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A DOUTRINA DA TRINDADE

Baseado em MCGRATH, Alister. Teologia:


os fundamentos. Tradução de Joshuah
Soares. São Paulo: Loyola, 2009, p. 141-162.
PROFESSOR
MARCOS PAULO
Janeiro/2021
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INTRODUÇÃO
• A doutrina da Trindade é, possivelmente, a doutrina
mais característica da fé cristã, tendo em vista não ter
ela nenhum paralelo nas demais religiões. Nenhuma
outra religião fala de um Deus Triúno;
• Alguns podem vê-la como uma espécie de meio-termo
entre o monoteísmo e o politeísmo, pois o Deus cristão
é Um e três ao mesmo tempo;
• Por essa razão, eis aí a doutrina sistemática de maior
complexidade do ponto de vista da construção lógica.
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O PROBLEMA
• O estudo das Escrituras em associação com o testemunho
cristão posterior sugere a ideia de que a forma correta de se
pensar a natureza Deus é triunitária. Ao menos é assim que
a maior parte dos teólogos cristãos, ao longo dos séculos,
pensaram;
• “Com isto não se afirma que as Escrituras contenham uma
doutrina explícita da Trindade, mas sim que dão
testemunho de um Deus que exige a própria compreensão
em um nível trinitário.” (MCGRATH, 2009, p. 142).
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O TESTEMUNHO EXPLÍCITO DAS ESCRITURAS


• Num primeiro momento existem apenas dois versos que
podem abertamente serem evocados para se falar da
Trindade: Mateus 28,19 e 2 Coríntios 13,13;
• “No entanto, esses dois versículos, tomados em conjunto ou
isoladamente, dificilmente podem ser interpretados como
constituindo a doutrina da Trindade.” (MCGRATH, 2009, p.
142);
• Ora, se explicitamente não existem muitos subsídios na
Escritura para sustentar a doutrina da Trindade, onde se deve
buscar suas bases? McGrath oferece uma interessante
resposta:
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O DESAFIO INTELECTUAL DA DOUTRINA DA


TRINDADE
• “Os principais fundamentos da doutrina da Trindade [...] devem
ser encontrados no modelo da atividade divina testemunhado no
Novo Testamento. O Pai é revelado em Cristo pelo Espírito. Existe
um nexo íntimo entre o Pai, o Filho e o Espírito nos escritos do
Novo Testamento. Repetidas vezes as passagens do Novo
Testamento ligam esses três elementos como partes de um todo
maior. A totalidade da presença salvífica e do poder de Deus
parece poder ser expressa envolvendo os três elementos, como se
pode ver, por exemplo, em: 1 Coríntios 12,4-6,- 2 Coríntios 1,21-
22,- Gálatas 4,6,- Efésios 2,20-22; 2 Tessalonicenses 2,13-14; Tito
3,4-6; 1 Pedro 1,2.” (MCGRATH, 2009, p. 142);
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O DESAFIO INTELECTUAL DA DOUTRINA DA


TRINDADE
• “A doutrina da Trindade entretece os fios da meada da
noção cristã de Deus, dando uma visão de Deus fiel à
experiência cristã daquele Deus, mesmo que surja daí
um desafio intelectual [...] Finalmente, a doutrina da
Trindade pode ser considerada admitindo-se que as
palavras humanas são simplesmente inadequadas para
expressar a glória e a maravilha de Deus.” (MCGRATH,
2009, p. 143).
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OS PILARES DA DOUTRINA DA TRINDADE


• A doutrina da Trindade repousa basicamente
sobre três aspectos principais que subsidiam a
reflexão e são, ao mesmo tempo, o arcabouço de
sua proposta:
▫ Deus, o Pai, é o Criador de todas as coisas;
▫ Jesus Cristo, o Filho, é o Redentor da humanidade e
de toda a criação;
▫ O Espírito Santo é o guia da igreja e o agente atual no
mundo.
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AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA
DOUTRINA DA TRINDADE
• Desde o momento em que os cristãos começaram a
falar de Jesus Cristo como sendo Deus e, depois, do
Espírito Santo também como sendo Deus, surgiu a
necessidade de explicar o relacionamento que Jesus e
o Espírito Santo mantinham com o Pai. Daí nasceu a
doutrina da Trindade cujo desenvolvimento pleno
não se deu até o fim do século IV.
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A VISÃO DE IRINEU DE LYON


