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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4

IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA O DOENTE, FAMÍLIA E


PROFISSIONAIS ........................................................................................................ 5

2.1 Câncer .................................................................................................. 5

2.2 Impacto do diagnóstico de câncer ........................................................ 6

IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA O DOENTE ................................. 8

3.1 Incerteza acerca do futuro .................................................................... 9

3.2 Busca de um significado....................................................................... 9

3.3 Perda de controle ............................................................................... 10

3.4 Necessidade de diálogo ..................................................................... 10

3.5 O sexto sinal vital ............................................................................... 11

A FAMÍLIA DO PACIENTE COM CÂNCER .............................................. 12

IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA A FAMÍLIA ................................ 14

IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE


...................................................................................................................15

TAREFAS DE ADAPTAÇÃO À DOENÇA ONCOLÓGICA........................ 17

FASES DE ADAPTAÇÃO À DOENÇA ..................................................... 18

8.1 Fase de negação ................................................................................ 18

8.2 Fase de revolta ................................................................................... 19

8.3 Fase de negociação ........................................................................... 19

8.4 Fase de depressão ............................................................................. 20

8.5 Fase de aceitação .............................................................................. 20

FATORES QUE MODIFICAM A ADAPTAÇÃO ........................................ 22

LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................ 24


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 45

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ....................................................... 51

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA O DOENTE, FAMÍLIA E
PROFISSIONAIS

Fonte: Pixabay.com

2.1 Câncer

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), considera-se câncer o


conjunto de mais de 100 doenças, as quais têm em comum o crescimento
desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos. As causas do câncer podem
ser externas, quando relacionadas ao meio ambiente, hábitos ou costumes de uma
sociedade específica; ou internas, quando ligadas a predisposições genéticas e à
capacidade do organismo de se defender de agressões externas, sendo que ambas
estão inter-relacionadas (INCA, 2010).
A palavra câncer é originária do latim cancri, que significa caranguejo. Tal
nomenclatura está relacionada à característica de infiltração do câncer - semelhante
às pernas do crustáceo (FONTES, CÉSAR & BERALDO, 2005; STUMM, LEITE, &
MASCHIO, 2008) - e à ideia de que o câncer torna sua vítima prisioneira da mesma
forma que o caranguejo: até a morte (ARGEMI-CAMON, 2004). Esta analogia ilustra
o peso que o câncer tem em nosso contexto social e as crenças a ele relacionadas.
Os estigmas do câncer referem-se a sofrimento, à dor, ao medo da morte, à
preocupação com a autoimagem, bem como à perda do atrativo sexual, da
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capacidade produtiva e de peso (ANGERAMI-CAMON, 2004; CHIATTONE, 1992).
Mesmo com todos os avanços em relação ao diagnóstico e ao tratamento, o estigma
em relação ao câncer ainda é forte, tanto na sociedade como na equipe de saúde
(MARUYAMA et al., 2006). Logo, a necessidade de a família receber informações
precisas e claras por parte dos profissionais da saúde no momento do diagnóstico é
fundamental e pode facilitar ou prejudicar o posterior tratamento. Conforme
assinalam MARUYAMA et al., (2006, p.175), faz-se necessário romper com o
"círculo vicioso do estigma da doença", inicialmente entre os profissionais da saúde
e, depois, entre os pacientes e suas famílias.
Apesar desse contexto, o mais comum é que o câncer seja compreendido
como uma doença crônica que traz problemas e demandas específicas, contínuas e
mutáveis para o paciente e seus familiares (PENNA, 2004). Alguns tipos de câncer
costumam evoluir de forma silenciosa até se tornarem sintomáticos e
diagnosticáveis, podendo levar ao óbito rapidamente. Por isso, o ciclo da doença é
uma das etapas evolutivas fundamentais a ser considerada a fim de que se entenda
o desdobramento e a repercussão da doença no indivíduo e na família (ROLLAND,
1995).
Dois aspectos devem ser considerados: o início e o curso da doença. O início
das doenças crônicas pode ser agudo, o que dificulta o reajustamento familiar em
um período curto de tempo; ou gradual, o que permite à família se organizar com
tempo prolongado. Quanto ao curso da doença, o câncer pode assumir uma forma
constante que, após um início abrupto, se estabiliza com o tratamento. A
reincidência se caracteriza pela alternância de períodos em que o paciente está bem
e outros em que precisa repetir o tratamento (ROLLAND, 1995). A doença pode,
também, ser progressiva. Nesse caso, a progressão da severidade da doença
exigirá que a família se defronte cada vez mais com os sintomas do paciente,
envolvendo-se diretamente numa espécie de sofrimento compartilhado.

2.2 Impacto do diagnóstico de câncer

Problemas de ordem emocional ocorrem com frequência tanto em pacientes


com câncer como em seus familiares em função da dificuldade em lidar com o

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diagnóstico. Não raro, transtornos psicológicos como depressão e ansiedade são
diagnosticados no paciente e em seus familiares em todas as fases do tratamento
(CEOLIN, 2008). Segundo PENNA (2004, p. 379): "estas consequências se devem
porque a palavra câncer adquiriu uma conotação de doença terrível, sem cura, e que
termina em morte sofrida". Entretanto, apesar das doenças oncológicas serem, na
sua maioria, crônicas, nem sempre levam a morte devido a modernas medicações e
a tratamentos inovadores. Quanto ao seu impacto, a notícia do câncer é capaz de
mudar de forma considerável o relacionamento entre os membros da família e a
forma como se comunicam e resolvem questões diárias (MELO et al., 2012).
Sabe-se que uma das principais consequências da notícia do diagnóstico de
câncer é o sentimento de incerteza relacionado aos problemas e às mudanças que
as famílias cujo um dos familiares é diagnosticado com câncer sofrem (FERREIRA,
DUPAS, COSTA, & SANCHEZ, 2010; MELO, SILVA, & FERNANDES, 2005;
MCDANIEL, HEPWORTH, & DOHERTY, 1994). Quanto aos problemas, podem-se
citar: (a) dificuldades econômicas geradas pelos gastos com o tratamento; (b)
ocultação do diagnóstico como forma de minimizar comentários indesejáveis; (c)
surgimento de conflitos familiares que prejudicam o suporte necessário; e (d)
necessidade de constantes adaptações e mudanças nos hábitos de vida
(FERREIRA et al., 2010).
Em relação às mudanças que o diagnóstico de câncer pode causar para o
paciente e para sua família devem-se destacar as perdas subjacentes à doença,
como: (a) perda da saúde e papéis anteriormente exercidos pelo paciente, (b) a
impossibilidade de realizar e construir projetos de vida, (c) a redução da renda e (d)
o encurtamento do período de vida (BERGAMASCO & ANGELO, 2001; SILVA,
2000).

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IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA O DOENTE

Fonte: Pixabay.com

Os problemas emocionais e o sofrimento psicossocial são comuns quando os


indivíduos se confrontam com uma doença oncológica e a iminência da sua morte.
A vulnerabilidade psicossocial à doença oncológica é específica para cada
indivíduo e depende, além das circunstâncias em que ela ocorre, do significado
pessoal atribuído à doença. Este é afetado pela percepção do impacto da doença no
próprio indivíduo e no seu plano de vida. Engloba também a percepção do indivíduo
acerca da sua capacidade em atingir objetivos futuros e manter a viabilidade de
ações interpessoais.
Um estudo canadense demonstrou a existência de sofrimento psicossocial
significativo em 18% a 79% dos doentes oncológicos, dependendo da fase da
doença, enquanto que na população geral esta era de 21%. No mesmo estudo, em
doentes internados por outros motivos, a prevalência de sofrimento psicossocial era
de cerca de 66% e nos doentes em regime de ambulatório, esta era de
aproximadamente 30%. Valores semelhantes foram encontrados em outros estudos
em que o aumento da prevalência de sofrimento psicológico esteve associado à fase
terminal da doença.

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Este sofrimento atribuível à doença oncológica é, em grande parte, adequado
à situação e envolve mecanismos de adaptação (descritos por vários autores, entre
os quais se destaca KÜBLER-ROSS). Deste processo pode depender um maior ou
menor risco de desenvolver uma perturbação psiquiátrica, que venha tornar
necessária uma intervenção terapêutica.

3.1 Incerteza acerca do futuro

Os doentes confrontam-se com a incerteza acerca do curso da doença e a


possibilidade de morte prematura. A ideia da sua própria morte torna-se mais
tangível e quaisquer sintomas físicos podem ser interpretados como um possível
agravamento clínico, com repercussões sobre os níveis de ansiedade. Estes receios
podem ainda ser desencadeados por qualquer descrição, nomeadamente através de
situações análogas ou sempre que o doente tem uma consulta médica de
seguimento. Perante uma remissão, alguns doentes conseguem lidar melhor com o
receio de recorrência de doença, enquanto outros vivem atormentados por este
receio.
Numa fase mais avançada da doença, o fim da vida torna-se, para muitos
doentes, dolorosamente real, assim como as suas consequências, nomeadamente a
perda de continuidade com o futuro e das relações com os que ficam. A tomada de
consciência do afastamento que irá ocorrer em breve pode ser antecipada e, mesmo
na presença de outros, o doente pode sentir-se sozinho e isolado.

3.2 Busca de um significado

Quando as pessoas são confrontadas com alguma adversidade, lidam melhor


com ela se conseguem encontrar uma explicação aceitável para a mesma. Para a
maioria das doenças oncológicas, contudo, existem poucos fatores de risco
claramente identificados (para além do tabagismo, por exemplo), deixando um vazio
onde os doentes projetam as suas fantasias.

