Você está na página 1de 14

PROTOCOLO DE ATENDIMENTO DE MUSICOTERAPIA

IMPROVISACIONAL MÚSICO-CENTRADA PARA CRIANÇAS COM


AUTISMO

MUSIC-CENTERED IMPROVISATIONAL MUSIC THERAPY TREATMENT


PROTOCOL FOR CHILDREN WITH AUTISM

Marina Freire1/ Aline Moreira2 / Arthur Kummer3 104

Resumo - O presente trabalho investiga o protocolo de atendimento utilizado


para avaliar o desenvolvimento do processo terapêutico de 10 crianças
autistas, com idade entre 03 e 06 anos, atendidas em sessões de
Musicoterapia Improvisacional, no modelo Músico-centrado, durante um
semestre. O objetivo é auxiliar musicoterapeutas no decorrer das sessões a
verificar o desenvolvimento do paciente e a propor intervenções assertivas. O
protocolo identifica etapas do processo musicoterapêutico, relacionadas com
as técnicas de detecção de Fragmentos de Tema Clínico (FTCs), construção
de Temas Clínicos (TCs) e consolidação de suas Variações. Os resultados
mostram que a maior parte das crianças alcançou três etapas propostas, em
uma média estável de sessões. O protocolo pode ser eficaz para pesquisas e
prática clínica em Musicoterapia.
Palavras-Chave: protocolo de atendimento, musicoterapia improvisacional,
musicoterapia músico-centrada, transtorno do espectro do autismo (TEA)

Abstract - This work investigates the treatment protocol used to evaluate the
development of the therapeutic process of 10 autistic children, aged between 03
and 06 years, attended in Improvisational Music Therapy sessions, on the
Music-centered model, during a semester. The goal is to help music therapists
in the course of proceedings to verify the development of the patient and to
propose assertive interventions. The protocol identifies steps of music therapy
process, related to the following techniques: detection of Clinical Theme
Fragments (CTFs), construction of Clinical Theme (CTs) and consolidation of its
Variations. The results show that most of the children reached three proposed

1
Musicoterapeuta, Mestre em Neurociências Clínicas – Universidade Federal de Minas Gerais.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1301269894536856
2
Bacharel em Música – Habilitação em Musicoterapia – Universidade Federal de Minas Gerais.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2506551167425234
3
Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina – Universidade Federal de Minas
Gerais. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5470389577551840
Os autores têm interesse em pesquisas de eficácia de tratamento e de validação de escalas de
avaliação em Autismo e/ou em Musicoterapia. E-mail para correspondência:
marinahf@gmail.com

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


steps in a stable average number of sessions. The protocol can be effective for
research and clinical practice in Music Therapy.
Keywords: treatment protocol, improvisational music therapy, music-centered
music therapy, autism spectrum disorder (ASD)

Introdução 105

O autismo, ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), é um distúrbio


do neurodesenvolvimento que afeta precocemente habilidades de comunicação
social e comportamentos. Os sintomas apresentados e os graus de
comprometimento são muito variados, podendo-se destacar atraso de fala,
agressividade, estereotipias e dificuldade de manutenção de relacionamentos.
Estima-se que a incidência na população é de uma em cada 68 pessoas,
apresentando maior prevalência no sexo masculino (DDMN-CDC, 2010).
Pessoas com TEA demandam acompanhamentos terapêuticos
interdisciplinares para amenização dos sintomas e desenvolvimento das
habilidades acometidas (BERGER, 2003).
A Musicoterapia Improvisacional aparece nesse contexto como uma
possível e ascendente forma de tratamento para essa população. Por ser a
abordagem mais recorrente em pesquisas sobre Musicoterapia e TEA, seus
estudos indicam aproximação da pesquisa à realidade clínica
musicoterapêutica (WIGRAM & GOLD, 2006; GATTINO, 2012). Trabalhando
com o paciente de forma ativa, a Musicoterapia Improvisacional busca motivar
o engajamento na experiência musical conjunta, estimulando o manuseio de
instrumentos, a utilização do corpo e da voz e o diálogo musical, visando,
assim, ao desenvolvimento de comunicação e interação (BRUSCIA, 1987).
Thompson e colaboradores (2013), indo ao encontro das investigações
de Geretsegger e colaboradores (2012), ressaltam a importância dos métodos
improvisacionais flexíveis de Musicoterapia na criação de oportunidades de
interação e reciprocidade para crianças com TEA. De fato, são os ganhos na