• Para Irineu a doutrina da Trindade é a única capaz de
expressar a ação salvífica de Deus na história;
• No bojo da doutrina da Trindade está a “economia de Deus”
ou a forma como Deus organizou e executou seu projeto de
salvação da criação em especial da humanidade:
• Em outras palavras, para Irineu “Existia uma única
economia da salvação, em que o único Deus, que era criador
e redentor, operava a redenção da criação” (MCGRATH,
2009, p. 151)
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A VISÃO DE TERTULIANO
• Tertuliano em seus ensinamentos lançou as bases que
ainda hoje sustentam os argumentos em torno da
doutrina;
• Ele falou sobre substância e pessoa: a primeira unifica e
a segunda as distingue:
▫ Pai, Filho e Espírito Santo são um porque são da mesma
substância;
▫ Pai, Filho e Espírito Santo são distintos porque são pessoas e,
enquanto tais, são diferentes.
Baseado em MCGRATH,
A doutrina Alister. Teologia: os
fundamentos. Tradução
de Deus de Joshuah Soares. São
Paulo: Loyola, 2009, p.
50-70.

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QUESTÕES INTRODUTÓRIAS
• A realidade de Deus é algo pressuposto tanto no
Antigo como no Novo Testamento. A questão
inicial que toma parte da missão cristã é definir
de que Deus está a se aludir;
• Os israelitas referiam-se a Deus como “Senhor
Deus de Israel”. Era a forma de distinguir seu
Deus dos deuses locais e vizinhos;
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A DEFINIÇÃO DE DEUS NO AT E NT
• Os israelitas adoravam e conheciam a Deus como aquele que
os tirou da escravidão no Egito e lhe deu uma terra para ser
sua nação;
• Essa mesma ideia é replicada no NT, pois os cristãos criam no
mesmo Deus que as grandes figuras do AT: Abraão, Isaque,
Jacó e Moisés;
• Porém, para os cristãos, Deus já não mais se identifica como
“o Deus de Abraão, Isaque e Jacó” ou mesmo como “o Senhor
Deus de Israel”. Agora ele é apresentado como "Deus, Pai de
Nosso Senhor Jesus Cristo“ (2 Cor 1,3).
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A DEFINIÇÃO DE DEUS NO AT E NT
• “Notamos que o exórdio da epístola aos Hebreus declara
que o mesmo Deus que falou a Israel “muitas vezes e de
diversos modos” através dos profetas “nesses últimos
tempos manifestou-se a nós em seu Filho”, que deve ser
reconhecido como a "representação exata" de Deus (Hb
1,1-3). Este argumento é de suma importância, porque
demonstra como a concepção que os cristãos têm de Deus
está vinculada à pessoa de Cristo. Conhecer Cristo é
conhecer Deus” (MCGRATH, 2009, p. 52).
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MAS, AFINAL, QUAL A CONCEPÇÃO CRISTÃ


ACERCA DE DEUS?
•O Credo Apostólico, evocado especialmente
em cerimônias batismais, oferece uma
primitiva declaração: “Pai, Todo Poderoso,
Criador do céu e da terra”;
•Tem-se aí duas fortes declarações: Deus é Pai
Todo Poderoso e Deus é Criador do céu e da
terra.
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AS ANALOGIAS – DEUS COMO PASTOR


• Em várias ocasiões no AT Deus é apresentado como um pastor:
Salmos 23,1 e 80,1, Isaías 40,11, Ezequiel 34,12, etc. João retoma
essa analogia e a aplica a Jesus: “Eu sou o Pastor” (João 10,11);
• O que a imagem de Deus como Pastor, evoca? A imagem de alguém
que dedica integralmente seu tempo para cuidar do rebanho. É um
símbolo de comprometimento e cuidado. Via de regra, o pastor não
tinha vida social, pois seu tempo era quase todo doado ao rebanho;
• “Assim, falar de Deus como pastor é o mesmo que falar de um
comprometimento total de Deus com Israel e com a Igreja.”
(MCGRATH, 2009, p. 53).
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AS ANALOGIAS – DEUS COMO PASTOR


• No NT essa imagem de Deus como pastor é reforçada
através da parábola da ovelha perdida (Lc 15,3-7) e
levada ao extremo no Evangelho de João quando o
Bom Pastor – Jesus – passar a colocar a própria vida
em risco em amor ao rebanho (Jo10,11-16);
• Pensar em Deus como Pastor também sugere que ele
sabe onde estão os lugares seguros e com fartura de
alimentos e para lá ele guia as suas ovelhas.
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AS ANALOGIAS – DEUS COMO PASTOR