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3.3 Perda de controle

A adaptação à situação de doença é mais fácil quando existe a possibilidade


de fazer algo que tenha algum impacto benéfico na sua evolução, como por
exemplo, cumprimento de determinada dieta alimentar ou realização de exercício
físico na doença coronária. Na doença oncológica os doentes não dispõem deste
tipo de fatores modificáveis, mas ainda assim, alguns procuram aderir a métodos
psicológicos, como a relaxação ou grupos de autoajuda. Os doentes que investem
na doença de uma forma construtiva com vista a melhorar a sua evolução,
adaptam-se melhor do que os que acham que não há nada a fazer. Estes últimos
têm um maior risco de desenvolver perturbação depressiva.
Na fase terminal os doentes debatem-se com perdas reais que são
consequência da doença, mas também com algumas perdas antecipadas
relacionadas com a morte iminente. A sensação de perda de controle pode
aumentar, devido ao agravamento da doença e à presença de sintomas que não
remitem apesar do tratamento.
Podem estar presentes, relacionados com uma possível redução da
capacidade funcional e do status social, uma diminuição da autoestima, sentimentos
de autodesvalorização e ainda alterações da imagem corporal.

3.4 Necessidade de diálogo

Um dos temas mais importantes para os doentes oncológicos é o da


comunicação com os elementos do seu meio social, familiar ou laboral acerca da
doença e dos tratamentos. O sentimento de serem estigmatizados pela doença, ou o
receio de provocar sofrimento nos outros, leva-os a falarem menos abertamente
acerca da sua patologia. Esse “secretismo” pode dificultar a adaptação psicológica à
doença e aumentar o isolamento. Pelo contrário, a possibilidade de diálogo permite
ao doente receber o apoio emocional necessário. Muitos doentes “escolhem” um
número restrito de pessoas com quem falam abertamente acerca das suas
dificuldades, mostrando-se reservados a partilhar o seu sofrimento com terceiros.

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Os sentimentos de exclusão podem ser intensificados se o doente oncológico
percebe que os outros se afastam. Alguns familiares e amigos têm dificuldade em
manter com o doente um nível de contato equivalente ao que antecedia o período de
doença, porque se sentem desconfortáveis em relação aos assuntos a abordar e
receiam a reação do doente aos seus comentários ou receber más notícias. Em
regra, o doente que não consegue ultrapassar algumas destas barreiras psicológicas
tem maior probabilidade de desenvolver um estado de ansiedade ou depressão, ou
uma combinação dos dois, no primeiro ano de diagnóstico, para além de outras
implicações possíveis resultantes do próprio tratamento da doença oncológica.

3.5 O sexto sinal vital

O sofrimento psicológico associado à doença oncológica pode tomar várias


formas – vai desde o medo, a preocupação e a tristeza até problemas incapacitantes
como a depressão, o pânico, a ansiedade ou o isolamento. Este é um elemento da
saúde do doente oncológico de tal forma relevante que, em junho de 2004, a
Canadian Strategy for Câncer Control apoiou a proposta de incluir o sofrimento
emocional (emotional distress) como o sexto sinal vital a ser avaliado por rotina,
juntamente com a frequência cardíaca, pressão arterial, respiração, temperatura e
dor.
Serviu de racional a esta proposta o fato de vários estudos de prevalência, já
referidos, revelarem níveis elevados de sofrimento associado à doença. Apesar
deste conhecimento, verifica-se que na prática clínica, em geral, poucos esforços
têm sido realizados no sentido de alterar e valorizar esta dimensão dos cuidados aos
doentes oncológicos. Um inquérito realizado no Canadá em centros de tratamento
de doença oncológica demonstrou que o total de gastos com cuidados psicossociais
era inferior aos dispendidos em limpeza, por exemplo.
O fato de os recursos econômicos serem limitados não justifica esta falta de
investimento, uma vez que o sofrimento psicológico tem associados custos elevados
– maior recurso a consultas médicas e serviços de urgência e a tratamentos
dispendiosos de quarta e quinta linha, entre outros, numa tentativa de aliviar a

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ansiedade dos doentes. Pelo contrário, alguns estudos realizados vieram apoiar a
redução de custos decorrente do desenvolvimento de intervenções psicossociais.
A população com doença oncológica está em rápida expansão prevendo-se
que nos países ditos desenvolvidos esta venha a duplicar nos próximos quinze anos.
Este fato, associado aos elevados níveis de sofrimento emocional decorrentes, tem
vindo a aumentar a sensibilização dos profissionais de saúde para que este seja
avaliado, por rotina, em todos os doentes oncológicos, tal como os demais sinais
vitais.
Existe neste momento uma escala – a Distress Thermometer – de aplicação
simples, permitindo o rastreio, monitorização frequente e, quando necessário,
tratamento adequado.

A FAMÍLIA DO PACIENTE COM CÂNCER

Fonte: Pixabay.com

O impacto do câncer nos pacientes e nos membros da família pode ser


compreendido a partir da teoria sistêmica, a qual enfatiza as inter-relações que se
estabelecem entre os componentes da família e o efeito mútuo que cada membro
tem sobre os demais (SILVA, 2000). Assim, ocorre uma influência recíproca entre
paciente e família na medida em que, não apenas o paciente sofrerá significativas
alterações em sua vida ao longo do tratamento, como também toda a sua família

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(CEOLIN, 2008). Na medida em que o diagnóstico de câncer, e todo o processo da
doença, são vivenciados pelo paciente e por sua família como um momento de
intensa angústia, sofrimento e ansiedade (VENÂNCIO, 2004), uma crise vital na
família pode ser desencadeada (CEOLIN, 2008; FERNANDES, 2004; SILVA, 2000;
McDaniel et al., 1994).
Um aspecto fundamental a ser considerado quando ocorre uma crise na
família é o fenômeno da transgeracionalidade. De acordo com FALCKE & WAGNER
(2005), a transgeracionalidade diz respeito aos processos transmitidos pela família
de uma geração para a outra que permanecem presentes ao longo da história da
família. Para essas autoras, o impacto dos aspectos transgeracionais tende a
acontecer em momentos específicos do ciclo vital – as crises –, nos quais o sujeito
se depara de forma mais concreta com questões de sua família de origem. Durante
os períodos de crise, há um acúmulo de estresse no núcleo familiar, o que pode
levar a: (a) uma estagnação da família diante da situação que gerou a crise, ou (b)
impulsionar a família rumo a mudanças evolutivas (FALCKE & WAGNER, 2005).
No que se refere ao estresse causado pelo câncer, sabe-se que a família
pode apresentar queixas ocasionadas pelo sofrimento emocional, psicológico e
físico de seu familiar (PENNA, 2004). Esse estresse é oriundo das demandas e das
consequências do tratamento, como internações, quimioterapias, cirurgias e sessões
de radioterapia. Desta forma, por meio da rotina do tratamento de um familiar com
câncer, a família começa a ser introduzida a um mundo que a amedronta,
desconhecido e diferente do qual ela está habituada: o mundo da doença. Da
mesma forma como sofrem as consequências diretas da doença de seu familiar, os
familiares também têm enorme influência sobre o tratamento do câncer do paciente
(CEOLIN, 2008; FERREIRA et al., 2010). Um exemplo dessa situação ocorre
quando algumas famílias induzem o paciente a não realizar uma determinada
cirurgia por acreditar que ela não o salvará. Outras famílias podem não colaborar
com as sessões de quimioterapia, ou podem acentuar processos depressivos no
paciente.
Assim, em função do sofrimento e das mudanças trazidas pelo diagnóstico de
câncer, recomenda-se que a família do paciente receba acompanhamento
psicológico (CEOLIN, 2008). Entretanto, nem sempre os serviços dos hospitais nos

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quais ocorre o tratamento do câncer oferecem terapia familiar, sendo mais comum
atendimento apenas ao familiar cuidador que acompanha o paciente no tratamento.

IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA A FAMÍLIA

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As famílias são profundamente afetadas pela doença aguda e crônica de um


dos seus membros e a doença oncológica é uma das situações vividas com maior
envolvimento. As atividades do cotidiano, os papéis, as relações com os outros e o
significado da vida ficam alterados, uma vez que a vida muda de um estado de
saúde para um de doença. A doença oncológica acrescenta uma nova dimensão
mesmo para os que enfrentam uma doença mais prolongada.
O doente e a família lutam, não apenas com o presente e tudo o que envolve
a doença oncológica e seus cuidados, mas com os aspectos avassaladores
associados à doença e a transcendência para além da doença. Além dos receios e
preocupações partilhados pelos doentes, os familiares preocupam-se com as
alterações na condição física do seu ente querido e com um processo de luto
antecipatório, mas também com problemas práticos, como a escolha dos serviços
onde irão ser prestados os cuidados, a avaliação da qualidade dos mesmos e o local
para onde o doente transitará na fase terminal.
A família de um doente oncológico tem ela própria necessidades diversas:

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a) estar com a pessoa doente;
b) poder ajudar na evolução e desfecho da doença;
c) receber apoio, confirmação e reforço do seu contributo para o conforto do
doente;
d) ser informado acerca da condição do doente e da sua morte iminente;
e) poder exteriorizar emoções;
f) receber conforto e apoio dos membros da família; e,
g) receber aceitação, apoio e conforto dos profissionais de saúde.

IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS PARA OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

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Os técnicos que lidam com doentes oncológicos necessitam ter a capacidade


de identificar, avaliar e, quando possível, minorar os sintomas físicos da doença,
mas também a incapacidade crescente, as alterações nos papéis sociais e o
isolamento social associados com a doença e o processo de morte.
Simultaneamente, devem saber distinguir quando o isolamento social ou as
alterações nos papéis sociais são sinais de uma depressão clínica e quando a dor e
sintomas da doença têm um forte componente psicológico, requerendo uma
abordagem psiquiátrica ou psicológica. A intervenção deve ser feita a um ritmo

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adequando às necessidades do doente e da família, em vez de acontecer ao ritmo
das expectativas e agenda do prestador de cuidados acerca do que “deve ser feito”.
Os movimentos de defesa dos direitos dos doentes têm enfatizado o direito à
informação sobre a doença, que é atualmente consensual. Potencialmente mais
problemáticas poderão ser a quantidade e o timing da informação a ser transmitida
ao doente e à família sobre a situação clínica e o seu prognóstico. A informação
deve ser prestada de forma sensível e compreensiva, tendo em conta a dificuldade
que os doentes e a família possam ter em aceitá-la e a possibilidade de negarem a
realidade do que é comunicado.
Alguns profissionais, provavelmente devido a dificuldades próprias, tomam
por vezes a decisão de não comunicar ao doente e à família o provável curso da
doença. Outros, pelo contrário, podem dar informação “negativa” demasiado cedo e
com demasiada frequência, não deixando espaço à esperança.
Para alguns doentes pode ser difícil aceitar que existam limitações nos
tratamentos atuais para a sua doença e podem pressionar ou exigir a continuação
do tratamento atual, ou o início de tratamentos experimentais. Quando há recurso à
quimioterapia ou radioterapia paliativas para o controle de sintomas, é imperativo
que a equipe transmita claramente ao doente e à família que o objetivo é o controle
sintomático e não o prolongamento da vida.
Ao providenciarem cuidados a doentes com uma esperança de vida
previsivelmente curta, os profissionais de saúde confrontam-se inevitavelmente com
a ideia da sua própria morte. Este confronto resulta por vezes na identificação
(muitas vezes de uma forma simples, “Se fosse eu…”), podendo funcionar
positivamente como um reforço empático e útil na tomada de decisões mais
próximas às necessidades e vontade do doente. Corre, no entanto, o risco de se
extremar de forma prejudicial, levando o profissional a experienciar intensa e
excessivamente as vivências do doente. Pode haver também a identificação do
doente com determinada pessoa próxima ou familiar do profissional, com o risco de
excessivo envolvimento, prejudicial ao profissional e, provavelmente, ao próprio
doente.
É importante que os profissionais tenham consciência das suas próprias
reações emocionais e atitudes na relação com os doentes oncológicos, contribuindo

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para que adquiram uma maior capacidade para lidar com as dificuldades
psicológicas/emocionais desencadeadas na prestação de cuidados a estes doentes.

TAREFAS DE ADAPTAÇÃO À DOENÇA ONCOLÓGICA

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Elizabeth Kübler-Ross foi a primeira autora a estudar de uma forma


sistemática a adaptação psicológica de pessoas a quem é diagnosticada uma
doença oncológica com prognóstico reservado.
Entrevistando doentes oncológicos percebeu-se a existência de várias fases
de adaptação possíveis que não são obrigatórias nem se sucedem pela mesma
ordem podendo, inclusive, coincidir várias fases. Chegou também à conclusão que
nem todos os doentes enfrentam todas as fases identificadas, embora
experimentem, em geral, pelo menos duas delas.
Ainda que descritas originalmente a partir da observação de doentes
oncológicos em fase terminal, estas tarefas de adaptação podem ser vivenciadas em
outras situações de perda ou alteração, sentidas como significativas, e sobre as
quais o indivíduo não tem a capacidade ou possibilidade de induzir modificação (ou
esta ocorreria à custa de um maior sofrimento).
O conhecimento destas fases de adaptação é imprescindível para os técnicos
de saúde compreenderem as reações dos doentes perante a angústia da doença e
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da morte, terem uma resposta terapêutica e poderem prestar-lhes uma ajuda
adequada.

FASES DE ADAPTAÇÃO À DOENÇA

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8.1 Fase de negação

Quando confrontado com a notícia de que tem uma doença potencialmente


mortal, o doente recusa-se a aceitar a totalidade ou grande parte do que lhe é
comunicado. KÜBLER-ROSS (1969) constatou que muitos dos doentes entravam
num estado de choque inicial e verbalizavam não acreditar no que lhes era
comunicado. Na maioria dos casos, esta é uma fase transitória que tem como
função permitir uma progressiva aceitação da realidade.
É frequente existir uma negação parcial, isto é, os doentes recusarem a
existência da doença e/ou a sua gravidade e, apesar de tudo, permanecerem
internados nas instituições de saúde e continuarem a efetuar os tratamentos
médicos. A negação poderá, igualmente, ocorrer em outras situações quando o
doente já se encontra num estado emocional diferente e em fases mais tardias da
doença. Em alguns casos os doentes podem manter-se em negação até a morte ou

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iniciar uma peregrinação de médico em médico na procura de um diagnóstico
diferente que confirme o suposto “erro” do primeiro.

8.2 Fase de revolta

O doente reconhece a existência de uma doença grave e mortal, mas não a


aceita, reagindo de forma típica com raiva e exprimindo revolta perante a sua má
sorte. Esta fase é bastante difícil, tanto para a família como para os profissionais de
saúde.
O doente pode exprimir críticas em relação ao médico por não ter
diagnosticado a tempo a sua doença, aos enfermeiros por não serem
suficientemente rápidos na resposta aos seus pedidos e a Deus, por lhe ter imposto
uma “sentença de morte”. Como consequência destes comportamentos, as pessoas
que o rodeiam começam a afastar-se. É importante que esta revolta seja
exteriorizada e aceita, uma vez que se trata de uma reação frequente e quase
inevitável. KÜBLER-ROSS (1969) recomendou uma atitude de tolerância perante
estas manifestações de revolta já que a sua expressão poderá resultar em alívio e
dará lugar posteriormente a uma aceitação mais tranquila.

8.3 Fase de negociação

Segundo KÜBLER-ROSS (1969) esta fase é a menos conhecida das várias


fases de adaptação, mas uma das mais importantes para o doente durante um curto
período de tempo. O doente já admite a existência da doença e tenta “negociar” a
sua cura. Trata-se de uma tentativa de ter algum controle sobre as más notícias,
pactuando com Deus e com os médicos. “Se me curasse, dedicaria toda a minha
vida a ajudar os outros”, “Doutor, ajude-me a viver mais alguns anos, até que os
meus filhos não precisem tanto de mim”. É frequente que o doente siga
escrupulosamente o seu tratamento, que comece uma dieta mais saudável, que
prometa ser mais compreensivo e tolerante com os outros e dedicar mais tempo às
práticas religiosas, como “moeda de troca” pelo prolongamento da sua vida.

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8.4 Fase de depressão

Quando os mecanismos anteriores fracassam, o doente pode cair num


quadro depressivo grave, apresentando: desânimo generalizado, inquietação,
alterações do sono e perda de apetite, entre outros sintomas.
KÜBLER-ROSS descreveu dois tipos de depressão que merecem diferentes
abordagens por parte dos profissionais de saúde e da própria família: a depressão
reativa e a depressão preparatória.
A depressão reativa aparece devido aos sentimentos de impotência, muitas
vezes relacionados com problemas ou necessidades do doente, que precisam de
ser equacionados e resolvidos, quando o estado de saúde se deteriora.
Na depressão preparatória o doente está preparado para a morte e para a
separação daqueles e daquilo a que está mais ligado na vida. Nesta etapa, o
silêncio e a presença de familiares são fundamentais.
De início, a depressão é reativa e o doente exterioriza a sua tristeza. Poderá
seguir-se um período de silêncio, durante o qual o doente se prepara para morrer,
tornando-se mais calmo e evitando as visitas. A comunicação é, sobretudo, não
verbal e o doente deseja apenas a presença física dos familiares e amigos mais
próximos.

8.5 Fase de aceitação

Nesta fase, o doente compreende que a doença e sua evolução são


inevitáveis, mas pode reagir fechando-se em si mesmo e evitando os familiares. Esta
atitude pode ser difícil de aceitar para os mesmos, que não compreendem o
processo e se sentem ofendidos ou irritados com este comportamento.
KÜBLER-ROSS (1969) constatou que os doentes em fase terminal que
receberam apoio apresentavam um percurso mais fácil até à aceitação. Verificou
também que os doentes mais idosos, que tinham uma vida construída (filhos adultos
e uma situação profissional já percorrida), necessitavam de menos ajuda para
alcançar a fase de aceitação mais rapidamente.

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Alguns doentes aceitam, desde o início, a ideia de que são portadores de uma
doença que os pode levar à morte. Decidem, no entanto, viver como se estivessem
bem e passam a comportar-se como se os seus projetos para o futuro não fossem
afetados pela doença. Estes doentes não mudam o seu estilo de vida e podem
esconder a sua doença do resto das pessoas, mesmo das mais próximas.
O nível de adaptação à doença no momento da morte varia de doente para
doente: uns continuam a negar a evidência, outros afundam-se na depressão e só
alguns atingem a fase de aceitação. Estes últimos são descritos como sendo os que
podem manter conversas profundas, que conseguem aceitar os aspectos positivos e
negativos da vida, demonstrando maior maturidade e uma vida interior e
interpessoal mais fecunda.
Outros autores descreveram movimentos de adaptação à doença. Para
STEDEFORD (1994) estes consistem em:
a) choque e embotamento;
b) ansiedade e denegação;
c) interrogações;
d) zanga e culpabilidade;
e) luto;
f) resignação ou aceitação.
Embora pretendam ser um contraponto às fases de KÜBLER-ROSS e
introduzam alguns matizes, na realidade têm muito em comum com as fases
anteriormente descritas.

