática
social, auxiliando a pensar a realidade e desenvolver o senso crítico do leitor, ampliando
sua participação social.
Levando em consideração o objetivo de nossa pesquisa, compreender como a
utilização sistematizada dos quadrinhos do Universo Macanudo pode contribuir com a
formação do leitor crítico, percebemos que existe a necessidade de repensar as práticas
de leitura na educação básica, na busca pela formação de leitores críticos, e acreditamos
que os quadrinhos podem contribuir nesse sentido. Na proxima seção, apresentaremos a
464
4 Metodologia
465
3
Este momento é intitulado por Saviani (2009) de instrumentalização. Contudo, escolhemos apresentá-lo
também como apropriação por acreditar que o termo instrumentalização pode ser remetido, de modo
equivocado, à racionalidade instrumental. Nesse sentido, consideramos ser necessário renomear o termo,
pois instrumentalização parece não corresponder à totalidade do processo de apropriação do saber
sistematizado e, ao mesmo tempo, fica atrelado à ideia de racionalidade instrumental.
466
467
5 Relato da experiência
468
três tirinhas sozinhos, para que fosse possível comparar a análise que os alunos faziam
antes da intervenção com a análise após a intervenção. Para finalizar, eles produziram,
coletivamente, uma tirinha crítica, refletindo sobre algum problema da realidade deles, e
responderam a um questionário final, para avaliar as oficinas realizadas.
Ao trabalhar o capítulo sobre a linguagem dos quadrinhos, os alunos
sistematizaram, a partir dos exemplos dados e da mediação das professoras por meio de
perguntas, conceitos sobre a linguagem visual dos quadrinhos. Eles avaliaram o material
educativo utilizado e, de todo o material, sugeriram apenas a troca das tiras cômicas,
para que o humor ficasse mais evidente. No final, preencheram os balões de uma
história em quadrinhos que não conheciam, para colocar em prática o que estudamos.
Após essa etapa, foi apresentada uma tirinha aos alunos (Figura 3), para que eles
registrassem suas impressões sobre os elementos que compõe sua linguagem visual e
sobre seu conteúdo, sem intervenção das professoras, para compreender de que modo
estavam sendo realizadas suas análises críticas.
Fonte: Liniers. Macanudo, n.2. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2009, p. 54.
A partir das respostas dos alunos, foi possível perceber que eles ainda liam os
quadrinhos de forma simplificada, sem refletir e se posicionar sobre seu conteúdo, sem
relacionar os recursos visuais utilizados pelo artista ao conteúdo, fazendo apenas uma
leitura mecânica, procurando o traço de humor. Essa tira foi utilizada como parâmetro
para analisar, posteriormente, a evolução crítica dos alunos.
Após essa análise, iniciamos o estudo dos quadrinhos Macanudo. Todas as tiras
livres selecionadas fazem uma crítica (direta ou indireta) à indústria cultural,
principalmente à mídia televisiva. Propusemos a análise de cada tira, momento em que
469
470
com que as mulheres caíssem em seus braços. Ele compra o desodorante, mas nada
acontece, e ele fica sem entender nada.
471
leitores críticos. A professora que aplicou as atividades relatou que os alunos gostaram
muito delas e que o material é bem diferente dos livros didáticos com os quais já
trabalhou, pois percebe que eles não levam o aluno pensar e refletir sobre questões de
sua prática social, geralmente propõem uma leitura mais superficial. Ela observou
também que os alunos ficaram menos agitados e mais participativos nas aulas.
Após essa etapa, juntamos os dois materiais e formamos um só (Figura X),
voltado para os professores, com quatro capítulos: o primeiro, apresentando o Universo
Macanudo; o segundo, com propostas de leituras das atividades do livro; o terceiro, com
as atividades elaboradas para estudar a linguagem dos quadrinhos; e o quarto, com as
atividades elaboradas para desenvolver a formação de leitores críticos.
6 Considerações finais
472
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira.
2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
FAILLA, Zoara (org.). Retratos da leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo/ Instituto Pró-Livro, 2012.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2012.
SANTOS NETO, Elydio dos. Dez considerações para professores que desejam trabalhar com
histórias em quadrinhos. In: SANTOS NETO, Elydio dos; SILVA, Marta Regina Paulo da
(orgs). Histórias em quadrinhos e educação: formação e prática docente. São Bernardo do
Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2011. p. 127-136.
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VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Ângela; VERGUEIRO,
Waldomiro (orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 4. ed. São Paulo:
Contexto, 2014. p. 7- 29.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este trabalho é fruto de uma atividade didática desenvolvida com alunos da 1ª série do
ensino médio de uma escola pública estadual de Vitória, ES. Utilizamos a Pedagogia Histórico-
Crítica como aporte teórico metodológico para o planejamento e desenvolvimento de uma
sequência de aulas contextualizadas que contemplaram conteúdos de Ecologia e Meio Ambiente
durante o 1º trimestre de 2016. Realizamos atividades diversificadas, entre as quais destacamos
a exibição de vídeos de curta duração, debates, introdução de uma prática investigativa, aulas
expositivas dialogadas, pesquisa orientada e apresentação de seminários. Ao final, identificamos
que houve um crescimento significativo do nível de conhecimentos científicos entre os
participantes. Os alunos materializaram e sistematizaram os novos conceitos. Promoveram
também uma ampla divulgação dos trabalhos na escola, contribuindo com a socialização desse
conhecimento.
Introdução
A Pedagogia Histórico-Crítica tem ganhado espaço como perspectiva
educacional. Segundo Gasparin (2012, 2013, p.3), essa metodologia de ensino tem sido
bastante citada em trabalhos que visam “resgatar a importância da escola e a
reorganização do processo educativo”. Entretanto, a relação dos educadores com ela
ainda é tímida, fato que legitima a importância de trabalhos que a tenham como aporte
teórico-metodológico.
1
Ana Paula Dias Pazzaglini Roldi, licenciatura em Ciências Biológicas e Mestrado em educação pela
Universidade Federal do Espírito Santo-UFES. Professora da Secretaria Estadual de Educação do Estado
do Espírito Santo (SEDU) e membro do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Estudo em educação
Ambiental (NIPEEA-cnpq), Espírito Santo, Brasil. E-mail: ana_pazzaglini@hotmail.com
2
Kleber Roldi, Bacharelado/Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do
Espírito Santo e Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática pelo Instituto Federal do
Espírito Santo. Professor da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Espírito Santo (SEDU) e
membro do Grupo de Estudo e pesquisa em Alfabetização Científica e Espaços de Educação Não Formal
(GEPAC). E-mail: kleberroldi@gmail.com
475
476
Desenvolvimento
477
478
479
480
lançamos a pergunta: O que o filme te faz pensar? Será que essas relações realmente
acontecem? “Acho que sim, o homem só pensa em dinheiro” (ALUNO 1); “isso
acontece porque somos muito egoístas” (ALUNO 2); A partir dessa pergunta
disparadora, exibimos um documentário sobre o rompimento da barragem de resíduos
de mineração localizada na cidade de Mariana, MG.
O debate continuou no sentido de investigar se, de alguma forma, os estudantes
seriam capazes de relacionar o desastre ambiental de Mariana – que teve seu epicentro
relativamente distante de nós – com nossa vida cotidiana e nosso Estado. “Teve sim, eu
ia surfar em regência e hoje não posso mais” (ALUNO 3), “os peixes estão acabando”
(ALUNO 4)”.
Os alunos começaram a movimentar alguns conhecimentos sobre impactos
ambientais locais. Surgiu a problemática do “pó preto” – minério de ferro particulado
carregado pelo vento dos pátios da Vale S.A. – fato que tem causado muito incômodo à
população. Além de provocar muita sujeira nas casas dos moradores, afeta a saúde das
pessoas, provocando sérios problemas respiratórios.
Outro problema citado foi o da balneabilidade das praias da grande Vitória, que
somente em Março de 2016 foram categorizadas impróprias para banho. Será que nos
meses de janeiro e fevereiro do mesmo ano as praias realmente estavam próprias para
banho? Quais seriam os interesses políticos e econômicos ocultos por trás dessas
informações?
As inscrições de uma educação política aparecem no dia a dia das salas de aula.
Segundo Guiomar (citado por SAVIANI, 2011, p. 63) a função política da educação se
cumpre pela mediação da competência técnica. Ela considera que para realizar essa
função política de forma transformadora é necessário possuir competência pedagógica,
dominar os processos internos ao trabalho pedagógico. A autora explicita que o papel
político da educação se cumpre, na perspectiva dos interesses dos dominados, quando se
garante aos trabalhadores o acesso ao saber sistematizado.
Saviani elaborou o texto “Onze teses sobre educação e política”, publicado no
livro Escola e democracia, e nele procurou caracterizar mais precisamente as relações
entre política e educação para que sejam superados tanto o “politicismo pedagógico”
que dissolve a educação na política, quanto o “pedagogismo político” que dissolve a
política na educação. E assim foi emergindo e tomando forma essa nova proposta
pedagógica.
481
482
Após construção do terrário, teve início a fase de observação e registro. Para fins
de acompanhamento e avaliação, cada grupo utilizou um diário de bordo, uma espécie
de agenda na qual foram anotadas todas as observações, análises e reflexões feitas pelos
alunos a partir daquilo que era observado no terrário.
Os estudantes receberam orientações e algumas dicas para a observação do
terrário e registro nos diários de bordo. Algumas indagações foram lançadas a fim de
estimular a curiosidade, tais como: O que será que vai acontecer? Por que eu acho que
isso vai acontecer? Minha previsão inicial se confirmou? Como posso explicar o que
estou observando? O que irá acontecer com o terrário a longo prazo? Será que acontece
algo parecido na natureza? É possível comparar o terrário com algum ecossistema
natural?
Os primeiros registros nos diários traziam principalmente especulações sobre o
que aconteceria com as plantas do terrário que se encontrava fechado. “Nossa opinião é
que ela vai crescer pois de dia a planta faz a fotossíntese”. Os grupos observaram que as
paredes das garrafas estavam embaçadas “o litro parece estar todo suado e a terra parece
estar bem molhada como se tivesse regado a planta”, “parece que a água que colocamos
na terra evaporou”. Os alunos concluíram que ocorreu o processo de evaporação e
condensação da água do terrário, constituindo-se um ciclo.
A aluna 1, que inicialmente acreditava que a planta morreria, quatro dias após
observação do terrário afirma: “Agora acho que ela não vai morrer, a planta parece estar
crescendo”. Aluna 2: “As folhas da planta estão ficando amarronzadas. Será que ela está
ficando doente?”. Ao constatar que as folhas estavam caindo a aluna afirma: “ As folhas
que antes tinham caído estão virando adubo para a terra, com a terra adubada vai ficar
melhor para as plantas”. Aluno 3: “Como a planta morreu as formigas também não
sobreviveram, faltou oxigênio”. Nesse exemplo, observamos a relação estabelecida
entre o oxigênio liberado pelas plantas durante a fotossíntese e a respiração aeróbia dos
animais.
Por fim, na última fase do trabalho, propusemos aos alunos que pensassem em
alguma forma de compartilhar o conhecimento construído com os demais colegas. Eles
sugeriram então, uma rodada de apresentações em forma de seminários, na qual cada
grupo estaria responsável por pesquisar e preparar uma apresentação em PowerPoint
sobre um determinado tipo de poluição ambiental. Foram sorteados os temas e os
grupos prosseguiram com os trabalhos de pesquisa de forma autônoma. Utilizaram os
laboratórios de informática da escola tanto para a fase de pesquisa como para a
483
Conclusões
484
Referências
485
ZABALA, A.; ROSA, E. F. da F. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed,
1998.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este texto analisa, discute e debate as percepções discentes acerca da materialização
da prática didático-pedagógica dos docentes que atuam na educação profissional. Para tanto,
buscou-se estabelecer conexões entre os excertos extraídos das manifestações dos estudantes em
relação à ação docente e ao processo de aprendizagem. Desse modo, por meio da técnica de
grupo focal e da aplicação de um questionário estruturado a 128 alunos das 2ªs e 3ªs série de um
curso técnico, foi possível perceber que os professores cujos alunos apontaram com déficit na
prática didático-pedagógica, em sua maioria, não são licenciados. Registra-se que o corpo
docente da formação técnica específica conta com maior parte de mestres e doutores,
majoritariamente das áreas das engenharias e das ciências da computação e apenas 05 dos 72
professores pesquisados possuem cursos de formação docente (licenciaturas).
Introdução
Esse texto apresenta um estudo sobre as percepções discentes acerca da prática
didático-pedagógica dos professores que atuam na educação profissional técnica de
nível médio (EPTNM). Com efeito, baliza-se, conforme assevera Saviani (2005), na
necessidade de retomar um discurso crítico, que considere as relações entre a educação
e os condicionamentos sociais, de tal forma que a prática social seja indissolúvel da
prática educativa. E, neste sentido, a prática educativa tem por finalidade a compreensão
do aluno relativa ao saber historicamente produzido pelo homem. Desse modo,
desmistifica um saber distanciado da existência do ser social para um saber construído a
1
Maria Adélia da Costa, Doutoramento em Educação (UFU), Centro federal de Educação tecnológica de
Minas Gerais, Brasil. E-mail: adelia.cefetmg@gmail.com
2
Eduardo Henrique Lacerda Coutinho, Doutoramento em Ciências Sociais (PUC-SP), Centro federal de
Educação tecnológica de Minas Gerais, Brasil. E-mail: educoutinho@adm.cefetmg.br
487
partir das relações sociais, políticas, culturais, econômicas, que vão se acumulando de
gerações a gerações. Frente a essas considerações, entende-se que “[...] O homem não se
faz homem naturalmente; ele não nasce sabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce
sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e agir; para saber querer, agir ou
avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo” (SAVIANI, 2005 p. 7).
Considera-se essa discussão de fundamental importância nos cursos da educação
profissional, posto que essa modalidade de ensino forma para o mundo do trabalho, na
perspectiva de uma formação integral que unifique a formação humana com a formação
técnica. Assim, educação e ensino interagem numa organicidade tal que o ato de ensinar
requer simultaneamente a (co)participação de professores e alunos que, de forma
sistemática, organizada e planejada (re)constroem os conhecimentos numa constante
relação com o meio social local, regional e global. É por meio das relações sociais
orgânicas que o processo ensino-aprendizagem vai se consolidando e nesse sentido,
“[...] o ato de dar aula é inseparável da produção desse ato e de seu consumo”
(SAVIANI, 2005 p. 12-13).
Frente a isso, entende-se que a prática didático-pedagógica dos professores da
EPT tem um compromisso político-social de possibilitar aos estudantes uma reflexão
sobre as conjunturas sociais, culturais e políticas a que estão inseridos. Nesse sentido,
apreende-se, assim como Saviani (2005), que cabe às instituições escolares, sobretudo
às vocacionadas para a formação do aluno trabalhador - as escolas de educação
profissional, a função social de promover as transformações societárias por meio do
saber elaborado, possibilitando, assim, aos indivíduos a superação das formas de
organização social vigente e da divisão das classes sociais. Não obstante, faz-se urgente
e necessário que os docentes tenham consciência social e política do seu papel como
formador de opiniões e, portanto, venham a promover especialmente nos cursos de
educação profissional o debate e a problematização das múltiplas facetas dos modos de
produção capitalista, colaborando com a formação crítica do futuro trabalhador. Com
efeito, vale destacar que, assim como Saviani (2005), entende-se que a escola não é
apenas reprodutora da sociedade, mas também pode ser instrumento para mudanças
societárias, pois, à medida que educa, forma-se um novo homem.
Considerando esse cenário, propõe-se a investigar a prática didático-pedagógica
dos docentes da educação profissional técnica de nível médio, atentando para a
materialização de ações de uma pedagogia histórico-crítica que tem por finalidade
compreender a educação a partir do desenvolvimento histórico objetivo (SAVIANI,
488
489
490
[...] temporais no sentido que [...] uma boa parte do que os professores
sabem sobre o ensino, sobre os papeis do professor e sobre como
ensinar provém de sua própria história de vida e, sobretudo de sua
história de vida escolar. Plurais e heterogêneos porque provêm de
diversas fontes. [...]. Personalizados e situados porque se trata
raramente de saberes formalizados, de saberes objetivados, mas sim de
saberes apropriados, incorporados, subjetivados, saberes que é difícil
dissociar das pessoas, de sua experiência e situação de trabalho.
(TARDIF, 2000, p.15)
491
qualquer coisa para se denominar de saber é preciso que ele saiba por que faz essas
coisas ou por que faz desta ou daquela forma”. Nesta perspectiva, apenas dominar os
conhecimentos a serem ensinados, não basta. É necessário incorporar à ação docente um
conhecimento pedagógico e curricular. Sendo assim, como os professores que não
tiveram acesso ao curso de formação de professores irão construir os saberes
profissionais necessários a sua prática docente? Se a profissão docente se aprende na
prática, qual o sentido de se ir à escola? Charlot (2005) questiona: para o professor, qual
é o sentido de ensinar? Qual é o sentido de tentar ajudar os jovens a aprender e a
compreender as coisas?
Diante dessas indagações pressupõe-se que o trabalho docente possa ser
entendido como uma tarefa complexa que requer uma formação acadêmica profissional
bastante sólida e exige muito mais que o domínio dos conhecimentos específicos que
serão (re)produzidos na relação com a prática. Tardif (2004) assevera que a relação dos
docentes com os saberes não se reduz a uma função de transmissão dos conhecimentos
já constituídos. Todo educador necessita refletir e compreender a relação estabelecida
entre a teoria e a sua prática. Corroborando com essa premissa, Sacristán & Goméz
(2000, p. 9-10) afirmam que:
492
educacional que tem consciência de que o homem é um ser histórico, pois, à medida que
se desenvolve ele constrói história e é esta história que origina o conhecimento que é
transmitido por meio na educação escolar.
Frente a isso, o desafio maior foi buscar um conhecimento teórico que pudesse
proporcionar a apreensão das contradições, da estrutura e da dinâmica do objeto
pesquisado (COSTA, 2012, p. 21), pois de acordo com o educador Frigotto (2005,
p.75), “as nossas escolhas teóricas não se justificam nelas mesmas, pois, não existe
método alheio a uma concepção de realidade”. Portanto, utilizou-se como procedimento
investigativo a técnica de grupos focais, realizada com 24 alunos de 02 cursos
profissionalizantes ofertados por uma Instituição de Educação Profissional e
Tecnológica, pertencente à rede federal. Esclarece-se que ocorreram dois encontros
distintos com dois grupos de 12 alunos. Após a realização da “roda de conversa” com
esses grupos de alunos, foi aplicado um questionário para 128 alunos(as), o que
493
representou o quantitativo de 04 turmas - 2ªs e 3ªs séries - dos dois cursos técnicos
investigados.
Antes da aplicação do questionário foi explicado para eles a finalidade da
pesquisa e solicitado que se manifestassem favoráveis, ou não, em participar. Não
obstante, o questionário, de uma forma geral, possibilitou a realização de uma avaliação
institucional, pois, permitia que os estudantes manifestassem a sua percepção em
relação: a prática pedagógica docente; aos serviços administrativos, de apoio e
infraestrutura; a coordenação do curso e; aos aspectos acadêmico-formativos do curso.
Além disso, os alunos foram convidados a realizarem uma autoavaliação.
As questões trabalhadas foram amplas. Para este estudo considera-se
interessante debater e discutir as questões referentes às percepções discentes acerca da
prática docente e a relação professor x aluno. Num primeiro momento, para a
organização e a coleta de dados, realizou-se uma pesquisa nos sítios dos departamentos
onde os professores dos cursos técnicos se encontram lotados. Para efeito do
delineamento do perfil docente foi consultado a graduação de origem, a titulação e o
vínculo com a instituição. Desse modo, constatou-se que todos os docentes do quadro
efetivo são de dedicação exclusiva. No cruzamento de dados resultantes da entrevista
com os grupos focais, fez-se um esforço para verificar em que momento as falas
discentes tinham uma relação com a formação de origem do docente, podendo assim,
organizá-las em três blocos distintos. O primeiro bloco refere-se aos excertos discentes
que se relacionavam com as práticas pedagógicas dos professores não licenciados ou
que não tiveram acesso a cursos de formação pedagógica; o segundo bloco é do grupo
dos professores licenciados e o terceiro bloco refere-se tanto aos professores licenciados
quanto aos não licenciados. Esclarece-se que entende não ser necessário identificar a
instituição, bem como os cursos técnicos pesquisados, uma vez que em nada alteraria
e/ou influenciaria os resultados de pesquisa.
494
trabalho dos professores que lecionam nos Cursos Técnicos desta instituição. Desse
modo, registra-se no Gráfico1 a titulação dos 1.246 professores pertencentes ao corpo
docente da instituição.
Aperfeiç Graduad
oados os Doutores
Especiali
0% 13% 30%
stas
8%
Mestres
49%
495
Gráfico 1: Formação acadêmica inicial dos professores que atuam nos cursos técnicos
investigados
496
497
498
RAZOÁVEL/RUIM EXCELENTE/BOM
499
500
em saber escolar, de modo que se torne assimilável pelos alunos no espaço e tempos
escolares, provindo dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o
saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção, bem
como as tendências de sua transformação.
Com efeito, a relação que o professor estabelece da sua disciplina teórica com a
prática é entendida como satisfatória pelos alunos. Assim como os mesmos afirmam que
os docentes utilizam de uma linguagem clara e compreensível na explanação dos
conteúdos escolares.
Considerações finais
Entende-se que este estudo investigativo poderá colaborar com reflexões acerca
da formação docente para a EPTNM e apresentar pistas para futuras pesquisas. Percebe-
se que as representações que os estudantes constroem sobre os aspectos relacionados ao
ensino e à prática docente, proporcionará a busca de elementos para melhor se
compreender a materialização das práticas didático-pedagoógica, sobretudo, sobre o
processo de ensinar e de aprender. Evidencia-se que a prática educativa está
intensamente ligada às experiências vividas pelos profissionais da educação. É, com a
história de vida e de existência, que os mesmos (re)significam os (pré)conceitos, os
valores, a simbologia e a afetividade. O educador é, ao mesmo tempo, aprendiz e
ensinador de alguma coisa para alguém. Seu saber é pessoal e intransferível, é aquilo
que forma o seu acervo de conhecimentos. Se existe o objetivo de compreender como se
constrói a identidade docente, há que se atentar para os saberes e fazeres que cada um
traz consigo para o interior da escola, da sala de aula. O objetivo deve ser a formação do
ser humano como um todo e baseada na prática social, para que ao fim do período
escolar as desigualdades de início não tenham sido ampliadas pela apropriação do saber
historicamente produzido pela humanidade. (SAVIANI, 2005).
Pelos relatos dos alunos apreendem-se apelos a melhores práticas pedagógicas,
no sentido de favorecer a formação integrada e o diálogo, a derrubada de fronteiras
entre as disciplinas. Não obstante, entende-se que a materialização das práticas
analisadas está apontando para uma educação vocacionada, e os preceitos de uma
formação politécnica são silenciados nas ações docentes. Os dados apontam que os
professores cuja formação acadêmica profissional não é a licenciatura, são os que mais
apresentam déficit no desenvolvimento de uma prática didático-pedagógica que
501
Referências
BORGES, Cecília. Os saberes dos docentes como objeto de estudo. In: ___________. O
professor da educação básica e seus saberes profissionais. Araraquara, JM Editora, 2004.
BRASIL. Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909. Créa nas capitaes dos Estados das
Escolas de Aprendizes Artífices, para o ensino profissional primário e gratuito.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra. 1996.
502
MARX, K. & ENGELS, F. Textos sobre Educação e Ensino. São Paulo: Moraes, 1983.
____. Escola e democracia. 30ª ed. Campinas (SP): Autores Associados, 1996.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Nas últimas décadas, o Ensino de Ciências vem tentando acompanhar o ritmo
de desenvolvimento da Ciência e da Sociedade. Novas propostas surgem tendo em vista
que os problemas na relação ensino-aprendizagem ainda estão presentes na educação e o
Ensino de Ciências não está isento deste contexto. A teoria pedagógica Histórico-Crítica
acredita que o papel da escola é o de socializar o conhecimento científico produzido
historicamente através do ensino aos excluídos socialmente, auxiliando no processo de
transformação do atual modelo socioeconômico. Este trabalho analisa as publicações
voltadas para o Ensino de Ciências referenciadas teoricamente pela Pedagogia
Histórico-Crítica com o objetivo de explicitar qual a concepção de Ensino de Ciências
defendida por essa teoria pedagógica.
Introdução
504
505
506
507
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509
510
511
Caluzi e Rosella (2010, p.10) ainda apontam que apenas a socialização dos
conteúdos, pressuposto da PHC, incorporado ao Ensino de Ciências no trabalho de
GERALDO (2009), não é suficiente, pois “desvendar não se limita mais a um simples
512
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514
Considerações finais
Referências
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Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a prática pedagógica na educação
infantil, tomando como base o referencial teórico da pedagogia histórico-crítica por meio de
análise crítica acerca da educação infantil com base nos documentos oficiais com foco no
trabalho educativo no berçário. Assim, vamos de encontro à concepção de criança que defende
que as instituições de educação infantil se afastem do modelo de ensino e se pautem na não-
diretividade e em práticas espontaneístas. Trata-se de uma pesquisa teórico-conceitual que inclui
procedimentos metodológicos de pesquisa bibliográfica e documental, considerando os autores
de referência da pedagogia histórico-crítica e da psicologia histórico-cultural. Dessa forma
esperamos contribuir para a reflexão acerca da importância do ensino nos berçários de forma a
proporcionar o máximo desenvolvimento humano, por meio da democratização do
conhecimento sistematizado em busca da transformação da sociedade.
Introdução
518
Por meio de análise crítica acerca da educação infantil com base nestes
documentos oficiais com foco no trabalho educativo no berçário, o presente trabalho
visa refletir sobre a prática pedagógica na educação infantil, baseados no referencial
teórico da pedagogia histórico-crítica.
Trata-se de uma pesquisa teórico-conceitual que inclui procedimentos
metodológicos de pesquisa bibliográfica e documental, considerando os autores de
referência da pedagogia histórico-crítica e da psicologia histórico-cultural.