• “Comparar Deus com um pastor é mostrar a constante
presença de Deus em Israel e na Igreja: é afirmar o
desvelo de Deus para nos proteger dos perigos que a
vida nos traz e para nos conduzir a um lugar de fartura e
segurança.” (MCGRATH, 2009, p. 54).
• Deus “guarda seu rebanho como um pastor, toma os
cordeirinhos em seus braços e os conduz no colo, bem
junto do coração, e conduz com carinho as ovelhas que
têm crias” (Is 40,11).
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AS ANALOGIAS – DEUS COMO PASTOR


• Por fim, a imagem de Deus como pastor fala da nossa
dependência total de Deus. Somos incapazes de cuidar
de nós mesmos e estamos continuamente nos
desgarrando do rebanho. A condição humana de
pecado é comparada a uma ovelha que se desprende do
rebanho: "Como ovelhas, estávamos todos perdidos,
cada qual ia em frente por seu caminho" (Is 53,6; SI
119,176; 1 Pd 2,25).
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AS ANALOGIAS – DEUS COMO PASTOR


• Conclusão:
▫ O capítulo 15 de Lucas narra três histórias de desgarramento
que terminam com reencontro e júbilo:
▫ “o pastor encontra a ovelha extraviada em Lucas 15,3-8,- a
mulher acha a moeda perdida em Lucas 15,8-10,- o pai
reencontra o filho que tinha perdido em Lucas 15,11-32. Em
todas essas analogias observamos a mesma ênfase constante
da fé cristã: nós estamos desgarrados e Deus vem ao mundo
em Jesus Cristo para nos reencontrar e trazer de volta para
casa” (MCGRATH, 2009, p. 54).
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AS ANALOGIAS – DEUS COMO PASTOR


•Conclusão:
▫ Na condição de pastor Deus:
 1. Cuida do rebanho;
 2. Protege o rebanho contra os perigos;
 3. Guia o rebanho para comer e beber.
▫ Eis aí também as bases do ofício pastoral na igreja de
Cristo. O pastor que não protege, cuida e alimenta
seu rebanho-igreja, não é digno da cadeira onde se
assenta.
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O PORQUÊ DO USO DE ANALOGIAS


• Por que motivo devemos falar de Deus de forma indireta e
analógica? McGrath assim explica:
• “...precisamos formar uma ideia de Deus como que em uma
imagem de tamanho reduzido, apropriada à nossa capacidade
humana. Alguns autores cristãos da época inicial do
cristianismo costumavam comparar o conhecimento de Deus
com o modo de olhar diretamente para o Sol. O olho humano
simplesmente não tem capacidade para suportar o brilho
pleno da luz solar. Do mesmo modo, a mente humana não
pode ver a plena glória de Deus” (MCGRATH, 2009, p. 56).
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AS ANALOGIAS – DEUS COMO PAI


• A ideia cristã de Deus como Pai vem, primeiramente, da
oração do Pai Nosso e depois do fato de Jesus se referir
a Deus como Pai;
• Como Pai, Deus é aquele de quem nos originamos, é a
partir dele que passamos a existir;
• O cuidado também ajuda a entender a ideia de Deus
como Pai. Nessa condição ele nos ensina a andar,
alimenta, abriga, veste, protege e instrui, mesmo que,
depois de adultos, nós o abandonemos;
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UM DEUS PESSOAL – CARACTERÍSTICAS


• “A ideia básica expressa pela ideia de "um Deus pessoal" é
assim a ideia de um Deus com quem podemos existir em
relacionamento análogo ao que pode haver entre uma pessoa e
outra [...] É importante observar também que as relações
pessoais estabelecem uma estrutura dentro da qual temas
bíblicos essenciais com o "amor", "confiança" e
"fidelidade" têm um significado próprio [...] Além disso, o
grande tema bíblico de promessa e cumprimento baseia-
se, em última análise, em uma relação pessoal, em que Deus
promete certas coisas bem definidas (como a vida eterna e o
perdão) a certos indivíduos.” (MCGRATH, 2009, p. 62).
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UM DEUS PESSOAL - ALIANÇA


• “Um dos grandes temas que dominam o Antigo
Testamento, de modo bastante particular, é o da
aliança entre Deus e seu povo, pela qual todos se
obrigam mutuamente. "Serei o seu Deus, eles serão o
meu povo" (Jr 31,33). A ideia fundamental que jaz na
base dessa afirmação é o compromisso pessoal de
Deus com o povo de Deus, e do povo de Deus com seu
Deus.” (MCGRATH, 2009, p. 62-63).
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UM DEUS PESSOAL - RECONCILIAÇÃO


• Em 2 Coríntios 5,18-9, Paulo fala de Deus que nos
"reconcilia" com ele por meio de Jesus Cristo [...] O
que desperta real interesse é que nesta passagem
Paulo, para significar a restauração da relação entre
Deus e a humanidade, emprega a mesma palavra
grega que usou anteriormente, em 1 Coríntios 7,10-11,
para falar da restauração da relação entre o homem e
sua esposa numa eventual separação. (MCGRATH,
2009, p. 64).
CRISTOLOGIA – A doutrina
da pessoa de cristo
Baseado em MCGRATH, Alister. Teologia: os fundamentos.
Tradução de Joshuah Soares. São Paulo: Loyola, 2009, p. 95-116.