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FATORES QUE MODIFICAM A ADAPTAÇÃO

Fonte: Pixabay.com

A adaptação à doença oncológica é influenciada por fatores pessoais,


socioculturais e médicos.
Entre os fatores pessoais contam-se os aspetos da personalidade, a
maturidade afetiva, os mecanismos de adaptação habitualmente usados (coping),
experiências anteriores com doenças ou perdas, tanto do próprio como de familiares
e amigos, a existência de antecedentes psiquiátricos e ainda perspectivas
espirituais, religiosas ou filosóficas que possam facilitar a esperança ou a aceitação.
Os fatores socioculturais incluem as atitudes sociais face à doença e à morte,
os recursos socioeconômicos e o nível de apoio social. A doença oncológica é
atualmente encarada com mais otimismo nas sociedades desenvolvidas. Os
resultados da investigação permitiram criar tratamentos mais seletivos e menos
tóxicos, associados ao aumento da sobrevivência e da taxa de cura. Os avanços
científicos justificam por vezes o pouco interesse pela temática da morte e dos que
estão a caminho da morte. Nesse contexto, os objetivos da intervenção médica
podem correr o risco de se tornar eminentemente curativos, descurando os cuidados
paliativos e considerando-os como menos importantes.

22
Dentre os fatores médicos estão o tipo de doença, a natureza dos sintomas e
as atitudes dos técnicos. Os fatores decorrentes da doença incluem o tipo de doença
oncológica, o seu estágio, a sintomatologia (especialmente a presença de dor e de
incapacidade funcional) e o prognóstico. A experiência e a sensibilidade do médico,
assim como a preocupação manifestada e a disponibilidade na prestação de
cuidados ao longo da evolução da doença são enormes fontes de apoio para o
doente e a família. Um dos aspectos importantes para uma pessoa em fase terminal
é a possibilidade de falar sobre a sua morte. O médico deve abordar esta temática
disponibilizando o seu tempo para ouvir e partilhar experiências sobre o tema.
As características pessoais, as atitudes e os conhecimentos dos cuidadores,
assim como o local onde os cuidados são ministrados podem ter um efeito mais ou
menos tranquilizante.
A resiliência individual, isto é, a capacidade de resistir à adversidade é um
fator que permite manter a dignidade e a qualidade de vida, mesmo em situações
adversas. Doentes cujos familiares morreram de doença oncológica em grande
sofrimento podem ter níveis mais altos de ansiedade. Outra fonte de ansiedade é o
receio de serem abandonados pelos seus cuidadores. Transmitir que tudo será feito
para evitar o sofrimento e que serão acompanhados até ao fim, contribuirá para
diminuir grande parte da sua angústia.
Em todas as fases descritas por KÜBLER-ROSS, há um traço comum
presente em todos os doentes: a esperança. É ela que permite que se sujeitem a
exames e tratamentos médicos, na expectativa de encontrarem uma derradeira cura.

23
LEITURA COMPLEMENTAR

Autor: Giseli Vieceli Farinhas


Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
494X2013000200009

IMPACTO PSICOLÓGICO DO DIAGNÓSTICO DE CÂNCER NA FAMÍLIA: UM


ESTUDO DE CASO A PARTIR DA PERCEPÇÃO DO CUIDADOR

RESUMO

Este estudo investigou o impacto psicológico do diagnóstico de câncer em


uma família e as estratégias de enfrentamento utilizadas pela mesma a partir da
percepção do cuidador do paciente. Realizou-se um estudo de caso do qual
participou a filha de uma paciente que recebeu o diagnóstico de câncer. Utilizou-se
uma entrevista semiestruturada. Analisaram-se os dados por meio de análise de
conteúdo. Observou-se que a filha que assumiu o papel de cuidadora era a familiar
mais próxima da paciente e que, embora tenha assumido essa tarefa
espontaneamente, houve sobrecarga. A espiritualidade já era uma prática da família
e foi impulsionada em decorrência da descoberta do câncer. A psicoterapia foi
fundamental ao longo do tratamento e trouxe melhoras para a vida de toda a família.
Aspectos transgeracionais foram observados, na medida em que a família
apresentava histórico de câncer com desfecho negativo, indicando a importância de
considerar a história das gerações prévias para compreender como a família atual
maneja situações de crise.

Palavras- chave: Câncer, Família, Cuidador, Estratégias de enfrentamento.

INTRODUÇÃO

24
Problemas de ordem emocional ocorrem com frequência tanto em pacientes
com câncer como em seus familiares em função da dificuldade em lidar com o
diagnóstico. Não raro, transtornos psicológicos como depressão e ansiedade são
diagnosticados no paciente em seus familiares em todas as fases do tratamento
(CEOLIN, 2008). Segundo PENNA (2004, p. 379): "estas consequências se devem
porque a palavra câncer adquiriu uma conotação de doença terrível, sem cura, e que
termina em morte sofrida". Entretanto, apesar das doenças oncológicas serem, na
sua maioria, crônicas, nem sempre levam a morte devido a modernas medicações e
a tratamentos inovadores. Quanto ao seu impacto, a notícia do câncer é capaz de
mudar de forma considerável o relacionamento entre os membros da família e a
forma como se comunicam e resolvem questões diárias (MELO et al., 2012).
Sabe-se que uma das principais consequências da notícia do diagnóstico de
câncer é o sentimento de incerteza relacionado aos problemas e as mudanças que
as famílias cujo um dos familiares é diagnóstico com câncer sofrem (FERREIRA,
DUPAS, COSTA, & SANCHEZ, 2010; MELO, SILVA, & FERNANDES, 2005;
MCDANIEL, HEPWORTH, & DOHERTY, 1994). Quanto aos problemas, podem-se
citar: (a) dificuldades econômicas geradas pelos gastos com o tratamento, (b)
ocultação do diagnóstico como forma de minimizar comentários indesejáveis, (c)
surgimento de conflitos familiares que prejudicam o suporte necessário e (d)
necessidade de constantes adaptações e mudanças nos hábitos de vida
(FERREIRA et al., 2010). Em relação às mudanças que o diagnóstico de câncer
pode causar para o paciente e para sua família devem-se destacar as perdas
subjacentes à doença, como: (a) perda da saúde e papéis anteriormente exercidos
pelo paciente, (b) a impossibilidade de realizar e construir projetos de vida, (c) a
redução da renda e (d) o encurtamento do período de vida (BERGAMASCO &
ANGELO, 2001; SILVA, 2000).

A FAMÍLIA DO PACIENTE COM CÂNCER

O impacto do câncer nos pacientes e nos membros da família pode ser


compreendido a partir da teoria sistêmica, a qual enfatiza as inter-relações que se

25
estabelecem entre os componentes da família e o efeito mútuo que cada membro
tem sobre os demais (SILVA, 2000). Assim, ocorre uma influência recíproca entre
paciente e família na medida em que, não apenas o paciente sofrerá significativas
alterações em sua vida ao longo do tratamento, como também toda a sua família
(CEOLIN, 2008). Na medida em que o diagnóstico de câncer, e todo o processo da
doença, são vivenciados pelo paciente e por sua família como um momento de
intensa angústia, sofrimento e ansiedade (VENÂNCIO, 2004), uma crise vital na
família pode ser desencadeada (CEOLIN, 2008; FERNANDES, 2004; SILVA, 2000;
McDANIEL et al., 1994).
Um aspecto fundamental a ser considerado quando ocorre uma crise na
família é o fenômeno da transgeracionalidade. De acordo com FALCKE & WAGNER
(2005), a transgeracionalidade diz respeito aos processos transmitidos pela família
de uma geração para a outra que permanecem presentes ao longo da história da
família. Para essas autoras, o impacto dos aspectos transgeracionais tende a
acontecer em momentos específicos do ciclo vital – as crises –, nos quais o sujeito
se depara de forma mais concreta com questões de sua família de origem. Durante
os períodos de crise, há um acúmulo de estresse no núcleo familiar, o que pode
levar a: (a) uma estagnação da família diante da situação que gerou a crise, ou (b)
impulsionar a família rumo a mudanças evolutivas (FALCKE & WAGNER, 2005).
No que se refere ao estresse causado pelo câncer, sabe-se que a família
pode apresentar queixas ocasionadas pelo sofrimento emocional, psicológico e
físico de seu familiar (PENNA, 2004). Esse estresse é oriundo das demandas e das
consequências do tratamento, como internações, quimioterapias, cirurgias e sessões
de radioterapia. Desta forma, por meio da rotina do tratamento de um familiar com
câncer, a família começa a ser introduzida a um mundo que a amedronta,
desconhecido e diferente do qual ela está habituada: o mundo da doença. Da
mesma forma como sofrem as consequências diretas da doença de seu familiar, os
familiares também têm enorme influência sobre o tratamento do câncer do paciente
(CEOLIN, 2008; FERREIRA et al., 2010). Um exemplo dessa situação ocorre
quando algumas famílias induzem o paciente a não realizar uma determinada
cirurgia por acreditar que ela não o salvará. Outras famílias podem não colaborar

26
com as sessões de quimioterapia, ou podem acentuar processos depressivos no
paciente.
Assim, em função do sofrimento e das mudanças trazidas pelo diagnóstico de
câncer, recomenda-se que a família do paciente receba acompanhamento
psicológico (CEOLIN, 2008). Entretanto, nem sempre os serviços dos hospitais nos
quais ocorre o tratamento do câncer oferecem terapia familiar, sendo mais comum
atendimento apenas ao familiar cuidador que acompanha o paciente no tratamento.