Dessa forma esperamos contribuir para a reflexão acerca da importância do
ensino nos berçários de forma a proporcionar o desenvolvimento humano, contribuindo
para que esses sujeitos se apropriem de toda cultura produzida historicamente pelo
conjunto dos homens por meio da democratização do conhecimento sistematizado em
busca da transformação da sociedade.
Desenvolvimento
519
520
521
522
Gostaríamos de deixar claro que ao afirmar que a criança não produz cultura não
estamos de forma alguma dizendo que ela não possui capacidade criativa, ou que é um
ser desprovido de alguma bagagem cultural. Entendemos que a criança, mesmo o bebê,
chega à escola trazendo consigo conteúdos culturais oriundos de seu convívio familiar
transmitidos a ela de forma assistemática. Esses conhecimentos devem ser considerados
pelo professor como ponto de partida, pois, o ato educativo não deve pautar-se apenas
no cotidiano de aluno, mas, ir além dele. Portanto a capacidade criativa da criança está
atrelada ao contato que ela tem com a cultura humana, que “[...] para nós, significa a
síntese da produção humana traduzida nos fenômenos do mundo objetivo por meio da
cultura material (instrumentos do trabalho) e da cultura intelectual (a linguagem, as
ciências e as artes)” (ARCE; BALDAN, 2012, p.189).
Analisando a relação existente entre o cuidar e o educar, destacamos que a
dicotomia existente entre eles parte do processo histórico de constituição das
instituições de educação infantil, uma vez que devido ao processo de crescimento
econômico no país, a mulher passou a desempenhar um papel cada vez mais ativo no
mercado de trabalho, criando uma maior necessidade de atendimento às crianças não só
de 4 a 6 anos mas também aos bebês de zero a 3 anos. Diante deste novo cenário, as
instituições de educação infantil cresceram à margem do sistema de ensino devido à
urgência da demanda, a falta de recursos financeiros e omissão da legislação e por isso
se voltaram mais aos aspectos assistencialistas, ou seja, ao cuidado.
523
524
525
526
527
528
“Assim, o saber que diretamente interessa à educação é aquele que emerge como
resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo [...]” e
nesse contexto o papel da escola é mediar a passagem do saber espontâneo ao saber
sistematizado. (SAVIANI, 2008, p.7),
529
Conclusão
Podemos perceber por meio da análise crítica dos documentos oficiais que
regem a educação infantil, a oposição existente entre as práticas reafirmadas pelas
pedagogias do “aprender a aprender” com o referencial teórico da pedagogia histórico-
crítica. Tais práticas valorizam o cuidado, a brincadeira e integração, sendo estes,
portanto, fundamentais para o trabalho pedagógico na educação infantil, articulados
com situações que reproduzam contextos cotidianos. Para a pedagogia histórico-crítica
o que promove o desenvolvimento humano do indivíduo é o acesso à humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens por meio da transmissão
do saber sistematizado, em oposição a uma educação que apenas reproduza o cotidiano.
(SAVIANI, 2008).
Para as pedagogias do “aprender a aprender” o professor é um mero facilitador
das relações sociais entre as crianças e deve valorizar suas atividades espontâneas em
detrimento de uma diretividade do ensino, deve dar voz à criança, articulando os
conhecimentos prévios com a prática do dia-a-dia proporcionando assim que ela mesma
construa conhecimento, desprezando dessa forma os conteúdos sistematizados e
reforçando a ideia de que a creche é um local destinado mais ao convívio coletivo do
que à educação como processo de humanização.
Tais considerações representam o que Martins (2009) cita como “pedagogia da
espera”, ou seja, a ideia segundo a qual pouco há que se fazer até que as crianças
cresçam e por isso o trabalho com os pequenos está pautado apenas nos cuidados
básicos. Segundo a autora, para superar as práticas espontaneístas, o professor precisa
ter conhecimento das ações que interferem de modo indireto e direto no
desenvolvimento da criança. A interferência indireta é feita por meio dos conteúdos de
formação operacional que cria novas habilidades na criança e se relaciona, além dos
cuidados básicos, também aos saberes sociológicos, psicológicos, filosóficos etc. que
devem pautar a organização do ensino por parte do professor. A interferência direta é
feita por meio dos conteúdos de formação teórica que promovem a apropriação do
conhecimento sistematizado.
Percebemos, portanto, a importância da diretividade do ensino em oposição ao
espontaneísmo, pois, o ser humano se desenvolve como tal a partir da apropriação da
cultura transmitida por meio de conteúdos de ensino específicos fundamentados aos
pressupostos teóricos do desenvolvimento da criança.
530
Dessa forma, afirmamos mais uma vez que a pedagogia histórico-crítica nos
possibilita pensar e analisar as práticas do ensino com crianças no berçário,
compreendendo que são sujeitos concretos, analisando-os como síntese de múltiplas
determinações, a fim de subsidiar ações que reflitam o compromisso da escola com o
ensino.
Nessa perspectiva, Arce e Silva (2009, p.163) discorrem sobre o ensino como
eixo articulador do trabalho com bebês afirmando que é possível ensinar no berçário,
ressaltando a necessidade de estimulação a fim de provocar no bebê o desenvolvimento
cognitivo, emocional e fisiológico, de forma intencional e direcionada.
Segundo Vigotski (apud ARCE; SILVA, 2009, p.165), “[...] o desenvolvimento
do bebê no primeiro ano baseia-se na contradição entre a máxima sociabilidade (devido
à situação em que se encontra) e suas mínimas possibilidades de comunicação”, ou seja,
ele se caracteriza por duas peculiaridades: a primeira é que o mesmo é incapaz de
satisfazer suas necessidades biológicas, sendo totalmente dependente do adulto e a
segunda é que embora seja dependente, ele não possui nenhum meio de comunicação
em forma de linguagem. Tais informações permite-nos inferir a importância do cuidado
para o desenvolvimento dos bebês.
Percebemos claramente que o bebê aprende desde o momento que nasce, por
isso, a satisfação de suas necessidades são traduzidas em cuidados que devem ser
organizados e direcionados para o ensino que promova o desenvolvimento, de forma
531
que este ensino seja sistematizado tomando como base as especificidades relacionadas
ao período de desenvolvimento do bebê.
Sobre o trabalho educativo no berçário, Martins (2009, p. 181) assinala que este
deve operar precisamente na atividade da criança e em sua consciência, porém, o
desenvolvimento da psique não reflete automaticamente tudo que age sobre a criança,
daí a importância que o educador possui sobre este desenvolvimento, reforçando ainda
mais a oposição ao modelo de trabalho no qual defende-se o espontaneísmo e estar
pronto a suprir apenas as necessidades fisiológicas do bebê. Este profissional deve
compreender claramente que a integração entre o cuidar e o educar traduzem-se em
ações planejadas e estas necessitam estar pautadas com base no desenvolvimento da
criança.
Portanto, percebemos a necessidade de democratização do conhecimento
sistematizado em busca de uma transformação da sociedade, respeitando e garantindo às
crianças na educação infantil desde o berçário o direito ao conhecimento por meio do
ensino.
Referências
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debate na apropriação da cultura por crianças pequenas. In: ARCE, A.;MARTINS, L. M.
(Orgs.). Ensinando aos pequenos de zero a três anos. Campinas, SP: Alínea, 2012.
______, A.; SILVA, J. C. É possível ensinar no berçário? O ensino como eixo articulador do
trabalho com bebês (6 meses a 1 ano de idade). In: ARCE, A.; MARTINS, L. M. (Orgs.).
Ensinando aos pequenos de zero a três anos. São Paulo: Alínea, 2009. p. 163 – 185.
532
______. Resolução CNE/CEB Nº05. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro de 2009.
DUARTE, Newton. Por que é necessário uma análise crítica marxista do construtivismo? In:
LOMBARDI.J.C; SAVIANI.D. (Orgs). Marxismo e educação: debates
Contemporâneos. Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR, 2008. p. 203 – 221.
PRADO, A.E.F.G.; AZEVEDO, H.H.O. de. Currículo para a educação infantil, argumentos
acadêmicos e propostas de “educação” para crianças de 0 a 5 anos. In: ARCE, A.; JACOMELI,
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SAVIANI, Nereide. Educação infantil versus educação escolar, implicações curriculares de uma
(falsa) oposição. In: ARCE, A.; JACOMELI, M.R.M. (orgs). Educação infantil versus
educação escolar? : entre a (des)escolarização e a precarização do trabalho pedagógico nas
salas de aula. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. p.53-79
SILVA, J.C. O que o cotidiano das Instituições de Educação Infantil nos revela?. In: ARCE,
A.;MARTINS, L. M. (Orgs.). Ensinando aos pequenos de zero a três anos. Campinas, SP:
Alínea, 2012. p. 21-49.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
DEGAS, Edgar. A aula de dança. 1871. Óleo sobre tela, 19,7 x 27 cm.
SUMÁRIO (GT3)
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O artigo em tela tem como objetivo compreender a importância do Ensino Médio
Integrado como um modo de contribuir para a formação do adolescente. Para tanto, dialoga com
autores que analisam a trajetória da Educação Profissional no Brasil e, de modo mais especifico,
o Ensino Médio Integrado. Apresenta pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural no que se
refere ao adolescente e a importância da educação escolar, com o objetivo de conhecer suas
peculiaridades psicológicas e entender a importância do Ensino Médio Integrado como
mediador dessa formação. Utiliza como abordagem metodológica a pesquisa bibliográfica e
documental, tendo em vista que recorre a livros, dissertações, teses e legislações para discorrer
sobre o assunto. Conclui que o Ensino Médio Integrado é um lócus propício para a formação
integral desde que suas bases estejam sustentadas pelas ideias de formação politécnica, integral
e omnilateral.
Introdução
536
537
538
539
Para Ciavatta (2005), é preciso buscar as origens do termo integrar a partir das
ideias de Gramsci, com um sentido de completude, de compreensão das partes no seu
todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como totalidade social, isto é, nas
múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos.
540
que contribua para a leitura de mundo e para a atuação crítica integrada à sua sociedade
política.
Essa formação supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os
fenômenos, com a compreensão de que os homens e mulheres são seres histórico-
sociais que atuam no mundo concreto para satisfazer suas necessidades subjetivas e
sociais e, nessa ação, produzem conhecimentos. CIAVATTA, 2005).
Nos eixos que fundamentam o Ensino Médio Integrado, o trabalho é considerado
como o princípio, pois serve de mediação entre o homem e o objeto a ser
investigado/conhecido, e confere significado a uma escola que se diz ativa e criadora.
“Ter o trabalho como princípio educativo implica referir-se a uma formação baseada no
processo histórico e ontológico de produção da existência humana, em que a produção
do conhecimento científico é uma dimensão”. (RAMOS, 2005, p. 119).
Ciavatta (2005) alerta que, apenas ao enfocar o trabalho na sua particularidade
histórica, nas mediações específicas que lhe dão forma e sentido no tempo e no espaço,
podemos apreendê-lo ou apreender o mundo do trabalho na sua historicidade, como
atividade criadora. Porém, de modo contrário, na sociedade atual, o trabalho pode ser
penoso, capaz de alienar o ser humano de si mesmo, dos outros e dos produtos de seu
trabalho na forma de mercadorias.
Ramos (2005) considera necessário integrar todas as dimensões da vida no
processo educativo, pois o trabalho, a ciência e a cultura são categorias indissociáveis
da formação humana. Essa concepção de trabalho associa-se à concepção de ciência,
pois relaciona-se com conhecimentos produzidos, sistematizados e legitimados
socialmente ao longo da história, como resultado de um processo empreendido pela
humanidade na busca da compreensão e transformação dos fenômenos naturais e
sociais. Portanto, a ciência conforma conceitos e métodos que são transmitidos para
diferentes gerações e, ao mesmo tempo, que podem ser questionados e superados
historicamente, no movimento permanente de construção de novos conhecimentos.
A outra dimensão da vida que precisa integrar o processo educativo é a cultura
que segundo Ramos (2005), deve ser entendida como diferentes formas de criação da
sociedade, seus valores, suas normas de conduta e suas obras. Portanto, a cultura é tanto
a produção ética quanto a estética de uma sociedade. Assim se pode compreender que
os conhecimentos característicos de um tempo histórico e de um grupo social trazem a
marca das razões, dos problemas, das necessidades e das possibilidades que motivaram
o avanço do conhecimento em uma sociedade. Nesse sentido, a escola deve se
541
542
adolescência apontadas por Vigotski são válidas para os dias atuais, sobretudo quando
esse autor abarca uma perspectiva científica e filosófica sobre a adolescência. Para ele o
adolescente é um ser histórico e social. Portanto, é importante compreender que “[...] as
leis biológicas e as características determinantes do desenvolvimento humano pautadas
na hereditariedade não são mais as forças motrizes do desenvolvimento humano, pois
cederam lugar às leis sócio-históricas”. (ANJOS, 2013, p. 17).
Além da compreensão da importância dos aspectos históricos e sociais, outro
ponto importante refere-se à consideração da adolescência como um período em que
linhas de desenvolvimento se articulam e se afetam, a saber: a dos interesses; a da
formação dos conceitos e do desenvolvimento do pensamento; e a do desenvolvimento
das funções psicológicas superiores. Assim, o ponto central desse período não são os
conflitos nem mesmo as mudanças corporais, biológicas, mas a formação das linhas de
desenvolvimento que colaboram com a compreensão da realidade em suas múltiplas
determinações e com a inserção ativa desses sujeitos na sociedade.
Para Vigotski (1996), as etapas do desenvolvimento das funções psicológicas do
ser humano, principalmente as do adolescente, ocorrem dentro de um complexo sistema
hierárquico de novas formações psíquicas. As funções psicológicas superiores referem-
se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, mecanismos
intencionais, como a consciência, a vontade e a intenção, que pertencem à esfera da
subjetividade. Elas não se relacionam apenas com o desenvolvimento das funções como
memória, atenção, percepção da realidade, mas também com o desenvolvimento da
personalidade e da concepção de mundo. As funções psicológicas superiores envolvem
o domínio de meios externos de desenvolvimento da cultura e do pensamento, como a
linguagem, a escrita, o cálculo e o desenho. Exigem a utilização significativa de
mediadores e se vinculam diretamente ao processo de escolarização.
A função principal dessas novas formações consiste no desenvolvimento do
pensamento a partir da formação de conceitos. Para Vigotski (1996), conceito é uma
formação qualitativamente nova, uma nova forma de atividade intelectual, um novo
modo de conduta, um novo mecanismo intelectual. É um ato real e complexo de
pensamento que não se prende à memorização, um ato de generalização que evolui com
os significados das palavras e pode transitar de uma generalização para outra. Todas as
restantes funções se unem a essa formação nova, compondo uma síntese complexa.
Com a formação dos conceitos, abre-se diante do indivíduo o mundo da consciência
social objetiva, o que torna possível a compreensão, a abstração e a síntese.
543
544
intencionais. Anjos (2014, p. 231) nos ajuda a compreender essa transformação quando
explica:
545
546
547
Referências
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma
teoria crítica do fenômeno educativo. São Paulo: Cortez, 2000.
DUARTE, Newton; FERREIRA, Nathalia Botura de Paula; ANJOS, Ricardo Eleutério dos.
548
FRANCO, Maria Ciavatta. O trabalho como princípio educativo: uma concepção unificadora de
ciência, técnica e ensino. In: BRASIL. Politecnia no ensino médio. São Paulo-Brasília:
Cortez/Ministério da Educação, 1991.
MACHADO, Lucília Regina de Souza. Politécnia, escola unitária e trabalho. São Paulo:
Editora Cortez/Autores Associados, 1991.
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez/ Autores
Associados, 1991.
PRESTES, Zoia. Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch
Vigotski no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Esse trabalho apresenta parte de uma pesquisa em andamento em nível de mestrado na
Universidade Metodista de Piracicaba que tem como objeto de estudo a alfabetização nas séries
iniciais do ensino fundamental na escola pública. Fundamentada no método materialista
histórico e dialético de K. Marx, articula a Psicologia de L.S. Vigotski e de seus colaboradores
com a Pedagogia Histórico-crítica, fundada por Demerval Saviani e desenvolvida por ele e por
seus colaboradores, bem como se pauta na intersecção que ambas assumem em defesa da escola
e do ensino dos conhecimentos historicamente produzidos como caminho para a transformação
da sociedade. Quanto aos aspectos históricos, busca subsídios nos estudos de M.R.L.Mortatti
acerca da história da alfabetização no Brasil e da progressiva desmetodização do ensino da
leitura e da escrita, com o advento do construtivismo e das políticas públicas pautadas no
neoliberalismo.
1
Patrícia Maria Guarnieri Ramos, psicóloga, mestranda em Educação. Universidade Metodista de
Piracicaba, São Paulo, Brasil. E-mail: psicopmgr@gmail.com
2
Anna Maria Lunardi Padilha, mestre em Educação e doutora em Educação, Conhecimento, Linguagem e
Arte. Universidade Metodista de Piracicaba. São Paulo, Brasil. E-mail anapadi@terra.com.br
3
Cf. PINO, A. (2005, p. 93-94). Nessa obra, o autor aprofunda os estudos de L.S. Vigotski na afirmativa
de que a mediação semiótica é constitutiva da natureza humana do homem. A significação converte a
natureza em cultura e a cultura em natureza, a resposta que o homem dá à natureza já é cultural, sendo
que não há objetos naturais que não sejam convertidos em objetos culturais. Assim é a linguagem.
550
4
O site do Observatório do PNE divulga a porcentagem de 97,1 % de crianças entre seis e 14 anos
matriculadas no Ensino Fundamental (dados de 2013). O mesmo site divulga que 71,7% dos jovens de 16
anos concluem o Ensino Fundamental e que ainda permanecem fora da escola 500 mil crianças entre seis
e 14 anos, que correspondem aos filhos da população com renda per capita de 1/4 de salário mínimo,
negros, indígenas e deficientes. O Observatório do PNE é uma iniciativa de 20 organizações ligadas à
Educação, especializadas nas diferentes etapas e modalidades de ensino que, juntas, se propõem a realizar
o acompanhamento permanente das metas e estratégias do PNE. São elas: Capes, Cenpec, Comunidade
Educativa Cedac, Fundação Itaú Social, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal,
Fundação Roberto Marinho/Canal Futura, Fundação Santillana, Fundação Victor Civita, Instituto Avisa
Lá, Instituto Natura, Instituto Paulo Montenegro, Instituto Rodrigo Mendes, Instituto Unibanco, Ipea,
Mais Diferenças, SBPC, Todos Pela Educação, Unesco e Unicef. O desenvolvimento da plataforma
contou com o apoio do BID.
551
5
Cf. SILVA JÚNIOR, J. R.; SGUISSARDI, V. Novas faces da educação superior no Brasil. 2. ed. rev.
São Paulo: Cortez, Bragança Paulista, 2001. Nessa obra, os autores fazem uma análise das implicações da
reforma do Estado Neoliberal, que se inicia no Brasil na década de 90, e as consequências sobre o Ensino
Superior. Contudo, é possível aplicar tais análises à Educação Básica.
552
6
Na sessão seguinte, em que apresentamos o método da pesquisa, será abordada a metodologia da
“configuração textual” elaborada pela autora. Metodologia que utilizaremos na pesquisa para analisar o
documento do Pacto Nacional para alfabetização na idade certa – PNAIC.
553
7
Cf. MORTATTI, Maria do Rosário. M. R. L. A “querela dos métodos” de alfabetização no Brasil:
contribuições para metodizar o debate. Acolhendo a Alfabetização nos países de Língua Portuguesa,
São Paulo, v. 3, p.91-114, 2009. “Esses momentos e suas características são, muito resumidamente: 1º
momento (1877-1890) - disputa entre os defensores do então “novo” método da palavração e os dos
“antigos” métodos sintéticos (alfabético, fônico, silábico); 2º momento (1890 a meados da década de
1920) - disputa entre defensores do então “novo” método analítico e os dos “antigos” métodos sintéticos;
3º momento (meados de 1920 a final da década de 1970) - disputa entre os defensores dos “antigos”
métodos de alfabetização (sintético-analítico) e os dos então “novos” testes ABC para verificação da
maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita, de que decorre a introdução dos “novos”
métodos mistos; 4º momento (meados da década de 1980 a 1994) disputa entre os defensores da então
“nova” perspectiva construtivista e os dos “antigos” testes de maturidade e dos “antigos” métodos de
alfabetização”.
554
555
8
Cf. GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: As concepções de Estado em Marx, Engels,
Lenin e Gramsci. Porto Alegre: Editora L&PM, 1996. Segundo o autor, a grande contribuição da teoria
de Karl Marx é assumir que a sociedade e o Estado não podem ser concebidos por si, mas pelas raízes
materialistas que os constituem. Assim, inverte a lógica desenvolvida por Hegel, segundo a qual o
Estado funda a sociedade, dizendo, então, que quem funda o Estado é a sociedade. Nesse sentido, a
crítica ao Estado burguês está na base de toda a crítica que Marx faz ao modelo de Estado moderno. O
Estado surge então na defesa da propriedade privada e da divisão do trabalho. O Estado é legitimado
pelos detentores dos bens de produção, ele nunca é neutro ou mantém uma relação de igualdade entre os
homens, pois, em sua origem, tem as implicações com a minoria da sociedade, que são quem detém os
meios de produção.
556
Engels (2007) pretendiam refutar as visões idealistas dos filósofos de seu tempo e
buscavam uma análise pautada na concretude do homem em suas relações de produção,
Vigotski e seus colaboradores tinham como princípio a elaboração de uma psicologia
também concreta do homem.
Ao adotar a perspectiva materialista histórico-dialética é que se busca, na
Psicologia de Vigotski, compreender o fenômeno da linguagem escrita. E, nessa base de
sustentação, abordar o objeto, buscando, assim, suas origens e suas determinações. Para
a Psicologia Histórico-cultural, a aquisição da linguagem escrita exige ações que
caminhem na direção de proporcionar à criança, que está sob esse processo, uma relação
vertical, ou seja, a aquisição da linguagem não é repertório que ela domine pela
experiência imediata; precisa ser ensinada para se tornar um recurso do psiquismo. Sua
estrutura precisa passar do domínio externo para o domínio deliberado e interno do
indivíduo. (VIGOTSKI, 2014).
Pensar a linguagem a partir dessa premissa torna-se, para nós, um pressuposto
metodológico que dá a possibilidade de abordar a essência desse fenômeno,
considerando suas determinações materiais impulsionadas, numa sociedade de classes,
pela luta entre os que dominam esse sistema de códigos e participam integralmente das
produções humanas e aqueles que não dominam, ficando à margem dessa produção.
Outro pressuposto conceitual metodológico sobre esse fenômeno busca-se em
Leontiev (1978) e sua explicação de que a evolução humana continua a se desenvolver,
mas o mecanismo que engendra essa evolução não é determinado pelas heranças
biológicas, e sim pelo novo mecanismo criado pelo homem, que é a cultura. Para
Leontiev, os fenômenos externos da cultura material e intelectual é que representam os
mecanismos que fazem a passagem evolutiva de geração após geração. O trabalho foi a
atividade fundamental que possibilitou essa forma de transmissão, que é exclusiva do
homem. Desse modo, toda geração começa em um mundo de objetos e fenômenos
intelectuais criados pelas gerações precedentes.
Na afirmativa da tese de que o indivíduo humano precisa se tornar um humano,
o autor considera que o processo educativo é que garante a continuidade do
desenvolvimento da história social da humanidade. Sem a possibilidade dessa
transmissão, a história seria interrompida e um novo começo seria inevitável, pois os
objetos que ali estariam não teriam sentido para as gerações vindouras. Considerando
esse processo educativo como forma de transmissão de cultura, observa-se que, quanto
mais complexos se tornam os objetos da cultura e os conteúdos produzidos pela história
557
558
Como primeiros resultados deste estudo, pode-se formular que, para a aquisição
da linguagem escrita é preciso que os alunos caminhem muito além da sua experiência
559
imediata com o mundo letrado. Urge que se tenham métodos eficientes para conduzir as
crianças para a apreensão desse sistema de escrita e que se possa oferecer à criança um
instrumento para estabelecer uma relação abstrata e superior com a sua função
psicológica de escrita da língua materna.
Pela perspectiva assumida nesta investigação, a linguagem escrita, como função
psicológica superior, é produto histórico, originária da relação com o trabalho (LURIA,
1991) e só faz sentido como prática social. Qualquer atribuição à aquisição da
linguagem que não signifique uma unidade de sentido nas práticas sociais pode ser
compreendida como alienação. Assim como para Marx, trabalho alienado é “não
trabalho”, alfabetização alienada é “não alfabetização” (MARTINS; MARSIGLIA,
2015, p.74).
Nesse sentido, ao atribuir à alfabetização – e ao consequente domínio da escrita
– o papel de desenvolvimento de uma função psicológica superior altamente complexa,
fica dispensável falar em letramento, afinal, indivíduos alfabetizados podem ser leitores
e produtores de diferentes gêneros textuais. A função da escola é justamente essa.
Desse modo, assume-se o pressuposto de que a aquisição da linguagem escrita
não se dá espontaneamente e essa só poderá ter melhor êxito quando compreendida
como um processo de elevação e abstração, que vai além da simples transposição da
linguagem oral; como um produto social, o qual as gerações mais capazes têm a
responsabilidade de transmitir às gerações futuras com propósitos de garantir sua
evolução. Assim como para um indivíduo humano se tornar um indivíduo da sua
espécie não basta nascer; para ser um representante da espécie humana é necessário
adquirir o que foi alcançado no decurso histórico da sociedade humana, é preciso se
tornar um homem (LEONTIEV, 1978 – grifo nosso). Afirmamos, com outros
estudiosos, que é preciso que nossa sociedade assuma a responsabilidade de
providenciar todas as condições necessárias para a aquisição da linguagem escrita, por
parte das gerações que estão em formação, para que possam prosseguir com o processo
de evolução da sociedade humana.