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A TAREFA DA CRISTOLOGIA
• “Uma das tarefas fundamentais da teologia cristã
consiste em esclarecer a identidade e o significado
de Jesus Cristo” (McGRATH, 2009, p. 95);
• Após o evento pascal os cristãos passaram a se
perguntar acerca da identidade de Jesus e bem
muito cedo passaram a vê-lo como um ser
incomum, acima dos demais seres humanos. À
medida em que as respostas iam sendo oferecidas, a
cristologia passava a tomar ainda mais forma;
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A TAREFA DA CRISTOLOGIA
•Nesse breve relato sobre a Pessoa de Jesus
Cristo, interessa-nos:
▫ Os títulos usados no NT para se referir a Jesus;
▫ O impacto do ministério terreno de Jesus sobre
a vida das pessoas;
▫ A ressureição como sinal da exaltação de Jesus à
condição de Filho de Deus.
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JESUS, O MESSIAS
• O título “Cristo” é a versão grega e “Messias” é a versão
hebraica e ambas significam “ungido”;
• A unção era praticada com óleo e a pessoa ungida vista
como destinada por Deus a desempenhar
determinadas funções com algum tipo de poder ou
favor divino;
• Num primeiro momento esse ungido era especialmente
o rei de Israel (1 Samuel 24,6), depois passou a
designar alguém que viria da linhagem de Davi para
libertar Israel de seus opressores.
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A EXPECTATIVA MESSIÂNICA
• Durante o Ministério terreno de Jesus, Roma ocupava a
Palestina e o sentimento e as expectativas messiânicas
estavam afloradas no povo;
• Em geral a expectativa era de que o Messias expulsasse os
invares e restabelecesse a linhagem real de Davi. Jesus não se
identificou com esse pensamento;
• De certa forma o que Jesus fez foi voltar contra seu próprio
povo. Depois de entrar em Jerusalém em termos messiânicos
(Mt 21,8-11), ele vai ao Templo e expulsa os cambistas de lá
(Mt 21,12-13);
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JESUS ACEITOU O TÍTULO DE MESSIAS?


• Não está claro nos evangelhos a postura de Jesus em relação ao título de
Messias a ele atribuído. Em Mateus parece que ele o aceita
naturalmente (Mateus 16,16). Já em Marcos, quando Pedro o aclama
Messias, dizendo: "Tu és o Cristo!", Jesus imediatamente manda que ele
se cale (Mc 8,29-30);
• Por que Marcos afirmaria que Jesus ocultou ou rejeitou sua identidade
messiânica quando a maior parte das pessoas o viam como Messias?
• “Talvez a resposta possa ser encontrada mais adiante no mesmo
evangelho de Marcos, na narrativa da única passagem em que Jesus
explicitamente reconhece sua identidade de Messias. Quando Jesus é
levado, como prisioneiro, à presença do sumo sacerdote, admite que é o
Messias (Mc 14,61-62)” (McGRATH, 2009, p. 97-98);
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JESUS ACEITOU O TÍTULO DE MESSIAS?