O CUIDADOR DO PACIENTE COM CÂNCER

Quando se fala em câncer na família, uma questão fundamental a ser


abordada refere-se ao cuidador principal do familiar doente. Segundo RIBEIRO &
SOUZA (2010), a afetividade, a proximidade residencial, a disponibilidade de tempo
e o suporte financeiro são aspectos importantes na hora de definir quem será o
cuidador familiar. Entretanto, essas pesquisadoras ressaltam que nem sempre a
escolha do cuidador é espontânea, uma vez que ela pode ocorrer por indicação da
família ou por falta de outros cuidadores alternativos. Quanto ao perfil do cuidador,
sabe-se que: (a) há mais mulheres exercendo o papel de cuidadoras de seus
familiares do que homens (RIBEIRO & SOUZA, 2010), (b) a maior parte dos
cuidadores é formada por filhos (MARTINS, SILVA FILHO & PIRES, 2011) ou por
esposas dos pacientes (RIBEIRO & SOUZA, 2010) e (c) o fato de estar presente ao
longo do tratamento pode sobrecarregar o cuidador (MARTINS et al., 2011;
VOLPATO & SANTOS, 2007). Diferentes pesquisas têm sido realizadas a fim de
investigar como o cuidador vivencia a tarefa de acompanhar e cuidar de seu familiar
enfermo (FLORIANI, 2004; MARTINS et al., 2011; RIBEIRO & SOUZA, 2010;
VOLPATO & SANTOS, 2007; WANDERBROOCKE, 2005).
WANDERBROOCKE (2005), por exemplo, realizou um estudo sobre o
cuidado com um familiar com câncer e seus resultados mostraram que: (a) há uma
tendência de que a família eleja um cuidador principal, mesmo que ele não tenha
concordado explicitamente, (b) é comum que a função de cuidador principal seja
assumida pelo membro que já vinha realizando funções de cuidador, (c) o papel de
cuidador principal é assumido de acordo com a qualidade dos relacionamentos

27
estabelecidos na história prévia da família, gerando um senso de sentido e
coerência, e (d) os principais motivos que levam ao cuidador assumir tal função
estão relacionados à reparação, à retribuição e à manutenção do papel. Outro
estudo, cujo objetivo foi investigar as dificuldades vivenciadas pelos cuidadores
familiares de pacientes com câncer mostrou que, embora ocorram mudanças
significativas em sua rotina, os cuidadores: (a) se sentem satisfeitos em cuidar e (b)
não expressam sentimentos negativos quanto ao paciente (RIBEIRO & SOUZA,
2010).
De qualquer forma, o cuidador precisa se adaptar a sua nova função,
reorganizando sua rotina para poder acompanhar a nova rotina do paciente, bem
como, dar conta da dura realidade da doença. Em função desta necessidade de
adaptação e de todos os problemas emocionais que o cuidador pode desenvolver –
tais como, depressão, insônia, estresse, desânimo e doenças psicossomáticas
(VOLPATO & SANTOS, 2007) –, a busca por apoio psicológico para o cuidador
familiar se faz necessária (MARTINS et al., 2011). Resultados de diferentes
pesquisas sobre essa temática indicam, ainda, que o cuidador principal do familiar
doente precisa ser tratado com atenção especial, uma vez que seu estado de saúde
física e emocional influenciarão diretamente o bem-estar e os cuidados do paciente
e a qualidade de vida de ambos (FLORIANI, 2004; SILVA, 2009; VOLPATO &
SANTOS, 2007).

A ESPIRITUALIDADE COMO UMA ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO


(COPING)

O acontecimento de uma doença é considerado uma situação adversa do


desenvolvimento e, por essa razão, requer "o planejamento de oportunidades
ambientais compensatórias que garantam, no mínimo, que o curso evolutivo do
desenvolvimento humano seja minimamente prejudicado" (COSTA JUNIOR, 2005,
p. 172). Assim, as pessoas envolvidas no contexto da doença precisam lançar mão
de estratégias de enfrentamento, ou seja, habilidades para enfrentar ou para lidar
com situações estressantes. Consideram-se estratégias de enfrentamento o esforço
cognitivo e comportamental utilizado pelas pessoas para administrar as exigências

28
impostas por um agente estressor, o qual pode ser desencadeado, por exemplo, por
uma situação de perda, mudança ou adoecimento (CARVALHO et al., 2008). Entre
as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares e pacientes ao longo do
processo de adoecimento está a espiritualidade (BARRETO & AMORIM, 2010;
CARVALHO et al., 2008; FERREIRA et al., 2010; SILVA et al., 2008).
Pesquisas recentes têm mencionado o Coping Religioso/Espiritual (CRE), o
qual se caracteriza pelo uso da espiritualidade, da religião ou da fé para lidar com o
estresse e os problemas de vida (ALMEIDA & STROPPA, 2009; PANZINI &
BANDEIRA, 2007; PANZINI et al., 2007). Sabe-se que a religião e, mais
especificamente, a prece, são estratégias comumente adotadas por pacientes com
câncer, sendo que, muitos deles, tornam-se mais religiosos após o diagnóstico da
doença (CARVALHO et al., 2008). Os resultados de um estudo sobre as concepções
de familiares ao receberem o diagnóstico de câncer de um membro de sua família
indicaram que: (a) a fé é uma estratégia importante para o enfrentamento tanto do
diagnóstico como do tratamento do câncer e (b) que a oração e a reflexão são
formas de suportar os reveses da doença e funcionam como uma proteção para os
familiares. Outra pesquisa, cujo objetivo foi compreender a experiência de famílias
em situações de vivência com o câncer mostrou, no entanto, que a prática religiosa
não é uma novidade para estas famílias, mas sim é revigorada com o aparecimento
da doença, uma vez que força e perseverança são necessárias para tolerar a
doença e seu consequente tratamento (FERREIRA et al., 2010).
Considerando-se que (a) a família é a principal fonte de apoio do familiar com
câncer, (b) a notícia do câncer dá início a uma crise familiar e (c) a família precisa
lançar mão de estratégias de enfrentamento para lidar com a crise, os objetivos
deste estudo são investigar o impacto psicológico do diagnóstico de câncer em uma
família, bem como conhecer suas estratégias de enfrentamento, mais
especificamente a espiritualidade, a partir da visão do cuidador familiar do paciente
diagnosticado.

MÉTODO

29
Participou desde estudo Camila, uma das filhas de uma paciente que recebeu
o diagnóstico de câncer de pele. Ela é a filha do meio, tem 31 anos de idade, possui
curso técnico e é separada. A mãe de Camila, Norma, tem 54 anos de idade, é
agricultora, casada, têm três filhos (duas filhas adultas e um filho adolescente).
Norma começou a fazer uso de fluoxetina, após ter recebido o diagnóstico de
câncer, para tratamento de transtorno de humor depressivo. Como critério de
inclusão, definiu-se que o participante precisaria ter estado presente da consulta
médica na qual foi realizado o diagnóstico do câncer de seu familiar.
Optou-se por entrevistar apenas um familiar do paciente diagnosticado, uma
vez que no Hospital no qual foi realizado o estudo, somente uma pessoa da família
pode participar das consultas e do acompanhamento médico subsequente. Outro
motivo pelo qual se optou por entrevistar apenas um familiar da paciente
diagnosticada foi que a família em questão não morava na cidade na qual foi
realizado o tratamento, o que dificultaria o acesso a outros membros da mesma.

Instrumentos

O instrumento utilizado foi uma entrevista semiestruturada, composta por 11


questões norteadoras: (a) fale sobre a história de sua família, (b) quando surgiram
as suspeitas sobre o câncer de sua mãe? (c) há histórico de câncer na sua família?
(d) como sua mãe reagiu ao receber o diagnóstico de câncer? (e) Como você reagiu
ao receber o diagnóstico de câncer de sua mãe? (f) como sua família reagiu? (g) por
que foi você que veio acompanhar sua mãe no hospital? (f) quais os sentimentos
gerados pelo diagnóstico de câncer em você em sua família? (g) que mudanças
aconteceram em sua família devido ao diagnóstico? (h) houve mudanças específicas
na sua vida? (i) conte como está sua família atualmente.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada em um ambulatório de oncologia de um


hospital filantrópico localizado no Vale do Taquari, no interior do Rio Grande do Sul.
Para realização da coleta de dados, Camila foi contatada por telefone pela

30
pesquisadora após participar da primeira consulta com o médico oncologista que
diagnosticou o câncer. Uma vez demonstrado o interesse de Camila em participar do
estudo, a entrevista foi agendada. Realizou-se a entrevista no hospital onde Norma
estava realizando o tratamento. A entrevista foi gravada e posteriormente transcrita
para análise. Assim que aceitou participar do estudo, Camila leu e assinou o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O método utilizado para elaboração deste trabalho foi o estudo de caso, o
qual permite a utilização de instrumentos que oportunizam investigar o tema
pesquisado com uma maior profundidade. Segundo GIL (2009), o estudo de caso é
caracterizado pelo estudo profundo de um ou de poucos objetos, de maneira a
permitir o seu conhecimento amplo e detalhado, tarefa praticamente impossível
mediante os outros tipos de delineamentos considerados. Para analisar os dados
coletados na entrevista, utilizou-se análise de conteúdo (LAVILLE & DIONNE, 1999).
Optou-se pelo modo aberto de categorização, o qual permite que categorias sejam
criadas e modificadas ao longo do processo de análise dos dados (LAVILLE &
DIONNE, 1999).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da leitura da entrevista e da análise dos dados definiram-se cinco


categorias: (a) Histórico familiar anterior à descoberta do câncer (b) Descoberta do
câncer, (c) Reação da família ao diagnóstico de câncer, (d) Estratégias de
enfrentamento e (e) Retomando a vida após a crise. Considerando-se que o objetivo
deste estudo foi realizar um estudo de caso, organizaram-se as categorias de
acordo com a ordem temporal na qual os eventos aconteceram. Assim, pode-se
compreender o impacto do diagnóstico de câncer na família em questão a partir de
uma perspectiva de desenvolvimento.

