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IMPACTOS DA COVID-19 NOS SISTEMAS IMUNOLÓGICO,

NEUROMUSCULAR, MUSCULOESQUELÉTICO
E A REABILITAÇÃO Artigo especial
Special article
IMPACTS OF COVID-19 ON THE IMMUNE, NEUROMUSCULAR, AND MUSCULOSKELETAL SYSTEMS Articulo especial
AND REHABILITATION

IMPACTOS DE LA COVID-19 EN LOS SISTEMAS INMUNITARIO, NEUROMUSCULAR, MUSCULOESQUELÉTICO


Y LA REHABILITACIÓN
Júlia Maria D’Andréa Greve1 RESUMO
(Médica)
Guilherme Carlos Brech1,2 O novo coronavírus, que causa a doença infecciosa denominada COVID-19 pela Organização Mun-
(Fisioterapeuta) dial de Saúde, foi notificado em dezembro, na China. As principais manifestações clínicas dos pacientes
Marília Quintana2,3 infectados são febre, tosse e dispneia. Esses pacientes têm propensão a desenvolver alterações cardíacas,
(Fisioterapeuta) miopatia difusa, diminuição da função pulmonar, diminuição da força muscular inspiratória e deteriora-
André Luiz de Seixas Soares1 ção da capacidade funcional. Assim sendo, é esperado que os pacientes afetados pela COVID-19 sofram
(Fisioterapeuta)
sequelas musculoesqueléticas em decorrência do processo inflamatório e perda de massa muscular
Angelica Castilho Alonso1,2,3
(Fisioterapeuta) causada pela imobilidade, que geram incapacidades motoras ainda não quantificáveis. Existe a necessi-
dade de entender as implicações clínicas causadas pela COVID-19 para elaborar melhores estratégias de
1. Faculdade de Medicina da reabilitação para esses pacientes. O objetivo deste estudo foi realizar uma análise reflexiva no que tange
Universidade de São Paulo, ao impacto da COVID-19 nos sistemas imunológico, neuromuscular e musculoesquelético e no processo
Departamento de Ortopedia e de reabilitação. Trata-se de uma análise reflexiva, desenvolvida no Laboratório do Estudo do Movimento
Traumatologia, Laboratório do do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP,
Estudo do Movimento, São Paulo, Brasil. Nesta análise, fizemos uma reflexão sobre os seguintes tópicos relacionados com a COVID-19:
SP, Brasil.
mecanismos imunológicos, impacto no sistemas neuromuscular e musculoesquelético e reabilitação
2. Programa de Pós-graduação em
dos pacientes. Nível de evidência V; Opinião do especialista.
Ciências do Envelhecimento da
Universidade São Judas Tadeu,
São Paulo, SP, Brasil. Descritores: COVID-19; Manifestações neuromusculares; Sistema musculoesquelético; Terapia por exercício;
3. Universidade Anhembi Sistema imunológico.
Morumbi, São Paulo, SP, Brasil.
ABSTRACT
Correspondência The new coronavirus, which causes the infectious disease named COVID-19 by the World Health Organization (WHO),
Júlia Maria D’Andréa Greve. was notified in 2020 in China. The main clinical manifestations in infected patients are fever, cough and dyspnoea.
Instituto de Ortopedia e These patients are prone to developing cardiac changes, diffuse myopathy, decreased pulmonary function, decreased
Traumatologia do Hospital das
inspiratory muscle strength, and a deterioration in functional capacity. Thus, it is expected that patients affected by
Clínicas – Laboratório de Estudos
COVID-19 will suffer musculoskeletal consequences as a result of the inflammatory process and loss of muscle mass
do Movimento (LEM). Rua Ovídio
Pires de Campos, 333 - Cerqueira
caused by immobility, generating motor incapacities that are not yet quantifiable. It is important to understand the
César. São Paulo, SP, Brazil. clinical implications caused by COVID-19, in order to have better rehabilitation strategies for these patients. The aim
05403-010. jgreve@usp.br of this study was to conduct a reflective analysis of the impact of COVID-19 on the immune, neuromuscular and
musculoskeletal systems, and its rehabilitation process. This is a reflexive analysis, developed in the Laboratory for the
Study of Movement of the Institute of Orthopaedics’ and Traumatology, at the Universidade de São Paulo School of
Medicine, SP, Brazil. In this analysis, we reflect on the following topics related to COVID-19: immunological mechanisms,
impact on the neuromuscular and musculoskeletal systems, and the rehabilitation of patients. Level of evidence
V; Opinion of the specialist.