• “Mas ele calou-se, e nada respondeu. O sumo sacerdote lhe
tornou a perguntar, e disse-lhe: És tu o Cristo, Filho do Deus
Bendito? E Jesus disse-lhe: Eu o sou, e vereis o Filho do homem
assentado à direita do poder de Deus, e vindo sobre as nuvens do
céu.” (Marcos 14:61,62)
• Jesus escolheu o momento em que nenhum movimento político
ou violento poderia mais resultar da revelação de sua identidade
messiânica: “Ele era verdadeiramente o libertador do povo de
Deus, porém não no sentido político do termo” (McGRATH,
2009, p. 97-98);
• O uso indevido de sua messianidade pode ter levado Jesus a
ocultar sua verdadeira identidade.
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O ESCÂNDALO DE UM MESSIAS
CRUCIFICADO
• Os judeus esperavam um Messias forte e glorioso, não
um messias fraco que morreria como um criminoso.
Logo após Pedro o reconhecer como Messias, Jesus
alertou que ele deveria ser morto, mas os discípulos
nada entenderam (Mc 8,29-31). Um Messias débil era
um escândalo para os judeus (I Cor 1,23).
▫ “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo
para os judeus, e loucura para os gregos.”
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O ESCÂNDALO DE UM MESSIAS
CRUCIFICADO
• Apesar da expectativa messiânica geral ser de um rei-guerreiro forte e
vencedor, após o evento pascal os cristãos começaram a associar a
messianidade de Jesus com a imagem do Servo Sofredor.
▫ “3 Ele foi rejeitado e desprezado por todos; ele suportou dores e sofrimentos sem fim.
Era como alguém que não queremos ver; nós nem mesmo olhávamos para ele e o
desprezávamos. 4 No entanto, era o nosso sofrimento que ele estava carregando, era a
nossa dor que ele estava suportando. E nós pensávamos que era por causa das suas
próprias culpas que Deus o estava castigando, que Deus o estava maltratando e ferindo.
5 Porém ele estava sofrendo por causa dos nossos pecados, estava sendo castigado por
causa das nossas maldades. Nós somos curados pelo castigo que ele sofreu, somos
sarados pelos ferimentos que ele recebeu. 6 Todos nós éramos como ovelhas que se
haviam perdido; cada um de nós seguia o seu próprio caminho. Mas o SENHOR
castigou o seu servo; fez com que ele sofresse o castigo que nós merecíamos.” (Is 53,3-6
- NTLH).
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JESUS, O SENHOR
• O título “Senhor” (em grego kyrios) é usado no NT tanto como
demonstração de respeito de uma pessoa para outra (Jo 11,21),
como designação de divindade (Rm 10,9, ICor 12,3). De certa
forma os cristãos são assim descritos por invocarem a Jesus como
“Senhor” (Rm 10,13, ICor 1,2);
• Na época de Jesus era costumeiro usar o título “Senhor” para
referir-se a uma entidade divina ou algo superior ao ser humano;
• Mas, a evidência cabal do termo “Senhor” como designação de
divindade é o uso que dele se fazia para traduzir o
tetragrammaton YHWH, utilizado no AT para referir-se a Deus
(McGRATH, 2009, p. 99);
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A RELAÇÃO DO NOME KYRIOS COM


YHWH
• Os autores do AT evitavam referir-se a Deus diretamente, porque
temiam estar usando o nome dele em vão. Por isso, na maior parte das
vezes usavam o Tetragrama YHWH para falar de Deus.
• O Tetragrama YHWH ocorre 6.828 vezes no texto massorético, sendo
mais comum do que outros nomes usados para se referir a Deus tais
como Soberano Senhor (Adhonai), Altíssimo (Elyón) e Deus (Elohím
– Ou “deuses” como plural majestático). Cf. YHWH: a identidade do
Deus de Israel. Disponível em
<file:///C:/Users/MARCOS~1/AppData/Local/Temp/143-
Texto%20do%20artigo-282-1-10-20141108-2.pdf>. Acesso em
16/01/2021.
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A RELAÇÃO DO NOME KYRIOS COM


YHWH
• Yahweh é, portanto, um nome específico de Deus, quase como um
nome próprio, formado por um grupo de quatro consoantes nunca
empregado para identificar outros seres divinos ou angélicos. O
tetragrama, portanto, só é empregado para designar o nome do Deus
que Israel conhecia e adorava;
• “Quando o Antigo Testamento foi traduzido do hebraico para
o grego, a palavra kyrios começou a ser usada de modo geral para
traduzir o sagrado nome de Deus. Das 6.823 vezes que o nome aparece
em hebraico, o grego o traduz por kyrios (“Senhor") 6.156 vezes”
(McGRATH, 2009, p. 100);
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A RELAÇÃO DO NOME KYRIOS COM


YHWH
• “O historiador Flávio Josefo conta que os judeus se
recusavam a chamar o imperador romano de kyrios
porque consideravam este nome reservado unicamente
a Deus” (McGRATH, 2009, p. 100);
• Os autores do NT, por sua vez, usaram consciente e
deliberadamente esse nome sagrado ao se referirem a
Jesus. Em outros termos, nome usado exclusivamente
para se referir a Deus foi atribuído da mesma forma a
Jesus;
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JESUS, O FILHO DE DEUS


• O NT também atribui o título “Filho de Deus” a Jesus. No AT esse termo é
usado para referir-se a serem angelicais ou sobrenaturais (SI 8,6; Jó 38,7;
Dn 3,25) e também ao Messias (2 Sm 7,12-14; SI 2,7; 86,26-27);
• Entretanto, em boa parte das vezes, quando referido a Jesus a expressão
vem seguido do artigo definido “o”, de modo que Jesus não é apenas “Filho
de Deus”, ele é “o Filho de Deus”;
• “Paulo distingue Jesus como Filho de Deus natural e considera aqueles que
creem como filhos por adoção [...] Da mesma forma, na primeira carta de
João, Jesus é chamado "o Filho", ao passo que as pessoas que creem são
designadas como "filhos". Existe uma distinção bem nítida a respeito da
relação de Jesus com Deus expressa no título “Filho de Deus”” (McGRATH,
2009, p. 101);
41