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


comunicação e na interação que aparecem com mais frequência nos relatos
científicos sobre a eficácia da Musicoterapia Improvisacional no tratamento de
crianças com TEA (GATTINO, 2012). Sarapa & Katusic (2012) comprovam que
a criação musical através da improvisação pode proporcionar comunicação
musical, trazendo melhoras também em outros níveis de comunicação para
essa população. Outros resultados relevantes citados na literatura são:
106
melhoras na atenção conjunta e na imitação, bem como diminuição de
comportamentos indesejáveis como choro e estereotipias vocais (WIGRAM &
GOLD, 2006; KIM et al, 2008; KIM et al 2009).
A improvisação musical também é um recurso terapêutico importante e
frequentemente utilizado nos modelos de Musicoterapia Criativa (NORDOFF &
ROBBINS, 2007) e de Musicoterapia Músico-centrada (BRANDALISE, 2001).
Em ambos, o foco da improvisação está na música e na musicalidade do
paciente nas sessões e na experiência conjunta. Visando a sistematizar esse
tipo de experiência improvisacional, El-Khouri (2003; 2006) sintetiza as 64
técnicas improvisacionais de Bruscia (1987) e propõe as intervenções em
improvisação musical clínica através de seis níveis de interação musical entre
paciente e terapeuta, que são denominados: contato, espelhamento,
sustentação, encorajamento, diálogo e improvisação livre. O objetivo principal é
sempre o fortalecimento do vínculo terapêutico e o desenvolvimento da
musicalidade e da expressividade (NORDOFF & ROBBINS, 2007). Vale
ressaltar que esses objetivos se relacionam com interação e comunicação, que
constituem as áreas mais afetadas pelo TEA, e cujos avanços são os mais
descritos na literatura de tratamentos em Musicoterapia Improvisacional.
Partindo de conceitos de Nordoff & Robbins, a Musicoterapia Músico-
centrada nomeia os materiais sonoros e pré-musicais dos pacientes como
Fragmentos de Temas Clínicos (FTCs), e os contextos musicais constituídos
de organização mais formal como Temas Clínicos (TCs) (Brandalise, 2001).
Tanto os FTCs como os TCs são entendidos como forças essenciais que
representam o potencial de musicalidade e o potencial de melhora do indivíduo
(Ibid). No livro que marca a introdução do Músico-centramento no Brasil,

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


Brandalise (2001) apresenta como objetivo principal desse modelo a detecção
de FTCs e TCs. No presente trabalho, no que diz respeito ao TC, o termo
“detecção” é substituído por “construção”, no entendimento de que o
musicoterapeuta detecta os FTCs e engaja o paciente no fazer musical para
juntos criarem, construírem o TC.
A Musicoterapia Improvisacional foi empregada neste estudo
107
fundamentada pelo Modelo Músico-centrado e pelos Níveis de Interação
Musical de El-Khouri. A partir de pesquisa, e indo ao encontro da necessidade
de maior sistematização do processo musicoterapêutico, é proposto o
desenvolvimento de um protocolo de atendimento que relate componentes do
processo musicoterapêutico, e que possa ser utilizado tanto em metodologias
de pesquisa quanto na prática clínica que compartilhe dos fundamentos aqui
proclamados.
De acordo com o International Dictionary of Music Therapy, um protocolo
é definido como:

As etapas ou componentes de uma intervenção, tratamento, pesquisa


clínica ou avaliação em Musicoterapia implementado devido a sua
eficácia estabelecida ou antecipada e com base em pesquisas pré-
existentes e / ou a prática baseada em evidências. (Kirkland, 2013, p.
103 – tradução nossa)

Seguindo esse conceito, no que diz respeito à pesquisa clínica,


Geretsegger e colaboradores (2012) expõem um protocolo de ensaio clínico
randomizado que contém o passo a passo da metodologia científica para
análise de eficácia da Musicoterapia Improvisacional no tratamento de crianças
com TEA, apresentando objetivos e intervenções gerais na descrição do
processo clínico improvisacional. Assim como o protocolo de pesquisa, faz-se
necessário buscar um protocolo de atendimento mais detalhado e que de
alguma forma estruture as sessões, a intervenção musicoterapêutica e o
desenvolvimento do paciente ao longo do processo musicoterapêutico.