Keywords: COVID-19; Neuromuscular manifestations; Musculoskeletal system; Exercise therapy; Immune system.

RESUMEN
El nuevo coronavirus, que causa la enfermedad infecciosa llamada COVID-19 por la Organización Mundial de
la Salud, fue notificado en diciembre en China. Las principales manifestaciones clínicas de los pacientes infectados
son fiebre, tos y disnea. Esos pacientes son propensos a desarrollar cambios cardíacos, miopatía difusa, disminución
de la función pulmonar, disminución de la fuerza muscular inspiratoria y deterioro de la capacidad funcional.
Por lo tanto, se espera que los pacientes afectados por COVID-19 sufran secuelas musculoesqueléticas debido
al proceso inflamatorio y pérdida de masa muscular causada por la inmovilidad, que generan discapacidades
motoras aún no son cuantificables. Es necesario comprender las implicaciones clínicas causadas por COVID-19
para elaborar mejores estrategias de rehabilitación para estos pacientes. El objetivo de este estudio fue realizar un
análisis reflexivo sobre el impacto de COVID-19, en los sistemas inmunitario, neuromuscular y musculoesquelético

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y en el proceso de rehabilitación. Es un análisis reflexivo, desarrollado en el Laboratorio del Estudio de Movimiento
del Instituto de Ortopedia y Traumatología, Facultad de Medicina, Universidad de São Paulo, SP. En este análisis,
reflexionamos sobre los siguientes temas relacionados con COVID-19: mecanismos inmunológicos, impacto en
los sistemas neuromuscular y musculoesquelético y la rehabilitación de los pacientes. Nivel de evidencia V;
Opinión de expertos.

Descriptores: COVID-19; Manifestaciones neuromusculares; Sistema musculoesquelético; Terapia por ejercicio;


Sistema inmunitario.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1517-869220202604ESP002 Artigo recebido em 00/00/0000 aprovado em 00/00/0000