JESUS, O FILHO DE DEUS


• Vale lembrar, ainda, que Jesus se dirige diretamente a Deus
como “Pai”, usando a palavra aramaica Abbá, que, como se
sabe, reflete um relacionamento bastante íntimo (Mc 14,36;
Mt 6,9; 11,25-26; 26,42; Lc 23,34.46);
• Em todos os níveis do Novo Testamento, nas palavras do
próprio Jesus ou na impressão que era criada entre os
primeiros cristãos, entende-se claramente que Jesus tem
uma relação única e íntima com Deus, publicamente
demonstrada pela ressurreição (Rm 1,3-4).
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JESUS, O FILHO DO HOMEM


• Para muitos cristãos, o termo "Filho do Homem"
corresponde naturalmente a "Filho de Deus". Trata-se, na
verdade, de uma afirmação da humanidade de Cristo, da
mesma forma como a expressão "Filho de Deus" é uma
afirmação complementar de sua divindade;
• Mas a questão não é tão simples. O termo "Filho do
Homem" (em hebraico ben adam ou em aramaico bar
nasha) é usado em três contextos principais no Antigo
Testamento:
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JESUS, O FILHO DO HOMEM


• 1. Com o forma de tratamento do profeta Ezequiel;
• 2. Para mencionar uma figura escatológica — como em Daniel
7,13-14, cuja vinda prenuncia o fim da história e o início do juízo
divino;
• 3. Para destacar o contraste entre a pequenez e a fraqueza da
natureza humana e a condição superior ou de permanência de
Deus e dos anjos, como em Números 23,19 e no Salmo 8,14;
• Esse terceiro significado refere-se naturalmente à humanidade de
Jesus, podendo estar subentendido em algumas das referências
nos evangelhos sinóticos. Mas o segundo uso do termo foi o que
mais atraiu a atenção dos exegetas.
44

JESUS, O FILHO DO HOMEM


• O alemão Rudolf Bultmann, estudioso do Novo Testamento,
afirma que o texto de Daniel 7,13-14 indica a expectativa da vinda
de um "Filho do Homem" no final da história e argumenta que
Jesus compartilha essa expectativa;
• As alusões que Jesus faz ao “Filho do Homem, vindo nas nuvens
com grande poder e glória” (Mc 13,26), devem ser entendidas,
conforme ensina Bultmann, como relacionadas com a figura de
outra pessoa diferente de Jesus;
• Bultmann sugeria que a Igreja primitiva tinha juntado "Jesus" e o
"Filho do Homem" numa só pessoa. Portanto, segundo ele, foi a
Igreja primitiva que inventou a aplicação do termo a Jesus.
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JESUS, O FILHO DO HOMEM


• George Caird, outro estudioso do Novo Testamento, vê o uso
da expressão Filho do Homem na boca de Jesus de outra
forma;
• Para ele, Jesus usou o termo “para exprimir sua unidade
essencial com a humanidade e, acima de tudo, com os fracos
e humildes; e também para mostrar seu caráter de
representante predestinado do novo Israel e portador do
juízo e do reino de Deus”;
• Jesus, com esse título, queria dizer ser ele aquele que traz o
reino escatológico de Deus e junto dele vem também o juízo
sobre povos, nações e línguas.
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JESUS, O VERDADEIRO DEUS