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


Devido à heterogeneidade de manifestação dos sintomas e
comportamentos no TEA, não se espera um protocolo com estágios fixos.
Todavia, o conhecimento de uma média comum e ideal de desenvolvimento ao
longo das sessões pode auxiliar o musicoterapeuta (pesquisador ou não) a se
orientar e guiar suas intervenções no processo musicoterapêutico em prol de
tratamentos eficazes para pessoas com TEA.
108

Metodologia

Participaram deste estudo 10 crianças com diagnóstico de TEA e idade


entre 03 e 06 anos. Durante um semestre letivo, cada criança foi submetida a
15 sessões individuais e semanais de Musicoterapia Improvisacional Músico-
centrada, com 30 minutos de duração cada. Os pais/responsáveis assinaram o
Termo de Compromisso Livre e Esclarecido autorizando a participação na
pesquisa e a utilização das filmagens das sessões. A pesquisa foi autorizada
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (CAAE: 03655112.3.0000.5149).
As sessões foram realizadas em uma sala do serviço de Psiquiatria
Infantil do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Utilizou-se um tapete desmontável de EVA e os seguintes instrumentos
musicais: voz, violão, teclado, flauta doce soprano e instrumentos de percussão
de pequeno porte variados. Determinou-se a utilização de canção de início e
canção de término de sessão, sendo que a mesma canção foi utilizada em
todas as sessões, para todos os pacientes. Resultados de eficácia do
tratamento podem ser encontrados em Freire (2014).
Embasando-se nos fundamentos descritos na introdução deste artigo, o
processo musicoterapêutico improvisacional foi estruturado em etapas, de
acordo com o engajamento musical do paciente em cada sessão e a fase de
intervenção em que o musicoterapeuta estava atuando. As etapas da
intervenção foram conduzidas empregando os cinco primeiros Níveis de
Interação Musical de El-Khouri; contudo, o ponto determinante para designação
de cada etapa foi a mudança do foco da experiência musical entre FTC, TC e

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


Variações de TC. Dessa maneira, foram detectadas quatro etapas: (1)
detecção de FTC; (2) criação e manutenção de TC; (3) variações de TC; e (4)
novo TC.
Na primeira etapa, ocorrem contato, ambientação e exploração. O
musicoterapeuta espera a iniciativa sonora da criança (os FTCs), e intervém
musicalmente, convidando o paciente a engajar na atividade musical conjunta.
109
Na segunda etapa, com o engajamento na experiência coativa, o
musicoterapeuta sustenta a expressão musical da criança e conduz as
improvisações para que juntos construam o TC e para motivar o paciente a
manter a comunicação musical e a retomar ao tema. Na terceira etapa, o
encorajamento, a manutenção e a ampliação da experiência musical levam
terapeuta e/ou paciente a proporem variações do tema, que podem ser
incorporadas ao TC, ampliando-o. Uma quarta etapa pode ocorrer, quando não
há engajamento do paciente na retomada e ampliação do TC, necessitando a
detecção de novos FTCs e consequente construção de novo TC.
Para detectar as etapas em que se localizavam os pacientes ao longo do
processo musicoterapêutico, os sujeitos de pesquisa tiveram suas filmagens e
anotações de sessões analisadas pela pesquisadora. Foram procedidas
somas, médias e desvios-padrão, através do Microsoft Office Excel 2007, a fim
de encontrar um panorama geral que permitisse o desenvolvimento do
protocolo. Os resultados são apresentados a seguir.

Resultados

Os sujeitos de pesquisa eram em sua maioria meninos (9:1) e tinham


idade entre 03 e 06 anos, com média de 4 anos e 11 meses de idade.
Conforme avaliação realizada através da Childhood Autism Rating Scale

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


(CARS)4, seis deles apresentavam características autísticas leves a
moderadas, enquanto quatro apresentavam características graves.
Como pode ser observado pela Tabela 1, todas as crianças
completaram as Etapas 1 e 2 do processo musicoterapêutico; 9 dentre as 10
crianças alcançaram a Etapa 3; e apenas uma criança atingiu a Etapa 4.