INTRODUÇÃO MATERIAIS E MÉTODOS


O coronavírus (COVID-19) surgiu na China, em dezembro de 2019, Trata-se de uma análise reflexiva, desenvolvida no Laboratório do
com alto poder de disseminação e mortalidade, principalmente em Estudo do Movimento do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da
idosos com doenças crônicas associadas1-3 evoluindo com necessidade Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil.
de internação pela síndrome respiratória aguda grave (SARS).2,4 Até o
presente momento, não existem intervenções farmacêuticas eficazes
Mecanismos imunológicos
para tratamento da COVID-19, sendo o distanciamento social, a estra- A ação direta de citocinas inflamatórias sobre o tecido muscular é um
tégia mais eficaz para diminuir a transmissão comunitárias do vírus e a dos mecanismos de redução da função e trofismo musculoesquelético. Na
sobrecarga nos sistemas de saúde.2,5 tempestade inflamatória pelo SARS-COV-2 há expressão aumentada da in-
As principais manifestações clínicas dos pacientes infectados pelo flamassoma NLRP3, que é um componente fundamental do sistema imune
COVID-19, são: febre (88,7%), tosse (57,6%) e dispneia (45,6%). Os exames inato.14 As proteínas virais, como as viropirinas E, 3A E 8A, desempenham
laboratoriais mostram diminuição dos níveis de albumina (75,8%), aumento importante função na replicação do vírus e na ativação da NLRP3. 15,16 A
da proteína C reativa (58,3%) e aumento do lactato desidrogenase (57%). NLRP3 atua na ativação da caspase-1 e secreção das citocinas inflamató-
Nos exames de imagem, frequentemente, vê-se pneumonia bilateral (72,9%) rias Interleucinas IL-1BETA e IL-18 em resposta à infecção microbiana ou
e 20,3% dos pacientes necessitam de cuidados em unidade de terapia dano celular. o aumento das interleucinas está ligado a várias desordens
intensiva, pela SARS (32,8%), miocardite aguda (13%) e pneumonia (7,9%).6 inflamatórias e doenças crônicas.17 O aumento IL-1BETA se faz pelas
A polineuropatia no paciente crítico (PPC), pode ocorrer após a infecção proteinoquinases ativadas por mitógenos (MAP - Quinase) e NFk-Beta
pelo COVID-19, sendo uma neuropatia sensório-motora mista que leva levando à produção da Interleucina-6 (IL-6). A TNF-ALFA E IFN-GAMA
à degeneração axonal.7 Em pacientes críticos internados na Unidade de tem efeito sinérgico pelo aumento d expressão gênica da IL-6.18,19 A IL-6,
Terapia Intensiva (UTI), 46% apresentaram PPC (8) e 48% a 96% miopatia tem forte ação sarcopênica, a pelo aumento da atrogina-1 pela ativação
difusa não necrosante (MPC) com degeneração gordurosa, hipotrofia e do STA3 que causa a translocação do FoxO3 para o núcleo celular.20-22
fibrose.7 Tanto para a PPC como para MPC, os nervos cranianos e músculos Outro mecanismo da sarcopenia é a denervação local, pouco con-
faciais são preservados. O processo de recuperação da MPC é mais rápido siderada, causada pelo imobilismo decorrente da doença. O seden-
que da PPC, entretanto ambas as condições causam: fraqueza, perda de tarismo causa denervação e dano neural na junção neuromuscular,
função, perda da qualidade de vida e diminuição da resistência e podem visto pela dosagem da molécula de adesão celular neuronal (NCAM),
persistir por até dois anos.9,10 Desta forma, a PPC e MPC estão associadas uma glicoproteína expressa na vida embrionária e ausente em adultos.
a diminuição da função pulmonar (padrão restritivo), diminuição da força NCAM-Positivo é um indicativo de denervação e é visto em paralisias,
muscular inspiratória, com piora da capacidade funcional, necessitando doenças neurodegenerativa, imobilismo e sedentarismo.23,24
de um ano ou mais para recuperação.9,10 A diminuição da expressão da proteína HOMER, que compõe a
Pacientes infectados também tem propensão a desenvolver alte- junção neuromuscular (JNM) e o aumento do fragmento C-terminal da
rações cardíacas após o COVID-19, mas o mecanismo da lesão ainda é agrina confirmam os achados de danos neurais na JNM e, a sarcopenia
incerto. Podem apresentar arritmia, insuficiência cardíaca, declínio da causada pela imobilidade.25,26
fração de ejeção, elevação da troponina I e miocardite grave com função
sistólica reduzida. 9,10 Impacto da COVID-19 no sistema neuromuscular
Há estudos que mostram que a SARS pode causar polineuropatia, A COVID-19 causa manifestações neurológicas em 88% dos pacientes
encefalite viral e acidente vascular cerebral isquêmico. Na Síndrome graves, sendo a disgeusia, uma das mais frequentes, sendo também vista
Respiratória do Oriente Médio, um quinto dos pacientes apresentaram em paciente com quadro mais leve. São também relatados, nos pacientes
sintomas neurológicos (alteração do nível de consciência, paralisia, mais graves, doença aguda cerebrovascular (5,7%), alterações de consciência