Histórico familiar anterior à descoberta do câncer

Norma é a filha mais velha de seis irmãos. Ela foi a única filha que continuou
na agricultura e que não teve oportunidade de estudar. É casada e têm dois filhos

31
além de Camila: uma filha mais velha e um filho adolescente. Camila é a filha mais
apegada à mãe. Isso ficou claro quando Camila relatou como foi a gestação de seu
irmão mais novo. Ela contou que a mãe engravidou, sem planejar, com mais de 35
anos e que negou a gravidez até o momento do nascimento do filho, pois segundo
Camila, a mãe "se escondeu da sociedade, pois se achava velha para ter filho" [sic].
Em função da dificuldade de Norma em aceitar a gestação e o filho, foi Camila quem
assumiu os cuidados do irmão mais novo.
A doença da mãe veio à tona em um momento familiar complexo. Camila
estava separada a alguns meses de seu marido, o qual era muito ligado à sogra. A
filha mais velha de Norma estava grávida de seu primeiro filho. Em função da
descoberta do câncer e do tratamento, Norma não pode acompanhar muito a
gestação da filha, a qual, por sua vez, se afastou de Norma. Também foi nesse
período que uma forte enchente atingiu a propriedade rural onde Norma vivia com o
marido e com o filho, a qual foi parcialmente destruída.
Quanto ao histórico em relação à doença, o pai de Norma faleceu em
decorrência do câncer e sua mãe tem câncer de pele, mas se nega a tratá-lo. O fato
do pai de Norma ter falecido em decorrência do câncer, reforça o estigma e a
conotação de morte desta doença. No caso de Norma, mais do que um estigma, a
morte em decorrência do câncer é um dado de realidade. Segundo Camila, sua avó
nunca fez tratamento, pois acredita que a doença não era grave. Assim como sua
mãe, Norma nunca teve o hábito de usar protetor solar e costumava fazer seus
trabalhos na agricultura em horários impróprios para exposição solar no verão.

A descoberta do câncer

A família buscou tratamento para Norma na tentativa de atenuar um sinal, que


já existia há pelo menos cinco anos, localizado próximo ao olho direito. Os filhos e o
marido obrigaram-na a procurar um médico após uma conversa em família. Todos
estavam preocupados, mas ninguém temia o pior a não ser a própria paciente. De
acordo com Camila, sua mãe se negava a investigar o sinal, pois sabia que não era
uma coisa simples em virtude de seu pai ter falecido de câncer. Pode-se pensar que
ao se deparar com a possibilidade de estar com algum tipo de doença oncológica,

32
Norma reviveu o sofrimento por ter perdido seu pai para o câncer e surgiram fortes
estigmas em relação à doença, como sofrimento, dor e medo da morte.
Apesar da resistência de Norma, Camila agendou uma consulta com um
dermatologista, o qual a encaminhou imediatamente para um médico oncologista. A
partir deste momento, Camila foi o membro da família que esteve presente durante
todo o processo de tratamento da mãe, que incluiu intervenções cirúrgicas e
reabilitação. O fato de Camila ter se tornado a cuidadora de sua mãe corrobora
dados de outras pesquisas, as quais mostraram que a maioria dos acompanhantes
de pacientes oncológicos é formada por mulheres (RIBEIRO & SOUZA, 2010) e por
filhos dos próprios pacientes (MARTINS et al., 2011).
Camila acompanhou a mãe na consulta com o oncologista e o diagnóstico de
câncer de pele foi confirmado: "um câncer já bastante profundo" [sic], de acordo com
o médico. Camila relatou que a resposta da mãe quando o oncologista questionou
se Norma costumava se expor ao sol em horários impróprios chamou muito sua
atenção. Norma relatou que só lidava na agricultura em horários próprios para
exposição solar e que se protegia com chapéu e protetor solar. Porém, de acordo
com Camila, a mãe nunca comprou um protetor solar.
Pode-se pensar que na família pesquisada existem aspectos transgeracionais
envolvidos na descoberta e no tratamento do câncer. O pai de Norma faleceu desta
doença e sua mãe se negou a tratá-la, o que sugere que o legado transmitido à
família é de não enfrentamento e de negação do problema. Os resultados deste
estudo sugerem que Norma também tentou cumprir tal legado, na medida em que:
(a) não buscou tratamento, (b) teve que ser levada pela família à consulta médica e
(c) distorceu alguns dados sobre exposição solar quando questionada. Assim, a
conduta de Norma diante de sua doença indica que parece haver uma tentativa de
repetição da trajetória de seus pais no que se refere às formas de lidar com o
câncer.
Camila, por sua vez, como membro de uma terceira geração sofrendo as
consequências do câncer, conseguiu se dar conta da importância do tratamento da
mãe, e agir de forma diferente. Ela se transformou na principal cuidadora e
incentivadora de sua mãe frente ao tratamento, o que indica uma tentativa de
"quebrar" um legado de negação e de não enfrentamento do câncer em sua família.

33
Conforme salientaram FALCKE & WAGNER (2005) são nos momentos de crise que
o poder dos padrões trasngeracionais fica mais evidente, sendo que tais padrões
podem determinar comportamentos tanto favorecedores como obstaculizadores de
saúde na família. Famílias que possuem um funcionamento mais saudável e
adaptativo às mudanças parecem conseguir lidar de forma mais harmônica e
buscam a resolução dos problemas, mesmo que para isto seja necessário mudar
papéis já estabelecidos e movimentar a homeostase familiar (LORIEDO & SROM,
2002).
Quanto ao tratamento, Norma e Camila receberam o atendimento
multidisciplinar oferecido pelo ambulatório de oncologia, o qual incluiu
acompanhamento semanal, durante seis semanas pelo cirurgião oncológico, desde
o momento do diagnóstico até a alta hospitalar. Por considerar Norma muito ansiosa
e triste, o cirurgião oncológico a encaminhou para a psicóloga da instituição antes da
realização da cirurgia. Assim, a paciente recebeu acompanhamento psicológico
durante o processo de hospitalização e após a realização da cirurgia por um período
de três dias. Camila participou por uma vez do grupo de orientações aos familiares
de pacientes oncológicos, realizado por uma equipe multidisciplinar composta por
psicóloga, assistente social, enfermeira e nutricionista.

Reação da família ao diagnóstico de câncer

Quanto à reação de Norma, além da negação diante do questionamento do


oncologista sobre seus hábitos em relação à exposição solar, Norma apresentou
muitos sintomas de depressão e recebeu um novo diagnóstico: "depressão
profunda". Sabe-se que a depressão é comum em pacientes com diagnóstico de
câncer e que, quando não há acompanhamento psicológico, a depressão pode
piorar a doença e diminuir a sobrevida (GARCIA et al., 2000). Além destas reações,
Norma demonstrou uma preocupação em não preocupar sua família com seus
medos sobre o câncer. De acordo com o relato de Camila, Norma procurou um
vizinho para dividir suas angústias e disse a ele que não gostaria que a família
soubesse de seus medos. De acordo com MELO et al. (2005), tanto a pessoa
acometida pela doença oncológica como suas relações são afetadas de forma

34
profunda pelo câncer, causando preconceito e constrangimento. Pode-se pensar
que Norma tenha evitado conversar com seus familiares sobre a doença em função
de seus sentimentos depressivos e de seus próprios medos quanto ao desfecho do
tratamento, uma vez que ela nunca teve muitas expectativas de que fosse melhorar.
Além disso, é possível que os sintomas depressivos e a desesperança de Norma
estivessem de alguma forma, relacionados à vivência anterior da perda de seu pai
para o câncer.
No que se refere à reação da família, tanto o marido como o filho de Norma
assumiram uma postura de não conversar com a mãe sobre o diagnóstico. Segundo
Camila, o assunto câncer não era "falado" na frente da mãe. Pode-se pensar que,
além de estar relacionado ao aspecto estigmatizante do câncer (MELO et al., 2005),
este comportamento de distanciamento dos familiares de Norma evidencia
características do funcionamento familiar, como a tendência a negar o problema.
Considerando-se que o câncer já foi vivenciado em outras gerações, essa conduta
da família pode estar trazendo à tona a questão do segredo intrafamiliar. Sabe-se
que o uso de segredos na família pode demonstrar uma tentativa de proteção dos
membros entre si. Em se tratando de uma doença grave, como o câncer, parece ser
um dos recursos que vários familiares utilizam para lidar com a dor e o sofrimento,
tentando poupar o ente querido da repercussão que a doença ocasiona. Porém, a
presença de um segredo nas famílias distorce e mistifica os processos de
comunicação, fazendo com que os membros possam se tornar cegos, surdos e
mudos com relação às informações, e desta forma, perpetuando comportamentos de
forma transgeracional (IMBER-BLACK, 2002).
Antes de apresentar os resultados quanto à reação de Camila, deve-se
salientar, conforme ilustra a história de sua família de origem, que, desde muito
tempo, Camila vinha sendo a filha mais próxima de Norma. Portanto, não por acaso,
foi Camila quem assumiu o papel de cuidadora de sua mãe. Este resultado indica,
em consonância com WANDERBROOCKE (2005), que há uma tendência de que o
papel de cuidador do familiar com câncer seja assumido por um membro da família
que já realizava ações de cuidado e que, portanto, era mais próximo do familiar que
apresentou a doença. Esta seria uma forma de manter a coerência dentro do
sistema familiar de acordo com sua história de relacionamentos prévia.