• Finalmente, precisamos considerar um grupo de textos do
Novo Testamento que contêm a afirmação mais importante
de todas: que Jesus é verdadeiramente Deus;
• A afirmação de que Jesus é uma pessoa divina é o auge do
testemunho do Novo Testamento à pessoa de Jesus Cristo.
Cerca de dez passagens parecem falar explicitamente de
Jesus nesse sentido: João 1,1; 1,18; 20,28; Romanos 9,5; Tito
2,13; Hebreus 1,8-9; 2 Pedro 1,1; 1 João 5,20;
• Outros textos acenam nessa direção: Mateus 1,23; João 17,3;
Gálatas 2,20; Efésios 5,5; Colossenses 2,2; 2 Tessalonicenses
1,12; 1 Timóteo 3,16.
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OS TÍTULOS CRISTOLÓGICOS:
CONCLUSÃO
• Além dos títulos aqui estudados, o Novo Testamento
ainda apresenta vários outros que eram usados para
expressar a maneira pela qual as pessoas
interpretavam Jesus;
• Para citar alguns temos:
▫ Profeta, Sumo Sacerdote, Salvador, Logos, Filho de
Davi, Último Adão, dentre outros.
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OS TÍTULOS CRISTOLÓGICOS:
CONCLUSÃO
• Do mesmo modo como as peças de um quebra-cabeça são
montadas para formar um todo compatível em que nenhuma
peça pode se distinguir por si mesma, assim os "títulos
cristológicos" do Novo Testamento juntam-se para formar
um quadro geral que nenhum título pode manifestar
adequadamente estando separado;
• Tomados coletivamente, esses títulos formam um retrato
persuasivo, rico, profundo e poderoso de Cristo, o Salvador
divino e o Senhor, que continua a exercer influência e atração
enormes sobre os seres humanos, pecadores e mortais.
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A CRISTOLOGIA DOS TÍTULOS –


OBRAS DE REFERÊNCIA
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AFIRMAÇÕES FUNCIONAIS SOBRE JESUS


• A maior parte dos títulos apresentados até agora identificam
Jesus como sendo Deus, ou seja, são títulos que tratam da
identidade de Jesus;
• O Novo Testamento, no entanto, está repleto de afirmações
sobre funções que Jesus exerceu que também apontam para
sua identidade divina. São tarefas normalmente entendidas
como sendo do próprio Deus;
• Três grupos de textos são de particular importância, por
identificarem a função de Jesus referindo-se claramente à sua
identidade. Vejamos:
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1. JESUS É 0 SALVADOR DA
HUMANIDADE
• O Antigo Testamento afirma que existe um único salvador
da humanidade: Deus. Apesar do pleno conhecimento de
que só Deus é o salvador e de que só Deus pode salvar, os
cristãos primitivos afirmavam que Jesus era o Salvador;
• O peixe veio a tornar-se símbolo da fé dos primeiros
cristãos, porque as cinco letras que formam a palavra
"peixe" na língua grega (I-CH-TH-U-S) são as cinco letras
que formam a expressão "Jesus Cristo, Filho de Deus,
Salvador".
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2. JESUS É ADORADO
• No contexto judaico em que os primeiros cristãos agiam, era
Deus e somente Deus que podia ser adorado (Rm 1,23). No
entanto, a Igreja cristã primitiva adorava Cristo como Deus;
• Assim, o texto de 1 Cor 1,2 fala dos cristãos como aqueles que
"invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo", usando
uma linguagem que reflete as fórmulas do Antigo Testamento
referentes ao culto ou à adoração de Deus, como em Gn 4,26
e 13,4, no Sl 105,1, em Jer 10,25 e em Jl 2,32. Entende-se
dessa maneira, com toda a clareza, que Jesus agia como
Deus, sendo objeto de adoração;
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3. JESUS REVELA DEUS


• A doutrina da encarnação é a peça chave na
compreensão da dupla natureza de Cristo. Nela reside
o auge da reflexão cristã sobre o mistério da pessoa do
Redentor: o reconhecimento de que Jesus Cristo revela
Deus, representa Deus, fala como Deus, age como
Deus, sendo, portanto, ele mesmo, o próprio Deus;
• Em suma, tomando as palavras de um autor do
primeiro século, devemos aprender a "pensar a
respeito de Jesus como pensamos a respeito de Deus“
(2 Clemente 1,1-2)
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AFIRMAÇÕES FUNCIONAIS SOBRE


JESUS: CONCLUSÃO
• Esses três grupos de textos evangélicos (Salvador, adorado e revela
Deus) mostram claramente que a compreensão da comunidade
primitiva acerca de Jesus transcende a categoria da pura humanidade;
• Na verdade, um vasto conjunto de textos afirma que Jesus de Nazaré
era um ser humano que sabia bem o que era sentir sede, fome, cansaço
e dor;
• No entanto, existe também um grande número de textos que afirma
que o que Jesus de Nazaré dizia e fazia indicava que, no sentido
próprio do termo, ele era divino;
• O enigma que a teologia cristã é chamada a resolver é saber como
esses dois elementos podem estar unidos.
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A CRISTOLOGIA DOS
TÍTULOS – OBRAS DE
REFERÊNCIA
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AFIRMAÇÕES FUNCIONAIS SOBRE