acidente vascular cerebral isquêmico, síndrome de Guillain-Barré, neu- (14,8%) e acometimento musculoesquelético (19,3%). Estas frequências são,
ropatia infecciosa e convulsões). 9,12,13 respectivamente, 7,1, 6,7 e 4 vezes maiores que nos casos moderados.27,28
Assim, já se espera que os pacientes infectados pelo COVID-19 irão Embora com mecanismos ainda não totalmente conhecidos, existem
sofrer consequências musculoesqueléticas pelo processo inflamatório evidências crescentes que os coronavírus invadem os terminais nervosos
agravadas pela perda de massa muscular do imobilismo, gerando inca- periféricos e ganham acesso ao SNC através de vias sinápticas.29 Também,
pacidades motoras ainda não quantificáveis. Há uma grande necessidade se consideram, como vias de entrada cerebral, a placa cribriforme ou
de se entender as implicações clínicas causadas pelo COVID-19, para pela circulação sistêmica. A via transsináptica, no entanto, já é bem
que se tenha melhores estratégias de reabilitação para estes pacientes. documentada para outros coronavírus (HEV 679-10 e Vírus da Bronquite
O objetivo deste estudo foi realizar uma análise reflexiva referente ao Infecciosa das Galinhas).30-34
impacto do COVID-19, nos sistemas imunológicos, neuromuscular e A presença do vírus causa uma intensa inflamação sistêmica, fragi-
musculoesquelético e seu processo de reabilitação. liza a barreira hematoencefálica, tornando-a permeável à invasão viral.
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Permite, também, que mais citocinas, oriundas de vários locais, acessem perda da função e qualidade muscular. Proteínas mecanossensoriais
o SNC, desencadeando a neuroinflamação.31,35 que permitem que as fibras musculares detectem forças mecânicas,
A invasão neural precisa ser valorizada pelos impactos clínicos, prin- também estão envolvidas na regulação da massa muscular esquelética.
cipalmente no tratamento da insuficiência respiratória, pela necessidade Sua ativação, durante a contração muscular, regula a renovação das
da ativação neuromuscular do diafragma e musculatura acessória. Os proteínas por meio da interação com a proteína alvo mecanístico da
núcleos do trato solitário recebem informações dos mecanorreceptores rapamicina (mTORC1) e com as principais vias proteolíticas: os sistemas
e quimiorreceptores dos pulmões e vias aéreas e fibras eferentes dos ubiquitina proteassoma e lisossomal / autofágico.46
núcleos ambíguo e do trato solitário provém inervação para musculatura Os prejuízos funcionais, comumente relatados na literatura em
lisa das vias aéreas, glândulas e vasculatura. Decorre daí, a sugestão de pacientes críticos, estão relacionados diretamente ao tempo de perma-
que a morte de animais infectados ou pacientes pode ocorrer também nência na UTI e à ventilação mecânica prolongada. Sete dias de repouso
devido a disfunção cardiorrespiratória originada no tronco cerebral.30,32,36 no leito já podem reduzir a força muscular em 30%, com perda adicional
No tecido neural infectado por SARS-COV, as células morrem por apop- de 20% da força restante a cada semana. As deficiências na função física
tose induzida pelo próprio vírus, uma vez que a expressão inflamatória ain- e na capacidade de exercício podem durar anos após a alta da UTI.47
da pode ser mínima no tecido.37 Há grande similaridade do mecanismo O desuso e a perda de inervação nas doenças ou injúrias afetam dire-
apoptótico com a patofisiologia das doenças desmielinizantes, também tamente o sistema osteomuscular promovendo um declínio na massa
são vistas na infecção por SARS-COV-2, como Síndrome de Guillain-Barré e força muscular força e atrofia articular de forma difusa e simétrica da
(SGB) e Mielite Aguda (MA).38,39 musculatura estriada esquelética apendicular e axial. 47
A encefalopatia hemorrágica necrotizante aguda (EHNA), também As intervenções de reabilitação respiratória e neuromuscular preconi-
presente em pacientes com COVID-19, está associada à inflamação, zam o menor tempo possível de intubação e melhora da condição mus-
onde a hipercetonemia promove a destruição proteolítica da barreira cular, diretamente associadas com o prognóstico dos pacientes em UTI.48
hematoencefálica, pela ação da tripsina e ativação da matriz metalato- As evidências deste tipo de intervenção na COVID-19 ainda são escassas.
protease-9, que aumenta a permeabilidade vascular, causando edema, Pacientes internados em UTI, durante epidemias anteriores, sofreram lesões
hemorragia petequial e necrose.40-42 musculoesqueléticas e complicações que exigiram reabilitação, sendo a
Essas polineuropatias desencadeadas por mecanismos apoptóti- intervenção individualizada e dinâmica, adaptando-se às mudanças rápi-