Assim sendo, abordamos a discussão do ensino da linguagem escrita a partir das
discussões que Vigotski faz sobre os conceitos espontâneos e os conceitos científicos,
justamente quando esses últimos vão à frente do desenvolvimento e criam novos
círculos de conceitos, ou seja, operam em zonas em que as crianças ainda não dominam,
concluindo que tais conceitos podem efetivamente desempenhar um grande papel ao
formarem zonas de desenvolvimento imediato. (VIGOTSKI, 2001, p.544).
560
561
Referências
DUARTE, N. A escola de Vigotski e a educação escolar: algumas hipóteses para uma leitura
pedagógica da psicologia histórico-cultural. Psicologia USP, São Paulo, v.7, n.1/2, p. 15-50,
1996. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/34531>. Acesso em: 19
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trad. Luis Cláudio de Castro e Costa. 3
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2010.
PAULO NETTO, J. Introdução ao estudo do método de Marx. 1. ed. São Paulo: Expressão
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SILVA Jr. J.R. e SGUISSARDI, V. Novas faces da educação superior no Brasil. 2ª Ed. rev.
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______. Psicologia Pedagógica. 1. ed. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2001.
____ Obras escogidas III. Problemas del desarrollo de la psique. Machado Grupo de
Distribuión, S.L. Madri, 2012.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
RESUMO: Esse trabalho apresenta um recorte de nossa pesquisa de doutoramento que analisou
as limitações da abordagem de formação de professor Professor Reflexivo, de Donald Schön,
bastante difundida na década de 1990; e que segue fundamentando o discurso dos formadores
acerca da necessidade de formar profissionais reflexivos, autônomos e críticos. Nossos suportes
teóricos foram os estudiosos da Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Histórico Cultural,
que nos lançou luzes e passou, a partir daí, a orientar o nosso olhar acerca de como pensar a
formação dos professores. Localizadas no Materialismo Histórico-Dialético, essas teorias nos
permitem entender que a formação do indivíduo não pode ser dissociada do conjunto das
relações sociais. Com base nesse referencial, apresentaremos equívocos e consequências para a
formação dos professores deflagrados a partir de abordagem tal como a do Professor Reflexivo.
Introdução
Atuamos ao longo de uma década nas escolas da rede oficial de ensino e nas
escolas particulares de São Paulo. O contato com os dilemas enfrentados pelos
professores que trabalhavam nas escolas diariamente, na prática pedagógica, apontou a
necessidade de se produzir um contexto de investigação e reflexão, cujo intuito era
construir propostas que atendessem às necessidades específicas dos docentes ao
trabalhar espaços complexos como são as escolas. Tais necessidades, especificamente,
referiam-se a problemas como o mau desempenho acadêmico dos alunos, desinteresse
pelos estudos, baixa frequência escolar, indisciplina, violência, entre outros.
Assim, diante dessa situação, nosso projeto de pesquisa de doutoramento
inicialmente propunha-se a pensar essa prática dos professores, tendo como produtores
de conhecimento os próprios docentes e a escola como contexto de produção desse
conhecimento. Como subsídio teórico-metodológico, selecionamos a abordagem de
1
Bruna Ramos Marinho. Licenciada em Letras pela Unesp/Assis. Doutora em Educação pela
Unesp/Marília. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima e do
Programa de Mestrado Acadêmico em Educação da Universidade Estadual de Roraima. Roraima.Brasil.
email: bruna.marinho@ifrr.edu.br.
564
565
Por tal razão, propõem estratégias tais como reflexão na ação e reflexão sobre a
ação que ganham o estatuto de conceitos nesta abordagem. O argumento dos defensores
do Professor Reflexivo é que o conhecimento teórico, valorizado nas universidades e na
escola, constitui um impedimento para a construção da autonomia do professor e do
aluno. Desta forma, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação empoderam o professor,
566
567
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570
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572
ainda que tenhamos a intenção de responder a tal indagação, sabemos que o faremos de
forma sucinta. Tal é o espaço proposto para um artigo.
573
posicionamento, uma vez que seus objetivos apontam para a formação de um tipo
específico de ser humano. Contudo, devemos recordar que o processo de trabalho, no
caso do professor, se dá em meio às relações capitalistas. Mesmo que o trabalho
educativo se configure em um trabalho intelectual, não podemos afirmar que se trata de
uma atividade isenta das interferências alienantes do capital. (OLIVEIRA, 1996, p. 21).
De maneira conscientemente resumida, apontamos, com base nas reflexões de
Serrão (2002), que o professor - tal como outros trabalhadores - vende sua força de
trabalho em troca de salário quer seja na escola particular quer seja na pública.
Professores de escolas públicas ou particulares não são os donos dos meios de
produção; para sobreviver, eles vendem sua força de trabalho. Isso significa que mesmo
que sua atividade exija criatividade, reflexão, que seja ele um profissional competente, o
sentido que o trabalho educativo tem para ele estará perpassado por essas relações de
produção – trabalho/salário que se estabeleceram e não necessariamente terá relação
com o significado de desenvolver as potencialidades máximas dos indivíduos.
Tomando o contexto brasileiro sobre o trabalho do professor, podemos afirmar
que dificilmente o professor poderá estar inteiro na sua atividade, visto que precisa
trabalhar muitas vezes em condições precárias, em diversas escolas ao mesmo tempo,
sem a devida formação, etc. Em síntese, a venda da força de trabalho o coloca numa
situação de exploração, e a exploração o leva a ter condicionada sua consciência a estas
relações alienadas e alienantes. Explorado, o professor está alijado do progresso
material e do progresso não-material. A alienação a que ele se submete aí obstaculiza a
construção de uma consciência e uma existência livre e universal. Isso porque a
consciência estrutura-se na atividade (LEONTIEV,1978).
No caso do professor, sua atividade principal é o seu trabalho. Estando o
trabalho realizado em relações sociais alienantes para esse indivíduo, a consciência dele
refletirá as relações sociais alienantes a que está submetido por meio da linguagem, por
meio das significações. Isto acontece a partir do momento em que não coincide o
significado da educação com o sentido que o trabalho tem para ele, uma vez que o
motivo pelo qual ele trabalha é o da sobrevivência. Desarticulado do significado social,
o trabalho em condições alienantes converte-se em mortificação ao indivíduo, em algo
que o torna submisso, escravo e arruína seu espírito.
A exploração a que é submetido aliena-o, tanto no conteúdo de consciência
(aspecto não material) quanto na sua vida material. Não por acaso, até mesmo o senso
comum é capaz de estampar nos comerciais de tv, nos jornais que há uma contraposição
574
Considerações finais
Com base nas discussões acima, ainda que tenham sido de modo breve, dados os
limites de um artigo no que tange a extensão do texto, podemos afirmar que a
abordagem de Professor Reflexivo, ao buscar responder aos dilemas do cotidiano, por
meio da construção de conhecimento, a partir da reflexão sobre a ação, não se porta
como uma abordagem consistente na formação de um professor reflexivo.
Como vimos, não há, em sua epistemologia, um aparato que sustente e
compreenda como se dá a formação dos indivíduos, quais os seus condicionantes, para
assim, compreender os conteúdos que informam a sua consciência, e, a partir da
575
É por isso que ratificamos os estudos de Duarte (2010) quando afirma que
desconhecimento acerca da concreticidade da constituição do ser humano tem levado
educadores e as próprias pesquisas educacionais a uma série de imprecisões na
compreensão do trabalho educativo. Em consequência disso, frequentemente, o trabalho
educativo é realizado na contramão de um processo de desenvolvimento humanizador,
mas alienante. O efeito desse processo não é restrito ao educador, mas abrange o
educando que reflete a concepção de educação a qual ele, o professor, é submetido nas
suas relações sociais.
Não por acaso ainda existem nas escolas pensamentos e práticas pedagógicas
que refletem um estado de alienação tais como a dicotomização da teoria e da prática e
as práticas desumanas a que estão submetidas as crianças mais pobres e as deficientes
intelectuais tidas como incapazes de aprender e não merecedoras nenhuma atividade
pedagógica; entre outras tão cruéis e mal informadas. Isso ocorre porque a formação da
consciência do educando e do educador objetivada pelo trabalho educativo alienante é
uma falsa consciência, pois, para esta consciência, o mundo não aparece de forma
esclarecida, mas antes se apresenta sob a forma de um mundo desconhecido e poderoso,
como afirmou Marino Filho (2007, p. 18). Sob a forma de preconceitos já naturalizados
como verdades, não há para eles o que mudar.
Com base nos autores estudados, bem como na Pedagogia Histórico-Crítica e na
Psicologia Histórico-Cultural, concluímos que a possibilidade de transformação dessa
formação alienante parte da adoção e de uma formação cuja mediação teórica
compreenda os indivíduos como síntese de suas relações sociais. Sem essa mediação, é
576
Referências
577
MARX , K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Traduzido por Luis Claudio de Castro e Costa.
São Paulo: Martins Fontes, 1989.
__________. Educating the reflective practioner. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1987.
SAVIANI, D Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 7ª.ed. Campinas, SP:
Autores Associados. 2012. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo; v.40).
SERRÃO, M.I.B. Superando a racionalidade técnica na formação: sonho de uma noite de verão.
In: PIMENTA S.M. e GHEDIN, E (orgs.). Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de
um conceito. 2ª.ed. São Paulo: Cortez, 2002.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este estudo tem por objetivo analisar as práticas educativas de professores na inclusão
de alunos com autismo no ensino regular. Toma a perspectiva histórico-cultural, representada
pelos estudos de Vigotski (1983, 1997) e de outros autores que compartilham desse referencial,
como base teórica e metodológica para compreender o desenvolvimento da pessoa com autismo.
Os dados apresentados são recortes de duas pesquisas de mestrado Chiote (2011) e Santos
(2012). As análises indicam que a aposta na educabilidade do sujeito com autismo precisa ser
permeada pela intenção e planejamento das ações educativas. A mediação pedagógica assumiu
um papel fundamental no processo de apropriação do conhecimento pelos alunos com autismo,
por buscar orientá-los, chamar a sua atenção e conduzi-los nas propostas de atividades, entre
outras ações.
Introdução
A Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008) e as normativas que a sucedem para sua implementação, são marcos
legais que representam, como aponta Vasques (2011), um “nascimento simbólico” no
campo da legislação educacional para as pessoas com autismo, pois tais documentos
definem o aluno com autismo como público-alvo da educação especial como parte dos
transtornos globais de desenvolvimento, garantindo sua escolarização na escola regular.
A partir do movimento de educação inclusiva, observa-se o aumento de
matrículas de pessoas com autismo no ensino regular. O encontro com esses alunos no
espaço dessa escola tem causado estranheza e desconforto por parte dos professores e
demais profissionais da escola, “[...] transtornados pela falta de preparo ante uma tarefa
1
Fernanda de Araújo Binatti Chiote, Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Professora do ensino básico, técnico e
tecnológico da Ufes – CEI Criarte, ES, Brasil. E-mail: fbchiote@yahoo.com.br
2
Emilene Coco dos Santos, Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Espírito Santo, Professora da educação básica pela Prefeitura Municipal de
Vitória, ES, Brasil. E-mail: emilenecoco@gmail.com
579
A criança constitui-se como ser social com e pelo outro, por meio da mediação
que a insere no meio cultural. O processo de constituição cultural na criança, como nos
aponta Pino (2005, p. 158), é mais do que sua inserção na cultura, é a “[...] inserção da
cultura nela para torná-la um ser cultural”.
580
581
servindo-lhe de guia: deve voltar-se não tanto para as funções já maduras, mas
principalmente para as funções em amadurecimento”. (VIGOTSKI, 2005, p. 130).
Desse modo, é necessário propor adaptações e recursos que considerem as
possibilidades desses sujeitos, com vistas a envolver todos os profissionais da escola
(BRIDI, 2006, p. 63).
Para Baptista (2002, p.131), essas adaptações e recursos se caracterizam como
“[...] dispositivos que delimitam e viabilizam a experiência [...]”, constituindo-se como
garantia para a efetivação do processo inclusivo. Assim, tendo em vista as
possibilidades educacionais da criança com autismo e considerando os apontamentos de
Bridi (2006) acerca da necessidade de adaptações e de recursos para viabilizar a prática
educativa dirigida a essa criança, abordaremos aspectos do trabalho realizado com dois
alunos com autismo, um na educação infantil e outro no ensino fundamenta.
Reconhecemos os desafios envolvidos no processo de adaptação da criança com
autismo ao ambiente escolar, contudo é urgente pensarmos e realizarmos ações que
contribuam para a permanência desses sujeitos na escola, sem tantas repetições de uma
mesma atividade. Propomos, então, que a escola busque adaptar-se a esse sujeito,
mesmo diante de suas peculiaridades quanto ao desenvolvimento e participação nas
atividades pedagógicas, com uma aposta na sua educabilidade, entendendo a escola
como um espaço de aprendizado para todos.
Nesse sentido, a construção de materiais diversificados possibilita aos alunos
uma oportunidade de vivenciar experiências de usos possíveis de determinado recurso.
Ensinar a usar esses recursos faz parte do trabalho pedagógico do professor. Dessa
forma, na educação infantil, as crianças são orientadas pelos adultos nos diferentes
momentos e atividades. Os modos como os outros interpretam, orientam e regulam suas
ações no espaço escolar são internalizados pela criança num processo no qual ela se
apropria das formas culturais, ao mesmo tempo em que as modificam criando sua
maneira singular de interagir/intervir no meio, regulando suas próprias práticas.
Essa orientação para a atividade continua sendo necessária nos próximos anos,
no ensino fundamental, pois os conteúdos vão se ampliando e a participação da criança
com autismo nessa fase do ensino pode ficar descontextualizada do que é ensinado ao
restante da turma. Parece-nos um prolongamento das atividades vivenciadas na
educação infantil, restrito ao que o aluno já sabe fazer (recorte e colagem, massa de
modelar, pintura de figuras), logo, repetição das mesmas atividades, muitas vezes sem
planejamento ou sistematização.
582
2 Análise e discussões
583
584
585
o interesse de Rafael pela Turma da Mônica, para confeccionar recursos materiais que
tinham como objetivo mediar a relação do aluno com a escrita. Os personagens
principais do Gibi foram usados como suporte para as atividades, como: jogo da
memória, dominó, fichas com frases após leitura do Gibi e banco de palavras.
Essa proposta foi levada para a sala de aula e para a biblioteca, visando a
ampliar a participação da criança. As atividades eram propostas em pequenos grupos e
em um momento em que os outros alunos poderiam participar. Rafael demonstrou
entusiasmo em fazer atividades com esses materiais, repetindo os mesmos gestos já
observados, como: cheirar, beijar, bater com o dedo, virar a ficha para ver a sombra e
apontar com mão da professora as figuras e as palavras para serem lidas.
A partir disso, foi confeccionado um banco de palavras com nomes de animais e
objetos em envelopes para mediar a relação do aluno com a leitura. Rafael demonstrou
atenção à leitura das fichas, “vendo todas as fichas”, identificando os animais imitando
os sons e passando o dedo onde estava escrito o nome do animal.
No entanto, não bastava ter o recurso, foi importante saber como utilizá-lo de
forma a ampliar as possibilidades de relação da criança com as fichas no processo de
leitura. A atuação do adulto é fundamental para mediar a relação da criança com os
recursos materiais. Essa atuação envolve observação sistemática da criança para
conhecê-la e identificar as nuances de suas possibilidades comunicativas,
intencionalidade e planejamento por parte dos educadores no trabalho educativo.
Destaca-se como avanço na participação de Rafael nas atividades de ficha de
leitura a retomada que ele fez da sequência de ações conforme registro no diário de
campo: “Ele tirou a ficha de trás da casa e, aparecendo outro animal, passa o dedo no
nome, na letra e abre a porta para ver o que era”. Essas ações foram produzidas pela
pesquisadora, repetidas com ele e depois feitas por ele sozinho.
Vigotski (2000) vê na imitação um processo dinâmico que favorece e possibilita
a aprendizagem, desmitificando o aspecto mecânico ou restrito que lhe é conferido. A
relevância e a importante função que a imitação ocupa no desenvolvimento e na
aprendizagem estão diretamente relacionadas com as relações sociais e a organização do
trabalho pedagógico do professor. A capacidade de entendimento do aluno será
ampliada na medida em que houver maior intervenção do professor como mediador e
organizador do processo de aprendizagem do aluno.
As análises nos permitem dizer que, em seu aprendizado sobre a leitura, Rafael
começou a acompanhar a fala e o gesto do outro no texto, com curiosidade por querer
586
saber o que estava escrito quando ele apontava as palavras para serem lidas, seguindo
com o seu dedo o caminho das letras nas atividades e nos livros. Além disso, o sentido
atribuído pelo adulto às imagens e à escrita orientava o aluno na percepção de que, além
das ilustrações das histórias, havia textos para serem lidos. Isso, de certa forma,
contribuiu para o desenvolvimento da atenção voluntária dele e para a regulação maior
da própria conduta em situações de leitura.
Referências
587
SANTOS, E. C. Entre linhas e letras de Rafael: estudo sobre a escolarização de uma criança
com autismo no ensino comum. 2012. 191 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012.
______. A Formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Júlia Mazinini Rosa
Lígia Marcia Martins
Resumo: Esse trabalho é parte de uma pesquisa de doutorado em andamento, situada nas
interfaces entre a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica, que tem como
objeto mais amplo os alcances potenciais na concepção de mundo promovidos pelo ensino de
evolução. O objetivo do presente texto é apresentar resultados preliminares de reflexões a
respeito do ensino dos sistemas de classificação dos seres vivos (com destaque para a
sistemática filogenética) e o desenvolvimento da função psíquica pensamento, tendo como
enfoque o pensamento abstrato empírico e teórico. Para isso, toma-se como referencial as
proposições de Vigotski e Davidov sobre o desenvolvimento do pensamento conceitual, bem
como elementos fundamentais da sistemática filogenética sistematizados por Amorim (2002).
Levantamos a hipótese de uma possível relação entre o ensino da sistemática filogenética e o
desenvolvimento do pensamento teórico. Merece atenção o fato de que a sistemática não é
elemento constituinte do currículo de biologia na educação básica.
Introdução
589
590
objeto específico e isolá-lo de uma situação global por ela percebida simultaneamente.”
(VIGOTSKI, 1991, p. 36).
591
592
as figuras são reunidas de acordo com sua cor, forma ou tamanho. Às vezes, os grupos
se formam com base em traços identitários que mudam em um conjunto seriado. Assim,
a criança reúne, em série: uma pirâmide grande azul, um grande cilindro azul, um
cilindro pequeno amarelo, uma pirâmide pequena amarela (primeiras etapas do
pensamento por complexos). Destaca-se que, neste processo, os objetos são
identificados e reunidos de acordo com seus traços aparentes. Comumente, o
pensamento por complexos toma a aparência pela essência: em uma terceira
modalidade, os sujeitos já conseguem encontrar os traços identitários dos objetos e
reuni-los em grupos adequados, contudo, cometem deslizes, tomando por traços
essenciais, os secundários.
Vigotski (2001) afirma que a característica distintiva do pensamento por
complexos é a fusão entre o geral e o particular. Deste modo, por mais que o
pensamento por complexos consiga captar os nexos objetivos entre os elementos da
realidade, ainda não estabelece as corretas relações entre a parte e o todo, o específico e
o universal. A categorização da realidade nos estágios do pensamento por complexos
carece de hierarquia altamente organizada. Assim, as generalizações e abstrações que o
pensamento por complexos conquista são ainda ligadas à mera aparência dos fenômenos
do real e, de certo modo, dependentes de aspectos concretos. O pseudoconceito é,
certamente, um alcance abstrativo e uma forma de generalização exclusiva do
pensamento humano. Contudo, tratam-se abstrações e generalizações inferiores.
O caminho necessário para a conquista das abstrações e generalizações
superiores certamente não foi trilhado pelo pensamento humano mais espontâneo e
cotidiano, mas pelo método científico. Nesse sentido, Luria (1979) sinaliza a existência
de dois tipos de conceitos: os comuns (cachorro, gato, árvore, flor) e os científicos
(mamífero, invertebrado, bactéria, vegetal). Os primeiros são assimilados pela criança
em sua experiência prática de vida e evocam imagens relacionadas à estas experiências.
Por esta razão, são carregados de conteúdo concreto. Os segundos são assimilados pela
criança como resultado da aprendizagem escolar. São inicialmente formulados e
apresentados à criança pelo professor e possuem, desde o início, conteúdo abstrato. A
criança que é capaz de assimilar seu conteúdo abstrato deverá ter condições de
completar seu conteúdo com a concreticidade necessária para que tais conceitos
carreguem tanto sentido (pessoal) quanto significado (objetivo).
Para Davidov (1988), os problemas centrais do ensino estão estreitamente
conectados com a fundamentação lógico-psicológica da estruturação das disciplinas
593
594
2
Alguns evolucionistas, tais como Lewontin (1998), Mayr (1998) e Gould e Lewontin (1979) fazem
análises sobre o pensamento darwiniano a partir das quais é possível reconhecer os avanços dialéticos e
os limites ainda cartesianos da teoria de Darwin.
595
3
A divisão entre lógica formal e lógica dialética, ou ciência empírica e ciência teórica é artificial. Trata-se
da mesma lógica e da mesma ciência, em diferentes graus de desenvolvimento. A rigor, a lógica formal
está contida na dialética, assim como a ciência empírica está contida na teórica. Esta última não prescinde
da ciência empírica, ao contrário, a incorpora.
596
4
As principais, da mais genérica à mais específica, são: Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero,
Espécie. Entre elas existem outras categorias intermediárias, identificadas pelos prefixos super ou sub,
indicando sua ordem no sistema hierárquico.
5
Prefácio do livro Fundamentos de Sistemática Filogenética (AMORIM, 2002, p. 9).
597
598
599
600
Considerações finais.
geração. Considerando o tempo histórico, é possível observar a transformação de caraterísticas antigas em
novidades evolutivas, contudo, tal transformação ocorre por seleção e não diretamente.
Em segundo lugar, quando se estabelece a relação entre as proposições de Davidov sobre o pensamento
teórico e as teorias evolutivas, leva-se em conta o seguinte: para Davidov, enquanto o pensamento
empírico responde à pergunta “o que é este objeto?”, o teórico, por incluir a dimensão histórica, responde
às questões “o que é, o que foi e o que pode vir a ser este objeto?” Logicamente, quando se trata da
história natural, dificilmente o pensamento teórico será capaz de responder ao que o objeto pode vir a ser,
visto que a evolução nos fornece pistas sobre o passado da espécie e de suas estruturas e não sobre seu
futuro. Portanto, pode-se considerar que os conceitos sobre a classificação dos seres vivos, quando
teóricos, evidenciam o movimento histórico que já aconteceu.
601
Diante de tais análises, acredita-se ser tarefa dos professores das ciências
biológicas e de pesquisadores sobre ensino de biologia que estiverem comprometidos
602
Referências
GOULD, Stephen J.; LEWONTIN, Richard. The spandrels of San Marco and the Panglossian
Paradigm: a critique of the adaptationist programme. Proceedings of the Royal Society of
London.B 205, p. 581-598. 1979.
LEFEBVRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1991.
LEWONTIN, Richard. A tripla hélice: gene, organismo, ambiente. Lisboa: Edições 70. 1988.
94 p.
LURIA, A. R. Curso de psicologia geral. Vol. IV. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1979.
TONET, Ivo. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács.
2013.
VIGOTSKI, Lev. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. 4a ed. 1991.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo Esse artigo detém como objetivo central a discussão acerca das consequências do PL
867/215 - auto-intitulado Escola sem Partido - para a formação da consciência dos estudantes na
educação formal. Para isso, realizamos, com base na Psicologia Histórico Cultural e na
Pedagogia Historico-Crítica, a discussão sobre a formação de consciência e o papel da educação
nesse processo. Ainda, expressamos o projeto educacional sob o qual esse processo ocorre
atualmente e, com base nessas reflexões, discutimos as concepções presentes no Projeto de Lei.
Concluimos que essas concepções e o PL 867/215 detém caráter ideológico, conformando
consciências fragmentadas e padronizadas. O PL visa inviabilizar o papel de tomada de
consciência perante uma sociedade alienada, ao extrair a função educacional e reflexiva de
conhecimentos universais sistematizados, por parte do professor e da escola. Afirmamos, por
fim, a necessidade de defender uma educação que possibilite a apropriação do conhecimento
historicamente constituido pela humanidade, gerando indivíduos omnilaterais.
Introdução
1
Matheus Eduardo Rodrigues Martins Autor, Graduando de Psicologia, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba-Paraná, Brasil. E-mail: matheus_erm@hotmail.com
2
Uriel Pozzi Silva, Graduando de Psicologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba-Paraná, Brasil. E-
mail: uripozzi@hotmail.com
3
Graziela Lucchesi Rosa da Silva, Doutora em Educação, Professora Adjunta da Universidade Federal do
Paraná – Departamento de Psicologia, Curitiba-Paraná, Brasil. E-mail: grazielaluc@hotmail.com
604
605
demais seres devido a sua formação essencialmente coletiva, esta que, por sua vez,
possibilita o surgimento de tipo específico de psiquismo, próprio dos seres humanos: a
consciência. Leontiev (1978, p. 69) explica que o reflexo consciente “[...] é o reflexo da
realidade concreta destacada das relações que existem entre ela e o sujeito, ou seja um
reflexo que distingue as propriedades objetivas estáveis da realidade”.
Apreender o processo de desenvolvimento do reflexo psíquico consciente
demanda, segundo Leontiev (1978), o entendimento de que diferentemente do animal
que possui necessidades estritamente biológicas e saciadas de forma imediata, o ser
humano age sobre a natureza, modificando-a, ao mesmo tempo em que modifica a si
mesmo, produzindo intencionalmente meios – instrumentos – para saciar suas
necessidades. Conforme expressa Almeida:
606
607
608
limitadas pelo cotidiano. Por este modo, os autores da Psicologia Histórico-Cultural são
enfáticos ao afirmar que ao se pretender o desenvolvimento em níveis mais complexos
do pensamento, o ensino formal não pode se limitar à reprodução e repetição dos
conceitos espontâneos, obtidos na vida cotidiana, imediata. Estes, na verdade, devem ser
utilizados como meio para elaboração de conceitos científicos que envolvem níveis
mais avançados de pensamento e de processos psíquicos.
