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As Cortes como estrutura do sistema político medieval português

“Porque hé ordinhado per nós com nossa grande custa, donde possades
manter vossa guerra: pedem-vos os Povos por mercê, que pedido, nem sisa,
nem outro encarrego de pagar dinheiros, que lhe nom lançades daqui em
diante.” (Cortes de Coimbra de 1395, capítulo 6)i

Armindo de Sousa foi um historiador que trouxe uma nova abordagem às Cortes medievais,
através de uma análise cuidada dos discursos disponíveis que os três estados (clero, nobreza e povo,
ou Povos) fizeram nos seus capítulos gerais e especiais, bem como das respostas régias aos
mesmos. No texto em análise, extraído de uma palestra universitária, Sousa divide o seu discurso
em três pontos principais: (1) que as Cortes fizeram parte da estrutura do sistema político, (2) que
eram uma autoridade pública reconhecida por todos, contudo sem poderes, e (3) que representavam
a Nação, podendo assim serem encaradas como um Parlamento (Sousa, 1990).
Sousa considera as Cortes como uma “subestrutura da estrutura política global”, embora
inacabada, in fieri, “instituições-pessoas” que surgiram por incidente; não se lhes pode, portanto,
procurar uma essência ou natureza, pelo que rejeita uma visão biologista das suas origens, apogeu e
decadência. De facto, a identidade das Cortes não reside aí, diz-nos, nem nas pessoas que as
constituíram nem no estatuto jurídico que não tinham; faltava-lhes um regulamento escrito, um
regimento. Residia, sim, na teia de relações que as mesmas estabeleciam, visíveis através dos
testemunhos dos seus discursos. O autor, ao contrário de eruditos anteriores, como Marcelo
Caetano, não deu tanta importância à história jurídica que conduziu a uma abordagem legalista da
instituição, dedicando mais atenção às teorias da retórica e argumentação, na análise que fez aos
discursos das Cortes. Deles, em particular das propostas que eram apresentadas ao Rei, deduziu a
função legislativa que lhe permitiu caracterizar esta instituição como parte da estrutura política
(Duarte, 2003).
Em relação ao segundo ponto, Sousa define as Cortes Medievais como a “Instituição da
Autoridade”, ideia que diz emprestada da Antropologia Política. Nessa época, o poder, a autoridade
e a lei não tinham de coincidir. Ao passo que o poder é coercivo, a autoridade impõe-se pela
persuasão e carisma (Sousa, 1993). As Cortes tinham o “poder da autoridade” e não a “autoridade
do poder”. Os princípios que as norteavam eram o “serviço de Deus e o Bem Comum”; ali, todos
eram teoricamente iguais na busca da Justiça, não se receando recriminações por se dizer o
necessário na defesa dos seus direitos, razão pela qual as Cortes nunca exigiram um regimento, uma
vez que não precisavam dele (Sousa, 1989).
Finalmente, Sousa sustenta que as Cortes eram um Parlamento, por dois motivos: porque os
deputados tinham capacidade deliberativa e porque havia representatividade da Nação. Apesar dos

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deputados do povo irem geralmente às Cortes com uma orientação de voto pré-definida pelos seus
municípios, o autor entende que ainda assim tinham capacidade pessoal de decisão. Em relação à
representatividade, apesar da ideia corrente da sua inexistência porque os deputados do povo, os
burgueses, eram em si mesmo uma elite que não se identificava com o povo em geral, Sousa invoca
o critério de maior pars, sanior pars, em que os melhores representam o grupo; chama-lhe
representatividade corporativa. Deste modo, as Cortes teriam sido então um Parlamento, o
“areópago do Terceiro Estado”, os Povos.
As Cortes tiveram a sua origem nas cúrias régias extraordinárias e terão surgido, o mais
tardar, em 1254. Nesse ano, D. Afonso III convocou as Cortes de Leiria onde incluiu representantes
dos concelhos como seus membros efectivos, dando assim reconhecimento público ao Poder Local.
Com uma mecânica de funcionamento de tradição leoneso-castelhana, as Cortes portuguesas deram
porém mais capacidade deliberativa aos seus deputados e os seus municípios tiveram maior
representação (Sousa, 1993). Eram reuniões de carácter não periódico, de duração variável e sem
local fixo, convocadas pelo Rei ou regente, onde estavam representados os três estados da Nação. A
presença dos Povos era essencial para que a reunião fosse considerada como Cortes, motivo pelo
qual Armindo de Sousa as classificou de “areópago do povo”, até porque os restantes estados
tinham mais oportunidades para se reunirem com o Rei, ao contrário do povo. Eram convocadas
para a concessão de empréstimos ao Rei, realização de reformas gerais, votação de guerra e paz,
entre outras funções de carácter legislativo, técnico e político (Sousa, 1993). Quando o rei solicitava
mais taxas, aumentava a capacidade negocial do povo, que era geralmente o pagador. Daí que os
Povos desejassem as Cortes, onde apresentavam as suas petições. Mas a sua presença tinha custos
de participação muito elevados para os concelhos que representavam, nomeadamente o pagamento
das viagens, do alojamento, das cópias dos capítulos com as decisões que considerassem mais
importantes (Duarte, 2003).
Quando Sousa se dedicou ao estudo das cortes medievais, no início dos anos 80, veio a
constatar que, afinal, ainda não estava tudo dito sobre o tema, pelo contrário, e que havia inclusive
muitos erros e lacunas (Duarte, 2003). O seu grande contributo não foi tanto o reforço e
solidificação da documentação existente, mas o ter-nos trazido, por acréscimo, uma nova visão, não
jurídico-legal, de uma instituição que era sobretudo política. Não completou porém o seu trabalho –
o trabalho de um Historiador nunca se dá por terminado -, faltando-lhe aprofundar o estudo do
“Imaginário dos Povos”; contudo a obra que nos deixou abriu-nos, ainda assim, novas perspectivas
sobre o sistema político medieval português, num registo lacónico mas sempre alicianteii, porque a
História também se escreve de uma forma literata, como foi o caso com Armindo de Sousa.

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Bibliografia
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Recurso 5, Roteiro das Matérias http://www.moodle.univ-
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