110

TABELA 1: Etapas do processo musicoterapêutico de cada paciente em cada sessão


Legenda: 1=Etapa 1; 2=Etapa 2; 3=Etapa 3
Etapa em cada sessão
Paciente Sessão1 Sessão2 Sessão3 Sessão4 Sessão5 Sessão6 Sessão7 Sessão8 Sessão9 Sessão10 Sessão11 Sessão12 Sessão13 Sessão14 Sessão15
A 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3
B 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3
C 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3
D 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3
E 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3
F 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3
G 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3
H 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3
I 1 1 1 2 2 2 2 2 3 3 3 4 4 4 4
J 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2

OBS: a sessão 15 do paciente J não está preenchida devido a falta, tendo o paciente
sido atendido por 14 sessões

Através da análise da Tabela 1, pode-se perceber que os pacientes


seguiram a estrutura das etapas de forma ordenada, ou seja, todos começaram
na Etapa 1 e não pularam etapa. Análise também mostra que as crianças
ficaram na Etapa 1 por uma média de 4 sessões, na Etapa 2 por uma média de
6 sessões e na Etapa 3 por uma média de 5 sessões, sempre com desvio
padrão de aproximadamente 01 sessão. A contribuição de cada Etapa em
relação ao total de pacientes pode ser visto no Gráfico 1. O gráfico também
permite visualizar o movimento progressivo resultante das Etapas ao longo das
sessões, que apresenta divisores de sessão mais marcados entre as Etapas 1
e 2, e mais variantes entre as Etapas 2 e 3.

4
A Childhood Autism Rating Scale (CARS) é um instrumento de avaliação diagnóstica em
Psiquiatria Infantil composto por 15 itens que descrevem comportamentos autísticos com
pontuações entre 1 (dentro da normalidade) e 4 (sintomas graves). A pontuação total classifica
a criança como não autista (15 a 30 pontos), autista leve a moderado (30 a 36 pontos) ou
autista grave (36 a 60 pontos) (PEREIRA et al, 2008).

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


111

GRÁFICO 1: Total de pacientes por Etapa ao longo das sessões

A partir das análises descritas acima e da metodologia empregada nas


sessões, é proposto um protocolo de atendimento do processo
musicoterapêutico improvisacional músico-centrado de crianças com TEA
(Quadro 1). O protocolo contempla as Etapas 1 a 3, já que a Etapa 4 foi
alcançada apenas por um paciente. O protocolo é estruturado a partir do tempo
pré-determinado de duração do tratamento, de 15 sessões. Assim, vale
ressaltar que a Etapa 3 não necessariamente se finaliza na sessão 15, em
caso de continuidade das sessões.

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


112

QUADRO 1: Protocolo de Atendimento em Musicoterapia Improvisacional Músico-


centrada de crianças com TEA

Discussão

Os resultados desta pesquisa apresentam o protocolo que propõe


Etapas de intervenção em Musicoterapia Improvisacional Músico-centrada e
uma média de sessões para cada Etapa. Apesar do pequeno número de
sujeitos, os resultados são valiosos e promissores por seu ineditismo, sua base
em evidências de eficácia e sua abertura para possibilidades de aprimoramento
em futuras pesquisas.
O protocolo permite observar a evolução das crianças atendidas ao
longo das sessões, e através dessa observação pode-se sugerir a eficácia da
Musicoterapia Improvisacional Músico-centrada, mesmo este não sendo o foco

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


do presente estudo5, uma vez que a expansão dos acontecimentos musicais ao
longo das Etapas implica em desenvolvimento de habilidades e ampliação de
comportamentos por parte do paciente. Por exemplo, a passagem do nível pré-
musical exploratório (Etapa 1) para o engajamento na experiência musical co-
ativa (Etapa 2) indica fortalecimento de vínculo terapêutico e desenvolvimento
de musicalidade.
113
Mesmo as crianças que não acompanharam o tempo sugerido pelo
protocolo seguiram a sequência das Etapas estruturadas, de forma mais lenta
ou mais rápida, o que implica na possibilidade de utilização do protocolo como
guia da evolução do processo musicoterapêutico. De acordo com a descrição
de cada Etapa e sua média de duração, pode-se inferir que o paciente que
demora mais sessões na Etapa 1 tem maior dificuldade para engajar na
experiência musical coativa, e que o paciente que demora mais sessões na
Etapa 2 tem maior dificuldade de propor Variações de TC ou aceitar propostas
de Variações vindas do musicoterapeuta. Por outro lado, o paciente que
demora menos na Etapa 1 estaria mais propenso a se engajar na interação e
comunicação musicais, e o paciente que passa mais rápido pela Etapa 2
permitiria uma mais rápida consolidação do TC, facilitando com segurança a
introdução às Variações.
A ausência da Etapa 4 no protocolo, devido à mesma ausência no
processo musicoterapêutico da maioria das crianças, poderia ser explicada
pelo comportamento resistivo a mudanças típico do TEA, que demanda a
presença rotineira dos mesmos FTCs, TCs ou Variações, em detrimento do uso
de materiais sonoros para novos TCs. O musicoterapeuta pode usar essa
característica a favor do processo terapêutico nas intervenções musicais,
incentivando a criança a manter a interação e a comunicação musical ao
retomar sempre o mesmo TC (Etapa 2). Contudo, se a Etapa 4 for alcançada
por uma criança, o protocolo proposto pode continuar a ser utilizado, uma vez
que essa etapa corresponde ao recomeço do processo de construção do TC
(Etapas 1 e 2), estendendo o protocolo a novas sessões.