Vigotski (2001) assevera que o ensino sistematizado e intencional, por meio dos
conceitos científicos, deve ampliar as experiências e movimentar as necessidades e
interesses dos alunos para além do seu cotidiano, possibilitando a tomada de
consciência para intervir na realidade por meio de análises, sínteses e generalizações. É
importante frisar, assim, a importância da apropriação do conhecimento sistematizado
na formação de conceitos científicos, sendo a educação escolar e o educador os
principais mediadores do desenvolvimento desse processo. A esse respeito, trataremos a
seguir.
609
610
mais plurais conhecimentos produzidos pelo gênero humano está em constante embate
com a concepção ideológica de educação. Saviani e Duarte (2012) enfatizam que a
contradição presente na educação escolar nesta sociedade pode produzir movimento em
duas direções:
611
mesmo tempo, crucial para uma formação ideológica da consciência, sob os interesses
da lógica do capital.
Nossa sociedade, portanto, detém um projeto de educação atrelado ao projeto
econômico-político da classe dominante que se intensifica, sobretudo, após a crise da
década de 1970. Nesse período, o capitalismo, ao passar por uma de suas crises, detém a
necessidade de sua recuperação. Ou seja, era necessário modificar o padrão de
acumulação capitalista, que se caracterizava pelo financiamento público-estatal e pelo
padrão fordista-keynesiano de produção da vida social. (DAHMER PEREIRA, 2007).
Produz-se, portanto, uma série de mudanças na organização do trabalho, do
Estado e das instituições capitalistas (NETTO, 2012). Esse conjunto de mudanças
fundamenta-se na lógica neoliberal que, segundo Fiori (1997), caracteriza-se pela menor
intervenção política possível – pelo Estado – nas questões econômicas, bem como na
supremacia da individualidade e na “igualdade de oportunidades” para que indivíduos e
organizações concorram e se desenvolvam.
Entre algumas consequências dessas concepções estão as privatizações, a maior
liberdade competitiva entre empresas, a abertura de novos mercados (como saúde e
educação), a modernização e tecnicização de países periféricos. Tais mudanças são,
ideologicamente, travestidas de uma noção de igualdade e democratização: desenvolver
os países emergentes para torná-los mais competitivos, possibilitando estabilidade e
diminuição da pobreza; o que na verdade tem como objetivo possibilitar às empresas
dos países desenvolvidos se apropriarem de novos mercados, terem força de trabalho
mais barata e, deste modo, aumentarem sua produção. (LIMA, 2005).
E para tudo isso ocorrer, é necessário tecnologia – progresso técnico e
investimento em capital humano (MIRANDA, 1997). Como afirma Zanardini (2007), é
necessário o desenvolvimento de pessoas capazes de resolver problemas, com espírito
criativo e flexível para se adequarem aos novos desafios propostos nessa nova
organização social. Em síntese, uma das principais necessidades desse projeto
econômico-político é a implantação de políticas que desenvolvam um padrão de força
de trabalho nos países periféricos, que sustentem as modificações da reestruturação
produtiva (LIMA, 2005). E como já destacado, a educação detém papel fundamental na
formação da força de trabalho.
Fica evidente, portanto, que o projeto de educação atrelado a esse projeto
econômico-político, visa: [1] formar força de trabalho para as necessidades pós-crise
(LIMA, 2005); [2] ao mesmo tempo, servir como novo mercado e gerar lucro (ROSSA
612
& SOUZA, 2015); [3] e, por fim, porém de forma mais velada, esse investimento em
capital humano, a implementação da técnica e dos valores neoliberais, serve como
forma de controle/segurança social, na medida em que insere os conteúdos necessários a
essa técnica e a esses valores neoliberais, procurando omitir e repelir conteúdos que se
oponham à forma mercadológica. Ou seja, construir uma supremacia do conhecimento
técnico voltado às necessidades do mercado em detrimento de um ensino crítico que
possibilite a revolta contra o sistema. (LEHER, 1999; GENNARI, 2010).
Essa lógica é delineada por órgãos internacionais que cumprem importante papel
na organização do capital a nível mundial, como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial (BM) e até mesmo organismos que, sob a máscara de
compromisso social, contribuem para a manutenção do modo de produção capitalista,
como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Esses órgãos elaboram
diretrizes educacionais para os países periféricos, que são admitidas pelos governos dos
Estados. (MIRANDA, 1997).
Segundo Leher (1999), alguns dos motivos para isso acontecer dizem respeito à
dependência econômica dos países periféricos em relação ao BM, aliado à necessidade
de acompanhar as reformas neoliberais a nível global – também impostas em boa parte
pelo Banco Mundial, devido a este estar sob controle dos países desenvolvidos.
Miranda (1997) explica que o paradigma de conhecimento veiculado em tais
diretrizes volta-se a uma racionalidade instrumental. Ao invés de um conhecimento
universal, há o conhecimento voltado às necessidades imediatas e pragmáticas. Para
Leher (1999, p. 11), a educação, tornando-se instrumental e baseada nos valores
neoliberais, detém conteúdos “fortemente carregados de ideologias apologéticas ao
capital e o debate educacional é pautado em grande parte pelos ‘homens de negócios’ e
pelos estrategistas políticos”. Gennari (2010) também nos auxilia a aprofundar sobre
esta questão, ao afirmar que isso só não é mais intenso devido à autonomia que os
professores ainda detém em sala de aula, expressa que:
613
614
615
públicos de manifestação política: “Art 4º, III – o professor não fará propaganda
político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de
manifestações, atos públicos e passeatas”. O PL, portanto, inviabiliza a atividade
política e impede manifestações de professores. Esse viés do projeto escancara ainda
mais a fundo os ideais do projeto educacional da classe dominante, como expressa
Frigotto (2013) ao se referir ao projeto de educação neoliberal:
616
Considerações finais
617
Referências
ABRANTES, A.A.; MARTINS, L.M (2006). Relações entre conteúdos de ensino e processos
de pensamento. In: Educ. Marx., n.1. Disponível em:
<http://www2.fc.unesp.br/revista_educacao/arquivos/Relacao_entre_conteudos_de
_ensino_e_processos _de_pensamento.pdf>. Acesso em: janeiro de 2016.
618
LEHER, R.. Um novo senhor da educação? A política do Banco Mundial para a periferia do
capitalismo. Outubro (São Paulo), São Paulo, v. 1, n.3, p. 19-30, 1999.
NETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia Política: Uma Introdução Crítica. 8 ed. SP. Cortez, 2012.
619
VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas: problemas del desarrollo de la psique. Tomo III. Trad.
Lydia Kuper. Madrid: Visor, 1995.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
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18 a 20 de outubro de 2016
K
OLLKOLLWITZ, Kathe. A marcha dos tecelões. 1897.
Gravura em água-forte, 21,6 x 29,5 cm.
SUMÁRIO (GT4 e GT5)
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
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18 a 20 de outubro de 2016
POR UMA EDUCAÇÃO ESPECIAL PARA ALÉM DO CAPITAL:
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E DA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL1
1
Esse texto trata-se de uma versão revisada e ampliada do trabalho apresentado e publicado no Congresso
Pedagogia Histórico-Crítica: educação e desenvolvimento humano, na cidade de Bauru/SP, no ano de 2015.
2
Régis Henrique dos Reis Silva, Doutor em Filosofia e História da Educação, Universidade Estadual de
Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: regishsilva@gmail.com.
623
3
Conforme Bueno (1993, p. 37), até os anos 1950, no Brasil, “praticamente não se falava em educação especial,
mas na educação de deficientes”. Entretanto, o termo Educação Especial, ou sua abreviatura “EEs”, é
genericamente empregado.
624
sobre as traduções da Declaração de Salamanca, como bem indica Bueno (20084), a área, pelo
menos no plano da retórica, começou a se orientar pelos princípios inclusivistas5. Entretanto,
as controvérsias sobre o modelo inclusivista (educação inclusiva ou inclusão total6) são
oportunas para a observação de que a inclusão escolar de alunos com necessidades
educacionais especiais7 ganhou destaque nos eventos políticos, científicos e até na própria
LDBEN n. 9394/96, a qual dedicou o Capítulo V com três artigos (do 58 ao 60) à educação
especial.
Nessa lei, o atendimento aos alunos com necessidades especiais foi definido como
dever do estado e que sua educação deveria ser pública, gratuita e preferencialmente na rede
regular de ensino. Assim, a EEs, que até então estava à parte do sistema educacional comum
de ensino, passou a se situar como modalidade da educação escolar, oferecida
preferencialmente no ensino regular.
É oportuno observar que, embora a luta pela educação do deficiente no Brasil tenha
ganhado impulso com o movimento da Educação Inclusiva, essa luta tem registros de longa
data na historiografia da educação brasileira.
Nesse sentido, a partir das considerações dos autores consultados e no levantamento
realizado, foi possível identificar e caracterizar três fases (ou períodos) a respeito da
constituição da área de EEs no Brasil, que apresentamos na sequência uma breve síntese de
cada uma delas8.
1. Primeiras iniciativas da educação do deficiente no Brasil: tentativas de
institucionalização (Século XVI a 1930): A primeira fase da educação do deficiente no
Brasil compreende o período do século XVI a 1930 e caracteriza-se pelas primeiras iniciativas
4
Segundo o autor, a primeira tradução impressa da Declaração de Salamanca, publicada pela Coordenadoria
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, em 1994, assumia uma orientação
integradora. Já em 2007, essa mesma coordenadoria altera essa tradução com a substituição de integração por
inclusão, o que gera um dilema conceitual e de fundamentação política (BUENO, 2008).
5
Segundo Stainback e Stainback (apud DORÉ et al.,1997, p. 176), “[...] trata-se de um novo paradigma [...] a
noção de ‘full inclusion’ prescreve a educação de todos os alunos nas classes e escolas de bairro [...] reflete mais
clara e precisamente o que é adequado: todas as crianças devem ser incluídas na vida social e educacional da
escola e classe de seu bairro, e não somente colocada no curso geral (‘mainstream’) da escola e da vida
comunitária, depois de ele já ter sido excluído”.
6
Ver Mendes (2006).
7
Termo utilizado para se referir não só às pessoas com deficiência, mas a todas as pessoas “excluídas” da escola
e da sociedade, como os negros, os índios, as mulheres, os pobres e as demais minorias sociais (MENDES,
2006).
8
Sobre essas fases, é importante destacarmos que os marcos cronológicos utilizados para sua elaboração não são
“camisas de força” e muito menos unânimes, mas, sim, um modo aqui estabelecido para tratar as temáticas. No
caso das fases da EEs brasileira, articulamos o esquema de organização do processo de criação e
desenvolvimento da Educação do Deficiente no Brasil elaborado por Jannuzzi (2006) com a discussão das
políticas de EEs na perspectiva da Educação Inclusiva desenvolvida pelo Governo brasileiro na transição dos
anos 1990 para os anos 2000.
625
9
Normalização/integração e mainstreaming – Princípio evocado no Brasil, em fins dos anos 1970 e início dos
anos 1980, cuja proposta básica consistia em oferecer ao excepcional as condições de vida idênticas às de outras
pessoas, e assim minimizar as diferenças e potencializar as semelhanças, reconhecendo nos excepcionais as suas
potencialidades. Por isso, há a ênfase no discurso da integração (mainstreaming), pois o princípio da
normalização demandava a necessidade de integração progressiva do excepcional com os considerados normais,
inclusive no processo de escolarização, o que requeria aproximação política, administrativa e pedagógica entre
os ensinos regular e especial (JANNUZZI, 2006, p.180-181).
626
627
10
Agenda da ONU para o combate à discriminação dos deficientes - 1981: Ano Internacional da Pessoa
Deficiente; 1982: Programa de Ação Mundial para as Pessoas Deficientes (PAM); 1983 a 1992: Década das
Pessoas Deficientes.
11
Em 1980, ocorreu o I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, a partir do qual se
consolidaram várias entidades representativas das categorias de pessoas com deficiências, assim como, no ano de
1981, foi promovido pela ONU o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” (AIPD). Segundo Jannuzzi
(2006), esse evento sintetizou o espírito da luta das pessoas com deficiência e contribuiu para solidificar a
participação dessa população na discussão de seus próprios problemas. Por isso, o trocadilho das palavras de e
para ao nos referirmos aos movimentos sociais dos deficientes, pois cada vez mais foram constituindo
movimentos sociais de deficientes (fundadas e dirigidas por deficientes) e não só para deficientes (geralmente
fundadas e dirigidas por pessoas não deficientes).
628
de uma educação especial para além do capital, principalmente por meio da sua aproximação
com a psicologia histórico-cultural.
Segundo Duarte e Saviani (2012), boa parte das ideias hegemônicas na educação em
tempos recentes centra-se na crítica à “metafísica do sujeito”, particularmente a crítica à
razão, à consciência, à verdade e à objetividade do conhecimento. Os referidos autores
intitulam esse movimento de neopragmatismo, o qual, no esforço de se opor à referida
metafísica, torna-se ele próprio fortemente metafísico, reduzindo tudo à linguagem. Como
contraponto a esse movimento, Duarte e Saviani (2012) apresentam a perspectiva histórico-
ontológica da formação humana (radicalmente antimetafísica), particularmente o pensamento
de Marx e sua filosofia historicizada contida nos Manuscritos Econômico-filosóficos, de
1844.
Pois é justamente a partir dos esforços de construção de uma pedagogia concreta
(pedagogia histórico-crítica) de inspiração marxiana e marxista, os quais foram realizados
inicialmente por Saviani, há pouco mais de 30 anos, que um coletivo de professores e
pesquisadores passou a se empenhar na apreensão dos elementos fundantes do materialismo
histórico-dialético, tanto nos aspectos ontológicos como epistemológicos e metodológicos,
passando assim a contribuir para o desenvolvimento da referida pedagogia.
Conforme Duarte (2012), a partir da análise de trechos da obra de Saviani, é possível
identificar elementos que podem contribuir para uma ontologia da educação, dentre elas as
definições de ato educativo e trabalho educativo. Nestas são evidenciadas as características
basilares das obras de Saviani, quais sejam: a busca pela superação da dualidade entre
essência e historicidade; e o seu esforço de que uma teoria marxista da educação possa ser
também uma pedagogia marxista. Desse modo, iniciamos nossos apontamentos sobre a
pedagogia histórico-crítica com a recuperação da natureza e a especificidade da educação, a
partir do conceito de trabalho educativo desenvolvido por Saviani (2008):
[...] a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre
a base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato
de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à
identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos
629
Observem que, para Saviani (2008), um problema central para a educação, o qual
constituirá em seu objeto de estudo, é a identificação do quê e como ensinar. Logo,
Desse modo, um elemento que reforça a noção do trabalho educativo, como natureza e
especificidade da educação, conforme apresentado por Saviani (2008), é a possibilidade da
sua institucionalização, que foi o que ocorrera com o advento da sociedade moderna, quando
o trabalho educativo foi institucionalizado pela escola, que se constituiu como instituição
responsável pela socialização do saber sistematizado. Segundo Saviani (2008, p. 7):
Entretanto, o fato de o saber ser sistematizado não significa dizê-lo que é neutro.
Assim sendo, Saviani (2008) pondera que não podemos cair na falácia positivista, que
identifica objetividade e neutralidade, pois, embora não exista conhecimento desinteressado,
“a objetividade é possível porque não é todo interesse que impede o conhecimento objetivo.
Há interesses que não só não impedem como exigem a objetividade”. Por isso, Saviani refere-
se ao saber objetivo produzido historicamente. (SAVIANI, 2008, p. 8).
Então Saviani (2008) afirma que a tarefa a que se propõe a pedagogia histórico-crítica
em relação à educação escolar implica em:
630
Deve-se distinguir entre escola criadora e escola ativa, mesmo na forma dada
pelo método Dalton. Toda escola unitária é escola ativa, se bem que seja
necessário limitar as ideologias libertárias nesse campo [...]. Ainda se está na
fase romântica da escola ativa, na qual os elementos da luta contra a escola
mecânica e jesuítica se dilataram morbidamente por causa do contraste e da
polêmica: é necessário entrar na fase “clássica”, racional, encontrando nos
fins a atingir a fonte natural para elaborar os métodos e as formas
(GRAMSCI apud SAVIANI, 2008, p. 17-18).
631
632
conteúdos clássicos dessas áreas, no intuito de que a prática profissional e pedagógica deles
supere os treinos sensoriais e assuma uma perspectiva mais ampla de desenvolvimento
humano.
Acreditamos que essa perspectiva inspirará outra proposta de educação especial, a qual
ganhará materialidade com as defesas marxistas de educação escolar contempladas na
pedagogia histórico-crítica, assim como coincidirá com as concepções de ser humano,
educação e sociedade presentes na referida pedagogia e na psicologia histórico-cultural.
633
trabalho educativo na escola [...] e o fato de que o conhecimento é parte constitutiva dos
meios de produção que, nesta sociedade, são propriedade do capital [...].”
Assim, segundo os autores, a referida contradição, por ser dinâmica, pode produzir
movimento pelo menos em duas direções: uma conforme os interesses da classe dominante,
representada pela precarização da escola pública, e outra, de acordo com os interesses da
classe trabalhadora, representada pela realização da função precípua da escola, qual seja a
socialização do conhecimento como eixo central de todas as atividades realizadas no seu
interior.
Portanto, os autores ponderam que a luta pela realização da função precípua da escola
pública, “[...] por si mesma, não revolucionará a sociedade pelo simples fato de que a escola
não tem o poder de mudar a sociedade”. Porém, a efetivação da revolução como
transformação consciente da realidade social atual por uma nova forma de regulação das
relações sociais de modo superior, em outras palavras, qualitativamente superior ao modo de
regulação vigente, é uma tarefa complexa e altamente desenvolvida no que se refere ao
processo criativo, o qual não se faz sem a apropriação do que existe de melhor no patrimônio
cultural da humanidade. (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 4).
Por isso, a defesa da escola pública como lócus privilegiado de transmissão-
assimilação do conhecimento historicamente produzido pelos seres humanos coincide com a
luta pelo socialismo, inclusive com a luta pelos direitos sociais dos deficientes (tratando-se,
neste caso, de superação por incorporação).
Referências
634
FREITAS, L. C. de. A internalização da exclusão. Educação e Sociedade. Campinas, v. 23, n. 80, set.
2002. p. 299-325.
FRIGOTTO, G. A nova e as velhas faces da crise do capital e o labirinto dos referenciais Teóricos. In:
FRIGOTTO, G; CIAVATTA, M. (Orgs.). Teoria e Educação no Labirinto do Capital. 2. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
MENDES, E. G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Rev. Bras. Educ.,
Campinas: Autores Associados, v. 11, n. 33, set./dez., 2006. p. 387-405.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 10. ed. rev. Campinas, SP:
Autores Associados, 2008. (Coleção Educação Contemporânea)
VIDAL, M. H. C. V. Atando nós que constroem redes... A expansão da rede Pitágoras no contexto
da transnacionalização da educação. 2006. 159 f. Dissertação. (Mestrado em Educação). Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2006.
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Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
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18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este texto, de natureza bibliográfica, tem como objetivo discutir as contribuições da
Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Histórico-Cultural para o trabalho educativo no
Atendimento Educacional Especializado, levando em conta o papel da escola e a concepção de
desenvolvimento humano defendido por estas teorias em contraposição as atuais orientações da
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A discussão
destaca que ao ser orientado por uma pedagogia de base produtivista as orientações legais para
este atendimento estão esvaziadas de uma atividade de caráter formativo e problematiza as
estratégias e os desafios observados para sua efetivação, apontando os posicionamentos
defendidos pelas duas perspectivas teóricas citadas anteriormente, como possibilidades para a
orientação da prática pedagógica.
Introdução
1
Ivone Rodrigues dos Santos. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Goiás (PPGE/UFG – GO), Brasil. ivonesantospsico@hotmail.com
2
Régis Henrique dos Reis Silva. Doutor em Educação pela Unicamp. Professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás (PPGE/UFG-GO) e da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), Brasil regishsilva@gmail.com
636
637
3
Expressão utilizada por Demerval Saviani para referir-se a uma característica da concepção pedagógica
dominante que manifesta-se no terreno educativo. Nessa, a estratégia consiste em incluir estudantes no
sistema escolar, em cursos de diferentes níveis e modalidades, sem padrões de qualidade exigidos para o
ingresso no mercado de trabalho. (SAVIANI, 2013a).
638
[...] a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida
sobre a base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho
educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação
diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à
descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.
4
A tradução desta citação do espanhol para o português, assim, como as demais apresentadas neste
trabalho, são de nossa responsabilidade.
639
640
5
A garantia do Atendimento Educacional Especializado está presente em documentos anteriores a PNEE-
EI (BRASIL, 2008) sendo sua oferta estabelecida como dever do Estado na Constituição Federal de 1988
(MENDES, 2010) e posteriormente no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho
de 1990, no artigo 54; nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de
1996, no artigo 4 e nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução
CNE/CEB n. 2 de 11 de setembro de 2001 no parágrafo único do artigo 1º.
6
Estas salas foram implantadas como parte de um programa específico do Ministério da Educação – O
Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, que tem como objetivo apoiar os
sistemas de ensino na implantação de salas com materiais pedagógicos e de acessibilidade, para a
realização do atendimento educacional especializado.
641
642
643
644
Não obstante, para que os professores tenham elaboração teórica e/ou conceitual
para realizar tais atividades entendemos ser necessário uma preparação dos professores
ao nível da sua formação inicial, contínua e especializada, assegurada,
preferencialmente, em uma política de formação de professores. Todavia, a educação
atual não tem atendido a esses parâmetros. De acordo com Marsiglia e Martins (2013) a
formação de professores no Brasil está sob a égide do modelo econômico social vigente
e não se sustenta em modelos teórico-práticos, esclarecem que,
645
646
647
648
Referências
649
DUARTE, N. Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar. Cad. CEDES. Vol.
19 n. 44 Campinas. Abr. 1998.
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Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar pesquisa em andamento que visa compreender o
processo de modernização da cidade de Vitória, ES, afim de propor material educativo
relacionado com alguns espaços da cidade de Vitória, a ser compartilhado, validado e
reelaborado por meio de formação de professores do Ensino Médio. Utiliza como aporte
metodológico a pesquisa intervenção com ações colaborativas sistematizada por Freitas (2010) e
Ibiapina (2008) e como referencial teórico autores que abordam a história de forma crítica como
Lefebvre (2001), Ferreira (2009) e Krug (2009). Busca por meio da Pedagogia Histórico-Crítica
favorecer a mediação do saber sistematizado de modo a contribuir com a formação do professor
compreendendo-o como agente modificador de seu meio e de suas relações com seus
educandos.
Introdução
651
652
653
A Vila de Vitória era bastante pequena como nos mostra a Figura 1, possuindo
ruas tortuosas, pequenas e irregulares, com grandes ladeiras onde no topo ficavam
concentradas as construções mais importantes (Klug, 2009). Esse cenário se estendeu
até meados do século XIX com a população situada basicamente no litoral e com vistas
para a baía de Vitória. Os anos até o final do século XIX transcorrem sem grandes
intervenções na paisagem física da cidade que conserva como destaque as construções
religiosas, tendo a baía como seu principal referencial.
654
José de Melo Carvalho Muniz Freire segundo nos diz Ferreira (2009, p. 03)
“acreditava que Vitória se tornaria uma grande praça comercial com um centro
populoso e dinâmico” e reforça ainda que
3
s.m. Que se encontra localizado na periferia de uma cidade; fora dos limites de uma cidade; subúrbio.
Local extremamente afastado do centro (cidade, bairro etc); arredor. (Etm. do árabe: ar-rabad) Disponível
em: http://www.dicio.com.br/arrabalde/
655
inicial era vista pelo engenheiro responsável pelo projeto, Saturnino de Brito4, como um
erro”, tendo o mesmo caracterísiticas não favoráveis, sendo um terreno acidentado. O
mesmo condenava a edificação e expansão na área. Esse novo projeto extremamente
inovador propunha ainda grandes áreas públicas como bosques e parques aproveitando e
valorizando as paisagens naturais presentes na cidade.
4
Conforme nos diz Bertoni (2015) Francisco Rodrigues Saturnino de Brito formou-se engenheiro civil
em 1886 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro tendo participado da expansão da malha rodoviária de
vários estados brasileiros como Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. A partir de 1892 começa a realizar
trabalhos voltados para a área de saneamento básico vindo a participar de importantes projetos em
Vitória/ES, Campos dos Goytacazes/RJ, Santos/SP, validando através deles princípios higienistas afim de
construir um saber urbano de matriz sanitária.
656
657
5
Apelidada de Cinco Pontes por possuir cinco módulos de estrutura metálica que foram comprados na
Alemanha e montados em 1928. Disponível em: http://www.iia.com.br/guias/pontes.asp
658
todas as direções: Novo Arrabalde, área central e também para o oeste da ilha, tendo
como destaque a construção da rodovia Serafim Derenzi que vem interligar a região
central com a parte oeste. É na década de 1940 que começam a ser aprovados projetos
de edifícios na região do Parque Moscoso e também nas imediações da avenida
Florentino Avidos que irão gerar grande impacto visual.
6
Mais conhecida como Segunda Ponte liga Vila Velha a Vitória e Cariacica, dando acesso também a BR
262. Disponível em: http://www.iia.com.br/guias/pontes.asp.
7
Um dos maiores símbolos arquitetônicos da cidade, possui 3,33km de extensão, 70m de altura e 200m
de distância de um pilar a outro, permitindo o acesso de navios de grande porte.
659
para a região do Novo Arrabalde e adjacências. Através dela é possível observar as Ilhas
do Boi e do Frade, a Pedra dos Olhos, o maciço central, elementos que haviam sido
escondidos pelas construções.
É a maior obra pública realizada no Estado e o principal meio de ligação Vitória - Vila Velha e com o
litoral sul do Estado. Disponível em: http://www.iia.com.br/guias/pontes.asp.