JESUS: CONCLUSÃO
• Assim sendo, é tarefa da teologia responder as seguintes questões
acerca da identidade de Jesus:
▫ Como é que a teologia poderia localizá-lo em um mapa conceitual?
▫ Como poderia situá-lo nas coordenadas de tempo e eternidade,
humanidade e divindade?
▫ Como é possível apresentar, logicamente, a ideia de alguém ser, ao
mesmo tempo, divino e humano?
• Muitas soluções simples foram tentadas para logo serem
rejeitadas no primeiro período da reflexão teológica do
cristianismo. Resumiremos a seguir três dessas soluções
inadequadas.
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MODELOS CRISTOLÓGICOS PRIMITIVOS


• O Adocionismo:
▫ Esta abordagem acerca da identidade de Jesus julga que Jesus é
fundamentalmente um ser humano ungido pelo Espírito
Santo da mesma maneira que os profetas do Antigo Testamento,
mas em um grau superior;
▫ No batismo por João Batista, Jesus foi, digamos assim, "adotado"
pelo Pai, tornando-se o Filho de Deus. Ele recebeu a missão de
pregar a Boa-nova do Reino e recebeu o poder de operar milagres;
▫ De acordo com essa opinião, Jesus pertence à mesma linhagem de
todos os profetas do Antigo Testamento, distinto desses profetas em
grau, mas não em qualidade.
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MODELOS CRISTOLÓGICOS PRIMITIVOS


• O Docetismo:
▫ Outros teólogos preferiram o pensamento que ressaltava a
divindade de Jesus de Nazaré, ao mesmo tempo em que
minimizava sua humanidade. Daí surgiu o docetismo
(palavra originada do verbo grego dokein, que significa
"parecer");
▫ O docetismo afirma a divindade absoluta de Jesus, mas
uma divindade que mantinha a aparência de ser humano.
Embora realmente divino, Cristo apresentava-se à
humanidade como alguém que participava da condição
humana.
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MODELOS CRISTOLÓGICOS PRIMITIVOS


• O Arianismo:
▫ Talvez a doutrina errada mais importante sobre a identidade de
Jesus tenha sido o arianismo (nome originado do Padre cristão
Ário, que viveu em Alexandria entre os anos 256 e 326);
▫ Ário ensinava que Jesus Cristo não é Deus, mas a mais
perfeita de todas as criaturas de Deus. É possível traçar
uma linha clara separando Deus de sua criação. Não há
alternativas, nenhuma posição intermediária. Ao insistir nessa
divisão rigorosa, Ário afirma que Jesus de Nazaré deve ser
situado no lado da criatura e não no lado divino dessa divisão;
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O CONCÍLIO DE CALCEDÔNIA
• O Concilio de Calcedônia (451) foi um marco da teologia cristã,
que levou a termo um longo período de estudo e reflexão que
durou alguns séculos;
• Calcedônia, de modo geral, definiu a concepção da igreja acerca
da doutrina das duas naturezas de Cristo, expressa da seguinte
maneira:
▫ Nós todos confessamos unanimemente que Nosso Senhor Jesus Cristo é o
único e o mesmo Filho, perfeito na divindade e na humanidade,
verdadeiramente Deus e verdadeiramente humano, com alma racional e
corpo, com a mesma substância do Pai em relação à divindade, e sendo da
mesma substância humana na humanidade e igual a nós mesmos em
todas as coisas, exceto no pecado (Hebreus 4,5).
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CRISTO, O MEDIADOR
• O Novo Testamento em várias passagens refere-se a Cristo
como mediador entre Deus e a humanidade (Hebreus 9,15 e 1
Timóteo 2,5). Entende-se aqui que Cristo é mediador entre o
Deus transcendente e a humanidade decaída. Qual é o objeto
da mediação? De que forma ela acontece?
• São dadas duas respostas complementares básicas no Novo
Testamento e na longa tradição do entrosamento teológico
cristão com a Escritura: a revelação e a salvação. Cristo é
mediador tanto do conhecimento de Deus com o da amizade
com Deus.
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CRISTO, E OS OFÍCOS DO AT
• A obra de Cristo pode ser resumida em três funções ou
ministérios: profeta, sacerdote e rei. O argumento fundamental é
que Jesus Cristo reúne em sua pessoa as três grandes funções de
mediação do Antigo Testamento;
• Em seu ministério profético, Cristo é o arauto e testemunha da
graça de Deus. Ele é o mestre dotado de sabedoria e autoridade
divina. Em seu ministério real, Cristo inaugurou um reino que
é celestial, não terreno, espiritual, e não físico. Esse reino é
exercido entre aqueles que creem através da ação do Espírito
Santo. Finalmente, por seu ministério sacerdotal. Cristo pode
nos reintegrar no favor divino, mediante o oferecimento de sua
morte como satisfação por nosso pecado.
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