5
Para estudo de eficácia, ver Freire (2014).

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


Em Musicoterapia Músico-centrada, Brandalise (2001) aponta uma
média de 6 sessões para detecção de FTCs ou TCs. As crianças deste estudo
demoraram até 6 sessões, porém em uma média de 4 sessões. Podem-se
levantar futuras discussões sobre a diferença de duração na primeira Etapa,
principalmente com relação ao público atendido (idade, patologia) e às
experiências musicais utilizadas (improvisação ou outras). Outro ponto que
114
pode ser levantado a partir de Brandalise (2001) são os conceitos de turning
points e platôs do processo musicoterapêutico músico-centrado. Trazendo
esses conceitos para o protocolo apresentado, os turning points
corresponderiam às sessões limítrofes entre as Etapas, enquanto os platôs
constituiriam as sessões que se mantêm ao longo de uma Etapa.
Como já citado, este protocolo não está acabado. Pelo contrário, é uma
proposta que visa a fomentar discussões e levantar ideias que venham no
sentido de aprimorar os resultados aqui apresentados e aperfeiçoar o
atendimento musicoterapêutico de pessoas com TEA. Será útil para o campo
das evidências científicas em Musicoterapia se futuras pesquisas puderem ser
realizadas com maior número de sujeitos, além de verificar correlação entre a
duração das Etapas para cada paciente e seu comprometimento nos sintomas
de TEA. Outros estudos podem também investigar a aplicação deste protocolo
no tratamento de outras populações (outras idades e outros diagnósticos).
Este trabalho apresenta grande relevância para a Musicoterapia no
âmbito da pesquisa, como um protocolo de investigação, e no âmbito clínico,
como protocolo de atendimento. No campo científico, levanta a importância de
ensaios clínicos com rigor metodológico e reprodutibilidade, a fim de se
comprovar a eficácia do tratamento musicoterapêutico. Na prática clínica,
permite sistematização das sessões e reflexão do musicoterapeuta sobre o
andamento do processo. Dessa maneira, o conhecimento das técnicas aqui
discutidas e das Etapas propostas é extremamente útil para que o
musicoterapeuta possa tomar decisões e fazer uso de intervenções de forma
consciente ao longo do processo musicoterapêutico, independente da
abordagem utilizada.

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


Conclusão

O processo musicoterapêutico improvisacional músico-centrado pode se


valer de protocolo apropriado para atendimento de crianças com TEA. O
protocolo pode ser dividido em etapas de acordo com a intervenção e o
comportamento musical do paciente ao longo das sessões.
115
A evolução de Etapas compreende uma média de sessões definida, o
que proporciona uma diretriz para o processo musicoterapêutico da criança
com TEA e permite avaliar sua evolução terapêutica. Os resultados
demonstraram que as crianças migraram de uma Etapa para outra sem pular
degraus, o que reforça uma continuidade saudável no desenvolvimento.
São necessárias mais pesquisas para que o protocolo aqui apresentado
seja testado em maior escala e para que outros protocolos sejam
desenvolvidos, uma vez que o uso de protocolos devidamente analisados é de
suma importância para auxílio de pesquisas e da prática clínica em
Musicoterapia.