660
2 Educação na cidade
661
educação vista como mediadora, um processo constante que visa contribuir para a
transformação dos individuos através das relações que eles estabelecem entre si, com os
outros e com o mundo. Chisté e Sgarbi (2015) argumentam sobre o conceito da
educação na cidade, corroborando com os pensamentos propostos por esse trabalho,
afirmando que
[...] todo ser humano é um educador ou um educando. O que define
isso e a postura de cada um. Depende do modo como se comporta no
ambiente em que vive ou no que está a conhecer. E assim que os
espaços passam a ser realmente espaços educativos. (CHISTÉ;
SGARBI, 2015, p. 6).
662
Além disso, cabe apontar que como se trata também de uma pesquisa aplicada,
pretende intencionalmente interferir na realidade escolar, como aponta Saviani (1997
apud Chisté e Sgarbi, 2016, p. 03) ao dizer que “a educação é o processo de reprodução
social que tem como função construir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo, a
humanidade que e produzida histórica e coletivamente pelos homens”. Assim,
consideramos que a intencionalidade de educar relaciona-se com a necessidade de
intervir na realidade, ou seja, de contribuir com a prática pedagógica. Desse modo,
consideramos a partir de Freitas (2010) que intervenção é uma mudança no processo,
uma tranformação, ressignificação dos pesquisados e do pesquisador, uma ação
mediada. A autora afirma ainda que
663
664
665
Referências
CHISTÉ, Priscila de Souza; SGARBI, Antonio Donizetti. Cidade educativa: reflexões sobre
educação, cidadania, escola e formação humana. Revista Debates em Educação Científica e
Tecnológica, Vitória, v. 6, n. 1, out. 2015.
666
GADOTTI, Moacir; PADILHA, Paulo Roberto. Escola cidadã, cidade educadora: projeto
político-pedagógico e práticas em processo. In: GADOTTI, Moacir; PADILHA, Paulo
Roberto; CABEZUDO, Alicia. Cidade-educadora: princípios e experiências. São Paulo: Côrtez,
2004.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 41. ed. revista. Campinas, SP: Autores
Associados, 2009.
______. História das ideias pedagógicas no Brasil. São Paulo: Autores Associados, 2011.
TATAGIBA, José. A história das primeiras ruas, ladeiras praças e monumentos históricos
– Vitória Cidade Presépio. Vitória: 2008. Disponível em
<http://web2.ufes.br/arteeducadores/projeto/imagens.html>. Acesso em: 11 jun 2016.
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Resumo: Esse artigo discute a relação trabalho-saúde e a docência na educação especial. Este
texto de natureza teórica foi construído tendo como referência autores críticos do campo da
educação, educação especial e do campo do trabalho. Nosso objetivo foi aproximar os estudos
destes campos para darmos visibilidade ao “sofrimento” enfrentado pelos professores no
processo de inclusão. Para tanto apresentamos um breve histórico da educação da pessoa com
deficiência no Brasil, em seguida discutimos sobre a relação saúde-trabalho na docência, na
perspectiva da educação inclusiva, e concluímos o texto sintetizando os assuntos tratados ao
longo do mesmo.
Introdução
1
Kiara Karizy G. De Melo, mestranda em Educação, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal
de Goiás, Brasil. E-mail: kiarakarizy@yahoo.com.br
2
Disciplina que compõe o Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação, da
Universidade Federal de Goiás.
3
A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades,
realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a
sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. Na
perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola
regular, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que
implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o
ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. A
educação especial direciona suas ações para o atendimento às especificidades desses alunos no processo
668
Para discorrermos sobre este tema nos embasamos em obras de autores críticos
da educação, em artigos que discutem o trabalho dos professores que atuam com o
público alvo da educação especial e em artigos que investigam o trabalho e o trabalho
docente em geral, sob a perspectiva da atividade.
Iniciaremos as discussões apresentando de maneira sintética como o processo de
inclusão das pessoas com deficiência ocorreu na educação brasileira, e como o mesmo
se consolidou com as políticas públicas. Em seguida discutiremos a relação saúde-
trabalho na docência, na perspectiva da educação inclusiva e encerraremos o texto
apresentando nossas considerações finais.
educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de apoio, a
formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvimento de práticas colaborativas.
(BRASIL, 2008, “não paginado”).
669
Diante disso o aluno que fosse diagnosticado como deficiente era retirado das
classes regulares e passava a frequentar escolas públicas especiais ou classes especiais
dentro das escolas regulares. E é neste cenário que nascem as instituições privadas de
caráter filantrópico, especializadas no atendimento a pessoa com deficiência.
Uma das primeiras instituições especializadas do Brasil foi o Instituto Pestalozzi
de Canoas, Rio Grande do Sul, criado em 1926, por Thiago M. Würth. No entanto, o
Movimento Pestalozziano se tornou forte e conhecido com o apoio da psicóloga russa
Helena Antipoff, que veio para o Brasil em 1929, a convite do governo de Minas Gerais
para integrar a Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Belo Horizonte, e que em
1932 fundou a Associação Pestalozzi de Belo Horizonte. (FASPEGO, 2013).
Mendes (2010) ressalta a importância de Antipoff que influenciou a criação da
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em 1954, e a formação de um
grande número de profissionais que passaram a se dedicar a educação especial.
670
671
672
Sassaki lista o “como fazer” para o professor ter sucesso na inclusão, mas não
analisa de maneira crítica a realidade da profissão docente, da escola pública, da
sociedade. Segue alguns questionamentos sobre as proposições do autor: Em que
momento o professor irá aprender a língua de sinais? Sua carga horária será alterada
para que o mesmo frequente um curso de formação? Os recursos visuais a que o autor se
refere fazem parte dos materiais de ensino da escola ou o professor terá que adquiri-los?
Para tencionarmos sobre estes questionamentos traremos a fala de duas professoras,
entrevistadas por Matos e Mendes (2015), em escolas públicas do interior da Bahia, e
que têm em suas salas de aula regular alunos com deficiência;
[...] Por exemplo, eu vou chegar na sala com meus meninos e vou
trabalhar com eles hoje multiplicação, mas eu tenho meus meios, eu
tenho livro, eu tenho meu jogo, eu tenho alguma coisa pra eu
trabalhar com eles, e com ela (AB)? Se eu não tenho materiais
adequados, recursos didáticos pra ela? (PB). (MATOS; MENDES,
2015, p. 12-13, grifos nossos).
As professoras deixam claro que as condições para se efetivar uma real inclusão
dos alunos com deficiência não dependem só delas. No entanto, o discurso das
publicações propositivas analisadas por Michels (2006) condizem com o discurso
levantado nas reformas educacionais do fim do século XX, onde o professor é colocado
no centro do debate educacional e a ele é imputado o êxito da educação escolar.
(ALVES, 2016).
673
674
professora com os alunos com deficiência) ampliam suas demandas. São mais
atividades para ser elaboradas e corrigidas, maior desgaste na manutenção da disciplina
em sala, além disso, as professoras precisam confeccionar materiais e atividades
adaptados às potencialidades dos alunos com deficiência. E fica evidente no relato que a
professora não se sente preparada para atender a este público. Nesse sentido toda vez
que os professores não encontram formas adequadas para desenvolver o trabalho
pedagógico, seja por formação docente inicial e continuada ineficiente, e/ou por falta de
condições materiais, estruturais e etc. negam ao aluno com deficiência o direito ao
conhecimento que foi produzido historicamente pelo homem, e que sistematizado pela
escola deveria ser transmitido ao aluno, ou seja, nega-se ao homem a sua humanidade
(SAVIANI, 2013).
constrangimentos de tempo durante a realização do trabalho, mas também às transformações impingidas à
qualidade do serviço, do produto e, de maneira global, do trabalho. Sob essa ótica, está embasada a
análise da intensificação tanto em termos qualitativos, caracterizados pelas transformações da atividade
sob pressão temporal, quanto em termos quantitativos, relacionados ao aumento do volume de tarefas.
(DAVEZIES, 2007 apud ASSUÇÃO E OLIVEIRA, 2009, p. 354).
675
que às altas demandas a que os professores têm sido expostos podem levá-los ao
adoecimento.
Considerações Finais
“[...] não podemos negar que na perspectiva filosófica, a inclusão é uma questão
de valor, ou seja, é um imperativo moral”. Diante disto não existe a possibilidade de
retorno, e a busca deve ser por uma inclusão verdadeira, que não exclua nenhum
envolvido, que não culpabilize nenhum dos sujeitos, que considere as questões
históricas, sociais e materiais que envolvem este processo. (MENDES, 2010, p.106).
Na construção deste texto percebemos que grande parte dos estudos referentes à
docência na educação especial e educação inclusiva, levantam as dificuldades
encontradas pelo professor na educação do aluno com deficiência, mas em sua maioria
não o fazem com o referencial do trabalho, da atividade, e, por conseguinte só apontam
o “despreparo” do professor frente às demandas que lhe são atribuídas neste momento
histórico, não são debatidos nestes estudos o sofrimento, as angústias e as
impossibilidades que vivem os professores por não conseguirem “produzir direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2013, p. 13), por não saberem
lidar com tantas diferenças, por ter que “excluirem” os alunos com deficiência no canto
da sala para poderem conduzir a aula. Essa “[...] atividade impedida, ‘contrariada’,
‘paralisada’, ‘suspensa” (LHUILIER, 2012, p. 23) não são objeto de estudo dos
pesquisadores.
Com esse artigo procuramos iniciar esta discussão para que em pesquisas futuras
que envolvam o docente que trabalha com alunos com deficiência, as análises, as
interações, possam ser embasadas também no referencial do trabalho para que se
revelem essas “dramáticas do uso de si” (SCHWARTZ apud BRITO E ATHAYDE,
2006, p. 247); pois, de acordo com Alves (2016, p. 198), “[...] quando se trata do
trabalho humano, temos ainda um continente para conhecer ou, talvez, reconhecer”.
Referências
ALVES, W. F. Avaliar e gerir: força e miséria de um ideário presente nas políticas educacionais
contemporâneas. Revista Brasileira de Educação v. 21 n. 64 jan.-mar. 2016.
676
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GT6 – EDUCAÇÃO, IDENTIDADES SOCIAS E LUTA DE CLASSES
SUMÁRIO (GT6)
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Resumo: O trabalho tem por objetivo analisar o conteúdo pedagógico do lema “aprender a
aprender”, tendo em vista o processo histórico que o legitimou no ideário pedagógico do Brasil,
com sua consolidação a partir da década de 1930 e seu revigoramento desde a década de 1990.
Considerando que a adesão às pedagogias do aprender a aprender implica a adesão às
concepções de mundo da classe dominante, busca-se identificar os fundamentos da educação
progressiva defendida por Anísio Teixeira e os norteamentos da educação para o século XXI
disseminada pela Unesco. Com base no materialismo histórico e nas contribuições da pedagogia
histórico-crítica, o trabalho evidencia que o lema “aprender a aprender” está atravessado por
estratégias hegemônicas que operam um esvaziamento perverso da educação escolar, o que
exige da luta contra-hegemônica consolidar uma concepção de educação fundamentada na
socialização do conhecimento historicamente elaborado.
Introdução
1
Camila Azevedo Souza, Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de
Janeiro, Brasil. E-mail: camilaazevedosouza@gmail.com.
680
681
682
atravessado pelas forças sociais tanto da ideia pedagógica escolanovista como da ideia
pedagógica construtivista, cujos principais alicerces convergem para a ênfase no
processo biológico de adaptação dos organismos ao meio ambiente:
Nessa direção, “tanto no ideário escolanovista como no construtivista, o lema
‘aprender a aprender’ sempre carrega alguns posicionamentos valorativos”, os quais
enunciam que é mais desejável “as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo,
nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e
experiências”; que é “mais importante adquirir o método científico do que o
conhecimento científico já existente”; que a atividade verdadeiramente educativa é
“impulsionada e dirigida pelos interesses e necessidades da própria criança”; que o
objetivo de uma educação nova é “preparar os indivíduos para acompanharem a
sociedade em acelerado processo de mudança”. (DUARTE, 2006, p. 34-41).
A hegemonia do lema “aprender a aprender” está vinculada à força do
escolanovismo, que, por sua vez, “tendeu a classificar toda transmissão de conteúdo
como mecânica e todo mecanismo como anticriativo, assim como todo automatismo
como negação da liberdade”, revelando a legitimação de uma concepção de educação
que secundariza a socialização do conhecimento historicamente elaborado. (SAVIANI,
2011b, p.17).
Diante desse processo hegemônico, cabe à luta contra-hegemônica avançar na
proposta de uma formação omnilateral fundamentada na concepção gramsciana de
escola unitária de cultura geral, compreendendo o trabalho como princípio educativo.
Isso significa lutar contra a tendência que busca “afrouxar a disciplina do estudo” e
“tornar fácil o que não pode sê-lo sem ser desnaturado” (GRAMSCI, 2001, p.51),
evidenciando que, no processo de instrução da criança,
[...] será sempre necessário que ela se fatigue a fim de aprender e que
se obrigue a privações e limitações de movimento físico, isto é, que se
submeta a um tirocínio psicofísico. Deve-se convencer a muita gente
que o estudo é também um trabalho, e muito fatigante, com um
tirocínio particular próprio, não só muscular-nervoso mas intelectual
[...]. (GRAMSCI, 2001, p.51).
683
684
685
686
Cabe ressaltar que no livro Educação não é privilégio, de 1957, Anísio Teixeira
defende, em consonância com a dinâmica da sociedade liberal e progressiva, uma
educação comum “para a formação do cidadão comum da democracia” (TEIXEIRA,
1957, p.69), evidenciando a perspectiva de organizar a escola – pública, universal e
gratuita – como “miniatura da comunidade”, tendo em vista uma escola prática, de
iniciação ao trabalho, de formação de hábitos de pensar, de fazer, de trabalhar e de
conviver e participar em uma sociedade democrática. (TEIXEIRA, 1957, p.50).
Esses hábitos são explicitamente reafirmados na década de 1990, como
demonstram os pilares “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver
juntos” e “aprender a ser” da educação para o século XXI disseminada pelo relatório da
Unesco “Educação: Um Tesouro a Descobrir”, documento que será analisado a seguir
considerando o contexto histórico de revigoramento do lema “aprender a aprender”.
687
688
689
690
Considerações finais
691
Referências
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Xamã, 1996.
COUTINHO, Carlos Nelson. O Estado Brasileiro: gênese, crise, alternativas. In: LIMA, Júlio
César França e NEVES, Lúcia Maria Wanderley. Fundamentos da educação escolar no
Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/EPSJV, 2006.
692
MARTINS, André Silva & NEVES, Lúcia Maria Wanderley (orgs.). Educação básica: tragédia
anunciada? São Paulo: Xamã, 2015.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Tradução de Rubens Enderle, Nélio
Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In:
FERRETTI, C. J. et al. (Orgs.). Novas tecnologias, trabalho e educação:um debate
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__________. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados,
2011a.
__________. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1957.
UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Educação:
um tesouro a descobrir: relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para
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Introdução
694
luta por uma “educação libertadora, transformadora”, proposta por Freire (1983, p. 11).
Uma educação que contribua efetivamente para uma conscientização estratégica que
permita, principalmente, à criança uma travessia prazerosa no fazer com limites, mas
com a possibilidade do vir e ser e de atuar com base no princípio da atividade,
associando-se à ação e não à passividade junto à sociedade, desenvolvendo assim os
princípios de liberdade, de criatividade e de autoridade como propunha Borges (2000, p.
55). Ao referenciar “a crise da mudança de valores” e a necessidade de “muita reflexão,
análise, pesquisa sobre a relação ensinante/aprendente no processo de educação e
saúde”, a autora ressalta as ações participativas, solidárias e democráticas, capazes de
transformar a sociedade pela comunicação entre os sujeitos de relações e, sempre que
possível, transcender ideologias, sentimentos, metodologias e propostas apenas
generosas para, enfim, promover uma educação humanizante, “uma educação com
alma”.
Para Saviani (2012, p. 11), “...a compreensão da natureza da educação passa pela
compreensão da natureza humana”, uma vez que “...a educação é um fenômeno próprio
dos seres humanos”. Sendo a pedagogia a ciência da educação, o autor propõe a
Pedagogia Histórico-crítica que nos convida a reorganizar a prática educativa de modo a
viabilizar o acesso ao saber elaborado (ciência), possibilitando, concomitantemente, a
descoberta da humanidade em cada um de nós:
695
696
Desenvolvimento
697
698
699
700
701
702
Conclusões
703
Referências
MORIN, E. Os setes saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.
704
_________, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses
sobre a educação política. 39 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.
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18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa em andamento que visa problematizar no ambiente
escolar a violência contra a mulher a partir do trabalho com charges do cartunista Henfil focadas
na personagem Graúna das Mercês, considerando os fundamentos da Pedagogia Histórico-
Crítica e da Pesquisa de Abordagem Histórico-Cultural. A pesquisa explicitada no artigo é
analisada à luz dos cinco momentos propostos por Dermeval Saviani e culminará com a
elaboração de um material educativo para os alunos, objetivando a formação de leitores críticos
a partir da concepção de leitura como processo dialógico de construção de significados.
Introdução
O presente artigo aborda uma pesquisa que está sendo desenvolvida pelo
Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras), no Instituto Federal do
Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, e integra o grupo de pesquisa "Artes Visuais,
Literatura, Ciências e Matemática", registrado no Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na linha de pesquisa "Arte e
Literatura: diálogos possíveis".
O objetivo da pesquisa é compreender a linguagem das histórias em quadrinhos,
especificadamente, as charges do cartunista Henfil, a fim de propor novas práticas,
(compiladas em material educativo a ser desenvolvido) que promovam a formação
crítica do leitor através de discussões e leituras relativas à violência contra a mulher
tratadas em charges do referido cartunista, as quais dialogam com outros gêneros
1
Giovanna Carrozzino Werneck, Mestranda em Letras, Instituto Federal do Espírito Santo, Vitória,
Espírito Santo, Brasil. gcarrow@uol.com.br.
2
Priscila de Souza Chisté, doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
professora do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Espírito Santo, Brasil.
E-mail: pchiste@ifes.edu.br
706
707
708
709
710
de valores que entram em contradição com a lógica capitalista marcada pela injustiça,
desigualdade, dominação e exclusão.
711
712
713
714
vez na Revista Fradim, nº 21, de 1977, sendo parte de uma sequência de 12 charges que
se encontram na íntegra no material educativo dos alunos.
Fonte: www.facebook.com/instituto.henfil
Fonte: www.facebook.com/instituto.henfil
715
Fonte: www.facebook.com/instituto.henfil
716
compreensão dos seus alunos. Por sua vez, a compreensão dos alunos
é sincrética, fragmentada, sem a visão das relações que formam a
totalidade inicial [...] baseado no senso comum de forma fragmentada
e caótica. Com isso, se pode dizer que esse momento deve, com base
nas demandas da prática social, selecionar os conhecimentos
historicamente construídos que devam ser transmitidos, traduzidos em
saber escolar. O ponto de partida da prática educativa é a busca pela
apropriação, por parte dos alunos, das objetivações humanas.
(MARSIGLIA, 2011a, p. 105).
717
718
Conclusão
[...] concluí que o papel da escola não é mostrar a face visível da lua,
isto é, reiterar o cotidiano, mas mostrar a face oculta, ou seja, revelar
os aspectos essenciais das relações sociais que se ocultam sob os
fenômenos que se mostram à nossa percepção imediata. (SAVIANI,
2011, p. 201).
719
em prol de uma sociedade em que as relações entre os gêneros sejam mais igualitárias a
partir de uma educação escolar emancipadora.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BUENO, Juliane Zacharias. Ética marxista e formação moral na escola. In: MARSIGLIA, Ana
Carolina Galvão (Org.). Pedagogia Histórico-Crítica: 30 anos. São Paulo: Autores
Associados, 2011. p. 91-100.
MALTA, Márcio. Henfil: o humor subversivo. São Paulo: Expressão Popular, 2008a.
______________. Henfil: uma educação por linhas tortas. Revista Ensaios [online], n.1, v. 1,
ano 1, 2008b. Disponível em :
<http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/ensaios/article/view/65/140> Acesso em: 01
jun. 2016.
MINOIS, George. História do riso e do escárnio. 2.ed. São Paulo: UNESP, 2003.
MORAES, Dênis de. O rebelde do traço: a vida de Henfil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1996.
720
SILVA, Ezequiel Theodoro da. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova
Pedagogia da Leitura. 11.ed. São Paulo: Cortez, 2011.
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Resumo: Esse trabalho tem por objetivo trazer à tona as discussões que encerram o teatro
brechtiano, num processo de aproximação ao campo pedagógico identificando no teatro de
Brecht instrumentos políticos viabilizadores da formação humana. Trata-se aqui de esboçar
alguns elementos da arte crítica, num processo descaracterizador da arte pela arte tão fomentada
em muitos espaços universitários. Para tanto, valemo-nos de esforços no sentido de colocar o
teatro brechtiano em seu contexto histórico.
Introdução
1
Juliana Gonçalves Gobbe. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. São Paulo –
Brasil. E-mail: julianagobbe@gmail.com.
722
Dada a riqueza de possibilidades que a arte traz consigo, pois quem a produz
são homens reais, determinados pela história, é impossível que ela não nos toque de
maneira a nos transformar de algum modo, pois a recepção da arte, como diria Umberto
Eco, é aberta, ou seja, cada receptor tem o direito de assegurar a si as muitas variantes
embutidas em uma obra artística.
No entanto, o que se vê hoje em dia é a total descaracterização de implicações
sociais no bojo da arte. Ora, se são os homens que estão a produzir a arte, e, estes vivem
em sociedade, notadamente determinada pelas questões sociais e econômicas, nada mais
justo que se encerre dentre as discussões sobre este assunto os adventos sociais.
Do ponto de vista do que chamo aqui de “fazedores da cultura”, nada mais
importante que a história, guardiã da arte, seja vislumbrada, pois todo homem, é homem
de seu tempo, vivenciando as delícias e agruras de sua época, sempre sobre o cajado
impiedoso de um sistema de produção brutalizado e brutalizador.
Do ponto de vista da luta, é bom que se enfatize que o engajamento em arte pode
ser visto de diversas maneiras, pois a arte pode ser engajada com tudo, desde as estrelas
até o umbigo do artista criador. O que temos que enfatizar é que espécie de
engajamento, professores, alunos e artistas tem em relação ao objeto artístico. E como
esta postura pode ser crítica.
O que se torna providencial é compromisso político e, consequentemente uma
prática que atente para seu caráter transformador da sociedade.
Uma vez, estimulada, eis que surge entre nós a chamada crise do realismo, ou
seja, a pós-modernidade anda alimentando em muita gente conceitos que de tão surreais,
beiram ao ridículo em exposições, encenações que nada mais fazem que evidenciar o
“nonsense” dos nossos dias.
723
Quando, assim encarada, a face artística, nos mostra seus contrários, nunca dantes
observados. Para tanto, utilizava seu tempo num trabalho extenuante, pois:
724
Dentre as expressões artísticas, uma que vem ao longo dos tempos, encantando e
intrigando muita gente é o teatro, pois é ele a manifestação dos homens em atos daquilo
que foi de alguma forma vivenciado, seja na realidade coletiva, seja na individual.
É preciso, no entanto, destacar aqui aquele que dentre tantas coisas dedicou-se
também a esta arte, escrevendo sua Poética, trata-se do filósofo grego Aristóteles:
725
Desse modo, até mesmo a apreensão por parte de muitos leitores e pesquisadores
ficou comprometida, pois a obra perdeu sua coesão interna devido aos inevitáveis
estragos do tempo.
Na nossa existência real, tangenciada por uma série de acontecimentos que ditam
as regras do nosso viver, cabe nos perguntar quem são os heróis, tão alardeados outrora
pela tragédia aristotélica. Certamente os encontraremos nos meios midiáticos, pois
normalmente são os vencedores dentro de um modo de produção que exalta o mérito e
abafa a desigualdade.
O caminho indicado por Brecht, certamente abalou as bases conservadoras
sustentadoras da arte ocidental, no entanto, ao historicizar o teatro ele coloca em
evidência as lutas de seu tempo.
Nesse caminho dialético (me refiro aqui à dialética marxista) muitas indagações
foram levantadas, muitas contradições foram mostradas ao público alemão de sua
época, e posteriormente ao mundo inteiro.
Assim, a luta de classes foi racionalizada, pois romantizada já vinha sendo há
tempos mostrada pela burguesia. Seu teatro épico estabeleceu-se com a seguinte
concepção teatral:
Brecht queria entender o ser humano, não em sua singularidade, marcada pela
subjetividade burguesa, mas por meio das contradições do cotidiano dentro de sua
historicidade. Pois, segundo Benjamin:
Para Brecht, o que realmente importava era a devida historicização dos clássicos:
Quando vamos encenar uma obra clássica, devemos ter isso em mente.
Devemos encarar a obra com um olhar novo e não nos prender à
versão degradada e consagrada que o teatro de uma burguesia em
declínio nos apresentou. Não devemos buscar as “inovações” formais,
726
Ao trazermos Brecht para os dias de hoje, constatamos não só sua atualidade, mas
o vigor de uma obra denunciadora da exploração em torno do trabalho. Para Brecht era
preciso formar o homem e assim este viria a transformar o mundo.
727
728
Para além de uma escola ensimesmada, pois quer se pensar somente entre suas
paredes, inclusive na concepção de um aluno ideal e inexistente, a PHC traça um
caminho dialético para se pensar uma educação realmente fértil em matéria de
conteúdos, com o objetivo de ensinar e dar a chance dos alunos terem contatos com os
clássicos. Segundo Saviani:
E a apropriação desses conhecimentos exige da escola que esta seja mais que um
amontoado de gente, ou seja, exige-se uma instituição viva que rechace a opacidade das
relações sociais e passe a reforçar a luta de classes por meio artístico.
Há aí a necessidade de um diálogo há muito esquecido pelo meio acadêmico, o
diálogo com a existência, em detrimento da essência, pois a vida dos alunos está para
além dos muros institucionais, e suas necessidades são bem maiores do que os
educandos “imaginam”. Em síntese a educação deveria ao menos:
729
Embebidos da arte pela arte não avançamos no sentido de uma formação que
valorize o ser social contemplando sua historicidade e, também não dialogamos com
os meios de produção que lhe conferem os dissabores de uma existência voltada
exclusivamente para a venda da “força de trabalho”.