cos e inflamatórios, inclusive evidenciadas nos tratos corticoespinhais, das que caracterizam a progressão da doença, em especial nos primeiros
podem explicar, ainda que parcialmente, a diminuição do trofismo sete dias de evolução. 49 Apesar da COVID-19 afetar predominantemente
musculoesquelético.12,43 Distúrbios de coagulação, caracterizados por o sistema respiratório, evidências indicam uma doença multissistêmica
elevação de Dímero-D demonstrando hipoperfusão e até pequenos grave e letal. As sequelas a longo prazo, ainda não são conhecidas, mas
acidentes vasculares isquêmicos precisam também ser considerados.41 evidências de surtos anteriores de coronavírus demonstram comprometi-
mento funcional motor e respiratório, sofrimento emocional e com perda
Impacto da COVID-19 no sistema no sistema musculoesquelético
da qualidade de vida. São referidas complicações osteomusculares com
As longas hospitalizações, isolamentos e mesmo o distanciamento piora das aptidões física como ossificação heterotópica, perda de massa
social, afetam a homeostase muscular, com o impacto secundário dados muscular, dor prolongada, fraqueza e dispneia. Prevê-se que 45% dos
inatividade física e desuso. A causa da perda massa muscular, muito pacientes que receberam alta hospitalar exigirão cuidados de saúde e
provavelmente, é multifatorial, envolvendo a inflamação, imobilização, assistência social e 4% exigirão um programa de reabilitação.50
nutrição insuficiente e administração de corticoides.44
Na fase crítica da SARS-COV com longa permanência nas unidades de Reabilitação
terapia intensiva, há perda da homeostase entre a síntese e a degradação A reabilitação de pacientes COVID-19 inicia-se na internação para
protéica com redução gradual na renovação das proteínas musculares. manutenção do funcionamento dos sistemas vitais e continua na fase
O aumento da degradação de proteínas musculares se dá pela atuação pós-internação para tratar das sequelas e complicações causadas pelo
das vias de sinalização intracelular. O sistema ubiquitina-proteossomo, vírus e longo período de internação.
principal via relacionada ao mecanismo de proteólise, tem duas enzimas Durante a internação hospitalar, mobilizações precoces na unidade
específicas relacionadas ao processo de atrofia do músculo esquelético, de terapia intensiva para prevenção e redução da polineuromiopatia
ativadas em resposta à inatividade e ao processo inflamatório: a atrogina-1 do paciente crítico, melhora da qualidade de vida, redução do tempo
(Muscle Atrophy F-box) e a MuRF-1 (Muscle Ring Finger -1).45 e menor mortalidade durante a internação.51 O início precoce de um
Segundo Poulsen et al. (2012),44 pacientes sépticos internados na UTI programa estruturado de reabilitação contribui para a otimização da
apresentam perda de 20% da massa muscular da coxa na primeira semana de função cognitiva, respiratória, neuromuscular e osteoarticular encurtando
internação. A inflamação associada ao imobilismo é mais pronunciada nesta a duração da internação na UTI e as suas sequelas clínicas e funcionais.52
fase, onde as alterações metabólicas explicam a maior taxa de perdas iniciais. A prevenção das incapacidades em pacientes críticos ajudam na ges-
Durante a internação, os músculos, principalmente das extremidades tão médica do paciente com protocolos de intervenção física e cognitiva e
inferiores, não são expostos às descargas mecânicas com redução da melhoram o entendimento do paciente dos programas de tratamento e
atividade neuromuscular, o que estimula uma resposta adaptativa len- apoio psicossocial, mudança de comportamento e adesão às orientações.53
tidão na síntese de proteínas, maior degradação proteica, apoptose das Programas de reabilitação deverão ser adaptados à gravidade da
células musculares (principais mecanismos de hipotrofia) e diminuição doença, idade do paciente, níveis de aptidão prévios e comorbidades
da força muscular. Em indivíduos saudáveis, expostos ao imobilismo preexistentes. Alguns componentes essenciais para a reabilitação de
(repouso em leito), há diminuição da massa (14%) e força muscular pacientes com COVID-19, precisarão de novos conhecimentos e habi-
(16%). Desta forma, é possível deduzir que um processo inflamatório por lidades sobre o COVID-19.
sepses associado ao imobilismo, pode promover uma perda muscular, O programa de reabilitação deve se iniciar por exercícios físicos de
até 10 vezes maior que em pessoas saudáveis.44 baixa intensidade, com monitorização contínua da oxigenação e fadiga.
O sistema músculo esquelético se adapta à inatividade física pro- Pacientes que apresentaram dores de garganta, no corpo e corpo e
longada, diminuindo o tamanho da fibra muscular (atrofia), além da no peito associadas com falta de ar, fadiga, tosse ou febre devem fazer