Órgão financiador
CAPES

Agradecimento
Ao Musicoterapeuta Professor Renato Tocantins Sampaio – Projeto de
Extensão Clínica de Musicoterapia da Escola de Música da UFMG – Curso de
Bacharelado em Música com Habilitação em Musicoterapia da UFMG

Referências

BERGER, D. S. Music Therapy, Sensory Integration and the Autistic child.


2. London: Jessica Kingsley Publishers Ltd, 2003, 255p.

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


BRANDALISE, A. Musicoterapia músico-centrada: Linda – 120 sessões.
São Paulo: Apontamentos, 2001, 86p.

BRUSCIA, K. E. Improvisational Models of Music Therapy. Springfield:


Charles C. Thomas Publishers, 1987, 590p.

DEVELOPMENTAL DISABILITIES MONITORING NETWORK (DDMN); 116


CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Surveillance
Year 2010: prevalence of autism spectrum disorder among children aged 8
years - autism and developmental disabilities monitoring network, 11 sites,
United States. MMWR Surveill Summ, v. 63, n. 2, p. 1-21, 2014.

EL-KHOURI, R. N. Music Therapy Education and Training: a study of the


development of music skills for students within undergraduate music therapy
programmes in Brazil. 137f. 2003. Dissertação (Master of Arts) – Anglia
Polytechnic University, Cambridge, 2003.

EL-KHOURI, R. N. Uma Leitura Junguiana do Procedimento da


Improvisação Musical Clínica em Musicoterapia. 63f. 2006. Monografia
(Especialização em Psicologia Analítica Junguiana) – Universidade Estadual de
Campinas, UNICAMP, Campinas, 2006.

FREIRE, M. H. Efeitos da Musicoterapia Improvisacional no Tratamento de


Crianças com TEA. 74f. 2014. Dissertação (Mestrado em Neurociências) –
Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, 2014.

GATTINO, G. Musicoterapia aplicada à avaliação da comunicação não


verbal de crianças com transtornos do espectro autista: revisão
sistemática e estudo de validação. 180f. 2012. Tese (Doutorado em
Medicina) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRS, Porto Alegre,
2012.

GERETSEGGER, M.; HOLCK, U.; GOLD, C. Randomised controlled trial of


improvisational music therapy’s effectiveness for children with autism spectrum
disorders (TIME-A): study protocol. BMC Pediatrics, v. 12, n. 2, 2012.

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.


KIM, J.; WIGRAN, T.; GOLD, C. The Effects of Improvisational Music Therapy
on Joint Attention Behaviors in Autistic Children: A Randomized Controlled
Study. J Autism Dev Disord, v. 38, p. 1758–1766, 2008.

KIM, J.; WIGRAN, T.; GOLD, C. Emotional, motivational and interpersonal


responsiveness of children with autism in improvisational music therapy.
Autism SAGE Publications and The National Autistic Society, v. 13, n. 4. p.
389-409, 2009. 117

KIRKLAND, K. International Dictionary of Music Therapy. New York:


Routledge, 2013. p.103.

NORDOFF, P.; ROBBINS, C. Creative Music Therapy: A Guide to Fostering


Clinical Musicianship. 2. Gilsum: Barcelona Publishers, 2007. 516p.

PEREIRA, A.; RIESGO, R. S.; WAGNER, M. B. Childhood autism: translation


and validation of the Childhood Autism Rating Scale for use in Brazil. Jornal de
Pediatria, v. 84, n. 6, p. 487-494, 2008.

THOMPSON, G. A.; MCFERRAN, K. S.; GOLD, C. Family-centred music


therapy to promote social engagement in young children with severe autism
spectrum disorder: a randomized controlled study. Child Care Health Dev, v.
40, n. 6, p. 840–852, 2013.

SARAPA, K. B., & KATUSIC, A. H. Application of music therapy in children with


autistic spectrum disorder/Primjena muzikoterapije kod djece s poremecajem iz
autisticnog spektra. Revija za Rehabilitacijska Istrazivanja, v. 48, n. 2, p. 124-
129, 2012.

WIGRAM, T., GOLD, C. Music therapy in the assessment and treatment of


autistic spectrum disorder: clinical application and research evidence.
Child Care Health Dev, v. 32, n. 5, p. 535–542, 2006.

Recebido em 25/04/2015
Aprovado em 17/06/2015

Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n° 18 ANO 2015. p. 104 a 117.

Você também pode gostar