Considerações finais
E nos dias atuais mais e mais países encontram-se no bojo da sanha desmedida
por altos lucros à custa da dignidade, bem como da vida de trabalhadores. Ainda em
Lênin:
730
Diante dessas questões é papel das escolas dar condições e instrumentos de luta
aos alunos, principalmente através da arte, importante veículo de formação humana.
Como enxergou Brecht:
Referências
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira,1970.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
731
LENIN, V.I. Imperialismo, Estágio Superior Do Capitalismo. 1.ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2012.
PICASSO, Pablo. Espanha, 1937. 1 painel.:óleo., color.: 3,49m x 7,77 m. Museu Nacional
Centro de Arte Reina Sofia.
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Resumo: Este artigo tem como finalidade discutir a categoria classe social e apresenta
discussões sobre as concepções da Educação de Jovens e Adultos descritas no Parecer nº
11/2000 que instituiu as Diretrizes Curriculares para esta modalidade de ensino. O estudo
realizado utiliza-se do materialismo histórico dialético para a análise crítica do conceito de
experiência, tido como um dos principais requisitos para a garantia da especificidade dos
sujeitos da EJA. Para o aprofundamento teórico, citamos os estudos de Edward Palmer
Thompson, por entender a relevância de seus debates para compreendermos a gênese identitária
da EJA enquanto classe trabalhadora.
Introdução
A educação de jovens e adultos é constituída por práticas e reflexões que não se
restringem a escolarização, pois envolve processos formativos variados, em que se
aglutinam iniciativas de qualificação profissional, desenvolvimento comunitário,
formação política, cultural em espaços escolares e não escolares. Trata-se, de um
universo pedagógico importante para a realização plena da indissociabilidade entre
teoria e prática e dos processos de emancipação humana.
As práticas pedagógicas realizadas na EJA distinguem-se em inúmeras
concepções acerca dos processos didático-metodológicos e a maneira como os sujeitos
(legisladores, diretores, coordenadores pedagógicos, professores e profisisonais da
educação ) identificam a especificidades dos jovens e adultos. As concepções restritas
veem a EJA apenas em seu caráter marginal e secundário, camuflando os aspectos
políticos, culturais e pedagógicos. Sob uma abordagem sistêmica, a EJA é tratada como
1
ALMEIDA, Adriana de, Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Professora
Adjunta da Faculdade de Formação de Professores/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
adryanaalmeida@gmail.com
733
2
Realizamos a opção pelo conceito de experiência em Thompson, todavia, não desconsideramos que
existem outros autores que já discutiram e aprofundaram o conceito de experiência, porém, esses
estudos, embora relevantes não atendiam os objetivos de nossa pesquisa, tampouco a escolha de nosso
método de análise.
734
Thompson (2004, p. 12) alega que a classe é uma relação estabelecida, e não
uma coisa. Essa relação está assegurada pelas pessoas e contextos reais, portanto, “[...] a
classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é
sua única definição”. Nesse sentido, o ser humano se vê numa sociedade estruturada, em
particular, pelas relações de produção, e suportam a exploração (ou têm uma relação de
poder sobre os explorados). Desse modo, identificam os interesses antagônicos e, no
decorrer do processo de luta, descobrem a si mesmos como uma classe, o que significa
compreender a sua consciência de classe. No entanto, faz-se necessário apontar que, em
função da ideologia e da alienação do trabalho, este processo não é espontâneo, natural.
735
736
Nesse sentido, a classe constitui uma relação entre seres humanos em uma
relação dialética de experiência de classe, quando as experiências vividas são
partilhadas e no processo de luta de classes, a classe realiza o processo de consciência
de classe. Essa dinâmica pressupõe que não há uma relação hierárquica, mas relações
históricas que ocorrem à medida que no processo social e cultural há mediações de
reciprocidade e particularidades que definem a maneira pela qual homens e mulheres
vivem e realizam a sua história. Thompson sublinhou os conflitos entre classes e
intraclasses. É nas contradições internas e na luta intra e entreclasses, nas frações de
classe, que o capitalismo assume suas particularidades e configurações desiguais em
formações histórico-sociais específicas.
A classe enquanto categoria não estática não pode explicar-se pelas raízes de
cunho positivista, difundidas na tradição sociológica, pois suas características não
737
Thompson (2002, p. 36) afirma que, durante um século ou mais, a maior parte
dos educadores da classe média não conseguia distinguir o trabalho educacional do
controle social, e isso impunha com demasiada frequência uma repressão à validade da
experiência da vida dos alunos ou sua própria negação. “[...]. Os trabalhadores que, por
seus próprios esforços, conseguiam penetrar a cultura letrada viam-se imediatamente no
738
mesmo lugar de tensão, onde a educação trazia consigo o perigo da rejeição por parte de
seus camaradas e a autodesconfiança. Essa tensão ainda permanece”.
No Prefácio do volume 2 da trilogia A formação da classe operária inglesa, a
palavra fazer-se é utilizada para ressaltar o movimento de “autofazer-se” das classes
sociais ao longo da história. Ao refletir sobre as classes sociais, Thompson, aponta para
a importância da experiência nesse processo e afirma que a classe acontece quando
alguns homens, como resultado de experiências comuns, sentem e articulam a
identidade de seus interesses entre si, sendo contrários aos interesses de outros homens
que se opõem aos seus.
A experiência de classe distingue-se, em grande proporção, pelas relações de
produção em que o indivíduo nasceu, ou entrou involuntariamente. Portanto, a
consciência de classe é a forma como essas experiências são acordadas em termos
culturais, incorporadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais.
Para se pensar a formação histórica e social da humanidade, inclusive, no que se refere
à formação das classes sociais, o autor argumenta que, o conhecimento de classe torna-
se impossível sem a compreensão das experiências que emergem dos confrontos entre
classes em função das diferenças entre as várias culturas, políticas, religião, valores,
convenções. A experiência, para Thompson (1981, p. 182), é um termo que necessita de
aprofundamento. Para exemplificar, apresenta-se o seguinte trecho:
O que descobrimos (em minha opinião) está num termo que falta:
experiência humana. [...] Os homens e mulheres também retornam
como sujeitos, dentro deste termo – não como sujeitos autônomos,
indivíduos livres, mas como pessoas que experimentam suas situações
e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e
como antagonismos, em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua
consciência e sua cultura.
739
740
Thompson (1981, p. 189) sinaliza que a experiência não é algo para ser tomado
apenas com ponto de partida com respeito aos saberes, mas consiste em uma
“exploração aberta do mundo e de nós mesmos” (p.189). Esse fator evidencia que “essa
exploração faz exigências de igual rigor teórico, mas dentro do diálogo entre a
conceptualização e a confrontação empírica”. O que significa, para Thompson: “[...] a
estrutura é transmutada em processo, e o sujeito é reinserido na história”.
No Parecer n.º 11/2000, o uso da palavra experiência é recorrente ao longo do
texto. O Parecer, inicialmente, ressalta a importância de não se considerar a EJA apenas
como um processo inicial de alfabetização, mas com o objetivo primordial de formar e
incentivar um indivíduo que possa ser um leitor de livros e das múltiplas linguagens
visuais, em conjunto, com as dimensões do trabalho e da cidadania. O que significa
reconhecer que esses sujeitos são pessoas maduras e “talhadas por experiências mais
longas de vida e de trabalho”. (BRASIL, 2000, p. 9).
Porém, essa não é apenas uma tarefa para ser reforçada àqueles que estão na
terceira idade, mas estende-se aos jovens, como aponta o Parecer (BRASIL, 2000,
p.33):
741
alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados
à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores,
maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de
(re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado
sobre as coisas da existência, que não tiveram diante de si a exceção
posta pelo art. 24, II, c. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a
evasão da mesma que os dirigiu para um retorno nem sempre tardio à
busca do direito ao saber.
742
743
744
745
Considerações finais
746
Referências
MARX, Karl. O capital: crítica a economia política: livro I. Tradução Reginaldo Sant`Anna. 30.
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
THOMPSON, E.P. The poverty of theory and other essays. London: Merlin, 1978.
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Resumo: Esse texto considera a realidade de uma escola pública municipal explicitada a partir
de um estudo de caso realizado por ocasião do Mestrado em Educação tendo como pressuposto
teórico-metodológico o materialismo histórico-dialético. Transcende os objetivos da pesquisa
inicial e se coloca diante de outro objetivo: refletir a respeito das relações entre desigualdade;
acesso ao conhecimento e formulações teóricas pós-modernas no contexto educacional. Nesse
sentido, afirma que as desigualdades sociais se revelam explicitando a negação de direitos
sociais justapostos à negação do acesso ao conhecimento, entendido como um desses direitos.
Destaca a força das formulações teóricas pós-modernas, pois centradas na manutenção do status
quo; na ideia de que a sociedade é constituída pela simples soma de indivíduos; na defesa de
valores assentes na subjetividade, descolados da práxis social.
Introdução
748
749
Ao chegar ao endereço da escola que sediou a pesquisa pela primeira vez, foi
difícil identificar o imóvel, dadas as condições da estrutura física. Naquele momento
não havia nenhuma placa com o nome da instituição. Na verdade, não
necessariamente uma dificuldade, mas um estranhamento em frente à precariedade.
Todos os espaços eram bem reduzidos representando claramente limitações ao
desenvolvimento do trabalho pedagógico e a momentos de lazer e liberdade aos
alunos. Dada a construção antiga do prédio, era visível que carecia de reformas e que
4
O entendimento de justiça social, aqui defendido, fundamenta-se na perspectiva radical apresentada por
Estêvão em Educação, Justiça e Democracia (2004). O autor salienta ser impossível exercer os direitos
políticos e civis se não forem garantidos os direitos econômicos e sociais.
5
A significação de “dados” é tomada conforme sugere Triviños (1987, p. 140, grifo nosso): “Antes de
qualquer definição do que entendemos por ‘Dados’ e/ou ‘Materiais’, é indispensável que o pesquisador
tenha claro, ao iniciar uma pesquisa, que dados será aquilo que procurará, fundamentalmente, em torno do
fenômeno que pensa estudar”.
6
A frase “A teoria têm consequências!” foi proferida em 1979 pelo historiador marxista inglês E. P.
Thompson em um debate em Oxford. (MORAES, 2009).
750
há muito não contemplava a demanda que atendia, seja pelo tamanho dos espaços,
seja pelo estado de conservação.
O bairro onde se localiza a escola possui também uma infraestrutura precária e
insuficiente, reflexo de seu histórico de constituição (ocupação desordenada);
atualmente percebe-se certo desenvolvimento, ainda que as condições estejam longe
de representar uma vida digna a seus moradores. Outro traço importante a ser
destacado é a violência no bairro, ligada especialmente ao tráfico de drogas.
Realidade que se revela explicitamente dentro da escola e, em conjunto com outras
demandas e questões, coloca em xeque o sentido que a escola pretende.
Alguns trechos do diário de campo explicitam as condições de tal contexto e
revelam os atravessamentos nos modos de existir de grande parte dos alunos e os
desafios dos professores, desafios não apenas de ensinar, mas, sobretudo de se fazer
aprender:
O trato das crianças umas com as outras vai além dos conflitos
“comuns” na relação entre crianças. Há um constante apelo à
violência (“Vou te matar”; “te dar um tiro”). (DIÁRIO DE
CAMPO, 05/08/2013).
Essa realidade nos faz pensar como Gentili (2002, p. 1063) ao afirmar que
751
[...] com a escola eles [pais dos alunos] têm uma boa relação; os
problemas deles estão lá, nunca interferiram na escola não... nunca
teve interferência dos problemas da comunidade com os da escola;
reflete na escola, mas diretamente não, pelo contrário, eles acham
que a escola é até um porto seguro. Todos aí, de todos os
movimentos [refere-se à dinâmica própria do tráfico de drogas no
bairro], contra ou a favor, todos colocam os filhos aqui, eles
preferem essa escola, eles gostam da escola, então assim... aqui pra
eles é um porto seguro. (COORDENADORA - informação verbal).
752
Os alunos que ainda não leem (acredito que esses) realizam o que é
proposto, mas sem muito entender o que fazem. A aula segue, ainda
que a professora exija que todos cumpram o dever, há aqueles que
não entenderam o porquê de escreverem tal coisa. (DIÁRIO DE
CAMPO, 21/08/2013).
753
754
assim sendo, não toma a história como referência, pelo contrário, a despreza como
continuidade e memória, não se esforçando para sustentar valores, crenças ou
descrenças. Logo, não considera empreendimentos que possam produzir um futuro
radicalmente diferente.
Harvey (2012) considera pensadores como Nietzsche, Foucault, Lyotard e
Derrida para compreender as assertivas do pensamento pós-moderno e afirma que
esses discursos diferem da assertiva moderna ao não terem como foco uma
perspectiva identificável do que se defende, mas um modo fluido de significações que
se rearranjam continuamente em torno de interesses diversos, todos legítimos e
equivalentes.
Embora esses discursos tratem da alteridade e da diversidade, afirmando a
importância da valorização e do reconhecimento de cada sujeito consoante a sua
história e a seu contexto de vida, sem problematizar as questões subjacentes ao não
reconhecimento e não garantia dos direitos sociais de todos, obscurecem as relações
de dominação e de desigualdade, naturalizando esses processos.
E desse modo, nossa terceira variável, os postulados pós-modernos, ao “[...]
aceitar a fragmentação, o pluralismo e a autenticidade de outras vozes e outros
mundos traz o agudo problema da comunicação e dos meios de exercer o poder
através do comando”. (HARVEY, 2012, p. 53).
Pode-se dizer que esses discursos contribuem para o surgimento de um
pluralismo de valores, conforme assinalado por Berger e Luckman (1974); eleva-se o
ser em detrimento do vir-a-ser, ou seja, configurações de ordens privadas ganham
status em frente ao interesse comum. Sequer o interesse comum expresso na ideia de
coletividade é considerado como possível.
Apesar das questões já explicitadas, poderia-se ainda perguntar: o que tem a
ver esses discursos com a vida diária? Ou, de outra maneira: em que esses
pressupostos teóricos impactam na realidade objetiva da vida? É aqui que a atenção
deve ser invocada àquilo que Berger e Luckman (1974) chamaram de história das
ideias, pois as teorias ao mesmo tempo que advêm da problematização da realidade,
da busca pelo seu entendimento, também são responsáveis pela modificação da
realidade na medida em que legitimam modos de pensar a respeito de determinado
fenômeno.
Moraes (2009), afirma que a teoria em seu lado positivo fornece bases para um
posicionamento racional e crítico e, em contrapartida, em seu lado negativo pode
755
[...] por atestar que ideias, teorias etc. opostas não podem ser
objetivamente comparadas, conclui-se a impossibilidade da crítica,
de cotejar as várias correntes de pensamento, pois mesmo
reconhecendo o real, conclui-se que não se pode ter um
conhecimento objetivo a seu respeito (MORAES, 2009, p. 588).
756
Considerações finais
757
Referências
758
GENTILI, Pablo. A educação e as razões da esperança numa era de desencanto. In: Cecília
Irene Osowski (Org.). Educação e mudança social por uma pedagogia da esperança. 15 ed.
São Paulo: Loyola, 2002, v. 1, p. 25-40.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 22. ed. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria
Stela Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
MORAES, Maria Célia Marcondes de. A teoria tem consequências: indagações sobre o
conhecimento no campo da educação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p.585-
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professores e sua formação. Dom Quixote, Lisboa, 1992. p. 72-92. Disponível em:
<http://profmarcusribeiro.com.br/wp-content/uploads/2012/04/Formar-Professores-como-
Profissionais-Reflexivos-donald-schon.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2013.
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18 a 20 de outubro de 2016
A PERSPECTIVA TERRITORIAL
DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Resumo Esse artigo discute dois projetos de constituição do Sistema Nacional de Educação
(SNE), um elaborado no interior da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino
(SASE), e o outro em tramitação no Congresso, por meio do Substitutivo ao Projeto de Lei
nº413/2014. Identifica que ambos trazem as perspectivas ‘territorial’ e de regime de colaboração
horizontal, nos moldes do que se configurou no âmbito do MEC/CNE na Resolução nº01/2012,
como “arranjo de desenvolvimento da educação”. E os problematiza à luz dos princípios e
pressupostos teórico-metodológicos da pedagogia histórico-crítica.
Introdução
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O debate sobre a institucionalização do SNE remete a problemática desenvolvida pelo movimento dos
escolanovistas quando do lançamento ‘Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova’, em 1932, no Brasil.
Para Saviani (2010), a originalidade deste projeto corresponde à defesa de uma política educacional que
garantisse uma escola pública, financiada, integralmente, pelo Estado, como prerrogativa de um regime
Republicano e democrático. No entanto, ao compreender as limitações da perspectiva liberal do
movimento, no que concerne às disputas entre centralização versus descentralização da política
educacional, Saviani (2013) reitera a pauta política da necessidade e importância de institucionalização de
um SNE de caráter unitário, e desenvolve a tese que a ausência desta política culminou em consequências
deletérias na organização da educação pública no Brasil, e por isso funcionou como um empecilho
estrutural para a universalização da educação básica com alto padrão de qualidade.
4
A proposta de “descentralização qualificada do SNE” é delineada pelo documento elaborado e expedido
pela SASE cujo título é “Instituir um Sistema Nacional de Educação: agenda obrigatória para o país”.
(BRASIL, 2015).
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‘exitosa’, e que “nem sempre, o que é bom para o sistema produtivo também seja bom
para o território e vice-versa”. Acrescentamos: muito menos para o trabalhador.
(FILHO, 2011, p. 192-197).
No que concerne às possíveis consequências da incorporação deste modelo de
gestão empresarial na constituição do SNE, destaca-se o sentido atribuído à ‘qualidade’
do ensino público relacionada com a oferta de “oportunidades educacionais”, esta
circunscrita na colocação ‘temporária’ no mercado de trabalho e, consequentemente,
supressão da socialização do conhecimento científico, visto que este modelo territorial
do SNE materializa um projeto pedagógico educacional parcelado, focalizado e
segmentado nas demandas específicas de desenvolvimento do setor produtivo local, e
segundo as especificidades de um capitalismo subdesenvolvido e dependente.
(FERNANDES, 1981)8.
Portanto, a partir da identificação destes elementos se analisa os Polos Regionais
de Educação enquanto instrumentos de gestão voltados para ampliar a possibilidade de
adaptação dos objetivos pedagógicos das instituições escolares aos interesses
específicos dos diferentes segmentos produtivos. Proposta já em curso com a
regulamentação dos ADE’s e do PDE, que objetiva o cumprimento de metas e
resultados educacionais ditos exitosos, que de fundo tem por finalidade a ‘oferta’ de
uma educação básica minimalista, que apenas “massifica”, em vez de socializar os
instrumentos rudimentares para o possível acesso ao saber sistematizado. De forma que
não só a educação profissional e tecnológica esteja organizada por esta perspectiva
territorial dos APL’s, como também o Ensino Fundamental.
Por conseguinte, o sentido social do SNE na perspectiva territorial, segundo o
formato dos Polos Regionais de Educação que compreendem os consórcios públicos, os
ADE’s, entre outros instrumentos de gestão, corrobora para que já no primeiro ciclo da
educação e escolarização da juventude, ensino fundamental, o projeto político-
pedagógico esteja a serviço de uma conformação ideológica, intelectual e moral da
juventude brasileira às demandas produtivistas da economia de mercado. Isto é, a
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É dessa relação conflituosa entre capital e trabalho no capitalismo subdesenvolvido e dependente
(FERNANDES, 1981) que abordamos as atuais políticas educacionais, pois as ações dos governos para o
aumento da escolaridade da população brasileira e a complexificação dos processos formativos no âmbito
global estão associados à uma expansão da educação básica no Brasil voltada para a formação ampliada
de uma força de trabalho simples, de baixa complexidade científico-tecnológica, submetida às exigências
estritas do mercado de trabalho interno e para a manutenção do ‘conformismos social’. (MOTTA, 2009;
LEHER; MOTTA. No prelo, 2014).
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Considerações finais
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Referências
BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação- PNE e
dá outras providências, 2014b.
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LEHER, Roberto; MOTTA, Vânia. Capitalismo dependente reserva um futuro hostil para a
juventude: educação, precariado, exército industrial de reserva e irrupção das jornadas de junho
no Brasil. Não publicado. 2014.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este trabalho é parte dos resultados da pesquisa de mestrado em Política Social. Trata-
se da tentativa de verificar como ocorreram as medidas contrarreformistas do ensino superior no
contexto do Capitalismo Parasitário. Para tanto, apresenta os pressupostos teóricos pelos quais o
tema foi analisado, o contexto atual do capitalismo e considerações sobre as contrarreformas
universitárias dos anos 1990 em diante.
1 Introdução
Esse trabalho é parte da pesquisa de mestrado em Política Social finalizado em
Junho de 2016. Tal pesquisa teve como objetivo compreender o processo de
financiamento e gasto público com a política de assistência estudantil na Universidade
Federal do Espírito Santo. Contudo, para compreensão desse tema, foi necessário
explorar os aspectos das medidas de contrarreformas na educação superior que vem
sendo implementadas no Brasil desde a década de 1990.
Nesse artigo, em específico, apresentamos a relação entre as contrarreformas do
ensino superior com a necessidade de aceleração da rotação do capital. Para tanto,
buscamos apresentar as bases teóricas que explicam a atual fase do capitalismo, com a
predominância do capital fictício, e como essas novas formas de acumulação requisitam
alterações na condução das políticas sociais por parte do Estado. Nesse sentido,
observamos que a forma específica como ocorre o projeto de sociabilidade burguesa na
contemporaneidade se expressa também na educação superior brasileira.
Esse trabalho foi dividido três partes além da introdução e considerações finais:
primeiramente o item denominado “Pressupostos teóricos para o debate”, onde
abordamos a perspectiva teórica utilizada para analisar esse objeto; o item “Capitalismo
atual e políticas sociais” no qual observamos a relação entre o capitalismo atual e as
1
Fernanda Meneghini Machado, Assistente Social, Mestre em Política Social, Universidade Federal do
Espírito Santo, Espírito Santo, Brasil. E-mail: fernanda.machado@ufes.br.
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transformações nas políticas públicas conduzidas pelo Estado capitalista; e, por fim, o
item “As reformas na Educação Superior no Brasil pós anos 1990”, onde verificamos as
medidas no âmbito do ensino superior e seu caráter contrarreformista.
2
A obra A Ideologia Alemã de Marx e Engels (2007) lança as premissas da teoria
materialista. Na visão destes autores as condições materiais da vida que determinam a
consciência, e não o contrário, como defendiam os filósofos hegelianos. Nessa
perspectiva, o homem deixa de ser tratado como ser abstrato para ser compreendido
como ser real dentro do seu contexto histórico. A obra faz a crítica ao idealismo alemão
demonstrando que a ideologia dominante é o conjunto de ideias da classe dominante,
servindo portanto para encobrir a realidade concreta e manter a dominação. A ideologia,
no entanto, não se reduz a uma falsa concepção da história, podendo estar relacionada a
concepção da realidade e identidade social e/ou política, vinculada aos interesses das
diferentes classes sociais.
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Ora, essa divisão dos homens em classes irá provocar uma divisão
também na educação. [...] A partir do escravismo antigo passaremos a
ter duas modalidades distintas e separadas de educação: uma para a
classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres, e
outra para a classe não proprietária, identificada como a educação dos
escravos e serviçais. A primeira, centrada nas atividades intelectuais, na
arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico ou militar. E a
segunda, assimilada ao próprio processo de trabalho [...] essa nova
forma de educação passou a ser identificada com a educação
propriamente dita, perpetrando-se a separação entre educação e
trabalho. [...] Estamos, a partir desse momento, diante do processo de
institucionalização da educação, correlato do processo de surgimento da
sociedade de classes que, por sua vez, tem a ver com o processo de
aprofundamento da divisão do trabalho. (SAVIANI, 2007, p.155).
3
Essa separação entre escola e produção reflete, por sua vez, a divisão que se foi
processando ao longo da história entre trabalho manual e trabalho intelectual
(SAVIANI, 2007). Uma discussão crítica interessante sobre esta separação podemos
encontrar em Tavares (2012).
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Nesse sentido, este trabalho parte do suposto de que existe uma relação entre o
desenvolvimento do capitalismo e a formação escolar separada do processo produtivo
que, ao mesmo tempo, reproduz as relações de produção capitalistas visando atender as
suas demandas e garantir a ideologia dominante.
Uma vez que a condução das políticas sociais está subordinada à lei do valor, a
nossa análise buscou compreender o ensino superior articulado ao contexto social,
histórico e econômico no qual está inserido, ou seja: a análise da política de educação
não ocorre a partir dela mesmo, e sim, considerando a totalidade na qual está inserida.
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4
O circuito D-D' consiste na ilusão de que poderia se fazer dinheiro com o próprio dinheiro, sem passar
pelo processo de produção. Este processo somente é possível quando considerada somente a perspectiva
individual do capitalista. Na totalidade, não é capaz de gerar riqueza sem trabalho humano.
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assim até o último vestígio, e a concepção do capital como autômato que se valoriza por
si mesmo se consolida". (MARX, 1985, p. 11).
A característica particular do capital fictício e o que o diferencia do capital a
juros é que a remuneração deste (que é garantida pelos juros) advém de forma direta da
mais valia produzida pelo trabalho humano. Em contrapartida, o capital fictício assume
uma lógica própria de valorização especulativa (dos diferentes ativos: títulos que
representam um ganho regular, tais como ações e títulos da dívida pública dos Estados)
que, de fato, não passa pelo investimento produtivo gerador de mais-valia.
Fica evidente, assim, que o capital fictício não corresponde diretamente ao
trabalho humano e sua remuneração se dá através do rendimento de diferentes tipos de
títulos comercializáveis no espectro da ficção. É caracterizado por Carcanholo e
Sabadini (2009) como parasitário porque busca a obtenção de renda sem
necessariamente passar pelo processo de produção de riqueza material.