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exercícios físico com mais que três METS (PSE maior que 2 ou equivalente). dos sintomas, como manter os pacientes vivos dentro da unidade
Se o indivíduo apresentar sintomas muito leves que podem ou não ser de terapia intensiva, como prevenir as sequelas respiratórias, físicas e
causados pela COVID-1, recomenda-se atividades leves menor que três psicológicas e por último, como reabilitar e devolver vida normal para
METS (PSE 9-12 ou equivalente), evitar o sedentarismo por períodos longos. os acometidos. Entender as consequências no pós-epidemia e dar o
Durante o exercício físico pode-se aumentar os períodos de descanso, melhor tratamento a todos os acometidos é o grande desafio que tem
se houver piora dos sintomas. Em pessoas assintomáticas, que tiveram que ser enfrentado com conhecimento científico e evidências.
contato com pessoas positivas de COVID-19, a atividade deve ser mantida Muitos dos efeitos já são conhecidos e precisam ser encarados de forma
normalmente. Nas pessoas que tiveram sintomas leves ou moderados adequada de acordo com as necessidades de cada paciente, mas sem perder
recomenda-se exercícios de alongamentos e treino de força de baixa de vista, as características próprias da SARS-COV 2 que pode demandar
intensidade, antes de sessões de treinamentos aeróbios direcionados. 50 cuidados e tratamentos distintos. Observa-se que a doença em si e o trata-
O manejo da dor deve ser centrado no paciente envolvendo reeducação mento necessário podem gerar incapacidades graves e que a abordagem
postural. Os programas ambulatoriais de reabilitação física variam de precoce pode ser fundamental para a reabilitação adequada dos pacientes.
acordo com as necessidades de cada paciente, mas podem durar de
seis a 12 semanas e precisam ser associados à reabilitação cognitiva54 AGRADECIMENTOS
Este estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento
CONSIDERAÇÕES FINAIS de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Código 001.
Milhões de pessoas em todo mundo estão sendo acometidas pela
SARS-COV 2. Está sendo um grande e doloroso aprendizado sobre o
melhor enfrentamento da doença grave e letal sem remédios e vacina. Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito
Como prevenir o contágio e propagação, como evitar o agravamento de interesses referente a este artigo.

CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES: Cada autor contribuiu individual e significativamente para o desenvolvimento do manuscrito apresentado. JMG e ACA: revisão crítica do
conteúdo intelectual e aprovação final da versão do manuscrito a ser publicado. GCB: contribuição substancial na concepção do trabalho, revisão crítica do conteúdo intelectual
e aprovação final da versão do manuscrito a ser publicado. MQ e ALSS: contribuição substancial na concepção e redação do trabalho.

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288 Rev Bras Med Esporte – Vol. 26, No 4 – Jul/Ago, 2020

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