35
Sobre a reação de Camila, o fato dos outros membros da família terem
tomado uma atitude de esquiva e evitação em relação à da doença de Norma, fez
com que Camila se sentisse sobrecarregada. O peso da responsabilidade e o medo
de não dar conta de toda situação familiar foram sentidos fortemente por ela: "Não
sei de onde consegui tanta força, só pensava que minha mãe não tinha outra pessoa
que ela pudesse contar, precisava ser forte e não demonstrar o quanto estava
preocupada, triste e extremamente cansada" [sic]. De fato, cuidar de um familiar com
câncer poder se tornar uma sobrecarga (MARTINS et al., 2011; VOLPATO &
SANTOS, 2007). O relato de Camila corrobora resultados de outras pesquisas, as
quais mostraram que cuidadores de pacientes com câncer podem, com frequência,
apresentar problemas psicológicos como desânimo, estresse, insônia, depressão e
doenças psicossomáticas (VOLPATO & SANTOS, 2007).
Outro aspecto manifestado por Camila em relação à doença da mãe refere-se
às fantasias quanto ao prognóstico da doença. Observaram-se fantasias em relação
a recidivas e à morte, uma vez que os médicos explicaram que Norma deveria ter
acompanhamento médico pelo resto da vida. Desde então, Camila mencionou que
começou a sentir "medo que surgissem mais focos de câncer pelo resto da vida"
[sic]. Por outro lado, observou-se que, se existiam fantasias negativas quanto ao
desfecho do tratamento, também havia um sentimento de esperança e de que no
final tudo iria dar certo, conforme relatou Camila: "no fundo eu tinha a certeza e a
esperança da recuperação dela, não somente do câncer, mas também da
depressão" [sic]. Diferentes pesquisas têm relatado que mesmo com todas as
incertezas e o sofrimento causado pelo câncer, os familiares dos pacientes tendem a
ser esperançosos quanto à cura e à recuperação (BARRETO & AMORIN, 2010;
MARTINS et al., 2011). De acordo com FERREIRA et al. (2010), a esperança em
relação à cura pode estar fundamentada na confiança que a família deposita no
tratamento.
Quanto a esta questão, observou-se que Camila apresentava uma grande
confiança na equipe médica, o que ajudou a tornar o tratamento menos sofrido: "o
médico deixou transparecer muita confiança, o que também aliviou um pouco a dor,
pois eu sabia que minha mãe estava nas mãos de um ótimo profissional" [sic]. A
confiança na equipe médica tem sido reportada como um fator importante para o

36
tratamento (GERONASSO & COELHO, 2012). Assim, a equipe de saúde pode ser
considerada como um porto seguro para as famílias, a qual é consultada nos
momentos de fraqueza e dúvida (BARRETO & AMORIN, 2010).

Estratégias de enfrentamento

Ao longo do tratamento de Norma, observaram-se estratégias de


enfrentamento positivas e negativas. O fato de a família de Norma não tocar no
assunto do câncer em sua frente foi considerado como uma estratégia de
enfrentamento negativa. Esse comportamento de fuga e esquiva está relacionado
aos sentimentos negativos que o câncer desperta na família, principalmente em
relação à morte (MARTINS et al., 2011). O uso dessa estratégia de enfrentamento
negativa por parte da família de Norma sobrecarregou Camila, a qual, não só se
tornou a única pessoa da família a cuidar diretamente de Norma, como passou a ser
uma ponte entre a mãe e os outros membros da família, levando e trazendo notícias
sobre o tratamento.
No entanto, os resultados deste estudo mostraram que a família em questão
fez mais uso de estratégias de enfrentamento positivas do que negativas. As
principais estratégias de enfrentamento positivas observadas foram: (a) psicoterapia
e (b) espiritualidade. Conforme relatado anteriormente, Norma foi acompanhada por
uma psicóloga durante o período em que esteve em tratamento no hospital antes e
depois da intervenção cirúrgica. Quando recebeu alta, Camila solicitou à psicóloga
hospitalar que a mãe continuasse tendo atendimento psicológico em sua cidade de
origem, o qual foi providenciado. De acordo com Camila, o fato de Norma fazer
psicoterapia foi muito importante não apenas para ela, mas também para todos os
membros da família. Embora não tocassem no assunto da doença diretamente com
Norma, Camila relatou que a família ficou muito preocupada com os sintomas
depressivos apresentados pela mãe. O maior medo não era perder a mãe pelo
câncer, mas sim, a possibilidade de ela "tentar contra si" [sic], isto é tentar o suicídio,
uma vez que, inicialmente, Norma, não queria fazer o tratamento e, muito menos, a
cirurgia e estava muito deprimida.

37
Como Camila foi a principal cuidadora da mãe, considerou-se o fato dela ter
realizado psicoterapia como uma estratégia de enfrentamento familiar. Em função da
sobrecarga e da responsabilidade por ter assumido este papel, a psicoterapia foi
importante para que Camila pudesse trabalhar estas e outras questões relativas à
doença de Norma. O fato de Camila ter se beneficiado com a psicoterapia corrobora
dados de outras pesquisas, as quais mostraram que buscar apoio psicológico para o
cuidador principal de um familiar com câncer é fundamental (FLORIANI, 2004;
MARTINS et al., 2011; SILVA, 2009; VENÂNCIO, 2004; VOLPATO & SANTOS,
2007). Portanto, considerando-se os benefícios alcançados por meio da psicoterapia
para a família em questão, os resultados deste estudo indicam que a psicoterapia
pode ser uma importante estratégia de enfrentamento para pacientes e familiares
envolvidos no tratamento do câncer. Conforme salientou VENÂNCIO (2004), o papel
do psicólogo é fundamental, pois ele visa manter o bem-estar psicológico do
paciente, identificar fatores emocionais que interferem na saúde, assim como,
proporcionar ao paciente e à família o significado da experiência do adoecer. Neste
sentido, considerando-se que a família é a fonte de apoio principal do paciente com
câncer, cuidar dela é uma forma de ampliar a atuação do psicólogo
(WANDERBROOCKE, 2005).
Além disso, Camila frequentou o grupo de apoio aos familiares de doença
oncológica do hospital. Participar deste grupo é importante, pois os profissionais de
saúde esclarecem dúvidas quanto ao tratamento e os cuidados com o paciente –
desde a alimentação ao manejo adequado das questões emocionais – os quais
podem ser posteriormente repassados para os outros membros da família. No caso
da família estudada, todos os esclarecimentos fornecidos pelos profissionais de
saúde quanto à doença de Norma foram aproveitados, uma vez que nem Camila e
tampouco os outros membros da família sabiam como lidar com a doença. Espaços
nos quais se pode promover o aconselhamento psico-educativo são imprescindíveis
em situações de tratamento do câncer, uma vez que tanto o paciente como sua
família necessitam estar bem informados sobre a enfermidade (GARCIA et al.,
2000).
Além do acompanhamento psicológico, a religiosidade também foi observada
como uma estratégia de enfrentamento utilizada tanto por Norma como por sua

38
família, conforme relatou Camila: "nossa família sempre foi muito religiosa e durante
o período da doença, buscamos ainda mais ajuda religiosa, sendo que o Pastor
chegou a visitar minha família várias vezes" [sic]. Esses dados estão em
consonância com os resultados da pesquisa realizada por FERREIRA et al., (2010),
segundo a qual praticar a religiosidade é um comportamento que já faz parte da
rotina da família e que é aumentado com a descoberta da doença oncológica. Sabe-
se, também, que muitas pessoas se tornam mais religiosas depois de receberem o
diagnóstico de câncer (CARVALHO et al., 2008; GERONASSO & COELHO, 2012).
De acordo com Camila, durante todo o tratamento da mãe, todos os membros da
família buscaram na fé um amparo para superar os medos e a insegurança,
principalmente nos momentos mais delicados. Esse resultado está em consonância
com o estudo de BARRETO & AMORIN (2010) segundo o qual religiosidade é uma
ferramenta importante para facilitar a aceitação da doença. Além de a família ter
encontrado apoio na religiosidade, Norma também se beneficiou desta estratégia de
enfrentamento, pois, de acordo com Camila, a mãe foi quem mais buscou ajuda na
religiosidade.
Conforme estudos de ALMEIDA & STROPPA (2009) existe uma forte
associação entre espiritualidade e enfrentamento de situações de crise. Nesse
sentido, pode-se dizer que a família em questão fez uso do Coping Religioso/
Espiritual (CRE), estratégia de enfrentamento relacionada ao modo como as
pessoas utilizam sua religiosidade para lidar com situações de estresse e de
dificuldades na vida (ALMEIDA & STROPPA, 2009; PANZINI & BANDEIRA, 2007;
PANZINI et al., 2007). No caso da família estudada, pode-se pensar que o CRE
proporcionou maior aceitação, firmeza e capacidade de adaptação, principalmente
para Norma e Camila. Estes dados corroboram os achados por FORNAZARI &
FERREIRA (2010), os quais mostraram que a prática da religiosidade é uma
estratégia de enfrentamento importante, na medida em que pode ajudar: (a) na
adesão ao tratamento, (b) a reduzir a ansiedade e o estresse, (c) a melhorar a
qualidade de vida e (d) a ressignificar a situação da doença.
Considerando-se os benefícios que a religiosidade trouxe tanta para Norma
como para seus familiares, pode-se pensar, em consonância com GERONASSO &
COELHO (2012), que a religiosidade exerce uma influência positiva na qualidade de