Há duas formas principais de manifestação deste tipo de capital capazes de gerar
lucros fictícios: as ações e os títulos da dívida pública. As ações representam o
patrimônio de uma empresa (são consideradas fictícias porque são contabilizadas no
mínimo duas vezes: como valor do patrimônio que elas representam e como valor delas
mesmas) e os títulos da Dívida Pública são papéis emitidos para financiar atividades
governamentais.
É neste contexto, de uma conjuntura marcada pela generalização da valorização
fictícia de capitais, que a educação superior se efetiva enquanto intervenção do Estado,
apresentando características que vão ao encontro do processo de valorização do capital
na esfera financeira. Assim, as duas formas resultantes da reestruturação do modo de
produção capitalista, as ações e a dívida pública, alteram significativamente a política de
Educação Superior. No campo da educação privada, muitas instituições são
incorporadas aos grandes conglomerados educacionais com capital aberto e
investimento na bolsa de valores5. No ensino público, além dos aspectos formativos, há
uma retração do financiamento de políticas sociais em prol do acúmulo dos superávits
primários para pagamento das despesas da dívida, uma vez que o fundo público é
absorvido com essa finalidade.
No Brasil, os impactos dessas novas formas de acumulação são mais visíveis a
5
Mais sobre esse tema podemos ver nos estudos de Sebim (2014), o qual teve como
objetivo investigar o impacto das mudanças trazidas para o trabalho docente decorrentes
do processo de inserção da educação superior na Bolsa de Valores.
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De acordo com estas instituições, qualquer custeio que não seja estritamente
voltado para a formação barata e rápida da força de trabalho requisitada pelas novas
formas de produção, são recursos mal gastos. Desta maneira, o sistema educacional que
prevê: o tripé ensino, pesquisa e extensão; uma formação com garantias de boas
condições de trabalho para os docentes, infraestrutura adequada para desenvolvimento
das atividades dentro e fora da sala de aula e recursos para assistência ao estudante, é
considerada uma educação onerosa e que gera prejuízos para o Estado. Ademais, para
um país periférico, que está em situação desfavorável na divisão internacional do
trabalho, não é necessário formação de ponta.
As orientações sobre educação superior para os países periféricos elaboradas
pelo Banco Mundial na década de 1990 e na primeira década do século XXI possuem
como diretriz a diversificação dos tipos de instituições de ensino superior, dos cursos e
das formas de financiamento para solucionar os problemas por ele apontado. Lima
(2011) adverte que, uma análise atenta dos documentos do BM evidencia que o termo
educação, embora amplamente utilizado nos documentos, aparece de forma a gerar
equívocos, pois tais documentos se referem, na verdade, a um
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De acordo com Minto (2011), a adequação destas grandes diretrizes para o Brasil
foi estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Para o
autor, a LDB/1996 foi construída num contexto de disputa entre dois polos: por um
lado, o movimento de defesa da educação pública, interessado em avançar por meio da
regulamentação das conquistas da CF/1988 e, do outro lado, as forças conservadoras,
interessadas na efetivação das ideias de reforma do Estado. O resultado, segundo a
mesma visão, foi uma lei com conteúdo genérico que não explicitou os conteúdos mais
polêmicos e reivindicados pelos movimentos pela educação pública, como autonomia
universitária, exclusividade de recursos públicos para as escolas públicas e
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
O conteúdo genérico e indefinido dessa legislação dificultou a capacidade
regulatória por parte do Estado, dando condições para que as forças do mercado
ampliassem suas frentes de influência sobre o ensino superior. Desta forma, os
interesses privados, que sempre existiram no contexto de ensino superior no Brasil,
foram fortalecidos, contribuindo para ressignificar a universidade autônoma e crítica
prevista na CF/1988. (MINTO, 2011).
Assim, na década de 1990, em consonância com as orientações internacionais e
subordinado à necessidade de valorização do capital, assistiu-se, no Brasil, a uma forte
mercantilização da educação superior a partir de duas vertentes: a primeira, pela
liberalização dos serviços educacionais, da qual germinaram várias instituições
privadas; e a segunda, pela privatização interna das universidades públicas, por meio
das fundações de direito privado, a partir da cobranças de taxas e mensalidades e
estabelecimento de parcerias entre universidades públicas e empresas para realização de
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Considerações
Referências
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LIMA, Kátia Regina de Souza. O Banco Mundial e a educação superior brasileira na primeira
década do novo século. Universidade Federal Fluminense (UFF) R. Katálysis, Florianópolis, v.
14, n. 1, p. 86-94, jan./jun. 2011.
MARX, Karl; O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984. v. III, tomo I
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
Boitempo, 2002.
MINTO, Lalo Watanabe. O público e o privado nas reformas do ensino superior brasileiro:
do golpe de 1964 aos anos 90. 2005. 213 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade
de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2005.
MORAES, Lívia de Cássia Godoi. Entre o chão de fábrica e os céus do Brasil: um estudo da
relação trabalho e educação na indústria aeronáutica brasileira. Revista Café com Sociologia, v.
3, n. 1, p. 137-157, 2014.
SALVADOR, Evilásio. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez,
2010a.
______. Crise do Capital e o Socorro do Fundo Público. In: BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING,
Elaine; SANTOS, Silvana & MIOTO, Regina (org). Capitalismo em crise, política social e
direitos. São Paulo: Cortez, 2010b.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Introdução
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Cláudia Ramos de Souza Bonfim, Doutora em Educação na área de História Filosofia e Educação
(Unicamp), Docente e Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Sexualidade da
Faculdade Dom Bosco (FDB) financiado pelo Programa de Educação Tutorial (PET) do Ministério da
Educação (MEC) e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Cornélio Procópio,
Paraná, Brasil; Pesquisadora Colaboradora do Grupo Paideia, Faculdade de Educação-Unicamp;. E-mail:
claudiasbonfim@gmail.com
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outro discriminado. Mas as mulheres são mais atingidas por esta prática advinda de uma
cultura falocrática, patriarcal e machista onde as mulheres são desqualificadas e
inferiorizadas. Sexismo e machismo seguem a mesma lógica de dominação e de
discriminação. Onde se designa papeis e julgamentos distintos para homens e mulheres,
repugnando comportamentos e atitudes feminilizadas.
Sobre o machismo, Drumont (1980, p. 81-82), conceitua como “[...] um sistema
de representações simbólicas, que mistifica as relações de exploração, de determinação,
de sujeição entre o homem e a mulher.” Usando o “argumento do sexo [...] reduzindo-
os a sexos hierarquizados, divididos em polos dominante e pólo dominado”. Esse
binarismo dominação-sumissão precisa ser rompido. Essa educação com uma dupla
moral para homens e mulheres, ainda traz resquícios da educação patriarcal e machista
reproduz e consolida a inferiorização, a submissão e opressão da mulher na sociedade.
Partindo de Saviani (2005, p.XII), que não considera a educação como saída
para os problemas sociais, mas afirma, ser “é necessário alterar as próprias relações
sociais que a determinam [...]”, este estudo defende a tese, que a partir da formação da
cosnciência crítica e do acesso ao conhecimento científico socialmente produzido, que
traga à luz as condições histórico-sociais que determinam a opressão da mulher, será
possível engendrar sua superação.
Busca-se esclarecer: Como os estudos de Saviani e as teorias marxistas
contribuem para o debate crítico sobre a desigualdade de gênero? Parte-se da premissa
que essas concepções trazem uma significativa contribuição para o debate e formação
da consciência crítica sobre os condicionantes sociais que engrendraram a opressão da
mulher. Pressupõe-se que essas teorias são basilares para entendermos as relações
sociais que engendraram e ainda perpetuam as desigualdades de gênero e que impedem
a emancipação da mulher.
O objetivo central é discutir a desigualdade de gênero tendo como referencial
teórico a pedagogia histórico-crítica e o materialismo histórico-dialético, utilizando-se
de pesquisa bibliográfica-explicativa e fundamentando-se nos escritos propositivos de
Saviani, Kollontai, Redd, entre outros estudiosos que abordam a temática do estudo
nesta perspectiva teórica. Esses estudos nos oferecem argumentos fundamentais para
pensar a condição da mulher na sociedade e, por consequência, nos ajudam a pensar
sobre a divisão sexual do trabalho e sobre a exploração sexual. E, na mesma linha, é
possível pensar, ainda hoje, as origens e causas do preconceito de gênero numa
perspectiva emancipatória a partir destes estudos denunciando a natureza perversa e
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Saviani (1996, p. 16), no entanto, esclarece que, para que a reflexão seja
filosófica, precisa questionar criticamente a realidade, assim suas teorias são essenciais
para o debate sobre a desigualdade de gênero. “[...] a reflexão filosófica, para ser tal,
deve ser radical, rigorosa e de conjunto.”
1) Radical, porque necessita ir “até às raízes da questão, até seus fundamentos [...]”,
pois precisa de uma profunda reflexão.
2) Rigorosa, pois exige um procedimento rigoroso, sistematizado, “segundo métodos
determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as
generalizações apressadas que a ciência pode ensejar.”
3) De conjunto, necessitando que a problemática não seja analisade de maneira
fragmentada e sim, em seu , “[...] conjunto, relacionando-se o aspecto em questão
com os demais aspectos do contexto em que está inserido. [...] a filosofia, embora
dirigindo-se às vezes apenas a uma parcela da realidade, insere-a no contexto e a
examina em função do conjunto.” (SAVIANI, 1996, p. 16)
Pafraseando Luxemburgo, nós mulheres precisamos sentir as correntes que, em
pleno século XXI ainda nos prendem, a maioria delas invisíveis, atreladas aos interesses
dominantes, ocultas dentro do processo educativo, trazendo inconscientemente, as
amarras das gerações passadas e perpetuando o preconceito e a desigualdade. Assim, os
escritos de Saviani (1996), tornam-se imprescindíveis nesse processo de reflexão, pois
apontam a importância de se compreender criticamente os fios que tecem as relações
sociais e explicam como se dá a passagem do senso comum à consciência filosófica.
Compreender a profundidade da trama e os fios que as sustentam, constroem e
reconstroem a história, é que possibilitará seu desenrolar. Só podemos perceber isto
quando adquirirmos consciência da profundidade com que elas nos cegam, prendem e
condicionam sem que consigamos perceber. Nesse sentido, a educação na perspectiva
histórico-crítica pode contribuir para a superação de muitos preconceitos de gênero que
ainda são disseminados, ao socializar criticamente “[...] o saber objetivo produzido
historicamente, sobre a condição histórica-social da mulher na sociedade”. ( SAVIANI,
2005, p. 7).
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Assim como a educação escolar traz como conteúdo tantos fatos históricos,
defende-se a necessidade de trazer a discussão na educação escolar a condição histórica
da mulher na sociedade, a luta dos movimentos feministas em prol dos direitos da
mulher, numa perspectiva histórico crítica pautada no materialismo histórico dialético e
neste sentido, pois a proposição da pedagogia histórico-crítica vem ao encontro de
nossa defesa, pois implica na:
Assim, Machel (1980, p. 27) aponta três aspectos que considera essenciais para a
emancipação da mulher: o primeiro é o engajamento político consciente; o segundo o
engajamento nas tarefas de produção; e o terceiro aspecto é o da educação científica e
cultural. Em relação ao “engajamento político consciente”, Machel (1980, p. 28), diz:
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E, ressalta ainda, que “[...] o conjunto destas necessidades não são exclusivos da
mulher, porque o homem também, como ela, aparece alienado, ainda que sob formas
diferentes” (MACHEL, 1980, p.29). Já Kollontai (1982, p. 46) afirma que:
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livre e que perpetua uma sociedade repressiva.” E alienados, acreditamos que todas as
lutas que imperam nos movimentos contemporâneos são de fato pela liberdade.
Marcuse (1979), nos "mostra" que a "liberdade" que acreditamos vivenciar é
simplesmente uma nova forma de controle da sociedade onde há a supressão da
individualidade na mecanização de desempenhos socialmente "necessários". Os direitos
e liberdades que buscamos, muitas vezes, funcionam como um "livre" empreendimento
da sociedade e são usados para promover e proteger os interesses dos dominantes e
capitalistas e não os interesses dos oprimidos como muitas vezes acreditamos.
No mais, há que se esclarecer que liberdade não é fazer tudo que se tem vontade,
Emancipar-se é acima de tudo, adquirir a capacidade de pensar criticamente e agir de
maneira ética em todos as dimensões humanas, sociais e sexuais. Reed (1980, p. 87),
afirma que, “[...] os problemas que se nos apresentam devem ser situados no contexto
da luta de classes.”
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que é também espaço de humanização, pois, consideramos como Saviani (2005, p. 7),
que:
Não podemos deixar de ressaltar que a escola, assim como a religião e, hoje em
dia, a mídia, foram e ainda são, os principais mecanismos ideológicos e culturais de
dominação. Sendo assim, consideramos que um marco inicial para superação da
opressão da mulher na sociedade se dá a partir da formação da consciência crítica e da
aquisição do conhecimento e consecutivamente, do discernimento necessário para
formar e transformar suas concepções de mundo e lutar para ampliar seus espaços de
atuação na sociedade.
Não somente, mas, a partir da aquisição de conhecimento, que homens e
mulheres passam a se olhar como seres humanamente e intelectualmente capazes de
contribuir igualmente para a transformação das relações sociais e, consequentemente, da
sociedade. Reiteramos que o conhecimento, a argumentação científica oferece
instrumentos para que possamos exigir igualdade de direitos e deveres.
Como afirma Kollontai (1982, p. 51): “se se quer lutar para libertar a mulher do
jugo familiar, é preciso dirigir as armas não contra as próprias formas de relação
conjugais, mas contra as causas que as engendraram.” E essas causas, como já apontava
Engels (2009, p.94), estão nas bases econômicas dos modos de produção da sociedade
assim dizia que, “a desigualdade legal de ambos, herdamos de condições sociais
anteriores, não é causa e sim efeito da opressão econômica da mulher.”
A emancipação da mulher é ainda hoje uma utopia lúcida, e esta real libertação
não se dá sem luta. É preciso necessariamente que as mulheres saiam da posição de
vítimas e ocupem seus espaços como sujeitos sociais, que devem participar igualmente
das decisões políticas e assumirem um compromisso consigo mesmas para a superação
da desigualdade social e sexual de gênero.
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Referências
KOLLONTAI, A. A nova mulher e a moral sexual. 3. ed. São Paulo: Global, 1979.
MURARO, R. M. A Mulher no Terceiro Milênio. 2. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos,
1992.
REDD, E. Sexo contra Sexo ou Classe contra Classe. São Paulo: Versus, 1980.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 13. ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2000.
______. Ensino Público e algumas falas sobre Universidade, 4. ed. São Paulo: Cortez, 1987.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
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ESCOLA E EMANCIPAÇÃO:
A INCUMBÊNCIA DO CONHECIMENTO PARA A VIDA
Introdução
Como nos conta Saviani, o homem racional – diferente de outros seres vivos –
por intermédio de sua história, evidencia-se como único, legítimo e consciente
construtor de sua própria existência – considerando para isto a determinação de
influências e experiências em sua vida –, modificando seus espaços, sistemas, caminhos
e tudo que habita a seu redor. Não é difícil afirmarmos que, por esta constatação, somos
responsáveis majoritários pela produção de nossas próprias formas de vivência, a
1
Licenciado em Educação Física; Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Acadêmico do Curso
de Pedaogogia Faculdade Dom Bosco- Cornélio Procópio, Paraná, Brasil; Membro Bolsista do Grupo de
Estudos e P esquisas em Educação e Sexualidade ( GEPES PET MEC FDB); Agência Financiadora:
FNDE – PET- MEC. E-mail: andre_prof_ef@hotmail.com
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Cláudia Ramos de Souza Bonfim, Doutora em Educação na área de História Filosofia e Educação
(Unicamp), Docente e Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Sexualidade da
Faculdade Dom Bosco (FDB) financiado pelo Programa de Educação Tutorial (PET) do Ministério da
Educação (MEC) e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Cornélio Procópio,
Paraná, Brasil; Pesquisadora Colaboradora do Grupo Paideia, Faculdade de Educação-Unicamp;. E-mail:
claudiasbonfim@gmail.com
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Assim sendo, uma pessoa sem acesso à educação – neste caso, formal – e seus
elementos, situa-se à margem das exigências sócio históricas, tornando-se frágil e
passível à exploração por sua ingenuidade e acriticidade. Este fenômeno da
marginalização, especialmente em um modelo capitalista de Estado, acentua-se, já que a
suposta qualificação e democratização do ensino apontam-se como inimigas da
manutenção deste status quo, pelo risco da potencialização dos questionamentos das
classes populares, motivada pelo “conhecer” de sua historicização.
Partindo dessa premissa, definimos a seguinte questão norteadora: qual a relação
entre a apropriação e uso do saber, e nossa emancipação? Acreditamos que as
resoluções para esta problematização, por mais obvias, sejam determinantes para
trabalharmos em uma perspectiva de desenvolvimento escolar, voltada à especificidade
da escolarização, e isto, por necessidade, já emerge como coerente justificativa para a
elaboração deste trabalho.
Objetivamos tratar de especificidades do fenômeno educativo, à luz de questões
contemporâneas como a massiva inserção estudantil, a maximização de cursos de
formação docente, articulação entre ensino, pesquisa e extensão, além de buscar
esclarecer sobre a necessidade do saber como elemento essencial a uma vivência crítica
e emancipada.
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trabalho manual. Cabe, isto sim, dizer que ela qualifica o trabalho
intelectual e desqualifica o trabalho manual, sujeitando o proletariado
à ideologia burguesa sob um disfarce pequeno-burguês. Assim, pode-
se concluir que a escola é ao mesmo tempo um fator de
marginalização relativamente à cultura burguesa assim como em
relação à própria cultura proletária.
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Isso implica dizer que o distanciamento entre ensino, pesquisa e extensão pode
ser preponderante à não qualificação de práticas em sala de aula, ou em outra instância
escolar, já que este âmbito depende, dentre outros saberes, daquilo que se produz em
bancos universitários, que, porém, não podem se aproximar da realidade do processo
educativo, se não interagirem com os saberes experienciais.
Afirmamos ainda a inevitabildiade e necessidade de aproximação dos
profissionais da educação de todos os segmentos à pesquisa, já que sem esta articulação
qualquer fator externo – como as pesquisas sobre o cotidiano escolar – será sempre
identificado como invasivo ou mesmo incorente do ponto de vista da particularidade de
cada educador, devendo isto ao fato da produção não estar relaciana ao seu próprio
cotidiano escolar.
813
814
A escola, como âmbito formal, mas, antes disso, social, é dotada de profissionais
da educação que buscam o pleno desenvolvimento dos sujeitos da educação – o alunado
– e desta forma, buscam desenvolver em seu ofício as qualidades necessárias para
atender estes educandos da melhor maneira.
Obviamente, não podemos negar que a sala de aula é o ponto ápice da formação
discente e este caminho da libertação tem no professor o referencial primário, que
poderá contribuir solidamente para a apropriação de conhecimento por estes alunos, por
intermédio de sua prática social, em síntese, simbolizando a principal possibilidade de
“apropriação dos instrumentos” necessários para o acesso ao “saber elaborado”. Diz
Saviani (2012, p. 80):
815
sua condição histórica, isto é, deve-se priorizar o efetivo trabalho pedagógico para esta
meta, e evitar o ideologismo que, por si só, não pode propiciar o entendimento da
realidade material aos educandos, tornando-se apenas discursivismo. É somente com o
domínio – condição de utilização – dos conteúdos clássicos, de todas as ciências, e
reflexão sobre estas que a libertação ocorrerá, não como em uma “escola redentora”,
mas uma escola responsável e comprometida com os anseios da comunidade.
816
Considerações Finais
Por intermédio destes estudos, não nos fica difícil afirmar que a prerrogativa da
obtenção de conhecimentos para a melhoria da vida, mesmo que repetitiva, não deixa de
ser uma verdade inquestionável. Contudo, este conhecer, para nós, não se associa à ideia
reducionista de mecanização ou mesmo memorização de saberes, mas às condições de
melhoria que este saber oferece a nossa existência.
Compreender nosso “papel” como social e culturalmente construído, em
decorrência de nossas experiências, torna-se essencial do ponto de vista crítico, já que
só a tomada de consciência deste “papel” pode nos oferecer a chance de discernirmos se
aquilo que expressamos e realizamos, condiz com um interesse coletivo,
verdadeiramente social, que demanda originalmente a negação do individualismo.
Este discernimento, em nossa forma de ver, só se obtém por intermédio dos
conteúdos clássicos, e seus instrumentos, como esclarece Saviani, e, para isto, a
817
Referências
______. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a
educação política. 39. ed. Campinas: Autores Associados, 2007.
______. Escola e democracia. 42. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Esse trabalho objetiva abordar alguns enfoques que têm sido difundidos ao longo do
processo histórico no campo educacional de modo que possamos sinalizar tendências, de forma
sintetizada, e algumas visões, retratadas por alguns autores em nossa contemporaneidade que
versam sobre a temática do Sistema Nacional de Educação (SNE). Com base em autores
orientados por uma concepção marxiana, optamos pelo materialismo histórico-dialético o qual
compreende a história com base no desenvolvimento material. Consideramos assim, a partir do
movimento do real que se faz necessário levantar proposições que sinalizem possibilidades de
consolidar uma proposta de SNE que se efetive, retirando essa questão de séculos perdidos
numa história idealizada.
Introdução
1
Rosinery Pimentel do Nascimento, Mestrado em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo,
Brasil, rose@rosenerypim.com
2
Tatiana Gomes dos Santos Peterle, Mestranda em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo,
Brasil, tgs.peterle@hotmail.com
819
que o desafio tem perdurado em pleno Século XXI, sem uma definição mais precisa
para a construção.
Desde o final do Império já se idealizava uma organização nacional para o
ensino, mas somente na república (1889), que a educação brasileira apontou um
horizonte de esperanças para a organização de uma Educação Nacional. No âmbito dos
estados, podemos situar o estado de São Paulo que definiu ações na direção de um
sistema orgânico nacional por via da reforma de instrução pública paulista na tentativa
de abranger os ensinos primários, normal, secundário e superior, mesmo não se
consolidando tornou-se referência para outros Estados.
Na década seguinte temos um período marcado pela cultura do “novo3”,
expressada por um movimento de reformas. Destaca-se nesse período a tentativa de
institucionalização da política educacional por meio da criação do Ministério da
Educação e Cultura (MEC), que propõe uma articulação da educação com a política;
outro ponto relevante foi o manifesto dos Pioneiros que de acordo com SAVIANI
(2006) foi um importante legado, expresso como documento doutrinário e de política
educacional, constituindo-se num marco, influenciando o texto da Constituição de 1934,
visto que “estabeleceu como competência da União- fixar o Plano Nacional de
Educação, compreensivo de todos os graus e ramos, comuns especializados; e coordenar
e fiscalizar a sua execução, em todo território do país”. (BRASIL, 1934, p.35).
Esta posição evidencia a tentativa de uma organização nacional, prevendo o
estabelecimento de diretrizes que abrangesse o território brasileiro. Nesse sentido de
1930 a 1971, as reformas tiveram um cunho nacional influenciando diversos setores da
sociedade. O Brasil não tinha um sistema de educação definido, compreendendo que:
3
Confere ao termo cultura do novo o contexto marcado pelas reformas na revolução de 30, o movimento
escola nova, o estado novo, retratados no artigo “O novo, o velho, o perigoso: relendo a cultura brasileira
- contido na obra: - “A escola e a república e outros ensaios” de Carvalho (2003).
820
4
Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 19, n. 50,abr./jun.1953.Reimpressão
realizada pela revista Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 310-326, maio/ago. 1999.o artigo preserva as
características da publicação original.
821
822
Desse modo, no Brasil o contraste estabelecido com relação a grande parte dos
países, principalmente os europeus, que conseguiram consolidar os seus sistemas
educacionais e difundir a escola pública, trouxe para o Brasil consequências,
compreendendo que:
823
824
A compreensão dos termos nos permite ampliar nossa visão quanto às relações,
complementaridades dos termos, bem como a distinção de sentidos e significados no
campo educacional, nos permitindo relacionar os usos e desusos dos termos nas
variáveis que se apresenta, pois quando toma-se a expressão estrutura do sistema
educacional fica reduzida a noção de sistema que não inclui um caráter sistematizado da
educação, compreendendo que a estrutura: “Comporta-se como um sistema que o
homem não fez (ou fez sem o saber). Além disso, o sistema aparecerá ao outros (que
não o fizeram) como caráter de estruturas que serão por eles modificadas”. (SAVIANI,
2008. p. 91).
Fazendo essa distinção não há que descartar a relação da estrutura na
constituição de um sistema, considerando que nelas estão a possibilidade de
intervenção, atuando de modo sistematizado, direcionado à reflexão que integre as
necessidades educacionais numa análise local e total. Assim a construção de um sistema
inclui uma articulação com o contexto social, histórico e político, resultado da ação
sistematizada pelo homem. Nesse sentido de acordo com Saviani (2008), “para se ter
um sistema educacional - deverá preencher três requisitos apontados a saber:
intencionalidade (sujeito-objeto), conjunto (unidade-variedade), coerência (interna-
externa)” (p.86).
Nessa proposição, o sistema assume um caráter dialético, considerando que é
preciso “atuar de modo sistematizado no sistema educacional para que ele continue
sendo “sistema”; do contrário, ele irá se degenerar em “estrutura”. A formalização da
prática conduz a esse risco que, na época atual, está caracterizada no burocratismo”.
Nessa direção o sistema requer uma intencionalidade, uma atividade coletiva, que não
se resume apenas a um conjunto de unidades escolares ou redes de ensino. (SAVIANI,
2008, p.91).
Na composição desse debate, Abicalil (2010), subsidiado pelas posições de Cury
(2010) e Saviani (2008), reforça as permanências que estão presentes e que constituem
os obstáculos para a organização do SNE e aponta para a necessidade de instrumentos
de avaliação para os problemas da política pública, a exemplo do Plano Nacional de
Educação (PNE) e do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Chamando a
atenção para o conceito de educação que validamos, resgata, em suas análises, a
relevância da Conferência Nacional de Educação (Conae) como ação política
importante para a promoção de iniciativas educacionais, afirmando que, “[...] Se, por
um lado, o pressuposto inicial deste tema é a ausência, por outro, é a experiência
825
5
“Talcott Parsons (1902-1979), Lecionou na Universidade de Harvard, foi considerado um importante
sociólogo americano defensor da concepção funcionalista, seu projeto foi elaborar uma teoria geral das
ciências sociais, concebia a sociedade como um sistema orgânico, caracterizado pelas funções que cada
subsistema desempenha para o equilíbrio social, fazendo que sejam reciprocamente independente para sua
harmonia e funcionamento”. (CORDOVA, 2007, p. 257-276).
826
827
828
3 Percursos provisórios...
Temos uma grande batalha pela frente: mudar a cultura política vigente
por meio da pressão das bases da sociedade e por um forte e
organizado movimento dos educadores que se revele capaz de se
sobrepor à sem-cerimônia dos empresários que, tendo como linha
auxiliar suas organizações ditas não governamentais, vêm procurando
hegemonizar o campo educacional. (SAVIANI, 2014, p.97).
829
830
831
832
Referências
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Janeiro: Paz e Terra, 1987.
CARVALHO, Marta Maria Chagas. A escola e a república e outros ensaios EDUSF, 2003.
833
CORDOVA, Maria Julieta Weber. Talcott Parsons e o esquema conceitual da ação. Revista
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CURY, Carlos Roberto Jamil. Sistema Nacional de Educação: desafio para uma educação
igualitária e federativa. Educ. Soc. Campinas, vol. 29, n. 105, p. 1187-1209, set./dez. 2008
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> acesso em 03/08/15.
SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do século XX no Brasil- 2º. ed. Campinas São
Paulo, 2006.
______. Educação Brasileira: estrutura e sistema 10ºed. Campinas São Paulo, 2008.
______. O legado Educacional do Seculo XIX. 2º. ed. Campinas São Paulo, 2006.2º. ed.
Campinas São Paulo, 2006.
SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam: o debate sobre a educação do
povo no Brasil de 1870 a 1917- Maringá: EDUEM, 1998.
VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. São Paulo Ed. Ática, 2007.
TELLES, Vera da Silva. Direitos sociais afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed.
UFMG,1999.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O presente trabalho faz uma análise das políticas públicas de trabalho no estado do
Espírito Santo no período de 2012-2013, tendo como objeto de estudo a demanda e a oferta de
qualificação dos programas de qualificação social e profissional implementados na forma de
oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), no eixo de infraestrutura, com base
nos indicadores de emprego e de oferta de tais cursos para identificar e debater a eficácia dos
programas. Numa perspsectiva histórico-crítica, este estudo problematiza os limites dos
resultados preconizados pelo discurso da empregabilidade e da teoria do capital humano (TCH)
segundo os quais bastaria aos indivíduos se qualificarem para terem acesso ao emprego. Pata
tanto, considerou-se o papel parcial da escolarização neste processo que combinada com a
experiencia profissional e formação profissional mediam a relação entre formação e inserção
profissional.
Introdução
1
Renan dos Santos Sperandio, Graduado em Pedagogia, Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito
Santo, Brasil. E-mail: renansperandio@hotmail.com
2
Marcelo Lima, Doutor em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo, Brasil. E-
mail: Marcelo.lima@ufes.br
835
836
837
838
obra para as demandas do mercado e deste modo promover uma gradativa ascensão
social e uma divisão de renda mais justa e igualitária. Vale dizer que tal perspectiva, que
apresenta a qualificação como um tipo de “capital”, denominando-se como “Teoria do
Capital Humana”, expressou a ação da classe empresarial para construir a hegemonia da
ideia de que a via da qualificação é suficiente para ascender socialmente.
Tal abordagem de análise econômica veio como resposta ao crescente e
vergonhoso índice de desigualdade que se acentuava, pondo em risco a própria
sustentação do sistema capitalista. No Brasil, a chaga da desigualdade manchava a
imagem que se tinha do “milagre econômico” que o país havia vivenciado. O
coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, na qual zero corresponde a um alto índice
de distribuição de renda, e um significa que poucos possuem toda a riqueza produzida
pelo país, esta taxa estava atingindo, na década de 80, a faixa de 0,56 pontos. O poder
público passa então a ser culpabilizado por não “se esforçar” em realizar uma maior
distribuição de renda. De modo que se intensificam os discursos de que seria necessário
o investimento no “capital humano” para fazer o país/indivíduo ter condições de
aumentar/potencializar sua força produtiva e diminuir a desigualdade e resolver o
problema do desemprego. Deste modo:
839
Num primeiro recorte toma-se como referência a fonte 01, o site da secretaria de
ciência, tecnologia, trabalho e inovação do estado do Espírito Santo, nos quais as vagas de
emprego são ofertadas para indicar as ocupações mais demandadas no estado do Espírito
Santo. Com base na 1ª fonte, analisa-se informações disponíveis no site
www.sectit.es.gov.br que informa semanalmente as vagas de emprego mais demandas no
ano de 2012 dividido por semestre, classificando as ocupações mais demandadas em cada
semestre no estado do Espírito Santo por eixo tecnológico dentro da categoria de “ocupação
sem qualificação”, “ocupação com qualificação relativa” e “ocupação com qualificação
determinada”.
§ 1º Semestre de 2012
No primeiro semestre de 2012 as ocupações mais demandadas pelos empregadores,
em freqüência de 0 a 100 (em ordem decrescente), informadas pelo sine estadual vinculado à
sectit, para as ocupações sem qualificação foram: (84,58) Empregado Doméstico, (84,57)
Vendedor, (79,15) Gari, (52,77) Ajudante de carga e descarga, (45,28) Ajudante de obra,
(33,32) Vendedor de serviços, (28,96) Auxiliar de serviços gerais, (25,52) Vendedor interno,
(25,51) Auxiliar de laboratório, (21,82) Auxiliar de linha de produção, (16,32) Servente de
obras, (16,31) Atendente de telemarketing, (16,30) Auxiliar de escritório, (16,29) Servente
de limpeza, (14,63) Auxiliar de crédito, (10,93) Ajudante de eletricista e (7,8) Ajudante
florestal (ver anexo).
Para as ocupações com qualificação relativa, em freqüência de 0 a 100 (em ordem
decrescente), foram: (80,84) Pedreiro, (79,15) Oficial de serviços gerais, (71,35)
Carpinteiro, (60,42) Operador de martelo pneumático, (59,95) Montador de móveis, (53,12)
Caldeireiro, (47,78) Mecânico, (35,05) Costureira, (34,9) Cozinheiro, (29) Marteleiro,
(27,76) Encanador, (27,75) Eletricista, (18,07) Encarregado de concreto, (18,06) Eletricista
de manutenção, (18,05) Meio Oficial, (18,04) Encarregado de pedreiro, (18,05) Operador de
máquinas, (16,32) Cobrador de ônibus, (16,31) Corretor de imóveis, (16,30) Encanador
Industrial, (14,63) Assistente administrativo, (10,89) Consultor de vendas e (8,29)
Cabeleireiro (ver anexo).
Para as ocupações com qualificação determinada, em freqüência de 0 a 100 (em
ordem decrescente), foram: (14,63) Motorista de caminhão, (14,60) Motorista de ônibus
urbano, (10,93) Tratorista agrícola e (10,89) Motorista (ver anexo).
840
841
842
Nesse item compararemos cada profissão colocada em análise, de modo que seja
possível perceber os distanciamentos e proximidades que existem entre as fontes
levantadas, buscando articular os dados obtidos, e identificar se a teoria do capital
humano e o discurso da empregabilidade tem logrado êxito na resolução do problema
do desemprego em nosso estado. Bem como será possível identificar se os cursos
ofertados pelas instituições estão em consonância com: a) exigência do empregador; b)
demanda de vagas no mercado.
A partir da pesquisa, foi possível perceber que as ocupações que mais
demandam vagas são as que mais demitem, ocasionando uma alta rotatividade no setor.
Por exemplo, quando observado os dados obtidos no site do CAGED é possível notar
que a ocupação de pedreiro admitiu, no segundo semestre de 2012, cerca de 5.326
trabalhadores, mas no mesmo semestre foi responsável pelo desligamento de mais de
6.000 funcionários. Com isso, mais de 674 trabalhadores que estavam no exercício da
função perderam seus empregos. Neste mesmo ano, só o SENAI ofertou cursos de 220
vagas para “qualificar” mão de obra para atuar no ramo da alvenaria.
Ora, a partir do exposto acima percebe-se que esses trabalhadores, ou serão
reabsorvidos pelo mercado, ou serão contemplados por políticas públicas passivas; tal
como o seguro desemprego. Afinal, um operário do ramo da alvenaria com experiência
de atuação não fará um curso para “aprender” o que ele já faz. Inclusive, pelo fato de
nas exigências do empregador não se exigir como pré-requisito de contratação um curso
de qualificação, e quando exige, também é contratado um trabalhador que, na ausência
do curso, apresenta certo nível de experiência de atuação no ramo, este trabalhador
843
conseguiria a vaga sem precisar fazer um curso para o “qualificar”. Portanto, diante
desse recorte feito apenas com a profissão de pedreiro, se percebe que, a oferta desse
curso vem, de certo modo, piorar o que já está ruim, pois ao invés de “capacitar” o
trabalhador para atuar em um ramo com pouca mão de obra, forma um exército de
reserva “qualificado” para se inserir nesse alto índice de rotatividade que apresenta a
referida profissão.
Ademais, foi possível perceber, a partir das publicizações do site da SECTTI,
que as ocupações que mais demandavam mão-de-obra, eram as que apresentavam um
maior número de cursos. Por exemplo, tomando como referência a ocupação de
Pedreiro, que teve um peso nas publicações do SECTTI de 79,15% no primeiro
semestre de 2012, vemos que no mesmo ano tivemos a oferta de 220 vagas no SENAI.
Além disso, observa-se no Edital Nº29/2012 da Sedu (Secretaria Estadual de Educação
do Estado do Espírito Santo), que todos os cursos ofertados tem uma correlação direta
com as profissões que se enquadram na classificação de “qualificação relativa” e que
são publicizadas no site da SECTTI. Ou seja, as profissões que mais contratam são as
que mais ofertam cursos, mesmo que estes cursos não tenham um fator seletivo na hora
da contratação. Partindo dessas compreensões, foi possível identificar, a partir dos
resultados à cima citados, que quanto maior a demanda por mão de obra, dentro de um
espaço-tempo, maior será a oferta de curso e maior será a exigência do empregador.
Outrossim, observando a ocupação de mestre de obras, que por ser uma
profissão na qual não se necessita de um quantitativo elevado de trabalhadores, não foi
possível verificar cursos voltados para qualificação destes profissionais. Portanto, a
partir de um levantamento realizado no eixo de infraestrutura, confrontando a abertura
de vagas no mercado de trabalho com os cursos e a demanda por pessoal, percebemos
que nas ocupações que mais apresentavam trabalhadores desempregados, mais cursos
eram ofertados. Com isso, o empregador tem à sua disposição trabalhadores “mais
qualificados” para contratar.
Os cursos ofertados vão de encontro as ocupações que mais possuem mão de
obra, que mais demitem, que possuem um alto índice de rotatividade, que exigem pouca
escolaridade, e são cursos de curta duração. Além disso, os cursos ofertados ajudam a
formar mais trabalhadores “desempregados”, pois tais cursos, não surgem numa lógica
de capacitar o profissional da área, mas de formar novos profissionais. Por exemplo, um
pintor de obras que trabalha no ramo há dez anos, provavelmente não fará um curso de
pintor de obras para aprender a fazer o que ele já faz. Portanto, quem fizer tal curso virá
844
845
846
Conclusão
847
O mito da qualificação cria uma situação que põe o trabalhador como grande
culpado pelo seu desemprego, que individualiza a responsabilidade pela não inserção no
trabalho, turvando assim a compreensão das determinações econômicas mais gerais que
produzem e reproduzem estruturalmente as desigualdades. Mesmo que o trabalhador se
qualifique, ainda assim não está livre da culpa, pois tais perspectivas o culpabilizam
pela sua não empregabilidade. A TCH força cada vez mais o trabalhador a “acreditar”
que quanto mais “capacitado” ele for, mais chance ele tem de se inserir no mercado.
É óbvio que é de interesse do capitalista contratar profissionais melhores
formados a um custo baixo, porém, o problema da falta de emprego não é uma questão
de fazer cursos, “reciclagens”, “qualificações”, etc., pois nenhum curso de qualificação
social e profissional tem condições de criar vagas no mercado, a não ser para
determinados setores que veem na mercantilização da educação e da privatização do
ensino como um meio de angariar mais capital. Conforme FRIGOTTO (2006), a
educação é determinada pelas relações de produção e não seu determinante. O tipo de
educação ofertada é consequências das escolhas em torno do modelo desenvolvimento e
não causa do mesmo. Portanto, não é porque se têm mais cursos que haverá mais
empregos. Simplesmente pelo fato de que se não existir demanda no mercado que
absorva estes trabalhadores eles não terão como trabalhar mesmo sendo “qualificados”
para tal. Portanto, o que vemos são inúmeros trabalhadores que fazem vários cursos, na
esperança de ampliarem sua empregabilidade e percebem que, o que de fato se
tornaram, foi numa camada de desempregados qualificados.
A grande questão é que a TCH e o discurso da empregabilidade, e agora do
empreendedorismo, vem ganhado força por ter um “poder” de contenção de massas
indiscutível. A tática de culpabilizar o trabalhador e por nele a responsabilidade para seu
sucesso ou fracasso profissional, evita o despertar de uma consciência coletiva que
perceba o sistema capitalista como o maior problema para a falta de emprego.
Referências
848
______. Guia Pronatec de cursos FIC. Brasília: MEC, 2012. Disponível em:
pronatec.mec.gov.br/fic/ Acessado em outubro de 2012.
LIMA, Marcelo. Ensino Médio: Qual a importância da Escola? Vitória: SINDIUPES, 2000.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa
Sundermann, 2003.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 4ª Ed. Autores Associados. SP: 1981 (Coleção
Polemicas de Nosso Tempo)
849
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: O presente artigo tem o objetivo de analisar a reflexão teórica, elaborada por
Demerval Saviani (1989, 2012a, 2012b), a respeito das teses filosófico-históricas da pedagogia
da essência e da pedagogia da existência, sendo esta de caráter reacionário e, aquela, de caráter
revolucionário. Para tal, o artigo apresenta uma breve reflexão sobre os elementos sócio-
históricos da ascensão da burguesia, enquanto classe revolucionária, em seu processo de
transformação em classe consolidada no poder, bem como sobre o gradual deslocamento da
pedagogia da essência para a pedagogia da existência. A partir dos fundamentos da tese
filosófico-histórica de Saviani, bem como na perspectiva interpretativa e metodológica
materialista-histórica, este texto busca compreender como o conceito de marginalidade que, na
atualidade é pensado pela via da educação compensatória, se apresenta.
Introdução
Com esse artigo, temos a intenção de apresentar uma análise sobre o referencial
teórico da tese filosófico-histórica, elaborada por Demerval Saviani (1989, 2012a,
2012b), a respeito do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter
reacionário da pedagogia da existência, buscando compreender como o conceito de
marginalidade é apresentado e discutido, na atualidade, considerando que este conceito
é pensado, atualmente, pela via da educação compensatória.
Trata-se de uma reflexão de extrema importância, dado o momento social e
político que a sociedade brasileira vem vivenciando nos últimos tempos. Considerando
o contexto a que esta reflexão se debruça - a da educação -, o estudo busca transcender,
isto é, aprofundar o espaço da generalidade abstrata das discussões educacionais,
considerando a reprodução social da classe trabalhadora como elemento de mediação
histórica para se compreender a totalidade dos fenômenos. Nesse sentido, a temática ora
1
Formado em Pedagogia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, mestre e doutorando em
educação pela Universidade Federal Fluminense. Vinculado ao Núcleo de Estudos, Documentação e
Dados sobre Trabalho e Educação - NEDDATE (UFF). rafaelbilio@ig.com.br
851
852
pensado, utiliza-se, como suporte de sua reflexão, as mediações que dão significação ao
método da economia política na superação da imediaticidade alienante. Segundo ele,
para apreendermos as mediações da totalidade social (e os fenômenos que a
constituem), precisamos romper com a visão imediatista e utilitarista. Para isso, o
materialismo histórico nos auxilia na superação da antinomia entre cotidianidade e o
processo histórico. Em outros termos, trata-se de um estudo onde se pretende captar
mediações para além da aparência do fenômeno (KOSIK, 2002), o que exige a
compreensão das particularidades e da realidade social, onde se constrói a educação dos
trabalhadores.
853
concepção essencialista relaciona a essência humana com a criação divina, para quem a
questão do destino predefinido acompanha uma essência determinada. Nesse cenário,
enquanto classe em ascensão, a burguesia direcionava e tencionava para a
transformação da concepção essencialista, tendo como argumento a defesa da igualdade
essencial entre os homens. E a liberdade, como categoria política burguesa, emerge
sobre a base de igualdade dos homens, demandando, assim, uma reforma da sociedade.
Na época, esse debate é fomentado por Jean Jacques Rousseau (2008 e 2011),
nas obras Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade (1755) e O
Contrato Social (1762), por meios das quais, Rousseau propõe a modificação da
característica da sociedade com base no direito natural para uma sociedade contratual.
Ou seja, a liberdade funda-se na igualdade natural entre os homens podendo dispor de
um livre arbítrio no uso dessa liberdade. A esse respeito, Saviani (2012b) reflete que o
desenvolvimento de uma sociedade contratual, mediada pelos acontecimentos e
repercussões do contexto sócio-histórico que antecedem a revolução burguesa, foi
potencializado pela ascensão da classe burguesa, de modo que a ênfase passa a basear-
se em uma igualdade formal (“todos são iguais perante a lei”).
Esse foi um dos caminhos que, após a Revolução Francesa de 1789, deu-se a
passagem da ascensão da classe revolucionária burguesa para uma classe consolidada
no poder, tornando-se dominante. Essa nova consolidação da classe burguesa em classe
dominante acabou acionando modificações na estrutura da pedagogia da essência, as
quais serviram de modelo para a estruturação do sistema nacional de ensino2 da época,
bem como para a proposta de escolarização para todos, fortemente influenciada do
iluminismo. A escolarização era vislumbrada como elemento indissociável da
participação política3, além de servir como instrumento para alimentar a razão e o
espírito. Nesse contexto, a formação comum era compreendida como a construção da
igualdade dos cidadãos, em relação à cultura e ao seu acesso, baseando-se na ideia de
um patrimônio reconhecidamente comum. Por essa ótica, construir a razão significava
construir os alicerces da autonomia política e da participação ativa do indivíduo na
construção da vida coletiva. Portanto, o ser cidadão era concebido como indissociável
do ser autônomo, possibilitado através da conquista da razão (Kant, 2002). Assim, o
2
Quando é mencionada a construção do sistema nacional de ensino, referimo-nos à construção do modelo
público de educação francês, que influenciou, em grande medida, as construções dos sistemas nacionais
de ensino pelo mundo, adquirindo certas especificidades sócio-históricas em cada região.
3
A democratização plena do saber pela especificidade da educação escolar é uma construção social do
capitalismo, “mas não se pode efetivar inteiramente nele”. (SAVIANI, 2012a,p.45).
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Saviani (2012b) ressalta que o método Herbatiano é influência do método cientifico indutivo, a partir da
construção do movimento filosófico do empirismo, que foi a base do desenvolvimento da ciência
moderna.
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da Escola Nova Popular é fortemente desestruturada pelo golpe militar de 1964, que
passa a atuar como mecanismo de recomposição da hegemonia burguesa, atribuindo
grande importância à pedagogia tecnicista, a qual propõe que a formação escolar se dê
por intermédio dos meios de comunicação de massa e das tecnologias de ensino.
Qualquer que seja a análise do caráter revolucionário da pedagogia da essência e
do caráter reacionário da pedagogia da existência, esta não pode deixar de considerar
que ambas apresentam uma ausência tanto da perspectiva historicizadora como dos
condicionantes dos processos sócio-históricos da educação. Além disso, ambas as
pedagogias compreendem a escola como mecanismo redentor da humanidade. Por um
lado, a pedagogia da existência partilha de um idealismo às avessas, uma vez que a
educação na condição de elemento determinante da estrutura social. (SAVIANI, 2012a,
2012b). Por outro, a pedagogia da essência não identifica a educação como
determinante principal das transformações sociais, mas, sim, como elemento secundário
e determinado, apesar de influenciar o elemento determinante da estrutura social. Esse é
um importante aspecto para desvelar a realidade, quando se analisa o caráter de correção
da marginalidade e equalização social da pedagogia da existência, sob o discurso
redentor educacional moderno. A marginalidade mantém-se como justificativa para
ofertas de inúmeros programas educacionais e em estreita correlação com essa
pedagogia. Nas últimas quatro décadas, tais programas serviram para fundamentar as
bases do projeto de reestruturação socioeconômica de cunho neoliberal, com a
“constituição de um novo contrato social” que, por sua vez, substitui aquele
característico do período fordista/keynesiano. (MONTAÑO,2003,p.144).
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Considerações finais
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trabalho intelectual e trabalho manual. O resultado dessa separação do teórico, que tem
por embasamento determinada apreensão do real que conduz a prática, é a reprodução
da visão conservadora do real.
Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Ed.
Paz e Terra, 1996.
MARTINS, J.S. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.
MARK, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989.
Seminário Dermeval Saviani e a Educação Brasileira
Construção coletiva da Pedagogia Histórico-Crítica
Universidade Federal do Espírito Santo
18 a 20 de outubro de 2016
Resumo: Este artigo apresenta a experiência do Programa Escola da Terra, enquanto ação do
Programa Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO), desenvolvida na Universidade
Federal da Bahia (UFBA) por meio da Linha de Estudo e Pesquisa em Educação Física e
Esporte e Lazer (LEPEL) e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo (GEPEC).
Trata da realização de um Curso de Aperfeiçoamento (200 horas) com complementação de 160
horas caracterizando Especialização, com carga horária de 360 horas, em Pedagogia Histórico-
Crítica para as Escolas do Campo à professores que atuam em classes multisseriadas do campo
no estado da Bahia A experiência demonstra necessidade da continuação deste trabalho, em
novas versões, aperfeiçoadas, a partir da crítica, ao que já foi realizado. Isto porque em sua
execução disputam-se recursos públicos, rumos na formação humana e, em última instância, o
projeto histórico para além do capital, o projeto histórico socialista.
Introdução
A análise das condições materiais a partir das quais está imbricada a educação da
classe trabalhadora em geral e, em especial, a educação dos trabalhadores do campo,
parte de três teses fundamentais: a) a educação é uma conquista histórica no processo de
humanização, condição indispensável à existência humana; b) no modo de produção
capitalista, a educação escolar é mecanismo de hegemonização da classe burguesa; c) a
educação escolar não revoluciona a sociedade sozinha, mas sem ela a revolução tardará
1
Celi Nelza Zulke Taffarel, Pós-doutorado em Ciências do Esporte, Universitat de Oldenburg, Baixa
Saxônia, Alemanha. E-mail: taffarel@ufba.br
2
Erica Cordeiro Cruz Sousa, Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal da Bahia, Bahia, Brasil. E-mail: sousa.e.c@hotmail.com
3
Sicleide Gonçalves Queiroz, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal da Bahia, Bahia, Brasil. E-mail: siqueiroz@yahoo.com.br
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semipresenciais, tendo quatro (4) momentos de planejamento com (8) horas com
formadores, pesquisadores e tutores. Em cada módulo buscou articular o conhecimento
teórico-prático a partir da problematização, da análise dos fundamentos, das
possibilidades epistemológicas, e das proposições sopradoras.
Os módulos foram desenvolvidos através de seminários interativos, de oficinas
de experiências e aprendizagens para a formação docente. Os módulos foram também
articulados em torno de quatro (4) sistemas de complexos: a) O modo de produção da
vida e o trabalho como princípio educativo; b) A ontologia do ser social, o
desenvolvimento humano, a teoria do conhecimento e as aprendizagens sob
responsabilidade da escola; c) A organização do trabalho pedagógico, o currículo,
projetos, programas segundo um programa de vida; d) As políticas públicas
educacionais que organizam a rede de ensino, as escolas e a sala de aula na perspectiva
da emancipação humana.
O curso teve períodos de concentração com atividades em sala de aula, aqui
denominado “momento de interação pedagógica – MIP” (Interação entre
Conhecimentos clássicos já produzidos e as experiências práticas dos envolvidos no
processo pedagógico sob a condução e participação ativa dos professores da rede
pública que participam do curso como monitores e tutores), e os momentos de Interação
no Trabalho (MIT), o qual refere-se ao período de intervenção prática. Interação com o
processo de trabalho, com as ações existentes em sua área de abrangência, auto
condução mediante roteiro e orientação do assessor pedagógico, no qual foram
realizadas as atividades de intervenção prática com supervisão em campo.
No início do Curso, além da apresentação da proposta pedagógica do curso, foi
trabalhada a concepção sobre modo de produção e do trabalho em geral ao trabalho
pedagógico como princípio educativo. No primeiro módulo foram tratados os
fundamentos sobre Modo de Produção, do trabalho em geral ao trabalho pedagógico. Os
professores trataram quatro eixos fundamentais: a Concepção de Educação do Campo;
Projeto Político Pedagógico da escola do campo, Organização do Trabalho Pedagógico
e Currículo para as Escolas do Campo e o Financiamento das escolas do campo.
O segundo módulo tratou do desenvolvimento do psiquismo e sua relação com a
Educação Escolar. As dimensões a serem desenvolvidas da personalidade das crianças.
A ontologia do ser social, a teoria do conhecimento e do processo ensino-aprendizagem
foram tratados, juntamente com a função social da escola, como meio de acesso aos
produtos culturais das diferentes áreas do conhecimento.
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Referências
STEDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: o debate tradicional – 1500/ 1960, 2.ed.
São Paulo: Expressão Popular, 2011.
TAFFAREL, Celi et al. Círculos de estudos, esporte, lazer e artes com a juventude em áreas
de reforma agrária. Revista Pedagógica. V. 15, n. 3, jul/dez. 2013.