39
vida de pessoas que estão com pessoas com câncer. As estratégias de
enfrentamento positivas tendem a disponibilizar para os pacientes portadores de
câncer e seus familiares melhores recursos internos e externos diante do
adoecimento e do tratamento necessário. Assim, os resultados deste estudo
mostraram que tanto apoio psicológico como religiosidade foram ferramentas
importantes para promover a melhora da qualidade de vida da família estudada.
Deve-se ressaltar ainda que, embora não sejam consideradas estratégias de
enfrentamento, houve mudanças na rotina da família em função do adoecimento de
Norma: (a) o filho mais novo intensificou os afazeres na agricultura para ajudar o pai
e poupar a mãe e (b) uma vizinha passou a ajudar no trabalho doméstico. Esses
resultados mostram que as mudanças ocorrem, pois, a família precisa se voltar para
as demandas do tratamento e para as possíveis limitações que o paciente sofrerá
em função do mesmo. Conforme salientaram FERREIRA et al., (2010) e MARTINS
et al., (2011), mudanças e reorganização da rotina de famílias cujo um dos familiares
está tratando uma doença oncológica são necessárias. A modificação de papéis e
de hábitos é necessária não apenas para que a família se adapte à nova realidade,
mas também para que garanta a continuidade de seu equilíbrio (MELO et al., 2012).

Retomando a vida após a crise

Atualmente, o filho mais novo de Norma passou no vestibular e foi morar com
Camila, a qual também voltou a estudar e está realizando um curso de graduação.
Norma mora com seu marido e ambos continuam trabalhando na agricultura.
Entretanto, diferentemente do que acontecia no passado, agora tomam cuidados
específicos relacionados à doença oncológica que antes não existiam: utilizam
protetor solar e chapéu e só se expõem ao sol em horas apropriadas. Estes novos
hábitos são considerados uma conquista e são vistos como um grande aprendizado
por toda a família. As mudanças ocasionadas na família bem como o aprendizado
de novos comportamentos podem ser compreendidas como uma consequência da
crise instaurada em função da descoberta do câncer de Norma. Em consonância
com FALCKE & WAGNER (2005), pode-se pensar que embora sejam períodos de

40
instabilidade, as crises impulsionam o crescimento da família e ajudam para que a
família alcance maior maturidade.
Quanto ao câncer, de acordo com o médico, o resultado da cirurgia de Norma
foi muito bom e surpreendente, pois, uma vez que a área afetada era muito grande,
não se esperava que a melhora fosse tão efetiva. Entretanto, Norma terá que ser
acompanhada de seis em seis meses pelo médico oncologista pelo resto de sua
vida, fato que ainda assusta a família. Deve-se ressaltar que o desfecho da situação
de Norma foi bastante diferente daquele de seu pai. Como a família de Norma
insistiu para que ela procurasse atendimento médico, seu câncer foi descoberto
relativamente cedo e foi possível tratá-lo com intervenção cirúrgica. O fato de Norma
ter sobrevivido ao câncer, mesmo que tenha que ser acompanhada até o final de
sua vida, representa a escrita de um novo final para a história que o câncer tem
nesta família. Por meio do sucesso do tratamento de Norma, ela e sua família estão
aprendendo que é possível sobreviver e continuar levando a vida, mesmo após a
descoberta tão temida do câncer.
Norma continua fazendo psicoterapia semanal em seu município de origem e
está tão vinculada que, segundo Camila, "não larga a terapia e a psicóloga por nada"
[sic]. Alguns resultados do acompanhamento psicológico, iniciado quando a doença
foi descoberta, mostram que Norma recuperou sua autoestima. De acordo com
Camila, a mãe está "até pintando as unhas" [sic] e, com frequência, vai a bailes com
seu marido, programas que antes não eram sequer cogitados. Tais mudanças na
vida de Norma indicam que os resultados da psicoterapia foram além da demanda
inicial relacionada às questões do câncer e trouxeram melhoras para outras áreas
da sua vida. Assim, pode-se dizer que muitas das mudanças atuais na vida de
Norma e de sua família somente foram possíveis graças à psicoterapia iniciada
quando o câncer foi descoberto. Esse resultado ressalta a importância do
acompanhamento psicológico no contexto do câncer. Conforme sugeriram GARCIA
et al. (2000) o profissional de saúde não pode se limitar apenas à investigação
clínica com foco na doença em si, ao contrário, deve dar importância aos aspectos
psicológicos e valorizar a história de vida do paciente. Por fim, em consonância com
BARRETO & AMORIN (2010) e MELO et al., (2005), os resultados deste estudo
mostraram que a descoberta e o processo de tratamento do familiar com doença

41
oncológica – considerando-se as estratégias de enfrentamento utilizadas – podem
aproximar os membros da família, tornando-a mais unida e autoconfiante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo investigar o impacto do diagnóstico de câncer


na família a partir da percepção do familiar cuidador do paciente diagnosticado.
Considerando-se a história da família estudada, observou-se que a filha que
assumiu o papel de cuidadora era a familiar mais próxima da paciente. Isso indica
que houve uma tendência de se manter uma coerência em relação aos cuidados
com a paciente. Quanto aos outros membros da família, o diagnóstico de câncer
causou evitação, na medida em que assumiram uma postura de não conversar
sobre a doença diretamente com a paciente, apenas com sua cuidadora. Observou-
se que, embora o papel de cuidadora tenha sido assumido de forma espontânea, ele
gerou sobrecarga para a cuidadora.
A crise causada na família pela descoberta do câncer fez com que a família
lançasse mão de estratégias de enfrentamento para reagir ao problema. As
principais estratégias de enfrentamento positivas foram a espiritualidade e o apoio
psicológico. Quanto à espiritualidade, observou-se que a mesma já desempenhava
um papel importante para a família em questão, a qual foi impulsionada em
decorrência da descoberta do câncer, tornando-se uma forma positiva de enfrentar a
doença. Na medida em que a fé e a oração foram recursos utilizados pela família
para enfrentar os medos e as incertezas causadas pelo impacto do câncer, pode-se
dizer que o fato da família fazer uso da espiritualidade antes da descoberta da
doença funcionou como um fator de proteção para o enfrentamento de todas as
fases do tratamento.
No que se refere ao apoio psicológico, os resultados deste estudo mostraram
que a psicoterapia: (a) foi uma estratégia de enfrentamento importante ao longo de
todas as fases do tratamento, (b) trouxe melhoras para a vida da família como um
todo, para além dos resultados esperados em relação ao manejo da doença. Assim,
mesmo com todo o peso de ser a segunda geração da família a vivenciar uma
doença oncológica, tanto a paciente como sua cuidadora conseguiram encontrar na

42
psicoterapia um espaço para ressignificar seus temores. Isso mostra a importância
de o psicólogo hospitalar estar atento às necessidades dos pacientes oncológicos
não apenas enquanto eles estão em tratamento no hospital, mas de poder
encaminhá-los para que sigam sendo acompanhados quando o tratamento finalizar.
Portanto, o papel da psicóloga hospitalar – a primeira psicóloga com quem a família
teve contato – foi essencial, pois, embora não tenha sido possível atender a família
toda, a psicóloga: (a) acompanhou a paciente com um olhar voltado para as
questões familiares e (b) providenciou os encaminhamentos necessários para que a
paciente pudesse receber atendimento em sua cidade de origem.
Na medida em que a família estudada apresentava história prévia de câncer
com desfecho negativo, observaram-se aspectos transgeracionais envolvidos na
descoberta e no tratamento da doença. Se, por um lado, houve uma tentativa de
Norma de repetir a história de sua família de origem negando a doença, por outro,
Camila reagiu no sentido de mudar essa história, ajudando Norma e sua família a
escreverem um final diferente, mais positivo e adaptativo. Isso mostra a importância
de considerar a história das gerações anteriores da família para compreender a
forma como a família atual maneja as situações de crise. Outro aspecto que merece
destaque refere-se aos estigmas em relação ao câncer. Quando a doença
oncológica acomete uma família pela segunda vez, as marcas do câncer ficam ainda
mais presentes e sofridas, aumentando os sentimentos negativos e as fantasias em
relação à doença na geração atual. Esse dado de realidade torna a notícia do
diagnóstico de câncer ainda mais pesada, uma vez que não são sentidos somente
os estigmas da cultura, mas sim feridas, muitas vezes ainda abertas, daqueles que
sobreviveram ao câncer na geração anterior. Todavia, na medida em que a família
utilizou recursos saudáveis para ligar com o diagnóstico de câncer, pode-se dizer
que a mesma é funcional.
Deve-se salientar que, embora este estudo de caso apresente um panorama
da vivência do diagnóstico de câncer na família estudada, ele foi realizado a partir
das percepções da cuidadora principal. Sugere-se que, em estudo futuros, outros
membros da família possam ser ouvidos a fim de conhecer como membros mais
periféricos da família lidam com o diagnóstico e enfrentam o câncer na família.
Propõem-se, ainda, que os serviços de psicologia dos hospitais sejam

43
implementados para que possam oferecer atendimento familiar e de casal para os
pacientes que estão tratando o câncer.

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